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NOTA DE AULA – 21.09.22 – TEMPO DO CRIME CURSO: Direito 1º SEMESTRE DISCIPLINA: Teoria Geral do Crime Prof. Henrique Machado TEMPO DO CRIME INTRODUÇÃO O nascimento (entrada em vigor), a vida (período de vigência) e a morte (revogação) de uma lei penal constituem tema de sobrelevada importância. Deve-se lembrar que o direito de punir em abstrato do Estado (ius puniendi in abstracto) surge com o advento da lei penal189. Vale dizer, a partir do momento em que uma lei penal entra em vigor, o Estado passa a ter o direito de exigir de todas as pessoas que se abstenham de praticar o comportamento definido como criminoso. Art. 4º Considera-se praticado o crime no momento da ação ou omissão, ainda que outro seja o momento do resultado. Teorias sobre o momento do crime a) Atividade: o crime reputa-se praticado no momento da conduta comissiva ou omissiva. Pela teoria da atividade, tempo do crime será o da ação ou da omissão, ainda que outro seja o momento do resultado. Para essa teoria, o que importa é o momento da conduta, comissiva ou omissiva, mesmo q u e o resultado dela se distancie no tempo. O momento da conduta, comissiva ou omissiva, será, portanto, o nosso marco inicial para todo tipo de raciocínio que se queira fazer em sede de extra atividade da lei penal, bem como nas situações em que não houver sucessão de leis no tempo. A escolha de tal teoria determina, por exemplo, a aplicação, ou não, da lei penal em certas situações, ou a opção pela lei mais benigna dentre aquelas que se sucederam no tempo. Suponhamos que uma pessoa tenha dirigido finalisticamente sua conduta a causar a morte de alguém, atirando em direção à vítima, vindo a atingi-la numa região letal. b) Resultado: o crime é praticado no momento da produção do resultado. Já a teoria do resultado determina que tempo do crime será, como sua própria denominação nos está a induzir, o da ocorrência do resultado. Aqui, sobreleva-se a importância do momento do resultado da infração penal. c) Ubiquidade ou mista: o crime considera-se praticado no momento da conduta e no momento do resultado. A teoria mista o u da ubiquidade concede igual relevo aos dois momentos apontados pelas teorias anteriores, asseverando que tempo do crime será o da ação o u da omissão, bem como o do momento do resultado. Teoria adotada: o Código Penal adotou a teoria da atividade. Como consequência principal, a imputabilidade do agente deve ser aferida no momento em que o crime é praticado, pouco importando a data em que o resultado venha a ocorrer. Art. 4º - Considera-se praticado o crime no momento da ação ou omissão, ainda que outro seja o momento do resultado. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 1984) Exemplo: um menor com 17 anos e 11 meses esfaqueia uma senhora, que vem a falecer, em consequência desses golpes, 3 meses depois. Não responde pelo crime, pois era inimputável à época da infração. No caso de crime permanente, como a conduta se prolonga no tempo, o agente responderia pelo delito. Assim, se o menor, com a mesma idade da hipótese anterior, sequestrasse a senhora, em vez de matá-la, e fosse preso em flagrante 3 meses depois, responderia pelo crime, pois o estaria cometendo na maioridade. Em matéria de prescrição, o Código Penal adotou a teoria do resultado. O lapso prescricional começa a correr a partir da consumação, e não do dia em que se deu a ação delituosa (CP, art. 111, I). Entretanto, em se tratando de redução de prazo prescricional, no caso de criminoso menor de 21, aplica- se a teoria da atividade (v. CP, art. 115, primeira parte). DA VACATIO LEGIS Como se sabe, a vacatio legis é o intervalo de tempo que separa a publicação e a entrada em vigor de uma lei. Cumpre dizer que, em alguns casos, a lei entra em vigor na data de sua publicação. Esta característica é pouco recomendável em matéria de leis penais, que requerem, para efeito de serem bem assimiladas, que sempre se observe um mínimo de vacatio. Aliás, o art. 8º, caput, da LC n. 95/98, que disciplina a “elaboração, a redação, a alteração e a consolidação das leis”, dispõe que: “A vigência da lei será indicada de forma expressa e de modo a contemplar prazo razoável para que dela se tenha amplo conhecimento, reservada a cláusula ‘entra em vigor na data de sua publicação’ para as leis de pequena repercussão”. Caso não haja menção expressa ao início de vigência da Lei, aplica-se a regra contida na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Decreto-Lei n. 4.657, de 1942, art. 1º), segundo a qual uma lei entra em vigor quarenta e cinco dias contados de sua publicação, no território nacional, e em três meses, no âmbito internacional (note-se que a lei penal brasileira se aplica a fatos cometidos no exterior, por força do art. 7º do CP, que será estudado abaixo – Capítulo VIII, item 3.3). É POSSÍVEL APLICAR LEI PENAL ANTES DE CONSUMADA SUA VACÂNCIA? Cremos que não. Um texto normativo não inova o ordenamento jurídico antes de sua entrada em vigor. Durante a vacância (ou vacatio), não há lei nova, mas apenas expectativa de lei. Aliás, não fosse assim, o Código Penal de 1940 teria sido revogado pelo Código Penal de 1969 (Decreto-Lei n. 1.004/69), o qual foi publicado, mas nunca entrou em vigor (sua vacância estendeu se até 1978). Isto vale, inclusive, para leis penais de caráter benéfico, as quais, uma vez consumada sua vacância, entrarão em vigor e se aplicarão a fatos pretéritos, mesmo quando já houver trânsito em julgado. A razão é simples: uma lei pode ser revogada antes de sua entrada em vigor, por isso, repetimos, durante a vacatio não há lei nova, mas apenas expectativa de lei; lembre-se do que ocorreu com o Código Penal de 1969. O TEMPO DO CRIME NAS INFRAÇÕES PENAIS PERMANENTES E CONTINUADAS Aplica-se a eles regra especial. No caso do crime permanente, a consumação se prolonga no tempo. É considerado tempo do crime todo o período em que se desenvolver a atividade delituosa. Ilustrando: durante um sequestro, pode ocorrer de um menor de 18 anos completar a maioridade, sendo considerado imputável para todos os fins penais. A mesma regra deve ser aplicada ao crime continuado, uma ficção jurídica idealizada para beneficiar o réu, mas que é considerada uma unidade delitiva. Segundo Jair Leonardo Lopes, “é aplicável a lei do momento em que cessou a continuação (...), pois é uma unidade jurídica incindível” (Curso de direito penal, p. 104). Quanto ao tempo, no entanto, há quem sustente que, por ser um benefício ao réu, não se deve aplicar a mesma regra do crime permanente. Ensina Delmanto: “Também a norma penal nova mais grave só deverá ter incidência na série de crimes ocorridos durante sua vigência e não na anterior” (Código Penal comentado, p. 10). No tocante à imputabilidade penal, é preciso ressalvar, no caso de crime continuado, que as condutas praticadas pelo menor de 18 anos devem ficar fora da unidade delitiva estabelecida pelo crime continuado. Sendo esta mera ficção para beneficiar o acusado, não deve sobrepor-se a norma constitucional, afinal, o art. 228 da Constituição preceitua serem “penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos”. Assim, caso o agente de quatro furtos, por exemplo, possua 17 anos, quando do cometimento dos dois primeiros, e 18, por ocasião da prática dos dois últimos, apenas estes dois é que servirão para formar o crime continuado. Despreza-se o que foi cometido em estado de inimputabilidade. Fora dessa hipótese, que é excepcional, ao crime continuado devem ser aplicadas as mesmas regras regentes do crime permanente, quanto ao tempo de delito. É o teor da Súmula 711 do STF: “A lei penal mais grave aplica-se ao crime continuado ou ao crime permanente, se a sua vigência é anterior à cessação da continuidade ou da permanência”. LEIS DE VIGÊNCIA TEMPORÁRIA Conceito. Leisde vigência temporária são aquelas instituídas para viger em determinado período. Elas são exceção à regra exposta na Lei de Introdução ao Direito Brasileiro, no caput do seu artigo 2º, de que a lei terá vigência até que outra a modifique ou revogue, ou seja, vige por prazo indeterminado: Art. 2º Não se destinando a vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue. A lei de vigência temporária possui vigor por prazo determinado por um período de tempo ou por um evento, regulando os fatos ocorridos durante sua vigência, mesmo após já cessada a sua vigência. Em razão de já possuírem vocação, desde sua elaboração, para vigorarem por um período ou durante a ocorrência de um evento transitório, as leis de vigência temporária se aplicam aos fatos ocorridos em sua vigência mesmo que já não estejam em vigor. Isto porque são direcionadas a viger por um tempo limitado, para abarcar determinados fatos, e sua aplicação a eles garante sua autoridade. Assim, se uma lei deve vigorar durante a guerra e pune com reclusão aquele que repassar informações privilegiadas ao inimigo, o agente que cometer tal delito ser· punido mesmo que pratique a conduta no último dia de sua vigência. Isto porque, caso contrário, todos saberiam que nos últimos dias de guerra, quando já se aproximavam as tratativas de paz, a chance de punição dos crimes então cometidos seria mínima, já que o processo penal não transitaria em julgado até o fim da vigência da lei. A lei de vigência temporária está prevista no artigo 3º do Código Penal: Art. 3º - A lei excepcional ou temporária, embora decorrido o período de sua duração ou cessadas as circunstâncias que a determinaram, aplica-se ao fato praticado durante sua vigência. Como visto pela própria redação do dispositivo, as leis de vigência temporária se subdividem em duas espécies: Leis excepcionais ou leis temporárias em sentido estrito. A lei excepcional ou temporária em sentido amplo é aquela que possui vigência durante determinado evento efêmero, transitório. Por sua vez, a lei temporária em sentido estrito possui prazo temporal previsto em seu próprio corpo normativo, vigorando com termo final já fixado, ou seja, com dia para o fim de sua vigência. Lei excepcional. A lei excepcional, também denominada de lei temporária em sentido amplo, é aquela produzida para durar durante determinada situação, determinado evento anormal, transitório. São exemplos de evento que pode determinar a vigência da lei uma guerra, uma calamidade pública, uma grave comoção interna com protestos violentos, um período de seca, etc. Lei temporária em sentido estrito. Lei Temporária (em sentido estrito) É aquela produzida para durar por um determinado período de tempo, previsto em si mesma. Sua vigência já delimitada no tempo, possuindo um interregno de vigência já estabelecido, razão pela qual vigora por período determinado. Um conhecido exemplo de lei temporária em sentido estrito é a Lei nº 12.663/12, conhecida também como lei da FIFA, que foi criada para dispor sobre medidas relativas à Copa das Confederações FIFA 2013, a Copa do Mundo FIFA 2014 e a Jornada Mundial da Juventude – 2013, dentre outros assuntos. Em seu artigo 36, há previsão de sua vigência: Art. 36. Os tipos penais previstos neste Capítulo terão vigência até o dia 31 de dezembro de 2014. Nota-se, portanto, que a Lei nº 12.663/12 possui, em seu próprio texto legal, termo final de vigência, já alcançado. Assim, quando se atingiu a data prevista no dispositivo acima transcrito, referida lei deixou de vigorar no ordenamento jurídico brasileiro. Características comuns. São características comuns das leis de vigência temporária (excepcionais e temporárias em sentido estrito) a ultra atividade e a autorrevogabilidade: Ultra atividade: o fim da vigência da lei não impede sua ultra atividade para alcançar os fatos cometidos anteriormente, mesmo que a aplicação ultra ativa da lei prejudique o réu. Autorrevogabilidade: as leis de vigência temporária são tidas por revogadas no termo final nela fixado (lei temporária) ou quando cessada a situação anormal (lei excepcional). (IN)CONSTITUCIONALIDADE. Zaffaroni e Pierangeli, dentre outros doutrinadores, entendem que a lei de vigência temporária e sua regulação pelo Código Penal afrontam o princípio da irretroatividade da lei penal. Referido princípio está· previsto no inciso XL do artigo 5º da Constituição da República, vejamos: XL - a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu; Referido princípio não faz nenhuma exceção para as leis excepcionais ou temporárias em sentido estrito, razão pela qual esta corrente doutrinária entende que não é possível a punição dos fatos ocorridos na vigência delas após· já terem perdido a vigência. Outra parte da doutrina, da qual faz parte Frederico Marques, entende que a situação específica (evento transitório ou lapso temporal) faz parte do fato típico. Sua aplicação posterior garante sua força intimidativa, o que não haveria, por exemplo, se não se admitisse a aplicação após o fim de sua vigência. Isto faria com que uma lei temporária em sentido estrito, elaborada para vigorar até 02 de fevereiro de 2018, dificilmente seria observada no dia 1º de fevereiro do referido ano, pois sua punição seria impossível dado o trâmite do processo penal necessário para se condenar alguém. Vejamos as lições do referido doutrinador, Frederico Marques, citado por Cezar Roberto Bitencourt: “Entendida a lei temporária ou excepcional como descrição legal de figuras típicas onde o tempus delicti condiciona a punibilidade ou maior punibilidade de uma conduta, _ a sua ultra-atividade não atinge os princípios constitucionais do nosso Direito Penal intertemporal. A lex mitior que for promulgada ulteriormente para um crime que a lei temporária pune mais severamente não retroagirá· porque as situações tipificadas são diversas.” (BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral, volume 1. 10ª ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 215.) Essa ˙última posição é a que prevalece na doutrina, com a conclusão de que as leis excepcionais e temporárias (stricto sensu) são compatíveis com a nossa Constituição. O STF possui julgados em que o tema foi tratado, direta ou indiretamente, mas seus precedentes são antigos, por exemplo, RE 71947, julgado pela Primeira Turma em 14/09/1971, e HC 31552, julgado pelo Tribunal Pleno em 31/07/1951. Em todos, a constitucionalidade das leis penais temporárias não foi sequer questionada. LEI PENAL NO ESPAÇO Lugar do Crime O lugar do crime é a definição de qual o lugar em que se considera que a infração penal foi praticada. Com relação a este tema, a doutrina desenvolveu algumas teorias sobre onde se deve considerar que o crime foi praticado. Cabe a análise de cada uma delas: Teoria da atividade: A teoria da atividade considera que o crime é praticado no lugar em que houve a ação ou a omissão do agente. Ou seja, considera-se como local da infração penal, para aplicação da lei, o local em que o indivíduo pratica a conduta, seja ela omissiva (um não fazer) ou comissiva (um fazer). Deste modo, adotada esta teoria no caso do homicídio, por exemplo, o crime será considerado como praticado no local em que o indivíduo efetua os disparos de arma de fogo em direção à vítima, e não onde a vítima efetivamente vem a falecer. Teoria do resultado: Pelo ponto de vista da teoria do resultado, considera-se praticado o crime no local em que o agente obteve a produção do resultado. Deste modo, ainda que o resultado naturalístico seja obtido a muitos quilômetros de onde foi praticada a conduta, será o local que se considera praticado o crime. Utilizando-se novamente o exemplo do homicídio, por esta teoria o crime teria sido praticado nolocal da morte da vítima, e não onde foram efetuados os disparos de arma de fogo. Sob o entendimento desta teoria, só se considerará praticado o crime, para fins de aplicação da lei penal, no local em que for atingido o resultado. Teoria da ubiquidade ou mista: A teoria da ubiquidade, também chamada de mista, é o resultado da reunião das duas anteriores, a da atividade e a do resultado. Segundo esta teoria, o crime se considera praticado tanto no lugar da conduta quanto no do resultado. Assim, tanto no local da ação ou omissão quanto no da obtenção do resultado, considerar-se· que o crime foi praticado para efeito de aplicação da lei penal. Utilizando o exemplo do homicídio, serão considerados como local do crime, para se aplicar a lei penal, tanto o local em que houve os disparos de arma de fogo quanto o lugar em que a vítima efetivamente vier a Óbito. Sobre o tema, prevê o Código Penal, em seu artigo 6º: Art. 6º - Considera-se praticado o crime no lugar em que ocorreu a ação ou omissão, no todo ou em parte, bem como onde se produziu ou deveria produzir-se o resultado. Deste modo, resta claro que o ordenamento jurídico brasileiro adota a teoria da ubiquidade quanto ao lugar do crime. Considera-se que o crime foi praticado tanto no lugar em que se praticou a conduta (comissiva ou omissiva) quanto no lugar em que se produziu ou se deva produzir o resultado. Qual a importância de estabelecermos o lugar do crime? A teoria da ubiquidade para definição do lugar do crime se aplica aos crimes a distância, também chamados de crimes de espaço máximo. São as infrações penais cujo iter criminis (caminho do crime, com suas fases de cogitação, preparação, execução, consumação e, ao final, eventual exaurimento) abrange mais de um país. Ou seja, é aquela infração penal que, em seu desenvolvimento, percorre mais de um território soberano. Exemplo de crime a distância é o do sujeito que, posicionado em Ciudad Del Este, cidade paraguaia, atira no seu inimigo que andava na cidade brasileira de Foz do Iguaçu e o atinge, causando lesão corporal de natureza grave. Perceba-se que o local da conduta foi o Paraguai, sendo que o resultado foi atingido no Brasil. Como o Direito Penal adota a teoria da ubiquidade, consideraremos o crime praticado no Brasil, possibilitando a aplicação da lei brasileira. REGRAS PARA A APLICAÇÃO DA LEI PENAL NO ESPAÇO São basicamente duas: a) territorialidade (regra geral); b) extraterritorialidade (exceção: aplicação da lei penal brasileira a crime ocorrido fora do território nacional). Esta, por sua vez, é regida pelos seguintes princípios: b.1) defesa ou proteção (leva-se em consideração a nacionalidade brasileira do bem jurídico lesado pelo delito); b.2) justiça universal ou cosmopolita (tem-se em vista punir crimes com alcance internacional); b.3) nacionalidade ou personalidade (leva-se em conta a nacionalidade brasileira do agente do delito); b.4) representação ou bandeira (tem-se em consideração a bandeira brasileira da embarcação ou da aeronave privada, situada em território estrangeiro). TERRITORIALIDADE A territorialidade é a regra sobre a aplicação da lei brasileira no espaço, ou seja, a lei nacional é aplicável ao território nacional. Só se aplica a lei penal brasileira aos crimes cometidos no Brasil. Para saber como se apurar o local de cometimento do crime, vimos no tópico anterior o lugar do crime, sendo que o Código Penal adotou a teoria da ubiquidade. Territorialidade é a aplicação das leis brasileiras aos delitos cometidos dentro do território nacional. Esta é uma regra geral, que advém do conceito de soberania, ou seja, a cada Estado cabe decidir e aplicar as leis pertinentes aos acontecimentos dentro do seu território. Excepcionalmente, no entanto, admite-se o interesse do Brasil em punir autores de crimes ocorridos fora do seu território. Extraterritorialidade, portanto, significa a aplicação da lei penal nacional a delitos ocorridos no estrangeiro (art. 7.º, CP). Vejamos o artigo 5º do Código Penal que traz a regra da territorialidade: Art. 5º - Aplica-se a lei brasileira, sem prejuízo de convenções, tratados e regras de direito internacional, ao crime cometido no território nacional. CONCEITO DE TERRITÓRIO E SEUS ELEMENTOS Trata-se de todo espaço onde o Brasil exerce a sua soberania, seja ele terrestre, aéreo, marítimo ou fluvial. São elementos do território nacional: a) o solo ocupado pela nação; b) os rios, os lagos e os mares interiores e sucessivos; c) os golfos, as baías e os portos; d) a faixa de mar exterior, que corre ao largo da costa e que constitui o mar territorial; e) a parte que o direito atribui a cada Estado sobre os rios, lagos e mares fronteiriços; f) os navios nacionais; g) o espaço aéreo correspondente ao território; h) as aeronaves nacionais. 3.1 Rios, lagos e mares fronteiriços e sucessivos Fronteiriços, simultâneos ou limítrofes são os situados na fronteira entre dois países, separando-os. Cabe aos tratados ou convenções internacionais fixar a quem pertencem. Se não houver acordo internacional, entende-se que a fronteira fica estabelecida na metade do leito. Ex.: Rio Solimões, situado entre o Peru e a Colômbia. Rios sucessivos ou interiores são os que passam pelo território de vários países. Ex.: Rio Danúbio, que corta a Alemanha, a Áustria, a Eslováquia, a Hungria, a Croácia, a Sérvia, Montenegro, a Romênia, a Bulgária e a Ucrânia. 3.2 Espaço aéreo Quanto ao espaço aéreo, compreende todo o espaço acima do território, inclusive do mar territorial, até o limite da atmosfera. Não existe, nesse caso, o direito de passagem inocente e tudo é devidamente regulado por tratado. Na realidade, as aeronaves privadas podem passar, desde que informem previamente a sua rota (art. 14, § 2.º, do Código Brasileiro de Aeronáutica). Quanto às aeronaves militares ou a serviço de governo estrangeiro, a passagem pelo espaço aéreo nacional somente pode ser realizada se houver prévia autorização (art. 14, § 1.º, do mesmo Código). Para tanto, é imprescindível que toda aeronave tenha uma bandeira, seja ela pública ou privada, pois, do contrário, há possibilidade de ser derrubada pelo governo, caso penetre no seu espaço aéreo (art. 20 do Código Brasileiro de Aeronáutica). Quanto ao espaço cósmico, existe o Tratado sobre Exploração e Uso do Espaço Cósmico – inclusive da Lua e outros corpos celestes –, aprovado pelo Decreto 64.362/69. Diz o acordo internacional que a exploração e uso do espaço cósmico deve ter em mira o interesse de todos os países, além do que pode ser explorado e utilizado livremente por todos os Estados sem qualquer discriminação, em condições de igualdade e em conformidade com o direito internacional, devendo haver liberdade de acesso a todas as regiões dos corpos celestes (art. 1.º). O espaço cósmico não pode ser objeto de apropriação nacional por proclamação de soberania, por uso ou ocupação, nem por qualquer outro meio (art. 2.º). Mar territorial brasileiro Quanto ao mar territorial, antigamente vigorava a regra do alcance do tiro de canhão, pois a soberania terminava onde o Estado se tornava impotente para fazer-se respeitar pela força das armas. Dizia Grotius que o mar territorial deveria ir “até onde o Estado marginal pudesse tornar efetiva e eficaz a sua autoridade e posse pelos canhões colocados à praia” (menção de Pinto Ferreira, Teoria geral do Estado, p. 123). Até a década de 50, o Brasil possuía 3 milhas. Em 1966, ampliou-se o mar territorial para 6 milhas e, posteriormente, em 1970, estendeu-se para duzentas milhas. Nessa época, o mesmo critério de ampliação foi utilizado pelos seguintes países: Argentina, Chile, Peru, Equador, Uruguai, Costa Rica, São Salvador e Panamá. Atualmente, a Lei 8.617/93 fixa as regras para o mar territorial brasileiro. Essa norma é fruto do dispostona Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (aberta a assinatura em Montego Bay, Jamaica, a partir de 10 de dezembro de 1982), que foi ratificada pelo Brasil em 1988. O mar territorial do Brasil, onde o Estado exerce soberania absoluta, possui 12 milhas. Nesse espaço, aplica-se a lei penal pátria. Além disso, na referida Lei de 1993, há também a Zona Contígua, que vai das 12 às 24 milhas, servindo para fiscalização sobre assuntos aduaneiros, fiscais, sanitários ou sobre matéria referente à imigração. Por fim, prevê-se, também, a Zona Econômica Exclusiva, que abrange o espaço compreendido das 12 às 200 milhas. Nessa área, o Brasil pode explorar, sozinho, todos os recursos naturais possíveis. O art. 8.º da Lei 8.617/93, faz referência a “exercício de jurisdição” nesse espaço de 188 milhas, embora o direito de soberania seja exclusivamente para fins de exploração e aproveitamento, conservação e gestão dos recursos naturais, vivos ou não vivos, das águas sobrejacentes ao leito do mar, do leito do mar e seu subsolo, e no que se refere a outras atividades visando à exploração e ao aproveitamento da zona para finalidade econômica. Dentro das 12 milhas, onde o Brasil tem soberania absoluta, existe a possibilidade da passagem inocente, significando a rápida e contínua travessia de barcos estrangeiros por águas nacionais, sem necessidade de pedir autorização ao governo. Ressaltemos que as ilhas brasileiras (ex.: Fernando de Noronha) também possuem o mar territorial de 12 milhas. TERRITÓRIO BRASILEIRO POR EQUIPARAÇÃO Há duas situações que a lei brasileira considera território nacional por equiparação (art. 5.º, § 1.º, CP): a) embarcações e aeronaves brasileiras de natureza pública ou a serviço do governo brasileiro onde estiverem. Exemplo: o interior de um navio militar brasileiro ancorado num porto estrangeiro é considerado território nacional por equiparação. Nesse sentido, reiterando o preceituado no Código Penal está o disposto no Código Brasileiro de Aeronáutica, que menciona, no art. 107, § 3.º, o seguinte: “As aeronaves públicas são as destinadas ao serviço do poder público, inclusive as requisitadas na forma da lei; todas as demais são aeronaves privadas”; b) embarcações e aeronaves brasileiras, de propriedade privada, que estiverem navegando em alto-mar ou sobrevoando águas internacionais. Competência para o julgamento de crimes cometidos a bordo de embarcações e aeronaves É da Justiça Federal (art. 109, IX, CF), ressalvada a competência da Justiça Militar, do local onde primeiro pousar a aeronave após o delito (ou da comarca de onde houver partido), conforme art. 90 do CPP. Entretanto, o STJ tem dado uma interpretação restritiva ao conceito de embarcação, pois a Constituição Federal menciona a palavra “navio”. Entende-se por esse termo a embarcação de grande porte, autorizada e adaptada para viagens internacionais. Portanto, é da competência da Justiça Estadual a punição de crimes cometidos a bordo de iates, lanchas, botes e embarcações equiparadas. No tocante à aeronave, não há interpretação restritiva, mesmo que o crime seja praticado dentro de um avião ainda em terra. A lei penal e a Convenção de Tóquio Em 14 de setembro de 1963, o Brasil subscreveu a Convenção de Tóquio, que cuida das infrações praticadas a bordo de aeronaves, aprovada pelo Decreto 479/69. Pelo texto da Convenção, aplica-se a lei do Estado de matrícula da aeronave, com relação a todas as infrações penais praticadas a bordo nas seguintes situações: a) aeronave em voo sobre qualquer território estrangeiro; b) aeronave em voo sobre a superfície de alto-mar; c) aeronave em qualquer outra zona fora do território de um Estado. Segundo o art. 4.º, não se pode interferir no voo de uma aeronave, a fim de exercer a jurisdição penal em relação a infração cometida a bordo, a menos que “a infração produza efeitos no território deste Estado”, “a infração tenha sido cometida por ou contra um nacional desse Estado ou pessoa que tenha aí sua residência permanente”, “a infração afete a segurança desse Estado”, “a infração constitua uma violação dos regulamentos relativos a voos ou manobras de aeronaves vigentes nesse Estado”, “seja necessário exercer a jurisdição para cumprir as obrigações desse Estado, em virtude de um acordo internacional multilateral”. Assim, o que se constata é o seguinte: se um avião estrangeiro de propriedade privada estiver sobrevoando o território brasileiro, havendo um crime a bordo, o Brasil somente teria interesse em punir o autor, caso uma das hipóteses enumeradas no referido art. 4.º estivesse presente. Do contrário, caberia ao Estado de matrícula da aeronave punir o infrator. Ex.: um americano agride outro, em aeronave americana, sobrevoando o território brasileiro. Seria competente o Estado americano para aplicar a sua lei penal. Entretanto, o texto da Convenção de Tóquio entra em conflito com o disposto no art. 5.º, § 2.º, do Código Penal, com a redação dada pela Lei 7.209/84. Nota-se, por este dispositivo, que é aplicável a lei brasileira aos crimes praticados a bordo de aeronaves estrangeiras de propriedade privada, que estejam sobrevoando o espaço aéreo nacional. Logo, no exemplo citado, de acordo com o Código Penal, seria o autor punido pela lei brasileira, no Brasil. Mas, se fosse aplicada a Convenção de Tóquio, caberia a punição aos Estados Unidos. Em função da atual posição do Supremo Tribunal Federal, a lei federal, quando mais recente que o tratado, tem prevalência sobre este, suspendendo-se a sua eficácia. Embora os internacionalistas critiquem essa postura, pregando a superioridade hierárquica normativa do tratado diante da legislação ordinária, não é o posicionamento adotado pelo Pretório Excelso. Assim, caso o referido avião americano pousasse, após a agressão de um americano contra outro, caberia a entrega do autor do delito às autoridades brasileiras.
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