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Autoras: Profa. Márcia Oliveira Alves Profa. Raquel Azevedo Colaboradoras: Profa. Amarilis Tudela Nanias Profa. Maria Francisca S. Vignoli Profa. Daniela Emilena Santiago Monitoramento e Avaliação em Serviço Social Professoras conteudistas: Márcia Oliveira Alves / Raquel Azevedo Márcia Oliveira Alves Assistente social, especialista em Recursos Humanos e mestre em Administração e Direito. Atuação de mais de dez anos como assistente social em organizações públicas e privadas, especialmente na função de coordenadora de projetos. Docência desde 1995 em curso de Serviço Social, exercendo função de coordenadora de curso e supervisora de estágio. Atualmente é docente na UNIP (campus Assis) e secretária municipal de assistência social no município de Timburi (SP). Raquel Azevedo Graduada em Serviço Social pelo Centro Universitário de Bauru, mantido pela Instituição Toledo de Ensino (ITE Bauru/1994). Possui especialização em Serviço Social do Trabalho, pelo Universidade Veiga de Almeida (UVA/2008). Atualmente é mestranda em Educação em Saúde pelo Centro de Desenvolvimento do Ensino Superior (CEDESS)/Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Trabalha como docente e coordenadora auxiliar de estágio do curso de Serviço Social na UNIP EaD e como sócia consultora na empresa Mediar Serviço Social Ltda. ME. Tem vasta experiência na área organizacional, atuando em empresas de grande porte como assistente social e consultora em serviço social no período de 1995 a 2010. © Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Universidade Paulista. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) A474m Alves, Márcia Oliveira. Monitoramento e avaliação em serviço social / Márcia Oliveira Alves, Raquel Azevedo. - São Paulo: Editora Sol, 2020. 140 p. il. Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e Pesquisas da UNIP, Série Didática, ISSN 1517-9230. 1. Monitoramento. 2. Avaliação. 3. Serviço social. I. Azevedo, Raquel. II. Título. CDU 364 U508.82 – 20 Prof. Dr. João Carlos Di Genio Reitor Prof. Fábio Romeu de Carvalho Vice-Reitor de Planejamento, Administração e Finanças Profa. Melânia Dalla Torre Vice-Reitora de Unidades Universitárias Profa. Dra. Marília Ancona-Lopez Vice-Reitora de Pós-Graduação e Pesquisa Profa. Dra. Marília Ancona-Lopez Vice-Reitora de Graduação Unip Interativa – EaD Profa. Elisabete Brihy Prof. Marcello Vannini Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar Prof. Ivan Daliberto Frugoli Material Didático – EaD Comissão editorial: Dra. Angélica L. Carlini (UNIP) Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR) Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT) Apoio: Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD Profa. Deise Alcantara Carreiro – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos Projeto gráfico: Prof. Alexandre Ponzetto Revisão: Valéria Nagy Juliana Maria Mendes Sumário Monitoramento e Avaliação em Serviço Social APRESENTAÇÃO ......................................................................................................................................................7 INTRODUÇÃO ...........................................................................................................................................................8 Unidade I 1 MONITORAMENTO E AVALIAÇÃO DE PROJETOS E PROGRAMAS SOCIAIS NOS ESPAÇOS PÚBLICO, PRIVADO E DO TERCEIRO SETOR .......................................................................... 11 1.1 O monitoramento e a avaliação: o novo cenário do planejamento social no Brasil pós-Constituição de 1988 .......................................................................................................... 11 1.2 Objetivos e finalidades ....................................................................................................................... 23 1.3 Nível de formação de ação: plano, programa e projeto ....................................................... 25 2 O MONITORAMENTO COMO PROCESSO ................................................................................................ 28 3 INDICADORES SOCIAIS ................................................................................................................................. 32 3.1 Principais indicadores do monitoramento: eficiência, eficácia e efetividade .................................................................................................................................................. 34 3.2 O lugar do monitoramento no planejamento social ............................................................. 38 4 INSTRUMENTAIS DE MONITORAMENTO ................................................................................................ 50 Unidade II 5 O PROCESSO DE INTEGRAÇÃO DA AVALIAÇÃO COM O MONITORAMENTO E O PLANEJAMENTO SOCIAL.................................................................................................................................. 63 5.1 Conceito e finalidade da avaliação .............................................................................................. 63 5.2 Avaliação no planejamento ............................................................................................................ 66 5.2.1 Principais indicadores de avaliação: eficiência, eficácia e efetividade ............................ 68 6 INSTRUMENTO, APRESENTAÇÃO DE RESULTADOS, ANÁLISE DE UM ESPECIALISTA EM AVALIAÇÃO DA POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL E ROTEIRO DE AVALIAÇÃO DE PLANO E PROJETO ....................................................................................................................................... 73 6.1 Instrumento ............................................................................................................................................ 73 6.2 Resultados de avaliação .................................................................................................................... 74 6.3 Entendimento de especialista sobre a avaliação da assistência social .......................... 86 6.4 Roteiro de avaliação: plano e projeto .......................................................................................... 91 7 DESAFIOS DO MONITORAMENTO E DA AVALIAÇÃO.......................................................................... 95 8 BENEFÍCIOS GERADOS PELO MONITORAMENTO E PELA AVALIAÇÃO NO PROCESSO DE GESTÃO....................................................................................................................................114 7 APRESENTAÇÃO A você, nossas boas-vindas! Em especial, seja bem-vindo(a) ao universo do conhecimento desta disciplina! Fazemos o convite para que adentre o entendimento da avaliação e do monitoramento de programas e projetos sociais e caminhe pelas temáticas de planejamento e gestão social, entendidos como categorias intrínsecas à dimensão da temática central. Teremos aqui, como eixo central, a oferta de subsídios para o conhecimento e aprofundamento a respeito de monitoramento e avaliação de políticas sociais públicas, privadas e do terceiro setor. Destacamos que a temática central é constituída de um desafio, uma vez que ainda é considerada como “nova” no universo da atuação profissional, caminhando “a par e passo” com os momentos vivenciados pela sociedade brasileira. Em outras palavras, não temos uma tradição de avaliação e de monitoramento de políticas. Assim, a disciplina trará os conceitos de monitoramento e avaliação de projetos e programas sociais, adentrando em discussões sobre os objetivos e as finalidades nas esferas pública, privada e do terceiro setor, bem como o planejamento social e as definições de plano, programa e projeto. Para tal, trataremos dos aspectos históricos e conceituais que muito incidem sobre a compreensão desses elementos na contemporaneidade.Ao entrarmos no universo da gestão, em especial na temática de monitoramento, traremos os principais indicadores, eficiência, eficácia e efetividade, que são amplamente debatidos na atualidade, e o monitoramento no planejamento social. Não poderíamos trabalhar esses elementos sem nos aprofundarmos no entendimento dos instrumentais de monitoramento; acompanhar ou monitorar projetos deve ser meta cotidiana do profissional, pois essa atitude se traduz de forma imediata no sucesso deste, e, logo, no de sua atuação profissional. Na mesma linha, ao trazermos os elementos de monitoramento, trazemos também o sentido da avaliação, o que, nas sociedades ocidentais, tem uma carga significativa de julgamento ou punição. Essa visão é fruto do processo de formação sócio-histórica, ou seja, somos frutos da construção de uma sociedade fundada e alicerçada no controle das ações dos indivíduos desde a sua origem. Se estamos vinculados, como sociedade, a “lições de moral”, e se, em qualquer tempo da vida, o fruto da avaliação é utilizado como culpabilização de sujeitos, como nos desvencilharmos dessas determinações? Pois bem, traremos os elementos da avaliação como aliados do processo de construção de novos paradigmas, sobretudo no que concerne a novas leituras de realidade, o que, sem dúvida, como resultado, traz uma nova proposta de sociedade, bem como dos sujeitos que a ela pertencem. 8 Observação A avaliação constitui fase primordial do planejamento social, cujo objetivo deve ser, invariavelmente, a melhoria de vida dos sujeitos envolvidos, ou público-alvo dos planos, programas e projetos. Esses sujeitos certamente apresentam demandas às políticas públicas e, como detentores de direitos, reivindicam sua execução nos processos da vida diária. Para que o planejamento social seja evocado, é necessária a abordagem de sua concepção, seus princípios e sua efetivação nos espaços para os quais esse se faz necessário. Os resultados, após a implementação dos aspectos arrolados no processo de planejamento e gestão, serão uma consequência. Sabemos que o processo de monitoramento e avaliação proveniente do universo do planejamento social é um tema que traz tensão. Tal efeito se explica tanto pela trajetória sócio-histórica da sociedade e dos sujeitos que a compõem quanto pela visão distorcida dos processos de avaliação. Assim, podemos destacar que a temática traz em si desafios colocados tanto do ponto de vista da ação propriamente dita quanto dos encaminhamentos que dela decorrerão. Sabemos ainda que muitos desafios se colocam nesse cenário, porém o profissional pode contribuir para processos de construção de conhecimento e apreensão da temática apresentada como mecanismo de apropriação de conteúdos extremamente pertinentes à questão social. Confiamos que as questões aqui expostas possam subsidiar reflexões e, consequentemente, fortalecer sua formação profissional e sua inserção nos espaços sócio-ocupacionais de forma consciente e comprometida. Eis o convite: venha conosco adentrar esse cenário de conhecimento! INTRODUÇÃO Após as considerações anteriormente colocadas, agora se faz necessária a apropriação das temáticas que, além de informações, trarão a você instrumentos de apreensão dos conteúdos essenciais à sua formação profissional. Iniciaremos a discussão central do nosso tema abordando o monitoramento e a avaliação de projetos e programas sociais nos espaços público, privado e do terceiro setor. Traremos as definições conceituais dos elementos que compõem esses processos. Para tal, abordaremos a regulamentação específica que garante ao profissional sua inserção nos espaços sócio-ocupacionais, sobretudo dentro de suas atribuições privativas. A partir de então, passaremos a discutir sobre o planejamento e a administração, pois, assim, você terá, de forma direta, o enfoque de onde se localiza o monitoramento. Você poderá identificar os níveis de formação por meio da abordagem do plano, do programa e do projeto. 9 Trataremos ainda do monitoramento, abordando especificamente seus principais indicadores: a eficiência, a eficácia e a efetividade. Você irá aprender sobre o planejamento social e o lugar em que se situa o monitoramento, bem como seus instrumentais. Mais adiante, traremos a avaliação com uma abordagem privilegiada: você terá a oportunidade de aproximar-se dos conteúdos sobre indicadores de resultado, legislações que permeiam esse universo como processo de avaliação, contendo as dimensões de planejamento, execução da avaliação, análise, divulgação, utilização e os instrumentos de apresentação dos resultados. Veremos também a integração entre o monitoramento e a avaliação. Você poderá vivenciar os desafios contidos nesse universo, bem como os benefícios gerados. Cabe destacar que este é um momento especial, pois é quando ocorre a formação profissional, e será gratificante perceber o domínio do conhecimento que o levará ao espaço da gestão social com propriedade. Ao longo dos estudos, você poderá realizar exercícios que lhe darão a oportunidade de avaliar seu processo de aprendizagem. 10 11 MONITORAMENTO E AVALIAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL Unidade I MONITORAMENTO E AVALIAÇÃO DE PROJETOS E PROGRAMAS SOCIAIS 1 MONITORAMENTO E AVALIAÇÃO DE PROJETOS E PROGRAMAS SOCIAIS NOS ESPAÇOS PÚBLICO, PRIVADO E DO TERCEIRO SETOR Nesta unidade você se apropriará de elementos essenciais ao entendimento do monitoramento e da avaliação à luz do planejamento social, sobretudo, de todos os direitos advindos da Carta Constitucional de 1998, marco imperativo do surgimento das políticas públicas não contributivas, não seletivas e universais nunca antes existentes no país. Nesse novo cenário, o assistente social tem a missão de trabalhar para dar vida aos elementos que garantam o direito do cidadão, conforme a Lei de Regulamentação da Profissão, nº 8.662, de 7 de junho de 1993. A inserção profissional nos diversos espaços sócio-ocupacionais traz consigo a necessidade de apropriação da definição e da implementação das políticas públicas, bem como a necessária racionalidade do planejamento que, nessa medida, deve primar por oferecer condições de plena existência das ações, por meio dos planos, programas e projetos. Finalizando, você terá um amplo cenário de temáticas que lhe oportunizará a apreensão de diversos elementos que certamente subsidiarão sua inserção e atuação profissional no espaço contemporâneo. 1.1 O monitoramento e a avaliação: o novo cenário do planejamento social no Brasil pós-Constituição de 1988 O monitoramento e a avaliação de projetos e programas sociais têm obtido espaço privilegiado na atuação do assistente social no cenário contemporâneo, sobretudo, a partir do advento das políticas sociais emanadas da configuração da sociedade após 1988, precisamente depois da promulgação da Carta Constitucional. A Carta Constitucional de 1988 inaugura um novo momento na história do país, conforme já anunciado, e requisita, de forma urgente, situações que anteriormente eram colocadas como impraticáveis do ponto de vista social, a saber, movimentos que privilegiavam a participação e a mobilização. 5 de outubro de 1988: Ulysses promulga “Constituição Cidadã” Há 20 anos, o Brasil conhecia sua nova Constituição. Foram quase 19 meses de trabalho de 559 parlamentares (deputados e senadores), milhares de funcionários e a participação popular, quer na apresentação de sugestões para a elaboração da nova Carta Magna, quer nas lutas diárias por novas conquistas. O sonho da nova Constituição, de romper as regras estabelecidas no regime militar, teve início na campanha de Tancredo Neves para a Presidência da República. Tancredo sonhou com uma nova Constituição e prometeu fazê-la. Mas ele morreu sem ver seu sonho realizado. Coube ao seu sucessor, José Sarney, convocar a Constituinte[,] e ao seu melhor 12 Unidade I amigo, Ulysses Guimarães, promulgar a nova Constituição brasileira, na tarde de 5 de outubro de 1988, exatamente às 15h54.Sob o comando do “Senhor Diretas”, ou “o Grande Timoneiro” e presidente da Assembleia Nacional Constituinte, deputado Ulysses Guimarães (PMDB/SP), a “Constituição Cidadã”, como ele a chamou, foi promulgada, quando ele pronunciou as palavras históricas: “Declaro promulgado o documento da liberdade, [da] democracia e da justiça social do Brasil”. Para assinar a Carta Magna, que é a lei maior do país, Ulysses fez questão de usar, entre muitas canetas que lhe foram oferecidas, aquela que recebeu dos funcionários da Câmara dos Deputados, num reconhecimento ao apoio que recebeu deles e ao trabalho que realizaram sob a sua liderança. A nova Constituição nasceu como resposta às reivindicações da sociedade por mudanças estruturais no país, após o encerramento do ciclo de 20 anos de governos militares e a eleição do ex-governador de Minas Gerais, Tancredo Neves, para a Presidência da República pelo Colégio Eleitoral, sua morte antes da posse e a substituição pelo vice José Sarney. Num discurso histórico, Ulysses consolidou o processo de retomada do Estado Democrático de Direito, iniciado dez anos antes, no governo do general Ernesto Geisel, com a chamada abertura “lenta, gradual e segura” do regime militar. “Não é a Constituição perfeita. Se fosse perfeita, seria irreformável. Ela própria, com humildade e realismo, admite ser emendada até por maioria mais acessível, dentro de cinco anos. Não é a Constituição perfeita, mas será útil e pioneira e desbravadora. Será luz, ainda que de lamparina, na noite dos desgraçados. É caminhando que se abrem os caminhos. Ela vai caminhar e abri-los. Será redentor o que penetrar nos bolsões sujos, escuros e ignorados da miséria”, afirmou Ulysses Guimarães ao apresentar a Constituição ao povo brasileiro. Instalada no dia 1º de fevereiro de 1987, a Constituinte começou com uma disputa pela presidência, entre os deputados Ulysses Guimarães e Lysâneas Maciel (PDT/RJ), refletindo a divisão que iria marcar toda a sua trajetória, até a promulgação, entre as correntes de direita, centro- direita e esquerda, polarizadas na Assembleia. Os centro-direitistas venceram e elegeram Ulysses, por 425 votos contra 69 e 28 em branco. Durante os 19 meses de trabalho da Constituinte, foram realizadas 341 seções e 1.029 votações. A média de frequência dos deputados e senadores nas votações foi de 70,68%. Nas sessões, a média de frequência atingiu 77,88%. Uma das grandes polêmicas no início dos trabalhos da Assembleia foi para decidir se um terço (24) dos 72 senadores que foram eleitos quatro anos antes da Constituinte deveriam ou não participar do processo de elaboração da nova Carta. No fim, eles também se tornaram constituintes, embora não tivessem sido eleitos para essa finalidade. A derrota da campanha pelas “Diretas Já”, que previa eleição pelo voto popular do Presidente da República, em 1984, transferiu as expectativas populares das ruas para o Plenário da Câmara dos Deputados. O próprio Ulysses Guimarães traduziu esses anseios em seu discurso, ao afirmar que o texto constitucional era resultado do esforço dos parlamentares na consolidação de 61.020 emendas, além de 122 emendas de caráter popular, algumas com mais de 1 milhão de assinaturas. Antes de serem iniciados os trabalhos da Assembleia nas nove comissões temáticas, os constituintes e populares tiveram um prazo para apresentarem sugestões para a elaboração da nova Constituição do Brasil. As sugestões foram distribuídas em nove 13 MONITORAMENTO E AVALIAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL comissões temáticas instaladas posteriormente. O texto promulgado teve um caráter peculiar: os constituintes partiram do zero para formular um modelo próprio de resgate dos direitos do cidadão. Daí a definição dada pelo próprio Ulysses Guimarães ao texto elaborado e aprovado pelos constituintes (deputados e senadores): “Constituição Cidadã”. Fonte: Chagas; Lourenço (2008). Assim, podemos verificar que, mais de vinte anos após sua promulgação, a Carta Constitucional ainda tem muito a percorrer, sobretudo, no que se refere à implementação da participação da sociedade civil no acompanhamento das ações dos governos. Dela decorre especialmente o que se refere às políticas voltadas para os anseios da sociedade em situação de vulnerabilidade – trazendo, de forma direta, a responsabilidade do Estado na condução de medidas de inclusão. A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 inaugura a necessidade da presença da sociedade civil nas ações de gestão das políticas públicas. Assim, ao falarmos em planejamento social, monitoramento e avaliação, estamos falando de participação popular. Para entender mais sobre esses temas, é fundamental sua apreensão etimológica: Monitoramento tem sua origem no latim monitor que significa “o que adverte, guia, dirige”; no português, ganha o sentido de acompanhamento ou supervisão (HOUAISS, 2009). Assim, monitorar é estar presente de forma contínua e dinâmica. Avaliação nos remete ao ato de avaliar; essa palavra tem origem no latim valere, referindo-se a força, vigor, saúde (ORIGEM..., 2010). Portanto, o monitoramento e a avaliação ganham face de acompanhamento e movimento, que, juntos, visam ao alcance dos objetivos propostos. No Brasil, os sentidos de monitoramento, conforme já destacamos, são de vigilância, patrulhamento, o que nem sempre é colocado como um movimento positivo. Os anos 1990 são considerados como fecundos do ponto de vista da proposição de políticas sociais que passam a garantir direitos ao cidadão brasileiro. Tais direitos anteriormente eram considerados como benesses, principalmente quando direcionados às populações carentes ou em risco e vulnerabilidade social. Cabe destacar que muitas políticas públicas ganharam espaço nesse período e foram direcionadas aos segmentos da criança e do adolescente, do idoso, da assistência social, da saúde etc. Nesse aspecto, uma vez implementadas as políticas públicas a esses segmentos, as demandas exigiram a presença de novos planos, programas e projetos que dessem conta de atender os sujeitos com seus direitos ampliados, desafiando a construção de novas modalidades de planejamento e gestão. Podemos verificar, por conseguinte, que a temática pede o entendimento de muitos conteúdos, os quais vamos abordar. 14 Unidade I Inicialmente, torna-se necessária a apreensão de como se originam o monitoramento e a avaliação de programas e projetos sociais no campo de atuação do assistente social. Nesse sentido, a apropriação da Lei n° 8.662/1993 faz-se imprescindível. O entendimento desse contexto histórico auxiliará na compreensão de como o assistente social passou a ser protagonista também da gestão social, especialmente de políticas públicas que devem garantir à população usuária sua materialidade e seu usufruto no cotidiano. Conforme enunciado anteriormente, a Lei de Regulamentação da Profissão coloca em evidência as atribuições e competências do profissional de Serviço Social, logo traz consigo uma série de possibilidades de inserção em espaços socio-ocupacionais pouco apropriados pela categoria profissional até agora e propõe uma diretriz norteadora da ação no que se refere a atribuições privativas do profissional. Saiba mais Conheça a Lei n° 8.662, de 7 de junho de 1993: BRASIL. Lei n° 8.662, de 7 de junho de 1993. Dispõe sobre a profissão de Assistente Social e dá outras providências. Brasília, 1993. Disponível em: http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8662.htm#:~:text=LEI%20No%208.662%2C%20 DE,(Mensagem%20de%20veto).&text=O%20PRESIDENTE%20DA%20 REP%C3%9ABLICA%20Fa%C3%A7o,as%20condi%C3%A7%C3%B5es%20 estabelecidas%20nesta%20lei. Acesso em:11 jun. 2020. Visite também os sites dos órgãos de representação da profissão e veja a apresentação da referida Lei de Regulamentação, bem como outras regulamentações que são essenciais ao profissional no seu cotidiano: http://www.cfess.org.br http://www.cress-sp.org.br http://www.abepss.org.br Como foi possível verificar, há evidentedirecionamento e legitimidade na regulamentação, no que se refere ao planejamento e à gestão das políticas públicas sociais e à gestão de planos, programas e projetos. É interessante continuarmos a reflexão acerca da política por considerarmos que esta constitui um dos focos em que a temática se insere. Assim, para conceituar a política, precisamos compreender alguns aspectos relevantes: que a política está articulada a um processo de decisão, tomado por diversos atores, e que essas decisões envolvem intenções e comportamentos de uma ação, os quais geram impactos, esperados ou não, durante um determinado tempo; que é um processo definido subjetivamente, segundo visões conceituais e concepções que podem ser adotadas como direcionamentos dessa política. 15 MONITORAMENTO E AVALIAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL Conforme o Gapi (2002), a política pode ser resumida em três características: • uma teia de decisões e ações que alocam (implementam) valores; • uma instância que, uma vez articulada, vai conformando o contexto no qual uma sucessão de decisões futuras serão tomadas; • algo que envolve uma teia de decisões ou desenvolvimento de ações no tempo (GAPI, 2002). Para Oliveira (2005), o conceito de política considera sua complexidade e heterogeneidade, principalmente de sua dependência em relação a vários elementos que interferem na sua consecução. As políticas podem parecer, numa análise, assunto mais pertinente à ciência política do que propriamente à justiça, impressão que desaparece quando analisamos a função administrativa e o conceito de Estado como provedores de serviços públicos ou Estado serviente. Já não há mais a limitação da atuação do Estado ao poder de polícia e ao non farece, e sim a assunção de serviços públicos como modo de agir nas funções de implementação, coordenação e fiscalização para a realização de determinadas finalidades ligadas aos direitos sociais, nestes, incluindo-se os direitos econômicos (OLIVEIRA, 2005, p. 69). Já com relação ao termo, este pode ser empregado com diversas finalidades, tal como define o Gapi (2002): • campo de atividade ou envolvimento governamental (social, econômico), embora com limites nem sempre definidos; • objetivo ou na situação desejada (estabilidade econômica); • propósito específico (inflação zero), em geral relacionado a outros de menor ou maior ordem; • decisões do governo frente a situações emergenciais; • programa (“pacote” envolvendo leis, organizações, recursos); • resultado (o que é obtido na realidade, e não os propósitos anunciados ou legalmente autorizados); • impacto (diferente de resultado esperado); • teoria ou modelo que busca explicar a relação entre ações e resultados (GAPI, 2002). As políticas públicas devem ser entendidas como meios que nos capacitam à construção de ações que devem contribuir para o bem-estar da população. Devem conter, na sua essência, intenções que projetam a melhoria de vida para as pessoas de todos os segmentos da sociedade, ou seja, independentemente da classe 16 Unidade I social a que pertencemos, as políticas públicas devem garantir que o social seja pleno a todos, porquanto se originam nas necessidades dos cidadãos e, não raro, surgem como respostas do governo ao clamor do povo. Podemos dizer que as políticas públicas são edificadas como respostas a mudanças que devem ser traduzidas em melhorias, ou perseguir sentidos que favoreçam mudança de situações aflitivas ao social. Cabe destacar também que as políticas públicas devem primar pelo alcance não somente do desenvolvimento econômico ou político, mas também do social, do ambiental, do cultural, entre outros. As políticas públicas em países como o Brasil, onde há forte traço de exclusão e desigualdade social, acabam por desempenhar papel preponderante, uma vez que são os mecanismos de enfrentamento dos segmentos em situação de vulnerabilidade. Essas políticas passam a traduzir as possibilidades de inclusão desses segmentos pela via de programas e projetos que deem conta de promovê-los e, na mesma medida, operacionalizar ações de legitimação de direitos e inclusão. Assim, devem preconizar a inclusão de segmentos e, ao mesmo tempo, empreender a cidadania e a participação da sociedade. Para tal, um mecanismo imprescindível é a participação dos sujeitos sociais, desde o cidadão constituído de forma individual até a representação por segmentos organizados, como instituições, conselhos representativos, lideranças comunitárias etc. A participação é elemento essencial para a construção do processo de inclusão social. No âmbito das políticas públicas, para materializar as ações empreendidas pelo governo municipal, estadual ou federal, o planejamento social colabora para sistematizar essas políticas sob a forma de planos, programas e projetos. Esse exemplo deflagra, de forma direta, a importância dos processos de planejamento e gestão das políticas sociais e, logo, do monitoramento e da avaliação. Outro elemento essencial que irá contribuir para o entendimento da nossa temática é o planejamento. Reconhecido como uma forma de processo, está em amplo movimento na realidade – não se trata apenas de um fato específico ou isolado, mas de uma rede articulada de ações que empreendem uma aplicabilidade na realidade que traz em seu corpo a expectativa de um resultado. No caso específico do Serviço Social, o resultado do planejamento é a mudança qualitativa da realidade, ou o processo pelo qual os sujeitos podem protagonizar um espaço de vida melhor por meio do usufruto do direito. O planejamento também pode ser definido como um encaminhamento organizado e sistemático, com o objetivo de identificar e escolher o melhor caminho para se alcançar determinada meta. É um momento privilegiado, pois coloca em prática a criatividade humana como forma de otimizar, prever e implementar ações que visem às melhores condições dos sujeitos sociais. Podemos dizer, então, que o planejamento tem em si muitas potencialidades; é um fazer que se renova a cada novo desafio. Nesse aspecto, o assistente social figura como um dos profissionais que têm contida no seu labor a missão de edificar processos que permitam a presença do novo, do criativo e do renovado. Assim, caminhar na empreita de uma sociedade que elimine todas as formas de exclusão deve ser o elemento fundador da ação profissional do assistente social, destacando ainda que isso deve ser tomado como meta em todos os espaços sócio-ocupacionais que derivam da legitimidade de sua competência. Tratar de forma prioritária do extermínio da exclusão demanda competência técnica-operativa, teórico-metodológica e, sem dúvida, apropriação e postura ético-política. Nesse sentido, é extremamente 17 MONITORAMENTO E AVALIAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL oportuno o trabalho nas ações de planejamento, e, em especial, de monitoramento e avaliação de políticas públicas. Eis aqui a grande missão do planejamento e principalmente do planejador. Eliminar formas de exclusão e corroborar medidas de inclusão é o motor que fará girar os mecanismos de melhoria das condições de vida dos sujeitos sociais. A exclusão constitui forma de adestramento do ser humano, desprestigiando a condição de existência plena e, na mesma medida, de usufruto de direitos garantidos socialmente. Nessa medida, seguem na mesma linha as formas de violação de direitos que desabilitam o cidadão a ter asseguradas garantias sociais, em muitos casos, mediante coação e violência nas suas mais variadas modalidades. Para evitar isso, é preciso que os planejadores assinem um projeto de adesão às causas sociais destoantes das perspectivas individuais, exclusivistas e excludentes. Assim, lançar mão do planejamento e de seus elementos pode traduzir-se em uma realidade melhor, cujo pacto com as causas sociais resulte, de forma imediata, em uma sociedade mais justa. Alçar voo em direção a mecanismos de planejamento eficazes pode impedir que a exploração e a violência amparadas pelo poder sejam ainda reiteradasem nossa sociedade. É preciso, porém, que haja um processo de conscientização dos vários segmentos que compõem esse cenário – os sujeitos em situação de vulnerabilidade social nem sempre têm consciência das formas de enfrentamento de questões ou dos modos de alcance de cidadania e direitos –, e, na mesma medida, há evidente interesse por parte de segmentos economicamente privilegiados que se alimentam dessa inoperância dos espaços e segmentos de legitimidade de direitos. O planejamento ainda se apresenta como fator a ser utilizado como mecanismo de enfrentamento: trata-se de lançar mão de processos que corroborem a construção de um novo cenário na temática Exclusão. Segundo Barbosa (1980) o planejamento pode ser entendido como um processo de racionalidade relacionado especificamente à atividade humana frente à realidade dinâmica. É um processo de tomada de decisões mediante o encaminhamento da ação, cujo objetivo situa-se na perspectiva de um futuro renovado. Trata-se de uma ação empreendida de forma sequencial, em determinado período de ação, contemplando estágios diversos. Ainda segundo o autor, o planejar situa-se na esfera da realidade dinâmica, logo dialética, que requer posicionamentos que possam ser acompanhados e avaliados, trazendo consigo os sentidos da importância do monitoramento e da avaliação para o êxito da ação. O planejamento requer racionalidade. Isso quer dizer que não está restrito somente à atividade humana, mas a elementos que possam ser traduzidos em sucesso no trabalho empreendido, o que depende da operacionalização, segundo Baptista (2007). Para o planejamento, a importância da operacionalização dos conceitos está no fato de propiciar: • um marco de referência para a ação; • a coleta e o registro de dados empíricos; 18 Unidade I • maior precisão à descrição e à interpretação de dados; • maior facilidade de comunicação com a instituição, possibilitando a interpretação dos conceitos expressos sem ambiguidades. Nessa medida, verificamos a importância de ser estabelecida uma relação de atenção contínua ao adentrarmos o universo do planejamento, e que esse processo traz consigo, de forma conjunta, a presença da avaliação. Lembrete É preciso que os sujeitos em situação de vulnerabilidade social tenham consciência das formas de enfrentamento de questões, ou dos modos de alcance de cidadania e direitos. Como verificamos, o planejamento consiste num processo que tem, em si, uma dimensão política, a qual infere intencionalidades. É preciso ter claro o objetivo para traçar o caminho a ser percorrido. Como processo político, traz, tanto de forma explícita quanto implícita, relações de poder que o alimentam de forma dinâmica. Esse dinamismo constitui-se em possibilidades que conferem condições para que o processo seja revigorado e alimentado por novos elementos emergentes dos cenários. Assim, há um necessário movimento que direciona a ação para o sentido de totalidade, que deve convergir em ações que ultrapassem a visão individual e alcancem a necessária abordagem do coletivo. Esse percurso reivindica tensões que, no limite, se traduzirão na abordagem do coletivo, em detrimento dos individualismos dos processos democráticos. Ressaltamos que essa tradução do planejamento não se construiu historicamente de forma linear e que muitas forças foram tensionadas (e certamente ainda são), uma vez que as ações de planejamento estavam e estão inseridas em uma realidade pouco propícia ao debate, no sentido coletivo, e ao necessário dinamismo alimentador do “novo”. Basta que destaquemos a construção da sociedade brasileira sob a égide do autoritarismo e do exclusivismo. Somos frutos de uma sociedade escravocrata desde sua raiz. Portanto, ações que visam ao bem da coletividade sempre esbarram nos interesses das classes dominantes, logo as relações de poder têm forte tendência, o que passa a ser objeto de enfrentamento da categoria profissional. Barbosa (1980, p. 143), em seus estudos no final de década de 1970, já nos apontava o planejamento como “instrumento para provocar mudanças, bem como o assistente social como provocador daquelas e ainda que o planejamento social é tarefa interdisciplinar”. Segundo o autor: A reflexão em cada realidade e na ação do profissional, a partir de novos valores e consequentes ideologias, constituiu-se num rompimento com o tradicional, quando as contradições levaram a buscar formas de superação, num processo permanente de reflexão, decisão, ação, revisão e nova reflexão, num continuum (BARBOSA, 1980, p. 146). 19 MONITORAMENTO E AVALIAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL Vemos, assim, que já na década de 1970 o planejamento era objeto de preocupação profissional, embora destaquemos sua incipiência, sobretudo, no que se refere ao seu entendimento enquanto instrumento político de mudança. O objeto do planejamento da intervenção profissional é o segmento de uma realidade total sobre o qual irá formular um conjunto de reflexões e de proposições para a intervenção. Sua construção e reconstrução permanentes ocorrem a partir da localização da questão central a ser trabalhada e das ideias básicas que nortearão o processo. Na medida em que a realidade social é dinâmica e também que o processo para apreendê- la faz-se por sucessivas aproximações, não existe momento no qual se possa dizer que se tenha perfeitamente delineado e delimitado o objeto da intervenção: ele vai se construindo e reconstruindo permanentemente no decorrer de toda a ação planejada, em função de suas relações com o contexto que o produziu, sendo modificado e modificando-o permanentemente (BAPTISTA, 2007, p. 31). Verificamos que o planejamento constitui-se em elemento essencial ao trabalho do assistente social. Ele nos possibilita dar materialidade à ação profissional por meio de propostas que visem à coletividade e a almejem; são ações que se materializam por meio de planos, programas ou projetos, e que frutificam em ações de inclusão social de segmentos, não raro, em situação de vulnerabilidade social. Em outra medida, mas não menos importante, o planejamento opera a vivificação de possibilidades na construção dos sujeitos sociais que podem protagonizar a edificação de uma nova ordem societária, ou seja, sujeitos dotados de capacidade intelectual crítica, que poderão empreender ações com vistas ao bem comum, portanto social, e que trazem em si uma grande força de mudança de conjunturas e quebra de paradigmas. Para tal, não basta a intencionalidade, mas a necessária compreensão do real. Torna-se imprescindível sua apreensão na totalidade, para a construção de métodos e técnicas que corroborem a construção do novo. É necessário o olhar dinâmico, vivificador de novas possibilidades. Ainda nos deparamos com muitas demandas oriundas do social que clamam, nas ruas, para serem sanadas. Muitas dessas demandas, sem dúvida, dependem de ações conscientes e planejadas, cujos resultados certamente se efetivarão em uma sociedade melhor. Muitas vezes as questões são colocadas de forma tendenciosa que leva o cidadão a construir juízos de valor acerca de uma realidade social, a partir da visão e da ideologia de outros, cujas intencionalidades se traduzem em fermentar opiniões de promovam a particularização e a segregação de parte da sociedade. Assim, esses interesses fomentam a culpabilização de segmentos populacionais que já se encontram em situação de risco e vulnerabilidade social. Sobre isso, Ghiraldelli Júnior (2013) disserta: 20 Unidade I Os pobres e os idiotas Há pessoas que pensam e dizem que qualquer ajuda estatal aos pobres gera a vagabundice. Quando pressionadas, então admitem que o estado “até poderia ajudar”, sim, mas com discriminação. No limite gostariam que não existisse uma política social e, sim, uma política assistencial – justamente o que criticam na administração federal – que viesse a entrevistar cada pobre para ver como que ele poderia empregar os cem reais dados pelo governo. É muito difícil levar asério tais pessoas enquanto pessoas inteligentes. Porque é duro de acreditar que pessoas inteligentes não possam se imaginar na situação de miséria, isto é, não possam se imaginar naquela situação em que se olha para os lados e nenhuma saída aparece. No entanto, é justamente isso que ocorre com tais adeptos do “salve-se quem puder” social. Essas pessoas realmente não conseguem imaginar uma situação assim, tão fácil de ser ficcionada. Imagine que você é uma dessas crianças que, mais ou menos aos cinco anos de idade, começam a disputar com os gatos da vizinhança a comida do lixo do vizinho. Um dia você passa bem, outro dia a comida estragada lhe faz mal. Sua vida é exatamente isso: passar o dia quieto, rodeado de mosquitos, torcendo pela sorte: talvez aquele dia não seja um dia de diarreia ou febre, talvez seja. No outro dia, tudo de novo. Até os seis anos, quando então toda dor de barriga passa, inclusive a fome: aprende-se com os mais velhos a cheirar cola. Revitalizado pela cola, pode-se então participar de uma ajuda ao assalto feito pelos adolescentes. Chega-se assim aos heroicos sete ou oito anos. Três anos fedendo urina, consumindo cola, comendo pouco, roubando. Voltar para casa à noite? Nem pensar! Um padrasto bêbado pode partir para a violência, talvez a violência sexual. Você consegue se imaginar nessa vida e, então, com sua brilhante inteligência atual, de classe média, encontrar uma saída desse mundo amaldiçoado? É incrível, mas as pessoas que são contra os programas sociais do governo não fazem esse exercício de pensamento. É um exercício simples, qualquer um pode fazer. Por que elas não conseguem? O que as impede? Faltam-lhes neurônios? Certa vez coloquei uma moça na parede, forçando-a a se imaginar nessa situação de miséria. A certa altura da conversa, sabe o que ela me falou? Isto: “Ah, mas nesse momento aqui, mais difícil, eu voltaria para a casa e chamaria minha mãe, afinal, eu teria mãe, não?”. Fiquei olhando para aquela moça, embasbacado. E ela insistiu: “Bem, eu teria mãe, não teria? Afinal, como nasci?”. Eu continuei olhando, sem fala. Não pude mais continuar a conversa. Ela saiu chateada: “Ah, filósofos malucos!”. Em outros tempos esse tipo de moça talvez dissesse: “Ah, comunista!”. Os programas sociais em vários países do mundo não são para os pobres, são para os miseráveis. São para os que estão vivendo como bichos entocados, sem água potável, sem qualquer saneamento, sem possibilidades de qualquer emprego porque não podem sequer se 21 MONITORAMENTO E AVALIAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL apresentar como humanos na fila do emprego. Mas quem se indispõe diante dos programas sociais dos governos que querem salvar tais populações e, enfim, salvar os países que as possuem, acaba por mostrar uma incrível falta de imaginação para se colocar nas condições dos miseráveis. No passado, eu pensava que havia uma certa maldade nisso, nessa incapacidade intelectual de se colocar na situação de desgraça do outro. Mas, na verdade o que há é aquela visão típica que ecoou na história: “O povo está sem pão? Ora, mas por que eles não comem brioche?”. Há dupla cegueira aí nesse caso. As pessoas incapazes de imaginação não conseguem olhar o lado do miserável e também não conseguem olhar o lado do país – sim, pois há o lado coletivo nisso tudo, que deveria ser até mais fácil ver: se o miserável sai da miséria ele implementa o consumo e este gera emprego e, enfim, a roda da economia começa a girar, de modo que logo as classes médias também começam a viver melhor. Quando vejo alguns intelectuais insuflando os sem imaginação a ficarem ainda mais sem imaginação, eu começo a pensar comigo mesmo: “Será que eles vão dizer que é a Filosofia que os ensinou a ensinarem os outros a serem burros?”. Fico triste, porque alguns dizem que sim, que eles, ao ensinarem os outros a não conseguirem se colocar no lugar dos miseráveis (e nem mesmo do lado coletivo, do Estado), aprenderam isso com a Filosofia. Mentira. Eles não aprenderam isso com ninguém. É que eles próprios também não possuem imaginação nenhuma. São uns vazios. São o cocô do bandido. Fonte: Ghiraldelli Júnior (2013). Textos como esse despertam a atenção para a necessária presença de um planejamento que operacionalize o extermínio da desigualdade e, mais que isso, que possibilite ao compromisso social imperar como forma de enfrentamento de toda forma de exclusão, logo, da violência social que assola o cidadão em situação de risco e vulnerabilidade social. Para isso, conforme destacado anteriormente, há a necessidade de apropriação dos mecanismos de controle social presentes no cenário do planejamento social. Junto do conceito de planejamento, temos outro elemento importante desse universo, que, poderíamos dizer, está pari passu com esse primeiro conceito: a administração. A dimensão da administração em Serviço Social está alocada com o planejamento, e ambos podem compor a chamada gestão social. Para Barbosa (1980, p. 22), “administrar é prever e planejar, é organizar, coordenar e controlar”. Nesse aspecto, o planejamento tem sua origem na área da administração e traz consigo marcas profundas de controle e de adestramento. Ainda se veem resquícios da história, uma vez que os métodos tradicionais de administração eram intensamente marcados pelo controle, como instrumentos punitivos. Assim, vemos que desmistificar ainda é um desafio a ser rompido pela profissão. 22 Unidade I Observação A administração precisa muito bem “cuidada”, pois é necessária a ação não voltada à ideologia de controle e patrulhamento, muito menos de tolhimento às liberdades. É preciso conviver com as diferenças e, assim, apreender novos processos e possibilidades de ação. Hoje a administração ganha força revigorada – o usuário do serviço é parte integrante das atividades do planejamento e, nessa medida, determina não só a ação a ser empreendida e traduzida, mas também oferece contribuições às esferas decisórias da planificação, ou seja, o usuário é consultado, e suas insatisfações passam a compor o rol dos objetivos a serem perseguidos pela organização, seja ela pública, privada ou do terceiro setor. Quando tratamos da pauta específica do Serviço Social, temos a presença do controle social. Saiba mais Conheça mais sobre como se pode obter a correta relação entre os tributos arrecadados e os serviços por estes financiados. Veja o trabalho do Observatório Social de Maringá (OSM), que propõe o desafio de superar o assistencialismo para a efetiva prestação de serviços a cargo do Poder Público, em: http://observatoriosocialmaringa.org.br/ O controle social revigora o cenário das políticas públicas, uma vez que se efetiva pela participação da sociedade civil nos mecanismos de controle dos serviços públicos, bem como interfere nos investimentos do setor público por meio de sua representação nos conselhos municipais, estaduais e federais. Esse cenário tem sido objeto de muitos estudos, uma vez que se deflagra, ainda, na contemporaneidade, o grande desafio da participação da sociedade civil. Um argumento utilizado, que, por sua vez, pode explicar (mesmo de forma incipiente), mas que não justifica, é a ausência da cultura de participação do povo brasileiro. Saiba mais Destacamos aqui a formação histórica da sociedade brasileira, sobretudo, no que se refere aos regimes autoritários: http://www.sohistoria.com.br/ef2/ditadura/ http://www.suapesquisa.com/ditadura/ 23 MONITORAMENTO E AVALIAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL 1.2 Objetivos e finalidades Conforme destacamos anteriormente, o monitoramento e a avaliação dos programas e projetos sociais passaram a compor o rol de trabalho do assistente social de forma incisiva, a partir dos anos 1990, dada a implementação de várias políticas públicas, dentre as quais políticas que passaram a garantir direitos à população brasileira. Tais políticas reivindicaram a necessidade do acompanhamento das contas públicas, pois houve, a partir de então, a chamada descentralizaçãodos serviços e políticas públicas para os estados e municípios. Assim, tornou-se necessária a participação da sociedade civil, sobretudo, com o advento dos conselhos de direitos a ordenar o planejamento das demandas públicas e seu encaminhamento. Estados e municípios passaram a gerir seus programas, projetos e recursos. Surgem, a partir dessas necessidades, regulamentações várias que passaram a possibilitar melhor acompanhamento e controle da coisa pública. Como exemplos, podemos citar os planos plurianuais, a Lei de Diretrizes Orçamentárias e a Lei Orçamentária Anual, que passaram a garantir ao cidadão o direito de participar do investimento público, chamado de controle social. A seguir, podemos vislumbrar o fluxo dinâmico: Revisão do PPA Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) Lei Orçamentária Anual (LOA Execução Orçamentária Unidades Orçamentárias Acompanhamento das ações de governo Figura 1 – Fluxo dinâmico de avaliação do Plano Plurianual (PPA) Acompanhar as contas públicas e o direcionamento orçamentário é monitorar as ações do público em um cenário no qual há interesses diversos. Enfim, compreende-se, sem grandes dificuldades, que a concorrência entre diferentes projetos societários é um fenômeno próprio da democracia política. Num contexto ditatorial, a vontade política da classe social que exerce o poder político vale-se, para a implementação do seu projeto 24 Unidade I societário, de mecanismos e dispositivos especialmente coercitivos e repressivos. É somente quando se conquistam e se garantem as liberdades políticas fundamentais (de expressão e manifestação do pensamento, de associação, de votar e ser votado etc.) que distintos projetos societários podem confrontar-se e disputar a adesão dos membros da sociedade (NETTO, 2009, p. 3). Observação Se cada cidadão estivesse presente no momento de construção da pauta de investimentos do dinheiro público, certamente os encaminhamentos seriam dirigidos de forma unânime. Em outras palavras, as possibilidades de exclusão seriam cada vez menores. Contudo, estar presente para opinar sobre o ordenamento dos investimentos requer consciência e conhecimento, o que ainda precisa ser alcançado na sociedade. Todos os municípios possuem conselhos de direitos, que devem preconizar a participação do cidadão. As deliberações dos conselhos ocorrem por meio de reuniões ordinárias definidas por um cronograma e em que o cidadão pode participar. Podemos, assim, dizer que o que move a ação de um conselho é a participação. Todo cidadão, ao adentrar um conselho, tem direito à voz, porém somente os integrantes eleitos mediante conferências municipais têm direito a votar e, por conseguinte, a deliberar sobre as ações por ele encaminhadas. Como representante do povo, o cidadão eleito tem como responsabilidade encaminhar seu voto e suas ações em defesa do direito daquele que não pode votar, mas que o elegeu representante. Nesse ponto, o conselheiro deve prioritariamente trabalhar, inclusive, na divulgação das discussões e deliberações do conselho. Assim, os encaminhamentos se constituirão em realidade na vida do cidadão. Saiba mais Faça uma visita ao site do conselho de seu município e veja o calendário de reuniões, as pautas e encaminhamentos já ocorridos, mas, principalmente, participe das reuniões. O monitoramento e a avaliação devem estar presentes na agenda do cidadão. Os mecanismos de acompanhamento de gestão, seja ela pública, privada ou do terceiro setor, devem estar disponíveis ao cidadão e, de forma direta, prever mecanismos de sensibilização e envolvimento deste. Não basta veicular informações, é necessário instituir mecanismos de transparência aos quais o cidadão tenha alcance. A publicização dos resultados contidos no processo de avaliação deve caminhar no sentido de ganhar os espaços públicos, para que, cada vez mais, o cidadão possa ter acesso a tais resultados de forma imediata, clara e precisa. 25 MONITORAMENTO E AVALIAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL 1.3 Nível de formação de ação: plano, programa e projeto A ação cotidiana do assistente social deve trazer consigo a necessária planificação. Tanto no monitoramento quanto na avaliação, o profissional traz intencionalidades que se traduzem em objetos a serem materializados no cotidiano. Nesse aspecto, o planejamento da ação (que traz o monitoramento e a avaliação) poderá materializar-se por meio de políticas que podem, ainda, garantir processos de inclusão e edificação da cidadania. Estas, por sua vez, podem estar materializadas em planos, programas e projetos. O plano pode ser entendido como momento de definição de linhas gerais, ou momento em que se definem as diretrizes e estratégias, bem como os meios e os fins a serem alcançados, e, caso necessário, os responsáveis e o cronograma de atuação. Há necessidade, nesse momento, de que as forças operantes da política, bem como as linhas-mestras do processo, sejam deflagradas e se posicionem de maneira clara e objetiva. Em outras palavras, as prioridades e o caminho a ser percorrido devem ficar claros. Obviamente o plano deve estar direcionado às demandas e necessidades dos segmentos demandantes, ou seja, as necessidades precisam ser identificadas. O plano delineia as decisões de caráter geral do sistema, suas grandes linhas políticas, suas diretrizes e precisa responsabilidade. Deve ser formulado de forma clara e simples, a fim de nortear os demais níveis da proposta. É tomado como um marco de referência interna da organização e externa em relação ao contexto no qual se insere. No plano são sistematizados e compatibilizados objetivos e metas, procurando otimizar o uso dos recursos da organização planejadora (BAPTISTA, 2007, p. 99). Lembrete Os planos devem conter em sua essência o compromisso com a transformação do real, com vistas ao alcance de referenciais adequados de vida ou de consolidação e aprimoramento de direitos. Os programas vêm na mesma linha, pormenorizando o plano, bem como abordando e definindo detalhes. De forma direta, podemos pensar no programa como um momento de encontro dos projetos, cuja diretriz é essência condutora de objetivos comuns. Trata-se de traçar uma linha condutora da ação voltada à articulação de ações, com vistas ao alcance do sucesso previsto no plano. Segundo Baptista (2007, p. 100), o programa é o “desdobramento do plano”, e são seus elementos básicos: • a síntese das informações sobre a situação a ser modificada com a programação; • a formulação explícita das funções efetivamente consignadas aos órgãos ou serviços ligados ao programa com responsabilidades em sua execução; 26 Unidade I • a formulação de objetivos gerais e específicos, em seu nível, e a explicitação de sua coerência com as políticas, diretrizes e objetivos da organização e de sua relação com os demais programas de mesmo nível; • as atividades e a dinâmica de trabalho a serem adotadas para a realização do programa; • as atividades e os projetos que comporão o programa, suas interligações, incluindo a apresentação sumária de seus objetivos e de suas ações; • os recursos humanos, físicos e materiais de seus objetivos e de suas ações; • a explicitação das medidas administrativas para sua implantação e manutenção (BAPTISTA, 2007, p. 100). Assim, ao falarmos em programa, adentramos o universo de providências necessárias à articulação entre as instâncias do plano e, na mesma medida, do projeto. O projeto é o momento da sistematização, indicando os mecanismos de realização, bem como as técnicas pertinentes que irão contribuir para o alcance dos objetivos previamente delimitados. Nesse momento, as ações são dispostas de modo que componham um conjunto, cuja mola propulsora é a realização de determinada ação voltada para produzir determinado efeito na realidade. O projeto deve conter o passo a passo da ação planificada, estar articulado às necessidades demandadas do real e, sobretudo, ao compromisso profissional de ofertar mecanismos de construçãode uma ordem societária desenhada à luz da democracia, da cidadania e da liberdade. Pode-se dizer que o projeto é o momento privilegiado da atividade em movimento, ou, ainda, o momento em que os resultados serão buscados e mensurados. Para melhor visualização, segue a representação gráfica de plano, programas e projetos: Plano Projeto 1A Projeto 1B Projeto 2A Projeto 2B Programa 1 Programa 2 Figura 2 - Representação de plano, programas e projetos Observação Não há um modelo de projeto, mas o que irá determinar seus elementos constitutivos são as demandas oriundas da realidade. Cabe atentar que é necessário o profissional lançar mão da dimensão investigativa de sua formação, para obter os dados necessários à planificação. 27 MONITORAMENTO E AVALIAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL Nesse sentido, pesquisar a realidade é essencial, uma vez que somente ela poderá trazer à luz suas necessidades e demandas. A partir de então, iluminam-se os nortes a serem percorridos pela planificação, o que, em consequência, irá determinar os elementos constitutivos do projeto. Mas atente que, após esse momento, é imprescindível a construção de um roteiro. O plano, o programa e o projeto devem conter intencionalidades voltadas para construção e reconstrução da realidade, bem como dos sujeitos que a compõem. O assistente social, a partir do compromisso previsto em seu código de ética e seu projeto ético, político e profissional deve ter sempre como meta princípios vinculados à liberdade, à justiça social, à equidade, e outros, que o requisitam a render seus esforços para a legitimação. Do ponto de vista estritamente profissional, o projeto implica o compromisso com a competência, que só pode ter como base o aperfeiçoamento intelectual do assistente social. Daí a ênfase numa formação acadêmica qualificada, fundada em concepções teórico-metodológicas, críticas e sólidas, capazes de viabilizar uma análise concreta da realidade social – formação que deve abrir a via à preocupação com a (auto)formação permanente e estimular uma constante preocupação investigativa. Em especial, o projeto prioriza uma nova relação com os usuários dos serviços oferecidos pelos assistentes sociais: é seu componente elementar o compromisso com a qualidade dos serviços prestados à população, aí incluída a publicidade dos recursos institucionais, instrumento indispensável para a sua democratização e universalização, e, sobretudo para abrir as decisões institucionais à participação dos usuários (NETTO, 2009, p. 16). Nas palavras de Netto (2009) é possível materializar a importância da competência e da formação continuada do assistente social, por meio do que o autor chama de aperfeiçoamento intelectual. Traz de forma direta a preocupação em despertar o compromisso do profissional com a qualidade dos serviços ofertados ao usuário, incluindo a publicização dos recursos. Acrescentamos a esse rol a publicização dos resultados contidos nos processos de avaliação e o compromisso com a dimensão do monitoramento, inclusive com o fomento à participação da comunidade. Destarte, sabemos que muitos são os desafios que impedem a participação, mas que sua presença seja sempre vivificada nos cenários de atuação profissional. Para isso, é preciso que o profissional tenha, em sua prática cotidiana, o compromisso com a formação continuada, com vistas a qualificar-se para identificar as múltiplas facetas da expressão da Questão Social e, assim, a partir de seu olhar crítico para essa realidade, efetuar propostas de superação das desigualdades. O objeto de trabalho... é a Questão Social. É ela, em suas múltiplas expressões, que provoca a necessidade da ação profissional junto à criança e ao adolescente, ao idoso, a situações de violência contra a mulher, à luta pela terra etc. Essas expressões da Questão Social são a matéria-prima ou o objeto do trabalho profissional. Pesquisar e conhecer a realidade é conhecer o próprio objeto de trabalho, junto ao qual se pretende induzir ou 28 Unidade I impulsionar um processo de mudanças. Nessa perspectiva, o conhecimento da realidade de ser um mero pano de fundo para o exercício profissional, tornando-se condição do mesmo, do conhecimento do objeto junto ao qual incide a ação transformadora ou esse trabalho. Dar conta das particularidades das múltiplas expressões da Questão Social na história da sociedade brasileira é explicar os processos sociais que as produzem e como são experimentadas pelos sujeitos sociais que as vivenciam em suas relações sociais quotidianas. É nesse campo que se dá o trabalho do assistente social, devendo apreender como a questão social em suas múltiplas expressões é experienciada pelos sujeitos em suas vidas quotidianas. Como pensar os instrumentos de trabalho do assistente social? Geralmente, tem-se a visão dos instrumentos de trabalho como um “arsenal de técnicas”: entrevistas, reuniões, plantão, encaminhamento etc., mas a questão é mais complexa. Quais são os meios de trabalho do assistente social? A noção estrita de instrumento como mero conjunto de técnicas se amplia para abranger o conhecimento como um meio de trabalho, sem o que esse trabalhador especializado não consegue efetuar sua atividade ou trabalho. As bases teórico-metodológicas são recursos essenciais que o assistente social aciona para exercer o seu trabalho: contribuem para iluminar a leitura da realidade e imprimir rumos à ação, ao mesmo tempo que a moldam. Assim, o conhecimento não é só um verniz que se sobrepõe superficialmente à prática profissional, podendo ser dispensado; mas um meio pelo qual é possível decifrar a realidade e clarear a condução do trabalho a ser realizado. Nessa perspectiva, o conjunto de conhecimentos e habilidades adquiridos pelo assistente social ao longo do seu processo formativo [é] parte do acervo de seus meios de trabalho. Fonte: Iamamoto (2018, p. 62-63). Na contemporaneidade, nos espaços de atuação, o profissional tem sido requisitado a compor as equipes de gestão dos planos, programas e projetos. Assistimos, dessa forma, ao reconhecimento do assistente social, não só pela regulamentação que se traduz em competências e atribuições, mas na efetiva colaboração profissional a empreender ações que vivifiquem a cidadania, a equidade e a justiça social. Assim, seja nos espaços públicos, privados ou do terceiro setor, muito há de ser construído. 2 O MONITORAMENTO COMO PROCESSO Agora que já percorremos os conceitos de política, planejamento e administração, poderemos, com tranquilidade, adentrar os conceitos de monitoramento e avaliação. O monitoramento figura no mesmo espaço dialético da avaliação, contudo não se constitui em momento estanque do processo. Ambos devem ter em si uma essência dialógica, em um processo de construção e reconstrução de procedimentos, iniciativas e articulações. 29 MONITORAMENTO E AVALIAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL Baptista (2007, p. 109) traz o monitoramento descrito como controle, definindo-o como “acompanhamento sistemático, mensuração e o registro das atividades executadas, dos recursos utilizados, do tempo despendido em cada fase, dos resultados alcançados”. Conforme podemos observar, o monitoramento, aliado ao controle das ações, deve ocorrer de forma dinâmica e trazer benefícios para a realimentação dos processos. Segundo a autora, os processos de acompanhamento têm por objetivo: • a verificação da correspondência do realizado com o planejado, em termos de meios e de produtos; • a identificação e a correção de desvios e bloqueios na execução, em relação ao estabelecido no planejamento; • o fortalecimento de subsídios para a avaliação e revisão da ação (BAPTISTA, 2007, p. 109). Podemos destacar que o monitoramento, assim como a avaliação, é um processo, uma vez que está em constante transformação, pois, em uma relação direta, são gerados novos nortes no desenvolvimento da ação. Esta, por sua vez, é alimentada por informações e dados oriundos do processo de monitoramento e devetornar-se um mecanismo de correção de rotas, a partir das metas estabelecidas no momento de sua proposição. Nesse sentido, Silva (2001) descreve o processo de monitoramento e avaliação a partir de dimensões, apresentadas no quadro a seguir. Quadro 1 – Dimensões do processo de monitoramento e avaliação Dimensão Monitoramento Avaliação Objeto Acompanha sistematicamente ações e tarefas Examina e analisa os impactos e resultados, voltando-se para fins e propósitos Momento Processo contínuo durante a execução do programa Processo situado antes, no decorrer ou depois da execução do programa Objetivo Garantir o desenvolvimento dos trabalhos conforme o planejado Analisar relações entre processo, resultado e impactos Atitude Descritiva e corretiva Descritiva, interpretativa e experimental Recomendações Ajuste do plano de trabalho ou da estratégia de execução Revisão de ações, recursos e metas Fonte: Silva (2001, p. 79). Para que o monitoramento compreenda sua função, conforme destacado, este requer cuidados do planejador. Cuidar, nesse sentido, significa estar atento ao fluxo de informações decorrentes do processo e contidas na avaliação. Muito há de se levantar, e é preciso estar disponível para ingressar no universo das indagações, provocações e, ainda, utilizar a observação para que os dados possam ganhar luz no processo. Monitorar é um desafio contínuo. Como é essencial ao acompanhamento das ações e dos processos, equivale a aderir a um movimento contínuo de observação do real, tal como este se apresenta, e articular as metas e os objetivos propostos. Isso, sem dúvida, equivalerá ao sucesso, seja na forma de plano, programa ou projeto. 30 Unidade I Observação O plano, o programa e o projeto têm como objetivo definir e descrever as ações. Assim, devem ser claros e objetivos. Baptista (2007) descreve os componentes estruturais do plano, os elementos básicos do programa e as qualidades esperáveis do projeto: Componentes estruturais do plano: A síntese dos fatos e necessidades que o motivam e da importância da problemática para a instituição e para os grupos sociais que se beneficiarão do planejamento, fundamentando nela a formulação dos objetivos amplos da organização planejadora; o quadro ordenado por itens das mudanças a operar quanto à expansão de diferentes níveis e modalidades de ação da organização, à estrutura e ao conteúdo dos setores e dos níveis de rendimento previstos; o quadro cronológico das metas ou resultados a atingir ao término do período ou das etapas previstas; os tipos e a magnitude dos recursos humanos, físicos e instrumentais indispensáveis, acompanhados, sempre que possível, de cronograma dos momentos de disponibilidade; o volume e a composição das inversões e gastos para todo o período e para cada fase; a especificação das fontes e/ou modalidades de funcionamento; a previsão de mudanças legais, institucionais e administrativas indispensáveis para sua viabilidade; a atribuição das responsabilidades de execução, de controle e de avaliação dos resultados. Na medida em que o âmbito do plano abrange as execuções nos níveis de programa e projeto, o controle e a avaliação da execução estão condicionados a um sistema de organização que permite o acompanhamento dos diferentes níveis da ação (BAPTISTA, 2007, p. 99). Quanto ao programa, a autora ainda nos descreve os seguintes elementos básicos: Síntese de informações sobre a situação a ser modificada com a programação; a formulação explícita das funções efetivamente consignadas aos órgãos e/ou serviços ligados ao programa, com responsabilidades em sua execução; a formulação de objetivos gerais e específicos em seu nível e a explicitação de sua ocorrência com as políticas, diretrizes e objetivos da organização e de sua relação com os demais programas de mesmo nível; a estratégia e a dinâmica de trabalho a serem adotadas para a realização do programa; as atividades e os projetos que comporão o programa, suas interligações, incluindo a apresentação sumária de seus objetivos e de suas ações; os recursos humanos, físicos e materiais a serem mobilizados para sua realização; a explicitação das medidas administrativas necessárias para sua implantação e manutenção (BAPTISTA, 2007, p. 100). 31 MONITORAMENTO E AVALIAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL No que se refere ao projeto, a autora nos coloca as principais qualidades especificáveis. Logo, temos: Simplicidade e clareza na redação; disposição gráfica adequada; clareza e precisão nas ilustrações; objetividade e exatidão nas informações, na terminologia e nas especificações técnicas; suficiência e precisão, como guia para a ação, na terminologia e nas especificações técnicas; suficiência e precisão, como guia para a ação, o projeto requer descrição adequada de cada operação; abrangência, ou seja, o projeto deve referir-se de forma exaustiva a todos os aspectos da estrutura da questão a que se destina; ser compatível e coerente em suas relações entre as partes e em suas relações com os outros níveis da programação; ter relação visível entre as operações previstas e o alcance dos resultados desejados expressos nos objetivos; apresentar limitação temporal e espacial. (BAPTISTA, 2007, p. 102) Não raro, o monitoramento é associado somente à perspectiva gerencial. Isso se dá uma vez que, historicamente, as ações voltadas ao planejamento e à administração eram consideradas instrumentos das áreas de controle. Sabemos hoje que os mecanismos de avaliação, incluindo o monitoramento, podem estar inseridos nos espaços de trabalho de várias profissões, inclusive o Serviço Social. Para o profissional, os mecanismos de monitoramento e avaliação, ao serem utilizados como formas de inclusão social, coadunam-se com o projeto da profissão, efetivando o controle social. Este, como instrumento de democracia, se expressa como uma conquista, uma vez que aproxima o sujeito de direitos dos processos de planejamento e gestão de políticas. Saiba mais Leia a matéria a seguir, um exemplo importante da efetivação do controle social: CONTROLADORIA-GERAL DA UNIÃO. Orçamento público. Portal da transparência, [s.d.]. Disponível em: http://www.portaltransparencia.gov. br/entenda-a-gestao-publica/orcamento-publico. Acesso em: 21 jun. 2020. Para saber mais sobre controle social, acesse os sites dos conselhos regionais e federais. Você poderá descobrir várias ações promovidas pela categoria profissional e instituições que têm por finalidade acompanhar e monitorar os programas e projetos públicos ou do terceiro setor, assim como o investimento do orçamento público. 32 Unidade I Diferentemente do que se possa pensar, o controle social opera para além da fiscalização dos programas e projetos sociais, e tem um papel preponderante na construção de “novos” ou diferentes caminhos a serem trilhados pela sociedade e pelos sujeitos que a compõem. Há de se destacar a amplitude do processo de controle social. Nessa dinâmica, temos: Sociedade Políticas Planos ProjetosProgramas Figura 3 – Esquema de como o controle social opera além da fiscalização dos programas e projetos sociais 3 INDICADORES SOCIAIS Antes da Constituição de 1988, os profissionais ainda se deparavam com situações em que as propostas de monitoramento e avaliação eram colocadas como meramente funcionais, ou seja, abortava-se de forma veemente a presença de tais elementos, justificando, inclusive, o seu pertencimento aos métodos tradicionais de administração de serviços. Cabe acrescentar que os métodos utilizados até então tinham em seu cerne o controle, cujo objetivo principal situava-se no adestramento das ações e, logo, de seus resultados. Tais métodos passaram a ser entendidos como possibilidades de aprendizado de técnicas capazes de acompanhar os processos da gestão social. Tal situação não se consome apenas na apropriação dos métodos tracionais, mas de elevá-los ao patamar da polêmica e do debate, fomentando a construção de elementos que contribuam para o alcancede eficiência e efetividade. Assim, esse cenário passa a compor o rol de preocupações e investimentos dos assistentes sociais, conforme Iamamoto (2018): Dimensionar o novo no trabalho profissional significa captar as inéditas mediações históricas que moldam os processos sociais e suas expressões nos vários campos em que opera o Serviço Social. Ao profissional é exigida uma bagagem teórico-metodológica que lhe permita elaborar uma interpretação crítica do seu contexto de trabalho, um atento acompanhamento conjuntural, que potencie o seu espaço ocupacional, o estabelecimento de estratégias de ação viáveis, negociando propostas de trabalho com a população e entidades empregadoras (IAMAMOTO, 2018, p. 80). O monitoramento geralmente vem contido como mecanismo de acompanhamento de programas, pois permite, ao longo do processo, tecer verificações quanto ao “andamento” de cronogramas, os quais incidem diretamente sobre os objetivos propostos. Um elemento importante na abordagem do monitoramento é a sua apreensão como instrumento auxiliar no processo de avaliação, conforme destacamos anteriormente. 33 MONITORAMENTO E AVALIAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL Com a Carta Constitucional de 1988, o Brasil inaugura uma nova era na área da cidadania, dos direitos sociais e das políticas públicas. Muitos segmentos, depois de décadas lutando por legitimação de suas demandas em código normativo que garantisse seu usufruto, passam a figurar como agentes demandantes das “novas” possibilidades que a Constituição trouxe. A assistência social, com sua regulamentação deflagrada, passa a vigorar como política, e não como mera atividade assistencial e filantrópica: agora é direito expresso pela Política Nacional de Assistência Social (PNAS), que orienta o processo de construção do Sistema Único da Assistência Social (Suas). O sistema oferece a definição dos serviços socioassistenciais, pontuando três funções das PNAS, a saber: • defesa socioassistencial: garante acesso ao usuário desse direito, defendendo ainda a importância do atendimento digno, ético e de qualidade. Destaca aspectos de relevância, como o acesso a informações, publicização destas, autonomia, capacitação e redução do tempo de espera do usuário, atendimento sigiloso e adequado; • proteção social: colocada sob a forma de oferta de um conjunto de ações, auxílios, benefícios e garantias ofertados pelo Suas, com o objetivo de prevenir e reduzir “impacto das necessidades sociais e naturais ao ciclo da vida” (PNAS, 2000). Traz elementos que se traduzem em garantias da dignidade ao usuário, como ser humano, e à sua família, como núcleo imprescindível à sua existência, de cuidado, afeto e construção de relações; • vigilância social: traduz a necessidade de construção de indicadores e índices, de acordo com o território em que o usuário está inserido, identificando as situações de vulnerabilidade e risco social, estando diretamente relacionados às necessidades da família, das pessoas em seus diversos ciclos de vida (crianças e adolescentes, jovens, adultos e idosos). Traz também um direcionamento às pessoas com deficiência ou em situação de abandono, bem como às vítimas de exploração, violência, preconceitos (gênero, etnia, entre outros), possibilitando-lhes o alcance e a reconstrução da liberdade, da autonomia e da integridade. A PNAS traz os seguintes eixos estruturantes: • matricialidade sociofamiliar; • descentralização político-administrativa e territorialização; • relação horizontalizada entre Estado e sociedade civil; • controle social por meio da participação do usuário e do cidadão; • financiamento; • política de recursos humanos; • informação, monitoramento e avaliação. 34 Unidade I Saiba mais Para mais detalhes, acesse: MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO SOCIAL E COMBATE À FOME. PNAS – Política Nacional de Assistência Social: Institucional. Brasília, [s.d.]. Disponível em: http://www.mds.gov.br/webarquivos/publicacao/ assistencia_social/Normativas/PNAS2004.pdf. Acesso em: 9 jun. 2020. 3.1 Principais indicadores do monitoramento: eficiência, eficácia e efetividade Conforme você já estudou, o planejamento traz consigo nuanças extremamente importantes para o processo de construção das políticas públicas, estejam elas inseridas no âmbito público, privado ou do terceiro setor. É importante destacar algumas características do processo de planejamento, como o estudo de viabilidade, em que há um momento ímpar de definição do foco da intervenção, dos sujeitos e do cenário, bem como das responsabilidades para que a execução possa transcorrer de forma que alcance seus objetivos. Outro momento importante, cuja ação determina os direcionamentos e as possibilidades de êxito, é o da escolha dos avaliadores e dos instantes em que as avaliações ganharão destaque, embora se apresentem em todas as fases do processo. Cabe acrescentar, porém, que a avaliação precisar estar prevista com momento específico, sobretudo, pela escolha e construção de instrumentais avaliativos. Nesse momento, há de se destacar a importância do esclarecimento dos objetivos, definindo o que e como avaliar. Trata-se de planejar um caminho para ser usado no processo de avaliação, para que este não seja absorvido no decorrer de outras etapas e fique desprovido de dados efetivos. A identificação dos indicadores, bem como a elaboração do roteiro de questões pertinentes ao processo avaliativo, constituem-se em outro momento singular. Destacamos aqui que a escolha dos indicadores deve primar pelo compromisso com a participação de todos os sujeitos envolvidos. Nesse sentido, na contemporaneidade, observa-se uma grande preocupação da administração pública com a construção de indicadores que possam ser traduzidos em dados e substratos que garantam o êxito na execução de políticas, programas e ações. Cabe destacar que essas preocupações advêm dos processos de controle social, que, quando efetivo, reflete-se no movimento do “fazer benfeito”. 35 MONITORAMENTO E AVALIAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL Segundo Kayano (2002), os motivos que levam os órgãos públicos a manterem-se vigilantes e construírem metodologias de monitoramento e avaliação de forma que atendam à execução das ações estão relacionadas a: • comprovação através de dados empíricos tanto das políticas governamentais quanto das denúncias pela sociedade civil; • exigência dos órgãos internacionais que fomentam e financiam projetos através das políticas públicas e, nessa linha, requisitam que o desempenho seja conforme o previsto; • democratização das informações acerca da realidade na qual se insere a política e seu financiamento, sobretudo, destacando a importância do diálogo entre o público e a sociedade civil, aumentando, por conseguinte, a participação dela, com a necessária presença, desde a proposição da ação até seus mecanismos de monitoramento e avaliação (KAYANO, 2002, p. 291). Assim, é possível verificar que muitos são os motivos que movimentam o interesse do Poder Público no processo de democratização das informações, o que somente ocorrerá quando o monitoramento previr necessários indicadores com teor de confiabilidade. Conforme poderemos observar, a escolha de indicadores, qualitativos ou quantitativos, deve realizar-se de forma que construa resultados que fomentem o entendimento da realidade, sobretudo, no processo de implementação de uma política pública e de como se encontra sua execução. Não se trata de um exercício fácil em um país onde os processos participativos foram construídos de forma verticalizada. As ações revigoradas somente serão vislumbradas com a apropriação do processo de participação. Participar vem do latim participare (ou participatio) e refere-se a estar junto, participante e participado. Numa relação filosófica, a ação de participar exige o outro, um evento, uma causa, ou seja, não se toma parte sozinho. Participação requer o movimento de estar junto num exercício contínuo (SANTOS, [s.d.]). Saiba mais Para saber mais, acesse:
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