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70 11 DIVERSIDADE E EDUCAÇÃO Para começar a pensar sobre diversidade, precisamos compreender, antes de qualquer coisa, o que esse conceito significa, para, posteriormente, aprofundarmo- nos nos debates sobre educação, legislação, cultura e sociedade. Entende-se por diversidade tudo aquilo que é abundante, mas não igual. A palavra remete a múltiplos elementos, que formarão um conjunto de atributos, de aglomerados ou de nomeações. Falar sobre diversidade, então, é falar sobre diversas coisas, contextos e condições que interagem ou não entre si. Para pensarmos mais densamente essa questão, nos fundamentamos em Paula (2013), que faz uma retomada do percurso de globalização que homogeneíza, ou seja, torna semelhante, as relações entre sujeitos, mesmo que não sejam iguais. Ao mesmo tempo, acaba deixando evidente, nessa mesma tentativa de igualar, as diferenças entre os sujeitos. Globalização refere-se ao momento em que as fronteiras do mundo estão mais flexíveis, em que capitais, ideias e mercadorias rodam os países de forma mais rápida e mais direta, ou seja, é uma rede de conexões que envolve política, economia e cultura. A globalização extrapola as relações comerciais e financeiras, e a tecnologia é uma de suas marcas mais fortes, sobretudo quando pensamos sobre o acesso à internet e aos computadores de forma cada vez mais massiva, caracterizando uma forma rápida de se conectar com pessoas, conhecendo aspectos culturais e sociais do mundo todo. Cada vez mais, as tecnologias se mostram como uma grande potência, capaz de transpor as barreiras territoriais, ligando pessoas e ideias, tendo essa função como parte das dinâmicas sociais. Contudo, há alguns pontos da globalização que são complexos e críticos, como um massivo domínio de algumas culturas como base para transpor as barreiras, o predomínio da língua inglesa e também o avanço do capitalismo de forma desregrada e descontrolada. Nesse sentido, pensando sobre diversidade, a autora afirma que: Atualmente, podemos perceber que a diversidade está na ordem do dia, em pauta. Por que isso acontece se uma das características da sociedade globalizada são os paradigmas mais homogeneizantes? As diferenças agregam múltiplos processos de pertencimento – étnico, de gênero, geracional, geográfico, religioso, etc. – que têm sido hierarquizados e convertidos inadvertidamente em desigualdades. A ruptura desse ciclo implica em compreendermos a multiplicidade e a complexidade das relações. 71 Tal compreensão nos leva a incorporar a ideia de que somos uma rede de subjetividade formada em inúmeros contextos cotidianos [...] (SANTOS, 1995 apud PAULA, 2013, p. 20.). Vale ressaltar que, assim como aponta a autora, as questões de raça e etnia, gênero, geração, religião, entre outros marcadores da diferença, são caras ao debate sobre diversidade e serão aprofundadas posteriormente ao longo dos estudos. O importante, aqui, é que sejamos capazes de perceber a necessidade dessa ruptura com uma percepção homogeneizante da sociedade e de enxergar a complexidade e a multiplicidade dessas relações em nosso contexto. Paula (2013) também nos aponta um importante documento que marca o advento da discussão de diversidade no mundo: a Conferência Geral da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura na sua 31ª sessão, no dia 2 de novembro de 2001, de onde saiu a Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural. Esse documento trata os aspectos da diversidade a partir da cultura, e, nele, o tema que aqui tratamos é colocado como fundamental, e não só central, em debates sobre humanidades. Na referida declaração, a entidade afirma que “[...] a difusão da cultura e a educação da humanidade para a justiça, a liberdade e a paz são indispensáveis à dignidade humana e constituem um dever sagrado que todas as nações devem cumprir com espírito de assistência mútua [...]” (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E CULTURA, 2001). Já no relatório Investindo na diversidade cultural e no diálogo intercultural (UNESCO, 2009), há uma série de propostas, dividida em capítulos que abordam a diversidade cultural, como o documento acima, mas também educação, criatividade, entre outros, trazendo, em especial, a proposta de compreensão de diálogo intercultural. Esses dois documentos apresentam uma série de preceitos para se pensar a diversidade, como a educação justa, a conquista da paz, a diversidade cultural, elementos fundamentais para a dignidade humana, isto é, para a atuação livre de indivíduos com suas particularidades, dentro de seus contextos. A UNESCO também convoca que todos os Estados devem cumprir com esses preceitos da dignidade humana, ou seja, cada nação soberana deve contribuir para a diversidade dentro do seu território (UNESCO, 2009). Dentro dos Estados, além de declarações oficiais que falem sobre diversidade, temos a atuação de outros grupos e instituições. Com as conquistas de diversos 72 movimentos sociais, antes pouco vistos ou contemplados, legal, discursiva e institucionalmente, o tema da diversidade passa a ser fundamental para entender e explicar a sociedade. Com o reforço e o advento dos diversos movimentos sociais, como o movimento negro, o movimento feminista e os movimentos de direitos humanos, além de atuações de organizações não- -governamentais, a diversidade passa a ser uma pauta de combate à discriminação e à exclusão social de diversos sujeitos. Dessa forma, a escola, por exemplo, é um dos lugares das disputas simbólicas de poder e de verdades, assim como espaços médicos, prisionais e religiosos, espaços onde os temas referentes à diversidade e aos direitos humanos serão pautados e normatizados, assim como em outros espaços e momentos serão refletidos, ampliados e considerados. A escola é um espaço que nem sempre promoveu a diversidade, pois, durante muito tempo, teve seus muros fechados para uma pequena elite de iguais, produzindo um conteúdo que buscava homogeneizar os sujeitos, acreditando, assim, que teria um resultado igual para todos. No entanto, essa homogeneização se mostrava uma impossibilidade, pois, mesmo entre sujeitos similares, ainda havia particularidades que a escola acabava por suprimir ou rejeitar, causando uma defasagem nos saberes. Para complementar essa introdução ao tema da diversidade, Paula (2013) nos lembra por que são fundamentais uma educação e uma sociedade comprometidas com a diversidade: Somos, portanto, diferentes com características singulares. Essa constatação, infelizmente, não impediu que proporções cada vez maiores de tipos homofóbicos, racistas, fanáticos, machistas, xenófobos, fossem produzidos pelo mundo. Todos esses tipos têm em comum a ideia de superioridade, em nome da qual a humanidade sofre vítimas de guerras, genocídios, holocaustos, ditaduras, apartheids. A história apresenta exemplos de violências cometidas contra os diferentes: as “minorias”, como negros, mulheres, crianças, idosos, etc. Essa diferença, ao ser traduzida como desigualdade, tem propiciado e justificado práticas cada vez mais violentas. (PAULA, 2013, p. 19-20). A citação da autora nos traz questões fundamentais para esse ponto de partida, falar em diversidade é, muitas vezes, complexo, pois precisamos compreender as formas de exclusão, segregação e violência que grupos marginalizados vivem ou viveram, ou seja, ao falarmos de diversidade também falamos de exclusão: 73 Sob o manto da diversidade, o reconhecimento das várias identidades e/ou culturas é atravessado pela questão da tolerância, tão em voga, já que pedir tolerância ainda significa manter intactas as hierarquias do que é considerado hegemônico. Além disso, a diversidade é a palavra-chave da possibilidade de ampliar o campo do capital, que penetra cada vez mais em subjetividades antes intactas. Vendem-se produtos para as diferençase, nesse sentido, é preciso incentivá-las. Ou seja, a diversidade foi entendida como uma forma de governamento exercido pela política pública no campo da cultura, como uma estratégia de apaziguamento das desigualdades e de esvaziamento do campo da diferença, tendo como função borrar as identidades e quebrar as hegemonias. (RODRIGUES; ABRAMOWICZ, 2013, p. 18). Para trabalhar a diferença, existem dois grandes modelos: 1. a diferença pode ser vista como um subtema dentro da diversidade, remetendo-se diretamente a ela como uma parte que a constitui, sendo a partir da multiplicidade de diferenças que se debate diversidade (essa perspectiva é a mais utilizada na educação); 2. abordar diretamente as diferenças como um tema próprio, uma perspectiva que traz à tona os conflitos e a impossibilidade de apagamento das multiplicidades, deixando claro que há diferenças e que estas devem ser debatidas e entendidas como tal, diferenciando-se da primeira perspectiva, que trabalha de modo mais coletivo. Os documentos anteriormente citados da UNESCO e da ONU trazem importantes reflexões para seus contextos. Todavia, a manutenção das ordens estabelecidas, das desigualdades, é claramente percebida, visto que, embora convoquem os países a se mover pela diversidade, pouco trazem de iniciativas efetivas de combate ao preconceito e de um debate direto sobre desigualdades e violência. 11.1 Diversidade e educação de qualidade Quando pensamos no contexto da diversidade, uma das instituições de maior importância, mas também de maiores disputas discursivas, é a escola. Por ser um espaço de formação e de debates, as diversas instituições de ensino, sejam as escolas ou as universidades, sempre foram espaços de disputas entre diferentes discursos, e, nas questões das diferenças, não é diferente. Justamente por ser o espaço de formação por excelência, a educação se tornou uma área privilegiada para falar em igualdade, diversidade e combate a preconceitos e desigualdades. Muitos autores, autoras e intelectuais veem na educação a possibilidade de uma mudança cultural e social. Nas palavras de Freire (1996, p. 14): 74 O educador tem que trabalhar com os educandos a rigorosidade metódica com que devem se aproximar dos objetos cognoscíveis (que se pode conhecer). Ensinar não se esgota no tratamento do objeto ou do conteúdo, mas se alonga à produção de condições em que aprender é possível, exigindo a presença de educadores e educandos criativos, investigadores e inquietos, rigorosamente curiosos, humildes e persistentes. Nas condições de verdadeira aprendizagem, os educandos e educadores vão se transformando em reais sujeitos da construção e reconstrução do saber ensinado. Assim, fica claro para o autor a importância de se considerar os diferentes aspectos que envolvem as condições sociais dos indivíduos, identificados em marcadores, como classe social, raça, gênero, etc., para que se possa pensar um processo de ensino-aprendizagem realmente produtivo e criativo, capaz de desenvolver no estudante a construção de um pensamento crítico e conectado com sua realidade. Ao falarmos das diferenças na perspectiva da escola, estamos falando em possibilidades de acesso e de permanência de todos os grupos dentro do espaço de formação e dentro das salas de aula, com segurança e direitos garantidos. Além disso, estamos pensando em combater a evasão de grupos antes negligenciados e abordar temas para além da chave universalizante caracterizada pelas narrativas: masculina, branca, heterossexual, europeia, cristã. Os marcadores da diferença influenciarão as narrativas históricas e as perspectivas culturais dentro da instituição educacional de forma geral. Pensando nisso, é justamente quando a educação se torna um projeto universal e de acesso aos direitos de todos e todas que começam a aparecer as principais dificuldades em lidar com turmas e culturas não mais homogêneas. Muitas vezes, os docentes, profissionais da educação e a própria estrutura da escola não estavam preparados para lidar com a diversidade, pois não havia uma boa preparação, nem histórica, nem de docentes, nem dos livros didáticos, que falasse de cultura e de sociedade para além dos marcos já mencionados. É importante ressaltar que, por um longo período da história brasileira, a educação não foi um direito de todos. Na verdade, foi uma das formas de distinção social de classes, na qual só ricos tinham acesso à uma educação ampla e de qualidade. É somente na história mais recente do nosso país que a educação torna- se um direito universal de todos os cidadãos. Vale destacar, por exemplo, a Constituição Federal de 1988, ao afirmar que: “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da 75 sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho [...]” (BRASIL, 1988, art. 205º). É a partir desse momento, de uma educação inclusiva e que faz parte dos direitos básicos, que se toma uma nova ótica para entender e estender o ensino e as instituições educacionais. Contudo, a diversidade, enquanto perspectiva da tolerância, só aparecerá muitos anos depois, especialmente com a criação da LDB, em meados de 1996 (BRASIL, 1996). Assim, o debate que ascende e que vai tomando formato e força dentro da educação é a ideia de que, por meio da diversidade, deve-se exercer a tolerância ao diferente. A tolerância pautou e ainda pauta uma série de políticas públicas e educacionais, porém traz diversos problemas de invisibilização e de não enfrentamento, pois, como vimos anteriormente, a tolerância não exige respeito e pode implicar em ignorar as diferenças ou simplesmente aguentar os limites da diferença para cada sujeito. Dessa forma, o tema da diversidade pela tolerância vai ficando cada vez mais defasado, provando que, embora tenha um impacto na educação, torna- -se cada vez menos eficiente. Diversos educadores e acadêmicos, ao pensar a diversidade, aderem à ideia de diferença, uma vez que aqui está uma das possibilidades de saída de um estado letárgico que a tolerância pode gerar. Nas palavras de Michaliszyn (2012, p. 66-67): [...] “a homogeneidade é uma utopia. Ela é um parente próximo da unanimidade e a unanimidade é inibidora da dúvida, da crítica e, portanto, do crescimento” (ROSA, 1998, p. 45). Por isso, consideramos que não cabe à escola sustentar os princípios e as ideias que fundamentam a estrutura social em vigor, da mesma forma como imaginamos e desejamos uma escola comprometida com a mudança social e a transformação de estruturas sociais injustas e desumanas em modelos em que igualdade e a justiça social se façam presentes. A década de 90 é considerada um marco para esse debate, pois foi nesse período que diversas perspectivas se afirmaram. Embora hoje já se tenha uma crítica bem desenvolvida e bem pautada como essencial ao debate sobre diversidade e diferença, por muito tempo tal ideia foi pioneira e conseguiu destacar a necessidade de se falar sobre as diferenças. Contudo, o processo brasileiro para inclusão dessas perspectivas deu-se também por uma pressão internacional para que o país compreendesse em sua perspectiva educacional uma relação mais justa. 76 Assim, as dificuldades com a escolarização em massa, como a aprendizagem pouco efetiva e o abandono da escola, entre outros problemas, passaram a ser compreendidas dentro do debate da diversidade a partir de uma perspectiva social de inclusão. Para conseguir contemplar esses debates, a década de 90 foi um marco significativo, pois encontramos mudanças fundamentais, principalmente com a Lei de Diretrizes e Bases, homologada em 1996 (BRASIL, 1996). 11.2 Diversidade nas leis e secretarias A Lei de Diretrizes e Bases (LDB) é importantíssima para pensar as relações daeducação com o contexto social e os parâmetros da escola, e, dessa forma, nos aprofundaremos em compreender um pouco mais de nosso tema dentro da lei e das iniciativas do Estado. Como um marco na educação, assim como os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), a LDB deve ser entendida como um avanço no debate da educação, pois consegue, por meio de seu documento, pautar diretrizes modernas para o exercício da docência, bem como para os programas escolares e educacionais (BRASIL, 1996). A Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, é um documento outorgado para âmbito nacional que prevê detalhadamente todos os aspectos da escolarização e da educação no Brasil; foi uma reafirmação ao direto de educação universal e como direito inalienável a todos e todas. É importante ressaltar que, dentro da universalização do ensino, prevê-se a obrigatoriedade do ensino fundamental (até o novo ano) por meio do acesso gratuito, inclusive para aqueles e aquelas que não concluíram essa etapa em fase etária prevista. Já para o ensino médio, propõe-se também a universalidade e o acesso gratuito, mas não mais obrigatório (BRASIL, 1996). Para este capítulo, o Art. 3° da LDB merece ser destacado: I — igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II — liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber; III — pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas; IV — respeito à liberdade e apreço à tolerância; V — coexistência de instituições públicas e privadas de ensino; VI — gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais; VII — valorização do profissional da educação escolar; VIII — gestão democrática do ensino público, na forma desta Lei e da legislação dos sistemas de ensino; 77 IX — garantia de padrão de qualidade; X — valorização da experiência extraescolar; XI — vinculação entre a educação escolar, o trabalho e as práticas sociais. XII — consideração com a diversidade étnico-racial. (Incluído pela Lei nº 12.796, de 2013). (BRASIL, 1996, documento on-line) Previsto em lei, é imprescindível que, em cursos ligados à área da educação, seja pela pedagogia, seja pelas licenciaturas, se trate dos assuntos acima citados e se aborde as diferenças. Entretanto, descarta-se a perspectiva da tolerância, como já apontado anteriormente, prevendo um melhor uso teórico do debate a partir dos dissensos e da possibilidade de demonstrar os limites da inclusão por meio da obrigatoriedade, sem contexto ou sem auxílio efetivo da instituição e dos profissionais envolvidos: O sistema escolar, assim como a nossa sociedade, vai avançando para esse ideal democrático de justiça e igualdade, de garantia dos direitos sociais, culturais, humanos para todos. Mas ainda há indagações que exigem respostas e propostas mais firmes para superar tratos desiguais, lógicas e culturas excludentes. (BRASIL, 2007, p. 14). A citação do Ministério da Educação serve como base legal e institucional para compreendermos ainda mais a importância dos temas que aqui estão sendo trabalhados, pois entender como se estruturam as diferenças e como são naturalizadas é uma parte fundamental desse processo, assim como entender as iniciativas que buscam erradicar ou diminuir as desigualdades (BRASIL, 2007). 11.3 Práticas de diversidades: escola, sociedade e cultura Tal perspectiva é aquela trabalhada na chave da diversidade para a tolerância, que expõe no seu cerne que todos são iguais acima das diferenças e, assim, não contempla os conflitos. Já a visão de cultura como parte significativa, fundamental e problemática das diferenças, entende que todos somos diferentes em nossas particularidades, por isso cada política ou conceituação precisa levar em conta os conflitos, e não buscar captar todas as diferenças em grandes conceitos universalizantes. Nesse sentido, a visão de que a globalização nos aproxima não cabe dentro desse conceito de cultura pelas diferenças, visto que, como abordado anteriormente, a globalização nublou as fronteiras, mas tem como parte de si uma Homogeinização 78 a partir do apagamento das diferenças e do massivo aumento de uma cultura do norte global, como Estados Unidos e Europa, como a cultura “certa” a ser seguida. Dessa forma, a globalização se mostra como um grande fator de conflito quando traz consigo um modo de aculturação. Nesse sentido, a cultura não é o que nos une em um lugar comum, mas é aquilo que pauta sentido, ora normatiza, ora particulariza, ora exclui, ora inclui, de um modo que coloca os sujeitos dentro de uma esfera de inteligibilidade, ou os exclui desta. A cultura nos ajuda, então, a compreender a realidade social. Dessa forma, a cultura levada a cabo aqui, aparece como parte dos processos de normatização discursiva das práticas de diferenciação, e não como o suporte que nos une em um lugar comum, mas sim como parte dos processos que explicam o social. Assim, o conceito de cultura passa a ser algo enraizado, sentido e trabalhado por nós: [...] é o que significa dizer que devemos pensar as identidades sociais como construídas no interior da representação, através da cultura, não fora dela. Elas são o resultado de um processo de identificação que permite que nos posicionemos no interior das definições que os discursos culturais (exteriores) fornecem ou que nos subjetivemos (dentro deles). Nossas chamadas subjetividades são, então, produzidas parcialmente de modo discursivo e dialógico. Portanto, é fácil perceber porque nossa compreensão de todo este processo teve que ser completamente reconstruída pelo nosso interesse na cultura; e por que é cada vez mais difícil manter a tradicional distinção entre “interior” e “exterior”, entre o social e o psíquico, quando a cultura intervém (HALL, 1997, p. 9, tradução nossa). Assim, é importantíssimo entendermos a nossa própria relação com o mundo que nos cerca, mas também entender que cada pessoa terá diferentes relações com sua realidade, a alteridade, assim como nossa cultura não deve ser um processo de expectativa em cima de outros sujeitos e contextos, sendo, por isso, tão importante a compreensão de que a diversidade é conflitiva, e não agregadora. Assim se formula a diferença, dada a partir do outro e de nossas próprias limitações, que serão sempre tensionadas. 11.4 Políticas de inclusão As políticas de inclusão social e educacional não datam de hoje, são políticas públicas reconhecidas como basilares na sociedade brasileira. Em 1961, a antiga LDB, conhecida pela sigla LDBEN, já abordava a educação especial, mas de forma 79 altamente aquém ao que encontramos hoje. A LDB de 1961 afirmava que: “A Educação de excepcionais, deve, no que for possível, enquadrar-se no sistema geral de Educação, a fim de integrá-los na comunidade [...]” (BRASIL, 1961, documento on- line). É importante ressaltar alguns trechos desta já mencionada legislação, como o uso de “excepcionais”, termo comum na época, mas que não é mais usado para categorizar pessoas com deficiências. Também devemos ressaltar que a lei não obrigava as escolas a tomarem medidas eficazes, deixando em aberto com “no que for possível”. É com a Constituição Federal de 1988 que as políticas de inclusão começam a tomar novo formato, especialmente quando observamos o Art. 205º que rege, dizendo: “[...] a Educação como um direito de todos, garantindo o pleno desenvolvimento da pessoa, o exercício da cidadania e a qualificação para o trabalho [...]” (BRASIL, 1988). A importância desse trecho se destaca com o relato anterior, de 1961, pois não mais deixa espaços para a obrigação ou não da inclusão e inserção de alguns, passa a ser imposta constitucionalmente essa condição. Isso não quer dizer que o ano de 1988 mudou as relações sociais de diferença há muito colocadas no Brasil, porém foi um primeiro passo para as políticas que se seguiram,e ainda seguem, em processo de implantação. Pensar a educação para todos e todas foi uma mudança impactante, sendo que a uma parte significativa da população o acesso à educação não era garantido ou efetivamente pensado. É só em 2001, contudo, que o Plano Nacional de Educação implanta uma letra de lei mais eficaz e inclusiva, que aborda as deficiências como parte da educação escolar, colocando “[...] a garantia de vagas no ensino regular para os diversos graus e tipos de deficiência [...]” (BRASIL, 2001). O modelo mais próximo do que encontramos hoje, em termos de políticas de inclusão. Em 2005, o Ministério da Educação publicou um documento que pensava as políticas de inclusão, onde dizia: Uma política efetivamente inclusiva deve ocupar-se com a desinstitucionalização da exclusão, seja ela no espaço da escola ou em outras estruturas sociais. Assim, a implementação de políticas inclusivas que pretendam ser efetivas e duradouras deve incidir sobre a rede de relações que se materializam através das instituições já que as práticas discriminatórias que elas produzem extrapolam, em muito, os muros e regulamentos dos territórios organizacionais que as evidenciam. (PAULON, 2005, p. 8). 80 O texto de Paulon (2005) nos deixa algumas pistas para compreender como a inclusão era trabalhada na perspectiva institucional. A autora está pensando justamente o papel das diferentes instituições em excluir os cidadãos de seus processos sociais, como a escola, já relatada, um dos espaços de exclusão por excelência. Para Paulon (2005), é necessário combater as próprias hierarquias institucionais feitas para segregar os sujeitos. As políticas públicas de inclusão visam a pensar o acesso de alunos e alunas, mas também precisam (re)pensar as educadoras e educadores dentro das redes de ensino. Trabalhar com as diferenças geracionais entre professoras e alunos e com as diferenças de sujeitos portadores de deficiência exige compreender como incluí-los. É necessário descolonizar o ideal de como tratar os sujeitos diferentes, assim como em todas as outras categorias. Contudo, embora se reconheça aqui os importantes avanços das políticas de inclusão, é importante tecer algumas críticas, algumas já feitas em outros momentos deste texto. As políticas de inclusão não conseguem fazer os embates que as diferenças implicam e questionar os preconceitos, ficando estagnadas na mesma perspectiva da tolerância colocada pela diversidade. Assim, é importantíssimo entendermos a nossa própria relação com o mundo que nos cerca, mas também entender que cada pessoa terá diferentes relações com sua realidade. A alteridade, assim como nossa cultura, não deve ser um processo de expectativa em cima de outros sujeitos e contextos, por isso é tão importante a compreensão de que a diversidade é conflitiva, e não agregadora. Fonte: https://www.promoview.com.br/
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