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A crônica contemporânea de autoras femininas

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Universidade Federal do Rio de Janeiro 
 
 
 
A crônica contemporânea de autoria feminina: 
Lya Luft, Marina Colasanti e Martha Medeiros 
 
 
 
 
 
Sílvia Barros da Silva Freire 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
2009 
 
 2
A crônica contemporânea de autoria feminina: 
Lya Luft, Marina Colasanti e Martha Medeiros 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
por 
Sílvia Barros da Silva Freire 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de 
Pós-Graduação em Letras Vernáculas da Universidade 
Federal do Rio de Janeiro como quesito para a obtenção 
do Título de Mestre em Letras Vernáculas (Literatura 
Brasileira). 
Orientador: Profª. Doutora Elódia Xavier 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Rio de Janeiro 
 Fevereiro de 2009 
 
 
 3
A crônica contemporânea de autoria feminina: 
Lya Luft, Marina Colasanti e Martha Medeiros 
Sílvia Barros da Silva Freire 
Orientadora: Professora Doutora Elódia Xavier 
 
 
 Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Letras 
Vernáculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos 
requisitos necessários para a obtenção do título de Mestre em Letras Vernáculas 
(Literatura Brasileira). 
 
 
Examinada por: 
 
 
_________________________________________________ 
Presidente, Profa. Doutora Elódia Xavier - UFRJ 
 
 
_________________________________________________ 
Profa. Doutora Rosa Maria de Carvalho Gens – UFRJ 
 
 
_________________________________________________ 
Profa. Doutora Helena Parente Cunha - UFRJ 
 
 
_________________________________________________ 
Prof. Doutor Antônio Carlos Secchin UFRJ, Suplente 
 
 
_________________________________________________ 
Profa. Doutora Angélica Soares– UFRJ, Suplente 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 4
 
BARROS, Sílvia da S. Freire. A crônica contemporânea de autoria feminina: Lya Luft, 
Marina Colasanti e Martha Medeiros. Rio de Janeiro, UFRJ, Faculdade de Letras, 2009. 
Dissertação de Mestrado em Letras Vernáculas (Literatura Brasileira). 
 
 
 
Resumo 
 
O presente trabalho analisa a crônica contemporânea de autoria feminina na perspectiva das 
questões de gênero. A crônica é entendida como gênero literário intimamente ligado aos 
discursos sociais por estar vinculada à mídia impressa. O estudo da autoria feminina propõe 
um olhar sobre os papéis de gênero na Literatura Brasileira. Leva-se em conta que a produção 
de crônicas também faz parte da obra literária das autoras. A autoras selecionadas são 
cronistas com ampla obra em prosa e poesia. Essa característica é fundamental para 
compreender a importância de analisar seus discursos a respeito do papel das mulheres na 
sociedade contemporânea. Foram selecionadas três autoras: Lya Luft (1938) cronista da 
revista Veja; Martha Medeiros (1961), revista de domingo do jornal O Globo e Marina 
Colasanti (1937), Jornal do Brasil. A contribuição de tais escritoras para a literatura brasileira 
contemporânea revela a importância de estudá-las também no âmbito da crônica, pois esta faz 
parte do cotidiano de muitos leitores. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 5
BARROS, Sílvia da S. Freire. A crônica contemporânea de autoria feminina: Lya Luft, 
Marina Colasanti e Martha Medeiros. Rio de Janeiro, UFRJ, Faculdade de Letras, 2009. 
Dissertação de Mestrado em Letras Vernáculas (Literatura Brasileira). 
 
Abstract 
 
The aim of this thesis is to analize contemporary “crônicas” written by female authors 
focusing on gender issues. “Crônica” is understood here as a literary genre deeply related with 
the social discourses since it is tied to press media. The studies of female writing casts a view 
on the gender relations in Brazilian literature. We consider that the making of the “crônicas” is 
also part of the female authors’ literary work. The selected female authors are writers with a 
vast body of work in prose and poetry. This factor is central for the comprehension of the 
importance in analizing their discourses about the role of women on contemporary society. We 
selected three authors: Lya Luft (1938), who writes for the weekly magazine Veja; Martha 
Medeiros (1961), responsible for a weekly column in the newspaper O Globo; and Marina 
Colasanti (1937), writing for the newspaper Jornal do Brasil. The contribution of these female 
authors for the Brazilian contemporary literature reveals the importance of studying their work 
as chronicle writers since their chronicles are part of the daily routine of several readers. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 6
 
 
 
 
 Sumário 
 
 
 
1- Introdução........................................................................................................................8 
1.1- Questões de gênero.............................................................................................12 
1.2- As cronistas........................................................................................................15 
2- Laços da família contemporânea...................................................................................16 
3- Relações amorosas na “Modernidade Líquida”.............................................................36 
4- Estereótipos no discurso da crônica...............................................................................58 
5- Conclusão.......................................................................................................................84 
6- Bibliografia....................................................................................................................87 
7- Anexos ..........................................................................................................................91 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 7
 
 
 
 
Agradecimentos 
 
Às vezes é preciso agradecer e, muitas vezes, não sabemos os motivos ao certo. Pessoas 
importantes contribuem para nosso trabalho e crescimento apenas por existirem em nossas 
vidas. Sou grata a quem me acompanhou com carinho no desenvolvimento deste trabalho: 
Professora Elódia Xavier; e a quem me apresentou às questões de gênero que nortearam minha 
pesquisa: Professor Luiz Paulo da Moita Lopes. Sou grata a quem me apresentou ao mundo: 
meus pais; a quem me apresentou o mundo: minhas amigas; e a quem mudou meu mundo: 
Débora. 
Muito obrigada. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 8
 1. Introdução 
 
Na contemporaneidade, noções como hibridismo, intertexto e pluralismo fazem parte 
do campo de estudo de diversas áreas, principalmente das Ciências Humanas. Na literatura, é 
hoje visão corrente que os gêneros textuais não são entidades estanques, facilmente 
reconhecíveis e rotuláveis. 
Contudo, se observarmos a crônica, desde suas produções mais remotas até hoje, 
poderemos dizer que esse é um gênero por natureza híbrido: costuma ser apresentado como 
algo no limiar entre o jornalismo e a literatura. Isso porque tradicionalmente povoa as páginas 
dos jornais e revistas e trata de assuntos do cotidiano, muitas vezes se aproximando da matéria 
jornalística. 
Além disso, o/a cronista dificilmente tem esse gênero como sua única forma de 
produzir. Assim, o/a cronista não é contista, tampouco repórter, embora muitas vezes também 
exerça a função de ficcionista ou jornalista. 
 
 Enquanto o contista mergulha de ponta-cabeça na construção do personagem, 
do tempo, do espaço e da atmosfera que darão força ao fato exemplar, o cronista age 
de maneira mais solta, dando a impressão de que pretende apenas ficar na superfície 
de seus próprios comentários, sem ter sequer a preocupação de colocar-se na pele de 
um narrador, que é, principalmente, personagem ficcional (como acontece nos contos, 
novelas e romances). Assim, quem narra uma crônica é o seu autor mesmo, e tudo o 
queele diz parece ter acontecido de fato, como se nós, leitores, estivéssemos diante 
de uma reportagem. (SÁ, 2002, p. 9) 
 
 
A crônica pode incluir uma narrativa, pode ser extremamente poética ou humorística. 
Pode apresentar análises cinematográficas ou literárias, enfim, comportar uma série de 
possibilidades que tanto se apresentam sozinhas como associadas. Muitas vezes, o/a cronista 
se apropria de fatos ocorridos no curto espaço de tempo entre uma publicação e outra como 
assunto para sua reflexão. Tais fatos podem ser de domínio público, ou episódios de seu 
cotidiano: 
Por meio dos assuntos, da composição aparentemente solta, do ar de coisa 
sem necessidade que costuma assumir, ela se ajusta à sensibilidade de todo o dia. 
Principalmente porque elabora uma linguagem que fala de perto ao nosso modo de 
ser mais natural. (CANDIDO, 1992, p. 13) 
 
 9
Para Antonio Candido (1992), o fato de a crônica ser um gênero menor é positivo, pois 
a torna mais próxima dos/as leitores/as. Isso se mostra também nos locais do jornal em que 
esses textos começaram a ser publicados: no rodapé, na coluna de variedades. Ou seja, um 
espaço já, de certa forma, separado do texto exclusivamente jornalístico. 
 
Rastrear as Variedades pela imprensa brasileira da primeira metade do 
século XIX significa tanto ir ao encalço das primeiras manifestações de ficção, como 
de um espaço livre à criação e à transformação do jornal. (MEYER, 1992, p. 105) 
 
Em seu artigo “Voláteis e versáteis. De variedades e folhetins se fez a chronica”, 
Marlyse Meyer apresenta a inserção do rodapé – rez-de-chaussée, rés-do-chão –, moda 
importada da França, como importante espaço para uma nova e brasileira forma de escrever, 
de fazer literatura e jornalismo. Nesse espaço havia receitas, notícias de crimes floreadas com 
charadas e mistérios, críticas e comentários sobre a vida na corte. 
Esses diferentes assuntos terminaram por se consolidar numa forma peculiar de escrita 
jornalístico-literária: a crônica como a conhecemos hoje. 
 
(...) sua motivação principal é o conjunto que o jornal acolhe em suas 
páginas e colunas. Só que ela não os reconstitui, sua função é de apreender-lhes o 
significado, ironizá-los ou vislumbrar a dimensão poética não explicitada pela teia 
jornalística convencional. (MELO, 2002. p. 139) 
 
 
Mais do que resignificar as notícias do jornal, acredito que a crônica tem como 
temática o cotidiano de modo geral. Assim o autor ou a autora faz um papel de leitor/a 
crítico/a, com o privilégio de além de comentar as matérias do jornal, introduzir temas e 
situações vividas somente por ele/a, mas que podem ser abertas para uma reflexão que atinja a 
todos/as. 
Faz-se, então, muitas vezes, a exposição de opiniões por meio das linhas e entrelinhas 
da literatura. Cito como exemplo a crônica “A mosca azul” de Humberto de Campos, retirada 
da compilação As cem melhores crônicas brasileiras (SANTOS, 2007, p. 80-82). O texto tem 
como tema a descrença na instituição do casamento. Com humor, o narrador aconselha um frei 
a não abandonar a Ordem dos Franciscanos para se casar com uma freira. Humberto de 
Campos expõe sua visão sobre o assunto num tom jocoso, cheio de graça e lirismo: 
 10
 
Quanto é diferente, porém, a vida aqui fora, meu irmão e meu santo, mesmo 
quando o amor e a amizade são padrinhos civis ou católicos do casamento! 
Substituído a seu pesado hábito de franciscano por uma roupa de leigo, debalde 
procurará você o chalezinho branco e azul, enfeitado de glicínias e pombos. Ao vir 
do dia, na casa escura em que se forem vocês esconder, verá você irmã Eleonora 
discutir com o homem da carne, com o homem do pão, com o homem da banana-
ouro ou com o homem da laranja-pedra. 
 
É papel da crônica contribuir para as discussões em pauta na sociedade – e atualmente 
essa característica tem se acentuado ainda mais – , ou, como diz Antonio Candido “estabelecer 
e restabelecer a dimensão das coisas e das pessoas” (p. 14). 
Entendo, inclusive, a crônica como um espaço de legitimação de determinadas 
ideologias. Os autores e autoras que as escrevem, se inserem de forma diferente dos/as demais 
jornalistas, a opinião do/a escritor/a agrega valor ao veículo jornalístico. 
 
A crônica, por força de seu discurso híbrido – objetividade do jornalismo e 
subjetividade da criação literária –, une com eficácia código e mensagem, o ético e o 
estético, calcando com nitidez as linhas mestras da ideologia do autor. (LOPEZ, 
1992, p. 167) 
 
Por isso, me parece importante o estudo de tal gênero ainda longe da atenção que 
merece. Talvez, essa menor atenção se deva ao fato de se acreditar que a crônica, por ser 
datada, é um texto que perderá a significação rapidamente. Pode-se pensar, também, que a 
temática seja muito rasteira, sem importância para a análise literária. 
Entretanto, a aparente superficialidade da crônica encerra um aspecto importante que 
diz respeito tanto à literatura quanto à mídia: a repercussão de discursos socialmente correntes. 
Isto quer dizer que nos romances e contos, através do narrador e personagens, o autor 
ou autora faz a representação da vida social, reproduzindo discursos seja para criticá-los, seja 
para reforçá-los, assim como nas crônicas, em que ela expõe suas idéias e opiniões sobre 
diversos assuntos. A diferença é que nos textos ficcionais a voz do autor ou autora é expressa 
através de personagens e narradores, já na crônica não há essa mediação. 
Também não devemos nos esquecer de que importantes nomes da literatura foram e 
são cronistas profícuos. Ignorar a produção “jornalística” desses autores é negar-lhes parte da 
 11
obra. Hoje se tornou comum que de tempos em tempos os/as autores/as publiquem livros com 
a reunião das crônicas, dando mais visibilidade ao gênero e levando o texto para a posteridade. 
Ao estudarmos a história da crônica, vemos que seu espaço foi herdado dos folhetins. 
O folhetim já se introduz no jornal como um texto próximo da crônica atual, comentando a 
vida social, política e cultural. Com o tempo, abriu-se espaço para a ficção. O folhetim passou 
a ser sinônimo dos romances publicados em capítulos que tratavam da vida e dos hábitos 
burgueses da cidade (Resende, 2001). 
Contudo, com o passar do tempo e a consolidação do gênero, houve uma “espécie de 
progressão ao despojamento, o texto crônica, cada vez mais, vai se coloquializando e 
absorvendo a leveza da oralidade” (DIAS, 2002 p. 59) abrindo espaço maior para a voz do/a 
cronista, retomando suas caractarísticas originais. 
O estudo da crônica contemporânea permite atualizar as características desse gênero 
que, por ser subjetivo e contextualizado, se transforma ao longo do tempo. Podemos perceber 
que quanto mais atual a crônica, menos componentes do conto ela apresentará e mais do 
ensaio, do comentário e mesmo da crítica. 
Além disso, nos deparamos com temáticas muito ligadas aos fenômenos midiáticos, 
fato que se explica pelo hibridismo dos meios de comunicação (internet repercutindo a 
televisão, jornais cobrindo crimes do ciberespaço etc) e rapidez das informações. A/o cronista 
escreve ao sabor do cotidiano incluindo impressões das mais pessoais e comentários sobre 
acontecimentos públicos. 
Ressalto também que meu interesse pelo estudo da crônica é tão híbrido quanto o 
próprio gênero literário. Em primeiro lugar porque não procuro ler os textos isoladamente, 
mas sim como parte da obra das autoras que selecionei. Como já foi exposto, a crônica permite 
a exposição do ponto de vista da autora ou autor, ponto de vista esse, que pode ter sido já 
apresentado em sua obra ficcional; podendo, ainda, ocorrer paradoxo entre diferentes visões na 
mesma/o autora ou autor. 
Soma-se a isso, meu interesse pelos estudos de gênero. Emprego a palavra gênero 
agora, para me referir aos gêneros masculino e feminino. Ou seja, meu foco está na forma pela 
qual as cronistas assumem suas posições ideológicas em relaçãoaos papéis sociais de homens 
e mulheres. 
 
 12
 1.1 Questões de gênero 
 
No presente trabalho focalizo a autoria feminina, buscando encontrar e interpretar as 
marcas de gênero que as autoras imprimem em sua escrita. Entendo o gênero como um 
produto social e culturalmente construído sobre as formas pelas quais percebemos as 
diferenças entre os sexos (LOURO, 1997). 
Percebo, também, a importância de marcar a autoria feminina como ponto de partida, 
uma vez que a participação das mulheres tanto na imprensa quanto na literatura é fruto de 
intenso enfrentamento social do qual ainda sentimos as conseqüências. Por exemplo, na 
coletânea das cem melhores crônicas feita por Joaquim Ferreira do Santos, cinco mulheres são 
contempladas em um universo de sessenta e três escritores. 
É cada vez mais constante a presença da mulher (escritora ou não) em todos os setores, 
inclusive na imprensa. A princípio podemos dizer que a participação das mulheres tinha um 
cunho extremamente “gendrado”, ou seja, marcadamente uma escrita de mulheres, para 
mulheres, tanto em revistas femininas de comportamento e moda como em publicações de 
cunho feminista: 
Em meados do século XIX surgiram no Brasil diversos jornais editados por 
mulheres, que, certamente, tiveram grande papel para estimular e disseminar as 
novas idéias a respeito das potencialidades femininas. Vários brasileiros recorriam à 
imprensa para informação e troca de idéias sobre crenças e atividades. As feministas 
brasileiras também lançaram mão desse recurso. (TELES, 1999, p. 33) 
 
No século XIX a imprensa passa a ter papel fundamental na cultura do país. Mais 
pessoas têm acesso a jornais e revistas que se proliferam principalmente nas capitais. Alguns 
grupos mais intelectualizados ou politizados, conseguiram atuar diretamente nesses veículos. 
Porém, nem todas as publicações destinadas ao público feminino eram feitas por mulheres. 
Marlyse Meyer (1992) apresenta o trecho do prospecto de um periódico que pretendia se 
adequar à nova mulher brasileira, leitora de romances, mais integrada aos costumes burgueses, 
de acordo com a moda européia 
 
A influência das mulheres sobre as vontades, as ações e a felicidade dos 
homens abrange todos o momentos da existência e quanto mais adiantada a 
civilização, mais influente se mostra esse inato poder (...) (p. 120) 
 
 13
 
Essa publicação, como muitas outras, era feita por homens e destinada às mulheres. 
Entretanto, nessa mesma época (meados do século XIX), já contamos com a presença dos 
escritos de Nísia Floresta. Primeiro como colaboradora de O Brasil ilustrado, depois com seus 
textos intitulados “Passeio ao Aqueduto Carioca” (MENDONÇA, 2002, p. 24). 
Vemos com isso, que a entrada da mulher na literatura e no jornalismo, seja como 
público, seja como produtora, não foi de todo tardia. Porém, o que se pode constatar 
facilmente é que essas escritoras não gozaram do mesmo prestígio dos homens, tampouco da 
visibilidade que eles tinham. 
Atualmente, diversas mulheres assinam colunas em jornais e revistas. Escritoras ou 
intelectuais de outras áreas têm seus textos disponíveis de forma cada vez mais ampla. Para 
citar apenas algumas: Fernanda Young (Revista Cláudia), Patrícia Travassos, (Revista Marie 
Claire), Fernanda Torres (Revista Veja Rio), Maitê Proença (Revista Época), Cora Ronai (O 
Globo). 
Nem sempre um texto escrito por mulheres é feito sob uma perspectiva feminista (entre 
as diversas teorias feministas), na verdade, parte das vezes, seus textos agem em favor da 
manutenção de idéias conservadoras a respeito dos papéis da mulher na sociedade. 
 
Embora importantes transformações no papel de mulheres e homens em 
nossa sociedade tenham ocorrido nos últimos anos, é preciso não superestimar a 
profundidade dessas mudanças, nem tampouco acreditar que as desigualdades entre 
homens e mulheres nos espaços público e privado tenha sido erradicadas. (ROCHA 
COUTINHO, 2001, p. 67) 
 
Com base nessa noção, apresentada por Maria Lúcia Rocha Coutinho, me baseio para 
questionar se as cronistas contemporâneas brasileiras representam em sua literatura as 
transformações a que a sociedade assiste. 
Sendo a literatura espaço privilegiado para representar o mundo, em que autores e 
autoras apresentam seu olhar sobre diversos aspectos da vida, compartilhando com leitoras e 
leitores seus posicionamentos a respeito desses aspectos, considero o espaço da mídia ainda 
mais especial pela abrangência de que goza. 
O processo de escrita e leitura possibilita a construção de conhecimento em co-
produção autor/leitor, isto é, nem o/a autor/a consegue “transmitir” claramente seu 
pensamento, nem o/a leitor/a “apreende” seu significado por completo. Há uma negociação, 
 14
quem lê precisa “fazer sua parte”, preencher lacunas, lidar com polissemias e ambigüidades; 
enquanto cabe a quem escreve apresentar sua visão como uma das formas de ver as diversas 
realidades que o cercam. 
Na crônica de autoria feminina, a visão de mundo parte de um lugar diferente, o não 
canônico, numa perspectiva que muito pouco foi contemplada na história da literatura. “A 
partir de Clarice Lispector, a ‘condição feminina’ passa a ser problematizada, pondo em 
questão a ideologia dominante.” (XAVIER, 1991, p. 15). Desde Clarice Lispector, apresenta-
se essa nova forma de pensar a situação da mulher: a conformidade dá lugar à perplexidade, a 
identidade, à alteridade. 
Mas, como já havia dito, muitas vezes um discurso produzido por mulher não 
apresenta alternativas ao sistema dominante. Ainda podemos nos deparar com falas baseadas 
na idéia de que mulheres são regidas por instintos ou por seus corpos biológicos, cujos 
hormônios, neurotransmissores, ciclos, etc definem quem são e qual seu destino. Com a 
pesquisa científica, esse discurso biologizante tem ficando ainda mais disponível, e 
conseqüentemente, reproduzível. 
No século XXI, com as fronteiras cada vez mais abertas às diversas vozes, me interessa 
percorrer os textos de autoria feminina de jornais e revistas – mais acessíveis a uma grande 
quantidade de leitores/as – em busca de quais discursos essas mulheres estão produzindo ou 
reproduzindo. 
 Para minha pesquisa selecionei apenas três autoras, pois, minha intenção não é fazer 
um panorama da crônica contemporânea de autora feminina, mas sim fazer uma leitura mais 
próximas de alguns textos atualmente veiculados. 
As autoras selecionadas são: Lya Luft (Revista Veja), Marina Colasanti (Jornal do 
Brasil) e Martha Medeiros (O Globo). Três critérios embasaram minha escolha: o primeiro é o 
fato de as cronistas serem também escritoras de outros gêneros literários, as três são 
ficcionistas e poetisas; o segundo, a contemporaneidade da publicação, sendo selecionados 
textos a partir de 2007, ano em que comecei a pesquisa. O último critério é a visibilidade dos 
meios em que publicam. Não optei por crônicas publicadas, por exemplo, em revistas 
direcionadas ao chamado “público feminino”. 
Essa opção foi feita pelo fato de que tais publicações apresentam temas absolutamente 
gendrados e, conseqüentemente, as autoras, seguindo a linha editorial, escrevem textos “para 
 15
mulheres”. Acredito que essa escolha restringiria minha análise, pois pretendo investigar as 
formas pelas quais as autoras constroem suas noções de gênero em relação a diversos temas. 
Aliás, é importante salientar aqui que até mesmo pela natureza da minha pesquisa – 
diversificada, plural –, trabalho com a impossibilidade de uma representação única dos 
gêneros, busco as diferentes visões sobre as formas ser mulher. 
 
1.2 As autoras 
 
Marina Colasanti (1937), Lya Luft (1938) e Martha Medeiros (1961), são cronistas 
atuantes há bastante tempo, tendo publicado volumes com seus textos retirados dos jornais. 
Apesar da facilidade de trabalhar com crônicas já reunidas, optei por textos contemporâneos a 
minha pesquisa. 
Isso porque écomum que as autoras utilizem notícias recém divulgadas como tema de 
suas crônicas. Tal característica é importante, pois atualiza as noções que possuem sobre os 
gêneros. Com a escrita de textos novos, os significados são repensados, muitas vezes levando 
a autora a se posicionar de maneira nova ou até inédita sobre o assunto em voga. 
Lya Luft, cronista da Revista Veja, comumente, escreve sobre política brasileira, 
aproximando sua página da temática principal do veículo no qual publica. Porém sua obra 
possui forte ligação com os temas relacionados à questão de gênero. Os romances da autora 
têm como característica a narradora-personagem em conflito, assim “escava a problemática 
feminina do ponto de vista da mulher e que, ultrapassando os limites do ‘feminino’ 
convencional, dá-lhe uma dimensão abrangente: a da condição humana” (COELHO, 1993, p. 
231). 
Martha Medeiros, por sua vez, possui uma boa quantidade de textos refletindo sobre 
episódios pessoais, além de discutir fenômenos de mídia (televisão, Internet, por exemplo). O 
que não contrasta com a natureza da revista de domingo do jornal O Globo – de variedades, 
moda, entrevista – da qual seus textos fazem parte. Seu livro mais famoso Divã (2002), 
transformado em peça de teatro, é uma reflexão da personagem feminina sobre sua vida, 
condição de mulher e de indivíduo inserido na contemporaneidade. As crônicas da autora já 
foram reunidas em livro, um deles, Trem Bala (1999) também já foi adaptado para teatro, o 
 16
que mostra como a crônica atual é comprometida com a pertinência e perenidade de seus 
temas. 
Marina Colasanti, por sua experiência em revistas para o público feminino – Marina foi 
editora da revista Nova nos anos 70 e mais tarde colaborou com a revista Cláudia – publicou 
livros a respeito da condição da mulher contemporânea: A nova mulher (1980) e Mulher daqui 
pra frente (1981). No Jornal do Brasil publicou em diversas épocas, se desligando do veículo 
em 2007. Diferentemente de Lya Luft que escreve sobre questões sociais e política na Veja, 
Marina produz para o JB muitos textos comentando filmes, publicações e exposições, 
refletindo a temática central do caderno “Caderno B”. 
Antes de fazer a escolha do tema de pesquisa, havia lido poucos textos das autoras aqui 
citadas. Contudo, ao definir que trabalharia com crônicas e começar a recolhê-las, percebi 
também que seria necessário ter contato com romances e contos das autoras. A partir disso, 
diversas associações entre o que lia nas crônicas e nos contos ou romances foram surgindo, 
mostrando como essas autoras já haviam exposto, por meio da ficção, idéias presentes nas 
crônicas. 
Essa percepção configurou importante ferramenta de análise que perpassará todo meu 
texto. Alguns livros serão citados ao longo do presente trabalho, são eles: O silêncio dos 
amantes (2008), A sentinela (2003), Reunião de família (1982), A asa esquerda do anjo (2003) 
e As parceiras (2005) de Lya Luft. Da autoria de Marina Colasanti selecionei Contos de amor 
rasgado (1986), Um espinho de marfim (1999); Divã (2002) e Tudo o que eu queria te dizer 
(2008), são as obras de Martha Medeiros aqui citadas. 
A organização dos capítulos será feita por temas. Essa organização permite articular as 
vozes das autoras sobre um mesmo assunto. A divisão temática, algumas vezes, privilegiará 
mais uma cronista do que as outras, já que cada uma apresenta certos direcionamentos 
temáticos de forma mais marcante. O trabalho se constitui das seguintes partes: capítulo 2: 
“Laços da família contemporânea”, em que analiso os novos padrões de família expostos pelas 
autoras, mostrando, principalmente, como as relações de gênero foram trabalhadas no núcleo 
familiar. Capítulo 3: “Relações amorosas na ‘Modernidade Líquida’”, a respeito do amor, dos 
encontros amorosos e sexuais e das várias formas de relacionamento muito ligadas às novas 
formas de ser mulher na nossa sociedade. No capítulo 4, “Os estereótipos no discurso da 
 17
crônica”, abordo as diferentes maneiras como as autoras tratam os clichês relacionados aos 
gêneros. O capítulo 5 é dedicado à conclusão do trabalho. 
Para empreender a análise dos textos, portanto, utilizo as teorias de gênero em suas 
diversas vertentes, uma vez que esse é o fio condutor da minha pesquisa. Tenho o apoio de 
textos teóricos sobre os temas apresentados em cada capítulo e sobre a crônica, me remetendo 
ao gênero literário e a suas características durante todo o texto. Contudo, o mais importante é 
enfatizar que a intenção da minha pesquisa é o trabalho da linguagem na crônica, pois, é por 
meio dela que as autoras significam e resignificam os conceitos presentes na cultura. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 18
2- Laços da Família Contemporânea 
 
A família é a primeira instância pela qual passamos no processo de socialização e, 
conseqüentemente, no processo de construção identitária. “Sendo a família o espaço por 
excelência de socialização da mulher – é aí onde ela começa a se tornar mulher – isto é, é o 
espaço onde as relações de gênero são apreendidas e transmitidas”. (XAVIER, 1998, p. 65) 
Nas narrativas de autoria feminina, a reflexão sobre as relações em que se envolvem os 
membros da família – a nuclear, principalmente – estão sempre presentes, por ser 
tradicionalmente o espaço de pertencimento da mulher. 
O título deste capítulo faz referência a uma obra essencial para compreender a situação 
da mulher em relação à família na nossa literatura: Laços de Família, de Clarice Lispector. 
Foi refletindo sobre os questionamentos pioneiros de Clarice Lispector que selecionei o 
tema. Por meio da crônica – até mesmo pelas características do gênero já apresentadas –, 
acredito que seja possível observar como essas questões são atualizadas, principalmente no 
que diz respeito às formas contemporâneas de família. 
O texto de Lya Luft publicado no dia 20 de junho de 2007 intitulado “Jogos da Vida”, 
se propõe explicitamente a discutir as questões de gênero. A autora escreve: “O que escrevo 
hoje nasce do muito refletir sobre a questão dos gêneros masculino e feminino, num eterno 
enfrentamento, que pode ser dança de sedução ou feroz batalha.”. 
Ela reconhece que há um enfrentamento entre homens e mulheres; porém, o qualifica 
como eterno, o que pode ser interpretado como a idéia de que essa luta é natural e perene, e 
que é normal que as diferenças de gênero promovam conflitos. Percebemos que o que se 
discute hoje é justamente a desconstrução dessa “guerra dos sexos” como algo natural; busca-
se o questionamento de um dualismo cujos elementos sempre lutaram em desigualdade de 
forças. Aliás, aquela citação esclarece o título “Jogos da Vida”, conflitos de gênero 
comparados à vida, pois, são parte fundamental dela. 
A temática que sustenta a discussão sobre os gêneros é a gravidez não consentida pelo 
homem. A autora pretende mostrar que as mulheres têm muitos poderes e que um deles é o de 
controlar a concepção. Para isso ela lança mão de uma lista de mulheres poderosas: “bruxas 
queimadas”, “curandeiras temidas”, “poderosas empresárias”, “endeusadas modelos”, “jovens 
atrizes”, “saltitantes socialites”. Os adjetivos qualificam as mulheres poderosas, revelando 
 19
arquétipos e dando força ao sentido de poder que ela quer representar. Completando esse 
elenco de poderosas está a mulher que tem “um filho que o homem não queria.”. 
Na verdade, todas elas podem cometer o ato de engravidar sem consultar o parceiro; 
pois essa é uma possibilidade aberta desde a difusão dos métodos contraceptivos e com o fim 
das tradições patriarcais de casamento: 
 
Dali em diante, não é mais o homem que decide, utilizando a retirada, mas a mulher 
que escolhe ter ou não ter filho com esse homem. A relação inverteu-se 
completamente em detrimento do pai, despojado de um poder essencial. 
(BADINTER, 1986, p. 200) 
 
A inversão de que falaElisabeth Badinter não é apenas um dado histórico, é, como diz 
Lya Luft, um poder dos mais negativos quando utilizado para chantagem ou promoção social. 
O assunto de extremo valor para a mídia extrapola os meios privados e mostra como artistas, 
atletas e políticos caem na mesma armadilha, pois, segundo a autora, algumas mulheres 
“manejam com perfídia” esse poder. 
No texto, são reproduzidas frases que a autora acredita serem freqüentemente usadas 
pelas mulheres que critica: “Claro que estou me cuidando. Claro que boto o DIU, claro que 
tomo a pílula”. E depois: “A pílula deve ter falhado, amorzinho, olhaí, surpresa, você vai ser 
papai.”. Esse recurso irônico mostra que ela não adere a um protecionismo feminista que 
coloca as mulheres sempre no papel de vítimas. Admite, assim, que as mulheres não carregam 
uma personalidade única marcada pelo gênero, mas que agem conforme as tramas sociais em 
que se envolvem, assim como suas personagens, sempre assumindo formas diferentes de 
serem mulheres. 
Vemos que na composição de seus romances e contos Lya Luft apresenta essa 
diversidade identitária, como na tríade Alice, Aretusa e Evelyn de Reunião de Família (1982). 
A primeira é “uma mulher comum; dessas que lidam na cozinha, tiram poeira dos móveis, 
andam na rua com uma sacola de verduras, sofrem de varizes e às vezes de insônia” (p. 13). A 
segunda uma “mulher emancipada; trabalha fora e não precisa de consentimento do meu irmão 
para nada” (p. 11); e a última: “sempre foi uma dona-de-casa eficiente, controlando tudo, 
exigindo perfeição em cada detalhe” (p. 14). 
 20
Cada uma está empenhada em sua rotina, desejos e dores. Assim, a autora transfere 
para a crônica, agora com sua própria voz, não mais a da narradora, que existem mulheres que 
se direcionam para o lar, outras que se dedicam ao trabalho, mas que qualquer uma delas pode 
praticar o condenável ato – em sua opinião – de engravidar por interesse. 
Essa opinião é compartilhada pela narradora do conto “Bebês no sótão” de O Silêncio 
dos Amantes, (2008) que reflete sobre a gravidez de sua irmã: 
 
Repetia a mesma história mais uma vez. Pensei, vagamente irritada, que coisa, com 
toda a modernidade, a liberdade, o feminismo e o escambau, mulheres e meninotas 
engravidam sem querer. Seria sem querer? (p. 48) 
 
Considerar que as mulheres se envolvem em práticas reprováveis alinha Lya Luft 
àqueles que acreditam que as diferenças existem entre todos e que não estão divididas entre 
dois grupos: o dos homens e o das mulheres. 
 
Não me digam que o prazer emburrece totalmente, que todos os homens são 
responsáveis e todas as mulheres leais. Não me digam que os homens não 
conseguem usar camisinha, que as mulheres ignoram contraceptivos ou desconhecem 
seu período fértil. 
 
 
A autora desvitimiza homens e mulheres, ou, ao contrário, responsabiliza ambos. 
Porém, nessa crônica o foco é nas mulheres, pois os homens sofrem (principalmente no bolso) 
as conseqüências, enquanto as mulheres ganham com o filho “um cofre (grande ou pequeno), 
um seguro e uma arma.” 
Essa crítica também revela que a maternidade ainda é tida como um fato biológico, 
facilmente manipulável que em muito difere da maternagem que, segundo Marília Pinto de 
Carvalho (2008), “busca enfatizar os aspectos sociais do cuidado com crianças em oposição à 
dimensão biológica da maternidade” (p. 41). 
Para Lya Luft a atitude de “prender o homem tendo um filho” é tão recorrente que ela 
inclui todos/as os/as leitores/as como observadores/as de tais casos: 
 
Todos conhecemos mais de uma mulher que, vendo ameaçada sua posição de 
“esposa” ou de amante bem tratada (ou jovenzinha que quer casar com um moço 
hesitante, pensando que todos os seus problemas serão resolvidos), se faz mãe, o que 
pode ser uma assustadora imagem para muitos varões nossos. 
 21
 
Novamente ela usa de ironia para se referir aos “tipos” de mulheres que recorrem a tais 
práticas: as amantes, as esposas ameaçadas e as jovens casadoiras. Ou seja, aquelas que estão 
em situação instável. A primeira está ameaçada em seu “posto”; a segunda, embora bem 
tratada, não é a oficial; a última aspira ao papel de esposa. Todas elas ameaçam os “varões 
nossos”, também ironizados, com o uso da palavra varão que faz parte de um vocabulário 
pouco usado e a inversão do pronome, que também resgata um certo arcaísmo, ou uma 
formalidade descontextualizada. 
Mais adiante, Lya Luft se coloca de modo ainda mais incisivo: 
 
Se nem todas as mães solteiras ou mães de fim de casamento são espertas, nem todas 
são coitadas. Aliás, acho pouco coitadas as mulheres em sua maioria: submissas 
muitas são, nem sempre por fragilidade, no jogo que também existe em qualquer 
relação, nem sempre um jogo positivo. 
 
A cronista comenta que a submissão feminina é muitas vezes forjada pelas mulheres, 
seja para garantir a proteção do “mais forte”, seja para conseguir regalias nesse jogo. Aderir à 
ideologia da dominação como forma de manter a comodidade do status quo. 
No penúltimo parágrafo, são levantados os dois arquétipos que confundem o 
imaginário do homem: o da mãe e o da mulher sedutora. Poderíamos dizer que essa confusão 
não está somente no imaginário masculino, pois as mulheres, como foi exposto na crônica, 
têm dificuldades de articular esses dois papéis. 
É atribuída à “fenda fascinante”, ou seja, aquela que dá prazer e dá à luz, as 
perturbações por que passam os homens. Ao dizer que essa fenda perturba “ingênuas e 
brilhantes cabeças”, a cronista mostra que o ludíbrio causado pelas mulheres afeta o raciocínio, 
tirando a responsabilidade da “incontinência sexual” culturalmente atribuída aos homens. Em 
compensação ela não livra nenhum deles de cair nessa trama: “ingênuos”, “brilhantes”, 
“ilustres” e “simplórios” são passíveis ao golpe. 
Ao finalizar a crônica, Lya Luft invoca a natureza como responsável por todos os 
enganos cometidos entre nós. 
 
 
 22
Nunca achei que a natureza fosse sábia o tempo todo. Às vezes nos prega peças, às 
vezes é cruel, às vezes parece obtusa e às vezes há de estar dando risadinhas, 
balançando a cabeça como uma velhíssima avó diante das trapalhadas juvenis da 
estranha espécie – que somos nós. 
 
No trecho acima ela usa a palavra “natureza” e “espécie” nos reunindo em um grupo 
cujas ações estão, acima de tudo, determinadas por forças poderosas contra as quais não 
podemos lutar. Esse traço também é observável no trecho referente ao período fértil: “E como 
exatamente nesse período, por sabedoria da mãe natureza, a mulher é ainda mais desejável”. 
Há aqui um eco dos discursos médico-científicos que associam o desejo físico pelo “sexo 
oposto” a estímulos biológicos e não sociais. 
 Parece que, embora a autora reconheça que as relações sociais possam promover ao 
poder um e o outro gênero e que entre mulheres e homens há diversas maneiras de agir no 
mundo, ela acredite que haja um componente natural predominante que controla “de cima” 
nossas ações. 
Para as mulheres, foram selecionados itens como “sabedora”, “conhecedora” e “poder 
feminino”; já para os homens ela utiliza expressões como “cegueira masculina”, “varões 
nossos”, “incauto dom-juan”. Os semas relacionados às mulheres, isoladamente, são positivos, 
entretanto, no contexto da crônica revelam uma carga negativa, visto que se referem a pessoas 
de atitudes condenáveis. 
As expressões referentes aos homens possuem maior carga irônica, pois os coloca 
como tolos, facilmente enganáveis. Podemos dizer com isso que nesse “jogo da vida” não há 
vencedores, porque se os homens perdem ao serem enganados, as mulheres não garantem 
sucesso com a “jogada”. 
 Além disso, pode-se dizer que a autora articula uma noção que desconstrói um estatuto 
de “feminilidade”, abordando um tema que apresenta a mulher como ser manipulador em 
relação à maternidade. Entretanto, por se tratar de um assunto diretamente ligado ao corpo, ela 
acaba por recorrera alguns discursos mais ligados a verdades biológicas. O que nem sempre é 
interessante para os estudos de gênero, pois naturalizam dados que são construtos sociais e não 
naturais. 
A crônica “Chamem a mãe” de Marina Colasanti, publicada em 10 de junho de 2007, 
apresenta idéias sobre a família contemporânea não exploradas por Lya Luft em “Jogos da 
 23
Vida”. A autora fala da relação entre a mãe e o filho adulto. Em O segundo sexo (1980), 
Simone de Beauvoir, apresenta vicissitudes dessa mãe: 
 
A mãe estima que adquiriu direitos sagrados pelo simples fato de conceber; 
não espera que o filho se reconheça nela para encará-lo como sua criatura, seu bem; é 
menos exigente do que a amante porque é de uma má-fé mais tranqüila: tendo 
fabricado a carne, faz sua uma existência de cujos atos, obras e méritos se apropria. E 
exaltando seu fruto, é sua própria pessoa que ergue às nuvens. (p. 353) 
 
O filho quando já vive e age autonomamente passa a ser visto pela mãe por meio de 
seus atos e sucessos, dos quais ela se apropria, principalmente se sua existência tiver sido 
desprovida de independência e liberdade. 
É exatamente em torno dessa relação entre os atos do filho adulto e o reflexo destes 
sobre a vida da mãe, que a crônica gira. O que leva Marina Colasanti a abordar tal assunto é a 
prisão do traficante Marcelo PQD, que, assim como outros criminosos acuados, exigiu a 
presença da mãe para garantir sua integridade. 
O título da crônica já apresenta uma atitude típica do filho: chamar a mãe. Posso 
adiantar que a figura do pai não é apresentada no texto, o que reforça a noção do senso comum 
de que os filhos precisam mais da mãe que do pai. 
O tema atual – levantado pelo caso PQD – proporciona uma revisão do “papel de mãe”, 
ao mesmo tempo em que critica nossa cultura e nosso sistema carcerário que possibilita a 
saída de presos em datas comemorativas como o Dia das Mães. 
 
O amor filial é uma característica muito nossa, eu diria, se fosse autoridade 
antropológica. Somos todos filhos dedicados, e o país reconhece o valor de nosso 
amor. A cada ano, no Dia das Mães, abrem-se legalmente os portões das prisões e 
uma revoada de filhos saudosos, carentes, necessitados de colo bate as asas rumo ao 
ninho. E se a maioria não volta, não há de ser por ter retomado aqueles mesmo 
negócios que os haviam levado para trás das grades, mas por não suportar afastar-se 
novamente do seio materno. 
 
 
Cito o segundo parágrafo na íntegra, porque nele a cronista explora a associação de 
clichês do campo semântico maternal e expressões do mundo do crime. Temos “filhos 
dedicados”, “ninho”, “carentes”, “saudosos”, “colo”, “seio materno” em contraposição a 
“portões das prisões”, “negócios”, “atrás das grades”. Está bem claro que Marina Colasanti 
duvida que o real motivo da saída dos presos seja amor filial. Também é evidente a crítica à 
 24
cadeia brasileira que dá indultos aos presos que, ano após ano, se tornam foragidos depois de 
um feriado “em casa”. 
Há um jogo com idéias que podem ser lidas como referentes aos gêneros. O ninho, o 
colo, o seio, idéias de aconchego, são ligadas à vida em família e, principalmente, às mulheres. 
Entretanto, o que se pensa sobre criminalidade, prisão, está mais ligado ao homem. Isso 
porque ao homem é ensinada a violência como forma de proteção e adesão ao “mundo 
masculino”. 
 
Certas formas de “coragem”, as que são exigidas ou reconhecidas pelas 
forças armadas, ou pelas polícias (e, especialmente, nas “corporações de elite”), e 
pelos bandos de delinqüentes, ou também, mais banalmente, certos coletivos de 
trabalho (...) encontram seu princípio, paradoxalmente, no medo de perder a estima e 
consideração do grupo (...) (BOURDIEU, 2007, p. 66) 
 
 
Assim, em nossas categorias de gênero, a criminalidade e a violência, de modo geral, 
são características atribuídas aos homens. Por exemplo, se pensarmos numa cadeia, 
lembraremos uma prisão masculina. Isso se confirma na marcação de gênero ao falar em 
“presídio feminino” como forma especial diferenciada de “presídio”, dado socialmente 
compartilhado que não necessita a especificação. 
Mesmo que muitas mulheres sejam presas diariamente por diversos crimes e até 
mesmo por serem cúmplices de seus companheiros, ou assumirem um crime em seu lugar, 
ainda se pensa no criminoso no masculino. Evidentemente, não quero reforçar a idéia de que 
as mulheres são mais justas e passivas por “essência”, até porque refuto esse conceito. Mas 
vemos que a dicotomia de gênero resiste no texto de Marina Colasanti, pois não se fala sobre 
uma filha criminosa, nem há um pai participante dessa trama. 
A presença do pai em nossa sociedade, principalmente nas grandes cidades em meios 
de menor renda, não é algo garantido. Pelo contrário, as mulheres muitas vezes precisam lutar 
na justiça para que seu filho seja reconhecido, ou, o que ocorre freqüentemente com a inserção 
das mulheres no mercado de trabalho, abrem mão do reconhecimento de paternidade. A autora 
se mostra conhecedora dessa realidade ao excluir a figura paterna de seu texto. 
No parágrafo seguinte, a cronista, também por meio de associações de idéias opostas, 
mostra como a mãe do criminoso está ausente de seu mundo: 
 
 25
Nenhuma mão de mãe limpou e azeitou aquele arsenal com o capricho 
antigo com que mães lavam e passam as camisas dos filhos. Nenhuma mãe tricotou 
as toucas ninjas como se tricotam sapatinhos. 
 
 
A mãe não se inclui no processo que levou seu filho à cadeia. Não foi consultada, nem 
participa dessa vida; a cronista afirma que ela “pode beneficiar-se dela, receber as benesses, 
ter conhecimento, mas seu cotidiano transcorre em outro canal.”. 
A expressão “capricho antigo”, nos remete à tradição do dever “feminino” de cuidar 
dos filhos, do marido e da casa como uma “profissão de fé”. Leio a expressão também como 
uma remissão aos cuidados que a mãe teve com esse filho quando ele era uma criança e sua 
vida ainda estava atrelada diretamente à dela. 
“As mães se chamam quando a coisa não deu certo, quando o grito é ‘perdi’”. A partir 
desse período, a cronista explicita sua visão a respeito da postura dos filhos em relação às 
mães. É importante perceber que Marina Colasanti, nessa crônica, apresenta uma visão 
generalizada das mães. 
 O tipo de mãe representado é aquela que sempre está presente, aquela que se preocupa 
com o filho mesmo que este seja um criminoso procurado. Essa talvez seja a visão corrente: a 
mãe quer apoiar e proteger o filho em qualquer situação. Mas não podemos esquecer que há 
outras estruturas familiares e que esse papel pode ser exercido por outro parente. 
A visão de maternidade biológica se torna mais visível quando a autora insere a 
questão do corpo: “Mas para uma mãe, ver seu filho sendo levado seminu entre pessoas 
vestidas, o corpo exposto como um troféu, aquele corpo que ela sentirá sempre fruto do seu, é 
puro sofrimento.”. 
O sentimento expressado pela mãe provém de uma noção de corpo, o que é 
interessante, pois estabelece um conceito de que sentimos não apenas com a mente ou o 
“coração”, mas também com o corpo, pois ele é parte imprescindível de nossa construção 
como seres sociais. 
No conto “No aconchego da grande mãe” (Contos de amor rasgados, 1986), Marina 
Colasanti constrói a metáfora da mãe protetora: “Durante 40 anos gerou filhos que, ampla e 
generosa, continuava a abrigar no ventre passado o tempo de gestação. Por que atirá-los no 
mundo se, mãe, a todos podia conter e alimentar?” (p. 139). 
 26
Esse trecho é o primeiro parágrafo do conto e pode ser visto como uma síntese desse 
estereótipo da mãe. Ela resgata a imagem da matrona, ampla, grande, gorda e “generosa”, pois 
abriga a todos os filhos. A proteção que quer dar aos filhos é física, assim como também é 
físico o sentimento da mãe representada na crônica que sente a humilhação do filho em sua 
própria carne. Pela relação altamente corporificada entrefilhos e mães, a autora constrói sua 
figura protetora como o próprio ninho. 
No final desse conto, a mãe resolve finalmente expelir os filhos, mas “por amor e 
segurança seus filhos se recusam a deixá-la”. Com isso se abate, entristece, e termina vagando 
pela casa imensa e triste. O texto se mostra uma espécie de fábula cuja “moral” é de que a 
maternidade também é um aprisionamento e que a dedicação exclusiva aos filhos pode se 
converter em sofrimento. 
As reflexões de Simone de Beauvoir a respeito da relação da mãe com o filho adulto 
mostra ainda pertinente ao texto que estamos analisando: “Viver por procuração é sempre um 
expediente precário. As coisas podem não ocorrer como se desejam. Ocorre muitas vezes que 
o filho não passe de um vagabundo, de um moleque, de um falhado, de um ingrato” 
(BEAUVOIR, 1980, p. 353). 
Na parte final do texto, Marina Colasanti faz uma oposição entre o momento em que a 
mãe não faz parte da vida do filho, e quando ele passa a necessitá-la: 
 
Um bandido não pede autorização à mãe para entrar na bandidagem, não 
pede benção antes de cheirar a primeira carreira de cocaína, não vem lhe contar 
triunfante quando mata o primeiro homem ou estupra a primeira mulher (...) 
 Ela passa a fazer parte dessa vida quando a polícia ou o bando rival irrompe 
de armas em punho na sua casa, quando alguém avisa que o filho está caído num 
beco, quando acrescenta à sua rotina as visitas à prisão. 
 
Na primeira parte da citação, o “bandido” é o sujeito das ações das quais a mãe não 
participa. Todos as ações são ligadas ao crime. No segundo trecho, é a mãe quem passa a 
assumir as ações, contudo ela também é objeto, pois não decide conscientemente fazer parte 
desse mundo; ela apenas segue o paradigma do “papel de mãe”. 
 
“Só com a presença da minha mãe” não é o apelo de um filho desvalido, é o 
jogo de um filho que conhece o valor de cada peão do seu tabuleiro. Mais tarde, 
esgotado o efeito-mãe, entrarão os advogados. 
 
 27
A conclusão da crônica é de que, conhecedor das construções culturais compartilhadas 
por nós (bandidos/as, policiais, advogados/as, espectadores/as), o bandido faz uso da mãe 
como “peão do seu tabuleiro”. Assim como o advogado tem o poder de expor argumentos que 
inocentem esse homem, a mãe tem o poder de protegê-lo contra qualquer atentado físico. 
Quer dizer, sabemos que há diversas maneiras de exercer o papel de mãe, inclusive 
abrindo mão de exercê-lo, contudo, em nossa cultura, ter mãe é um privilégio, pois é a ela que 
se pode recorrer em qualquer circunstância. É também quando a mulher pode se sentir 
detentora de algum poder, como expôs Lya Luft. Entretanto, o que vemos com a crônica é que 
esse poder nem sempre é para proveito próprio. 
 As diversas formas de exercer um papel social dentro do núcleo familiar também 
podem ser revisadas por meio da crônica de Martha Medeiros intitulada “Os novos pais” 
(11/08/2008). A autora usa largamente o recurso da intertextualidade com apoio nas notícias 
veiculadas, nos livros e filmes lançados à época da publicação da crônica. Outra característica 
importante é o despojamento de seu texto, que o torna de fácil leitura e compreensão. 
Nesse texto, a autora comenta a nova atitude – mais presente e participativa – dos pais 
de hoje, se referindo ao caso do professor Randy Pausch, morto em 25 de julho de 2008 em 
decorrência de um câncer no pâncreas. 
Ao saber o diagnóstico e que teria de três a seis meses de vida, Randy realizou uma 
palestra (cujo vídeo está disponível na Internet), uma espécie de aula de despedida que se 
tornou um livro. O que Martha enfatiza no texto é o fato de ele ter aproveitado seus últimos 
dias para ter experiências marcantes com os três filho, todos com menos de seis anos. 
 
Parece tudo muito óbvio, e é. Qualquer um de nós, nessa situação, trataria 
de deixar cartas, gravar vídeos caseiros, tirar fotos e promover aventuras que se 
tornassem inesquecíveis para nossos filhos. Por exemplo, em seus últimos meses de 
vida, Randy levou-os para mergulhar com golfinhos. 
 
A história de Randy faz com que a cronista reflita sobre o que se deve fazer em casos 
como esse, mas principalmente, ela busca aproximá-lo de nossa realidade cotidiana: 
 
O que me faz pensar: e os pais que estão vendendo saúde, têm se dedicado 
também? Pois salve! Hoje em dia, a relação pai e filho mudou demais, e para melhor. 
Os homens até parecem estar com os dias contados, tamanha é a consciência que 
possuem da sua importância para a formação saudável dos filhos. Há uma quantidade 
 28
enorme de pais quarentões que não precisam de estímulo extra (ou mórbido) para 
manifestar amor. Chegam a ser quase exagerados. 
 
 
Martha Medeiros usa uma estratégia diferente de Lya Luft e Marina Colasanti. Ela não 
critica nem as mães como faz a primeira, nem os filhos, como faz a segunda. Nesse texto é 
feito um elogio ao pai contemporâneo. 
O que faz a autora afirmar que a relação “pai e filho mudou demais” é a aproximação 
feita entre a configuração conservadora e patriarcal de família em que o pai tinha um papel de 
provedor da casa e a função de vigiar e punir os filhos. Ficando, assim, a afetividade e o 
companheirismo mais relacionados à mãe. 
Mudou, também, a idéia de educação e formação de indivíduos. O que antes era de 
cunho muito mais prescritivo e punitivo, hoje é trabalhado com bases no diálogo, na 
negociação e, como mostra a autora, na experiência compartilhada. 
Os personagens relacionados por Marina Colasanti (“o filho bandido”) e por Lya Luft 
(“a mulher que engravida para acuar o homem”), não fazem parte dessa família em que todos 
cooperam para um lar saudável. Essa diferença na perspectiva das autoras se dá não só porque 
elas observam diferentes grupos sociais, mas também, porque há diversos modos de 
configuração familiar. A família apresentada por Lya Luft se forma pela coerção; a de Marina 
Colasanti está marginalizada. Martha Medeiros, por outro sua vez, apresenta um modelo 
desejável e em processo de afirmação na cultura. 
Além disso, essas análises nos mostram como não existe uma ruptura completa ou 
repentina dos padrões, nas palavras de Marlise Mattos (2000): (...) a tradição não está sendo 
simplesmente substituída por outros modelos, mas vivendo intensamente conflitos 
provenientes da coexistência difícil entre tradição e modernidade” (p. 34). 
Martha Medeiros talvez esteja se baseando na família de classe média que constitui a 
massa das leitoras e leitores do jornal O Globo e em que a autora parece se inserir. Esse grupo 
social é, de forma geral, escolarizado, estruturado numa realidade de múltiplos casamentos, 
pais separados, guarda compartilhada, enfim, diversas reconfigurações que a 
contemporaneidade proporcionou. 
 
 
 29
Essa nova geração de crianças que têm pais extremamente carinhosos e 
participativos será poupada de muitas neuras. Sentir-se amado na infância não é uma 
questão meramente circunstancial: é o que vai nortear nossas escolhas e atitudes, é o 
que vai estimular nossa segurança ou dar vazão às nossas carências. 
 
A citação acima reforça o que já disse: são formas de se relacionar muito recentes que 
estão se consolidando e mostrando novas maneiras de ser pai. Essa figura parece se distanciar 
daqueles estereótipos já expostos que ligam a mulher à afetividade e o homem à violência. 
Sendo a família o primeiro contato com as estruturas que constroem as diferenças entre os 
gêneros, é interessante que filhos/as aprendam com esses novos pais que sentimentos e 
atitudes, bem como escolhas, direitos e deveres, não se restringem a um gênero ou ao outro. 
 Podemos ver que assim como Marina Colasanti não insere a imagem do pai, Martha 
não aborda a questão da mãe. Já Lya Luft, ao contrário das duas, relaciona os gêneros por 
meio da contraposição das figuras paterna e materna. 
Ainda assim, Martha Medeiros divide papéis de pais e mães, ao marcar seu foco sobre 
aquelese omitir estas: “eles lidariam com a orfandade paterna sem tanto trauma”, “a relação 
pai e filho”, “paternidade”. 
A crônica “Os novos pais” não chega a falar de pais cuidadores dos filhos, aqueles que 
exercem as funções tradicionalmente atribuídas à mãe. Talvez esse conceito seja ainda o 
desdobramento do que Martha aborda, pois na sua crônica os pais ainda são “participativos”. 
O verbo participar dá idéia de algo opcional, circunstancial, que se faz voluntariamente. O pai 
ainda toma parte, enquanto a mãe estrutura o todo. 
Esta passagem remete à crônica de 1998, “Mamãe Noel”, em que a autora reivindica 
para a mãe os créditos pelo sucesso do Natal, atribuídos ao Papai Noel: 
 
Enquanto Papai Noel distribui beijos e pirulitos, bem acomodado em seu 
trono no shopping, quem entra em todas as lojas, pesquisa todos os preços, carrega 
sacolas, confere listas, lembra da sogra, do sogro, dos cunhados, dos irmãos, entra no 
cheque especial, deixa o carro no sol e chega em casa sofrendo porque comprou os 
mesmos presentes do ano passado? 
 
 
O lugar do pai, nas duas crônicas, é do divertimento, dos momentos inesquecíveis, 
enquanto o da mãe é o da rotina cansativa da qual poucos se lembram. 
 30
Ainda assim, há uma tentativa de reconstrução do papel de pai, resultado da 
desconstrução das noções tradicionais de gênero. Em um conto/carta do livro Tudo que eu 
queria te dizer (2008), um homem escreve à sua mulher insultando-a por ter abortado um filho 
seu. 
 
Não tivesse eu encontrado a tua amiguinha no mercado, tu ia continuar 
dizendo que tinha perdido por azar, e o trouxa aqui ia continuar te cobrindo de 
carinho, achando que tu tava sofrendo mais que eu, afinal, é mulher, e mulher é mais 
chorosa. Mas tu é uma mulherzinha de araque, não vai ser mãe nunca, teu útero vai 
apodrecer aí nesse corpo, tu vai ficar vazia pra sempre, oca, seca, pra aprender a não 
fazer mais sacanagem. (p. 27-28) 
 
Nesse texto há uma mão dupla em relação aos gêneros: de um lado ela constrói um 
personagem masculino de postura mais inovadora em relação à paternidade: desejando-a, 
reivindicando-a, não mais relegando a gravidez a um “problema” da mulher. Em contrapartida, 
põe na voz desse personagem idéias que vão ao encontro dos estereótipos sobre a mulher: 
“mulher é mais chorosa”, “mulherzinha de araque, não vai ser mãe nunca” (em oposição a 
mulher que é ou será mãe). 
O personagem, remetente da carta, apesar de magoado, afirma que a mulher estaria 
sofrendo mais. Ou seja, a dor da mãe é incomparável à dor do pai, ela sempre sofrerá porque 
ter filhos faz parte de seu “destino”. Contudo, o que se vê no texto é que a mulher optou pela 
interrupção da gravidez, apesar do apoio e do desejo do marido, contrariando a déia de que 
todas as mulheres têm “naturalmente” necessidade de serem mães. 
Dessa forma os discursos são quebrados e as identidades reorganizadas. Assim, aos 
poucos, as diferentes formas de ser pai e de ser homem, bem como de ser mãe e mulher, vão 
surgindo na literatura, da mesma forma como surgem nos discursos socialmente correntes. 
Entretanto, embora fique claro que a cronista está falando dos e para os pais, a marca 
de gênero se suaviza no instante em que ela não se coloca como mãe, nem opõe criticamente o 
papel de pai e ao de mãe (como faz Lya Luft). Isso se mostra ainda mais quando, no último 
parágrafo, a autora usa a primeira pessoa do plural: 
 
De qualquer maneira, a contragosto, todos iremos. Então fica essa lição que 
é óbvia, sim, mas nem por isso desimportante: enquanto estivermos por aqui, é bom 
não perdermos nenhuma oportunidade de dar nosso recado. Ao vivo, de preferência. 
 
 31
 
A participação em todos os âmbitos na vida dos filhos é tarefa para homens e mulheres. 
Talvez a autora tenha enfatizado os homens movida pelo exemplo do professor norte-
americano e por saber que essa nova forma de ser pai ainda está em negociação, sendo vivida 
pelas novas gerações. 
O texto de Martha Medeiros foi escrito pela comemoração do dia dos pais. Um ano 
antes, em dia 15 de agosto de 2007, Lya Luft também havia aproveitado a data para falar sobre 
o mesmo assunto, intitulando sua crônica de “Sobre o papel do pai”. 
A autora admite que sua escolha não é muito criativa, pois, seguindo a linha da crônica 
como discussão do cotidiano, ela falará sobre uma data comemorativa exaustivamente 
anunciada pelo comércio. 
Diferentemente de “Os novos pais”, cujo foco está nos homens, o texto de Lya Luft 
introduz diversas reflexões sobre as mulheres que atuam na construção da figura do pai. 
Ao introduzir o tema, a autora afirma que há diferentes formas de abordá-lo: 
 
Falarei do assunto mais óbvio, nesta véspera de Dia dos Pais: este não 
precisa ser um tema sentimentalóide ou artificial. Pode ser provocador, mexer com 
nossos sentimentos, com nossa culpa e desculpas... e por isso escrevo. 
 
Ao definir o tema como “provocador” a autora procura causar expectativa no leitor 
sobre como o assunto será abordado. Saberemos, logo adiante, por meio do pequeno relato, 
que essa forma diferente envolverá, principalmente, as atitudes da mulher/mãe em relação ao 
marido/pai e aos filhos/as: 
Estive recentemente num aeroporto esperando uma pessoa. Junto a mim, 
uma jovem mãe com sua filhinha de uns 4 ou 5 anos. De repente, desembarcou um 
grupo, vindo pela sala da esteira, e a menina correu para o vidro que a separava de 
onde devia estar seu pai. Ficou atenta, olho arregalado. Então a mãe disse alto e claro 
apontando para alguém: "Olha ali, o boca-aberta do seu pai!". Meu coração bateu em 
falso. Que representação da figura paterna aquela moça passava para a criança, talvez 
sem se dar conta, por ignorante, ou de propósito, por magoada? Doeu-me ainda mais 
quando vi um rapaz de cara iluminada vir ao encontro delas, pegando nos braços, 
cheio de ternura, a filhinha que esperneava de alegria. 
A autora mostra preocupação com a figura do pai que a mãe desenha para os filhos. 
Para ela a atitude não se justifica: “por ignorante”, “de propósito”, “por magoada”. Todas as 
 32
formas de explicar a atitude são negativas. Por outro lado, os itens relacionados ao pai são 
positivos: “cara iluminada”, “cheio de ternura”. 
No parágrafo seguinte, a autora afirma que “É duro o papel do homem na família” e 
sabe que será altamente criticada por isso. Sua afirmação vai de encontro ao que se discute 
sobre as relações de gênero no núcleo familiar tradicional, em que a mulher sofre com as 
exigências sociais de comportamento que a submetem à dominação masculina. Ao mesmo 
tempo, ela retoma uma discussão mais atual que coloca o homem numa situação 
desconfortável após os ganhos obtidos pelas mulheres. Nessa perspectiva, os homens ficariam 
desfavorecidos, pois, se elas ascenderam a uma melhor condição de direitos, eles começaram a 
perder espaço. 
 
Tirando das crianças machos os pontos de referências sociais de sua 
virilidade, amplificamos uma dificuldade natural que, em muitos, torna-se fonte de 
verdadeiro mal-estar. E temos de reconhecer que, quando um sofre, o outro sofre 
também. As dificuldades masculinas referentes à sua identidade e sua bissexualidade 
ressoam nas relações que certos homens entretêm com as mulheres. Se elas se 
queixam mais abertamente deles do que eles ousam fazê-lo a respeito delas, são 
entretanto os homens vítimas de uma evolução que não impulsionaram. Ao mesmo 
tempo em que, de bom grado, reconhecem a legitimidade das reivindicações 
igualitária das mulheres, muitos a sentem como uma ameaça insuportável para sua 
virilidade. (BADINTER, 1986, p. 249) 
 
Lya Luft parece se solidarizar com o sentimento de perda de um suposto lugar de 
direito do homem. Porém, ela vê as mulheres como maiores causadoras desse sentimento. 
Como a mãe da cena que presenciou no aeroporto, supõe que muitas outras mulheres ajam 
assim. São as “mães metidas a mártires”, as mesmas por ela mencionadas nas crônicas “Jogos 
da vida” e “Minhaesposa é uma santa”. 
 
É duro o papel do homem na família. E não me critiquem – ou me critiquem 
à vontade – as mães metidas a mártires, que por interesse ou covardia ficam ao lado 
de um homem a quem desprezam, que querem cooptar os filhos por frustradas e 
alijar emocionalmente o pai, mostrando-o como mero provedor. Afinal, a gente 
precisa dele. Sempre me impressionou a solidão dos homens, medida também da 
solidão de suas mulheres, que têm uma poderosa ponte afetiva para filhos, famílias, 
amigas ou vizinhas, algo que o marido raramente tem. 
 
O parágrafo acima é vasto de significados em negociação entre os gêneros. A irônica 
expressão “metidas a mártires” mostra que a cronista considera a vitimização feminina falsa. É 
 33
interessante ver que situações anteriormente aceitáveis, hoje são reconhecidamente 
reprováveis, tais como coabitar com o marido por motivos financeiros ou para poupar os filhos. 
“Alijar emocionalmente o pai” e considerá-lo “mero provedor” também apontam para um 
caminho oposto ao da família patriarcal, em que o pai era de fato e de direito o provedor e que 
esse era o valor socialmente prestigiado. 
No mesmo parágrafo, a autora aborda a solidão vivida dentro do casamento, sobre isso 
nos fala Badinter (1986): 
 
Com ou sem filho, a separação significa também a esperança de reatar laços 
mais felizes com outra pessoa. Vale mais uma solidão momentânea (e relativa), do 
que a divisão de sua vida com um ser que não se reconhece mais como seu. A nova 
moral conjugal reprova severamente a união mantida pela “força do hábito”. Quando 
o coração não está mais presente, considera-se que permanecer juntos seria ceder à 
hipocrisia. A relação forçada é, ao mesmo tempo, uma covardia moral e um 
desconforto afetivo grave. (p. 277) 
 
Podemos dizer que Lya Luft se alinha a essa “nova moral conjugal” e é dessa 
“covardia moral” que fala ao condenar as “mães metidas a mártires”. O que não se pode 
esquecer é que muitos outros aspectos da vida social atravessam as questões de gênero e 
também as relações familiares. Pessoas provindas de classes sociais desfavorecidas, por 
exemplo, muitas vezes necessitam viver com um companheiro a quem não amam mais. 
Além disso, há uma tendência muito ligada aos padrões midiáticos de vida e beleza que 
comercializam relações entre moças (muitas vezes jovens e bonitas) e homens que trarão 
segurança econômica a elas. Comumente esses modelos são seguidos por jovens que ainda 
vêem no casamento fonte de estabilidade financeira. Vimos as críticas feitas a esse tipo de 
mulher na crônica “Jogos da vida”. 
Ainda no quarto parágrafo, podemos destacar a seguinte afirmação: “[as mulheres] têm 
uma poderosa ponte afetiva para filhos, família, amigas ou vizinhas, algo que o marido não 
têm”. Retomando a idéia difundida por autores como Pierre Bourdieu (2007) de que 
culturalmente as mulheres tiveram de se adaptar a vida privada enquanto os homens gozavam 
da vida pública, a relação íntima com parentes e amigos é mais cultivada entre as mulheres: 
“(...) Em certos casos particularmente solenes o marido acompanha-a em suas ‘visitas’, porém 
mais freqüentemente, é enquanto o marido trabalha que ela cumpre seus ‘deveres mundanos’” 
(BEAUVOIR, 1980, p. 306). 
 34
Enquanto o marido cumpre seus deveres fora de casa, a esposa estreita as relações com 
os filhos, com a própria mãe, com amigas etc. É claro que isso não faz do marido “mero 
provedor” sem direito a partilhar da intimidade da família, mas nos grupos em que a maior 
parte das mulheres não trabalha fora, são elas a curta ponte entre o marido e a sociabilidade 
doméstica, enquanto o homem é a ponte longa entre a casa e o mundo do trabalho, econômico, 
político etc. 
Nos parágrafos seguintes, a autora relata a própria experiência com o pai enfatizando 
suas características. No trecho abaixo podemos observar as adjetivações positivas atribuídas 
ao homem e as negativas à mulher. 
 
O personagem positivo, amoroso, do pai que cuidava sem podar, atendia 
sem cobrar, acompanhava sem aprisionar, e me fazia sentir uma princesa mesmo 
que estivesse atrapalhada, é fundamental para minha relação com o mundo, 
sobretudo com o masculino. Não conheci o homem arrogante e bruto, egoísta, tirano, 
infantilóide ou metido a garotão, de que tantas mulheres se queixam, como pai ou 
companheiro, e por isso lhe agradeço ainda hoje. Conheci o masculino confiável – 
não perfeito, porque apenas humano, mas presente e bom. Por isso, possivelmente, 
não cresci desconfiada dos homens, nem agressiva, nem irônica. Não por virtude 
minha, mas pela beleza e bondade daquela presença primeira. 1
 
 No primeiro período do parágrafo, Lya Luft exalta o bom relacionamento com seu pai. 
Contudo, no segundo período ao construir uma figura masculina negativa “homem arrogante, 
bruto, egoísta, tirano, infantilóide ou metido a garotão” atribui esse discurso às mulheres 
queixosas. Elas são construídas como indivíduos pouco confiáveis, pois, não se pode saber se 
a acusação é verdadeira, ou fruto de uma atitude “desconfiada”, “agressiva” e “irônica” em 
relação aos homens. 
Embora a autora revele sua ótima relação com o pai, podemos notar que em sua ficção, 
a relação pai-filha está sempre em cena, algumas vezes de forma conflituosa, como entre Alice 
e o Professor: “Na verdade, por mais que fizéssemos, não conseguíamos agradar àquele 
homem, estava sempre aborrecido conosco” (Reunião de Família, p. 20). 
Apesar de sua experiência positiva, a autora representa diversas formas de se relacionar 
com a figura paterna em seus contos e romances. A idéia de que as pessoas, de forma geral, 
são diferentes e as relações nem sempre são boas é exposta no último parágrafo da crônica: 
 
1 Grifos meus 
 35
 
Com defeitos e dificuldades, como todo mundo, sendo apenas um pobre ser 
humano como todos nós, o pai tem de ser glorificado, procurado, amado, aplaudido, 
pelo menos no dia a ele dedicado. E, se puder ser, de um jeito ou de outro, todos os 
dias, é o que a gente – mulheres, homens, filhos e filhas – merece e devia tentar. 
 
 
Como é comum em seus textos, Lya Luft fecha a crônica evidenciando que sua posição 
é de não analisar comportamentos e sentimentos de homens e mulheres apenas pelo aspecto do 
gênero, mas sim pela perspectiva do ser humano. 
As crônicas analisadas foram escolhidas pela percepção de que apresentam focos 
diferentes umas das outras, tornando explícitos os olhares das autoras sobre os laços familiares. 
Precárias ou estáveis, tais interações estão sempre atravessadas pelas questões de gênero. 
Mesmo com perspectivas diferentes, foi possível ver que as autoras exploraram, por meio das 
relações pai-mãe, mãe-filho, e pai-filho/a, os discursos a respeito dos gêneros. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 36
3- Relações amorosas na “Modernidade Líquida” 
 
Após discutirmos a questão de gênero na família contemporânea, proponho um olhar 
sobre o casal. É claro que muitas vezes ele fará parte do núcleo familiar. Contudo, estamos 
falando de tempos em que não há mais ligação direta entre relacionamento amoroso e 
casamento. Pelo contrário, o que veremos aqui são configurações híbridas do vínculo amoroso, 
além de discussões sobre (in) fidelidade e divórcio, que fazem parte da temática. 
Nas palavras de Marlise Matos (2000): 
 
(...) quando “escolhemos” nossos (as) parceiros (as) e estabelecemos um 
vínculo amoroso, definimos, concomitantemente, uma posição de gênero e outra 
posição moral, que trazem tanto a marca cultural/social quanto a 
indentificatória/subjetiva. Pela escolha amorosa, pela manutenção e fortalecimento 
do vínculo amoroso definimos o que julgamos particularmente valioso do ponto de 
vista da nossa cultura e da ética de gênero (...) (p. 18) 
 
 
Por entender que as escolhas de parceria amorosa/sexual fazem parte das construções 
de identidade de gênero, acreditoser importante observar quais aspectos da vida amorosa são 
considerados relevantes para as cronistas. Antes mesmo de lermos os textos, já é possível dizer 
que as questões mais polêmicas se fazem presentes, pois estas estão em pleno processo de 
renegociação e, por isso, rendem uma boa crônica. 
Isso porque as noções de gênero não são categorias estanques, mas sim construções 
passíveis de modificações relacionadas ao contexto histórico e social. 
 
Trata-se de historicizar os próprios conceitos com que se tem de trabalhar 
não somente as categorias das relações de gênero, como também os conceitos de 
reprodução, família, público, particular, cidadania, sociabilidades, a fim de 
transcender definições estáticas e valores culturais herdados como inerentes numa 
natureza feminina. (DIAS, 1992, p. 41) 
 
O capítulo sobre a relação amorosa perpassa noções voltadas para um pensamento 
conservador e outras criadas mais recentemente. Assim, é possível relacionar os gêneros com 
essas transformações que também colaboram para a reformulação de discursos sobre mulheres 
e homens. 
 37
A entrada das mulheres na literatura jornalística está diretamente ligada a essa 
mudança de costumes e às transformações sociais por que passam os gêneros. O jornal foi o 
primeiro veículo que deu visibilidade às reivindicações sociais feministas. Deu voz às próprias 
mulheres para que atuassem na literatura e na crítica. Heloísa Buarque de Hollanda (1992) 
apresenta um exemplo de periódico que contribuiu para a inserção das mulheres tanto na 
literatura como no jornalismo: 
 
O jornal em formato de tablóide [Jornal das Senhoras, 1852], mantinha 
seções fixas como a “Crônica dos Teatros”, uma espécie de crônica social, “Poesias”, 
e o “Correio dos Salões”, com discussão dos assuntos em pauta nos salões literários; 
e abrigava a publicação de cartas, contos e crônicas das leitoras. Nestas seções, na 
maioria das vezes publicada “debaixo do anônimo”, começa a se configurar uma 
crítica literária insipiente e “amadora”, muitas vezes aparentemente ingênua mas que, 
ainda que de forma indireta, era sintonizada com o contexto das lutas das mulheres 
registradas pelos editoriais. (p. 68) 
 
Se antes as leitoras e escritoras se protegiam no anonimato, hoje elas podem expor suas 
idéias, nomes e rostos em favor de discussões pertinentes à sociedade, como o amor, em suas 
diferentes formas de ser vivido. 
As crônicas selecionadas para este capítulo tratam de casais heterossexuais, o que 
marca fortemente uma oposição entre os gêneros. Porém, acredito que uma abordagem a 
respeito de relacionamentos homoeróticos também seria interessante para nosso estudo. Tal 
abordagem não foi possível pela falta de textos que levantassem a questão. 
No texto “Absolvendo o amor” (13/01/2008), Martha Medeiros apresenta duas formas 
de viver a relação amorosa, por meio do que chama de “Duas historinhas que envolvem o 
amor”: 
 
Uma mulher namora um príncipe encantado por dois meses e então 
descobre que ele não é príncipe porcaria nenhuma, e sim um bobalhão que não soube 
equalizar as diferenças e sumiu no mundo sem se despedir. Mais um, segundo ela. 
São todos assim, os homens. Ela resmunga que não dá mesmo para acreditar no amor 
 
Na primeira “historinha”, Martha Medeiros usa algumas expressões do campo 
semântico das relações amorosas que têm alto grau de identificação com o gênero. “Príncipe 
encantado” é um termo retirado dos contos de fadas e que remete ao amor idealizado, muito 
associado à fantasia das mulheres. “São todos assim”, expressão usada para generalizar a 
 38
conduta dos homens em relação ao amor, é também muito comum e preconceituosa, pois faz 
uma dicotomia entre homens e mulheres, sendo os primeiros insensíveis em relação ao amor e 
as últimas eternas carentes. 
A autora quer mostrar com esse texto que o amor não é o responsável pelo bom ou mau 
desenvolvimento das relações. Para isso ela personifica o sentimento: 
 
Se o relacionamento não dá certo, ou dá certo por um determinado tempo e 
depois acaba, o amor merece um aperto de mãos, um muito obrigada e até a próxima. 
Fique com o cartão dele, com os contatos todos, você vai chamá-lo de novo. Vai 
precisar de seus serviços, esteja certa. Dispense namorados, mas não dispense o amor, 
porque este estará sempre a postos. 
 
Ela coloca o sentimento amoroso como um prestador de serviços: “um aperto de mãos”, 
“fique com o cartão dele”, “os contatos”, “chamá-lo’,“seus serviços” são expressões que 
representam a “atividade” do amor. Em seguida, afirma que o amor de que está falando não é 
o sentimento de modo geral, sentido em relação a amigos e familiares: 
 
Não me venha falar de amigos e filhos e cachorros e essas compensações 
amorosas sofisticadas, mas diferentes. Estamos falando de homens e mulheres que 
não se conhecem até que um dia, uau. Acontece. 
 
 
Com essa afirmação ela confirma o construto de que toda mulher busca um amor ideal 
e instantâneo. Vê-se com o uso da interjeição “uau”, do advérbio “um dia” e do verbo 
“acontece” que a noção de amor da autora está relacionada a algo surpreendente. Além disso, 
o texto como um todo aponta para o modelo dominante do que é ser mulher: amorosa, mãe, 
heterossexual: 
 
O dispositivo amoroso, assim, cria mulheres e, além disto, dobra seus 
corpos às injunções da beleza e da sedução, guia seus pensamentos, seus 
comportamentos na busca de um amor ideal, feito de trocas e emoções, de partilha e 
cumplicidade. A sexualidade às vezes é até acessória. As tecnologias sociais de 
gênero invertem os corpos-sexuados-em-mulher em práticas discursivas que propõe 
como axioma a “natureza” feminina, um pré-conceito ancorado no senso comum, 
propagado e instituído por um conjunto de discursos sociais. (NAVARO-SWAIN, 
2008, p. 298) 
 
A segunda “historia” apresentada na crônica continua a propor um modelo idealizado 
de relação amorosa: 
 39
 
Segunda história. Uma mulher ama profundamente, é amada profundamente 
os dois dormem embolados e se gostam de uma forma indecente, de tão certo que dá 
a relação, e de tão gostosas que são inclusive as brigas. Tudo funciona como um 
relógio que ora atrasa, ora adianta, mas não pára, um tiquetaque excitante que ela não 
divulga para as amigas, não espalha adivinhe por quê: culpa. 
 
A oposição em relação à primeira história está no motivo da infelicidade: a sensação de 
perfeição que o relacionamento sugere. Na primeira narrativa, a mulher culpa o amor ou o 
homem pelo fracasso da relação; na segunda, ela sente culpa por viver algo tão incomum. 
 
Morre de culpa desse amor que funciona, desse amor que é desacreditado 
em matérias de jornal e em pesquisa, desse amor que deram como morto e enterrado, 
mas que na casa dela vive cheio de gás e ameaça ser eterno. Culpa, a pobre moça 
sente, e mais: sente medo. 
 
Nos dois trechos acima, a autora levanta uma série de sentidos ligados ao gênero e às 
noções contemporâneas de amor. Ao dizer que a mulher com ótimo relacionamento “não 
divulga para as amigas, não espalha”, ela se volta para a idéia de que não há cimplicidade 
entre as mulheres. Quer dizer, se há julgamento e inveja entre as amigas, é mais constrangedor 
confessar uma relação boa (mais rara), do que se queixar de um relacionamento desastroso 
(mais comum, que dá origem a expressões como “são todos iguais”). 
A presença de assuntos ligados aos relacionamentos na mídia, “esse amor 
desacreditado em matérias de jornal e pesquisa”, mostra como esses temas estão presentes não 
só na crônica, como em reportagens de comportamento e até mesmo cientificas. A mídia 
também faz parte da chamada “tecnologia de gênero” (LAURETIS, 1994) que constrói os 
gêneros e se autoconstrói por meio deles. 
O ponto mais importante da abordagem de Martha são os sentimentos de culpa e medo 
sentidos pela mulher cujo relacionamento é atipicamente bom. As novas negociações de 
parceria vêm excluindo a união duradoura e comprometida.

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