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CONTRATOS INTERNACIONAIS DE COMPRA E VENDA Autoria: Ane Elise Brandalise Gonçalves Indaial - 2021 UNIASSELVI-PÓS 1ª Edição CENTRO UNIVERSITÁRIO LEONARDO DA VINCI Rodovia BR 470, Km 71, no 1.040, Bairro Benedito Cx. P. 191 - 89.130-000 – INDAIAL/SC Fone Fax: (47) 3281-9000/3281-9090 Reitor: Prof. Hermínio Kloch Diretor UNIASSELVI-PÓS: Prof. Carlos Fabiano Fistarol Equipe Multidisciplinar da Pós-Graduação EAD: Carlos Fabiano Fistarol Ilana Gunilda Gerber Cavichioli Cristiane Lisandra Danna Norberto Siegel Camila Roczanski Julia dos Santos Ariana Monique Dalri Bárbara Pricila Franz Marcelo Bucci Revisão de Conteúdo: Bárbara Pricila Franz Revisão Gramatical: Equipe Produção de Materiais Diagramação e Capa: Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI Copyright © UNIASSELVI 2021 Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. G635c Gonçalves, Ane Elise Brandalise Contratos internacionais de compra e venda. / Ane Elise Brandalise Gonçalves – Indaial: UNIASSELVI, 2021. 141 p.; il. ISBN 978-65-5646-317-9 ISBN Digital 978-65-5646-316-2 1. Contratos internacionais. - Brasil. II. Centro Universitário Leonardo da Vinci. CDD 340 Impresso por: Sumário APRESENTAÇÃO ............................................................................5 CAPÍTULO 1 Teoria Geral dos Contratos e o Direito Internacional .......... 7 CAPÍTULO 2 Aspectos Fundamentais dos Contratos Internacionais de Compra de Venda ......................................................................... 51 CAPÍTULO 3 Normas Aplicáveis aos Contratos Internacionais de Compra e Venda .......................................................................................... 97 APRESENTAÇÃO A presente obra – “Contratos Internacionais de Compra e Venda” – visa colocar você em contato com os conceitos essenciais dos contratos internacionais e, assim, melhor compreender as dinâmicas e processos inerentes aos contratos internacionais de compra e venda em uma conjuntura de globalização e crescentes transações internacionais. Outrossim, a obra busca trazer, sob um viés interdisciplinar e com especial enfoque aos âmbitos do Direito Internacional Privado, Direito Interno Brasileiro, Relações Internacionais e Comércio Exterior, as transformações e desafios na construção dos princípios e valores que regem as relações jurídicas contratuais internacionais (nova lex mercatoria). Com esta obra, você poderá realizar uma imersão na teoria e na prática dos contratos internacionais e, mais especificamente, dos contratos internacionais de compra e venda, assim como terá respaldo para reflexões na solução de conflitos e de jurisdição atinentes às lides contratuais internacionais. Para tanto, no Capítulo 1, você iniciará os estudos com as noções básicas e essenciais a respeito da Teoria Geral dos Contratos, verificando a atual conjuntura de globalização na qual se encontram envolvidas as relações jurídicas contratuais, o conceito de contratos internacionais, os princípios contratuais básicos e os seus requisitos de validade. Verificados os pressupostos da Teoria Geral dos Contratos e suas peculiaridades na esfera internacional, no Capítulo 2 você analisará os aspectos fundamentais dos contratos internacionais de compra de venda. Nessa toada, você verá o tratamento jurídico conferido pela Convenção das Nações Unidas sobre Contratos de Compra e Venda Internacional de Mercadorias – UNCITRAL e, após, constatará quais são os contratos ligados à compra e venda internacional, assim como refletirá sobre os contratos via internet (e-commerce). Ainda, você vislumbrará quais são as cláusulas contratuais essenciais (incoterms) para se ter presente no instrumento contratual internacional. Por fim, no Capítulo 3, você analisará, de modo mais aprofundado, a questão das normas aplicáveis aos contratos internacionais de compra e venda, presentes na lex mercatoria e no Direito Internacional Privado, assim como verificará como se dá a resolução de conflitos e escolha da lei aplicável. Vale ressaltar, por fim, que esta obra conta com diversas atualidades, buscando proporcionar uma visão macroscópica, tanto no plano teórico quanto no plano fático, a você. Bons estudos! CAPÍTULO 1 TEORIA GERAL DOS CONTRATOS E O DIREITO INTERNACIONAL A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem: Apontar a importância do estudo dos contratos internacionais na atualidade. Defi nir o conceito de contratos internacionais. Enunciar os princípios básicos das relações jurídicas contratuais. Identifi car os requisitos de validade dos contratos internacionais. Discutir a crescente relevância dos contratos internacionais em uma conjuntura de globalização. Examinar o que se entende por contratos internacionais. Empregar os princípios contratuais nas relações jurídicas internacionais. Esquematizar os requisitos de validade dos contratos internacionais. 8 Contratos Internacionais de Compra e Venda 9 TEORIA GERAL DOS CONTRATOS E O DIREITO INTERNACIONAL Capítulo 1 1 CONTEXTUALIZAÇÃO Caro estudante, no primeiro capítulo, nosso estudo será dedicado à teoria geral do contrato e sua compreensão em um contexto globalizatório, de crescentes consequências e relevância no cotidiano da sociedade mundial. Inicialmente, analisaremos justamente esse contexto globalizatório e seus impactos, diretos e indiretos, nas relações contratuais internacionais. Cumpre ressaltar, desde logo, que a globalização é ora compreendida enquanto processo histórico que culmina por atingir não apenas a esfera econômica, mas também diversos aspectos da vida social e cultural. Assim, a temática das relações jurídicas internacionais demonstra-se assunto de suma relevância a variados atores que convivem em sociedade, de modo que o presente capítulo assume enfoque interdisciplinar. Após, examinaremos o que se entende por contratos internacionais, de acordo com o que preleciona a doutrina e as principais normas emanadas pelo Direito Internacional Público, Direito Internacional Privado, bem como pelo Direito Interno Brasileiro. Outrossim, inserido no conceito de contratos internacionais, será vislumbrado o seu processo de formação, ou seja, o passo-a-passo para criação e consecução de um contrato internacional. Defi nido o conceito de contratos internacionais e seu processo de formação, verifi caremos, com base nos ensinamentos do Instituto Internacional para a Unifi cação do Direito Privado (UNIDROIT), os principais princípios contratuais aplicáveis no âmbito internacional, como a força obrigatória dos contratos (pacta sunt servanda), a autonomia da vontade e a boa-fé objetiva. Por fi m, a obra apresenta os requisitos (condições, elementos) necessários para que todo e qualquer contrato internacional seja considerado válido, quais sejam: capacidade das partes, consentimento mútuo e livre (acordo livre entre as partes), licitude e possibilidade do objeto, forma livre e de acordo com a autonomia das partes. Assim, convidamos você, caro estudante, a conhecer, aprofundar e realizar um debate crítico a respeito dos contratos internacionais em um contexto de globalização. Bons estudos! 10 Contratos Internacionais de Compra e Venda 2 AS RELAÇÕES CONTRATUAIS INTERNACIONAIS E A GLOBALIZAÇÃO O estudo das relações contratuais internacionais na atualidade perpassa, necessariamente, pelos temas surgidos com o desenvolvimento do comércio internacional nas últimas décadas, além das preocupações com os efeitos da globalização sobre os variados aspectos da vida social (BASSO, 2020, p. 50). Com efeito, é preciso verifi car qual o contexto no qual se encontra o atual estágio das relações contratuais no âmbito internacional e quais as consequências, positivas e negativas, quese pode extrair delas. No convívio entre os seres humanos, inseridos em uma sociedade, os contratos são uma realidade inexorável no cotidiano, sendo o principal instrumento operacional do comércio internacional (STRENGER, 2001, p. 472). De acordo com os ensinamentos clássicos de Francisco Amaral (2018, p. 257), pode-se compreender por relação jurídica “o vínculo que o direito reconhece entre pessoas ou grupos, atribuindo-lhes poderes e deveres. Representa uma situação em que duas ou mais pessoas se encontram, a respeito de bens ou interesses jurídicos”. Assim, as relações contratuais são exemplos clássicos de relações jurídicas, que demandam organização e cuidado por parte do Direito. Fique tranquilo(a)! Ao longo desta obra, veremos atentamente o tratamento jurídico conferido aos contratos internacionais e, sobretudo, aos contratos internacionais de compra e venda. Não obstante, ainda que se reconheça que as relações jurídicas contratuais são parte do histórico da humanidade e do desenvolvimento dos sistemas jurídicos da civil law e da common law (MADRUGA, 1999; CRETELLA JUNIOR, 2009; ROPPO, 2009), também se verifi ca que os contratos internacionais são cada vez mais presentes, com a facilitação de acesso de diferentes locais e em menor espaço de tempo, maior mobilidade de pessoas e de bens etc. 11 TEORIA GERAL DOS CONTRATOS E O DIREITO INTERNACIONAL Capítulo 1 A globalização é fenômeno, processo que pode explicitar a maior interconectividade contratual, mas ela não se limita apenas ao aspecto puramente jurídico ou, ainda, à esfera econômica. Por ser um tema interdisciplinar e complexo, que envolve variados aspectos da vida social, política e cultural, não há um conceito único e defi nitivo do que seja a globalização, de quais sejam suas origens ou de quais seriam seus impactos aos diversos atores sociais (estatais ou não estatais). De início, a respeito das origens da globalização, apesar de ser um tema “da moda” e associado à atualidade, observam os teóricos que o processo globalizatório advém, desde muito, perfi lhando-se à ideia de que a globalização conta com fases históricas relevantes para seu advento e crescimento, partindo- se do crescimento comercial proporcionado pelas grandes navegações e expansão econômica e hegemônica europeia dos séculos XV e XVI (BAUMAN, 1999; GRAMSCI, 1989). Ainda que haja teóricos que possam atribuir uma visão crítica, no sentido de que a globalização valer-se-ia, em realidade, de metáforas por vezes falaciosas (IANNI, 1997), com nomenclatura dissimulada para designar um capitalismo desigual (CHESNAIS, 1996; STIGLITZ, 2007), tal fenômeno é realidade a ser estudada e da qual a humanidade já não mais consegue se desvencilhar, sobretudo quando se verifi ca seus impactos nas relações contratuais internacionais. A título exemplifi cativo, na era atual é possível realizar compras e vendas internacionais em meio eletrônico sem que o consumidor tenha de se locomover ou sair de casa. É possível, ainda, realizar viagens internacionais com maior facilidade e menor espaço de tempo que em tempos pretéritos etc. Por outro lado, estar conectado o tempo todo e ter de buscar o lucro incessante em outros povos e culturas, em competição constante, também parecem ser fatores inerentes a um mesmo processo globalizatório. Desse modo, a globalização pode trazer aspectos positivos, mas também negativos, o que faz com que o debate sobre os efeitos e as consequências da globalização seja constante e presente nas agendas tanto dos Estados quanto de outros atores, a exemplo das empresas transnacionais. Conforme nota Zygmunt Bauman (1999, p. 7): “Para alguns, ‘globalização’ é o que devemos fazer se quisermos ser felizes; para outros, é a causa da nossa infelicidade. Para todos, porém, ‘globalização’ é o destino irremediável do mundo e um processo irreversível”. 12 Contratos Internacionais de Compra e Venda Dica de Filme para assistir O fi lme documentário “American Factory” (“Indústria Americana”), de 2019, retrata a chegada de empresa transnacional chinesa em território americano, trazendo refl exões a respeito do modo de vida ocidental e oriental, costumes, convivência e problemáticas relacionadas ao emprego e ao trabalho. Vencedor do Oscar de melhor documentário internacional (2020), vale conferir o fi lme para refl etir justamente os impactos positivos e negativos da globalização nas relações contratuais trabalhistas e empresariais. Disponível na plataforma Netfl ix. De todo modo, cumpre-nos realizar uma breve tentativa de defi nir o que seria a globalização, ainda que minimamente e considerando os seus principais aspectos, para fi ns de delimitar nosso objeto de estudo neste primeiro capítulo da obra. Conforme visto há pouco, a globalização não possui data marcada de nascimento ou de falecimento, sendo contextualizada, na literatura, como um processo histórico, de constante aprofundamento, marcado por uma modifi cação e intensifi cação das estruturas e relações sociais, econômicas e culturais no mundo todo e com a compressão do tempo e do espaço (GIDDENS, 2000; HARVEY, 1989). Ainda, em relação ao Estado, vale frisar que o aprofundamento do processo globalizatório implica, por um lado, uma desterritorialização e crescimento da ideia de supranacionalidade, a exemplo maior dos blocos econômicos, mas, por outro lado, também pode implicar a incidência de relativa nacionalização do poder. Cuidado: a globalização não é um processo exclusivamente estatal, uma vez que envolve variados atores sociais que não são necessariamente estatais, a exemplo maior dos blocos econômicos – de caráter supranacional ou intergovernamental), das grandes empresas transnacionais, das organizações internacionais não governamentais etc. 13 TEORIA GERAL DOS CONTRATOS E O DIREITO INTERNACIONAL Capítulo 1 Acerca dos blocos econômicos, de incidência signifi cativa às relações contratuais internacionais, visite os seguintes sites: • União Europeia Bloco econômico de caráter supranacional, composto por atuais 27 Estados-membros localizados na região da Europa. Vide em: https://europa.eu/european-union/index_pt. • MERCOSUL (Mercado Comum do Sul) Bloco econômico intergovernamental, do qual faz parte, desde as suas origens, o Brasil. Visite: https://www.mercosur.int/pt-br/. • ASEAN (Associação das Nações do Sudeste Asiático) Bloco econômico que engloba uma diversidade de Estados localizados no sudeste asiático e que parece ser um dos grandes destaques na atualidade. Vide em: https://asean.org/. • RCEP (Parceria Econômica Regional Abrangente) Tratado de livre-comércio realizado entre diversos blocos econômicos e países da Ásia, incluindo a China (total de 15 países asiáticos). Foi assinado em novembro de 2020 e promete ser um dos maiores blocos econômicos do globo terrestre. Analise em: https://www.channelnewsasia.com/news/business/rcep-trade- pact-asean-summit-singapore-china-13534960. Vale frisar que, apesar de a globalização ser um fenômeno, um processo interdisciplinar, a presente obra possui como recorte, enfoque maior, a globalização em sua vertente econômica e seus efeitos no mundo jurídico e, mais especifi camente, na esfera dos contratos internacionais de compra e venda. Veja como o conceito de globalização foi cobrado no concurso público para Advogado da Câmara do Município de Jaguapitã-PR: (2015, Câmara de Jaguapitã – PR, Banca FAUEL, Advogado) Assinale a alternativa que melhor defi ne o conceito de “globalização”: a) Processo histórico que afeta determinados aspectos da sociedade, como as comunicações e o comércio internacional, mas pouco interfere na movimentação de pessoas e recursos pelo mundo. 14 Contratos Internacionais de Compra e Venda b) É parte integrante de um movimento histórico mais amplo: a ampliação da hegemonia econômica, política e cultural do Oriente sobre as nações ocidentais.c) Por ser um fenômeno estatal, independe da evolução espontânea do mercado capitalista e é direcionado por uma única entidade política: o governo dos Estados Unidos da América. d) É um processo histórico, de longa duração, caracterizado pelo aprofundamento da integração econômica, social, cultural e política entre as diversas partes do mundo. Em suma: as relações contratuais internacionais possuem intrínseca relação com a globalização, uma vez que ela é, em linhas gerais, processo histórico de aprofundamento constante, que culmina por impactar diversas esferas da vida social, cultural, política e econômica. Realizada a análise de conjuntura das relações contratuais internacionais, cumpre-nos verifi car o que se entende por contratos internacionais e qual seu processo de formação. 3 CONCEITO DE CONTRATOS INTERNACIONAIS Conforme observa Irineu Strenger (2001, p. 467), “estudar os contratos internacionais, sem determinar-lhes a natureza jurídica, equivaleria a uma cirurgia sem nenhum conhecimento de anatomia, no caso, anatomia descritiva”. Assim, é preciso ressaltar, desde logo, que os contratos, sejam internacionais ou nacionais, são negócios jurídicos que ocorrem pela voluntariedade livre das partes envolvidas, sendo bases de estudos da teoria dos atos jurídicos. De tal modo, esclarecido em um primeiro momento que o contrato internacional possui natureza jurídica de negócio jurídico, cumpre ressaltar a problemática doutrinária e prática na identifi cação de um contrato como sendo internacional ou não. Com efeito, não há uma concepção uniforme e aplicável a todo globo terrestre do que se entende por contrato internacional, nem há um único Código, aplicável a 15 TEORIA GERAL DOS CONTRATOS E O DIREITO INTERNACIONAL Capítulo 1 toda e qualquer situação ou pessoa natural/jurídica, a defi nir determinada relação jurídica como contratual internacional (CASELLA, 1990; MUIR WATT, 2019). Logo, nem todo contrato será internacional, exigindo-se a presença do requisito da internacionalidade ou da estraneidade, o que pode variar de caso a caso, face ao ordenamento jurídico ao qual se submete, exigindo, assim, análise sistemática e macroscópica dos elementos envolvidos (MUIR WATT, 2019). São exemplos de elementos indicativos de estraneidade, aptas a possibilitar a aplicação de outros ordenamentos jurídicos, o domicílio, residência ou sede social das partes; o local de assinatura do contrato; a nacionalidade dos envolvidos, entre outros dos quais se vale, com enfoque maior no Direito Internacional Privado. Portanto, em linhas gerais e sob uma perspectiva teórica, pode-se defi nir contrato internacional como: [...] um acordo de vontades que está potencialmente sujeito a dois ou mais sistemas jurídicos estrangeiros. Para que isto ocorra, ou seja, para que um contrato esteja potencialmente sujeito a dois ou mais ordenamentos jurídicos, há que se identifi carem os elementos de estraneidade do contrato, bem como verifi car se este elemento de estraneidade é relevante ou não. (SEGRE, 2018, p. 215) Nessa toada, podemos constatar que os contratos internacionais se diferenciam dos contratos internos, na medida em que eles fi cam sujeitos apenas ao regime jurídico estipulado no direito interno e com elementos territorialmente limitados, ao passo que os contratos internacionais são, por defi nição, extraterritoriais (CASELLA, 1990, p. 130). Observa Irineu Strenger que o contrato internacional de comércio possui peculiaridades que o diferenciam do mero contrato interno na medida em que se trata de “verdadeiro complexo de situações oriundas de metodologia interdisciplinar, de natureza vinculante e, especialmente, de caráter abrangente dos múltiplos planos fi losófi co, político, econômico e social, além dos substratos jurídicos, que informam essas realidades” (STRENGER, 2001, p. 467). Mais especifi camente, leciona Irineu Strenger (2001) que os contratos internacionais possuem as seguintes características que os diferenciam dos contratos clássicos e internos: • são contratos marcados pelo fenômeno de sua duração – longas negociações, execução prolongada, presença de mecanismos de adaptação e de revisão; 16 Contratos Internacionais de Compra e Venda • tecnicidade dos contratos – cláusulas contratuais relativamente breves em relação às cláusulas técnicas (as primeiras normalmente redigidas de última hora, após longos meses de negociações); • as partes têm a preocupação de assegurar a sobrevivência do contrato a todas as vicissitudes, em razão dos consideráveis interesses em jogo; • as partes, outrossim, não se preocupam somente em salvaguardar suas boas relações recíprocas, mas também de não se isolar do meio negocial em que atuam, por exercício excessivamente detalhista de seus direitos, ou violação fl agrante de suas obrigações. Neste diapasão, o professor Irineu Strenger propõe a seguinte defi nição: “um contrato é internacional, desde que seja conectado a normas jurídicas emanadas de vários Estados, em razão, notadamente, de seu lugar de conclusão ou execução, da localização de seu objeto, da nacionalidade ou do domicílio das partes” (STRENGER, 2001, p. 470-471). Por fi m, lembram Jacob Dolinger e Carmen Tiburcio que os Princípios da Haia sobre Escolha da Lei em Contratos Comerciais Internacionais, de 2015, aduzem que “um contrato é internacional a não ser que todas as partes tenham seu estabelecimento no mesmo Estado e a relação entre as partes e todos os outros elementos relevantes, independentemente da lei escolhida, estão conectados apenas a esse Estado” (DOLINGER; TIBURCIO, 2020, p. 893-894). Como exemplo de contratos internacionais, pode-se mencionar a fusão, ocorrida em janeiro de 2021, entre empresas automobilísticas transnacionais (fusão entre Fiat – origem da Itália, Chrysler – origem dos Estados Unidos, e Peugeot Citroën – origem da França) e formação de novo grupo (Stellantis), considerado o 4º (quarto) maior do mundo. A Stellantis terá sede localizada na Holanda e conterá ações nas bolsas de Paris, Milão e Nova York. Além disso, manterá estabelecimentos empresariais ao longo de variados países, incluindo o Brasil. Video a notícia completa em: https://jornaldocarro.estadao.com.br/carros/stellantis-o-que-muda- com-a-fusao-entre-fi at-chrysler-e-peugeot-citroen/. 17 TEORIA GERAL DOS CONTRATOS E O DIREITO INTERNACIONAL Capítulo 1 Os contratos de compra e venda de mercadorias podem ser, assim, contratos internacionais, sendo, inclusive, considerados como via relevante de crescimento de Estados e de empresas no comércio internacional. Veremos, de forma mais específi ca os contratos internacionais de compra e venda de mercadorias em capítulo próprio para tanto, destacando seus elementos específi cos e cláusulas comerciais essenciais. De todo modo, é bom notar, desde logo, que o contrato internacional de compra e venda se trata do instrumento essencial da exportação e da importação, sem o qual não haverá qualquer processo a ser analisado pelo agente do comércio exterior. Saiba diferenciar o conceito de contratos internacionais de tratados internacionais! A diferença é sutil (mas de notórios impactos jurídicos), pois tanto os contratos quanto os tratados internacionais guardam as características de serem acordos oriundos de negociações mútuas e concluídos segundo os requisitos de validade. Conforme explica o professor Valério de Oliveira Mazzuoli, à luz do artigo 2, item 1, “a”, da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (1969), a regência dos tratados internacionais pelo Direito Internacional Público dá o tom que o destaca dos contratos internacionais comuns da vida comercial, cujos cuidados jurídicos fi cam a cargo principalmente do Direito Internacional Privado e de leis internas. Assim, a título exemplifi cativo, pode-se dizer que, nas relações exteriores de um Estado, este pode realizar tratados internacionais,hipótese em que se sujeitará às normas do Direito Internacional Público, ou, então, quando estiver na qualidade de agente particular, pode pactuar contratos internacionais, quando, então, deverá observar as lições do Direito Internacional Privado e do ordenamento interno de regência do contrato (MAZZUOLI, 2011, p. 47-48). Não obstante, por certo, há de se notar que o Direito Internacional Público e o Direito Internacional Privado possuem uma relação sistêmica, e não estanque, de modo que ambos contribuem para auxílio da compreensão geral das relações jurídicas internacionais e de seus confl itos. 18 Contratos Internacionais de Compra e Venda Acerca da formação do contrato internacional, cumpre notar que ele não é mero documento que nasce pronto ou que advém de simples modelo, mas que perpassa, regra geral, por variadas etapas essenciais para a consecução do negócio jurídico pretendido, com o objetivo de satisfazer as partes e, assim, proporcionar maior confi abilidade. Segundo observa Flávio Tartuce (2020, p. 170-183), são as fases de formação do contrato, seja nacional ou internacional: • fase de negociações preliminares ou de pontuação; • fase de proposta, policitação ou oblação; • fase de contrato preliminar; • fase de contrato defi nitivo. Vamos comentar, de forma simplifi cada, cada fase. • Fase de negociações preliminares ou de pontuação Tal fase é de suma relevância na realização de um contrato internacional, porquanto consiste em “conversações prévias, sondagens e estudos sobre os interesses de cada contratante, tendo em vista um contrato futuro” (TARTUCE, 2020, p. 171). Via de regra, as negociações preliminares não vinculam as partes, contudo, é preciso verifi car, no caso específi co colocado, o que cada ordenamento jurídico envolvido leciona a respeito. Nas negociações preliminares, é importante considerar aspectos como a cultura dos atores, tempo necessário para reuniões entre os envolvidos, custos da produção e da escolha do local do contrato etc. Afi nal, é nas negociações que será traçado o processo de importação/exportação a ser delimitado no contrato internacional a ser pactuado pelas partes. No meio internacional, a fase de negociações preliminares exige atenção redobrada, por envolver aspectos não somente jurídicos, mas também análises econômicas, questões de concorrência, estudo dos interesses políticos e custos fi scais etc. (STRENGER, 2001, p. 470). Considerando a importância desse processo negocial, estudaremos as negociações nos contratos internacionais de compra e venda em tópico próprio, com o objetivo de enfatizar a atuação dessa etapa na internacionalização de agentes e de empresas, assim como ressaltar a possibilidade de evitar confl itos e melhor gerir problemáticas que possam surgir no decorrer da execução contratual. 19 TEORIA GERAL DOS CONTRATOS E O DIREITO INTERNACIONAL Capítulo 1 • Fase de proposta, policitação ou oblação Trata-se da fase da oferta, também denominada de policitação ou, ainda, de oblação, consistente em “declaração unilateral de vontade receptícia, ou seja, que só produz efeitos ao ser recebida pela outra parte” (TARTUCE, 2020, p. 175). Para tanto, a proposta deverá ser indicada pelo proponente (policitante/ solicitante) de forma clara, precisa e defi nitiva. De outro lado, o policitado/oblato/ solicitado será aquele que recebe a proposta e, se a aceitar, torna-se o aceitante ou, ainda, passa a formular uma contraproposta (TARTUCE, 2020, p. 175). A oferta se distingue das negociações preliminares na medida em que encerra, em si mesma, o objetivo e a possibilidade de alcançar a celebração do contrato. E, após, com a aceitação, pode-se dizer que há vínculo entre as partes a ser observado e respeitado (CASELLA, 1990, p. 125), com a possibilidade de geração de efeitos jurídicos relevantes, a depender do ordenamento jurídico ao qual escolheram se submeter as partes ou ao qual determina a lei. No caso específi co do contrato internacional de compra e venda de mercadoria, tem-se que a oferta, na qual se encontra as principais condições do contrato, é dada via simples fatura pro forma ao importador. A oferta aceita por este, o exportador passa a emitir a fatura comercial ou defi nitiva, consistente no documento principal no qual se expressa o contrato de compra e venda internacional de mercadorias (SEGRE, 2018, p. 219). É importante notar, ainda, que a Convenção das Nações Unidas para a Venda Internacional de Mercadorias (CISG), que rege grande parte desses contratos internacionais de compra e venda de mercadorias, cuida do assunto “formação dos contratos” e contém normas específi cas, nos artigos 14 a 24, a respeito da proposta e da aceitação, assim como das consequências dessas declarações de vontade para fi ns de que o contrato seja concluído em conformidade com essa Convenção. Observe: PARTE II – Formação do Contrato Artigo 14 (1) Para que possa constituir uma proposta, a oferta de contrato feita a pessoa ou pessoas determinadas deve ser sufi cientemente precisa e indicar a intenção do proponente de obrigar-se em caso de aceitação. A oferta é considerada sufi cientemente precisa quando designa as mercadorias e, expressa ou implicitamente, fi xa a quantidade e o preço, ou prevê meio para determiná-los. (2) A oferta dirigida a pessoas indeterminadas será considerada apenas um convite para apresentação de propostas, salvo se o autor da oferta houver indicado claramente o contrário. 20 Contratos Internacionais de Compra e Venda Artigo 15 (1) A proposta se torna efi caz quando chega ao destinatário. (2) Ainda que seja irrevogável, a proposta pode ser retirada, desde que a retratação chegue ao destinatário antes da própria proposta, ou simultaneamente a ela. Artigo 16 (1) A proposta poderá ser revogada até o momento da conclusão do contrato, se a revogação chegar ao destinatário antes de este expedir a aceitação. (2) A proposta não poderá, porém, ser revogada: (a) se fi xar prazo para aceitação, ou por outro modo indicar que seja ela irrevogável; (b) se for razoável que o destinatário a considerasse irrevogável e tiver ele agido em confi ança na proposta recebida. Artigo 17 Mesmo sendo irrevogável, a proposta de contrato extinguir- se-á no momento em que chegar ao proponente a recusa respectiva. Artigo 18 (1) Constituirá aceitação a declaração, ou outra conduta do destinatário, manifestando seu consentimento à proposta. O silêncio ou a inércia deste, por si só, não importa aceitação. (2) Tornar-se-á efi caz a aceitação da proposta no momento em que chegar ao proponente a manifestação de consentimento do destinatário. A aceitação não produzirá efeito, entretanto, se a respectiva manifestação não chegar ao proponente dentro do prazo por ele estipulado ou, à falta de tal estipulação, dentro de um prazo razoável, tendo em vista as circunstâncias da transação, especialmente a velocidade dos meios de comunicação utilizados pelo proponente. A aceitação da proposta verbal deve ser imediata, salvo se de outro modo as circunstâncias indicarem. (3) Se, todavia, em decorrência da proposta, ou de práticas estabelecidas entre as partes, ou ainda dos usos e costumes, o destinatário da proposta puder manifestar seu consentimento através da prática de ato relacionado, por exemplo, com a remessa das mercadorias ou com o pagamento do preço, ainda que sem comunicação ao proponente, a aceitação produzirá efeitos no momento em que esse ato for praticado, desde que observados os prazos previstos no parágrafo anterior. Artigo 19 (1) A resposta que, embora pretendendo constituir aceitação da proposta, contiver aditamentos, limitações ou outras modifi cações, representará recusa da proposta, constituindo contraproposta. (2) Se, todavia, a resposta que pretender constituir aceitação contiver elementos complementares ou diferentes mas que não alterem substancialmente as condições da proposta, tal resposta constituiráaceitação, salvo se o proponente, sem demora injustifi cada, objetar verbalmente às diferenças ou envie uma comunicação a respeito delas. Não o fazendo, as condições do contrato serão as constantes da proposta, com as modifi cações contidas na aceitação. 21 TEORIA GERAL DOS CONTRATOS E O DIREITO INTERNACIONAL Capítulo 1 (3) Serão consideradas alterações substanciais das condições da proposta, entre outras, as adições ou diferenças relacionadas ao preço, pagamento, qualidade e quantidade das mercadorias, lugar e momento da entrega, extensão da responsabilidade de uma das partes perante a outra ou o meio de solução de controvérsias. Artigo 20 (1) O prazo de aceitação fi xado pelo proponente em telegrama ou carta começará a fl uir no momento em que o telegrama for entregue para expedição, ou na data constante da carta, ou, à falta desta, na data que constar do envelope. O prazo de aceitação que o proponente fi xar por telefone, telex ou outro meio de comunicação instantâneo começará a fl uir no momento em que a proposta chegar ao destinatário. (2) Serão considerados na contagem de prazo os feriados ofi ciais ou os dias não úteis nele compreendidos. Todavia, caso a comunicação de aceitação não possa ser entregue no endereço do autor da proposta no último dia do prazo, por ser feriado ou dia não útil no local do estabelecimento comercial do proponente, o prazo considerar-se-á prorrogado até o primeiro dia útil subsequente. Artigo 21 (1) A aceitação tardia produzirá efeito de aceitação caso o proponente, sem demora, informe verbalmente ou envie comunicação neste sentido ao destinatário. (2) Se a carta ou outra comunicação escrita contendo aceitação tardia revelar ter sido expedida em condições tais que chegaria a tempo ao proponente caso a transmissão fosse regular, a manifestação tardia produzirá efeito de aceitação, salvo se o proponente, sem demora, informar ao destinatário que considera expirada sua proposta, ou enviar comunicação para este efeito. Artigo 22 A aceitação poderá ser retirada desde que a retratação chegue ao proponente antes ou no momento em que a aceitação se tornaria efi caz. Artigo 23 Considerar-se-á concluído o contrato no momento em que a aceitação da proposta se tornar efi caz, de acordo com as disposições desta Convenção. Artigo 24 Para os fi ns desta Parte da Convenção, se considerará que a proposta, a manifestação de aceitação ou qualquer outra manifestação de intenção “chega” ao destinatário quando for efetuada verbalmente, ou for entregue pessoalmente por qualquer outro meio, no seu estabelecimento comercial, endereço postal, ou, na falta destes, na sua residência habitual. (BRASIL, 2014) • Fase de contrato preliminar A fase de contrato preliminar, normalmente associada a negócios jurídicos que demandem maior tempo para concretização, é etapa voltada para conferir 22 Contratos Internacionais de Compra e Venda maior segurança às partes, sendo vínculo anterior ao contrato e ilustrado pela via de instrumento que fi xa os elementos do contrato principal, a exemplo maior da carta de intenções. Nas palavras da doutrina clássica, o contrato preliminar trata-se de acordo “por via do qual ambas as partes ou uma delas se compromete a celebrar mais tarde outro contrato, que será o principal” (PEREIRA, 2020, p. 112). Apesar de não ser etapa obrigatória aos contratos internacionais, é altamente recomendável para fi ns de garantir maior segurança jurídica e para dispor sobre a ciência das partes em torno dos riscos envolvidos. • Fase de contrato defi nitivo Trata-se da fase na qual o contrato estará aperfeiçoado, gerando todas as suas consequências jurídicas (a exemplo maior da responsabilidade civil contratual) e sintetizando o “choque ou encontro de vontades originário da liberdade contratual ou autonomia privada” (TARTUCE, 2020, p. 183). É, pois, o negócio jurídico volitivo aperfeiçoado. Ademais, o contrato defi nitivo é considerado o instrumento de trabalho a ser seguido pontualmente pelas partes, de modo que se trata de negócio jurídico não apenas pertinente de análise na solução de eventual confl ito ou problema jurídico a ser solucionado, como também é pacto que deve guiar toda execução contratual com vistas ao atendimento dos interesses das partes (STRENGER, 2001, p. 466). No caso de contrato internacional de compra e venda de mercadorias regidos pela CISG, entende-se concluído o contrato quando a aceitação da proposta se tornar efi caz, conforme artigo 24. Note-se que “a distância entre o exportador e o importador determina que o Contrato de Compra e Venda Internacional de Mercadorias seja um contrato de tipo consensual, quer dizer, que não requer expressão escrita nem formalidades para sua elaboração” (SEGRE, 2018, p. 218). Inclusive, na aplicação prática da Convenção das Nações Unidas sobre Contratos de Compra e Venda Internacional de Mercadorias (UNCITRAL), já entendeu o Tribunal da Áustria (Caso 1 R 273/07t) que a conduta consistente em um aperto de mão pelas partes já perfaz um contrato, pactuando o entendimento de que não há necessidade do contrato internacional ser escrito para ter efi cácia jurídica (CISG CASE PRESENTATION, 2007). Ainda assim, por mais que tais contratos dispensem formalidades, é imprescindível a todo e qualquer negócio jurídico observar alguns princípios básicos, assim como é necessário que cumpra com os requisitos de validade. Confi ra mais sobre esses requisitos nos próximos tópicos! 23 TEORIA GERAL DOS CONTRATOS E O DIREITO INTERNACIONAL Capítulo 1 Leia a notícia abaixo e, após, verifi que em qual fase contratual encontra-se a venda da fábrica automotiva situada na Bahia: “Ford: Bahia já procura marcas chinesas interessadas na fábrica O governo da Bahia já está em busca de compradores para a fábrica da Ford em Camaçari, que foi fechada imediatamente pela montadora americana, assim como Taubaté, no Vale do Paraíba. A planta da Troller no Ceará fecha no quarto trimestre. De volta à Bahia, o governador Rui Costa (PT) vai buscar montadoras chinesas interessadas em adquirir a fábrica da Ford para manter a produção de veículos no estado e garantir que a mão de obra especializada não se perca. Rui Costa já entrou em contato com a Embaixada da China no Brasil, objetivando o interesse de fabricantes daquele país. Além disso, o governador vai criar um grupo de trabalho com a Federação das Indústrias da Bahia, de modo a buscar alternativas para a planta da Ford. Com repercussão internacional, o fechamento das fábricas da Ford no Brasil também teve refl exos nas mais diversas áreas da economia nacional. [...] Marcas como Changan, BYD e Geely estão em expansão para fora da China e essa fábrica da Ford, diferente de Taboão, parece bem mais atrativa para uma operação brasileira. Além disso, os incentivos fi scais regionais foram estendidos até 2025, o que torna a planta mais interessante para quem está chegando. Das marcas citadas, apenas a BYD tem fábrica no Brasil, em Campinas, onde faz chassis de ônibus elétricos”. Leia mais em: https://www.noticiasautomotivas.com.br/ford-bahia-ja- procura-marcas-chinesas-para-compra-de-fabrica/. Acesso em: 12 jan. 2021. 24 Contratos Internacionais de Compra e Venda 4 PRINCÍPIOS CONTRATUAIS BÁSICOS NO ÂMBITO INTERNACIONAL Nas relações jurídicas contratuais, é imprescindível observar os princípios contratuais básicos no âmbito internacional, que compõem, em conjunto com as regras costumeiras, o que se denomina de lex mercatoria (AGUIAR JÚNIOR, 2016, p. 1408). Saliente-se desde logo que os princípios contratuais abaixo trazidos são elencados apenas a título exemplifi cativo (ou seja: não compõem um rol taxativo), assim como servem a toda e qualquer relação jurídica contratual internacional. Referidos princípios, inclusive, são relevantes para fi ns de interpretação da Convenção das Nações Unidas sobre Contratos de Compra e Venda Internacionalde Mercadorias (CISG), conforme preleciona o artigo 7, em destaque: Artigo 7 (1) Na interpretação desta Convenção ter-se-ão em conta seu caráter internacional e a necessidade de promover a uniformidade de sua aplicação, bem como de assegurar o respeito à boa fé no comércio internacional. (2) As questões referentes às matérias reguladas por esta Convenção que não forem por ela expressamente resolvidas serão dirimidas segundo os princípios gerais que a inspiram ou, à falta destes, de acordo com a lei aplicável segundo as regras de direito internacional privado. (BRASIL, 2014, grifo nosso) Assim, são diversos, e em constante evolução, os princípios atinentes às relações jurídicas contratuais internacionais. Para tanto, o Instituto Internacional para a Unifi cação do Direito Privado (UNIDROIT) procurou compilar e uniformizar os mais essenciais princípios aplicáveis aos contratos internacionais, sendo eles conhecidos popularmente como “Princípios do UNIDROIT”. 25 TEORIA GERAL DOS CONTRATOS E O DIREITO INTERNACIONAL Capítulo 1 O Instituto Internacional para a Unifi cação do Direito Privado (UNIDROIT) consiste em uma organização intergovernamental independente, voltada aos estudos do Direito Internacional Privado, com sede localizada em Roma, Itália. Trata-se de instituição relevante ao ramo jurídico dos Contratos Internacionais, na medida em que possui diversos estudos e princípios (com caráter de soft law, ou seja, sem força vinculante) com vistas à harmonização e uniformização das normas atinentes ao comércio internacional. Visite o site ofi cial do Instituto Internacional para a Unifi cação do Direito Privado (UNIDROIT) em: https://www.unidroit.org/. Dentre os princípios do UNIDROIT, consistentes também em princípios gerais aplicáveis às relações contratuais internas, cumpre destacar os seguintes, considerados essenciais ao desenvolvimento das relações jurídicas contratuais internacionais: • princípio da força obrigatória do contrato (pacta sunt servanda); • princípio da autonomia da vontade; • princípio da boa-fé objetiva. Vejamos, especifi camente, cada um. • Princípio da força obrigatória do contrato (pacta sunt servanda) O princípio da força obrigatória do contrato, instituído pelo brocardo pacta sunt servanda, em simples palavras, signifi ca que o contrato, uma vez fi rmado e válido, faz “lei entre as partes”, ou seja, que gera efeitos jurídicos vinculativos entre contratante e contratado (PEREIRA, 2020, p. 53). Ainda, de acordo com tal princípio, uma vez vinculado o contrato entre as partes e preenchidos os requisitos de validade, não pode qualquer uma delas negar o vínculo obrigacional para se exonerar do cumprimento das obrigações a que se comprometeu cumprir. Ou seja: uma vez realizado o contrato, deverá ele ser cumprido ponto a ponto, em sua integralidade e com vistas a concretizar o negócio jurídico pactuado. 26 Contratos Internacionais de Compra e Venda Contudo, hodiernamente, o princípio da força obrigatória do contrato não é considerado absoluto, podendo comportar exceções em face de situações de força maior, podendo ser mitigado para fi ns de aplicação da lei interna de determinado Estado. Outrossim, o princípio da força obrigatória do contrato pode ser relativizado face à necessidade de obediência às regras imperativas do ordenamento jurídico a que se encontra submetido, a exemplo maior dos contratos internacionais consumeristas e contratos internacionais trabalhistas, que contam com tratamento diferenciado no âmbito brasileiro e no âmbito internacional, na medida em que demandam maior proteção face às vulnerabilidades da parte consumidora ou trabalhadora. • Princípio da autonomia da vontade De modo geral, a autonomia da vontade é a “aptidão que possui toda pessoa capaz, pela vontade unilateral ou pelo concurso de vontades, de criar, modifi car ou extinguir relações jurídicas” (BASSO, 1996, p. 198). O princípio da autonomia da vontade, corolário da disciplina de Direito Internacional Privado e do tratamento conferido às relações contratuais internacionais, possui diversos enfoques e múltiplas nuances. Assim, sob um ponto de vista processual do Direito Internacional Privado, a doutrina tende a enfatizar a autonomia da vontade enquanto possibilidade de escolha, via contrato, da lei aplicável ou escolha atinente ao foro judicial ou arbitral (da arbitragem) competente para dirimir possíveis controvérsias/omissões oriundas da relação contratual. Já sob um ponto de vista inicial, relacionado às noções gerais do contrato internacional, pode-se dizer que o princípio da autonomia da vontade guarda o sentido de liberdade de contratar, sem a qual não há como uma relação jurídica contratual ser iniciada ou válida. É esse, pois, o signifi cado que mais nos interessa, ao menos por ora. A liberdade de contratar, além de expressar a escolha de quem e quando vai contratar, também traz a possibilidade de estipular, em igualdade de condições, determinadas cláusulas pelas partes e possibilidade de negociações a respeito do contrato visado. Ressalva-se, nesse ponto, os contratos de adesão, cuja margem de liberdade não é tão ampla quanto nos contratos cujas partes encontram-se em igualdade de condições para discussão da redação conferida às cláusulas negociais. Desse 27 TEORIA GERAL DOS CONTRATOS E O DIREITO INTERNACIONAL Capítulo 1 modo, os contratos de adesão, sobretudo quando comporem relações contratuais consumeristas, podem mitigar o princípio da autonomia da vontade das partes. Conforme explica Maristela Basso (1996, p. 199), “nos contratos internacionais as limitações à autonomia das partes decorrem tanto das noções de ordem pública interna, como de ordem pública internacional”. Por isso mesmo, face às limitações objetivas e nova roupagem conferida ao princípio, para parte da doutrina é melhor valer-se do termo “princípio da autonomia privada” ao invés de “princípio da autonomia da vontade” (TARTUCE, 2020, p. 60; AMARAL, 2018, p. 361). Por fi m, a autonomia da vontade, como ideia de liberdade contratual, também traz a noção de possibilidade de realização do contrato internacional sem a necessidade de maiores formalidades, e parece facilitar as trocas comerciais em uma conjuntura globalizada. No âmbito dos contratos internacionais de compra e venda de mercadorias regidos pela Convenção das Nações Unidas sobre Contratos de Compra e Venda Internacional de Mercadorias (CISG), preleciona que não há a necessidade de observância de forma específi ca, conforme dispõe o artigo 11: “o contrato de compra e venda não requer instrumento escrito nem está sujeito a qualquer requisito de forma. Poderá ele ser provado por qualquer meio, inclusive por testemunhas” (BRASIL, 2014). • Princípio da boa-fé objetiva O princípio da boa-fé objetiva visa resguardar a confi ança nas relações jurídicas fi rmadas, impondo o dever de manutenção de um comportamento leal e coerente, perfazendo um modelo cuja aplicabilidade há de ser analisada caso a caso (TARTUCE, 2020, p. 119). Frise-se aqui que a boa-fé aplicável no âmbito das relações jurídicas é a objetiva, não se confundindo com a boa-fé subjetiva. A boa-fé subjetiva signifi ca a boa intenção do agente, ao passo que a boa-fé objetiva traz o sentido de modelo dogmático de lealdade a ser seguido para além da boa intenção da parte (TARTUCE, 2020, p. 119). A boa-fé objetiva, ainda, traz função integrativa aos contratos, suprindo lacunas do contrato e trazendo deveres implícitos às partes contratuais, a ser analisado caso a caso (TARTUCE, 2020). No âmbito internacional, um exemplo 28 Contratos Internacionais de Compra e Venda da função integrativa da boa-fé objetiva, conforme vislumbrado acima, encontra- se estampado no artigo 7 da Convenção das Nações Unidas sobre Contratos de Compra e Venda Internacional de Mercadorias (CISG), supracitado. Ainda, na esfera internacionalnota-se que a boa-fé objetiva guarda o sentido de cooperação entre os povos, destacando do contrato internacional um compromisso de lealdade entre todos os seus atores envolvidos (que não apenas as partes contratante e contratada) (MUIR WATT, 2019; RAMOS, 2018). A efetiva proteção ao consumidor pode ser considerada uma das facetas do princípio da boa-fé objetiva. Nesse sentido, confi ra notícias, relatórios e orientações voltadas aos consumidores no meio internacional, publicadas pela Consumers International, organização associativa de grupos formados por consumidores em todo o mundo: https://www. consumersinternational.org/. Devido a impor comportamentos leais e probos em diversos ramos da vida social, o princípio da boa-fé objetiva é um dos sustentáculos ao que hoje a doutrina denomina de “nova lex mercatoria”, mais aberta e globalizada em relação aos usos e costumes de outrora, no qual a boa-fé objetiva não era um elemento necessário de aferição (BASSO, 2020; RAMOS, 2018). Ora, os princípios contratuais no âmbito internacional, do qual se destaca o da boa-fé, estão em constante transformação e evolução, e isso em virtude da própria estrutura do direito comercial, para o qual é inerente a tendência de constante renovação (RECHSTEINER, 2019). Por outro lado, por conta de o princípio da boa-fé objetiva não comportar um conceito defi nitivo e único, parte da doutrina tece críticas a respeito da noção aberta de boa-fé objetiva, na medida em que tornaria uma disputa contratual imprevisível e à mercê de múltiplas e variáveis interpretações (BONNEL, 1997; JUNQUEIRA DE AVEZEDO, 2000). 29 TEORIA GERAL DOS CONTRATOS E O DIREITO INTERNACIONAL Capítulo 1 No âmbito internacional, a respeito dos contratos envolvendo compra e venda de mercadorias relativas ao controle da pandemia do coronavírus (COVID-19), a exemplo maior de máscaras e outros equipamentos de proteção (EPIs), a doutrina já suscita diversos questionamentos a respeito das consequências da não observância dos princípios contratuais básicos, como o da boa-fé pelas partes e por terceiros envolvidos. Para parte da doutrina, inclusive, nos contratos internacionais de produtos de combate ao coronavírus (COVID-19) foi possível notar uma “pirataria moderna”, o que contraria princípios gerais de direito e afl ora a necessidade de um combate coletivo (e não individualista) à pandemia mundial. Vide a discussão em: https://www.conjur.com.br/2020-jun-20/ zanelatto-moraes-roubo-contratos-covid-19. Ainda assim, é interessante notar que o princípio da boa-fé objetiva e seu resguardo por parte de normas internacionais (nova lex mercatoria) também demandou proteção no meio interno brasileiro, pela via do Código Civil Brasileiro e de seu artigo 422, que prega que: “Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé” (BRASIL, [2018]). Desse modo, variados desdobramentos decorrentes da boa-fé objetiva no plano internacional e de outros ordenamentos jurídicos (direito estrangeiro) serviram de inspiração à aplicação da boa-fé objetiva no Brasil, conforme conta Flávio Tartuce (2020, p. 139): Uma dessas construções inovadoras, relacionada diretamente com a boa-fé objetiva, é justamente o duty to mitigate the loss, ou mitigação do prejuízo pelo próprio credor. Sobre essa tese foi aprovado o Enunciado n. 169 do CJF/STJ na III Jornada de Direito Civil, pelo qual “o princípio da boa-fé objetiva deve levar o credor a evitar o agravamento do próprio prejuízo”. A proposta, elaborada por Vera Maria Jacob de Fradera, professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, representa muito bem a natureza do dever de colaboração, presente em todas as fases contratuais e que decorre do princípio da boa-fé objetiva e daquilo que consta do art. 422 do CC. O enunciado está inspirado no art. 77 da Convenção de Viena de 1980, sobre a venda internacional de mercadorias (CISG), no sentido de que “a parte que invoca a quebra do contrato deve tomar as medidas razoáveis, levando em consideração as circunstâncias, para limitar a perda, nela compreendido o 30 Contratos Internacionais de Compra e Venda prejuízo resultante da quebra. Se ela negligencia em tomar tais medidas, a parte faltosa pode pedir a redução das perdas e danos, em proporção igual ao montante da perda que poderia ter sido diminuída”. Para a autora da proposta, Professora Vera Fradera, há uma relação direta com o princípio da boa-fé objetiva, uma vez que a mitigação do próprio prejuízo constituiria um dever de natureza acessória, um dever anexo, derivado da boa conduta que deve existir entre os negociantes. É, nesse sentido, por exemplo, a faceta do princípio da boa-fé objetiva referente à cooperação das partes para fi ns de realização de renegociações. Conforme enuncia o princípio 6.2. 3 do UNIDROIT, de 2016, acerca dos processos de renegociação (UNIDROIT, 2016): 5. Renegociações de Boa-fé Embora nada seja dito neste artigo para esse efeito, tanto o pedido para renegociações pela parte em desvantagem e a conduta de ambos as partes durante o processo de renegociação estão sujeitas ao princípio geral de boa fé e negociação justa (ver Artigo 1.7) e ao dever de cooperação (ver Artigo 5.1.3). Assim, a parte em desvantagem deve honestamente acreditar que realmente existe um caso de difi culdade e não solicitar renegociações como uma manobra puramente tática. Da mesma forma, uma vez que o pedido foi feita, ambas as partes devem conduzir as renegociações em uma forma construtiva, em particular, abstendo-se de qualquer forma de obstrução e fornecendo todas as informações necessárias. (UNIDROIT, 2016, p. 225, tradução do autor) É importante notar, ainda, que o princípio da boa-fé objetiva, seja pela via nacional ou internacional, aplica-se a todas as etapas de formação do contrato, impondo às partes deveres de aplicarem condutas leais e cooperativas em todos os pontos do contrato (para saber mais sobre a formação do contrato, vide tópico anterior deste presente capítulo). Série documental de 4 episódios, “Broken” (em português: “Desserviço ao consumidor”) aborda diversas problemáticas de temas correlacionados à compra e venda de produtos sem a observância dos princípios gerais, como a venda de produtos falsifi cados, a não destinação correta de resíduos, entre outros. Atente-se para a importância da incidência dos princípios contratuais básicos para fi ns de proporcionar relações consumeristas conscientes. A série de 2019 encontra-se disponível na Netfl ix. 31 TEORIA GERAL DOS CONTRATOS E O DIREITO INTERNACIONAL Capítulo 1 Verifi que o trecho abaixo: “A escolha do Direito aplicável normalmente é feita quando da celebração do contrato, embora alguns Estados admitam que essa indicação se processe posteriormente ou seja alterada. A escolha poderá ser expressa ou tácita, o que, neste último caso, deve resultar claramente das circunstâncias da relação jurídica” (PORTELA, 2020, p. 684). No trecho acima lido, o autor da obra está se referindo a qual princípio contratual básico? a) Princípio da força normativa do contrato. b) Princípio da autonomia da vontade. c) Princípio da boa-fé objetiva. d) Princípio da boa-fé subjetiva. e) Princípio do pacta sunt servanda. Lembre-se, por fi m, que o princípio da boa-fé objetiva há de ser analisado em conjunto com os demais princípios mencionados (força obrigatória do contrato e autonomia da vontade), para fi ns de consolidação de relações jurídicas contratuais cooperativas. Inclusive, para fi ns de proteção de aludidos princípios, são diversos os regimes jurídicos internacionais que buscam valorizar contratos internacionais em conformidade com a boa-fé e com a cooperação. Nesse sentido, pode-se mencionar, apenas a título exemplifi cativo, as normas do âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC) e o combate ao dumping (práticacomercial que, ao estabelecer produto a preço inferior à do mercado, fere a concorrência leal), as normas de proteção da propriedade intelectual resguardadas pelo Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (TRIPS), entre diversas outras, as quais, contudo, não serão aqui aprofundadas. 32 Contratos Internacionais de Compra e Venda Para resumir: os princípios básicos no âmbito contratual ora analisados (força obrigatória do contrato, autonomia da vontade e boa-fé objetiva) são relevantes para relações contratuais leais e probas, pautadas no respeito aos contratos fi rmados e à vontade e cooperação entre as partes. Por certo, outros variados princípios do âmbito internacional e do comércio internacional poderiam ser suscitados, mas a presente obra, para fi ns didáticos e de clareza, procura demonstrar aqueles considerados mais essenciais e inerentes a todo e qualquer negócio jurídico contratual internacional e a todo e qualquer ordenamento jurídico interno e internacional. Contudo, além de observância dos princípios contratuais básicos vislumbrados, os contratos internacionais também dependem de observância dos requisitos de validade. A respeito desses, confi ra o assunto em tópico próprio, explanados a seguir de forma resumida. 5 REQUISITOS DE VALIDADE DOS CONTRATOS INTERNACIONAIS Vislumbrados os elementos essenciais ao plano de existência dos contratos internacionais e de seus princípios elementares, cumpre-nos ver os requisitos (condições, elementos) necessários para que os negócios jurídicos contratuais internacionais sejam considerados válidos. Com efeito, sem os requisitos de validade, os negócios jurídicos entabulados poderão ser considerados nulos ou anuláveis, a depender das condições fáticas e do tratamento conferido ao ordenamento jurídico no qual se submetem. No direito brasileiro, os requisitos de validade do contrato encontram disposição por meio do artigo 104 do Código Civil: Art. 104. A validade do negócio jurídico requer: I - agente capaz; II - objeto lícito, possível, determinado ou determinável; III - forma prescrita ou não defesa em lei. (BRASIL, [2018]) Tais requisitos valem a qualquer negócio jurídico, aplicando-se, por via de consequência, aos contratos internacionais que se submetam ao ordenamento jurídico brasileiro, afi nal, conforme visto (para saber mais, vide o Tópico 3 deste capítulo – conceito de contratos internacionais), o que diferencia os contratos internacionais dos meros contratos internos é a incidência dos variados ordenamentos jurídicos, em característica da internacionalidade e de elementos de estraneidade. 33 TEORIA GERAL DOS CONTRATOS E O DIREITO INTERNACIONAL Capítulo 1 No que tange aos contratos internacionais de compra e venda de mercadorias regidos pela Convenção das Nações Unidas sobre Contratos de Compra e Venda Internacional de Mercadorias (UNCITRAL), cumpre notar que ela não dispõe sobre os requisitos de validade dos contratos, conforme se afere do artigo 4: Artigo 4 Esta Convenção regula apenas a formação do contrato de compra e venda e os direitos e obrigações do vendedor e comprador dele emergentes. Salvo disposição expressa em contrário da presente Convenção, esta não diz respeito, especialmente: (a) à validade do contrato ou de qualquer das suas cláusulas, bem como à validade de qualquer uso ou costume; (b) aos efeitos que o contrato possa ter sobre a propriedade das mercadorias vendidas. (BRASIL, 2014) Por via de consequência, os requisitos de validade de determinado contrato internacional de compra e venda de mercadorias dependerão do que dispõe o direito interno do país. Por isso, a análise aqui realizada tomará por base o que dispõe o artigo 104 do Código Civil, com as observações atinentes à ótica internacional a respeito desses elementos de validade. De todo modo, os requisitos previstos pelo Código Civil brasileiro contemplam princípios gerais de direito aplicáveis pelos Estados em todo e qualquer negócio jurídico. Ainda, conforme já analisado, no âmbito contratual e sobretudo na esfera internacional, o requisito da vontade livre, enraizado no princípio da autonomia da vontade, também é elemento concernente à validade do negócio entabulado. Assim, considerando o artigo 104 do Código Civil, aliado ao elemento da vontade livre, podemos sintetizar os requisitos de validade dos contratos internacionais no seguinte esquema (TARTUCE, 2020, p. 49): 1. Partes capazes (capacidade dos agentes). 2. Vontade livre. 3. Objeto lícito, possível, determinado ou determinável. 4. Forma prescrita ou não defesa em lei (forma livre). Vejamos, de forma mais específi ca, cada um deles. • Capacidade dos agentes A capacidade das partes é elemento essencial para a validade do contrato, seja nacional ou internacional. Em linhas gerais, a capacidade consiste na possibilidade do exercício dos direitos e deveres inerentes à personalidade. Na doutrina clássica: a capacidade é “a medida da personalidade” (GOMES, 2008, p. 149). 34 Contratos Internacionais de Compra e Venda A respeito da capacidade da pessoa física (pessoa natural), dispõe o Código Civil: Art. 3º São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil os menores de 16 (dezesseis) anos. (BRASIL, [2018]) Art. 4º São incapazes, relativamente a certos atos ou à maneira de os exercer: (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015) I - os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos; II - os ébrios habituais e os viciados em tóxico; (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015) III - aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade; (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015) IV - os pródigos. Da leitura do artigo 3º do Código Civil Brasileiro, percebe-se que ele elenca os casos nos quais a pessoa física, por si só, não conta com a possibilidade do exercício dos direitos inerentes à sua personalidade, perfazendo a incapacidade absoluta. Em outros casos, inscritos no rol do artigo 4º do Código Civil, a incapacidade será relativa a certos atos ou à maneira de exercício. Nessas situações, tem-se que, para a realização de negócios jurídicos, os absolutamente incapazes, ou seja, menores de 16 (dezesseis) anos de idade, deverão ser representados por seus pais ou tutores, ao passo que os relativamente incapazes, inscritos no art. 4º do Código Civil, deverão ser assistidos pelas pessoas que a lei determinar (TARTUCE, 2020, p. 323). Não obstante, mormente na esfera internacional, nem sempre se considera nulo/anulável um negócio jurídico contratual realizado com crianças ou adolescentes, uma vez que seriam atos dotados de ampla aceitação social e utilização cotidiana, aplicando-se o que a teoria jurídica denomina de ato-fato jurídico. Nesse sentido, explica Carlos Roberto Gonçalves (2017, p. 280): “não se considera nula a compra de um doce ou sorvete feita por uma criança de sete ou oito anos de idade, malgrado não tenha ela capacidade para emitir a vontade qualifi cada que se exige nos contratos de compra e venda”. Tudo dependerá, pois, das condições fáticas e do tipo de contrato internacional realizado, sem se descurar que aos incapazes, relativamente ou absolutamente, há de se ter maior tratamento jurídico protetivo, justamente porque nesses casos não há de se falar em capacidade plena e liberdade para escolher e determinar suas vontades. 35 TEORIA GERAL DOS CONTRATOS E O DIREITO INTERNACIONAL Capítulo 1 Acerca da capacidade entre as partes, pende na atualidade questões relacionadas ao comércio internacional voltado ao público infantil e juvenil, sobretudo quando há incidência das consequências jurídicas envolvidas e da validade do negócio jurídico. Com efeito, a “geração Z” (composta de jovens de até 24 anos) encontra-se cada vez mais conectada à internet, sendo consumidora potencial do e-commerce (comércio eletrônico), já atuandocom grande infl uência no mercado. Outrossim, não apenas na qualidade de consumidor, o jovem, no meio eletrônico, muitas vezes pode ser considerado como o fornecedor da relação jurídica contratual. Assim, cresce a discussão a respeito da necessidade de uniformização de normas de proteção à criança e ao adolescente no e-commerce, sobretudo quando adquirem o papel de consumidoras. Para saber mais a respeito da participação da criança/ adolescente como agente da relação jurídica contratual e as problemáticas jurídicas possíveis, vide: • A criança/adolescente como fornecedora (caso Isabela Matte e o e-commerce): https://www.jornalcontabil.com.br/ela-criou-uma-marca- de-roupas-aos-12-anos-e-com-14-anos-ja-era-milionaria-saiba-mais/. • A criança/adolescente como consumidora no e-commerce brasileiro: https://meunegocio.uol.com.br/blog/geracao-z-qual- seu-papel-no-e-commerce-brasileiro-e-como-conquista-la/#rmcl. • Pesquisa e dados do uso da internet por crianças/adolescentes: https://cetic.br/pesquisa/kids-online/. • Proteção da criança/adolescente nas relações de consumo eletrônicas (e-commerce) e questões relacionadas à publicidade – ONG ALANA: https://alana.org.br/project/crianca-e-consumo/. • Programa “Criança e Consumo”, da ONG ALANA: https:// criancaeconsumo.org.br/. • Tratamento a dados de crianças e adolescentes no contexto da Lei Geral de Proteção de Dados: https://migalhas.uol.com.br/ depeso/333029/como-tratar-dados-de-criancas-e-adolescentes- no-contexto-da-lgpd. 36 Contratos Internacionais de Compra e Venda As transações internacionais são cada vez mais frequentes não apenas em relação às pessoas físicas, mas também – e principalmente – às pessoas jurídicas, sobretudo quando a internacionalização é parte do crescimento da empresa. A capacidade referente à pessoa jurídica, no ordenamento jurídico brasileiro, decorre do reconhecimento jurídico da personalidade, por ocasião do registro junto ao órgão competente (Junta Comercial, Cartório do registro civil das pessoas jurídicas etc.). Nesse sentido, de acordo com o art. 45 do Código Civil: “Começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro, precedida, quando necessário, de autorização ou aprovação do Poder Executivo, averbando-se no registro todas as alterações por que passar o ato constitutivo” (BRASIL, [2018]). Ainda assim, as pessoas jurídicas, para fi ns de realização de seus negócios jurídicos (como os contratos e contratos internacionais), serão representadas por agentes físicos que atuarão em nome da empresa. Na questão da capacidade, é preciso que a parte, seja pessoa física ou jurídica, possa exercer seus direitos e deveres, além de ter legitimação para atuar em determinados casos inscritos em lei. No âmbito do Comércio Exterior, é importante, nesse sentido, que a empresa brasileira possua habilitação própria para atuação na seara. Mais especifi camente, as empresas brasileiras que visem à realização de atividades de importação ou exportação necessitarão de habilitação por parte da Receita Federal, com base na atual Instrução Normativa RFB nº 1.984, de 27 de outubro de 2020, que dispõe sobre a habilitação de declarantes de mercadorias para atuarem no comércio exterior e de pessoas físicas responsáveis pela prática de atos nos sistemas de comércio exterior em seu nome, bem como sobre o credenciamento de seus representantes para a prática de atividades relacionadas ao despacho aduaneiro de mercadorias e dos demais usuários dos sistemas de comércio exterior que atuam em seu nome. De forma resumida, a Instrução Normativa RFB nº 1.984, de 27 de outubro de 2020 trata, em seu texto, além de suas disposições preliminares e disposições fi nais e transitórias: • dos sujeitos habilitados e credenciados (arts. 4º a 15); • da habilitação do declarante de mercadorias (arts. 16 a 33); • dos sistemas de comércio exterior (arts. 34 a 37); • da revisão de ofício de habilitação do declarante de mercadorias (arts. 38 a 45); 37 TEORIA GERAL DOS CONTRATOS E O DIREITO INTERNACIONAL Capítulo 1 • da desabilitação do declarante de mercadorias (arts. 46 a 51); • suspensão e do cancelamento da habilitação do declarante de mercadorias (arts. 52 a 55); • dos prazos (art. 56 e 57); • do recurso administrativo (art. 58 e 59). Com a habilitação, a empresa importadora/exportadora atuará junto ao sistema integrado de comércio exterior – SISCOMEX, sistema do governo federal que confere acesso e maior uniformidade aos sistemas de registro e operações do comércio exterior. Ao lidar com contratos internacionais e, sobretudo, contratos internacionais de compra e venda de mercadorias que exijam importação/exportação no Brasil, a empresa atuante no comércio exterior deverá atender aos requisitos previstos nas instruções normativas da Receita Federal e correlata habilitação junto ao SISCOMEX. Visite o site ofi cial do Sistema de Comércio Exterior (SISCOMEX): http://siscomex.gov.br/ • Vontade Livre Conforme já analisado (vide item 4 do capítulo 1 – princípios contratuais básicos no âmbito internacional), a autonomia da vontade é princípio primordial das relações contratuais, sobretudo quando consideradas em seu aspecto internacional. Isso porque o contrato é vislumbrado justamente como um negócio jurídico que envolve a vontade das partes, de modo que, não havendo esta, o contrato sequer chegará a existir no plano jurídico. Por outro lado, haverá vício da vontade (vício do consentimento) quando constatado que determinado contrato internacional não conta com a vontade livre de alguma das partes, podendo caracterizar-se por situações de erro, dolo, coação, estado de perigo ou lesão. 38 Contratos Internacionais de Compra e Venda • Objeto lícito, possível, determinado ou determinável Apenas será válido o contrato que tenha como conteúdo um objeto lícito, de acordo com os limites impostos por lei. Assim, o objeto do contrato não pode contrariar os bons costumes, a ordem pública, a boa-fé ou a função social e econômica (TARTUCE, 2020, p. 20). No plano internacional, o conceito de ordem pública ganha notório enfoque, pois impõe limites à observância de direito estrangeiro na jurisdição nacional, sob o fundamento maior da soberania do Estado e aos bons costumes (RECHSTEINER, 2019, p. 121). Nesse sentido, conforme dispõe o art. 17 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB): Art. 17. As leis, atos e sentenças de outro país, bem como quaisquer declarações de vontade, não terão efi cácia no Brasil, quando ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes. (BRASIL, [2010]) Em outros termos, conforme observa Maristela Basso (2020, p. 216): “os efeitos de determinados contratos internacionais estarão imediatamente adstritos à incidência de normas de ordem pública e regras imperativas dos ordenamentos nacionais, sempre que eles apresentarem algum vínculo com a atividade e com interesses protegidos em nível doméstico”. Não há, contudo, um conceito defi nitivo do que seria a ordem pública, a qual seria aferida “pela mentalidade e pela sensibilidade médias de determinada sociedade em determinada época. Aquilo que for considerado chocante a esta média será rejeitado pela doutrina e repelido pelos tribunais” (DOLINGER; TIBURCIO, 2020, p. 622). Em outros termos: o que é ilícito para uma determinada sociedade e um determinado Estado, perfazendo uma afronta aos valores básicos e soberania estatal, pode ser considerado plenamente lícito na perspectiva de outros locais e outros ordenamentos jurídicos. Por isso mesmo, a noção média de ordem pública vai variar em face de cada situação concreta, ou seja: cada relação jurídica contratual deverá ser analisada sob o prisma da nova lex mercatoria e dos valores essenciais de justiça de sua época. Longe de esgotarmos o assunto da ordem pública na esfera do direito internoe do direito internacional privado, vale frisar apenas que a aferição da ordem pública sobre a licitude do objeto contratual pactuado é primordial, uma vez que ela serve, em conjunto com os princípios básicos contratuais e demais 39 TEORIA GERAL DOS CONTRATOS E O DIREITO INTERNACIONAL Capítulo 1 normas internas ou internacionais, como limite para a utilização da lei estrangeira no âmbito interno, assim como pode servir de obstáculo quanto aos efeitos contratuais no país. A respeito do requisito do objeto lícito e da ordem pública, leia o texto abaixo, que traz uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que permitiu a cobrança de dívida de jogo de azar (cassino) feita no exterior: “Dívida de jogo de azar no exterior pode ser cobrada no Brasil, diz STJ Tudo o que acontece em Las Vegas, fi ca em Las Vegas? Nem tanto. As dívidas de jogo, por exemplo. A cobrança de dívidas contraídas em países onde jogos de azar são legais pode ser feita por meio de ação ajuizada pelo credor no Brasil, submetendo-se ao ordenamento jurídico nacional. Com base nesse entendimento, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça entendeu ser possível que o cassino Wynn Las Vegas, dos EUA, cobre um brasileiro que deixou dívida superior a US$ 1 milhão em torneio de pôquer no local. O ministro relator do caso, Villas Bôas Cueva, lembrou que a ação foi ajuizada no Brasil em virtude do domicílio do réu, mas a dívida foi constituída no estado de Nevada, onde a exploração do pôquer é legal. Ele explicou que a cobrança só seria impossível caso ofendesse a soberania nacional ou a ordem pública, o que não fi cou confi gurado no caso. “Não ofende a soberania nacional a cobrança de dívida de jogo, visto que a concessão de validade a negócio jurídico realizado no estrangeiro não retira o poder do Estado em seu território e nem cria nenhuma forma de dependência ou subordinação a outros Estados soberanos”, resumiu o ministro. Villas Bôas Cueva afi rmou ser delicada a análise a respeito de ofensa à ordem pública, alegação que, se fosse aceita, inviabilizaria a cobrança. O relator destacou que diversos tipos de jogos de azar são permitidos e regulamentados no Brasil, tais como loterias e raspadinhas. Com esse raciocínio, segundo o ministro, é razoável o pedido de cobrança de um jogo semelhante (pôquer), que é regulamentado no local em que os fatos ocorreram. 40 Contratos Internacionais de Compra e Venda “Há, portanto, equivalência entre a lei estrangeira e o Direito brasileiro, pois ambos permitem determinados jogos de azar, supervisionados pelo Estado, sendo, quanto a esses, admitida a cobrança. Não se vislumbra, assim, resultado incompatível com a ordem pública”, frisou o ministro. REsp 1.628.974” Veja a matéria completa em: https://www.conjur.com.br/2017-jul-11/ divida-jogo-azar-exterior-cobrada-brasil. Além de ser um objeto lícito, também deverá ser possível no plano fático. Ensina Flávio Tartuce (2020) que a impossibilidade poderá ser física ou jurídica. Trata-se de impossibilidade física o objeto que não pode ser apropriado por alguém ou quando a prestação não puder ser cumprida. Já a impossibilidade jurídica refere-se à vedação do conteúdo pela legislação. Cumpre salientar, ainda, que com relação aos contratos internacionais envolvendo importação/exportação de produtos, que eles também dependem, no Brasil, de controles por parte da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), Ministério da Agricultura, Receita Federal, entre outros agentes. • A respeito da importação de produtos sujeitos à Vigilância Sanitária no Brasil, não deixe de visitar o site da ANVISA, disponível em: https://www.gov.br/anvisa/pt-br/assuntos/paf/importacao/ importacao-de-produtos • Sobre a importação de produtos sujeitos à fi scalização do Ministério da Agricultura, visite o site disponível em: https://www.gov.br/agricultura/pt-br/assuntos/importacao-e- exportacao/importacao • Sobre importação e fi scalização da Receita Federal, acesse: https://receita.economia.gov.br/orientacao/aduaneira/importacao- e-exportacao/importacao 41 TEORIA GERAL DOS CONTRATOS E O DIREITO INTERNACIONAL Capítulo 1 Ainda, o objeto do negócio deve ser determinado ou, pelo menos, determinável. Neste último caso, comumente, por exemplo, nos contratos de sacas de soja, ocorrerá o processo denominado de “concentração” do objeto, necessário para consolidação do objeto pactuado (TARTUCE, 2020, p. 42). Por fi m, lembra Flávio Tartuce (2020) que os contratos de compra e venda de bens também exigem que o objeto possa ser alienável, sendo consumível do ponto de vista jurídico. Por via de consequência, o contrato de compra e venda que tenha por objeto bem considerado inalienável será considerado nulo por ilicitude do objeto ou por fraude à lei. A respeito do requisito do objeto lícito e possível, vejamos um exemplo de situação que levanta polêmicas doutrinárias e práticas na seara do Direito Internacional (Público e Privado) e que pode suscitar consequências não apenas na esfera civil, mas como também em casos de responsabilização penal: compra e venda de ações de produtos envolvendo maconha (“ações da maconha”). A questão ainda não encontra uma resposta defi nitiva e específi ca no Brasil ou a nível mundial e de aplicação uniforme a todos os Estados, restando suscetível de problemáticas variadas. Vide a discussão em: ht tps: / /va lor investe.g lobo.com/mercados/renda-var iavel / noticia/2019/09/23/acoes-de-maconha-sao-o-novo-barato-nos-eua- e-no-canada-veja-como-investir.ghtml. • Forma prescrita ou não defesa em lei (forma livre) No âmbito dos contratos internacionais, vigora a liberdade das formas, ou seja, os contratos não necessitam de uma forma preestabelecida pelas fontes internacionais ou leis internas dos países. Nesse viés, o artigo 11 da Convenção das Nações Unidas sobre Contratos de Compra e Venda Internacional de Mercadorias (UNCITRAL) dispõe expressamente que: “O contrato de compra e venda não requer instrumento escrito nem está sujeito a qualquer requisito de forma. Poderá ele ser provado por qualquer meio, inclusive por testemunhas” (BRASIL, 2014). 42 Contratos Internacionais de Compra e Venda Inclusive, a prática e a doutrina constam que tal disposição convencional auxilia o trabalho daqueles que laboram diuturnamente com o comércio exterior, na medida em que os contratos internacionais de compra e venda de mercadorias ocorrem, grande parte das vezes, pela via de simples emissão de fatura comercial ou defi nitiva ou mesmo pela via oral, mediante acordo verbal entre as partes (SEGRE, 2018, p. 219). A título exemplifi cativo, na aplicação dos aludidos ditames da Convenção das Nações Unidas sobre Contratos de Compra e Venda Internacional de Mercadorias (UNCITRAL), já entendeu o Tribunal da Áustria (Caso 1 R 273/07t) que a conduta consistente em um aperto de mão pelas partes já perfaz um contrato válido e legal, não necessitando ser escrito para ter efi cácia jurídica (CISG CASE PRESENTATION, 2007). No direito brasileiro, como regra geral, os contratos também contam com liberdade quanto à forma, nos moldes do que preleciona o art. 107 do Código Civil: “A validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a exigir” (BRASIL, [2018]). De todo modo, ainda que os contratos, nacionais ou internacionais, sejam regidos pela liberdade das formas, há a necessidade de observação dos princípios contratuais básicos (para saber mais, vide Tópico 4 do Capítulo 1), a exemplo maior da boa-fé objetiva. Assim, por mais que a forma contratual possa ser livremente pactuada entre as partes, não poderão elas se descurarem dos demais princípios e requisitos no conteúdo do contrato. Em alguns casos, contudo, os contratos dependerão de formalidades requeridas pela lei, para fi ns de garantir maior segurança jurídica nas relações envolvidas. Nessas
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