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Parasitologia Letícia Iglesias Jejesky Med 106 1 Esquistossomose mansônica Estima-se que, no mundo, cerca de 150 a 200 milhões de pessoas estão parasitadas por alguma espécie de Schistosoma; mas nas Américas ocorre apenas uma, o Schistosoma mansoni. No Brasil, existem cerca de 6 milhões de pessoas infectadas, muitas com retocolite, mas outras com hepatoesplenomegalia. Ela possui níveis diferentes de agressividade; etnia negra é mais branda. Fase intestinal (inicial): retocolite. Fase mais grave: hepatoesplenomegalia. Filo: Plathyhelminthes (é um verme achatado) Classe: Trematoda (não tem forma de fita e nem é segmentado) Ordem: Digenea (duas origens, uma no hosp. Def. e outra no hosp. interm; dois tipos de reprodução (sexuada no homem e assexuada no caramujo) e possui ciclo heteroxênico) Família: Schistosomatidae Espécie: Schistosoma mansoni Schistosoma mansoni Formas do ciclo biológico: Macho – 1 cm; esbranquiçado e dotado de canal ginecóforo; corpo achatado. Fêmea – 1,5 cm; corpo achatado e alongado. Ovo – formato oval e dotado de um espículo, é encontrado nas fezes. Miracídio – forma cilíndrica, corpo ciliado. Poderá gerar de 200 a 300 mil cercárias, já com sexo pré-estabelecido. Cercárias – forma alongada, de cauda bifurcada. Canal ginecóforo: é uma cavidade onde se aloja a fêmea quando esses vermes atingem a maturidade sexual. Ovo Espículo: permite a identificação da presença do verme no organismo humano; ou seja, a presença de ovos dotados de espículos é um método diagnóstico para a esquistossomose. Ele abre passagem através dos vasos sanguíneos, atinge o conjuntivo e posteriormente o lúmen do órgão. Miracídio: liberado após o ovo eliminado nas fezes atingir meio aquoso; é a forma larvária ciliada que invade o corpo do caramujo (hospedeiro intermediário), onde passa por transformações e se desenvolve em uma larva maior, o esporocisto. O esporocisto gera novas larvas, que ao abandonarem o corpo do caramujo serão infectantes, essas larvas são as cercárias. Resumo: o miracídio é uma larva ciliada que, chegando na água doce, tem a missão de atingir o corpo de um caramujo, onde passa por transformações para originar as cercárias. Cercárias: encontram o organismo humano utilizando o quimiotropismo e o termotropismo. O ser humano é fonte de calor na água. Habitat no organismo humano: Adultos imaturos sexualmente vivem no sistema porta-hepático; com a maturidade sexual veias mesentéricas (plexo hemorroidal). É do plexo hemorroidal que os ovos dotados de espículos têm a possibilidade de atravessar a mucosa do intestino grosso, chegar até o epitélio intestinal e atingir o lúmen; principalmente a nível de reto, onde eles serão eliminados junto com as fezes. Parasitologia Letícia Iglesias Jejesky Med 106 2 Formas evolutivas Adultos: dotados de ventosas, o que garante a fixação aos vasos sanguíneos; corpo com espinhos para maior facilidade de fixação no interior dos vasos sanguíneos. Localizados no plexo hemorroidal. Nossas células de defesa são incapazes de reconhecer os vermes adultos; por outro lado, os ovos (que são liberados nos vasos sanguíneos) são reconhecidos pelas células de defesa e são responsáveis por desencadear o quadro clínico grave. Ciclo biológico Ovo miracídio esporocisto cercárias esquistossômulo vermes adultos ovo... O Schistossoma mansoni, ao atingir a fase adulta de seu ciclo biológico no sistema vascular de humanos e de outros mamíferos, alcança as veias mesentéricas, principalmente a veia mesentérica inferior, migrando contra a corrente circulatória; os casais desse parasito podem viver mais de 30 anos, eliminando ovos. Os ovos colocados levam cerca de uma semana para tornarem-se maduros (miracídio formado). Da submucosa chegam à luz intestinal. Os prováveis fatores que promovem essa passagem são: Reação inflamatória Pressão dos ovos que são postos atrás (“bombeamento”) Enzimas proteolíticas produzidas pelo miracídio lesando os tecidos Adelgaçamento da parede do vaso Finalmente, ocorre a perfuração da parede venular já debilitada pelos fatores anteriormente citados e auxiliada pela descamação epitelial provocada pela passagem do bolo fecal. Os ovos ganham o ambiente externo. Transmissão Atividades recreativas e laborais em rios e lagoas; rizicultura; valas de irrigação; etc. Caramujo Biomphalaria A parte viva dele é vermelha, pois contém hemoglobina que é importante para o desenvolvimento dos miracídios e formação das cercárias. Transmissão Penetração ativa de cercárias em valas de irrigação, córregos, açudes e lagoas. Picos de transmissão – entre 10 a 16 horas. Patogenia Está ligada a: Carga parasitária (quantidade de vermes que tem acesso ao organismo e vão sobreviver) e resposta imunológica do paciente (principalmente) – quando a resposta imunológica do paciente sobre o parasito é ineficiente, inespecífica e/ou desproporcional a doença ganha um curso bastante grave e isso está relacionado à manutenção, presença e retenção dos ovos do verme no hospedeiro definitivo – esses ovos sensibilizam o sistema imunológico ao liberarem toxinas. Cepa do parasito. Idade do paciente – mais grave abaixo de 24 anos Estado nutricional – se o paciente já tem déficit nutricional, ele sofre mais com as cargas parasitárias. Parasitologia Letícia Iglesias Jejesky Med 106 3 a) Cercárias – dermatite cercariana ou dermatite do nadador (esse é um sinal patognomônico!) – “nadou, coçou, pegou” Sensação de comichão (“lagoas de coceira”); Erupção urticariforme; Eritema, edema, pápulas e dor (24 horas depois da penetração). b) Esquistossômulos – em três semanas vão da pele aos pulmões e daí ao sistema porta-hepático. Linfadenia generalizada; Febre; Aumento do volume do baço – esplenomegalia discreta. Sintomas pulmonares. c) Adultos Vivos – espoliação – os adultos se nutrem de 2,5 mg de Fe (se apossam das hemácias; ovo rompe parede dos vaso sanguíneos, o paciente perde sangue nas fezes também pode dar anemia) e 1/5 de seu peso em glicose por dia – a partir disso, já podemos imaginar que o paciente vai apresentar anemia e emagrecimento por déficit energético. Mortos – lesões extensas e circunscritas. Essas lesões ocorrem principalmente no fígado, para onde os vermes são arrastados pela circulação porta. Após morrerem, os adultos não conseguem mais se camuflar do sistema imunológico. d) Ovos – elementos mais patogênicos. Quanto maior a quantidade de ovos chegando ao intestino, maior a quantidade de lesões. Antígeno excretado pelo ovo – reação inflamatória granulomatosa; Os ovos são os elementos fundamentais da patogenia da esquistossomose e, quando atingem o fígado, lá permanecem e causam as alterações mais importantes da doença. O antígeno solúvel excretado pelos poros do ovo vivo provocará a reação inflamatória granulomatosa. Portanto, a deposição dos ovos do parasito no hospedeiro é o evento fundamental de um complexo fisiopatológico que promoverá a formação do granuloma (ovo mais reação granulomatosa que o envolve). Os granulomas apresentam, durante o seu desenvolvimento, as seguintes fases: Fase necrótica exudativa – zona necrótica em torno do ovo com eosinófilos, neutrófilos e histiócitos presentes. Fase produtiva ou de reação histiocitária – reparação da área necrosada. Fase de cura ou fibrose – nódulos (granuloma endurecido). Essas lesões granulomatosas são as principais responsáveis pelas variações clinicas e pelas complicações digestivas e circulatórias vistas. A fibrose esquistossomótica Caso os ovos permaneçam na mucosa sem sair, seus produtos desencadeiam uma reação inflamatória local de tipo granuloma. Granulomas:1. Numerosos macrófagos seguidos de eosinófilos, linfócitos e alguns plasmócitos cercam o ovo. 2. Macrófagos fundem-se e formam gigantócitos, que envolvem o ovo e começam a digeri-lo. 3. Após a morte do embrião, diminuem os granulócitos e multiplicam-se aí os fibroblastos (derivados de macrófagos) que assumem disposição em camadas circulares concêntricas e começam a depositar fibras reticulares e colágeno com igual disposição. 4. Por fim, os fibroblastos se tornam simples fibrócitos. 5. As escleroproteínas da casca ovular ainda tardam algum tempo para desaparecer. O resultado é a formação de uma estrutura cicatricial fibrosa. Restos de um ovo morto de S. mansoni envolvido pela reação inflamatória granuloma-tosa. Toxinas do ovo reação inflamatória necrose reparação tecidual fibrose. Parasitologia Letícia Iglesias Jejesky Med 106 4 Evolução da doença 1) Fase aguda – 50 a 120 dias após a infecção. Disseminação miliar de ovos – necrose no intestino e formação de granulomas no fígado e até no pulmão – forma toxêmica. Forma Toxêmica – síndrome de Katayama (caracteriza fase aguda) Febre e sudorese – quando os ovos começam a se espalhar pelo corpo do hospedeiro. Calafrio; Emagrecimento; Fenômenos alérgicos; Diarréia (mucosanguinolenta – o muco é uma resposta à presença desses ovos no próprio conjuntivo e no lúmen), disenteria, cólicas e tenesmo; Hepatoesplenomegalia discreta – devido aos antígenos secretados pelos ovos; Leucocitose com eosinofilia. Até o início da disseminação miliar de ovos é fase aguda, após isso, é fase crônica. 2) Fase crônica Alterações intestinais, hepatointestinais ou hepatoesplênicas. a) Alterações intestinais Nos casos crônicos graves, fibrose, com diminuição do peristaltismo e constipação constante. Passagem dos ovos pela mucosa provocam hemorragias – diarréias mucossanguinolentas. b) Alterações do fígado Relacionadas a formação de granulomas. Aumento de volume e dor (palpação); Redução dos espaços porta por fibrose – “Fibrose de Symmers”: retração da cápsula de Glisson, hipertensão portal, formação de saliências ou lobulações. A fibrose de Symmers é um sinal patognomônico da esquistossomose hepática. Paciente com fibrose de Symmers – tem esquistossomose crônica. As alterações hepáticas típicas surgem a partir do início da oviposição e formação dos granulomas. Em consequência, teremos um quadro evolutivo que depende do número de ovos que chegam nesse órgão, bem como o grau da reação granulomatosa que induzem. No início, o fígado aumenta de volume e fica doloroso à palpação. Os ovos prendem-se nos espaços porta, com a formação de numerosos granulomas. Com o efeito acumulativo das lesões granulomatosas em torno dos ovos, as alterações hepáticas tornam-se mais sérias. O fígado, que inicialmente aumenta de volume, em uma fase mais avançada pode estar menor e fibrosado. Nessa fase, aparece o quadro de “fibrose de Symmers”. Dessa forma, não se nota cirrose hepática, mas sim a fibrose do órgão, cuja retração de sua cápsula em numerosos pontos provoca a formação de saliências e lobulações. Assim sendo, os granulomas hepáticos irão causar uma endoflebite aguda e fibrose periportal, a qual provocará obstrução dos ramos intra- hepáticos da veia porta com formação de pequenos trombos. Essa obstrução trará como consequência a hipertensão portal. Essa hipertensão pode intensificar-se com a evolução da doença causando no paciente uma série de alterações como: esplenomegalia, varizes esofagianas, ascite, etc. c) Esplenomegalia Provocada por um fenômeno imunoalérgico. d) Varizes esofagianas - hematêmese (perde mais sangue mais anemia) e) Ascite ou barriga d’água f) Outras localizações – ovos nos pulmões, sêmen humano, granulomas na pele, pâncreas, testículos e ovários, raramente no baço. Produção e destino dos ovos O acúmulo e formação de granulomas em torno dos ovos vai desenvolvendo progressivamente uma fibrose esquistossomótica periportal (A). Nas fases avançadas da doença, isso cria obstáculos para a circulação hepática pré-capilar e hipertensão no sistema da veia porta. O fígado apresenta-se, então, endurecido e com superfície irregular (B). Parasitologia Letícia Iglesias Jejesky Med 106 5 Esquistossomíase A. Inaparente Sem sintomas, no máximo dermatite cercariana. B. Aguda (inicial) Estado febril Tosse seca (não produtiva) B1. Leve ou moderada B2. Toxêmica Com síndrome de Katayama C. Crônica C1. Intestinal Na maioria dos casos, a infecção permanece silenciosa enquanto a carga parasitária for baixa e a acumulação de ovos nos tecidos pequena. Os pacientes levam anos (em geral 10 ou mais) para atingirem um máximo de carga parasitária. De início, os ovos predominam na mucosa do intestino distal e o paciente apresenta uma retocolite, com evacuações frequentes acompanhadas de tenesmo e ardor ao defecar. Retocolite – defeca em parcelas e tem sensação de ardência (a passagem dos ovos dotados de espículos produz lesões que causam ardor). Defecar em parcelas é vantajoso para o parasito, pois ele pode se distribuir em mais áreas. C2. Hepatointestinal À medida que os helmintos forem migrando para a submucosa e seus ovos arrastados para o fígado, a patologia se agrava. Sintomas: má digestão, plenitude gástrica pósprandial, flatulência e inapetência, mal-estar e nervosismo, desânimo e emagrecimento. O fígado e sobretudo o baço aumentam de tamanho. C3. Hepatoesplênica Compensada: crescimento não demasiado do baço Descompensada (esplenomegalia): hematêmese, ascite. Complicada: glomerulopatia, linfoma esplênico e trombose portal. C4. Vasculopulmonar – quando alguns adultos chegam aos pulmões pela circulação colateral. Hipertensiva: dispneia ao esforço, palpitações e tosse: pode ocasionar o cor pulmonale = alterações das câmaras cardíacas direitas (hipertrofia do átrio e ventrículo direito). Cianótica: microfístulas arteriovenosas pulmonares Microfístulas espículos abrem passagem nos vasos sanguíneos contato entre sangue venoso e arterial reduz eficiência do fornecimento de oxigênio cianose tecidos entram em anóxia. C5)Especial Ectópica: ovos espalhados por vários órgãos, inclusive do sistema nervoso. Associação com neoplasias: colorretal, hepática e linfoma não Hodgkin. Esquistossomíase crônica O quadro clínico evolui lentamente, até que a fibrose hepática pré-capilar comece a dificultar a circulação portal intrahepática. Surgem então hipertensão no território da veia porta, maior esplenomegalia, edemas e ascite, bem como circulação colateral entre o sistema porta e o das veias cavas. Formam-se varizes esofagogástricas e há tendência a hemorragias (hematêmeses), que podem ser graves. Há desnutrição e o quadro clínico se torna mais grave. Em consequência das lesões hepáticas e esplênicas, há hipoproteinemia, anemia, leucopenia, plaquetopenia e deficiência da coagulação. Diagnóstico 1. Clínico Levar em consideração a sintomatologia (em relação à fase da doença) e anamnese (hábitos, origem, etc). 2. Parasitológico - Método de Kato- Katz/Método de Lutz Exame de fezes (ovos muito característicos); Raspagem da mucosa retal – interessante para verificar a eficiência do tratamento. Método da eclosão miracidiana 3. Métodos imunológicos Intradermorreação; Reação de fixação do complemento; Reação de hemaglutinação indireta; Radioimunoensaio; Reação de imunofluorescência indreta; Elisa e Elisa de captura ou sanduíche. Diagnóstico diferencial: A) Forma aguda Febre tifóide, calazar, salmoneloses, infecções pulmonares, malária aguda, hepatites virais, estrongiloidíase. Parasitologia Letícia Iglesias Jejesky Med 106 6 B) Forma intestinal e hepatointestinal Maioria das parasitosesintestinais; sangue nas fezes pode caracterizar a esquistossomose. C) Forma hepatoesplênica Cirrose, hepatites crônicas, calazar, malária. Fibrose de Symmers é sinal patognomônico nessa forma da doença. Ultrassonografia pode indicar a esquistossomose. Epidemiologia Presença e expansão da esquistossomose Clima de país tropical; Altas temperaturas e luminosidade intensa; Contaminação fecal humana das coleções aquáticas; Esgotos domésticos que desembocam diretamente nos criadouros de molusco; No nordeste as chuvas ocasionam o surgimento de inúmeros criadouros; Condições socioeconômicas precárias; Migrações internas; Caramujos potencialmente transmissores; Disseminação de espécies de Biomphalaria: B. glabrata, B.tenagophila e B. straminea Projetos de piscicultura e “pesque- pague”.6 Fatores ligados à população humana Idade – mais jovens apresentam a maior prevalência e as cargas parasitárias mais altas; Raça – menor incidência de formas graves da doença na raça negra; Atividades recreativas e profissionais – banhos de lagoas; trabalhadores de plantações irrigadas; lavadeiras. Imunidade protetora em populações Em áreas endêmicas balanço positivo de IgE com relação ao IgG4 nas populações conferem maior resistência a reinfecção. Vacinação Vacina produzida na Fiocruz- Dra. Míriam Tendler; Tratamento Oxamniquina (inibição da síntese de DNA e síntese protéica) Praziquantel (destruição do tegumento e exposição dos parasitas ao sistema imunológico) Profilaxia Diagnóstico e tratamento da população; Saneamento básico; Combate aos caramujos; Evitar banhos de lagoas; Campanhas educacionais;