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Raphaela Faria – MEDICINA XXIX Hidratação em pediatria Caso clínico: Lactente de 14 meses é trazido à UPA com história de febre há 1 dia, cinco episódios de evacuações líquidas (sem sangue) e vários vômitos. Apresenta urina escura e reduzida. Sua mãe ministrou Dramin e Gatorade. Dois dias antes do início do quadro seu peso era 9.300kg. Dieta da família. Não frequenta creche. Ao exame físico: Estado geral regular, corado, pálido, olhos fundos, saliva espessa, choro sem lágrimas, boca seca; Peso atual: 8,600 kg; Taxilar: 36º C; FR:44; glicemia capilar: 70 mg/dL. Otoscopia: sem alterações; oroscopia: hiperemiada; AP: BRN sem sopros. Perfusão periférica: 2-3 segundos; pulsos palpáveis e rápidos; extremidades normotérmicas. AR: MV bilateralmente, sem ruídos adventícios. HD: Desidratação Moderada (8% de perda de peso). CONDUTA: Plano B, via oral na Unidade de Saúde. Desidratação: soro de reidratação oral 50-100 ml/kg, em 4 horas. SRO 1000 ml em 4 horas. Criança apresentou vômitos: administrado volumes menores em intervalos mais curtos. Reavaliar o paciente a cada hora durante a reidratação. Introdução: Em relação aos adultos, crianças tem maior taxa metabólica, o que se traduz em uma exigência de fluidos proporcional. Têm uma perda maior de água pela pele, frequência respiratória mais alta, aumentando as perdas insensíveis. É importante reconhecer qual o tipo de perda (gástrico, pancreático, bilioso, ileostomia, diarréia), para analisar a perda de eletrólitos e líquidos. O transporte limitado de oxigênio por hipoperfusão tecidual é o principal fenômeno que desencadeia disfunção orgânica e morte no choque. A terapia de ressuscitação volêmica tem como objetivo reverter ou pelo menos minimizar danos. Fluidos infundidos na circulação ampliam o volume do compartimento intravascular e contribuem para o retorno venoso, com consequente aumento do débito cardíaco, aliviando as disfunções celulares. Atraso no restabelecimento da pressão arterial e do enchimento capilar está associado ao aumento da mortalidade. Cristalóide são soluções contendo água, íons livremente permeáveis principalmente sódio e cloreto cloreto e pequenas moléculas orgânicas. Podem conter outros íons como potássio, cálcio ou magnésio e ter tampões: bicabornato, lactato, acetato e gluconato, a fim de manter a neutralidade elétrica. Osmolaridade mede a concentração de solutos por unidade de volume de solução, independente da membrana semipermeável. A osmolaridade plasmática é usada para avaliar o equilíbrio de sal e água do corpo. • O transporte limitado de oxigênio por hipoperfusão tecidual é o principal fenômeno que desencadeia disfunção orgânica e morte no choque. Em 1827, a cólera se alastrou pela Índia, Rússia, Inglaterra e EUS, ceifando milhares de vida. Em 1831, a desidratação foi reconhecida como o fator que levava à morte. Em 1871, o britânico ringer cruou a solução que contem cálcio, potássio, sódio e cloreto. Anos depois modificou- se essa solução, adicionando lactato de sódio, chamando- a de solução Ringer Lactato. Em 1882, a solução saliva 0,9% foi desenvolvida. Em 1871, o britânico Sidney Ringer criou a solução que contém cálcio, potássio, sódio e cloreto. Anos depois, modificou-se essa solução adicionando lactato de sódio chamando-a de Ringer Lactato. Em 1882, a solução salina 0,9% foi desenvolvida pelo fisiologista holandês Hartog Hamburger. A partir de então, restaurar a circulação através da expansão de fluido extracelular tem sido a prioridade da terapia com fluidos. A solução salina não balanceada, 0,9%, é considerada isotônica pela osmolaridade próxima à do plasma. A concentração de sódio é virtualmente a mesma do plasma humano, mas a de cloreto é até 1,5x maior que o normal podendo causar acidose metabólica hiperclorêmica. • A solução balanceada, Ringer Lactato possui osmolaridade de 310mOsm/L e possui 130mMol/L de sódio associada a cerca de 110mMol/L de cloreto. É produzido pela adição de lactato de sódio à solução de Ringer. Outros eletrólitos e tampões presentes incluem potássio, magnésio, acetato e gluconato. FLUIDOTERAPIA DE MANUTENÇÃO A fluidoterapia de manutenção é utilizada para manter a homeostase corporal de pacientes em jejum, oferecendo a quantidade necessária de água e eletrólitos. Os fluidos de manutenção são utilizados Raphaela Faria – MEDICINA XXIX para compensar as perdas hídricas: débito urinário, perda de água fecal, respiração e transpiração. São frequentemente administrados pela via endovenosa, mas podem ser fornecidos oralmente se o paciente é capaz de tolerá-los. A reidratação endovenosa deve ser direcionada para pacientes graves. • Pacientes com desidratação leve e moderada podem ser reidratados com terapia oral mesmo na presença de diarreia e vômito: procedimento menos invasivo, preserva a via oral. As soluções de reidratação oral geralmente têm quantidades de hidratos de carbono e eletrólitos adequadas. HIDRATAÇÃO ORAL Prevenção da desidratação: na prevenção deve-se optar por soros com menor concentração de sódio. Caso sejam utilizados os sais de reidratação oral (SRO) distribuídos pela rede pública, com 90mmol de sódio por litro, o paciente deve receber fluídos que não contenham sódio, para evitar a ocorrência de ingestão excessiva de sódio. Nesta situação, devem ser oferecidos outros tipos de líquidos, inclusive água. Não devem ser ingeridos refrigerantes ou sucos de frutas que apresentem elevada osmolaridade. Oferecer mais líquido que o habitual para prevenir a desidratação: Menores de 1 ano: 50 – 100ml ingeridos após cada evacuação diarreica. De 1 a 10 anos: 100 – 200ml ingeridos após cada evacuação diarreica. Maiores que 10 anos: quantidade que o paciente aceitar. Para tratar a desidratação leve a moderada por via oral na unidade de saúde deve-se administrar o soro de reidratação oral sob supervisão médica (reparação das perdas vinculadas à desidratação). A primeira regra nesta fase é administrar a solução de terapia de reidratação oral, entre 50 – 100ml/kg durante 4 a 6 horas. A SRO deve ser oferecida de forma frequente, em quantidades pequenas com colher ou copo, após cada evacuação. FASE RÁPIDA (EXPANSÃO) – MENORES DE 5 ANOS SOLUÇÃO VOLUME TEMPO DE ADMINISTRAÇÃO Soro Fisiológico a 0,9% Iniciar com 20mL/kg de peso. Repetir essa quantidade até que a criança esteja hidratada, reavaliando os sinais clínicos após cada fase de expansão administrada. 30 minutos Para recém-nascidos e cardiopatas graves começar com 10mL/kg de peso. AVALIAR O PACIENTE CONTINUAMENTE FASE DE EXPANSÃO: Exemplo 1: paciente de 3 anos, 14kg, com sinais de desidratação grave. Quanto e qual volume? 20ml/kg = 20x14 = 280ml em 30 minutos de SF 0,9%, EV. GOTEJAMENTO = 𝑽𝑶𝑳𝑼𝑴𝑬 𝟑 𝑿 𝑻𝑬𝑴𝑷𝑶 (𝒉𝒓𝒔) Na reavaliação clínica devemos conferir peso, FC, FR, PA, reserva salivar, sinal da prega, ausculta cardíaca e respiratória, nível de consciência, diurese (Diurese maior do que 1ml/kg/h). Se paciente manter desidratado devemos repetir a prescrição, que no exemplo é 280ml de SF 0,9%, EV em 30 minutos. FASE RÁPIDA (EXPANSÃO) – MAIORES DE 5 ANOS SOLUÇÃO VOLUME TOTAL TEMPO DE ADMINISTRAÇÃO 1º Soro Fisiológico a 0,9% 30mL/kg 30 minutos 2º Ringer Lactato 70mL/kg 2 horas e 30 minutos Exemplo 2: paciente, 2 anos, 8kg, cardiopata grave, com sinais de desidratação grave. Quanto e qual volume? 10ml/kg = 10x 8= 80ml em 30 minutos de SF 0,9%. Exemplo 3: criança, 6 anos, 18kg, em desidratação grave. Quanto e qual volume? 30ml/kg = 30x18= 540ml em 30 minutos de SF 0,9%. Reavaliar após esse período. E prescrever 70ml/kg = 70x18 = 1260ml em 150 minutos de Ringer Lactato. Raphaela Faria – MEDICINA XXIX Quando devemos parar a expansão? Sinais de desidratação desaparecerem e melhora clínica; Diurese maior do que 1ml/kg/h com densidade urinária < 1020;se paciente consegue ingerir SRO iniciar manutenção + reparação por VO; se paciente não consegue ingerir SRO iniciar manutenção + reparação por VE. FASE DE MANUTENÇÃO E REPOSIÇÃO PARA TODAS AS FAIXAS ETÁRIAS SOLUÇÃO VOLUME EM 24 HORAS Soro Glicosado a 5% + Soro Fisiológico a 0,9% na proporção de 4:1 (manutenção) Peso até 10kg 100mL/kg Peso de 10 a 20 kg 1000mL + 50mL/kg de peso que exceder 10kg Peso acima de 20kg 1500mL + 20mL/kg de peso que exceder 20kg Soro Glicosado a 5% + Soro Fisiológico a 0,9% na proporção de 1:1 (reposição) Iniciar com 50mL/kg/dia. Reavaliar esta quantidade de acordo com as perdas do paciente. KCI a 10%* 2mL para cada 100mL de solução da fase de manutenção. FASE DE MANUTENÇÃO Exemplo 1: criança de 5kg → 5kg x100ml/kg/dia = 500ml/dia. SG 5% = 400ml e SF 0,9% = 100ml + KCl 10% 10ml (2ml/100ml). Isso tudo é feito em 24 horas, ou seja, vai dar 7 gotas/min. Exemplo 2: criança de 14kg → 10kg x 100ml/kg/dia + 4kg x 50ml/kg/dia = 1200ml/dia. SG 5% = 960ml e SF 0,9% = 240ml + KCl 10% 24ml. Solução total EV a 17 gotas/min. Exemplo 3: criança de 23kg → 20kg = 1500ml/dia + 3kg x 20ml/kg/dia = 1560ml/dia. SG 5% = 1248ml e SF 0,9% = 312ml + KCl 10% 30ml, isso tudo EV a 22 gotas/min. FASE DE REPOSIÇÃO Iniciar endovenoso com 50ml/kg na proporção de SG 5% + SF 0,9% (1:1) se paciente não conseguir ingerir SRO. MANUTENÇÃO + REPOSIÇÃO CASO CLÍNICO Paciente de 1 ano de vida é trazida a UPA com história de febre há 1 dia, diarreia líquida e vômitos (vários episódios ao dia). A mãe ministrou Dramin e Gatorade. Dois dias antes do início do quadro seu peso era de 10kg. AP: NDN e vacinas em dia. AF: NDN. EF: regular estado geral, corado, pálido, taquipneico leve, olhos fundos, choro sem lágrimas, boca seca, 36°C, PA 80x60mmHg, FC de 169bpm, SatO2 de 97%, GC de 80, e peso atual de 9,3kg. Otoscopia: sem alterações. Oroscopia: hiperemia +2/+4. ACV: bulhas rítmicas normofonéticas sem sopros, perfusão periférica de 2 – 3s, pulsos palpáveis e rápidos. AR: MVF sem RA, sem desconforto. AA: globoso, flácido, RHA presentes, DB negativo.Neurológico: irritado, sem sinais meníngeos. Pele: sinal da prega desaparece lentamente. Devemos instituir o PLANO B. Desidratação: soro de reidratação oral: 50 – 100ml/kg, em 4 horas. SRO 100ml em 4 horas. Criança apresentou vômitos: administrado volumes menores em intervalos mais curtos. Reavaliou o paciente a cada hora durante a reidratação. O paciente evoluiu para desidratação com choque: instalar hidratação intravenosa. Propor o esquema de hidratação do plano C para um lactentes de 1 ano, com 10kg (terapia de expansão, manutenção e reposição), seguindo o MS. o Expansão: 20ml/kg de SF 0,9% = 200ml de SF 0,9% em 30 minutos EV. Repetir até que melhore o quadro. Devemos reavaliar o paciente e se manter desidratado, devemos repetir o esquema. Manutenção: iniciado após melhora. Pacientes com peso até 10kg, faz 100ml/kg = 1000ml, sendo 800ml de SG 5% e 200ml de SF 0,9% + 20ml de KCl = 1020ml. Reposição: 50ml/kg = 500ml, sendo 250ml de SG 5% e 250ml de SF 0,9%. O volume total da manutenção e expansão será de 1520ml em 24 horas. 1520/3 x t = 1520/72 = 21 GOTAS/min.