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Catharina Moura Fisiologia: Aula 09, 3º semestre – Medicina | UNIDOM equilíbrio dietético O consumo de carboidratos, gorduras e proteínas fornece energia que pode (1) ser utilizada para realizar diferentes funções do organismo ou (2) armazenada para posterior utilização. Para a manutenção do peso e da composição corporal por longos períodos, é necessário que a ingestão e o gasto energético sejam equilibrados. No entanto, existem dois quadros que contrapõem esse equilíbrio: a obesidade, condição na qual a ingestão energética excede o gasto de maneira persistente, o que induz o armazenamento do excesso energético em forma de gordura, resultando no aumento do peso corporal; e o outro extremo, a desnutrição, onde ocorre a perda de massa corporal devido a ingestão energética insuficiente para suprir as necessidades metabólicas. balanço energético Embora exista uma considerável variação entre as diversas pessoas, inclusive na mesma pessoa em diferentes dias, a dieta habitual na América do Norte confere ao indivíduo 15% de energia das proteínas, 40% das gorduras e 45% dos carboidratos. Em outros países, a quantidade de energia que deriva dos carboidratos excede consideravelmente a que é originada pelas proteínas e gorduras. De fato, o que se sabe, é que a necessidade diária média de proteínas é de 30 a 50 gramas, isso porquê, 20 a 30 gramas de proteínas corporais são diariamente degradadas e utilizadas para produzir outros compostos do organismo. Em função disso, as células devem continuar a formar novas proteínas para substituir as que estão sendo destruídas, e o suprimento dietético proteico é fundamental para esse fim. Além disso, os carboidratos e gorduras são “poupadores de proteínas” – ou seja, quando a dieta contém abundância nos primeiros compostos citados, quase toda energia corporal é proveniente deles, e pouca energia se origina das proteínas. Em condições extremas, após não haver mais carboidratos e gorduras, os estoques proteicos do corpo passam a ser consumidos rapidamente para gerar energia. regulação da ingestão de alimentos e do armazenamento energético A estabilidade da massa total e da composição corporal ao longo de extensos períodos requer que a ingestão energética se iguale ao gasto. Sabe-se que apenas 27% da energia consumida chega normalmente ao sistema funcional das células, sendo que grande parte dessa energia é convertida em calor, que resulta do metabolismo muscular e das atividades dos órgãos e tecidos corporais – o excesso de energia é armazenado como gordura, enquanto o déficit gera a perda de massa corporal (até que o gasto se iguale à ingestão ou que ocorra a morte). Ainda que a quantidade de energia armazenada nos indivíduos seja diferente, a manutenção do suprimento energético adequado é fundamental para a sobrevivência! Por isso, o organismo é dotado de sistemas fisiológicos que controlam e auxiliam na manutenção da ingestão energética, sendo eles: 1. Centros neurais que regulam a ingestão de alimentos: Primeiro, é preciso ter em mente os conceitos sobre as sensações relacionadas a regulação do apetite, sendo elas: (1) A fome é a sensação associada ao desejo por comida e é acompanhada de efeitos fisiológicos, como contrações rítmicas do estômago e inquietude, que fazem com que o indivíduo busque o alimento; (2) O apetite é o desejo por alimento, de um tipo particular, contribuindo para a escolha do que será consumido; e (3) A saciedade, por sua vez, é a sensação desencadeada quando a busca por alimento é bem sucedida. Todas elas são influenciadas por fatores ambientais e culturais, como também pelos controles fisiológicos que influenciam centros específicos do cérebro, principalmente o hipotálamo! O hipotálamo contém os centros neurais da fome e da saciedade, ou seja, vários centros neuronais dessa região são responsáveis por participar do controle da ingestão de alimentos, sendo eles: ▪ Núcleos laterais do hipotálamo: funcionam como o centro da fome, a estimulação dessas áreas induz a alimentação de modo voraz (hiperfagia) – quando lesados ou destruídos, existe a ausência do desejo por comida com progressiva inanição (perda de peso, fraqueza e metabolismo reduzido). ▪ Núcleos ventromediais do hipotálamo: funcionam como um importante centro da saciedade, sendo responsável por produzir a sensação de satisfação nutricional, que inibe o regulação da ingestão alimentar: aspectos fisiopatológicos da desnutrição na criança. Catharina Moura Fisiologia: Aula 09, 3º semestre – Medicina | UNIDOM centro da fome. Quando estimulado, provoca afagia (recusa a alimentação); quando destruido ou lesado, induz que o indivíduo coma de forma intensa e contínua, até a extrema obesidade. ▪ Núcleos paraventricular: quando lesados, induzem excesso de ingestão; ▪ Núcleo dorsomedial: quando lesados, ocorre depressão do comportamento alimentar; ▪ Núcleo arqueado do hipotálamo: são os locais de ação do hipotálamo em que os múltiplos hormônios liberados pelo TGI e tecido adiposo, convergem para regular a ingestão alimentar e o gasto energético. Juntos, os centros coordenam os processos que controlam o comportamento alimentar e a percepção da saciedade. Eles também influenciam a secreção de diversos hormônios que regulam o equilíbrio energético e metabólico, dentre eles os tireoidianos, adrenais e pancreáticos. E como ocorre a estimulação? De forma geral, o hipotálamo recebe sinais de diversos tipos e estruturas: (1) Sinais neurais do trato gastrointestinal, que fornecem a informação sensorial sobre o enchimento gástrico; (2) Sinais químicos dos nutrientes no sangue (glc, aas, ács grxs) – que significam saciedade; (3) Sinais dos hormônios gastrointestinais; (4) Sinais dos hormônios liberados pelo tecido adiposo; (5) Sinais do córtex cerebral – visão, olfato, paladar, que influenciam o comportamento alimentar. Os centros da saciedade e da fome apresentam uma vasta diversidade de receptores para neurotransmissores e hormônios que influenciam no comportamento alimentar, essas substâncias são classificadas como (1) orexígenas, que estimulam a alimentação; e (2) anorexígenas, que inibem. Nos núcleos arqueados do hipotálamo, existem neurônios e neurotransmissores que estimulam ou inibem a alimentação e regulam o gasto energético, sendo eles: (1) neurônios produtores de pró- opiomelanocortina (POMC), que secreta o hormônio α- MSH e o peptídeo CART; e (2) neurônios que produzem as substâncias orexígenas neuropeptídeo Y (NPY) e a proteína relacionada a agouti (AGRP). A ativação dos neurônios POMC reduz a ingesta alimentar e aumenta o gasto energético; enquanto a ativação dos neurônios NPY-AGRP tem efeitos opostos, elevando a ingestão e reduzindo o gasto energético. Os neurônios trocam informações constantemente e são alvo de hormônios reguladores do apetite, como a leptina, insulina, CCK e grelina. A imagem acima representa o esquema de feedback para o controle da ingestão alimentar: o estiramento dos receptores gástricos ativa as vias sensoriais aferentes do nervo vago, inibindo a ingestão alimentar. O peptídio YY (PYY), a colecistoquinina (CCK) e a insulina são hormônios gastrointestinais liberados pela ingestão de comida, suprimindo a alimentação adicional. A grelina é liberada pelo estômago, em particular durante o jejum, estimulando o apetite. A leptina é um hormônio produzido em quantidades crescentes pelos adipócitos à medida que eles aumentam de tamanho, inibindo a ingestão de alimentos. Catharina Moura Fisiologia: Aula 09, 3º semestre – Medicina | UNIDOM ▪ Via POMC: Os neurônios POMC liberamα-MSH, que atua sobre receptores da melanocortina (MCR), encontrados nos neurônios dos núcleos paraventriculares; dentre os receptores dessa família, os principais para essa situação são o MCR-3 e MCR-4, que quando ativados reduzem o consumo de alimentos e aumentam o gasto energético. Por outro lado, quando inibidos, induzem redução do gasto energético. O aumento do gasto energético pela ativação do MCR-4 é mediado, em parte, pela ativação do núcleo do trato solitário (NTS), que estimula a atividade do sistema nervoso simpático. Defeitos na sinalização dessa via estão relacionados a obesidade extrema! Enquanto a ativação excessiva reduz o apetite. ▪ Via NPY/AGRP: O AGRP liberado pelos neurônios orexígenos dos núcleos arqueados é um antagonista do MCR-3 e MCR- 4, e aumenta o consumo de alimentos pela inibição do α-MSH nesses receptores. A formação excessiva nesse peptídeo está associada a ingestão aumentada de alimentos e à obesidade. Além dele, também há o NPY, que é liberado os estoques energéticos do corpo estão baixos, fator que ativa os neurônios orexígenos e os estimula a secretar o neuropeptídeo Y, que estimula o apetite. Sobre os centros neurais que influenciam o processo mecânico de alimentação, temos que os reais mecanismos da alimentação são controlados por centros no tronco encefálico – responsáveis pela salivação, lamber os lábios, mastigar os alimentos e deglutir. Os centros neurais superiores ao hipotálamo também são responsáveis pelo controle da alimentação, principalmente no controle do alimento. Nesse caso, tratamos da amígdala e do córtex pré- frontal. 2. Fatores que regulam a quantidade da ingesta de alimentos: A regulação da quantidade ingerida pode ser dividida em regulação a curto prazo, que se associa à prevenção da superalimentação à cada refeição, e a regulação a longo prazo, que está relacionada com a manutenção de quantidades normais dos estoques energéticos do corpo. ▪ Regulação a curto prazo da ingestão: Associa-se com os fatores que desligam a ingestão de alimentos quando o indivíduo já comeu o suficiente, dentre eles, temos: (1) Plenitude gastrintestinal: Com a distensão do estômago e duodeno, sinais inibitórios são transmitidos pelo nervo vago para suprimir os centros de alimentação, reduzindo o desejo por comida através de um feedback negativo que limita o tamanho da refeição. (2) Fatores hormonais do TGI suprimem a ingesta: A CCK, liberada, principalmente, em resposta a entrada de gordura e proteínas no duodeno, entra no sangue e atua como um hormônio influenciando várias ações no TGI. Além disso, ela ativa receptores no duodeno que enviam mensagens para o cérebro via nervo vago que contribui para a saciedade e cessação da refeição. Outro hormônio é o PYY, secretado por todo TGI, mas especialmente pelo íleo e cólon, que é secretado principalmente após refeições gordurosas. A sua ação não está bem elucidada. A presença do alimento nos intestinos estimula a secreção do peptídeo semelhante ao glucagon (GLP), que aumenta a produção e secreção de insulina, dependente da concentração da glicose. Ambos, GLP e insulina, tendem a suprimir o apetite. A secreção de grelina, por sua vez, aumenta a ingesta alimentar. Ela é liberada pelas células oxínticas do estômago e também pelo intestino. Os níveis desse hormônio aumentam em jejum, com pico antes da alimentação, e queda rápida após. Quando administrada em animais, aumenta a ingestão de alimentos. (3) Receptores orais: A presença de receptores orais que identificam a presença do alimento através da mastigação, salivação, deglutição e paladar, são capazes de “medir” a quantidade de Catharina Moura Fisiologia: Aula 09, 3º semestre – Medicina | UNIDOM comida que passa ela boca, inibindo o centro de alimentação hipotalâmico após isso. ▪ Regulação a médio e longo prazo da ingestão: (1) Concentrações sanguíneas de glicose, aminoácidos e lipídios na fome e ingestão alimentar: Quando a disponibilidade de qualquer um dos três macronutrientes diminui, o desejo de alimentação é aumentado e retorna a concentração sanguínea dos metabólitos ao normal se alimentos estiverem disponíveis e forem consumidos – teoria glicostática da fome e da alimentação. (2) Regulação da temperatura e da ingestão de alimentos: A exposição ao frio induz o aumento da ingestão calórica, o que aumenta a taxa metabólica e fornece mais gordura para isolamento; enquanto a exposição ao calor tende a diminui-la. (3) Sinais de feedback do tecido adiposo: Quando a quantidade de tecido adiposo aumenta, o que indica o excesso de armazenamento de energia, os adipócitos passam a liberar uma grande quantidade de leptina, que circula para o cérebro e chega ao hipotálamo, atuando nos neurônios POMC e NPY/AGRP. A estimulação desses neurônios pela leptina resulta em: ▪ Diminuição de estimuladores do apetite pelo hipotálamo, como NPY e AGRP; ▪ Ativação de neurônios POMC, que liberam α- MSH e ativam receptores de melanocortina; ▪ Aumento da liberação de hormônios hipotalâmicos – ACRH, que atua na hipófise e induz a liberação de ACTH, que age na glândula adrenal e estimula a produção de cortisol e adrenalina; ▪ Aumento da atividade simpatica, que aumenta a taxa metabólica e gasto energético; ▪ Diminuição da secreção de insulina pelas células beta pancreáticas, diminuindo o armazenamento de energia. hormônios importantes ▪ Insulina: É produzida e estocada pelas células B das ilhotas pancreáticas – a sua secreção ocorre quando há aumento dos níveis glicêmicos e é potencializada pelas incretinas, dentre elas o GLP-1 e o polipeptídeo insulinotrópico dependente de glicose. De forma geral, apresenta efeito anabólico! ▪ Cortisol: É sintetizado na zona fasciculada (e reticulada) do córtex adrenal e a sua secreção depende da atividade do eixo hipotámo (CRH) -hipófise (ACTH) -adrenal. Não fica armazenado para secreção – é secretado sob estímulo! alterações dietéticas Existem três tipos de alterações dietéticas: 1. Diminuição da quantidade total de alimento ou desnutrição calórica total – marasmo; 2. Alteração na composição dos alimentos consumidos com prejuízo na qualidade da dieta – kwashiokor; 3. Aumento da quantidade de alimento ingerido acima das necessidades fisiológicas – obesidade. Catharina Moura Fisiologia: Aula 09, 3º semestre – Medicina | UNIDOM Em todos os processos existem grandes modificações no organismo, que precisa apresentar uma maior ou menor capacidade de adaptação, visando aproveitar as energias disponíveis com a finalidade de manter a vida. No marasmo, caracterizado pela magreza extrema, a perda muscular e depleção de gordura subcutânea são adaptações do organismo para proteger órgãos vitais, como o cérebro e o coração. Nesse caso, ocorre uma adaptação metabólica que se caracteriza por: ▪ Diminuição da insulina – devido ausência de substratos para o anabolismo; ▪ Aumento do cortisol – induz o catabolismo ▪ proteico muscular que garante fornecimento de aminoácidos glicogênicos, como a alanina; ▪ A manutenção de síntese de beta-lipoproteína contribui para a ausência de esteatose hepática. O kwashiokor, por sua vez, é o resultado de uma dieta pobre em proteínas, mas com consumo energético razoável. Esse quadro resulta de uma mal adaptação metabólica, na qual o fígado é comprometido, que se caracteriza por: ▪ Aumento da insulina – devido ao consumo de carboidratos; ▪ Diminuição do cortisol – não há estímulo ao catabolismo muscular; ▪ Hipoalbuminemia – comprometimento da síntese hepática de proteínas plasmáticas; ▪ Diminuição da síntese hepática de beta- lipoproteína. Nesse quadro, a formação de edema resulta da privaçãoproteica dietética, que leva a diminuição da aquisição de aminoácidos essenciais; em virtude disso, a síntese de proteínas plasmáticas pelo fígado se torna diminuída e passa a existir uma alteração na relação entre as proteínas do plasma e as proteínas intersticiais – com a diminuição da pressão oncótica plasmática, o fluído extravasa para o interstício. Além do edema, também se observa a hepatomegalia e esteatose hepática, que resultam da diminuição da síntese de lipoproteínas (principalmente Apo-B) pelo fígado, associada ao efeito da insulina no metabolismo lipídico, que induz armazenamento hepático – ou seja, com a diminuição das lipoproteínas responsáveis por retirar os triglicerídeos do fígado + a ação constante da insulina que induz o armazenamento hepático de ácidos graxos = hepatomegalia e esteatose. O kwasiokor marasmático tem relação com a ruptura do processo adaptativo, induzida por fatores além da alimentação, que repercute no desenvolvimento de uma resposta mal adaptativa – nesses quadros, infecções induzem o uso de aminoácidos essenciais para a síntese de citocinas em detrimento das proteínas plasmáticas, Apresenta características tanto do marasmo quanto do kwashiokor, edema generalizado, abdome distendido e hepatomegalia.