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IEC II - HISTORIOGRAFIA RESPOSTA PROVA 2

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO - USP
FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS - FFLCH
Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas - DLCV
INTRODUÇÃO AOS ESTUDOS CLÁSSICOS II – 2020
4. Como Tucídides, em A História da Guerra do Peloponeso, e Salústio, em A Conjuração de
Catilina, usam a lenda mítica da fundação, do desenvolvimento e da decadência de Troia
propagados pela poesia épica na constituição de suas obras historiográficas.
VI. 1. A cidade de Roma, segundo a tradição, fundaram e habitaram de início os troianos, que,
fugitivos, sob o comando de Enéias, erravam sem morada certa, e, com eles, os aborígines, raça
agreste, sem leis, sem governo, livre e desregrada. 2. Depois que se reuniram dentro de uma
única muralha, incrível é mencionar a facilidade com que, malgrado a diversidade de raças, a
diferença entre as línguas, vivendo cada qual segundo seu costume, acabaram por se fundir:
<assim, breve, uma multidão diversa e errante tornou-se numa cidade.> (Sal., A Conjuração de
Catilina, VI, 1-1)
De acordo com a leitura das obras A História da Guerra do Peloponeso e A
Conjuração de Catilina, juntamente com as observações de Monteiro (2014) e
Chiappetta (1996) e as discussões nas aulas online podemos concluir que os dois autores
compararam seu gênero de escrita ao gênero épico no intuito de ressaltar a credibilidade
de suas obras. Tanto Tucídides quanto Salústio se autodeclaram narradores com
conhecimento de causa e comprometidos com a verdade, para tanto fazem alusão a fatos
até então conhecidos por meio da épica, como a guerra de Tróia e a fundação de Roma,
como fatos não muito confiáveis, pois seus autores, como Homero e Virgílio, foram
poetas que utilizavam das palavras para exaltar batalhas e glorificar guerreiros e essa
forma de se expressar enfeitando os acontecimentos fazia com que o povo os aceitasse
de bom grado e não se interessasse em averiguá-los. Tucídides e Salústio não negam a
existência de Tróia, seu desenvolvimento e decadência, mas pontuam que os
acontecimentos podem não ter sido assim tão grandiosos como são tradicionalmente
conhecidos, invés disso declaram que suas narrativas englobam fatos que eles mesmos
presenciaram ou averiguaram descritos de forma tão fiel quanto possível e que tem
grande importância no objetivo de modelar os homens para que no futuro não cometam
os mesmos erros, entretanto exemplos que contradizem a veracidade por eles
proclamada estão presentes na sua própria escrita, já que Tucídides declara que os
discursos por ele narrado são frutos não apenas do que foi dito, mas principalmente do
que ele lembra e considera adequado ter sido dito frente aos fatos ocorridos, enquanto
Salústio em sua narrativa ofusca a figura de Cícero (que era o alvo da conjuração) no
intuito de projetar seu oponente político Júlio César, com quem tinha relações de
amicitia.
Percebe-se que Tucídides na tentativa de desmistificar o passado propagado
pelas épicas acaba gerando o efeito contrário em certos momentos. Ele tenta reduzir a
Guerra de Tróia e os feitos de seus heróis exaltando a Guerra do Peloponeso, exemplo
disso é o modo como descreve a imagem quase perfeita de um de seus líderes pela
democracia, o ateniense Péricles, assim dando a ele um status tal qual dos heróis épicos.
Já Salústio em oponência a narrativa épica, que glorifica os heróis, utiliza da crítica aos
vícios que estavam levando Roma a ruína como seu modo de exemplificar o que seria
um político virtuoso para a república, no entanto esses valores essenciais para o cidadão
romano (pietas, fides, virtus, e etc) estão embasados no mos maiorum, ou seja nos
costumes ancestrais e sendo conhecido o fato que Roma foi fundada por Enéias logo
esses valores foram herdados dos troianos, ainda o próprio Salústio por apego a esses
valores deixa claro logo no início da obra que apesar de estar no otium de suas
atividades públicas ainda exerce negotium ao fazer da escrita uma atividade política.
Fica claro que ambos os autores não conseguem se desprender de seu tempo
e dos fatos conhecidos até então pelas lendas míticas e traços desse gênero são
facilmente detectados em suas respectivas obras. No entanto, o distanciamento que
ambos propõem entre poesia épica que apresenta um passado fabuloso, portanto
duvidoso, e suas formas de narrativa menos pomposa do passado, portanto mais
verossímil, tiveram certo êxito já que suas obras são categorizadas pelo gênero
historiográfico.
Referências Bibliográficas
CHIAPPETTA, Angélica. “Não diferem o historiador e o poeta...” O texto
histórico como instrumento e objeto de trabalho. Língua e Literatura, n. 22, p.
15-34,1996.
MONTEIRO, R.F. A narrativa histórica de Tucídides e a Guerra do
Peloponeso: verdade e ficção. 87f. Dissertação apresentada ao Programa de
PósGraduação em Letras da Universidade Federal do Ceará, 2014 (disponível em:
http://www.repositorio.ufc.br/bitstream/riufc/9127/1/2014_dis_rfmonteiro.pdf)
SALÚSTIO. A Conjuração de Catilina; trad. Scatolin A. - 1ª ed. São Paulo:
Hedra, 2018
TUCÍDIDES. História da guerra do Peloponeso ; trad. do texto grego,
prefácio e notas introd. Raul M. Rosado Fernandes, M. Gabriela P. Granwehr. - 2ª ed. -
Lisboa : Fundação Calouste Gulbenkian, 2013.

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