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9 Em relação aos fatores culturais, o autor afirma que: Cada povo tem sua peculiaridade, sua tendência ou dom natural. A Grécia, por exemplo, notabilizou-se pela arte, pela cultura; os hebreus pela religião; os fenícios pela navegação; Roma pelo direito. Pois o direito de cada um desses povos reflete o aspecto cultural em que mais se desenvolveram, e quando a cultura de um é colocada em contato com a do outro, há influências recíprocas sobre o direito de cada um. A conquista da Grécia, como é sabido por todos, exerceu influência decisiva, não apenas nas artes e na literatura romanas, mas também nas suas instituições jurídicas. [...] A maior evidência de ser o Direito uma manifestação de cultura social, um fenômeno cultural, está no fato de surgirem novos ramos do Direito à medida que se expande o mundo cultural do povo. Falamos hoje em Direito Espacial, Nuclear, das Telecomunicações etc. [...] (CAVALIERI FILHO, 2015, p. 56-57). 3 MULTICULTURALISMO E INTERCULTURALIDADE A sociabilidade e a socialização são dois temas clássicos da Sociologia, mas que são muito importantes para compreender como o ser humano se relaciona com a sociedade na qual está inserido e com a cultura dessa sociedade. Logo, também é uma preocupação da Antropologia compreender como o ser humano estabelece relações sociais. A sociabilidade é uma característica intrínseca ao ser humano, sendo quase uma necessidade para se viver em sociedade. É graças à sociabilidade que temos essa ânsia pela vida em grupo, já que o ser humano não é dado ao isolamento. No entanto, é a socialização que nos integra à cultura em que nascemos, inculcando- nos os valores e hábitos dela, que adotamos como nossos, por meio dos diversos agentes de socialização. São esses agentes de socialização que nos transmitem as normas que regem a nossa vida. A sociabilidade e a socialização são responsáveis pela característica dos seres humanos enquanto seres sociais e pela necessidade da vida em grupo. Nesse sentido, considerando a nossa vida social, é importante destacar que, embora outros animais (como os lobos, os macacos, as formigas e as abelhas) também sejam considerados animais sociais, pois vivem em grupos, “[...] somente os seres humanos têm culturas completamente elaboradas — tradições e costumes específicos transmitidos pela aprendizagem e pela linguagem ao longo de gerações”, conforme leciona Kottak (2013, p. 43). 10 Nesse sentido, o conceito de cultura se torna fundamental tanto para a Antropologia quanto para a Filosofia, pois nos possibilita compreender melhor os seres humanos e a sua vida social. Você, provavelmente, está se perguntando: afinal, qual é o conceito de cultura? Bem, o antropólogo, escritor e ex-ministro da educação, Darcy Ribeiro (1999), com muita simplicidade, afirma que a cultura é tudo o que resulta do trabalho humano, tudo o que é feito pelos homens ou resulta do trabalho deles e dos seus pensamentos. Temos também a definição amplamente citada de cultura enquanto objeto da Antropologia, elaborada por Tylor (2000, p. 1, grifo nosso): “A cultura [...] é o todo complexo que inclui conhecimentos, crenças, artes, regras morais, leis, costumes e quaisquer outras capacidades e hábitos adquiridos pelo homem como membro da sociedade”. Ou seja, para Tylor (2000), a cultura trata daquilo a que o ser humano está exposto por crescer em determinada sociedade, ficando exposto a uma tradição cultural específica. Por exemplo, os indivíduos que nascem no Rio Grande do Sul são apresentados aos elementos de sua cultura, aquilo que é da tradição gaúcha. Portanto, o indivíduo poderá ou não aprender a tomar chimarrão, falar “bah” ou “tchê”, etc. Ao ser exposto a determinada cultura, ao nascer, o ser humano adquire seus hábitos e costumes, e, portanto, estes passam a ser seus hábitos e suas culturas. De acordo com Kottak (2013, p. 44): “Enculturação é o processo pelo qual uma criança aprende sua cultura”. O processo de enculturação é possibilitado pela facilidade de aprendizagem das crianças. Acerca disso, Kottak (2013, p. 44) afirma: “A facilidade com que as crianças absorvem qualquer tradição cultural reside na capacidade humana singularmente sofisticada de aprender” Outra definição de cultura bastante conhecida e referenciada é a do antropólogo Clifford Geertz. Para Geertz (1981), as culturas se caracterizam como um conjunto de mecanismos de controle — planos, receitas, regras, instruções, aquilo que os engenheiros de informática chamam de programas para comandar o comportamento. Logo, a cultura é por ele definida como ideias baseadas na aprendizagem e nos símbolos culturais. Essas ideias são passadas não apenas às crianças, embora elas assimilem e aprendam de forma mais fácil; mas nós, adultos, podemos também receber novos hábitos e costumes — isso se dá a partir dos fatos sociais. A cultura também é aprendida por meio da observação, segundo Kottak. As 11 crianças observam os adultos e acabam repetindo os seus hábitos. Cabe ressaltar que essa aprendizagem nem sempre se dá de forma consciente. Fonte: CRStudio/Shutterstock.com. 3.1 Ser humano: produto e produtor de cultura Como vimos anteriormente, a cultura pode ser definida como tudo aquilo que o ser humano produz ou que sofre a sua intervenção, de forma que, segundo Ribeiro (1999), até uma galinha pode ser considerada cultura. Portanto, tudo o que vemos ao olhar ao nosso redor é cultural e foi produzido pelo ser humano, pois a realidade, como afirmou Freire, é a realidade humana, produzida pelo ser humano. Você deve concordar que o trabalho é muito importante para o ser humano, pois lhe dignifica, o torna útil e capaz de modificar a realidade, desde que não seja um trabalho em que seja explorado. Logo, não há exagero nenhum em dizer que o ser humano é produtor de cultura. Além disso, somos seres sociais que vivem em grupo, dotados de sociabilidade, ou seja, uma necessidade intrínseca de viver em grupo e/ou comunidades, pois não somos dados ao isolamento. Ainda, nossa educação, ou seja, as nossas aprendizagens, desenvolvidas ao longo da vida, são fruto dos processos de socialização que estabelecemos nos diferentes grupos sociais que integramos ao longo da nossa vida. Há também a enculturação, como vimos, por meio da qual aprendemos os hábitos da nossa cultura e tradição. Segundo a professora Aranha (2010), o processo de socialização tem início pela influência da comunidade sobre os indivíduos. É conhecida a história das 12 meninas-lobo encontradas na Índia, em 1920, vivendo em uma matilha. O comportamento delas em tudo se assemelhava ao dos lobos: andavam de quatro, comiam carne crua ou podre, uivavam à noite, não sabiam rir nem chorar. Só iniciaram o processo de humanização quando foram encontradas e passaram a conviver com pessoas. O mundo cultural é, dessa forma, um sistema de significados já estabelecidos por outros, de modo que, ao nascer, a criança encontra um mundo de valores dados, onde ela se situa. A língua que aprende, a maneira de se alimentar, o jeito de sentar, andar, correr, brincar, o tom de voz nas conversas, as relações sociais, tudo, enfim, se acha estabelecido em convenções. Até a emoção, que é uma manifestação espontânea, sujeita-se a regras que dirigem de certa maneira a sua expressão. A condição humana resulta, pois, da assimilação de modelos sociais: a humanização se realiza mediada pela cultura. Se, como afirma Aranha (2010) no excerto acima, a humanização se realiza mediada pela cultura, não é possível dissociar a sociabilidade e a socialização da cultura e dos processos de enculturação, pois é por meio delas que nos tornamos quem somos. É claro que não cabe exclusivamente ao processo de enculturação nos definir; somos constituídos pelos grupos sociais dos quais fazemos parte, pelas experiências que vivenciamos e por aquelas culturas com asquais temos contato. 3.2 Pluralismo Cultural O multiculturalismo, ou pluralismo cultural, dá-se por meio da convivência com diferentes grupos sociais de diferentes culturas em um mesmo território. Por meio do contato com outros grupos culturais, ocorre o processo de aculturação. A aculturação é o processo pelo qual os sujeitos adquirem traços ou se adaptam às outras culturas com as quais têm contato. O processo de aculturação permite o sincretismo cultural e religioso, uma vez que, a partir do contato com outras culturas e religiões, o sujeito acaba adquirindo os hábitos e costumes daquela sociedade ou grupo social, dando origem, muitas vezes, a novos hábitos e novas práticas culturais. No Brasil, a aculturação permitiu às culturas indígenas e africanas adquirirem traços das outras culturas. Houve também a aculturação religiosa, por meio da qual as religiões de matriz indígena e africana adquiriram traços das outras religiões. Essa troca entre as culturas é conhecida também como interculturalidade, que nada mais 13 é do que o intercâmbio cultural entre as sociedades — é quando sociedades com culturas diferentes interagem, e uma acaba assimilando os hábitos da outra, sem perder os seus hábitos culturais. Alguns autores trabalham o conceito de interculturalidade como sinônimo de multiculturalismo. (ARANHA, 2018). Em uma sociedade globalizada como esta em que vivemos, é comum que exista o que os antropólogos chamam de assimilação, que nada mais é do que o processo de mudança que um grupo étnico pode experimentar quando se muda para um país no qual uma outra cultura é dominante. Porém, essa mudança não é inevitável e nem necessária, desde que o grupo não se sinta ameaçado ou constrangido por agir conforme a sua cultura. (ARANHA, 2018). Em situações em que as pessoas são pressionadas ou questionadas acerca dos seus hábitos e culturas, é mais comum que exista a assimilação cultural, até como uma forma de autodefesa. Uma sociedade multicultural não só socializa os indivíduos na cultura dominante (nacional), mas também cria uma cultura étnica e permite, assim, a compreensão das semelhanças e diferenças entre as culturas, sem fazer qualquer julgamento. Contudo, em uma sociedade tão plural culturalmente, é necessário aumentar a vigilância contra os preconceitos e as intolerâncias. E, para isso, o diálogo e o respeito são imprescindíveis. 3.3 O diálogo e o respeito às diferentes culturas Nos cenários atuais, temos várias culturas convivendo em um mesmo território, graças à globalização, e as pessoas interagem via redes sociais com pessoas de diferentes culturas, tanto do seu próprio país como dos demais. Alertar para a necessidade do diálogo e do respeito às diferentes culturas se torna ainda mais necessário. Segundo Kottak (2013, p. 62): O termo globalização abarca uma série de processos que operam em nível transnacional para promover transformações, em um mundo no qual as nações e as pessoas são cada vez mais interligadas e mutuamente dependentes. Promovendo a globalização estão as forças econômicas e políticas, juntamente com modernos sistemas de transporte e comunicação. Como já vislumbrava o Papa João Paulo II, em sua Encíclica Redemptoris Missio (JOÃO PAULO II, 1990, documento on-line): 14 Encontramo-nos hoje diante de uma situação religiosa bastante diversificada e mutável: os povos estão em movimento; certas realidades sociais e religiosas, que, tempos atrás, eram claras e definidas, hoje evoluem em situações complexas. Basta pensar em fenômenos tais como o urbanismo, as migrações em massa, a movimentação de refugiados, a descristianização de países com antiga tradição cristã, a influência crescente do Evangelho e dos seus valores em países de elevada maioria não cristã, o pulular de messianismos e de seitas religiosas. É uma alteração tal de situações religiosas e sociais, que se torna difícil aplicar em concreto certas distinções e categorias eclesiais, a que estávamos habituados. As redes sociais, ao mesmo tempo que aproximam as pessoas das diferentes culturas, familiarizando-as com as práticas culturais dos diferentes povos que estão presentes nessa grande aldeia global ou casa comum que é a Terra, acaba distanciando-as também, devido à incompreensão e à falta de diálogo e respeito. A cada dia, vemos as pessoas se sentindo autorizadas a escreverem e dizerem o que querem, como se as redes sociais fossem uma “terra de ninguém”. Talvez, aqui, o ponto nevrálgico seja que as pessoas escrevem e dizem o que pensam. Portanto, cabe questionar: como mudar esse pensamento? Como diminuir ou mesmo erradicar a intolerância, a falta de respeito, a falta de empatia e de alteridade com relação ao outro? Esse outro que é estranho a mim, mas que, ao mesmo tempo, é meu irmão e criado por Deus também. A atitude de julgar a cultura e os hábitos do outro a partir da minha própria cultura é o que os antropólogos chamam de etnocentrismo. O etnocentrismo pode ser compreendido como uma visão do mundo na qual a própria cultura é tomada como superior e se aplicam os próprios valores culturais no julgamento dos comportamentos e das crenças de pessoas de outras culturas. No plano intelectual, pode ser visto como a dificuldade de pensarmos a diferença; no plano afetivo, ocorre na forma de sentimentos de estranheza, medo, hostilidade, etc. Como alternativa aos comportamentos etnocêntricos, há quem defenda a perspectiva do relativismo cultural, que é a visão de que o comportamento de uma cultura não pode ser julgado pelos padrões culturais de outra, conforme aponta Kottak (2013). O problema com o relativismo cultural é que ele pode nos conduzir ao relativismo moral, fazendo com que tenhamos de abrir mão de alguns valores e princípios fundamentais porque não podemos julgar as práticas culturais e religiosas das outras sociedades. Nesse sentido, para evitar esse relativismo moral, se existe alguma atitude a ser tomada, ela envolve sempre o diálogo e o respeito, pois se tratam de questões complexas e polêmicas, como o caso do infanticídio em tribos indígenas,
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