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www.famart.edu.br | atendimento@famart.edu.br | +55 (37) 3241-2864 | Grupo Famart de Educação NEUROPLASTICIDADE COORDENAÇÃO MOTORA, MEMÓRIA E APRENDIZAGEM 1 Coordenação de Ensino Instituto IPB http://www.famart.edu.br/ mailto:atendimento@famart.edu.br www.famart.edu.br | atendimento@famart.edu.br | +55 (37) 3241-2864 | Grupo Famart de Educação NEUROPLASTICIDADE COORDENAÇÃO MOTORA, MEMÓRIA E APRENDIZAGEM 2 NEUROPLASTICIDADE COORDENAÇÃO MOTORA, MEMÓRIA E APRENDIZAGEM http://www.famart.edu.br/ mailto:atendimento@famart.edu.br www.famart.edu.br | atendimento@famart.edu.br | +55 (37) 3241-2864 | Grupo Famart de Educação NEUROPLASTICIDADE COORDENAÇÃO MOTORA, MEMÓRIA E APRENDIZAGEM 3 SUMÁRIO NEUROPLASTICIDADE CEREBRAL .................................................................................... 4 Plasticidade e Desenvolvimento ............................................................................................ 5 Mecanismo de recuperação funcional após lesões cerebrais ................................................ 6 Atividades motoras sobre a neuroplasticidade ....................................................................... 6 Plasticidade Cerebral ............................................................................................................. 6 Repetição da Atividade .......................................................................................................... 7 Fenômeno do “não-uso aprendido” ........................................................................................ 7 Neogênese e migração neural o que acontece com o nosso cérebro antes do nascimento... 8 Sinaptogênese e poda sináptica-como o cérebro se desenvolve após o nascimento .......... 16 Linguagem e Inteligência ..................................................................................................... 25 Memória e Aprendizagem .................................................................................................... 36 Neuroplasticidade – os efeitos de aprendizagens específicas no cérebro humano .............. 50 Dos paradigmas ambientais complexos na investigação animal a experiências em contextos específicos em humanos ..................................................................................................... 51 Literacia: modelo para o estudo dos efeitos de uma aprendizagem específica na cognição e nas suas bases cerebrais .................................................................................................... 58 O processamento cognitivo em sujeitos iletrados e letrados: estudos comportamentais e de neuroimagem ....................................................................................................................... 58 REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 62 http://www.famart.edu.br/ mailto:atendimento@famart.edu.br www.famart.edu.br | atendimento@famart.edu.br | +55 (37) 3241-2864 | Grupo Famart de Educação NEUROPLASTICIDADE COORDENAÇÃO MOTORA, MEMÓRIA E APRENDIZAGEM 4 NEUROPLASTICIDADE CEREBRAL A neuroplasticidade refere-se à capacidade do sistema nervoso de alterar algumas das propriedades morfológicas e funcionais em resposta a alterações do ambiente, é a adaptação e reorganização da dinâmica do sistema nervoso frente às alterações. A plasticidade nervosa não ocorre apenas em processos patológicos, mas assume também funções extremamente importantes no funcionamento normal do indivíduo. Graças a esta capacidade é que, crianças que sofreram acidentes, às vezes gravíssimos, com perda de massa encefálica, déficits motores, visuais, de fala e audição, vão se recuperando gradativamente e podem chegar à idade adulta sem sequelas. Formas de plasticidade: - Regenerativa: consiste no recrescimento dos axônios lesados. É mais comum no sistema nervoso periférico. - Axônica: ou plasticidade ontogenética, ocorre de zero a 2 anos de idade, é a fase crítica, fundamental para desenvolvimento do SN. - Sináptica: Capacidade de alterar a sinapse entre as células nervosas. - Dendrítica: Alterações no número, no comprimento, na disposição espacial e na densidade das espinhas dendríticas, ocorrem principalmente nas fases iniciais do desenvolvimento do indivíduo. http://www.famart.edu.br/ mailto:atendimento@famart.edu.br www.famart.edu.br | atendimento@famart.edu.br | +55 (37) 3241-2864 | Grupo Famart de Educação NEUROPLASTICIDADE COORDENAÇÃO MOTORA, MEMÓRIA E APRENDIZAGEM 5 - Somática: Capacidade de regular a proliferação ou morte de células nervosas. Somente o sistema nervoso embrionário é dotado dessa capacidade. Plasticidade e Desenvolvimento O grau de plasticidade neural varia com a idade do indivíduo. Durante o desenvolvimento o sistema nervoso é mais plástico, principalmente as fases denominadas de períodos críticos que é mais susceptível a transformações. Ao nascimento os órgãos do sistema nervoso já estão praticamente formados anatomicamente, embora as sinapses não estejam estabelecidas. Daí a importância da maturação nervosa para a aprendizagem: aprender significa ativar sinapses normalmente não utilizadas. Mecanismo de recuperação funcional após lesões cerebrais: A lesão promove no SNC vários eventos simultâneos: Num primeiro momento, as células traumatizadas liberam seus aminoácidos e neurotransmissores, os quais, em alta concentração, tornam os neurônios mais excitados e mais vulneráveis à lesão. Neurônios muito excitados podem liberar o neurotransmissor glutamato, o qual alterará o equilíbrio do íon cálcio e induzira seu influxo para o interior das células nervosas, ativando várias enzimas que são tóxicas e leva os neurônios à morte, o que é chamado de excitotoxicidade. Após o evento lesivo, ocorre também a ruptura de vasos sanguíneos e/ou isquemia cerebral, diminuindo os níveis de oxigênio e glicose, que são essenciais para a sobrevivência de todas as células. A falta de glicose gera insuficiência da célula nervosa em manter seu gradiente transmembrânico, permitindo a entrada de mais cálcio para dentro da célula, ocorrendo um efeito cascata. A lesão promove três situações distintas: uma em que o corpo celular do neurônio foi atingido e ocorre a morte do neurônio, sendo, neste caso, o processo irreversível; o corpo celular esta integro e seu axônio esta lesado ou o neurônio se encontra em um estágio de excitação diminuído. http://www.famart.edu.br/ mailto:atendimento@famart.edu.br www.famart.edu.br | atendimento@famart.edu.br | +55 (37) 3241-2864 | Grupo Famart de Educação NEUROPLASTICIDADE COORDENAÇÃO MOTORA, MEMÓRIA E APRENDIZAGEM 6 Mecanismo de recuperação funcional após lesões cerebrais As variáveis que afetam a recuperação funcional são: localização de lesão; extensão e severidade do comprometimento neuropsicológico, etiologia e curso de progressão do processo patológico, idade de início, tempo transcorrido desde o início do quadro, variações na organização cerebral das funções, condições ambientais, estilo de vida, fatores agravantes internos ou externos. Atividades motoras sobre a neuroplasticidade A reorganização neural é um objetivo preliminar da recuperação neural para facilitar a recuperação da função e pode ser influenciado pela experiência, comportamento, prática de tarefas em resposta as lesões cerebrais. Um consenso na literatura sobre a plasticidade cerebral é que o aprendizado de determinada atividade ou a somenteprática da mesma, desde que não seja simples repetição de movimentos, induza mudanças plásticas e dinâmicas no sistema nervoso central (SNC). Plasticidade Cerebral O SNC é altamente “plástico” essa característica permanece durante toda a vida, em condições normais ou patológicas. O córtex motor pode reorganizar-se em resposta ao treinamento de tarefas motoras especializadas depois de uma lesão isquêmica localizada. Acredita-se que regiões corticais não lesadas assumam a função perdida da área danificada. http://www.famart.edu.br/ mailto:atendimento@famart.edu.br www.famart.edu.br | atendimento@famart.edu.br | +55 (37) 3241-2864 | Grupo Famart de Educação NEUROPLASTICIDADE COORDENAÇÃO MOTORA, MEMÓRIA E APRENDIZAGEM 7 O fisioterapeuta irá atuar treinando as funções motoras para prevenir futuras perdas de tecido de áreas corticais adjacentes à lesada, e direcionar o tecido intacto a assumir a função do tecido danificado. • Os exercícios estimulam a sinaptogênese e promover crescimento de espinhos dendríticos no córtex. • O exercício pode então aumentar a neurogênese, a plasticidade sináptica e o aprendizado. Quando iniciar a fisioterapia Nas primeiras horas após lesão tão logo o paciente esteja estável. Deve-se iniciar com exercícios físicos passivos e ativo-assistido e ativo de intensidade leve e moderada a fim de reduzir eventos vasculares tromboembólicos, pneumonias, escaras, etc. Repetição da Atividade O aprendizado motor utiliza memória não - declarativa (adquirida em virtude de treinamento). Assim para aprender um ato motor é necessário treinar inúmeras vezes e de diversas maneiras determinada ação para que esta se fixe. Fenômeno do “não-uso aprendido” Com a perda da função de uma área do cérebro atingida pelo AVC, o paciente não consegue mover o membro mais afetado, compensa usando o outro. Após certo tempo, quando os efeitos da lesão não estão mais presentes e ocorreram readaptações no cérebro, os movimentos poderiam ser recuperados, no entanto, o paciente já “aprendeu” que aquele membro não é mais funcional. http://www.famart.edu.br/ mailto:atendimento@famart.edu.br www.famart.edu.br | atendimento@famart.edu.br | +55 (37) 3241-2864 | Grupo Famart de Educação NEUROPLASTICIDADE COORDENAÇÃO MOTORA, MEMÓRIA E APRENDIZAGEM 8 Neogênese e migração neural o que acontece com o nosso cérebro antes do nascimento Desenvolvimento do sistema nervoso NEUROGÊNESE No momento do nascimento o encéfalo humano já se apresenta bem desenvolvido com camadas corticais, conectividade neuronal e mielinização. A maior parte das funções cognitivas estão relacionadas às camadas corticais. A embriogênese, ou desenvolvimento, pode ser definida como um processo em que uma célula toti potente gera múltiplas células diferenciadas. Durante o desenvolvimento, a célula perde progressivamente a sua multipotencialidade e é eventualmente restrita a um destino único. Fertilização : são as divisões celulares que levam à blástula multicelular. Formam-se 3 folhetos embrionários: o ectoderma que dá origem resumidamente ao sistema nervoso, pele e anexos, lentes dos olhos (cristalino) e ouvido interno; mesoderma, que origina o sistema esquelético e osteo-articular; endoderma que origina as vísceras. http://www.famart.edu.br/ mailto:atendimento@famart.edu.br http://cienciasecognicao.org/neuroemdebate/?attachment_id=720 www.famart.edu.br | atendimento@famart.edu.br | +55 (37) 3241-2864 | Grupo Famart de Educação NEUROPLASTICIDADE COORDENAÇÃO MOTORA, MEMÓRIA E APRENDIZAGEM 9 Na gastrulação ocorre invaginação e migração celular, permitindo que o ectoderma comece a formar parte do sistema nervoso e recubra todo o embrião. O embrião neste estágio vai passar a ter camada de endoderma e mesoderma separadas ventral e dorsalmente, enquanto as células ectodérmicas formam a placa neural. O sistema nervoso continua a se desenvolver com invaginação da placa neural que passa a formar primeiramente o sulco central até o encontro de suas bordas com aparecimento de um canal central _o tubo neural. Este segue em sentido anterior e caudal no embrião com seus neuroporos respectivos que no começo permanecem abertos e em sequência se fecham. O fechamento do neuroporo anterior forma o encéfalo primitivo que consiste de três espaços ou ventrículos: prós encéfalo, mesencéfalo e rombencéfalo. Daí em diante o embrião começa a se fletir (dobrar) nas porções anteriores do tubo neural, tendo como resultado um córtex cerebral que envolve estruturas cerebrais subcorticais e o tronco encefálico. As estruturas tridimensionais são resultado da expansão e do dobramento cortical. O sistema nervoso desenvolve-se a partir de um espessamento do Ectoderma Embrionário induzido pela notocorda e mesoderma na 3a Semana de gestação, formando a Placa Neural. No 20º dia a placa neural forma o sulco neural; No 21º dia a sulco neural forma a goteira neural; No 24º dia os lábios da goteira neural se juntam para formar o tubo neural; http://www.famart.edu.br/ mailto:atendimento@famart.edu.br www.famart.edu.br | atendimento@famart.edu.br | +55 (37) 3241-2864 | Grupo Famart de Educação NEUROPLASTICIDADE COORDENAÇÃO MOTORA, MEMÓRIA E APRENDIZAGEM 10 FECHAMENTO DO TUBO NEURAL VESÍCULAS ENCEFÁLICAS Gênese do córtex cerebral http://www.famart.edu.br/ mailto:atendimento@famart.edu.br http://cienciasecognicao.org/neuroemdebate/?attachment_id=721 http://cienciasecognicao.org/neuroemdebate/?attachment_id=722 www.famart.edu.br | atendimento@famart.edu.br | +55 (37) 3241-2864 | Grupo Famart de Educação NEUROPLASTICIDADE COORDENAÇÃO MOTORA, MEMÓRIA E APRENDIZAGEM 11 CÉLULAS-TRONCO-HUMANAS-DO-CÓRTEX-CEREBRAL-FETAL Proliferação neuronal Quando os neurônios são gerados? Sabe-se que em um recém-nato todos os neurônios já estão presentes. O método de marcação com timidina, substancia marcada radioativamente e injetada em embriões de macacos, permite acompanhar as fases da neurogênese. A timidina é captada pelos neurônios e usada para síntese de DNA. Secções cerebrais que utilizam método auto-radiográfico podem marcar essas células em um filme de fotografia e determinar para onde os neurônios embrionários migraram. Dessa forma pode-se ter uma noção clara do momento da corticogênese e percebe-se também que nem todos os neurônios de cada área específica do córtex nascem em um mesmo momento. Migração neuronal http://www.famart.edu.br/ mailto:atendimento@famart.edu.br http://cienciasecognicao.org/neuroemdebate/?attachment_id=719 www.famart.edu.br | atendimento@famart.edu.br | +55 (37) 3241-2864 | Grupo Famart de Educação NEUROPLASTICIDADE COORDENAÇÃO MOTORA, MEMÓRIA E APRENDIZAGEM 12 GLIA RADIAL Os neurônios que formam o córtex vêm da zona ventricular, uma camada adjacente aos ventrículos do cérebro em desenvolvimento, que possui células que se diferenciarão em todos os tipos celulares corticais. As primeiras células dessa zona que sofrem mitose movem-se em um sentido pré-determinado chamado de glia radial que se alonga da zona ventricular para a camada do córtex em desenvolvimento. Essa célula que primeiramente se forma dá origem aos astrócitos do cérebro adulto e permite interconexões celulares com todos os outros neurônios que vão se formar posteriormente. Os neurônios que ascendem através do caminho radial param inicialmente em uma porção denominada placa cortical (local em que começa a substancia cinzenta http://www.famart.edu.br/ mailto:atendimento@famart.edu.br http://cienciasecognicao.org/neuroemdebate/?attachment_id=730www.famart.edu.br | atendimento@famart.edu.br | +55 (37) 3241-2864 | Grupo Famart de Educação NEUROPLASTICIDADE COORDENAÇÃO MOTORA, MEMÓRIA E APRENDIZAGEM 13 do córtex). Em seguida os próximos neurônios que aparecem ultrapassam os primeiros e se estabelecem em porções mais externas (superficiais) do córtex, sendo que dessa forma os últimos neurônios a serem formados localizam-se na camada I do córtex cerebral. O curso temporal dessa gênese de neurônios varia entre as áreas cerebrais, mas o padrão de crescimento é constante. Qualquer efeito que altere a neurogênese e a migração neuronal resulta em um córtex desorganizado e defeituoso como, por exemplo, na síndrome alcoólica fetal com alterações cognitivas, emocionais e físicas. GLIA RADIAL-CORTE TRANSVERSAL DO TUBO NEURAL Determinação e diferenciação de tipos neuronais no córtex Nas primeiras 5 a 6 semanas de gestação as células da zona ventricular se dividem de forma simétrica com crescimento exponencial. Em seguida, ocorre crescimento assimétrico e uma de duas células se torna uma célula migratória. Ao http://www.famart.edu.br/ mailto:atendimento@famart.edu.br http://cienciasecognicao.org/neuroemdebate/?attachment_id=723 www.famart.edu.br | atendimento@famart.edu.br | +55 (37) 3241-2864 | Grupo Famart de Educação NEUROPLASTICIDADE COORDENAÇÃO MOTORA, MEMÓRIA E APRENDIZAGEM 14 final, grande parte das células que pertenciam à população basal da zona ventricular já migraram e resta uma camada de células que se tornam as células ependimárias. Quando uma célula se divide para migrar, ela já está fadada geneticamente a se tornar um determinado neurônio “X” com local especifico onde irá se fixar. Isto está relacionado ao tempo da gestação em que essa célula foi criada, portanto se uma célula gerada na 6a semana de gestação que deve assumir a camada V do córtex for transplantada para um embrião que está na 10a semana de gestação, esta célula migrará para a camada V e não para a camada relacionada à idade gestacional mais tardia que seria de uma camada mais superficial. Estes neurônios ainda tomam a forma da camada para a qual migraram, seja de células piramidais ou estreladas por exemplo. Hipótese da unidade radial ESTRUTURA DO CÓRTEX CEREBRAL EM COLUNAS E CAMADAS Como as células migram de acordo com as linhas radiais (caminho das células gliais radiais), formulou-se a hipótese da unidade radial, que postula que células que se formam perto umas das outras na zona ventricular fariam parte de regiões próximas no córtex cerebral, formando assim as colunas cerebrais. Já as células que se localizam longe umas das outras acabariam em regiões totalmente distantes no córtex cerebral. A coluna cortical é a unidade principal de organização funcional que é consequente a essa história de desenvolvimento, e o http://www.famart.edu.br/ mailto:atendimento@famart.edu.br http://cienciasecognicao.org/neuroemdebate/?attachment_id=727 www.famart.edu.br | atendimento@famart.edu.br | +55 (37) 3241-2864 | Grupo Famart de Educação NEUROPLASTICIDADE COORDENAÇÃO MOTORA, MEMÓRIA E APRENDIZAGEM 15 tamanho do encéfalo humano é explicado pelo aumento do número de unidades funcionais e não pelo aumento de cada uma delas. CONTRIBUIÇÃO DA GLIA RADIAL NA NEUROGÊNESE Variações citoarquitetônicas através de áreas corticais Apesar de todas as áreas do córtex cerebral apresentarem organização laminar (camadas), a composição citoarquitetônica varia e permite a identificação de cada uma delas, por exemplo área 17 de Brodmann correspondente ao córtex visual. O modelo de protomapas propõe uma explicação para a diversidade na organização celular das áreas cerebrais: instruções pré-especificadas nos neurônios em desenvolvimento interagem com sinais derivados de aferências neurais de áreas cerebrais subcorticais. Fatores genéticos estabelecem na zona ventricular um protomapa que atrai fibras aferentes talâmicas apropriadas à função especifica dessa região. http://www.famart.edu.br/ mailto:atendimento@famart.edu.br http://cienciasecognicao.org/neuroemdebate/?attachment_id=726 www.famart.edu.br | atendimento@famart.edu.br | +55 (37) 3241-2864 | Grupo Famart de Educação NEUROPLASTICIDADE COORDENAÇÃO MOTORA, MEMÓRIA E APRENDIZAGEM 16 Entretanto evidencias também nos mostram que mesmo sem as aferências sensitivas os neurônios podem se desenvolver de forma normal como ilustrado no caso de animais que nasceram sem os olhos e desenvolveram arranjos celulares na área 17 normais. O que isso quer nos dizer? Que a organização cortical depende apenas parcialmente do tipo de aferências talâmico-cortical. Estudo em camundongos com transplante pré-natal microcirurgico com troca de neurônios da área visual para a área somato-sensorial e vice-versa demonstrou que no novo hospedeiro estes neurônios não expressaram todas as suas características gênicas pois para isso precisariam do estimulo sensorial de origem talâmica. Além disso, observou-se que um neurônio podia passar a expressar características que não eram de sua natureza se recebessem um estímulo adequado para isso. Todos estes dados nos mostram que a estrutura do córtex visual é controlada por interação dos fatores intrínsecos que pré-especificam o destino dos neurônios e fatores extrínsecos que influenciam a conectividade neuronal. O meio ambiente pode influenciar o fenótipo final apesar de todas essas pré-especificações genéticas e bioquímicas. Sinaptogênese e poda sináptica-como o cérebro se desenvolve após o nascimento Desenvolvimento cerebral pós-natal http://www.famart.edu.br/ mailto:atendimento@famart.edu.br www.famart.edu.br | atendimento@famart.edu.br | +55 (37) 3241-2864 | Grupo Famart de Educação NEUROPLASTICIDADE COORDENAÇÃO MOTORA, MEMÓRIA E APRENDIZAGEM 17 Ao nascimento praticamente toda a estrutura do nosso encéfalo está formada. O que muda então com os primeiros anos de vida para determinar todo o novo modo em que o ser em desenvolvimento percebe o mundo? Um aspecto importante é a sinaptogênese. Esta começa na 27a semana embrionária, porém só atinge seu pico durante os primeiros 15 meses de vida. Ela começa primeiramente nas camadas mais profundas, seguindo o mesmo padrão de crescimento neuronal. Ao mesmo tempo em que ocorre a sinaptogênese, os neurônios vão aumentando o tamanho de suas árvores dendríticas, o tamanho de seus axônios e sofrendo mielinização. Seguido este período de sinaptogênese, ocorre a poda sináptica, que seria a destruição de diversas sinapses_ uma regulação fina do sistema nervoso que exclui sistemas redundantes. http://www.famart.edu.br/ mailto:atendimento@famart.edu.br http://cienciasecognicao.org/neuroemdebate/wp-content/uploads/2013/02/sinaptog%C3%AAnese.png www.famart.edu.br | atendimento@famart.edu.br | +55 (37) 3241-2864 | Grupo Famart de Educação NEUROPLASTICIDADE COORDENAÇÃO MOTORA, MEMÓRIA E APRENDIZAGEM 18 Esse processo de criação e destruição de sinapses parece ocorrer em tempos diferentes para áreas diferentes do cérebro humano. As sinapses da região temporal superior (córtex auditivo) tem seu pico mais cedo, por volta de 3 meses de idade pós- natal, enquanto que a sinaptogênese do córtex de associação frontal chega ao pico nos 15 meses de idade. Isto sugere que em humanos a sinaptogêne e a poda ocorrem primeiramente no córtex sensorial e motor e posteriormente no córtex associativo. Estudos de neuroimagem funcional (uso de glicose marcada em diferentes áreas cerebrais) revelam que, em recém-nascidos, o metabolismo da glicose está aumentado emáreas corticais e motoras, no hipocampo e em áreas subcorticais, como tálamo, tronco encefálico e vermis cerebelar. Com 2 a 3 meses de idade, mais glicose é usada nos córtices parietal, temporal e visual primário, assim como nos núcleos da base e nos hemisférios cerebelares. Aos 6-12 meses de idade, o consumo de glicose aumenta no córtex frontal. No decorrer do desenvolvimento, o nível total de glicose utilizada no cérebro vai gradativamente aumentando, alcançando um pico por volta dos 4 anos, que se mantém num platô até os 10 anos, quando então começa a diminuir até chegar ao nível dos adultos em torno dos 16 -18 anos. http://www.famart.edu.br/ mailto:atendimento@famart.edu.br http://cienciasecognicao.org/neuroemdebate/wp-content/uploads/2013/02/sinaptog%C3%AAnese-e-poda-sin%C3%A1ptica.png www.famart.edu.br | atendimento@famart.edu.br | +55 (37) 3241-2864 | Grupo Famart de Educação NEUROPLASTICIDADE COORDENAÇÃO MOTORA, MEMÓRIA E APRENDIZAGEM 19 poda sináptica Concluímos através destes dados que as áreas de associação demoram mais para se desenvolver do que estruturas corticais e subcorticais motoras e sensitivas. O grande aumento de volume do encéfalo nos primeiros anos de vida reflete principalmente a proliferação das células gliais e da mielinização dos axônios. O volume da substancia cinzenta varia durante o crescimento em tempos diferentes para cada área do córtex. A experiência tem algum papel no desenvolvimento cerebral? Experimentos com ratos nos mostram que aqueles submetidos a atividades motoras produzem mais células gliais, e ratos que vivem em ambientes que favorecem o aprendizado apresentam mais ramificações dendríticas. Da mesma forma, os estímulos sensoriais e a atividade neuronal podem ser necessários para a poda (eliminação sináptica). http://www.famart.edu.br/ mailto:atendimento@famart.edu.br http://cienciasecognicao.org/neuroemdebate/wp-content/uploads/2013/02/poda-sin%C3%A1ptica.png www.famart.edu.br | atendimento@famart.edu.br | +55 (37) 3241-2864 | Grupo Famart de Educação NEUROPLASTICIDADE COORDENAÇÃO MOTORA, MEMÓRIA E APRENDIZAGEM 20 Plasticidade ambiente enriquecido, estimulação sensorial e neuroplasticidade Durante o desenvolvimento embrionário o sistema nervoso apresenta-se de certa forma bem plástico em contraste com a rigidez de plasticidade do adulto. Esta plasticidade pós-natal é limitada, pois as células não são livres para migrar para varias áreas, porem em períodos denominados sensíveis uma plasticidade local pode ocorrer quando influencias extrínsecas podem alterar a organização cerebral. As células liais formam cicatrizes quando a estrutura neural é destruída e essa cicatriz impede que o sistema volte a se reconstituir o que não ocorre no sistema nervoso periférico. As aferências sensoriais podem instruir o córtex a como se comportar: Experiências mostraram que, redirecionando por manipulação cirúrgica axônios da retina para o núcleo auditivo do tálamo essa região passa a se comportar processando a informação visual como se fosse um núcleo talâmico visual. A pele é o nosso maior órgão sensorial: estímulo e neuroplasticidade médico francês Frederick Leboyer estava visitando a Índia em 1959, quando viu uma mulher massageando seu bebê numa calçada pública. Seu nome era Shantala, ela http://www.famart.edu.br/ mailto:atendimento@famart.edu.br http://cienciasecognicao.org/neuroemdebate/wp-content/uploads/2013/02/ambiente-enriquecido.png www.famart.edu.br | atendimento@famart.edu.br | +55 (37) 3241-2864 | Grupo Famart de Educação NEUROPLASTICIDADE COORDENAÇÃO MOTORA, MEMÓRIA E APRENDIZAGEM 21 era paraplégica e estava numa associação de caridade em Pilkhana, Calcutá. Ele conta: “Parei, impressionado com o que eu estava presenciando: Em meio à sujeira e à miséria, um espetáculo da mais pura beleza. Um diálogo silencioso de amor entre uma mãe e seu bebê”. A massagem criava uma conexão emocional entre o bebê e a mãe. Fascinado, Laboyer fotografou e filmou Shantala, estudou e analisou seus movimentos. Finalmente, ele redigiu um livro, através do qual trouxe ao ocidente esta técnica indiana milenar, originária de Kerala, a qual, em homenagem à sua mestra, deu o nome de shantala. “Sim, os bebês têm necessidade de leite, mas muito mais de serem amados e receberem carinho, serem levados, embalados, acariciados, pegos e massageados” Leboyer Shantala massageando seu filho Gopal http://www.famart.edu.br/ mailto:atendimento@famart.edu.br http://cienciasecognicao.org/neuroemdebate/wp-content/uploads/2013/02/Frederick_Leboyer_-Shantala_un_a0013.jpg www.famart.edu.br | atendimento@famart.edu.br | +55 (37) 3241-2864 | Grupo Famart de Educação NEUROPLASTICIDADE COORDENAÇÃO MOTORA, MEMÓRIA E APRENDIZAGEM 22 Mapas corticais Nosso córtex somatosenssorial possui uma representação de toda a superfície do nosso corpo, organizada de forma padronizada, de acordo com a migração das células da zona ventricular, formando as colunas que são representadas no homúnculo somatosenssorial_homúnculo de Penfield. Existe um mapa para a mão, o braço, os membros inferiores, a língua e assim por diante. O mapa é organizado de forma que áreas anatomicamente vizinhas mantêm esta relação no córtex, fenômeno conhecido como somatotopia. Assim, a coluna cortical do dedo anular está contígua à do dedo médio. córtex motor primário e córtex somatossensorial primário http://www.famart.edu.br/ mailto:atendimento@famart.edu.br http://cienciasecognicao.org/neuroemdebate/wp-content/uploads/2013/02/c%C3%B3rtex-motor-prim%C3%A1rio-e-c%C3%B3rtex-somatossensorial-prim%C3%A1rio.jpg www.famart.edu.br | atendimento@famart.edu.br | +55 (37) 3241-2864 | Grupo Famart de Educação NEUROPLASTICIDADE COORDENAÇÃO MOTORA, MEMÓRIA E APRENDIZAGEM 23 homúnculo de Penfield-representa,ão cortical das diferentes partes do corpo humano O princípio da linha rotulada e a reorganização do córtex humano http://www.famart.edu.br/ mailto:atendimento@famart.edu.br http://cienciasecognicao.org/neuroemdebate/wp-content/uploads/2013/02/hom%C3%BAnculo-de-Penfield.jpg http://cienciasecognicao.org/neuroemdebate/wp-content/uploads/2013/02/princ%C3%ADpio-da-linha-rotulada.png www.famart.edu.br | atendimento@famart.edu.br | +55 (37) 3241-2864 | Grupo Famart de Educação NEUROPLASTICIDADE COORDENAÇÃO MOTORA, MEMÓRIA E APRENDIZAGEM 24 princípio da linha rotulada O sistema nervoso segue o princípio da linha rotulada, ou seja, cada área do corpo é inervada por uma determinada fibra nervosa e terá uma conexão de caminho definido com o sistema nervoso. Por exemplo, as fibras de uma determinada região da retina seguem um caminho pré-definido de sinapses e conexões até uma determinada região do córtex visual. Acontece que as linhas rotuladas podem se desviar, de forma que o mesmo estímulo sensorial passe a ativar outras rotas neuronais. Experimentos em que um dedo foi costurado em outro, fazendo com que os dois passassem a funcionar como se fossem um só, realizando os mesmos movimentos e recebendo os mesmos estímulos sensoriais, induziram mudanças neuroplásticas em que as áreas do córtex sensorial que recebiam as aferências de cada dedo e a áreas do córtex motor que emitiam as ordens de movimento para cada dedo passassem a funcionar como se fossem uma mesma coluna sensorial e uma mesma coluna motora, ou seja, a fusão anatômica periférica levou por neuroplasticidade central também a uma fusão funcional das áreas corticais que as representavam. Em caso de amputação, ou de secção de nervo, a área do córtex somatossensorial que recebia as respectivas aferências passa a se tornar um espaço“vazio” inativo que é logo substituído e se torna ativo pelos neurônios localizados adjacentemente. Este fenômeno foi descrito pelo neurologista Vilayanur S. Ramachandran ao observar um paciente que estava com o braço amputado e relatava sentir este braço fantasma, quando um cotonete tocava sua bochecha ipsilateral. O estímulo na face ativa os neurônios da área da mão do córtex somatossensorial primário (S1). Acredita-se que estas rotas já existiam e que foram descobertas, ou desmascaradas” após a lesão.Esta plasticidade não está presente somente no sistema somatosenssorial mas também no auditivo e visual. http://www.famart.edu.br/ mailto:atendimento@famart.edu.br www.famart.edu.br | atendimento@famart.edu.br | +55 (37) 3241-2864 | Grupo Famart de Educação NEUROPLASTICIDADE COORDENAÇÃO MOTORA, MEMÓRIA E APRENDIZAGEM 25 estímulo no braço e na face causam sensações em áreas específicas da mão fantasma Linguagem e Inteligência Ao longo do crescimento, o ser humano muda significativamente, em especial no que se refere à sua cognição. Durante a infância ocorre um ajuste no número de neurônios (poda neuronal) e aumento da sinaptogênese, favorecendo a aprendizagem de novas informações. Já durante a adolescência, ocorre um refinamento sináptico, com eliminação de sinapses ineficientes” e aumento da mielinização. A taxa de aprendizagem de novas informações diminui mas a capacidade de usar e elaborar o que já foi aprendido aumenta. Períodos críticos são fases de desenvolvimento, nas quais alguns sistemas neurais estão mais suscetíveis à plasticidade. Há duração e início específicos para cada sistema em dependência da idade e da exposição à experiência. Sem ativação neural, o sistema fica em um estado de espera com desenvolvimento inadequado. Por outro lado, ambientes enriquecidos podem prolongar o período de maior plasticidade. http://www.famart.edu.br/ mailto:atendimento@famart.edu.br http://cienciasecognicao.org/neuroemdebate/wp-content/uploads/2013/02/From-Dr.-V.S-Ramachandrans-Slides.-Copyright-V.S.-Ramachandran.jpg www.famart.edu.br | atendimento@famart.edu.br | +55 (37) 3241-2864 | Grupo Famart de Educação NEUROPLASTICIDADE COORDENAÇÃO MOTORA, MEMÓRIA E APRENDIZAGEM 26 A competição funcional entre inputs, através de uma variedade de mecanismos moleculares e de mudanças de padrões de atividade elétrica neuronal, leva à consolidação estrutural de determinadas vias, de modo que, nos períodos críticos de desenvolvimento, diversas habilidades são aprendidas devido à situação de “labilidade” do sistema nervoso, ou seja, ao estágio de formação de conexões sinápticas e de atividade molecular que especificam e determinam o padrão de conectividade neural. Os períodos críticos são influenciados pela atenção e motivação e, embora existam períodos em que determinadas aprendizagens podem ocorrer de forma ideal, nada impede que as mesmas possam ocorrer no futuro, ao custo de esforços maiores. Por exemplo: o aprendizado de uma língua estrangeira. Períodos críticos Maturação de circuitos visuais subcorticais http://www.famart.edu.br/ mailto:atendimento@famart.edu.br http://cienciasecognicao.org/neuroemdebate/wp-content/uploads/2013/03/neurodesenvolvimento.png www.famart.edu.br | atendimento@famart.edu.br | +55 (37) 3241-2864 | Grupo Famart de Educação NEUROPLASTICIDADE COORDENAÇÃO MOTORA, MEMÓRIA E APRENDIZAGEM 27 Aferências visuais A região da fóvea é imatura ao nascimento enquanto que a retina periférica é mais desenvolvida. Portanto o recém nascido possui uma visão mais periférica. O núcleo geniculado lateral do tálamo tem crescimento rápido nos primeiros 6 meses e o nervo óptico se mieliniza completamente até os 2 anos de idade. Já as estruturas corticais relacionadas à atenção visual desenvolvem-se primeiramente e, dessa forma, a resposta visual a estímulos está presente nos recém-natos muito mais intensamente do que sua capacidade de processar essa informação em detalhes e de associá-la ao contexto. Com 1 mês de vida as crianças tendem a fixar o olhar em objetos; com o desenvolvimento das conexões do córtex estriado com o giro temporal médio, a criança passa a adquirir, por volta dos 2 meses de idade, a capacidade de procurar objetos em movimentos oculares de perseguição. Finalmente, com o desenvolvimento de conexões com o córtex ocular frontal (córtex frontal dorso-lateral), as crianças já conseguem realizar movimentos antecipatórios com os olhos. http://www.famart.edu.br/ mailto:atendimento@famart.edu.br http://cienciasecognicao.org/neuroemdebate/wp-content/uploads/2013/03/vias-visuais.png www.famart.edu.br | atendimento@famart.edu.br | +55 (37) 3241-2864 | Grupo Famart de Educação NEUROPLASTICIDADE COORDENAÇÃO MOTORA, MEMÓRIA E APRENDIZAGEM 28 Processamento visual- 2 vias-“o quê”-detalhes dos elementos visuais que nos fazem reconhecer o objeto; onde”-localização e orientação espacial do objeto. Desenvolvimento perceptivo e cognitivo A maturação de uma determinada função cognitiva está relacionada com um estágio específico de desenvolvimento neural. Por exemplo, a habilidade numérica se correlaciona com a mielinização de axônios aferentes e eferentes de áreas corticais especificas, que ocorrerá durante um período previsto biologicamente. Piaget acreditava que crianças em idade pré-escolar e escolar perceberiam e compreenderiam o mundo de forma diferente dos adultos. Ele classificou o desenvolvimento cognitivo em 4 estágios: Do nascimento até os 2 anos de idade_ estagio sensório-motor: A criança interagiria com o mundo dos objetos a partir de esquemas de ação sensório-motora ainda primitivos originados dos reflexos inatos (ver, agarrar, sugar, mover e se mover, etc.). Nessa fase o bebê interagiria com os objetos somente no aqui e agora e quando removidos de seu campo visual o bebê não mais os procuraria, sugerindo, conforme a interpretação de Piaget, que nesta fase os objetos deixariam de existir para a criança http://www.famart.edu.br/ mailto:atendimento@famart.edu.br http://cienciasecognicao.org/neuroemdebate/wp-content/uploads/2013/03/processamento-visual.png www.famart.edu.br | atendimento@famart.edu.br | +55 (37) 3241-2864 | Grupo Famart de Educação NEUROPLASTICIDADE COORDENAÇÃO MOTORA, MEMÓRIA E APRENDIZAGEM 29 quando fora de qualquer contato sensorial. Isto é, não haveria “permanência do objeto” e, portanto, não haveria memória nem pensamento. De fato, experiências mostram que esconder um objeto de uma criança neste período do desenvolvimento pode levá-la a achar o esconderijo, mas, se depois de feito isso várias vezes o objeto for escondido em local diferente, ainda que a criança veja este ato, ela continuará procurando no esconderijo antigo. O fim dessa fase seria marcado pelo fato de a criança passar a associar o estimulo visual com a cognição e achar então o segundo esconderijo. Críticas a este modelo são apresentadas, pois há evidências a favor de algum grau de integração sensorial já nesta fase sensório-motora: Crianças, ao ouvirem algum som, conseguem associá-lo com o campo visual de onde o mesmo procede (integração sensorial visual e auditiva), ou, num outro exemplo, crianças preferem assistir a filmes que mostram sincronicamente pessoas articulando os lábios e o som de suas falas a filmes nos quais a movimentação dos lábios e o som das vozes é exposto fora de sincronia. Uma nova explicação proposta para o comportamento de a criança procurar o objeto no primeiro esconderijo, apesar de ter visto que foi colocado em um novo lugar, é a incompleta mielinização do lobo pré-frontal, que leva ao comportamento de perseveração motora. Dos 2 aos 6 anos de idade, no estagio pré-operacional, a criançaadquiriria a permanência do objeto e começaria a pensar sobre eles na sua ausência, mas ainda não conseguiria pensar nas suas propriedades, ou em duas dimensões. Ela não poderia entender que se alongarmos as massinhas ou aumentarmos o comprimento de fileiras com o mesmo número de elementos as quantidades permanecem as mesmas. A criança não teria noção de conservação de quantidade. De fato, em seus experimentos, Piaget verificou que, quando colocava 2 vidros de mesmo volume, sendo um alto e fino e outro baixo e largo, a criança sempre apontava para o alto como aquele de maior volume. No terceiro estágio, o operacional concreto (entre 6 e 12 anos), a criança já teria conquistado o conceito de reversibilidade, a coordenação entre dimensões distintas como comprimento e massa e a plena noção de número, mas só em http://www.famart.edu.br/ mailto:atendimento@famart.edu.br www.famart.edu.br | atendimento@famart.edu.br | +55 (37) 3241-2864 | Grupo Famart de Educação NEUROPLASTICIDADE COORDENAÇÃO MOTORA, MEMÓRIA E APRENDIZAGEM 30 situações que pudesse vivenciar concretamente A capacidade de representar e operar mentalmente em um nível totalmente abstrato com objetos hipotéticos_ um requisito essencial a uma capacidade sofisticada de previsão e planejamento que caracteriza o pleno desenvolvimento do programa lógico-matemático mental e reestruturável de Piaget_ surgiria somente por volta dos 11-12 anos no estágio operatório formal. Neurodesenvolvimento dos bebês Os bebês já começam a ouvir no útero a partir do quarto mês e no sexto mês de gestação, os nervos do sistema auditivo já começam a se mielinizar completamente. Junte-se a isso o fato das áreas unimodais já estarem plenamente organizadas no nascimento e não será de se estranhar que os bebês já possuam pelo menos um bom grupo de habilidades visuais e auditivas inatas. Além disso, a audição humana parece ser geneticamente determinada para facilitar a percepção da linguagem. Nossa percepção auditiva é mais sensível à faixa de frequência que vai dos 20/20 Hz na faixa do grave até 16 a 20 kHz na faixa dos sons agudos, uma gama de frequência muito próxima dos sons da fala que está entre 100 Hz e 10 kHz (Northern & Downs, 2005). De fato, os bebês já são capazes de discriminar 64% dos fonemas ainda dentro da cavidade uterina e, ao nascerem, já reconhecem o som da mãe e discriminam diferentes tipos de prosódia da fala (ritmo e entonação da linguagem),, dando respostas diferenciadas de sucção (Northern & Downs, 2005, veja também Andrade, 2006 a,b). Outra grande descoberta da ciência é queda da crença clássica de que os cinco sentidos vinham completamente descoordenados ou desintegrados no nascimento. Hoje sabemos que as áreas de associação transmodal parecem estar ativas desde o nascimento e os bebês podem integrar informação de modalidades sensoriais diferentes. Não é surpreendente, portanto, que os bebês já nasçam com uma ‘predisposição’ para o aprendizado da linguagem oral, tanto nos seus aspectos perceptivos, como sociais. De um lado as capacidades perceptivas inatas facilitam o aprendizado dos aspectos fonológicos da língua, ao passo que as capacidades sociais representadas principalmente pela habilidade inata da imitação são responsáveis tanto pelos aspectos de comunicação e significado. http://www.famart.edu.br/ mailto:atendimento@famart.edu.br www.famart.edu.br | atendimento@famart.edu.br | +55 (37) 3241-2864 | Grupo Famart de Educação NEUROPLASTICIDADE COORDENAÇÃO MOTORA, MEMÓRIA E APRENDIZAGEM 31 Nos últimos 25 anos, estudos empíricos da psicologia do desenvolvimento têm forçado uma revisão, tanto da visão convencional do desenvolvimento cognitivo da criança, quanto da teoria de que os sistemas perceptivos e motores são inicialmente independentes e não-coordenados no recém-nascido. Para eliminar quaisquer experiências de aprendizado, Meltzoff & Moore (1983, 1989) testaram a imitação facial em uma grande amostragem de neonatos (n=80). O mais velho tinha 72 horas e o mais novo 42 horas de vida. Os resultados, replicados e estendidos em mais de 13 laboratórios independentes (Meltzoff & Moore, 1997), mostraram a imitação facial bem sucedida nos neonatos. Bebês de 12 a 21 dias podem imitar 4 tipos de gestos dos adultos: protrusão labial e lingual, abertura bucal, e movimento de dedo (Meltzoff & Moore, 1977). Suas respostas são acuradas, os resultados mostram que os bebês não confundem nem suas ações nem as partes do corpo. Este esquema supramodal inato, que permite uma representação que liga as informações visuais, auditivas, motoras e a propriocepção (Meltzoff, 1999), indica que as áreas transmodais do córtex parietal já vêm prontas e funcionais de fábrica, e também que os bebês não são organismos sensório-motores que operam unicamente a partir das ações, como antes acreditava o grande psicólogo suíço Jean Piaget, mas sim são um organismo representacional desde o nascimento (Meltzoff, 1004). Além da imitação e da integração multimodal das informações, os bebês possuem outras habilidades básicas inatas bastante surpreendentes, descobertas graças a novos métodos de pesquisa. Piaget declarou que o primeiro ano de vida ainda era um abismo de mistérios para o psicólogo e que “Se nós apenas soubéssemos o que está acontecendo na mente de um bebê enquanto o observamos http://www.famart.edu.br/ mailto:atendimento@famart.edu.br http://cienciasecognicao.org/neuroemdebate/wp-content/uploads/2013/03/dad-baby-kisses.jpg www.famart.edu.br | atendimento@famart.edu.br | +55 (37) 3241-2864 | Grupo Famart de Educação NEUROPLASTICIDADE COORDENAÇÃO MOTORA, MEMÓRIA E APRENDIZAGEM 32 em ação, nós, certamente, entenderíamos tudo o que há sobre psicologia.” (Jean Piaget). Numa nova técnica chamada de habituação mostra-se uma foto ou um objeto ao bebê repetidas vezes até que ele fique literalmente entediado, isto é, “habituado” com o estímulo, de modo que diminui sensivelmente seu tempo de olhá-lo. Ao mostrar-se um novo estímulo ao bebê, no qual diferenças específicas com o estímulo familiar possam ser controladas, verificam-se alterações no tempo do olhar. Se o bebê olhar significativamente por mais tempo no estímulo novo, isso significa que houve “desabituação”, ou seja, que o bebê discriminou as diferenças existentes entre o primeiro e o segundo estímulo.Descobriu-se assim a capacidade dos bebês de distinguir diferenças de tamanho, padrão e cor. Por exemplo, os móbiles e outros brinquedos de bebês começaram a ser feitos em padrões de preto-e-branco em vez de imagens coloridas que associamos aos brinquedos e livros infantis, porque ainda na década de 60 foi experimentalmente descoberto que os bebês respondem mais à nitidez dos padrões do que a outros estímulos. No mesmo tipo de teste com padrões nítidos de preto e branco, e com padrões de cinza, fixou-se pequenos eletrodos indolores na parte posterior da cabeça (logo acima da nuca) perto do córtex occipital (visual). Pelas ativações eletrofisiológicas verificou-se que os bebês têm pouca acuidade visual quando recém nascidos, a qual se desenvolve juntamente com o desenvolvimento do córtex visual e dos cones, sendo estes últimos responsáveis por absorver a luz e detectar detalhes da imagem. A acuidade visual aumenta rapidamente nos primeiros seis meses chegando aos níveis adultos por volta de 1 ano de idade. Por outro lado, o desenvolvimento da percepção de profundidade está ligado ao desenvolvimento da disparidade binocular nos bebês que aos 3 meses, já podem fixar binocularmente (dirigir ambos os olhos para o mesmo lugar) e desenvolvem a percepção de profundidade entre os 3,5 e os 6 meses. A maturação do córtex visual aos 3-4 meses permite a súbita capacidade de usar a disparidade binocular para perceber a profundidade (Andrade, 2006a;veja Gazzaniga & Heatherton, 2005, pp.345-349). http://www.famart.edu.br/ mailto:atendimento@famart.edu.br www.famart.edu.br | atendimento@famart.edu.br | +55 (37) 3241-2864 | Grupo Famart de Educação NEUROPLASTICIDADE COORDENAÇÃO MOTORA, MEMÓRIA E APRENDIZAGEM 33 Graças ao método de habituação e outras novas técnicas de investigação comportamental dos bebês, as duas últimas décadas têm presenciado evidências notáveis de capacidades muito precoces em bebês muito novos e até mesmo recém- nascidos. Hoje, sabe-se que os bebes já possuem uma percepção dos números, do comportamento dos objetos no espaço, e dos sons linguísticos e musicais, muito precoce. Bebês de apenas alguns dias a 10 meses já possuem a permanência do objeto (pensa que um objeto recentemente retirado de seu campo visual ou encoberto por um anteparo ainda continua a existir) juntamente com uma percepção numérica supramodal, e são capazes de distinguir entre diferentes arranjos numéricos de pontos contendo até 3 elementos, sejam objetos, formas em movimento, ou sílabas (veja Andrade & prado, 2003; Andrade, 2004; Andrade, 2006 a,b). Desenvolvimento Cognitivo-Linguístico Vimos que o conceito é, pelo menos em boa parte, separado da linguagem, sem menosprezar o alto poder da linguagem de relacionar e construir conceitos mais complexos. Por exemplo, Susan Carey do departamento de estudos desenvolvimentais da Harvard, relacionou cuidadosamente as representações espontâneas do mundo na criança com os aspectos universalmente distribuídos na estrutura lexical (sintática e semântica) das línguas, tais como as distinções singular/plural, quantificadores (um, uns, outro ou outros, alguns, poucos, muitos), e outros. Carey concluiu que a eficiência com que as crianças adquirem em média 10 novas palavras por dia na infância se deve a uma arquitetura cognitiva pré-linguística que permite a rápida indução entre os rótulos verbais e os conceitos contidos ou http://www.famart.edu.br/ mailto:atendimento@famart.edu.br http://cienciasecognicao.org/neuroemdebate/wp-content/uploads/2013/03/imagesCAXEX1KE.jpg www.famart.edu.br | atendimento@famart.edu.br | +55 (37) 3241-2864 | Grupo Famart de Educação NEUROPLASTICIDADE COORDENAÇÃO MOTORA, MEMÓRIA E APRENDIZAGEM 34 formados neste sistema cognitivo pré-verbal (Carey, 1997). Há um número crescente de evidências apontando que o pensamento precede a linguagem no desenvolvimento, de modo que nascemos com um grupo de conceitos universais independentes da linguagem, os quais dão significado às palavras. Mas esta arquitetura cognitiva pré-verbal, e em parte universal, não exclui o fato de o contexto cultural das diferentes línguas do mundo serem capazes de combinar de forma particular, ou reforçar de forma diferente, cada um desses conceitos (Li &Gleitman, 2002; Hespos & Spelke, 2004). Mas então como a linguagem se desenvolve de modo que as crianças vão associando conceitos aprendidos e palavras? As evidências para uma percepção e aprendizado precoce da fonologia da língua foram detalhadas e expandidas na universidade de Seatle em Washington, EUA, pela psicóloga Patrícia Kuhl que desenvolveu um estudo, no qual as crianças ouviam as mais diversas combinações entre vogais e consoantes das mais diversas línguas. Num delineamento experimental criativo e revolucionário desenvolvido por Kuhl e colegas, a criança se habitua a uma combinação fonêmica consoante-vogal e sempre que um dos fonemas dessa combinação mudava um ursinho de brinquedo se iluminava e dançava. Este procedimento permitiu verificar que os bebês discriminavam entre diversos tipos de fonemas, pois aprenderam rapidamente a olhar antecipadamente para o ursinho antes que ele começasse a funcionar sempre que ocorria uma mudança fonêmica. Patrícia Kuhl confirmou que os bebês até os quatro meses de idade distinguem entre as todas as categorias fonêmicas do mundo (aproximadamente 150), mas que aos seis meses de idade iniciam um processo de declínio nesta discriminação fonêmica universal na direção de uma especialização para a discriminação dos fonemas da língua mãe, que culmina aos 12 meses numa especialização total só distinguindo entre categorias fonêmicas da língua mãe (Kuhl et a, 2001). Isto indica que já aos 6 meses eles já começam a discernir os sons que eles irão precisar mais tarde para falar sua própria língua. Mas as pesquisas dos últimos vinte anos vão além e mostram como os bebês aprendem a detectar palavras naquela enxurrada contínua de combinações fonêmicas da fala. Embora, ao ouvirmos uma língua estrangeira não percebemos palavras individuais, mas somente um fluxo http://www.famart.edu.br/ mailto:atendimento@famart.edu.br www.famart.edu.br | atendimento@famart.edu.br | +55 (37) 3241-2864 | Grupo Famart de Educação NEUROPLASTICIDADE COORDENAÇÃO MOTORA, MEMÓRIA E APRENDIZAGEM 35 contínuo de sons verbais sem nenhuma pausa entre uma palavra e outra, os estudos mostram que os bebês podem analisar estatisticamente as combinações mais frequente de fonemas no meio de toda aquela enxurrada de sons da fala e aprender “os sons candidatos a palavras”. Outra descoberta formidável, e até mesmo intuitiva que todas as mães já se deram conta: a partir dos oito e nove meses a compreensão dos sons da linguagem já é mais evidente e eles olham para uma bola quando ouvem o som “bola”, mostrando uma compreensão rudimentar das palavras de modo que sua atenção aos objetos pode ser induzida tanto por tons (sons não verbais) quanto por palavras (Fenson et al., 1994; Bates et al., 2004). Essa capacidade de compreensão provém não somente da capacidade simbólica precoce, mas depende crucialmente das influências sociais uma vez que estudos mostram que os bebês aprendem mais facilmente uma nova palavra em contextos de interações sociais reais do que através da exposição áudio-visual; e sua fala é mais fortemente influenciada pelas pessoas mais próximas como a mãe, uma forma de aprendizado social similar à dos pássaros. Finalmente, o aprendizado da linguagem provoca alterações neurais no cérebro altamente moldando circuitos especialmente dedicados à sua língua nativa, facilitando sobremaneira o aprendizado de padrões linguísticos similares à ela e dificultando o aprendizado de padrões distintos na medida em que o indivíduos amadurece (Kuhl, 2004). É por isso que temos dificuldade em pronunciar certos fonemas do Inglês, como ‘th’ com a língua entre os dentes e os japoneses adultos não conseguem pronunciar o ‘l’ e o ‘g’ pronunciando ‘rarandia’ ao invés de ‘laranja’. Estágios neurobiologicamente pré-estabelecidosde aquisição da linguagem É um aprendizado inato presente em todas as culturas humanas e que, apesar da enorme diversidade de idiomas, apresenta elementos fonéticos, semânticos e gramaticais que seguem padrões universais. A linguagem é adquirida em estágios neurobiologicamente pré-estabelecidos: Com 1 ano de vida geralmente a criança fala suas primeiras palavras, nos outros 6 meses aprende cerca de 50 palavras que se referem a objetos de seu http://www.famart.edu.br/ mailto:atendimento@famart.edu.br www.famart.edu.br | atendimento@famart.edu.br | +55 (37) 3241-2864 | Grupo Famart de Educação NEUROPLASTICIDADE COORDENAÇÃO MOTORA, MEMÓRIA E APRENDIZAGEM 36 dia a dia. Nos próximos 6-12 meses essa aquisição se acelera tremendamente com cerca de um acréscimo de 7 a 9 palavras por dia. Em crianças menores de um ano, a resposta neural à linguagem é localizada nos dois hemisférios cerebrais, a partir desta idade crítica de um ano, a função linguística passa a se concentrar em somente um dos lados (em 85% das pessoas no hemisfério esquerdo). Em sequência, na idade de 3-4 anos, a criança começa a ser capaz de juntar palavras e formar frases simplese, em seguida, mais elaboradas. O conhecimento gramatical intuitivo (por exemplo, ao ouvir um relato, saber quem fez e quem sofreu uma determinada ação, saber quando um verbo denota passado, ou quando denota futuro, etc.) é aprendido no começo da vida e se difere totalmente de um aprendizado de língua estrangeira, que se baseia em ensinamentos de regras e treinamento formal fora de um período crítico. Memória e Aprendizagem A memória pode ser definida como a capacidade de um organismo alterar seu comportamento em decorrência de experiências prévias. Do ponto de vista fisiológico, essa capacidade é resultado de modificações na circuitaria neural em função da interação do indivíduo com o ambiente. Como já foi apresentado nos capítulos anteriores, o encéfalo humano é composto por bilhões de neurônios, cada neurônio se projeta para centenas de outros neurônios, e as regiões em que essas células se comunicam são denominadas sinapses. A Figura 1 (esquerda) mostra um botão terminal do neurônio pré-sináptico “A” sobrepondo-se ao corpo celular de um neurônio pós-sináptico; o primeiro é capaz de modular a atividade do segundo. A formação de novas memórias envolve mudanças nas sinapses existentes (como a do terminal “A“ com o neurônio pós-sináptico) ou a formação de novas sinapses (como a do terminal axonal “B” sobre o terminal “A” – ver Figura 1, direita); essas alterações levam à alteração e estabelecimento de circuitos neurais que representam as memórias arquivadas. http://www.famart.edu.br/ mailto:atendimento@famart.edu.br www.famart.edu.br | atendimento@famart.edu.br | +55 (37) 3241-2864 | Grupo Famart de Educação NEUROPLASTICIDADE COORDENAÇÃO MOTORA, MEMÓRIA E APRENDIZAGEM 37 Figura 1 – Sinapses axo-somática (esquerda) e axo-axônica (direita). A atividade do botão axonal “B” pode modular a liberação de neurotransmissores do botão terminal “A” (modificado de Carlson, 1998). Esse conhecimento atual resultou do trabalho de inúmeros personagens; destacaremos os principais em um breve histórico do estudo da memória. As primeiras indagações de que se têm notícia na história da humanidade sobre a natureza da memória foram formuladas pelos filósofos gregos e, posteriormente, reformuladas pelos pensadores iluministas. No entanto, o estudo experimental da memória teve início no século XIX, com o desenvolvimento do que hoje denominamos Psicologia Experimental. Hermann Ebbinghaus (1880) realizou uma série de estudos (avaliando sua própria memória) envolvendo a memorização de listas de sílabas sem sentido e a recordação das mesmas diferentes períodos de tempo depois de sua apresentação. Suas principais observações são resumidas na Figura 2. Figura 2 – Resultados dos estudos de Ebbinghauss envolvendo memorização de listas de sílabas. Foram descritas (1) a curva de recordação ao longo do tempo após a exposição às sílabas (painel da esquerda) em que ocorre uma queda rápida da porcentagem de itens recordados até cerca de duas horas; a partir de então, a porcentagem de itens recordados permanece praticamente constante, (2) recordação http://www.famart.edu.br/ mailto:atendimento@famart.edu.br www.famart.edu.br | atendimento@famart.edu.br | +55 (37) 3241-2864 | Grupo Famart de Educação NEUROPLASTICIDADE COORDENAÇÃO MOTORA, MEMÓRIA E APRENDIZAGEM 38 em função da posição na série, em que a recordação logo após a apresentação da sequência de itens resulta numa maior lembrança dos itens posicionados no início e no final da lista de itens, e (3) a curva de aprendizagem, em que há necessidade de vários dias de treinamento para que a lembrança completa da lista ocorra com menos treino (Ebbinghauss, 1885). Muller e Pilzecker (1900), inspirados pelos trabalhos de Ebbinghaus, realizaram testes que envolviam a apresentação de pares de sílabas que cuja lembrança deveria ocorrer após um intervalo de tempo, oferecendo-se apenas um dos elementos de cada par; uma lista distratora era oferecida para um segundo grupo de voluntários durante o intervalo de tempo entre a lista apresentada e a lembrança da primeira lista. Os autores notaram que os voluntários cuja atenção foi desviada do material estudado exibiram lembrança menor do que o grupo de voluntários sem desvio da atenção; assim, enfatizaram a fragilidade das memórias quando a atenção é desviada (Lechner e col.,1999). Esses autores descreveram também o efeito de perseveração, em que testes posteriores eram afetados por testes prévios. Os voluntários lembravam-se de pares de sílabas apresentadas em outro teste, realizado semanas antes, resultando em erros, pois novas combinações deveriam ser recordadas. A lembrança de combinações estudadas semanas antes evidencia que atividade cerebral persevera após novo aprendizado (Lechner e col.,1999). Essa atividade é resultante do processo de consolidação das memórias. No trabalho de Ebbinghauss (1885) a estabilização da lembrança das sílabas várias horas após sua apresentação é também resultado desse processo de consolidação. Esses resultados sugeriram a existência de diferentes tipos de memória, incluindo (1) uma memória que dura poucos segundos ou minutos, suscetível a interferências e não consolidada, e (2) memória que dura dias ou semanas, robusta e resistente a interferências, e consolidada. Em seu livro Principles of Psychology, William James (1890) denominou esses tipos de memória como (1) memória consciente primária e (2) memória consciente secundária, respectivamente. Além disso, esse autor mencionou também, em capítulos distintos, “habilidades / hábitos”, envolvendo experiência não consciente. Curiosamente, essas ideias foram ignoradas até a década de 1960. http://www.famart.edu.br/ mailto:atendimento@famart.edu.br www.famart.edu.br | atendimento@famart.edu.br | +55 (37) 3241-2864 | Grupo Famart de Educação NEUROPLASTICIDADE COORDENAÇÃO MOTORA, MEMÓRIA E APRENDIZAGEM 39 No início do século XX, o fisiologista russo Ivan Pavlov e o psicólogo americano Edward Thorndike, descreveram, respectivamente, o Condicionamento Clássico, em que um animal aprende a associar dois estímulos (e.g., som de campainha a apresentação de comida) pela sua apresentação contígua, e o Condicionamento Operante em que o animal aprende a associar uma resposta motora a uma recompensa e uma segunda resposta a uma punição. Esses paradigmas estabelecidos por Pavlov e Thorndike influenciaram de modo decisivo uma escola de pensamento denominada Behaviorismo, que almejava tornar a psicologia uma “ciência objetiva”, baseada na observação de comportamentos, desprezando conceitos como pensamento, imaginação, consciência ou mente, que eram consideradas entidades subjetivas, não passíveis de abordagem experimental. A história do Behaviorismo pode ser contada por seus conflitos com outras escolas de pensamento, como sua disputa com a Psicologia Clínica, em que os behavioristas criticavam os psicanalistas por uma suposta falta de controle experimental e de embasamento lógico e científico. Os behavioristas defendiam que deve-se estudar as relações entre os estímulos apresentados e as respostas geradas. Uma escola alternativa de pensamento também baseada nos estudos iniciais de Pavlov e Thorndike, denominada Cognitivismo, investigava não apenas como estímulos geravam reações, mas também os processos não observáveis diretamente, mas que intervêm entre o estímulo e a resposta. Essa escola de pensamento admite a flexibilidade do comportamento animal, incluindo conceitos como representação, criação, inteligência, memória e atenção, conceitos não admitidos pelo behaviorismo por não serem restritos à relação entre estímulos e respostas. O cognitivista Edward Tolman (1948) defendeu a ideia de que ratos arquivam em sua memória uma representação espacial do ambiente,um mapa cognitivo, que permite a orientação flexível no ambiente, inclusive encontrar atalhos nunca percorridos, mas dedutíveis a partir do mapa cognitivo. Na esteira dos etologistas, Cooper e Zubek (1958) realizaram estudos sobre as relações entre os comportamentos inatos e aprendidos (ver Figura 5). http://www.famart.edu.br/ mailto:atendimento@famart.edu.br www.famart.edu.br | atendimento@famart.edu.br | +55 (37) 3241-2864 | Grupo Famart de Educação NEUROPLASTICIDADE COORDENAÇÃO MOTORA, MEMÓRIA E APRENDIZAGEM 40 Figura 5 – Ratos de uma mesma população inicial, que apresentavam diferentes níveis de desempenho em uma tarefa envolvendo a aprendizagem de um labirinto foram cruzados por gerações sucessivas, gerando uma linhagem “burra” e uma linhagem “brilhante” no desempenho dessa tarefa. Em seguida, esses animais foram expostos a três condições ambientais distintas, envolvendo (1) crescimento em ambiente empobrecido (gaiola com animais isolados), (2) crescimento em ambiente padrão (caixa com um pequeno grupo de animais), e (3) crescimento em ambiente enriquecido (caixa grande, com muitos animais, brinquedos etc). Os animais das linhagens “burra” e “brilhante” crescidos em ambientes empobrecido ou enriquecido exibiram desempenho equivalente. Diferentemente, animais dessas duas linhagens crescidos em ambiente padrão exibiram marcada diferença de desempenho; o desempenho dos animais da linhagem “brilhante” foi marcadamente melhor. Em outras palavras, a diferença existe apenas condição padrão de criação. Os autores concluíram que tanto fatores inatos como ambientais influenciam o comportamento (modificado de Cooper e Zubek, 1958). E os mecanismos fisiológicos subjacentes a esses processos? Gold e colaboradores (1970) expuseram ratos a uma câmara clara de uma caixa conectada, por uma porta tipo guilhotina, a uma câmara escura cujo assoalho é constituído de barras metálicas eletrificáveis. Os ratos rapidamente entram na câmara escura; no entanto, ao entrarem nessa câmara, levam um choque nas patas. Em tentativa posterior (teste), realizada 24 horas depois, os animais inseridos na câmara http://www.famart.edu.br/ mailto:atendimento@famart.edu.br www.famart.edu.br | atendimento@famart.edu.br | +55 (37) 3241-2864 | Grupo Famart de Educação NEUROPLASTICIDADE COORDENAÇÃO MOTORA, MEMÓRIA E APRENDIZAGEM 41 clara não entram na câmara escura (ver a barra vermelha da Figura 6). Animais de um grupo controle, que não receberam choque nas patas no dia anterior, entram rapidamente na câmara escura (ver barra verde da Figura 6). Em experimentos adicionais, a intervalos de tempo variáveis depois do treinamento com choque nas patas, aplica-se uma corrente elétrica no sistema nervoso dos animais, um choque eletro-convulsivo (ver Figura 6 - esquerda). Observa-se que quanto menor o intervalo de tempo entre o choque nas patas e o choque eletroconvulsivo, maior é o prejuízo de memória aversiva sobre o ambiente escuro. Porém, a medida que esse intervalo de tempo aumenta, menor é o efeito, como se o choque eletroconvulsivo perdesse sua efetividade para “apagar” a memória (ver Figura 6 – direita, barras de cor laranja). Figura 6 – Experimento ratos e choques. A organização temporal dos eventos e os resultados estão apresentados à esquerda; os resultados obtidos estão à direita. Modificado de Xavier (2004) e Gold (1970). Shashoua (síntese publicada em 1985) prendeu um flutuador nas nadadeiras peitorais de peixinhos dourados de modo que os animais ficam em posição invertida. Após longo esforço de cerca de 3 horas, alguns peixes conseguem volta à posição normal, apesar do flutuador (Figura 7, treino inicial representado pela curva verde). Se o flutuador for removido e recolocado três dias depois, os animais que aprenderam a tarefa mais rapidamente; i.e., os peixes conseguem voltar à posição normal em apenas 15 minutos, o que indica que eles aprenderam e retiveram a solução desse http://www.famart.edu.br/ mailto:atendimento@famart.edu.br www.famart.edu.br | atendimento@famart.edu.br | +55 (37) 3241-2864 | Grupo Famart de Educação NEUROPLASTICIDADE COORDENAÇÃO MOTORA, MEMÓRIA E APRENDIZAGEM 42 desafio (curva azul) (para detalhes sobre esses experimentos, ver Helene e Xavier, 2007a). Figura 7 – Experimentos de Shashoua (1985) envolvendo aprendizagem em peixes dourados (para detalhes ver o texto) (modificado de Shashoua, 1985, e Xavier, 2004). Em outro teste, Shashoua (1985) injetou valina marcada com hidrogênio radioativo (valina-H*) no ventrículo encefálico de animais que ficaram por 4h com o flutuador, ou valina marcada com carbono radioativo (valina-C*) no ventrículo de animais que não foram treinados. Os encéfalos dos animais dos dois grupos foram homogeneizados conjuntamente e as proteínas foram separadas por peso molecular. A maioria das proteínas presentes estava marcada tanto com valina-H* quando com valina-C*; porém, algumas delas estavam mais marcadas com valina-H*, indicando que elas se originaram no cérebro dos animais que aprenderam a tarefa; essas proteínas foram denominadas ependiminas. Num terceiro teste, as ependiminas foram isoladas e injetadas em coelhos para producão de anticorpos específicos contra as ependiminas. Então, os anticorpos foram injetados no ventrículo encefálico de peixes que tinham acabado de aprender a tarefa de nadar com o flutuador; no teste de memória realizado 3 dias depois, esses peixes demoraram cerca de 3h para voltar à posição normal (Figura 7, curva vermelha). Ou seja, esses animais comportam-se como se nunca tivessem sido submetidos ao treinamento. Presentemente, as ependiminas são denominadas “moléculas de adesão celular” e estão diretamente relacionadas com o fortalecimento e formação de sinapses. Em conjunto, os resultados dos experimentos envolvendo choques eletro- convulsivos e síntese de proteínas sugerem que há dois processos envolvidos na http://www.famart.edu.br/ mailto:atendimento@famart.edu.br www.famart.edu.br | atendimento@famart.edu.br | +55 (37) 3241-2864 | Grupo Famart de Educação NEUROPLASTICIDADE COORDENAÇÃO MOTORA, MEMÓRIA E APRENDIZAGEM 43 manutenção da memória. Um deles, mais instável, é prejudicado pelo choque eletro- convulsivo, estando relacionado ao padrão de atividade eletrofisiológica dos neurônios (frequência de disparos, por exemplo). O outro, associado com produção de proteínas, parece envolver alterações estruturais nas sinapses gerando circuitos alterados no sistema nervoso. Num certo sentido, esses dois tipos de processos parecem sobrepor-se aos descritos por James (1890). Resumindo, parece haver (1) uma Memória de Curta Duração, baseada na atividade elétrica dos neurônios e, assim, um tanto suscetível a interferências e (2) uma Memória de Longa Duração, representada por alterações estruturais dos neurônios, particularmente nas sinapses com outros neurônios, robusta e resistente a interferências. Onde esses traços de memória estão no sistema nervoso? Eles estariam localizados em áreas discretas ou estariam espalhadas pelo sistema nervoso? Este tipo de investigação ficou conhecida como “a busca pelo engrama (= traços de memória)”. Franz Gall, fundador da Frenologia, no século XIX, defendia que quando uma pessoa usa muito uma determinada região do cérebro, esta se hipertrofiaria (de modo similar a um músculo) e, assim, deformava a caixa craniana, gerando um “calombo”; por outro lado, se a região não fosse usada, ela atrofiaria, gerando uma “depressão”. Seguindo esta concepção, Gall investigava o formato da caixa craniana de pessoas inteligentes, engraçadas, egoístas, loucas etc. e propôs mapas sobre a localização das funções mentais (publicados em revistas especializadas como a American PhrenologyJournal, http://www.phrenology.com/americanphrenology.html). Esta proposta gozou de grande reputação durante o século XIX, mas foi totalmente abandonada posteriormente. http://www.famart.edu.br/ mailto:atendimento@famart.edu.br www.famart.edu.br | atendimento@famart.edu.br | +55 (37) 3241-2864 | Grupo Famart de Educação NEUROPLASTICIDADE COORDENAÇÃO MOTORA, MEMÓRIA E APRENDIZAGEM 44 Figura 8 – Franz Gall e um mapa frenológico. Na década de 1920, Karl Lashley tentou localizar, em ratos, o engrama, ou seja, os traços da memória, responsáveis pelo aprendizado do percurso para se orientar num labirinto. Para testar essa ideia ele fez incisões no córtex antes ou depois do animal aprender a tarefa; então, avaliava o desempenho do animal, tentando correlacionar a extensão das lesões, com seu desempenho. O autor descreveu que os prejuízos de aprendizagem e memória se correlacionam com a extensão da lesão, mas não com sua localização (ver Bear, 2002; Helene e Xavier, 2007b). Esse resultado favoreceu a hipótese de que os engramas estão espalhados pelo sistema nervoso e não dispostos em áreas específicas como propunham, por exemplo, os frenologistas. No entanto, as memórias parecem não estar totalmente espalhadas pelo encéfalo como sugerem os resultados de Lashley. Pensa-se, atualmente, que os ratos solucionam a tarefa valendo-se de diferentes modalidades sensoriais (visão, propriocepção, tato, olfato etc.) e estratégias (orientação alocêntrica, egocêntrica etc.); quando as lesões são pequenas, os ratos podem aprender e lembrar a solução usando as modalidades preservadas; quando as lesões são extensas, o rato é incapaz de aprender ou lembrar do labirinto. Essa interpretação vai ao encontro de uma ideia interessante, denominada modelo de “cell assembly” (de agrupamento de células) de Donald Hebb (1949). De acordo com essa proposta, o engrama estaria representado em uma rede neural distribuída como apresentada na Figura 9. http://www.famart.edu.br/ mailto:atendimento@famart.edu.br www.famart.edu.br | atendimento@famart.edu.br | +55 (37) 3241-2864 | Grupo Famart de Educação NEUROPLASTICIDADE COORDENAÇÃO MOTORA, MEMÓRIA E APRENDIZAGEM 45 Figura 9 – Esquema representativo de redes neurais de Hebb. Os pontos pretos são os neurônios e as linhas são as conexões. A rede tem uma organização inicial como representado em (A); ao receber um estímulo, é ativada (B); esse estímulo pode ser apresentado repetidas vezes, ou pode ter reverberado nessa rede, de modo que as conexões entre os neurônios são fortalecidas (C e D); então, um estímulo mais fraco ou mesmo incompleto, mas que mantenha algumas das características do inicial (D) é capaz de ativar a rede fortalecida (E) (modificado de Bear, 2002, e de Helene e Xavier, 2007b). A perspectiva de que o engrama da memória esteja representado em circuitos neurais que funcionam de maneira cooperativa e que diferentes regiões nervosas podem contribuir para esse processo, estimulou os neurocientistas a se debruçassem sobre a tentativa de localizar os sítios da memória em nosso encéfalo. O estudo do caso do paciente H.M. muito contribuiu para o desenvolvimento dessa área. Esse paciente sofria de epilepsia intratável (na ocasião); o foco epiléptico situava-se no lobo temporal medial, bilateralmente. Então, na tentativa de ajudar o paciente, removeu-se essa estrutura cirurgicamente; isso resultou na remoção dos 2/3 anteriores do hipocampo e da amígdala, além de outras porções corticais (Scoville e Milner, 1957) (ver Figura 10, esquerda). Como esperado, H.M. foi curado da epilepsia; porém, exibiu uma perda de memória. A amnésia de H.M. era anterógrada (o paciente era incapaz de formar novas memórias) e também retrógrada; porém, neste último caso a amnésia era temporalmente graduada (ver Figura 10 direita). O prejuízo cognitivo de H.M. estava restrito à aquisição de memórias de longa duração; suas capacidades perceptuais se mantiveram, assim como seu QI, sua personalidade e a memória de curta duração; ou seja, estes últimos, estavam todos preservados (Scoville e Milner, 1957). http://www.famart.edu.br/ mailto:atendimento@famart.edu.br www.famart.edu.br | atendimento@famart.edu.br | +55 (37) 3241-2864 | Grupo Famart de Educação NEUROPLASTICIDADE COORDENAÇÃO MOTORA, MEMÓRIA E APRENDIZAGEM 46 Vale ressaltar aqui que mais uma vez foi mostrada a distinção entre memória de curta duração (associada à atividade elétrica) e memória de longa duração (associada à estrutura neural) proposta por James um século antes. Figura 10 – O paciente H.M. teve parte do lobo temporal medial removido bilateralmente (porção cortical, amígdala e hipocampo). A amnésia exibida por H.M. era anterógrada (ele era incpaz de formar novas memórias) e retrógrada, neste último caso, temporalmente graduada (lembranças da juventude e de eventos ocorridos até 2 anos antes da cirurgia foram preservados, mas as lembranças são gradualmente prejudicadas até o momento da cirurgia (modificado de Bear, 2002 e Xavier, 2004). No entanto, H.M. conseguia adquirir e reter diversas informações. Por exemplo, aprendeu a ler palavras invertidas, como se apresentadas por meio de um espelho, após a cirurgia e também novas habilidades motoras e cognitivas (ver Helene e Xavier, 2007a, para detalhes). Mesmo assim, se consultado sobre seu treinamento prévio nessas tarefas, alegava nunca ter feito isso; mesmo assim, seu desempenho nessas tarefas treinadas era proficiente. Aparentemente, o hipocampo (e outras estruturas do lobo temporal medial) é fundamental para a reverberação da atividade neural, que leva ao arquivamento de informações sobre eventos experienciados. Essa reverberação seria essencial para o arquivamento das informações sobre “o que” ocorreu, mas não sobre “como” desempenhar uma tarefa percepto-motora. Na aquisição de uma habilidade, por exemplo, “como” andar de bicicleta, a aquisição envolveria o treinamento repetitivo e envolveria regiões nervosas intactas no paciente H.M. Assim, embora o paciente adquira essa habilidade não é capaz de se recordar “que” já a praticou. Em outras http://www.famart.edu.br/ mailto:atendimento@famart.edu.br www.famart.edu.br | atendimento@famart.edu.br | +55 (37) 3241-2864 | Grupo Famart de Educação NEUROPLASTICIDADE COORDENAÇÃO MOTORA, MEMÓRIA E APRENDIZAGEM 47 palavras, a natureza da informação “saber que” é diferente da natureza da informação sobre “saber como” (ver Helene e Xavier, 2007a, para detalhes). As memórias “saber como” são atualmente denominadas memórias implícitas (o que faz bastante sentido, pois é muito difícil declarar como se anda de bicicleta) e “saber que” são denominadas memórias explícitas. Pacientes com Doença de Parkinson (que exibem disfunções em estruturas nervosas denominadas gânglios da base) exibem um quadro oposto ao dos amnésicos (que, como vimos, tem lesão no lobo temporal medial). Os pacientes com disfunções nos gânglios da base exibem memória explícita preservada e prejuízo da memória implícita; esse prejuízo pode envolver tanto aprendizagem e desempenho de respostas motoras, como perceptuais (pacientes com Parkinson, por exemplo, exibem prejuízo na aprendizagem da habilidade de leitura de palavras invertidas) (Knowlton e col., 1996; Perretta e col., 2005). A memória de curta duração, preservada em amnésicos e parkinsonianos, usada corriqueiramente para guardar, por exemplo, um número de telefone obtido numa lista (e quando terminamos de teclá-lo já não somos mais capazes de declará- lo), está associada ao funcionamento dos córtices frontal e parietal (Baddeley e Warrington, 1970). A memória de curta duração é frequentemente denominada memória operacional. Assim, memória vem sendo classificada em (1) memória de
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