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Sofocles - Karl Reinhard

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Prévia do material em texto

possível fazer o texto falar por si mesmo, obrigá-lo a revelar sua
ordem interna? Talvez jamais cheguemos a uma resposta satis-
tatória a essa queståo. Contudo, o estudo mais atento do texto
indica muitas vezes justamente o que não pode ser dito sobre ele.
0 Sófocles do filólogo alemāo Karl Reinhardt (1886-1958), que o
leitor tem agora nas mãos, coloca na balança as diversas interpretações
das obras do tragediógrafo grego. Para isso, o autor acompanha de
perto o desenvolvimento da situação trágica em cada uma das peças,
fornecendo a tradução que julga mais adequada para passagens decisivas.
A tarefa do nosso filólogo tem um duplo sentido. Por um lado,
livrar as tragédias dasexegeses praticadas pelos programas humanísti-
cos e pela moda psicanalítica. Por outro, devolver a discussão sobre o
texto à sua origem, ao solo em que foi gerado, com especial ênfase nos
mitos que serviram de base para as tragédias. Se isso foi cumprido a
contento, só o leitor poderá julgar. Mas é inegável que Reinhardt ofere-
ce um dos retratos mais interessantes e instigantes já traçados sobre a
obra de Sófocles.
Sófocles nasceu em Colona, Grécia, no século V a.C. e participou
ativamente da vida política e religiosa de Atenas. Junto com Esquilo e
Eurípides, é considerado o principal tragediógrafo grego. Das mais de
cem peças que escreveu apenas sete sobreviveram até os dias de hoje, KARL REINHARDT
além de alguns fragmentos.
KARL REINHARDT segue a tradição filológica de Wilamowitz e de
Nietzsche eé autor, entre outras, das obras Parmênides e a bistória da
filosofia grega e A lliada e o seu poeta, ainda inéditas no Brasil.
Cód. EDU 352659
ISEN 926-65-230-0975-S
EDITORA
UnB
ete
SÓFOCLES
Aqurtetaenos exéLstanenteđas
situagöes sotodlatasOU,sese quser
eaiosotodlana entehonen peus
e entehomen@homen e con deto,
COmoeazedesenvOteena por cera,
peaporpaA GittOporesttgo
Posi queaeaáO entesfhomens
Eua pimerro ensUatoimaGSpeefea,
paubinanerteda eato entrebonem
eDeus, ao constiiuquasenenhuna
diferena paa a Antgucadese alarnos
desiuaao tága ouđohuñano
nenhumcOrsolo aolbonen, eGuando
ees điigem seu estino para gue ee se
Conbea ee seapreende conolhomem
apenasem seyentegarse e abandorarse.
Someneno despeikanento suN IStrCa
pareear đesuadsSSON6nca,tomandose
pOpTa gaibaroGiadodeymO
armonaon a den dvba Port50,0s
berostagcos te otodeséo ndvduos
5oados, gTaiados đesuas aze,
expssos(-)īTochva,o đeseaanent
oento Dã0serasentrdode nanelaião
đoloroa, oâotose GNOZaNentopor
DatureaEoproiundo
KRRANSARDTSoodesbtrodrro
FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA
Reitor
Timothy Martin Mulholland Kanl Ranhardi
Vie-Reitor
Edgar Nobuo Mamiya
EDITORA
UnB SOFOCLIESDiretor
Henryk Siewierski
Diretor-Executivo
Alexandre Lima
Conselbo Editorial
Beatriz de Freitas Salles
Dione Oliveira Moura
Henryk Siewierski
Jader Soares Marinho Filho
Lia Zanotta Machado
Maria José Moreira Serra da Silva
Paulo César Coclho Abrantes
Ricardo Silveira Bernardes
Suzete Venturelli
iiraitis;āie
@Blicầ® Pgraná
DETOR:A
Equipe editorial
Supervisão editoialReiane de Meneses
SonjaCavalcanti Acompahamento a SumárioMauro Caixeta de Deus Preparação deorioi
YanaPalankof Revisão
Reiane de Meneses e Sonja Cavalcanti ice
Suzana Guedes Capa
DanúziaMaria,Elizabeth Araújo, Jupira Correa e
FernandoM. dasNeves e Raimunda Dias Editoracão eletpa
Elmano Rodrigues Pinheiro Acompanhamentoeráicn
Prefácio.
Introdução..
Aja...
As traquinias...
Antigona...
Edipo tirano.
Electra .....
Goht© 1976by Vittorio Klostermann, Frankfurt am Main
Cotyight 2007 by Editora Universidade de Brasília, pela traducão
Título original:Sopbokles
Impresso no Brasil
7
9
19
Direitos exclusivos para esta edição:
Editora Universidade de Brasília
SCSQ. 2- BlocoC- n°78
Ed. OK-1° andar
70302-907 – Brasilia-DF
45.ee*e.
81
tel.: (061) 3035-4211
fax: (061) 3035-4223
www.editora. unb.br
www.livrariauniversidade.unb.br
115........
157
e-mailk. direcao@editora.unb.br
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta publicação
Filoctetes....
Éaipo em Colono..
Fragmentos.
Índice
Índice de passagens..
187
217
249
poderáser armazenada ou reproduzida por qualquer meio
sem a autorização por escrito da Editora.
Ficha catalográfica elaborada pela
Biblioteca Central da Universidade de Brasília
... 257
R369 Reinhardt, Karl. 261
Sófocles/ KarlReinhardt;traduçãode Oliver
262 p.; 23cm.
ISBN: 978-85-230-0975-5
I. Teatro grego. 2. Traducão. 3. Literatura grega.
Tolle.
Brasilia : Editora Universidade de Brasília, 2007.
4. Filosofia, 5. Estudos clássicos, 6. Teoria
I.Tolle,Oliver(trad.). II. Título.
erária.
CDU 875
Prefácio
Este livro não se destina a competir com trabalhos recentes sobre os
três poetas trágicos. Tampouco há lugar aqui para a celebração de Sófocles
que se encontra em alguns programas humanísticos. Pelo contrário, tentamos
realizar uma análise comparativa com a finalidade de arrancar a poesia das
formas explicativas usuais, que só obscurecem a interpretação das obras.
Foram acrescentadas notas críticas para aqueles que desejam saber na
sua especificidade as divergências de interpretação. As passagens traduzidas,
citadas ao longo do texto, não são nada mais do que um expediente e foramn
concebidas apenas para este trabalho.
Janeiro e julho de 1933
Reinbardt
Afora alguns aperfeiçoamentos e correções, a redação não difere da
primeira edição. As notas sofreram intervenções mais significativas, com es-
pecial atenção para as publicações especializadas mais recentes. Foi acrescen-
tado ainda um índice remissivo com nomes próprios e palavras-chave para
facilitar a consulta deste livro, o qual se encontra dividido em oito capítulos.
Outubro de 1941
Reinbardt
Nesta terceira edição, reintroduzimos a nota da página 218, omitida na
segunda edição. De resto, foram realizadas pequenas alterações nas traduções
e nas notas. A obra de C. M. Bowra, Sopbocleantragedy (Oxford, 1944), consta
como a publicação mais importante do período.
Junho de 1947
Reinbardt
Introdução
Sófocles é, desde o classicismo, um grande nome para nós; seu efei-
to, todavia, é ainda insignificante e impreciso. Que muito tenha sido feito
pelos especialistas e eruditos para apoderar-se dele completamente é algo
que dificilmente pode ser afirmado. Os tempos mostraram-se muito mais
favoráveis aos adversários de Sófocles na arte da tragédia. A era da formação
do Império Alemão, ávida pelo alargamento das fronteiras, hedonista e com
a personalidade inflada, soube adaptar-se não só ao helenismo, mas também
ao seu precursor, Eurípides, e fornecer a ele um rosto desenhado segundo
seu próprio senso. A descoberta incipiente do arcaico na linguagem e nas ar-
tes plásticas beneficiou Esquilo. Sófocles permaneceu ainda sendo o grande
nome, mas ficou entre esses outros dois como uma lacuna, e seja com que
fórmulas se tenha procurado interpretá-lo, como o clássico, o harmônico,
o enkolos, como o virtuoso arquiteto das cenas ou, ainda, como o portador
sacerdotal das crenças antigas, o arauto oracular da onipotência divina e da
nulidade humana: em todos os esforços, mal se tentou explicar os textos dis-
poníveis, prevaleceu o aspecto negativo. Descobriu-se mais, quando compa-
rado a outras qualidades, o que não é peculiar a Sófocles - que não se ocupa
nem da lógica do acontecimento nem da unidade do caráter, etc. - do que se
teve êxito em apreender a validade da lei de sua forma e o caráter simbólico
de seu mito. As tentativas recentes de superar essa contradição ou permane-
ceram apenas plenas de boa intenção ou resultaram problemáicas.!
Assim escrevemos há 14 anos. Entrementes foram publicadas duas apreciações mono-
gráficas cuja semelhança, apesar de todas as divergencias, deve ser reconhecida no fato
de que ambas partem de "pontos de vista" determinados: H. Weinstock,Sopbokes,1931,
já tendo sido publicada uma segunda cdição, reduzida, e A. V. Blumenthal, Sopbokks,
Entstehung und V'olkndungdergriecbischenTragödie (Sófocles, surgimento e apogeu da tra-
gédia gregal, 1936; a primeira foi determinada pela filosofia de Heidegger(a segunda
cdição não retomou parte do que havia de sistemático na primeirı ediçào), a segunda não
esconde seu vínculo com o círculo de George. Além disso, temos W. Schadewaldt,
Sopbokles und Atben ĮSófocles e Atenas], discurso de posse datado de 1935 em Leipzig
(ed. Klostermann, WssenscbaftundGegenpart7), que trata do problema biográfco com
grande estilo, denominando Sófocles de "autor nacional clássico" (Goethe, Litenarischer
(1)
10 Sófocles
Introdnção 11
Aqui trataremos exclusivamente das sitnações sofoclianas ou, se Se
quiser uma outra expressāopara isso, da relação sofocliana entre homem
Deus e entre homeme homeme, com efeito, como ela se desenvolve cenna
por cena, peça por peça, estágio por estágio. Pois jå que a relação entre
os homens resulta primeiro, em sua forma específica, paulatinamente da
relação entre homem e Deus, não constitui quase nenhuma diferença
a Antigüidade se falarmos de situação trágica ou do humano e do divino.
Para outros poctas, podemos tomar um outro ponto de partida, a saber.
sua vivéncia, sua interioridade, a idéia condutora ou o jogo dos caracteres
como espelhos do mundo e portadores de seu destino interior ou exterior.
etc. Assim, costuma-se dispor o mundo dos caracteres shakespearianos
segundo parentescos, classificações e graus, como que para constituir um
teatro mundial perante o tribunal do gênio: ali o caráter está situado diante
de seus semelhantes e do curso do mundo, não há nada entre cles nem
acima deles. Se se procedesse com Sófocles de maneira semelhante, logo
não teríamos mais nada nas mãos. Não que não houvesse também nele
algo como uma tragicidadede caracteres –e mesmo esse aspecto também
foi contestado -, mas isso constitui um aspecto secundário: algo de huma-
namente universal se eleva acima disso como mais våido, porém não aquilo
que é designado de "típico" pelo classicismo e sim algo de mortal, cercado e
delimitado pelos contornos de sua mortalidade em contraste com o pano de
fundo da divindade.
Os deuses de Sófocles não trazem nenhum consolo ao homem, e
quando eles dirigem seu destino para que ele se conheça, cle se apreende
como homem apenas em seu entregar-se e abandonar-se. Somente no despe-
daçamento sua essėncia parece sair de sua dissonância, tornando-se pura para
ganhar o estado de uma harmonia com a ordem divina. Por isso, os heróis
trágicos de Sófocles são indivíduos isolados, arrancados de suas raízes, expul-
sos: povoÚpEvOL, äpÀot, ppevòs oLoßarau e como os muitos outros nomes
que fornecem significado a isso. Todavia, o desenraizamento violento não
seria sentido de maneira tão dolorosa, não fosse o enraizamento por natureza
para
tão profundo.
O drama de Ésquilo não conheceu nada dessas raízes nem do seu
oposto, dessa espécie de nudez e de desamparo; homem, semideus ou he-
rói, não importa a posição em que se encontra, o personagem nunca está
sozinho, mas sempre inserido nas relações divinas e humanas. Não há nada
com que o personagem se depare que não esteja rodeado de modo ami-
gável ou hostil pelo divino ou que não seja infuenciado secretamente por
ele, seja ele Apolo, Erínia, Hera, Afrodite ou Zeus - e certamente sem
que ele isente o personagem de sua própria culpa e fira sua virtude, mas
tambémn não sem uma colaboraçāo secreta na sua culpa e no seu mérito.
De qualquer maneira que o personagem agisse ou sentisse, com nobreza
ou comn maldade, curvando-se ou consolando-se, em nenhum momento
ele dava um passo em direção à sua própria existência, isolada, presa em
si mesma, separada da existência comum. Mesmo o Prometeu de Esquilo
detém ainda um trunfo, pois, por mais afastado que esteja de Zeus, perma-
nece, todavia, ligado a ele. O herói de Esquilo poderia tornar-se vítima da
luta entre as ordens, ser terrivelmente abatido, caçado, acuado e supliciado,
mas não poderia perder, como o homem de Sófocles, de um só golpe,
sua complementaridade com o meio, seu comprometimento, e restar tão
desconhecido, abandonado e traído. Pois em Ésqulo nenhum dos âmbitos
puramente humanos já se tinha separado do universo do divino. Como re-
presentante do fim do arcaísmo tardio e, todavia, como aquele que desperta
as potências ainda mais antigas, as quais foram ressaltadas em seu tempo
com contornos obscuros muito mais pelo rito, pelo direito e pelos costumes
do que pela poesiae pela representação formada, Esquilo aponta mais para
a contradição, para a plenitude, para a distribuição, para a sujeição e para a
Sanscnlottismus,1795). Entre as aprcciações que tratam simultancamente dos três autores
trágicos säodignas de nota: Max Pohlenz, DiegriechischeTragödie, 1930, com um volume
de notas las variações da segunda edição de 1954 estão indicadas entre colchetes];
drversas informações filológicas; E. Howald, DiegriechischeTragödie |A tragédia grega),
1930, distanciada, objetivo, com grande destaque para os determinantes históricos,
psicológicos c sociais c para as restriçõcs genéricas feitas à tragédia; P. Friedländer, Die
griachischeTragidie unddasTragische. Die Antike I (1925) p. 295 e segs.
Daqui por diante será feita referência aesses últimos três autores, tal como na primcira
cdição, apenas com seus nomes.
A eles se acrescentam ainda, pelo lado italiano: Enrico Turolla, Saggio sulla poesia di
Sephoce,Bari, 1934 (2. cd., 1948|, dotada de um belo entusiasmo; pelo lado inglės:
TBL Webster, An introductiontoSophoces, 1936, austero nos critérios e nos fatos. Sobre
a literatura restante ver BursiansJahresbericht iber die Fortschritte der klassichen Altertumswis-
senschafi, 1938, p. 67 e segs, por A. V. Blumenthal.
Consultar também E. Wolff, SophokesNeueJabrbicher für Wisenschaft nndJugendbildung
7 (1931), p. 393 e segs.
Recentementeo problema cronológico foi tratado repetidas vezes, ao que me reportarei
mais detalhadamente nas notas do capítulo dedicado à peça As traquinias.
(2) Cf. a indicação de Friedländer (p. 303) sobre a solidão do herói trágico em Sófocles.
12 Sifocies
Introdação 13
sublevaçio das potèncias do que para o enigma da fronteira entre homem
e Deus; e se se quiser uma fórmula para cle vale muito mais o antigo dito:
"Tudo ć pieno depotėnciasdivinas": zárra dauórur nAńpy, do que seu
interpenetração do divino e do humano com uma força que certamente
não é esgotada com facilidade, mas que permanece, contudo, inteiramente
em harmonia. Quando o Aquiles de Esquilo recolhe o amigo morto, que
cle enviou à luta por causa da insistëncia dele, e com isso se lembra do ainas
líbio (Fr. 139, Nauck):
substituto "conheça-te a ti mesmo".
Certamente n2 tragédia sofochana também se impõe a vontade dos
deuses, coatudo não mais como poténcia continuamente presente, sempre
próxima, percebida no fazer e na cxisténcia do próprio homem; um dia ela
se impõe acde como algo essencialmente estranha, incomprecnsível, um aro-
ma proveniente de um mundo diferente do seu, diante do qual permanece
como salvaçãoapenasa humildade da "consciencia" sofociana, nãoa cristi,
etramundana, mas 2quela que, tal como o pessimismo, serve de estimulo
para os modernos Se o homem quer se orientar, entāo pode fazë-lo apenas
por meio doreconhecimentodeseuslimites -por assim dizer, por meio do
tatear sempre renovada, doloroso de seu lado exterior, o qual, semelhante a
uma pele desprotegida, frágil, delimia o humano diante da atmosfera e da
esfera das rclações demoníacas. E todaria se a hunildade da consciência"
não fosse tãoexaltada, o homem verdadeiro e grande não seria tão absoluto,
tão presunçoso, tão 2vesso à medida, devotado apenas à própria virtude, tão
ameaçadoe tão orgulhoso. Em um certo sentido, todos os heróis trágicos
de Sófocles são dissidentes O que vale para cles não vale segundo a me-
dida comum; o que constitui um centro para eles não é um centro para os
acontecimentos 20 seu redor. Uma das tensões que distinguem as situações
de Sófodes das de Esquilo e de quase todos os outros poetas trágicos tem
origem no fato de queo senido das falas não corresponde mais ao sentido
da situação em que clas são proferidas; no fato de que um sentido se afasta
do outronarelaçãode uma polifonia desarmoniosa, no que não se baseia por
úlimo 2quilo queseadmirz comoo efeito" de sua arte. Pois, a partir disso,
deseasore-se um jogo peculiar a Sófocles dos acordes, das seqüéncias, das
transições, e que se torna, quanto mais sua poesia progride no tempo, tanto
mais rico c ariculado e, por fim, mais íntimo e mais contido no exterior em
Aquiks. Assim falou a águia, ao ver
As penas da fiecha que a perfurava:
Assim sucumbimos a nada senão
As nossas próprias asas (-]
então, nisso, todo o sentido da Iiada, na unidadee na coincidência díispares
entre a limitação da vontade humana e o reinado divina, aparece comprimido
em uma única palavra. Quando Agamenon, a0 pisar nos mantos púrpuras,
que Clitemnestra ordena que sejam estendidos diante do seu carro, exclama
(Ag. 946 e segs):
Que, a0 pisar nesta púrpura, de longe
Não me alcance um olho divino de rápida visão!
a fala não está dominada, tal como a de Edipo, por uma aparencia enganado-
ra; o someo destino, o sentido da palavra e o poder secreto do instante são
umaco1sa só em um grau que, tal como no anos mencionado anteriormente,
quase deixa que a palavra se torne mais leve, mais concisa, em comparação
com a violência que se esconde atrás dela.O mesmo ocorre quando a Cli-
temnestra de Esquilo mente; ela o faz não apenas de maneira adequada à sua
espécie, ao seu "caráter", não apenas de maneira adequada às exigencias do
momento peigoso, decisivo, mas ela mente como seo poder de reger sobre
a hora presente tivesse sido conferido pelo próprio Zeus ao demônio da
mentira; a mentira de Clitemnestra está em concordancia com o cosmos de
todas as potências do destino; em nenhum momento ela mente por divergir,
dissimulada, confusamente ou em virtude da perturbação de um equilibrio.
A discórdia e a tensão entre homem e homem foram elevadas nessa cena
de embuste a uma unidade superior e a uma composição-em-um do gesto
humano e do reinado divino. Sequer o lo doPrometenprofere em seu delíio
uma palavra na qual não se revela inequivocamente o sentido no contra-sen-
so que é uma vítima ser ao mesmo tempo escolhida e perseguida pelo deus.
uma plenitude interiot crescente.
Assim, a arte dramática de Sófocles é comparada com a de Esqui-
lo como um sistema musical com outro. O que em Ésquilo permanece
mais profundamente gravado na memória, não levando em consideraçāo
cantatzs, hinos, trenos, etc., é uma profusão de certas palavras em certos
estadosdopressentimento, do estremecimento, da lamentação, do consolo
em que predomina o elemento do divino... Mas essa pregnāncia atesta a
14 Sófoxks
Introdução 15
De igual modo, certamente não faltam em Euripides, em oposiçao 1
Ésquilo,os deslocamentos, as tensões e as discordâncias entre um sentidoe
outro, todavia nele elas residem no âmbito da alma, quando nào no do psí.
quico,seja como a luta das forças ou potencias da alma umas com as outras
emcrimes, sacrificios e sofrimentos pavorosamente sublımes ou comoven-
tes,sejana relação de um ânimo enfurecido, de uma alma nobre exaltadac
ardentediante do poder das circunstâncias ou da resistència do ambiente
frio, vil e indiferente. Assim, fora do conflito da alma, o trágico da paisāo
se torna em Euripides uma tragicidade do protesto. Pois o justo" trata de
se emparelhar com uma das forças da alma, assim como a "utilidade" vil
com a outra, e quanto mais uma delas se funde com o ardor da alma, tanto
mais a outra se hrma no acontecimento mundano. De modo que, no fim,
tambémaoposiçãoentre "justo" e útil" - em conjunto com suasespécies
de jogo, suas torções, seus mimetismos iridescentes e seu contingente de
arüficiosdepersuasâo - se dá a conhecer apenas novamente como uma ou-
tra variante que implica igual tensão. Junte-se a isso as oposiçòes variegadas
do jogo de intrigas, das surpresas exteriores, as antíteses entre a inteligència
da vontade e do poder mistificado das circunstâncias, entre o nível social e
as desigualdades indignas; alie-se a isso também os revestimentos míticos
eos problemas contemporâneos, os conflitos entre o horror e a delicadeza,
entre a aparencia interior e o acontecimento, a alucinação e a efetividade
exteriores, entre o mascaramento e a nudez, bem como entre a fragilidade
e a aparencia enganosa dos gestos juvenis, e tudo o que ainda houver em
contusöes psiquicas de tal espécie, então ter-se-á certamente nào a totalı-
dade,massem dúvida uma compreensão de tudo aquilo que entra em uma
situaçãodramática de Euripides. Entende-se assim por que o helenismo
podese entregar com toda sua disposição a essa espécie de trágico, entende-
se por que Euripides é chamado por Aristóteles de o poeta "mais trágico":.
Poiscom Euripides surgiu pela primeira vez a espécie de arte trágica que nào
temmais suas raízes no culto e na crença, nas ligações de sangue, nem timi-
dezdiante daquilo que é do ámbito do arcaico. O trágico de Eurípides era
transmissivel,passivel de uso e de imitação, estava aberto para a posterida-
de,neleo romano podia permanecer romano quando o lia, e o mesmo vale
para o filho dos séculos XVI e XVI. Shakespeare não é descendente de
nenhumdos dois poetas mais velhos, nem interior nem exteriormente; nào
apresentaqualquerparentesco espiritual nem pode ser associado por meio
dalieratura,masprovavelmente descende do terceiro, Euripides - istoé
segundo sua espécie e não segundo sua grandeza. Ninguém se liga mais a
Eurípides do que Sêneca, o transmissor dopáthos para os séculos seguintes,"
e se o poeta romano em certo momento toma como modelo uma tragédia
de Sófocles, ela assume involuntariamente para ele, em primeiro lugar, um
aspecto euripidiano, antes que ele começasse a traduzi-la e ela ganhasse
importincia no páthose na fatalidade dos romanos. Assim, o drama de Eu-
rípides exerceu até o século XVIII e no classicismo alemão unma força de
assimilação e metamorfose estilística em retrospectiva, a qual só pôde ser
rompida após a ruptura completa com as origens do homem. Desde então,
também pela primeira vez é livre o olhar sobre a tragédia de Sófocles como
um florescimento ao mesmo tempo áticoe humano.
***
Sófocles começou com o drama religioso de estilo esquiliano. Seu
Triptólemo, com o qual o jovem de 28 anos obteve sua primeira vitória (468),
anunciava o poder dos deuses de Elềusis, tal como a Orestia anunciava o
poder dos deuses Delfos e Atená e o Prometen o reinado de Zeus. Sobrevi-
veram por meio de citações versos da fala com que Deméter envia o herói
ao mundo como anunciador de sua vitória, os quais, repletos de geografia
mítica, soam tão esquilianos, que nas tragédias salvas não há nada que se
compare a cles. Sobre sua trajetória interior, há ainda um testemunho do
próprio poeta, queé muito peculiar para não ser autêntico (Plutarco, Mo-
ralia, 79 b): ele primeiro se livrou da pompa esquiliana, depois da rigidez e
da artificialidade do seu próprio estilo, para, em terceiro lugar, se converter
na forma da linguagem, que é a "melhor e mais ética" (ethos igual a caráter).
Se com isso seguramente é aludido a um período de juventude, do qual não
sobreviveu até os dias de hoje nenhuma obra, todavia, é possivel reconhe-
cer por meio dos dramas que chegaram até nós unma tendénia que retifica as
obras descritas aqui.
Mas aqui ainda paira uma sombra sobre tudo isso. Falta-nos sensibili-
dade para saber se algo pode ser considerado primevo ou tardio, em germe
ou maduro. No que diz respeito a datas, só temos garantia do seu ano de
nascimento (496), da estratégia (441), da montagem do Filoctetes (409), da
sua morte (405) e da montagem do Edipo em Colono (401). Antigona é datada
depois da estratégia, com base na anedota que conta que seu sucesso favoreceu
(3) O. Regenbogen, Scbmerz und Tod in denTnagödienSenecas (Dor e morte nas tragédias de
Sènecaļ. orträgeder Biblkotek Warburg, 7 1927/28 (2. ed., 1963].
16 Sófoces
IntroduçãO 17
opoetanaseleições. Pode-se apenas esperar que atrás dessa associação entre
ocargopůblico elevado e o drama mais belo se esconda uma recordacão.de
ćpoca.De resto, a insegurança é tão grande queAs traquinias, por exemplo
sào atribuidas aos anos quarenta, trinta ou vinte, e, na maioria das vezes. à
penúltimadécadado século. A diferença é pouco menor do que se não tivés.
dois grupos há duas obras de transição: segundo a força mais intensa que
surge neles são designados como o período intermediário do pocta; trata-se
das obras traduzidas por Hölderlin.
Uma objeção será feita a isso: tais conclusões sobre o estilo e a época
são permitidas a nós diante de uma seleção de apenas sete obras dentre um
conjunto de mais de cem sátiras e tragédias? Não obstante, a seleção de obras
que chegou até nós não é fruto do acaso, nela reside o julgamento da Anti-
güidade e pode-se estar seguro de que cla não deixou de fora o que havia de
grande nem eternizou o que era insignificante.
semoscertezade que alhgenia,de Goethe, foi de 1780 ou 1820.
Agarantiaproporcionada por uma cronologia relativa torna-se aquiao
mesmo tempo meio e fim. Pois se por si a sequência temporal só tem impor-
tảnciaparaos eruditos, não obstante seu significado cresce tão logo o estilo, a
linguagem ea cena começam ao mesmo tempo a se transformar ao longo do
tempo. Inversamente, na medida em que se tomam as formas como ponto
de partida, pode-se apenas esperar que, ao interpretá-as, não se incorra em
arbitrariedades se as diferenças, que se acredita reconhecer, se confirmam na
seqüênciatemporal. Antecipemos logo o resultado: os sete dramas de noss0
volume dividem-se, segundo a linguagem e a forma cênica, em dois grupos
radicalmentedistintos: um, cujo centro é exclusivamente o "eu" dramático;
outro, cujo centro é cada vez mais já o "tu" ou o "vós" dramático. Ou: um
grupo é caracterizado por um destino monológico e, em oposição a ele, um
segundogrupopela predominância do aspecto dialógico, um grupo com for-
maspateticamenterígidas e sem transições, o outro com formas condutoras
ealternantes,tanto no elemento singular quanto no todo. Mas “monológico"
não deve ser entendido aqui como conversa consigo mesımo ou solilóquio,
nem como solidão, e sim como a espécie da cena, da linguagem e do mo-
vimento dramático com que um destino é revelado ao público, seja na sua
própria voz seja em uma estranha, sem se dirigir como figura a um segundo
personagem além dele, enredando-o e associando-se com ele. Entre esses
(4) O termo "monológico" não é, portanto, compreendido aqui no sentido de "exte-
riorização de si', como quer W. Schadewaldt, Monolog und Selbstgespräch [Monólogoe
solilóquio]. NuePhilolagiscbeUntesuchungen|2. ed., 1966], que surge em todos oslugares
"onde umpersonagemse torna portador consciente de um destino impressionante
menteabsorvente" (p. 36), o monológico resulta muito mais do jogo de forças nacena.
A "exterionização de si", patética, e a recitaçāo possuem, na verdade, teórica, psicoli-
gica c estilisticamente formas diferentes, mas na prática são coincidentes. É peculiara
ambasqueelasnão sâo "dialógicas", isto é, do ponto de vista da cena não são dirigids
a um outro personagem. Se há um outro personagem presente para ouvir a recitaça,
nem por isso a cena está voltada para esse ouvir. Além disso, ela pode evoluir pad
uma"exteriorizaçãode si' sumamente patética, como no anagnorismo de Edipoe
Electra,que, todavia, não é monológico, mas altamente dialógico no que diz respeo
a cena, na medida em que a tensão entre dois personagens domina a cena, mesmo 1
onde a fala carregada de afeto se enrijece em si mesma e, do ponto de vista psicológico,
permanece "exteriorização de si". De igual maneira, algo aparentemente dialógico
pode ser, na verdade, "monológico", na medida em que um conteúdo é comunicado
a diversos locutores, e as falas são separadas umas das outras e não são arquitetadas
como dois pólos opostos. No entanto, uma justaposição que, aparentemente, por
exemplo, é psicológica pode se tornar uma oposição tensionada do ponto de vista da
cena, e assim por diante.
ed
Ajax
Ajax é um drama que não começa antes da catástrofe, mas com ela
ou depois dela. O que constitui essa tragédia não é o modo como Ajax se
indispõe com Odisseu e com os átridas, ou como ele, defraudado das armas
de Aquiles, decide se vingar, ou ainda a maneira com que é acometido pela
loucura – como poderia parecer, já que são motivos altamente dramáticos -;
pelo contrário, como em umfortissimo, o drama tem início logo no prólogo
com o chamamento do louco. Aí é inserido um corte e, como se houvesse
um novo começo, segue-se a melancolia ea morte de um Ajax inteiramente
consciente de seus atos (primeira parte) e a disputa em torno de seu sepul-
tamento (segunda parte). Temos aqui uma espécie de drama de catástrofe,
que indica aos homens, desde o começo, como devem se conformar com seu
destino, o qual está decidido' Não obstante, de modo algum tal sentido e cons-
trução sāo algo comum ao teatro ático. Ajax é a única tragédia dessa espécie
que chegou até nós. Mas, dentre todas as tragédias de Sófocles, ela também
é única pelo fato de que no seu começo entra emn cena um deus visível e
aponta para a vítima de sua cólera. Diante da tenda de Ajax, Odisseu escuta a
voz de sua protetora, Atená, visível no esplendor de sua divindade apenas ao
espectador e ao louco. Atená exorta Ájax, sua vítima iludida, a sair da tenda e
o ilumina, como se o guiasse e estivesse ao seu lado, enquanto o denuncia ao
seu inimigo. Com isso, ainda não satisfeita do horror, ela fornece a ele ainda
um ensinamento de ponderação sobre o ocorrido (v. 118 e segs.).
Atená: Ignoras, Odisseu, o poderio dos deuses?
Que homem o igualava em clareza de pensanmentos?
Quem, quando necessário, era tão senhor de seus atos?
De fato, desconheço. Todavia, cai sobre mim a desgraça de não
Saber se a miséria dele se equipara à inimizade para comigo:
Odissen:
Não é possível encontrar nessa peça o que denominamos de ação dramática se não
sabemosantecipadamente que devemos encontrá-la", Tycho von Wilamowitz-Mocllen-
dorff, DiedramatischeTechnikdesSopbokles (A técnica dramática em Sófocles]. Philologiscbe
Untersuchumgen22 (1917) p. 51.
(1)
20 Sófodke
Ajax 21
Ao redor dele o infortúnio gira como se ambos fossem um só.
E, se medito em seu destino, penso no meu próprio:
Poisvejo, agora, que todos aqueles que vivem não são mais
Do que a imagem de um sonho, a densidade de uma sombra.
sofocliano pertence ao período de juventude ou de maturidade?E um recur-
so elaborado ou primitivo?
Devemos a uma descoberta recente a possibilidade de fornecer uma
resposta a essas questões. A singularidade do Ajax não deve ser atribuída a
uma imperícia ou a uma obstinação do poeta; nela se faz sentir, antes, um
modeloe mostra-se um estilo ainda preso ao arcaico. Apenas agora, graças
a essa descoberta, podenmos avaliar o quanto Sófocles, nas palavras da Vita,
"aprendeu de Ésquilo". Mediante ela sabemos agora com segurança que
Ajax é uma das primeiras obras de Sófocles. Dentre as obras que chegaram
até nós, cla é a mais antiga, mais antiga ainda do que Antigona, que muitos
consideram ser a primeira.
Atená Então về e resguarda-te de que tua boca
Não pronuncie diante dos deuses nenhuma palavra de arrogāncia!
Não te infles como se a profundeza de teu reino,
Como se o poder de tua mão se equiparasse à de outros!
Um dia ergue todas as coisas humanas,
Um dia as leva à ruína, mas permanecem amados dos deuses
Aquelesque refletem, odiados os que procedem mal.
Sobre a questão da datação ver o verso 1295 do Ajax. A repreensão de Menelau por
Teucro em razão do passo em falso de sua mãe não deve servir de argumento para
a datação. A história é bastante peloponesiana: uma aventura amorosa malsucedida
entre Aeropa e um escravo, antes de ela se tornar mãe de Agamenon e de Menelau.
Em 438, cla foi representada por Eurípides in extenso na sua obra Asaetenses. Que a
genealogia empregada por Eurípides e Sófocles não é inteiramente coincidente foi
provado por Pohlenz, GriechischeTragödien (Tragédias gregas], caderno de notas, p. 51
[p. 78 na segunda edição]. Wilamowitz (Berlinische Klassikertexte v. 2, p. 71) acreditou
ainda que Sófocles fazia comisso alusão ao drama euripidiano. Mas se admitirmos que
se trata de uma alusão a uma tragédia, então o próprio Sófocles escreveu um Atrens
e não menos do que duas Tiestes, nas quais se podiam encontrar casualmente temas
semelhantes. Quanto ao problema do vólos, também nele o encontramos repeidas
vezes, por exemplo, no Aleadai, fragmentos 83 e 84.
Famosa e muito discutida foi a disputa de ambos os reis em Argos, antes da partida para
Tróia, com o que tem início Teléfo, de Eurípides (Fragmento 723 Nauck): Agamenon:
Emáprny čAayes, kevqy kóquet, ràs ôè Muxývas jueis dig.
Mas não parece evidente o motivo para que esse verso de Eurípides seja o modelo
co verso 1102 do Ajax de Sófocles a cópia. No Ajax, o verso correspondente soa:
Znáprnsdvágawv¡A0es,ouy ipv Kparüv.
Nessa passagem, Teucro expressa-se como um ateniense. Zúupayos significa "aliado".
Certamente não há aqui ligação com o Ajax. Por isso a quantidade de vocábulos ao
longo dessa passagem para a designação da força de comando: apxjs Beauós, dvágoew,
KOAáZew ., e tanbém com Koquelv. O modo arrogante com que a estirpe real de Es-
parta repreende, por meio de nothos salaminiano, tange o elemento da política. Esparta
não decide sobre aquilo que não lhe diz respeito. A soberania do Ajax salaminiano não é
menor que a do rei de Esparta. Antes de 446, a integridade do domínio ático era ameaçada
por Esparta, e cla de fato chegou a interferir. Com o Acordo de Paz de 446 qcorreu a
demarcação das frontciras entre as potências e, perto do fim do periodo de paz, não era
Atenas que tinha de se queixar da infAuência de Esparta, mas vice-versa. Retroceder o
Ajax ao tempo da Guerra do Peloponeso é impossível em razão do seu estilo.
O mesmo ocorre com o canto do coro contido no verso 1185, no qual se faz referência
às condições contemporåneas mediante a maldiçāo de todas as guerrasea comparação
(3)
A fala da deusa repressora e o começo depois da catástrofe são ambos
acontecimentosúnicos no gênero e, sem dúvida, causaram estranhamento.
Quem não se deu por satisfeito com divagações de cunho estético creditou a
deficienciaestrutural da peça a um certo "primitivismo" do poeta ainda năo
inteiramenteseguro de si". Procurou-se minimizar o efeito desse didatismo
ofensivo, do fabnladocet, com a interpretação de que é dirigido apenas ao ou-
vinte e de que está separado da ação: como se Sófocles usasse a deusa para
expor algo à propos.. Não obstante, o caráter do divino e essa entrada em
cenaestãoem relação direta com a catástrofe. O ensinamnento proferido pela
deusa, por mais que cause estranhamento esse seu aspecto de estar além da
moral,acrescentaàsua intervenção um sentido que não deve ser desprezado:
eis o homem diante de Deus!
Mas a que se deve isso? A matếria do Ajax já estava dada na epopéia,
na "liada Menor" ou no Aiiopis, mas não é indicado qual o papel que Ate-
nádesempenhavaali; é certo, contudo, que não era esse. Na Iiada, Atená
ilude o acuado Heitor para conduzi-lo às mãos de Aquiles. Mas a Atená de
Sófoclesainda ultrapassa em muito a Atená de Homero: além de tudo, ela
ainda joga com o traído. E justamente esse indicar, apontar, colocar à vista,
étão poucoépico quanto possível; sobretudo o ensinamento acrescentado.
de-Contudo,sesua origem não repousa na epopéia, no mito Sagel, a que
vemosentão atribuí-la? Trata-se de uma característica peculiar a Sófocles
Por que então ela não está presente nas suas outras obras? E se é um traço
2) Ct. Pohlenz, p. 174 (2. ed., p. 172] e nota da mesma página.
22 Sófodk:
Ajax 23
Isso se deve à descoberta de um papiro com fragmentos daNiobhe
de Esquilo. As exiguas 22 linhas, apagadas à esquerda e à direita, são de
fecundidade inesperada para a história da tragédia. Da mesma maneira que
Ajax, Niobeera uma tragédia do aniquilamento, que começava apenasdepoi;
da represålia da divindade, depois de uma arrogância desmedida com o so.
frimento dos desafortunados; um drama do rancor mudo, da dor surda,da
necessidadede se conformar com o horror do destino; uma exposição de
estadospatéticos,que não resultou em mais "açāão" do que no Ajax. Assim
como Ajax, depois de retomar a consciência de seus atos, está sentado,
mudo, fechado em si mesmo, ponderando sobre seu destino, assim como
ele rompe com seu silêncio diante do apelo de seu próximo e se mostra
em seu sofrimento para se despedir do seu pequeno filho, recolhendo-se
logo em seguida, de maneira ainda mais violenta, em sua tenda e se fe-
chando novamente em seu silêncio; assim também Níobe estava sentada,
em sofrimento mudo, "metade do drama sem palavras", escondida junto
ao sepulcro de seus filhos. Aprendemos com essa descoberta que, da mes-
ma maneira que Atená aponta para o louco, também a mãe imortal, Leto,
reveland0-se em seu poder, aponta para a mãe mortal, Níobe; e tal como
Ajax se jacta de seu heroísmo diante de Atená, também Níobe se gabou de
sua vasta prole diante de Leto. Além disso, o que a deusa acrescenta para
ponderação em Esquilo é surpreendentemente semelhante àquilo que é
colocado na boca de Atená no Ajax:
Leto:. Então vede vós o término das bodas:
Há três dias ela está junto ao sepulcro,
A sobrevivente meditando sobre os mortos,
Maltratando a pobre beleza de sua estatura,
E todo o seu brilho não é mais que uma sombra.
Em vão virá o senhor Tântalo,
Pleno de zelo e cuidado para preservá-la [.]
Édito a vós – pois não sois ignaros -
Deus amadurece uma culpa no homem,
Se quer destruir uma casa até suas fundações.
Por isso atente o homem, nutrindo com cuidado
As bênçãos dos deuses, para não se vangloriar!
Mas aquele que é acometido pela sorte jamais se empenha
De se livrar do que Ihe é caro e está em pedaços.
Também ela, como se a beleza de seus filhos a afetasse [.]
37
"ohGt
Peculiar às duas tragédias é o mesmo estilo do tornar visível, da ex-
plicação gnômica, a mesma consciência do destino por parte do implicado;
antes disso já era famoso o seguinte fragmento:
entre as alegrias da paz na cidade de Atenas, as coroas, as taças, as flautas, as noites de
amor, Eros - alegrias dos aristocratas áticos – e a desolação dos charcos do campo
de batalha. A nostalgia ecoada no Súnion que retorna é mais compreensível em uma
época correspondente a essas condições do que no longo período de paz quesucede
os quarenta anos de guerra.
W. Buchwald, StudienzurChronologie der attischen Tragödie –455 bis 431 [Estudos sobrea
cronologia das tragédias áticas – de 455 a 431]. Diss. Königsberg 1939, p. 49 e seg, tenta
demonstrar com novos argumentos o Teléfo de Eurípides de 438 como terminnspost
quempara Ajax. Não resta dúvida de que o Teléfo de Eurípides serviu de estímulo para
Sófocles no seu discurso agónico (disputa entre os átridas e Teucro), o qual vai atë
os limites do suportável. Mesmo se concordarmos que o insuportável é com certeza
desejado em uma peça, no Teléfo todavia a disputa entre ambos os chefes de armas se
suaviza.No Ajax, os átridas estão todos de acordo. E a disputa que Teucro travacontra
os átridas em nome do morto estava, se tanto, prefigurada na epopéia. Se a cconomia do
drama não permitia que cle precedesse, como na epopéia, o suicídio, todavia é aludidoa
hostilidadedos átridas por meio de todo o drama, isto é, o conflito é preparado. Nada
dissose encontra noTeléfo. Não há qualquer vestígio no Ajax da essência completa da
querela política de Eurípides. Falta a pergunda: guerra ou paz? Falta todo o objeto de
discórdia euripidiano. Então, Sófocles, se não tivesse sido estimulado pelo Telio, nao
poderia ter composto o Ajax?
(4) A questão do personagem que detém a fala foi vivamente discutida, uma vez que os
seus complementos se guiam, em parte, pela resposta dada. Os primeiros versos são
considerados fala de Níobe pelo primeiro editor Vitelli e recentemente por A. Lesky,
Die Niobedes Aischylas ([A Niobe de Ésquilo), Wiener Studien 52 (1934) p. 1e segs. W.
Schadewaldt, Die Niobe desAischylos [A Niobe de Ésquilo], Sitzungsber. der Heidel-
berger Akad. 1934, 3. Abh. (com um rico comentário) e outros a interpretam como
um diálogo entre uma confidente e o corifeu.A minha interpretação, de que a fala é
de Leto, fundamentei na primcira ediçãoe, de maneira mais completa, em Hermes 69
(1934) p. 233 e segs. A. Körte, que em Hermes 68 (1933) p. 252 e segs. creditou a fala a
Níobe, aderiu à minha opinião em Arcbiv fürPapyrusforschung11 (1935) p. 249 e seg. Os
úlimos tratamentos dessa questāo são de Carl-Ernst Fritsch, NeueFragmentedesAischylos
undSopbokles (Fragmentos inéditos de Ésquilo e Sófocles]. Diss. Hamburg 193ó p. 25
e segs., e A. V. Blumenthal no Jabresbericbt iber Sopbokles de 1938, p. 134 e segs.
No que diz respeito ao verso 11 kópuorpa (ver Lesky, p. 12 e seg.) deve ser notado que
toda a ação desse drama residirá de fato apenas nas tentativas vās de afastar Níobe do
túmulo de seus filhos, junto ao qual ela definha e onde por fim se transforma em pedra.
Não é possível compreender por que as crianças deveriam ser levadas para casa.
24 Sifoaky
Ajax 25
Tântalo: O meu destino, que se elevou aos céus,
cai sobre a terra e se dirige a mim com essas palavras:
Desaprendea te maravilhar tanto como que é humano!
nas tramas de seu delírio, de outro, a implacabilidade e a ironia da vontade
divina. Nem mesmo em Esquilo, apesar do horror de que são capazes seus
deuses. E um aspecto peculiar a Sófocles que a intençãoe a representação de
verdade de um homem resulte, no que o cerca e nele mesmo, em uma con-
tradição tal que tudo o que esse homem fizer e disser tornar-se-á escárnio da-
quilo que quer e em que acredita. Isso se mostra pela primeira vez no prólogo
do Ajax, ainda que em uma forma herdada, e repetir-se-á de algum modo e
com certa variação em cada uma das obras posteriores. E seessa mesma con-
tradição parece mais leve e casual do que terrível e central nas obras tardias
Elctra, Filoctetese Edipo emColono, ela surge, contudo, de modo igual no final
para, enfim, constituir no segundo Edipo uma das cenas mais intensas.
Assim como no Ajax entra em cena Tecmessa, suplicando em vậoan
herói, da mesma maneira Tântalo se dirigiu em vão a Níobe para consoli-la
e animá-la para a vida... E embora não conheçamos o conteúdo restante da
Niobe, sabemos agora, com segurança, a partir dos fragmentos, que Ajax e
Niobe são obras do mesmo gênero.
Todavia, é a partir da identidade da forma exterior que se torna ainda
mais clara a diferença interior do trágico nos dois autores. Em Esquilo, o
declínio atinge toda a família; o esposo e o pai são acometidos pela mesma
ruína... Niobe representa o destino de toda a linhagem, a qual tinha floresci-
doexcessivamente. Na obra de Ésquilo, o indivíduo não está sozinho por si
mesmo, nem se apóia em si mesmo. Apenas em Sófocles o arruinado aparece
como indivíduo singular,povovuEVOs,separado do todo queo sustentaeo
conserva. Se ainda deve ser criado forçosamente espaço para o "monólogo"
de Ajax no seio desse drama, então isso é, como signo do irrompimento
de uma nova linguagem, simultaneamente expressão mais forte e emblema
histórico notável de uma nova consciência trágica, conhecida apenas a partir
de Sófocles. O que caracteriza a relação entre ambos os autores é o fato de
que Esquilo, na obra que trata do mesmo tema, As traquinias, em vez de se
valer do monólogo, ainda estava preso ao modo antigo do relato, sem usar
dalinguagemdo eu" dissociado, preparado para o término de sua vida,mas
Todavia, o que mais tarde se revela no interior do destino humano
aparece aqui na figura do deus em pessoa (v. 71-117):
Ati, que fazes cativos os braços dos que foram
Atingidos por tua lança, me dirijo: sai!
Ordeno-te, Ájax, comparece diante de mim!
[.-]
Mais uma vez te exorto, Ájas!
Assim te portas com aquela que vem em teu auxílio?
(saindo com o chicote ensangüentado, no qual mantém cativo
um carneiro, e não Odisseu)
Salve, Atená! Salve, flha de Zeus!
Viestes bem em meu auxílio, deves ser recompensada
Com troféus de ouro pela captura.
Atená:.
Ajax:
empregando a descrição do fim desventuroso.
Contudo, só é possível compreender a incompatibilidade entre o trági-
co do Ajaxeo da Niobe a partir da constatação de que cada uma das obras é
condicionada por uma espécie diversa do divino. Em Sófocles, a deusa exerce
seu jogo com o indivíduo mortal. Nem na lenda de Ajax nem em qualquer
outrapoesiaconhecida encontramos em forma tão terrível um jogo seme-
Ihante e o que está ligado a ele: de um lado, a confusão daquele que está preso
Atená. Honras-me. Mas dize-me, também
Manchaste tua espada com o sangue dos argeus?
Atená: Se assim se encontra o teu coração,
Deixa estar, não reprimas teus desejos!
Mãos à obra. Peço-vos, todavia, que
Estejais sempre ao meu lado como guerreira.
Ajax:
5) Aparentemente,distarnciando-se da epopia, Sófocles transformou a loucura emuma
astúciadadeusa protetora. Na epopéia, Atená podia desviar a loucura irrompedoura
para o rebanho. Em Sófocles, ao contrário, a loucura tem início apenas com aquela
ilusãopela qual a deusa protege os gregos (v. 51). O plano da vingança não é ainda em
si loucura alguma e também não suscita remorsos. Evidentemente, isso é fito para
comprometer ainda mais o herói.
coi & ėpieLa: do contráio se diz durante a prece youvoüuau, Aíagouau e coisas seme-
Ihantes. Ali se mostra a mesma atitude – Kóumos -, tal como no verso 774.
(6
Sófocdes26
Ajax
27Odisseu"bom".Sedermosouvidos àdeusa, então Ajax é m
mildade-aumareligiãogrega,semdúvida, e não a uma cristā -
porém,silenciasobre o fato de Ajax ser
tamentetanto um colosso de força fisica como detento.
Seriaentào a deusa cega para aqulo que Odisseu về e
Ese modo de julgar, todavia, é proprio apenas à religião da
reigjao,
orande homem, um herói,cer.
Ciro salva da fogueira seu inimigo Croiso - que “é um homem como ele
mesmo'-, "pensando no fato de que nada de humano tem bases firmes e
seguras". Todavia, como se torna aprofunda aqui, por meio doeccedo drama-
turgo, a oposição entre sorte e infortúnio para o contraste entre o endemo-
rca fisica como detentor de grande co
coração.
sente? Nãoobstante
niado e o liberto da possessāo!
domínio
Com o canto de entrada do coro, a ruína dos senhores ressoa nos
temores de seus subordinados. Impelida por rumores terriveis, a multidão
dirige-se a um único homem, os pequenos acorrem àquele que é grande.
Tecmessa sai da tenda e interpela a multidão ansiosa por respostas. O medo
diante dos perigos que ameaçam os senhores e seu séquito no refúgio violado
se alterna com a notícia de um Ajax inicialmente enfurecido e, logo a seguir,
já consciente. Assim surge um melodrama, todavia ainda de espécie antiga,
no todo ainda apenas como eco e chamado intensificado do destino que
acomete. Mesmo que mais simples e mais breve, semelhante aqui é o papel
desempenhado pelo párodo em Astraquinias.A configuração torna-se poste-
riormente mais rica." Pois, embora no Ajax se alternem duas vozes na forma
de indagação e de resposta, comparado ao desdobramento mais tardio, mais
animado [bewegteren],o tom permanece monótono e a postura identica, falta
entre o começoeo fim da peça a alternância de situações, falta a reviravolta.
Isso se evidencia ainda mais na ausência de um final grandioso, resultado de
umcrescendodramático. Em compensação, por meio da presentificação, da
descrição lírica, das invocações e da riqueza de figuras, a linguagem é consa-
grada de um modo ainda mais obstinado a um destino cordeal, que é fonte
de lamentos de todo o tipo. Nos coros refletem-se os estágios de desenvol-
vimento percorridos pelo estilo episódico. Os cantos são como as cenas no
aquestão da moralidade do divino evidentemente não passa pelo do
doseureinado.Poisjustamenteseu sentdo - não se levando em
apariçãonaepopéia - pareceser o de que ela delimita e circune
daquilo que é do homem e que pode ser medido com a medida humar
do Ajaxépico,
Deus,
astu-
Mas,assim como o Ajax dissidente vai além da figura do Ái
tambémOdisseu, como sua contraparte, como o resignado temente a
como o homem que se reconhece no outro, deve ultrapassar o Odiss.
to retratado na epopéla. Dessa maneira, a oposição arcaica entre o oinantee
oesperto,entre o argueiro eo escudeiro,entre o indivíduo ágil, engenhoso
eadaptado,de um lado, e o individuo enraIzado, decidido e correto, do tro
evoluiu-ultrapassandoafigurahomérica espiritualızada - para doismodos
diversosde conduta perante o destino.' A fragilidade do indivíduo trágico a
intransigéncia e a infexibilidade de seu heroismo contrapõem-se à prudência
eàsegurançadaquelequeestáem conformidade com seu destino -a impie-
dadede Ajax, movida pelo orgulho e pela ambição doentia de massacrar os
aqueus,em face da humanidade de Odisseu reencontraremos mais adian-
te essamesma oposição na dureza de Antígona e na suavidade de Ismene.
Acomparaçãodos personagens preservados, não trágicos, de obras poste-
riores- não édiferentearelação entre Creonte e Edipo– com esseestágio
estilísticoanterior do Ajax mostra que não há aqui ainda qualquer tensãoou
lutaentreos opostos. Cada personagem é suficiente por si mesmo, um desu
no em simesmo,e, em vez de voltado para o outro personagem, encontra-
distantedele. EmSófocles, uma arte do pột em evidência e do contrasta1
nguraseprecedida por uma arte do recolhimento e do ensimesmament
Edipo rei, mais fechados, tensos, acabados, etc. Por esse motivo, o estágio
estilístico anterior do Ajax é mais rico enm imagens, até mesmo nos diálo-
gos; a linguagem assume um tom mais heróico. Dessa maneira, encontramos
Comparações patéticas somente no Ajax e em As traguinias. Não veremos
De modo inteiramente diferente é o canto de abertura de estilo tardio no Filoctetese no
Edipo emColono: duas vozes, matizadas nmusicalmente, alternam-se em um movimento
verdadeiramente rítmico. Dessa mancira, noFiloctetes- no qual a relação entre o herói
eo homem pode causar a impressão de ser semelhante – há uma alternância entre
descjo pelo saber e explicação, cntre lamentação c esclarecimento, entre maravilhar-
se com a referência ao futuro e, por fim, com um movimento intenso de aceleração,
a interrupção do canto alternante por mcio da percepção dos passos daquele que se
aproxima e, ao mesmo tempo, por meio da inversão da poSição daquele que pergunta
e daquele que responde. Aqui, no Ajax, não encontramos ainda nada de semelhante.
(8)
quereconheceseu destino é retomada pela novelística relhigiosa e P
mente, jaestavaprefigurada nela, Odisseu tem em comum com o
ncontrontação entre aquele que é acometido por seu destino e aquee
rel
le
Heródoto (I 86) o temor diante da queda da grandiosidade humana, ja 4ue
Sobrea pré-história da figura de Ájax como a do gigante,
mon,conferirP. Von der Mühll, DergroßeAias (O grande Ájax]. Rektoratsprog
Tela-Ajax como a do gigante, do ilho do gigante
UmiversitätBasel, 1930.
28 Sófdkr
Ajax 29
novamenteemobras posteriores um tal acúmulo de sons e de imagens, como
sepode verificar logo no início do Ajax, quando a deusa se revela a Odissen Tecmessa: Permaneceu sentado em silêncio no centro da tenda
E então me ameaçou com palavras duras,
Se não comunicasse a ele toda a sua desventura [...
(r.7eseg):
. estásnocaminhocerto,
Comoque conduzido pelo faro certeiro de um mastim [..J,
Aten.
Todavia, agora que a má sorte o atingiu,
Permanece sentado imórel, sem comida e bebida,
No centro da carnificina causada pela sua espada.
e quando Odisseu responde a ela (15 e segs.):
Se, como exemplo de uma exposição tardia da loucura, compararmos
Odisseu:. O vosso chamado é claro, e embora meus olhos não vos vejam, esse personagem de Sófocles com o louco Héracles do drama de Euripides,
então o que naquele foi deixado de lado encontraremos neste, elevado à po-
sição mais importante da peça, a saber, a transformação da alma, o abrir de
olhos daquele que desperta. Assim, poderíamos presumir, trata-se de caracte-
rísticas peculiares a cada um dos autores. Contudo, essa distinção é desmen-
tida, em outros dramas de Sófocles, por um grande número de exemplos de
cenas de passagem e de mutação: como, no Filoctetes, a transição do persona-
gem emaranhado no engano para a verdade; como, na Eletra, a mudança da
última esperança para o desespero total; como, no Edipo tirano, a conversāo
do delírio em descoberta e, no Edipo emColono, a transformação do mais pro-
fundo agradecimento na vergonha mais profunda, para mencionar apenas
o mínimno. A mudança, em vez de ser evitada, passa agora a ser procurada
e, em vez de se esconder atrás das cenas, ela se torna o ponto alto dos epi-
sódios. Partindo-se da forma estacionária do páthos, que ainda não conhece
uma mudança de rumo no interior dos atos, o Ajax, ao lado de As traquinias,
posiciona-se de um lado e todo o restante do outro lado. De um lado para o
outro ocorre uma mutação, seja na linguagem, seja no estilo das cenas.
O meu ouvido capta o vosso som como a voz brônzca
Que parte do bocal de uma tromba etrusca.'
Semelhante plenitude de sons e imagens, característico do universo
das cavalarias, não se repetirá aqui novamente.
Se no prólogo Ajax é apresentado como louco, no primeiro episódio
ele aparece desenganado; no prólogo, a loucura é primeiro narrada, e só de-
pois o louco entra em cena;o relato trágico deve preceder a aparição visível
- tornadavisível aqui, no interior da tenda, por nmeio do eciclema, dopalco
girante. Nisso, apasagemmda loucura para a consciência permanece tanto me-
nosacentuada quanto mais intensamente for ressaltado o antes e o depois da
consumaçãodo destino;e o depois não é menos terrível que o antes (v.259).
Não só a passagem não é exposta dramaticamente no palco, como tambim o
relato - emboraeleseja proferido por Tecmessa com maior sensibilidade,em
um tom mais suave e íntimo, em contraste com o relato mais severo e claro
da deusa -é dirigido exclusivamente à oposição dos estados de loucura ede
consciéncia, e não à passagem e ao despertar doloroso (v. 311 e segs.):
Todavia, nessa obra primeva, a descarga lírica é mais retumbante, mais
vibrante, e revela um fölego que não se repetirá novamente. Seu lamento é
tão colossal quanto a figura do próprio Ajax. Se faltam a essa obra as inver-
SÖes e as alternancias, os seus contrastes estacionários soam mais constantes,
a imensidade que persiste ganha maior intensidade na sua vazão: a grandeza
e, em contradição a ela, a ignomínia, o sentido da existência do herói e a falta
de sentido de seu destino, o ódio descarregado e a lamentação interiorizada,
a reclusāo – em si mesma um lamento – e a irrupção do desabafo. Temos,
em primeiro lugar, os sons premonitórios que escapam da tenda fechada, os
chamados pelo filho pequeno e pelo meio-irmão, depois, o interior da tenda
que se abre do kommos, do "canto de lamentação": Ajax está no centro do
(9 Tarmbémaqui um elemento homérico; compare-se com o chamado de Atená, quando
Aquiles se dirige ao túmulo. Que Ajax seja também na linguagem, dentre todos
dramas sofoclianos, aqucle mais próximo da epopéia é mostrado por R. C. Jebb no
KommentarLJIl(1907 (2. ed., 1967). A esse respeito, ver também Pohlenz, Die gnchiste
Tragodie(A tragédia gregal, Erläuter., p. 50 |2. ed., p. 771. Não confundir com com
paraçics paltiias o verso 25 da Ektra, no qual se localiza uma comparação cntre o
preceptor idoso e bondoso e um velho cavalo de corrida: isso lembra uma forma vulgit
aristocrática, a qual é conhecida a partir de O banguete, de Platão, a partir de Aristófancs
e de outrOs.
30 Sýforke:
Ajax 31
campo de batalha com o gado mortoe rodeado por Tecmessa e pelo ro
que se afligem com a situação: a imagem ganha contornos de um melodra.
ma... E o que vemos surgir e ressurgir aqui? A insídia do rival Odisseu,
falsidade do comandante, o escárnio da tropa, a paisagem e o espetáculo da
glória.., tudo isso culmina na necessidade da morte (v. 364 e segs.):
Ambas as falas dos personagens começam no mesmo tom fatalista,
ambas fazem menção aos ancestrais, ambas se resolvem em si mesmas – den-
tre todas as tragédias de Sófocles elas se comparam, não por acaso, princi-
palmente à fala de abertura de As traquinias. O coro pode até mesmo ouvir
a decisāo de Ajax: mas se o faz, não é de modo diferente que o público do
teatro. Nada de conselhos e de instruções, nenhuma palavra de conforto– a
conclusão imperiosa de que não há qualquer escapatória, divulgada patetica-
mente ao mundo, recai sobre si mesma (v. 457e segs.):
a
Vês o bravio, o coração imune,
Que não fraquejou
Fui um herói diante de animais dóceis!
Sofro da troça a que o ridículo me expos.
Aja:
matança
Ajax: E agora, o que fazer? Sem dúvida tornei-me inimigo
Dos deusese inimigo do exército grego. [.]
Tecmessa.Não digais isso, peço-vos, meu senhor, não o repitais!
Tecmessa mobiliza-se comn gnoma solene, ao que se segue o relato do
Sai daqui! Ainda não te colocaste a caminho?
Ai demim! ..]
Ajas: seu destino – também a súplica se transforma na forma patética do relato
(v. 485 e segs.):
Ajax não é mais digno de dirigir suas súplicas nem aos deuses nem Ó Senhor! Não é o destino que recai sobre ele,
O maior dentre todos os sofrimentos de um homem?
Também eu fui flha de um pai livre,
Nenhum outro alcançou tal altura entre os frigios -
Agora sou escrava, pois assim quiseram os deuses
E, sobretudo, tua mão [...1.
Tecmessa:
ao gênero dos homens. Para onde fugir? Onde encontrar guarida? (v. 412
e segs.):
Ajac Io!
Correntezas salinas de marés!
Cavernas na costa marinha, bosques costeiros!
Tempo demais me acolhestes
Diante de Tróia! [..]
De resto, sua súplica é dependente da epopéia até nos mínimos de-
talhes; o modelo aqui é a despedida de Heitor, de Andrômaca (liada, livro
VI)." Mas quanto mais claro éo modelo, tanto mais significativa é a diferença
que se apresenta na transcriçāo para o drama. Na epopéia, Andrômaca recla-
ma (para fazer alusão apenas ao conteúdo, livro VI 407 e segs.):
O que sucede o kommos não permanece menos preso à imobilidade
trágica,semque hajacrescendo,rotação, apogeu, declínio. Assim como no pró-
logo, Ajax e Odisseu evidenciaram-se um frente ao outro, sem se imporem
um ao outro; o mesmo ocorre com Ajax e Tecmessa no segundo episódio.
Não háreciprocidade, nem sequer uma palavra com poder de comunicação
suficientepara romper a barreira entre cles. Cada um permanece prisioneiro
de seu destino. A fala de Ajax soa nesse ponto como se Tecmessa não es-
tuvessepresente, mas também a súplica de Tecmessa, embora comoventee
premente,não atinge Ajax nem pela vibração de seu tom nem pela força de
seusmotivos. Ela não consegue sequer conduzi-lo à contradição. E quando
ela faz a súplica, apenas revela seu próprio âmago, desesperadamente sepa
rado do âmago de Ajax.
E tu não tens compaixão nem do teu pequeno filho nem de mim, que
logo serei órfå de ti [.] Melhor seria que fosse enterrada do que te
perder: vê! não tenho nenhum outro consolo... Meus pais já se foram,
todos os meus sete irmãos retornaram ao Hades, todos mortos por
(10) Os comentários observaram, desde a Antigüidade, a semelhança e, cm parte, um pouco
da diferença e deduziram esta última do fato de que Tecmessa é a escrava e Andrômaca
a mulher legítima. Mas como isso pode ser suficiente? Como se fosse proibido um
entendimento com uma escrava querida!
32 Sgfocka
Ajax 33
Aquiles,inclusive o pai; a mãe morreu em casa, atingida por Artemis
L Tu, Heitor,éspara mim pai, mãe, irmão, esposo. Tem compaixão
demimenãotornes o teu filho órfão e a mim viúva .]
alcançarem o ouvido do esposo, eo mesmo se dá com as palavras dele em
relação a ela. O que para ele é motivo para se entregar à morte - o pensa-
mento voltado para os pais, para a pátria, para o flho, o respeito ea vergo-
nha (aiồós) aparece aos olhos dela como o motivo para o oposto (Tecmes-
sa: åàd' aibeaau pev Tarépa), mas sem que uma fala faça menção à outra ou
a refute; ambas as falas não coincidem em ponto algum, não conduzem nem
ao menos a um pró e um contra; o significado que elas expressamé um estar-
no-mundo diverso, cada mundo delimitado diante do outro explicitamente
em virtude dos centros diferentes dos personagens.
TambémAndrömaca fala, como Tecmessa, de si e de seu filho, mas,so-
bretudo,porquenissoestáo argumento mais forte para fazer com que retorne
aquelequesedespede. Conseqüentemente, a resposta de Heitor soa assim:
Em tudo issopenso também, mas me envergonho terrivelmente dian-
te dos troianos e das troianas [.] Sim, sei que chegará o dia em que
cairāolion, Príamoe seu povo .] Mas não temo tanto pelos troia-
nos, nem mesmo por Hécuba, Príamo ou meus irmãos, tantos e tão
nobres [.] quanto por ti, quando um dos aqueus te levar e chorares,
roubadadetualiberdade - quando no Argos teceres no tear deoutra
mulhere tirareságuadas fontes de Messeis ou de Hipereia, humilhada
e violentada, e quando então alguém te avistar e disser: Vé, esta é a
mulherde Heitor, que foi o melhor dentre os troianos quando luta-
ram diante de Ilion! Que a terra me cubra antes que escute quando te
Em vez de fornecer respostas, Ajax ordena que o filho seja levado a
cle.!" Por que o mantinham longe dele? Quando percebe, por medo, que no
seu delirio seria capaz de agredir seu filho, conclui que (v. 534):
"Isso seria bem digno do meu demônio!"
E, todavia, quando a pequena criança é conduzida até ele, é ignorado
por um momento que o herói não se encontra entre inimigos mortos e sim en-
tre gado massacrado; sua despedida decorre como se estivessem em um campo
de batalha, a dissonância entre herói e destino, entre alma e acontecimento, não
poderia engendrar a situação de maneira mais hedionda (v. 545 e segs.):
agredıreme arrastarem.
Ajax: Ergue-o para mim! Ele não se horrorizará
Em ver o sangue fresco derramado,
Tão certo ele é meu filho!
A súplicadeTecmessa não soa muito diferente:
Senhor!Tem compaixão de teu flho, pois como órfão será confiado
aos cuidados de estranhos: que sofrimento lanças sobre ele e sobre
mim! Pois não possuo mais nada além de ti: destruíste a minha cidade
natal,umoutrodestinolevou-me o meu progenitor e minha mâe .
O criança! Que a tua sorte escape da minha,
Sẽ igual no restoe então tudo correrá bem.
Es o meu lar, minha riqueza, és toda a minha salvação [..] A mãe ele mantém afastada de si. A preocupação com o filho, her-
E, nãoobstante, quão diversas são as falas uma da outra. A servidão
queaguardaas mulheres - tanto a Tecmessa como a Andrômaca, pois O
futurodeambasserá igual - quando um dos aqueus torná-la presa, as falas
quesesucederãoentão:Vé, eis a esposa de Heitor - ou, ainda - eis aesposa
deAjux, o melhor dentre todos os heróis. Na epopéia, é nisso que pensa o
homem, Heitor, correspondendo ao que pede a delicadeza da situação; na
tragedia, ao contrário, é a mulher, Tecmessa, que pensa nisso. Ou seja, na
deiro de seu heroísmo, é a única coisa que resta capaz de fazer com que ele
ultrapasse o círculo de seu destino, traçado ao seu redor pelo "demônio",12
Todavia, como se com isso já tivesse sacrificado muito em sentimento, mal
tendo vertido sua interioridade, grita com impaciência ainda maior para
que fechem a porta da tenda, a fim de se recolher de novo, silenciosamente,
em si mesmo.
Ele já tinha chamado de fora da tenda fechada, portanto não é de modo algum a con-
seqüência de um pedido de Tecmessa.
Também é significativo aqui que cle fale sobre o destino heróico, futuro de seu filho; a
comparação entre juventude e velhice, verso 544 e segs., é semelhante na sua gnômica
ao verso 144 e seg de As traquinias.
(11)
epopelaambosospersonagensse aproximam um do outro pelo diálogo, (12)
tragédiaeles se distanciam, cada um absorto em sua linguagem, sem que o
outro sejacapaz de acolhê-la. As palavras da mulher ecoam sem, todavia,
34
Sólodk
Ajax 35
Não sepode mais duvidar daquilo que é iminente. O canto deence
ontornos de umacançãomento do coro jáassume,nas suas linhas finais, os contornos de uma não é suficiente para fundamentar opáthosdelas. Aqui o indivíduo abandona-
do, desprendido, reconhece a totalidade das conexões, como elaé válida nāo
só para uma comunidade, à qual ele não está mais ligado, mas como essência
da natureza, válida tanto no céu como na terra. Assim, ele se solta como se
fosse arremessado por vontade própria sob sua coerção, não apenas por cau-
sa da ordem social, mas por causa da ordem de todo ser.4
fünebreenmhonra ao herói caído: ao perceber aruina que espera seu hlho,
a me será tomada pelo desespero e, entre gemidos, baterá em seu próbrio
peito. Para quem saiu da casa paterna na condição de o melhor dentre
aqueus, e agora permanece à deriva, o melhor refúgio é o Hades [..] Ms
entào, no segundo episódio, Ajax sai transformado de sua tenda. Parague
nàose interprete mal o que agora acontece, nada é mais útil do que a compa.
ração." Apenas se a interpretação se voltar para o aspecto formal ela podeá
estara salvo do arbítrio perpetrado pelos modernos; a forma, por sua vez,só
é alcançada por meio da comparação. A transformação é autêntica? Aiax é
capaz de mentir? E se ele mente, qual o motivo? Ou será que sua mentira se
converte em verdade? Há tantas explicações para isso quanto possível.Mas,
antes de confiar na nossa presunção, é necessário primeiro tomar ciência de
que asmesmas coisas vão se repetir mais uma vez na segunda peça de Sófo-
cles, isto é, em As traquinias (v. 436 e segs.). Dessa maneira, a explicação é, por
Os olhos abrem-se repentinamente para Ajax, ele reconhece o mundo,
mas não para se ambientar nele como aquele que o reconhece, não para se
curvar à sua ordem, não para seguir o comando "conheça-te a ti mesmo",
porém para ver nele o que é estranho, oposto, do qual ele poderia participar
apenas se não fosse mais Ajax: se eu quisesse me submeter a este mundo e
aos seus deuses, que não suportam nada de exterior, de duradouro, nenhum
sim e não finais, então inimigo algum poderia ser tão inimigo meu que não
pudesseser também meu amigo - segundoaexpressãode Bias - e nenhum
amigo tão amigo que não pudesse também se tornar meu inimigo!... Ajax
deve perecer não apenas porque se soltou de seu ambiente heróico - tal já
eraseu destino na epopéia , mas porque ele nãomais cabe no mundo.Suas
comparações cósmicas são mais do que uma peça de adorno da fala, expres-
sam mais do que pompa trágica. Na medida em que elas aludem à mudança
como lei do mundo, à qual estão subordinados todos os reinos, tantoo ma-
crocosmos como o microcosmos, então elas são a prova de um sentimento
de mundo semelhante ao de Heráclito: "Deus é verão e inverno, dia e noite
[.. Mas, em segundo plano, por meio do elogio sublime da ordem do ser,
vibra umn tom abafado na boca de Ajax, quase um escarnecimento da sabedo-
ria que é a sabedoria deste mundo (v. 646e segs., v. 666 e segs.):
enquanto,válida tanto para o Ajax como para As traquinas.
Seja a fala de Ajax, seja a de Dejanira, ambas são enganosas, profer-
das visivelmente para iludir uma outra pessoa; as duas falas são igualmente
inesperadasda boca de um indivíduo que até agora, por mais que eletivesse
feito, dito ou cantado, permaneceu igualmente presoe imóvel em seumundo
delimitado pelo destino, sendo incapaz de qualquer outra conduta. Ambasas
falassão igualmente proferidas em um repente, sem que fossem elaboradas
por uma ponderação prévia ou dirigidas a uma meta anteriormente traçada.
Assim, ambas as falas são diferentes de qualquer forma de intriga, não im-
portando se ela é exterior, causada pelas circunstâncias, ou espiritual. Mas
pode-seentão ainda falar de um engano? De fato, essa foi a conclusão aque
sechegou. E mesmo assim o engano se torna visível duas vezes por meio da
reviravolta que, no momento seguinte, confronta a verdadeira essência com
aaparéncia. Nos dois casos, a reviravolta para a verdade é tão repentina, cho-
cantee comovente, detendo-se apenas no coro, assim como um pouco antes
Semelhante é também a conclusāo das falas (Ajax, v. 684e segs,, e As traquinias, v. 467
e seg. Ajax: "Certamente se cuidará disso no futuro. (Quero dizer, para suas futuras
amizadese inimizades)". "Tu, ao contrário, entra e pede aos deuses aprovação daquilo
que o meu coração deseja." Igualmente em As traquinias, v. 467 e seg.: "Conduz isso
com ventos favoráveis". "Nota! Podes até mentir aos outros, deves, no entanto, ser
verdadcira para comigo." Em ambas as passagens não apenas a forma é a mesma: a
promessa aparentemente favorável significa, na verdade, o oposto: aos meus amigos
e inimigos serão dispensados bons cuidados quando eu estiver morto. De igual modo
no outro caso: "Conduz isso com bons ventos", na medida em que o perigo da nova
aliança seja consentido por cla, já que ela parece aceitá-lo tão pacificamente. ("Com
ventos favoráveis'": a explicação de Rademacher (Sopbokles erkl. Scbneidewin-Nauck,
Trachinierinnen,7. Aufl. bearb. . Rademacher,1914)parece-meinsustentável; "favorável"
é tambémo vento de partida de Sete contra Tebas, de Esquilo, v. 690: favorável para a
morte, pois a pressão do deus é nesse sentido,)
(14)
foi a reviravolta para a aparência.
Todavia, ambas as falas têm raízes em um parentesco ainda mais pro-
fundo. Elas não simulam apenas uma verdade, mas desdobram, apesar do
enganoexplicito, algo tão convincente para o ouvido, que a intenção de logro
Arespeitoda "fala enganosa" conferir Wolfgang Schadewaldt, Nene Wge zur Antik.
VII (1929), p. 70 e segs, Wilamowitz, Hermes 59 (1924), p. 249 e segs, e Welcker, K
(13)
Scbriften II (1845), p. 264 e segs,, e os comentários.
36 Sófodes
Ajix 37
Aia Otempoimensuráveldá origem a todas as coisas.
Levao nadaà luz, o nascimento de volta ao nada.
O inesperado vence: rompe-se
O arrepio do juramento e a obstinação do coração.
Também eu, que resisti inabalável,
Eramaleável,tal comoo ferro na têmpera,
Amolecidopor esta mulher [.J.
Sem dúvida, a fala enganosa de As traquinias não possui a mesma pro-
fusão de comparações cósmicas, mas ela não é menos encoberta por um
reconhecimento e celebração ilusórios - justamente porque não são obri-
gatórios - de um poder que rege de igual maneira os homens, os deuses e o
mundo. E se esse poder é diverso, então ele se opõe ao caráter inalterável do
amor de Dejanira do mesno modo que a lei da mudança se opõe à infiexİ-
bilidade de Ajax. O que Dejanira reconhece enganosamente – isto é, reco-
nhece como válido para o mundo, não para si mesma -é a lei da mudança
limitada à parte do mundo que constitui seu próprio mundo, isto é, o amor.
Assim como Dejanira se vangloria de seu conhecimento (čmioTaatau Tá
avbpúnea) em que esse conhecimento menos a atinge, Ajax parece cumprir
com o mandamento de estar propenso à medida humana" (Kar avpwmov
ppovev) justamente onde está mais distante dele.
Assim,no futuro nos conciliaremos diante dos deuses
Com humildade, e aprenderemoso respeito
Diante dos átridas: eles são mesmo os chefes.
Faz-senecessáriaa obediência - que problema reside nisso?
Nãoobedecetambémo mais forte, o de força descomunal,
A ordemque paira sobre ele? A neve invernal
Retira-sediante da prosperidade dos campos veranis;
A abóbadaceleste crepuscular da noite é substituída
Pelachama luminosa do arco branco do dia;
A fúria da tempestade embala o mar até o repouso,
Eo sono,omais poderoso de todos, iberta novamente,
Nãoprendendopela eternidade o que uniu.
Comopoderíamos nos fechar para o conhecimento?
Sim,agora compreendo que mesmo o inimigo
Não éeternamente nosso inimigo, de maneira que um dia
Não nos conviesse a sua amizade, e ao amigo
Dispensoa minha amizade apenas com o cuidado
De que não será sempre o meu amigo.
Na “fala enganosa" de Ajax anuncia-se, ao mesmo tempo, ao lado do
novo reconhecimento, uma decisão.E quanto menos o reconhecimento for
reduzidoa uma dissimulação calculada, tanto menos a decisão é reduzida a
um engano intencionado. A alma é muito mais acometida pela própria ilusão,
e no lugar de um engano arbitrário surge um ocultamento involuntário: "Entra
tu e ora aos deuses: que eles me concedam chegar no final aonde desejo".
Tanto o "desejo quanto o "final" possuem aqui igualmente o sentido de
ocultar, como designação ocultadora do “finm proporcionado pela morte
(réAos Bavároo), como gesto igualmente distante de uma astúcia como do
jogo da ironia usual; isso não é nem ao menos dotado de um sentido duplo
como o longo sono" que Wallenstein cogita em entrar, mas a disposição de
um indivíduo que se cobre com a escuridão (v. 687 e segs.):
Ajax:. E vós, amigos, cumpri com esse mandamento
E informaia Teucro, que, quando retornar,
Aqui o engano tem origem em uma camada ainda mais profunda da Lembre-se de mime cuide de vós todos!
ironia do que aquela que designamos comumente de ironia "trágica": aquia
Ironianasce do reconhecimento crepuscular de uma eterna ruptura entre o
herói e o curso do mundo.!5
Pois partirei para longe de vós, lá para onde devo ir [..).
ao cngano", etc. Trata-se, portanto, de uma mudança radical. Imagine-se um ator que,
repentinamente, expressa sua aversão c que não sabe bem como prosseguir. Contudo,
para que a aversão se torne evidente - já que não há nada sobre ela no texto-, cle
introduz uma pausa para a aversão mediante um jogo mudo de mímicas, no qual apa-
recem presumivelmente ainda outras nuances (..]
Além disso, imagine-se ainda o seguinte: que alguém que deseja ir para tirar a própria
vida tenha "'aversâo" pela "mentira" de que queria escapar!
A esse respeito, comparar também com W. Schadewaldt, Monolog undSelbstgespräch
[Monólogoe solilóquio] (1926), p. 87.
.(15 A interpretaçio de Wilamowitz, Hermes 59 (1924), p. 249 e segs., é sumamente estranha
Paracle,ascomparaçõescósmicas do Ajax não significam nada, o trágico daentonação
nãoé ouvidoe tudo isso não passa de "uma regra universal", cujo "emprego" o Aja
jā tinha se proposto a "fazer". Em um repente, depois de ter "postergado uma noa
justificaiva", Ajax, "na fhigura do grómon do Bias sobre a amizade", "não é mais capa
dementúrdequedesistirá,mas vale-se de um emprego de significado múltiplo [
"Aobrigaçãode enganar lhe causa aversão", de modo que ele "rapidamente renunal
Sijfik
Ajax 39
O ocultamento encontra sua própria expressão – expressão ela
mes.
ma encoberta do modo mais profundo possÍvel – nos pensamentos
impele o ser de Ajax para as profundezas: mais uma vez ele puxa para si as
capas protetoras e as esperanças deste mundo, as quais se tornaram estranhasa arma letal, a espada. Se Ajax certamente também precisa de um pretexto
para poder se distanciar com sua espada sem ser importunado, não é
davia, novamente o mero pretexto que sua tala anima no todo; afinalida
ultrapassa a expressão, a fala enganosa transtorma-se em monólogo, a lin
guagem, em vez de ressoar no jogo, ecoa a partir dele, indicando queesteé
Ajax, que assim se oculta, que se converte à aparência, que a ela, de novo.
une, que expia, a quem não pode ser ensinada a verdade e quc exclui a sida
totalidade - pois a verdadeira exclusão começa primeiro com a aparéniade
participação (v. 654 e segs.):
e hostis para ele.é, to-
lidade Eis a relação entre a fala enganosa e o "monólogo" de Ajax- separa-
dos por um entreato (a procura pelo herói) ," entre o ocultamento eo de-
socultamento e entre a aparência de participaçãoea nudez da alma solitária
diante da morte. O pecado da mácula, a hostilidade da arma, a inimizade do
solo emn que se encontra e a irreconciliablidade do ódio, tudo o que estava
oculto vem à tona agora com a sinples presença do herói (v. 815 e segs.):
Ajas: Na posição para o corte mais profundo está a lâmina açougueira,
Tal como a pensastes – houvesse ainda tempo para considerações;
Presente do convidado Heitor, dentre os meus convidados
O mais hostil, o mais odiado aos meus olhos;
Cravada no solo de Tróia, a terra do inimigo,
Recentemente afiada na pedra de amolar.
Eu a plantei bem, com todoo cuidado,
Para que me seja suave numa morte breve.
Estamos então bem guarnecidos. Como convém:
Seja Zeus o primeiro a me ajudar!
Aja Irei banhar-me, ali na orla
Do mar, para lavar minhas máculas,
Para me livrar da ira da deusa,
E quando chegar a um lugar tranqüilo,
Esconderei esta espada, a mnais vil das armas,
Enterrando-a, para que nenhum olho a alcance;
Que a noite e o Hades a guardem!
Pois desde que tomei esta espada da mão
De Heitor, o meu mais terrível inimigo,
Nadamais de amigável veio a mim por parte dos argeus [.J. O monólogo abrange com um chamado sétuplo a totalidade do mun-
do que circunda Ajax, mundo em que tinha fincado suas raízes e do qual
agora se separa: amigo e inimigo, Heitor e os átridas, Zeus e as Erínias, a casa
paterna eo palco dos feitos, Salamina e Tróia, luz e morte. Assim como a
totalidade do mundo se apresenta aos gregos antitética, separada em pares de
opostos, assim também se divide esse chamado. Ajax não emite até a morte,
até a libertação propiciada por sua dissolução, nenhuma queixa, reprovação,
sofrimento, aversāo, e também não há vestígio algum de uma melancolia,
mesmo que fosse a de Brutus – nenhuma amargura por causa da renúncia,
seja ela a renúncia ao amor ou ao ódio, por causa dos elos que o prendem
ao mundo que despreza a ele somente, e que ele somente não mais supor-
ta. O Ajax de Eurípides, por exemplo, atribuiria a culpa ao mundo. Cada
Seupensamento gira em torno de sua morte. A “hostilidade" daespa-
da, o "sepultar-se" "sob a terra","noite" e "Hades', a "vida além da morte"
(eKeioe)do "local silencioso", o lavamento" da 'mácula": tudo isso sãoima-
gens verdadeiras de seu interior, contudo imagens transpostas; asrelações
clarassão substituídas por relações obscuras e encobertas.l6 O ocultamento
(16) A fim de explicar o comportamento de Ájax, Wilamowitz, Hermes 59 (1924), p.250,taz
referénciaaPólux VII, 120: "Essa arma causadora do infortúnio carrega,portanto,
culpa, sendo comparável ao debate jurídico ateniense contra os aubuya, e éenterradk,
comoaquelesreis filarcos que eram levados para fora do país". Encontramos ago
desemelhante no comentário de Rademacher (Schneidewin-Nauck, 10 Aufl. (91)}
para o verso 658). Todavia, resultaria em desconhecimento da entonação trágic, s<
e como
ocultamento. A remoção da mácula é simultaneamente a "prova" que "deve ser pro-
ouvissemosaqui apcnas a descrição de um rito e de um encantamento cficicnte co curada" para que ele mostre que não foi arrancado da linhagem paterna (v. 472).
motivoplausívelpara o fato de que Ajax tem de se distanciar. O encantodesempen (17) Equívoco de Reinhardt: ambas as falas são separadas por um canto do coro e uma
cena do mensageiro (Nota da cdição alemā).
umpapelna conexão trágica apenas na medida em que ele aponta para Ajax, no
de que elenão entra mais em cena como encanto, mas sim como gesto, isto C,,comO
40
Ajax 41
chamadoésucedido por uma ordem final, por uma saudação final -apenas
com o chamado da morte há uma interrupção, no seu lugar entra emCena avista ao longe a espada de pé, escondida no centro de um bosque, e o herói
diante dela; também era necessário cuidar para que o ator vivo fosse trocado
pelo boneco do morto, o qual é então mostrado com a espada atravessando-
Ihe o peito... Das laterais do palco avança novamenteo coro, dividido em
grupos menores, no passo daqueles que já percorreram um longo caminho
e procuram desesperadamente - então o coro depara com Tecmessa, aos
prantos, diante do corpo caído de Ajax. O lamento fúnebre é entoado ao
redor do herói finalmente localizado. Teucro ergue e exibe o corpo de Ájax,
entào uma úlima saudação à luz (v. 854 e segs.):
As Morte, ó minha morte! Vinde agora me olhar,
Masestou ali também próximo de vossa saudação ...]
Ó luz! Ó entrada da minha terra natal!
0Salamina!O fogareiro da casa de meu pai!
E brilho de Atenas! Irmãos de minha estirpe!
Vossos rios e fontes, também vós, planícies de Atenas,
Chamo por vós, vós que me alimentastes!
Ajax dirige agora suas últimas palavras a vós!
De agora em diante falarei no Hades com os mortos.
banhado em sangue...
Todavia, isso pertence muito mais ao domínio da cenografia, do jogo
exterior, domínio em que o Sófocles das primeiras peças era ao mesmo tem-
po inventivo e surpreendentemente jovial. Também o "tarde demais" não se
desenvolve fatalmente a partir da natureza do herói, mas gravita ao seu redor
como um jogo marginal. Sem dúrida, a fala do vidente, conforme o relato
do mensageiro, já é um aviso, um sinale um presságio, mas note-se o quanto
ela ainda está distante daquela linguagem que encontraremos posteriormente
nas cenas protagonizadas por Tirésias! Em vez de gerar um estremecimen-
to, de dissolver tensões ameaçadoras,

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