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PSICOLOGIA NA ESCOLA EM TEMPOS DE PANDEMIA PSICOLOGIA NA ESCOLA EM TEMPOS DE PANDEMIA PRÁTICAS E REFLEXÕES Organizadores Henrique Jorge Simões Bezerra Mônica de Fátima Batista Correia Diagramação: Marcelo A. S. Alves Capa: Lucas Margoni A Editora Fi segue orientação da política de distribuição e compartilhamento da Creative Commons Atribuição-CompartilhaIgual 4.0 Internacional https://creativecommons.org/licenses/by/4.0/deed.pt_BR Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) BEZERRA, Henrique Jorge Simões; CORREIA, Mônica de Fátima Batista (Orgs.) Psicologia na Escola em Tempos de Pandemia: práticas e reflexões [recurso eletrônico] / Henrique Jorge Simões Bezerra; Mônica de Fátima Batista Correia (Orgs.) -- Porto Alegre, RS: Editora Fi, 2022. 263 p. ISBN: 978-65-5917-619-9 DOI: 10.22350/9786559176199 Disponível em: http://www.editorafi.org 1. Psicologia Cognitiva; 2. Escola; 3. Pedagogia; 4. Desenvolvimento; 5. Brasil; I. Título. CDD: 150 Índices para catálogo sistemático: 1. Psicologia 150 O padrão ortográfico e o sistema de citações e referências bibliográficas são prerrogativas de cada autor. Da mesma forma, o conteúdo de cada capítulo é de inteira e exclusiva responsabilidade de seu respectivo autor. https://creativecommons.org https://creativecommons.org/licenses/by-sa/4.0/deed.pt_BR https://www.abecbrasil.org.br/novo/ SUMÁRIO 1 9 O REQUERIMENTO DA PANDEMIA PARA A EDUCAÇÃO E A PSICOLOGIA ESCOLAR EDUCACIONAL – UMA INTRODUÇÃO Mônica de Fátima Batista Correia Henrique Jorge Simões Bezerra 2 17 A REINVENÇÃO DA ESCOLA EM TEMPOS PANDÊMICOS À LUZ DA PSICOLOGIA ESCOLAR Sylvana Cláudia de Figueiredo Melo Henrique Jorge Simões Bezerra 3 50 ADAPTAÇÃO E APRENDIZAGEM NO ENSINO SUPERIOR DURANTE A PANDEMIA DE COVID-19: O CASO DO PROGRAMA OFICINAS DE INTEGRAÇÃO ACADÊMICA Angelina Nunes de Vasconcelos Lucélia Maria Lima Gomes Suzy Camilla de Oliveira Menezes 4 72 ATUAÇÃO DO PSICÓLOGO ESCOLAR EDUCACIONAL COM O GRUPO DE PROFESSORES: UMA ESTRATÉGIA DE PROMOÇÃO DE SAÚDE MENTAL DURANTE A PANDEMIA DA COVID-19 Elenise Abreu Coelho Elysangela Koglin Ulo Limachi Naiana Dapieve Patias 5 99 PERCEPÇÕES E NECESSIDADES DE PROFESSORES E ESTUDANTES DA EDUCAÇÃO BÁSICA SOBRE O APRENDIZADO REMOTO Aluísio José Pereira Andressa da Silva Araújo Gonçalves Iasmin Almeida Maciel Sandra Gabriely da Silva Ronaldo Pereira de Melo Júnior 6 125 O ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO ESCO(LAR): REINVENÇÕES DA PRÁTICA NO CONTEXTO DA PANDEMIA DA COVID-19 Verônica Gomes Nascimento Niara de Albuquerque Vianna Querino Maria Virgínia Machado Dazzani Ana Beatriz Guarany Teixeira Maéve Pâmela Souza Silva 7 145 EMPATIA E DIVERSIDADE NA ESCOLA: O DESENVOLVIMENTO DE UMA CARTILHA PSICOEDUCATIVA EM TEMPOS DE COVID-19 Gabriel Tognon Barbara Bellato Regina Basso Zanon 8 175 ESPAÇO DE ACOLHIMENTO “ENTRE NÓS”: INTERVENÇÕES POSSÍVEIS COM ATORES ESCOLARES NO CONTEXTO DA PANDEMIA DA COVID-19 Verônica Gomes Nascimento Niara de Albuquerque Vianna Querino Alice Brito Pinheiro Crisleane de Araújo Silva Maria Virgínia Machado Dazzani 9 193 PANDEMIA: HOMESCHOOLING COMPULSÓRIO? Mônica de Fátima Batista Correia Alessandra do Nascimento Costa 10 234 PSICOLOGIA ESCOLAR NA PANDEMIA: PESQUISA, EXTENSÃO E ENSINO MEDIADOS POR TDIC Nadja Maria Vieira Angelina Vasconcelos Nunes Eliezer Matias Santos 1 O REQUERIMENTO DA PANDEMIA PARA A EDUCAÇÃO E A PSICOLOGIA ESCOLAR EDUCACIONAL – UMA INTRODUÇÃO Mônica de Fátima Batista Correia Henrique Jorge Simões Bezerra Durante a Pandemia tanto a Educação em geral como seus profis- sionais e estudantes precisaram reconfigurar suas práticas. Este livro caminha nesta direção ao focalizar em atuações deste período, especifi- camente de Psicólogos, quando inseridos no cenário “pandemia-escola”, lançando luz às diversas dimensões envolvidas nesse processo de rein- venção. Acredita-se que é relevante se debruçar sobre esse contexto, ainda em curso, para aproveitar o seu potencial transformador, refletir sobre o que se aprendeu e, sobretudo, para inspirar novas posturas e mobilidades na atuação profissional. Neste trabalho de análise e refle- xão, fica cada vez mais clara a importância de definir objetivos com precisão, diversificar estratégias e ferramentas, planejar e, especial- mente, ter uma formação acadêmica consolidada. Com relação ao contexto educacional brasileiro como um todo, a pandemia colocou em evidência a urgência de uma mudança na estru- tura do sistema educacional, em direção a ações mais inovadoras e que tenham como alvo ambientes educacionais mais significativos e enga- jadores. Para isso são necessários, antes de tudo, desejabilidade, a crença na possibilidade de mudança, viabilidade, manutenção e cons- tante autocrítica. O que, sem dúvidas, levaria ao distanciamento cada vez maior da improdutiva “transmissão de conteúdos” - ensino 10 • Psicologia na Escola em Tempos de Pandemia: práticas e reflexões projetado para produzir pessoas submissas e acríticas, aulas que não instigam ou sequer reservam o tempo necessário para pensar e que não exigem elaborações e reelaborações constantes; ou seja, que geram am- bientes na contramão do que a investigação científica afirma sobre como se dá o processo de aprendizagem humana. O velho conteudismo com vistas à certificação, vai de encontro ao desenvolvimento de com- petências e habilidades requeridas neste contexto histórico; pois, a maioria de seus participantes, apesar de serem nativos digitais, é inca- paz de diferenciar fatos de opinião ou de fake news. Nesse sentido, nas frequentes contradições deste país, existe uma Base Nacional Docente (Yoshida, 2018), mas não um plano nacional para a formação de professores, que se centre em uma educação mais “ma- ker”, com situações de aprendizagem mais engajadoras e posturas docentes mais capazes de criar estratégias e ambientes educacionais nesta direção, voltados para o desenvolvimento de colaboração, autoria e autonomia; e cuja avaliação se dê com vistas ao desenvolvimento de habilidades e competências. Motivo pelo qual no cenário de pandemia e tentativa de inclusão digital houve apenas uma transferência do modus operandi de educação bancária, invés de uma transformação da educa- ção. A pandemia evidenciou, com muita clareza, a pouca autonomia dos docentes e as posturas de espera de algo que chegue para guiá-los. Em síntese, existe uma demanda claramente cultural, profunda e que clama por mudanças urgentes, além daquelas precipitadas no contexto da pandemia. Dessa maneira, os desafios em tempos pandêmicos foram inúme- ros, desde a falta de medidas do Ministério da Educação e Cultura para viabilizar o ensino remoto, especialmente às minorias, até o despreparo dos professores para possibilitar ensino por meios digitais. Além disso, Mônica de Fátima Batista Correia; Henrique Jorge Simões Bezerra • 11 não houve avaliações do impacto deste período numa educação já con- sideravelmente fragilizada, muito menos proposições sobre como recuperar alguma parte dos incontáveis prejuízos em aprendizagem e desenvolvimento que acometem e acometeram os estudantes. Adicionalmente, havia necessidade de evitar que os estudantes perdessem o vínculo com a educação; de se pensar a educação como uma matriz interrelacional, o que significava analisar o cenário por vários ângulos; assim como, o fato de não haver ninguém preparado para os efeitos sociais, culturais, educacionais e econômicos gerados pela COVID-19. O isolamento, além de tudo, trouxe mudanças severas na eco- nomia, na visão do processo ensino-aprendizagem e na relação com a cultura e a arte. De maneira que as implicações do isolamento, em ter- mos emocionais, financeirose das relações de trabalho são comparáveis às de uma situação de guerra (Arruda, 2020). Nesse cenário, o acesso às tecnologias digitais da informação e co- municação passou a ser determinante para o enfrentamento das adversidades, mesmo levando em consideração que a situação do Brasil em relação, por exemplo, ao acesso à internet seja bem aquém de países desenvolvidos, acrescida dos desafios para manter estudantes concen- trados e o ambiente de aprendizagem mais interativo. Outros países, principalmente os desenvolvidos, estabeleceram políticas públicas para ampliar o acesso a equipamentos e, assim, garantir equidade no pro- cesso ensino-aprendizagem, através de ações que envolveram aplicativos gratuitos, programas de televisão, plataformas de aprendi- zagem, distribuição de equipamentos a estudantes e convênios com empresas para garantir gratuidade de acesso a aplicativos e internet (Xiao e Li, 2020). 12 • Psicologia na Escola em Tempos de Pandemia: práticas e reflexões Na realidade brasileira, entre as principais ações a serem realiza- das, estaria a análise da equidade em termos de acesso a tecnologias digitais com vistas a possibilitar a todos o desenvolvimento de ativida- des pedagógicas por meio remoto, independente de regiões ou tipo de escola, o que não ocorreu de fato. Sabe-se, para ilustrar, que os maiores níveis de pobreza no país encontram-se nas regiões Norte e Nordeste, tal vulnerabilidade se reflete ao analisarmos o acesso à internet, a equi- pamentos e, mormente, ao tipo de escola, seja pública ou privada. Políticas Públicas deveriam ser pensadas para a democratização e equi- dade regular de acesso e apropriação das tecnologias digitais na educação brasileira em todo o país, independentemente do cenário pan- dêmico. De forma a reconfigurar as políticas de acesso tecnológico, saindo do institucional (por meio da escola) para o individual, bastando estar vinculado a uma instituição educacional para ter direito a esse bem (Hodges et al, 2020), tratando-o como um direito humano (Sahb & Almeida, 2018). Seria o tempo de pensar as Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação (TDIC) como aliadas do processo ensino-aprendizagem. Em 2011, a UNESCO já orientava para tal necessidade, de “Alfabetização midiática e informacional”, orientando professores para o uso de TDIC em seus projetos educacionais, geralmente subutilizadas no contexto educacional. Tudo isso enfatiza que a direção do debate não é exata- mente sobre tecnologia, mas sim sobre educação no Brasil – precária e que não favorece o pensamento crítico – sobretudo, formação de pro- fessor. Motivo pelo qual se utilizou o digital para reproduzir o mesmo tipo de ensino, mas em grande escala, referendando que qualidade do ensino não está limitada ao instrumento em si, mas à qualidade da me- diação (Jesus, Correia e Souza, 2022; Jesus, Bezerra e Correia, 2022). Mônica de Fátima Batista Correia; Henrique Jorge Simões Bezerra • 13 Vale ressaltar, inclusive, que ensino remoto emergencial, ou seja, implantar ensino por meios digitais e até utilizar materiais semelhan- tes, pela impossibilidade de efetivá-lo presencialmente, não é o mesmo que educação à distância (EaD), principalmente pelo fato de que aquele se dá com todos ao mesmo tempo, em forma de live, ao contrário deste (Hodges et al., 2020). Pois bem, nesse cenário, o psicólogo escolar educacional, conside- rando a relevância da escola para o desenvolvimento humano e, portanto, a necessidade de manter os estudantes em contato com esta instituição mesmo com as limitações do cenário, buscou alternativas variadas de ação, envolvendo gestores, educadores, educandos e famí- lias, promovendo suporte, discussões, abrindo canais de comunicação, sem perder de vista a inclusão educacional. É disso que tratará esta pro- dução acadêmica, descrevendo diferentes espaços de atuações ao longo das próximas páginas. Em linhas gerais, o livro faz uma espécie de balanço entre as difi- culdades estruturais e situacionais agravadas ou causadas pela pandemia; as formas de enfrentamento desenvolvidas; e o sucesso ou insucesso das experiências. A relação Educação e Psicologia é o principal tema, o qual aparece sob distintas combinações entre teorias, metodo- logias, técnicas e práticas articuladas com as TDIC e, direta ou indiretamente, referidas ao ensino remoto emergencial. O que se almeja é criar um espaço de reflexão sobre os processos de adaptação às condi- ções adversas impostas pela pandemia e sobre a emergência da novidade com vistas a olhar para a técnica tanto a partir de uma ética que prioriza a singularidade do humano e se compromete com a assis- tência, o cuidado e a responsabilidade pelo outro; quanto a partir de 14 • Psicologia na Escola em Tempos de Pandemia: práticas e reflexões reflexões sobre a democratização do acesso à educação e à cidadania plena. Dúvidas, críticas, frustrações, desencantos e descontentamentos aparecem entrelaçados com esperanças, ações e reafirmação de com- promissos políticos e sociais com a transformação da educação brasileira. Não são indicados modelos, mas abordados processos criati- vos de construção das formas de convivência e enfrentamento das limitações impostas ao sistema educacional no período da pandemia. Cada um dos capítulos trata de reflexões e experiências vinculadas a contextos específicos, o que permite acessar tanto atravessamentos co- muns dos impactos, quanto peculiaridades das situações e cenários apresentados. Sem dúvidas, a traumática transição do processo ensino-aprendi- zagem de ambientes e situações presenciais para virtuais trouxe para o centro da discussão a importância da escola na promoção do desenvol- vimento humano integral e da cidadania. Os perigos da agudização das lacunas entre as políticas públicas educacionais e a realidade concreta da escola apareceram sem máscaras, reclamando respostas efetivas e urgentes. Estudantes, educadoras e educadores atravessaram períodos de profunda angústia e cansaço, experimentaram o embotamento dos limites entre suas vidas privadas e suas atividades acadêmicas e labo- rais. Em muitos casos, as barreiras de acesso cresceram a ponto de in- viabilizar os processos educacionais, exigindo novos posicionamentos com vistas a preservar vínculos pessoais e responder às necessidades de pessoas e de comunidades escolares, as quais nem sempre estavam vin- culadas a conteúdos curriculares. Demandas de saúde física e mental, de assistência social, de acesso à internet e às TDIC exigiram atuações Mônica de Fátima Batista Correia; Henrique Jorge Simões Bezerra • 15 inter e multidisciplinares, sensíveis à vulnerabilidade das condições de vida do outro. Na concretude de cada situação particular foram tecidas soluções e enfrentamentos possíveis, fazendo emergir esperanças e novas possi- bilidades imprevistas no solo árido das precariedades recentes e antigas do sistema educacional brasileiro. Sem retirar uma vírgula das culpas e responsabilidades dos agentes políticos, educadoras, educadores, estu- dantes e familiares laboraram no sentido de preservar o direito à educação e a dignidade da pessoa humana. REFERÊNCIAS Arruda, E. P. (2020). Educação Remota Emergencial: elementos para políticas públicas na educação brasileira em tempos de Covid-19. UFMG: Revista EmRede; Vol 7, No. 1. https://www.aunirede.org.br/revista/index.php/emrede/article/view/621 Hodges, Charles et al. (2020). The difference between emergency remote teaching and online learning. EDUCAUSE Review. 27 mar. 2020. Disponível em: https://er.educause.edu/articles/2020/3/the-difference-between-emergency- remote-teaching-and-online-learning. Acesso em maio 2020. Jesus, G. S.; correia, M. F. B.; Souza, M. S. G. (2022). Mediação, Zona de Desenvolvimento Proximal e Atendimento a Necessidades Educacionais Específicas - Estudo de Casos. In: A.C. H. Santos; H. J. S. Bezerra; R. P. G. Ramos. (Org.). Psicologia Escolar Educacional práticas e pesquisas em Alagoas e na Paraíba. 1ed. Goiania: Editora Phillos Academy, v. 1, p. 142-174. Jesus, G. S.; Bezerra, H. J. S.; correia, M. F. B. (2022). Atendimento educacional especializado: contribuições de instrumentos materiais para a educação inclusiva. In: A. C. H. Santos; H. J. S. Bezerra; R. P. G. Ramos. (Org.). Psicologia Escolar Educacional práticas e pesquisas em Alagoas e na Paraíba. 1ed. Goiania: Editora Phillos Academy, v. 1, p. 32-58. Sahb, W. F., & de Almeida, F. J. (2018). Tecnologia como direito humano: acesso, liberdade, usos e criação. Interacções, 14(47). DOI: https://doi.org/10.25755/int.3185 16 • Psicologia na Escola em Tempos de Pandemia: práticas e reflexões UNESCO (2011). https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000220418 Xiao, Chunchen; Yi Li. 2020. Analysis on the Influence of Epidemic on Education in China. In: DAS, Veena; KHAN, Naveeda (ed.). Covid-19 and Student Focused Concerns: Threats and Possibilities, American Ethnologist website. Disponível em: https://americanethnologist.org/features/collections/covid-19-and-student- focused-concerns-threats-and-possibilities/analysis-on-the-influence-of- epidemic-on-education-in-china. Acesso em maio 2020. Yoshida, S. (2018). Base Nacional Docente: conheça os 10 princípios para a formação de professores. Revista Nova Escola. https://novaescola.org.br/conteudo/14564/base- docente-conheca-os-10-principios-para-formacao-de-professores 2 A REINVENÇÃO DA ESCOLA EM TEMPOS PANDÊMICOS À LUZ DA PSICOLOGIA ESCOLAR Sylvana Cláudia de Figueiredo Melo Henrique Jorge Simões Bezerra INTRODUÇÃO O presente trabalho, fruto da problematização do cenário pandê- mico em uma Instituição de Educação Profissional do Nordeste Brasileiro, Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia da Para- íba, Campus João Pessoa, intenta relatar a prática de escut(ação) de jovens estudantes, familiares e docentes, como espaço para ressignifi- cação de experiências vivenciadas por esses atores sociais da e na escola, e potencializar a ação coletiva desses sujeitos. A escrita deste capítulo surge da necessidade de darmos sentido, a partir da Psicologia Escolar, ao turbilhão de impressões advindas desses tempos de pandemia do co- ronavírus (COVID-19), de modo que pudéssemos contribuir para a significação e transformação da realidade desde de ações colaborativas e contextuais. Esta ação teve como objetivo mais amplo criar espaços de escuta das vozes institucionais, no entanto, apresentou também intencionali- dades mais específicas: reestabelecer vínculos com os estudantes, familiares e docentes por intermédio de um espaço de escuta coletiva; identificar, a partir das vozes dos atores, os desafios trazidos pela rup- tura do tempo-espaço escolar provocada pela pandemia; mapear as possibilidades vislumbradas pelos sujeitos para enfrentar os desafios 18 • Psicologia na Escola em Tempos de Pandemia: práticas e reflexões gerados pelo contexto pandêmico; e estimular a construção de cami- nhos potencializadores de desenvolvimento, protagonizados por estudantes e familiares, para o enfrentamento das dificuldades. Quando fazemos alusão ao objetivo de enfrentar os desafios apor- tados pela pandemia, tendo por referência o protagonismo dos atores institucionais, trazemos implícita uma compreensão de que é com o ou- tro que me constituo, é com o outro que eu me humanizo. Ou seja, compartilhar os sentimentos suscitados na pandemia com o outro, meu colega de classe, de trabalho, meu coordenador, me permite ampliar o olhar para além de mim e enxergar o que vivencio por outros prismas, identificando, inclusive, os determinantes sociais que podem incidir numa situação e que fazem com que eu me enxergue em minha pertença social, em meu lugar. Eu me humanizo e me fortaleço porque posso en- xergar e sentir que o que sinto, sofro, tenho dificuldades, numa perspectiva individual. Reconhecer os sonhos, os medos, a esperança no outro me reposiciona porque cria possibilidades, vínculos. Por essa razão, a tônica dessa experiência não residiu explicita- mente nos processos de aprendizagem em si, mas a todo tempo esteve presente a ideia de que para ensinar, aprender e se desenvolver é pre- ciso entretecer os aspectos sociais, cognitivos e afetivos das realidades institucionais que partilhamos e transformamos. Assim como contratos didáticos são necessários às práticas de ensino-aprendizagem em sala de aula, os pactos civilizacionais e o reconhecimento do outro são ne- cessários à construção dos processos educacionais e socioculturais: cidadania, desenvolvimento humano e preparação para o trabalho são interdependentes e indissociáveis. Da mesma forma, essa experiência de escut(ação) não tinha expli- citamente o objetivo de discutir sobre a proposta da retomada de Sylvana Cláudia de Figueiredo Melo; Henrique Jorge Simões Bezerra • 19 atividades acadêmicas do Ensino Técnico Integrado ao Ensino Médio, mas a todo momento, mediados pelas tecnologias digitais da informa- ção e da comunicação (TDIC), tivemos experiências de como ser cidadãos, de como olhar para si e para o outro em sua diversidade, como desenvolver o respeito e criar alianças com o outro, isso sem dúvidas, diz respeito também ao processo de aprendizagem e ao desenvolvi- mento de nossa humanidade. Convém realçar que os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia se constituem como uma política pública de educação, por intermédio da oferta de cursos que perpassam desde o Ensino Médio Técnico à Pós-Graduação, que trazem uma complexidade inerente ao imbricamento da formação humana e técnica ao sustentarem uma in- tencionalidade formativa residente na “construção de espaços educativos vinculados à prática da cidadania e da ampla formação do sujeito, a fim de superar as contradições das especializações e fortalecer os processos sociais e de trabalho frutos dessa trajetória” (Feitosa & Ma- rinho-Araújo, 2018, p. 182). Daí porque, de antemão, não podemos perder de vista os princípios éticos e políticos que nos amparam en- quanto categoria profissional, marcando “a aproximação da Psicologia com o campo das Políticas Públicas” (Conselho Federal de Psicologia, 2013, p. 13). Consideramos também algumas concepções norteadoras que nos mobilizaram na adoção de uma proposta de intervenção desse teor na instituição em tela. Sendo assim, outro guia que nos conduziu ao assu- mirmos as referências da Psicologia Escolar Crítica foi o registro das experiências dos atores sociais como caminho para potencializar a ação coletiva, na direção do enfrentamento da realidade e da ultrapassagem de uma visão que deposita na natureza individual as explicações para 20 • Psicologia na Escola em Tempos de Pandemia: práticas e reflexões questões sociais e coletivas. Como endossa Marinho-Araújo (2016, p. 205): “[...] é necessário que o psicólogo desenvolva competências para criar estratégias de escuta psicológica das vozes institucionais e para compreender os aspectos intersubjetivos presentes nos processos rela- cionais do contexto escolar”. A ação coletiva potencializa a ação dos sujeitos individuais ao de- mandá-los em seu protagonismo e impeli-los ao desenvolvimento, tornando-os agentes de transformação. Ainda que alguns contextos coi- sifiquem e oprimam determinados lugares sociais, há sempre a possibilidade de os sujeitos lançarem mão da própria força como via de resistência e ressignificação da realidade (Vygotsky, 2001, 2004). Reiterando ainda nosso caminho, a literatura especializada afirma que a atuação da Psicologia Escolar, em uma perspectiva psicossocial, requer que não se dissociem as queixas e as experiências escolares dos cenários nas quais estão inseridas (Andrada, Petroni, Jesus & Souza, 2018). Por isso, a importância de conheceros atores sociais para tecer um trabalho coletivo que traduza, de fato, a realidade e que os repre- sente. O psicólogo escolar deve, portanto, mediar intencionalmente o desenvolvimento humano coletivo. Sua ação política envolve a ampli- tude da teia intersubjetiva institucional para promover uma transformação dos sujeitos, atores institucionais, no âmbito tanto pes- soal quanto social (Marinho-Araújo, 2009). Nesse sentido, o desenvolvimento humano, em uma perspectiva histórico-cultural, conforme destacado por Marinho-Araújo (2016, p. 203), é tido como “um processo histórico, amalgamado pelas influências culturais e sociais dos contextos e das relações partilhados entre os su- jeitos”. Em decorrência disso, a atuação da Psicologia Escolar, implicada no compromisso com a integralidade desses sujeitos e com as condições Sylvana Cláudia de Figueiredo Melo; Henrique Jorge Simões Bezerra • 21 de seu desenvolvimento, se dá de forma relacional, posto que os sujeitos se constituem uns com os outros, a partir de suas inúmeras interações sociais. Tendo como pontos de partida referentes da Psicologia Escolar Crí- tica apresentados até então, lançamos, a seguir, um olhar para o cenário e os atores dessa Instituição de Educação Profissional, lócus do relato de nossa experiência. INQUIETAÇÕES MOBILIZADORAS Foi em um átimo que o mundo todo se viu às voltas com a suspen- são das aulas. No Brasil, por ocasião do distanciamento social e do lockdown, propostos pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como es- tratégias de atenuação da propagação do contágio pelo COVID-19, as estatísticas revelaram que 35% dos alunos tiveram as aulas suspensas, o correspondente a 19,5 milhões estudantes sem aulas (Chagas, 2020). Ainda que as escolas públicas e privadas tenham adotado dinâmicas dis- tintas frente a pandemia (como férias antecipadas para os docentes e estudantes e/ou aulas remotas), o fato é que as escolas deixaram de ser ocupadas presencialmente por estudantes e educadores, provocando um estranhamento nas comunidades escolares e na sociedade como um todo. Historicamente, as dinâmicas e os papéis assumidos pelos diversos atores sociais na escola configuravam-se em referências identitárias importantes, “alteradas com a quebra abrupta das rotinas escolares” (Guzzo, 2020). A escola já faz parte de nossas vidas a ponto de toda a nossa dinâmica social girar em torno de uma cultura escolarizada, não sendo à toa, pois, o estranhamento gerado a partir da quebra dessas 22 • Psicologia na Escola em Tempos de Pandemia: práticas e reflexões rotinas. A instituição escolar, conforme os pressupostos de Vygotsky (1998), institui-se como lugar de ensinar e aprender, sendo espaço de conhecimentos sistematizados e de promoção do desenvolvimento (Me- deiros, Arinelli & Souza, 2018), contemplando experiências de educação, de vida, de afetos, de conflitos, de acolhimentos, de esperanças e de pro- jetos de vida. No entanto, a gravidade da situação sanitária desvelou a desprote- ção da Instituição de Educação Profissional, cenário desse relato de experiência, uma vez que se tornou difícil a adoção das medidas prote- tivas básicas recomendadas pela OMS, relativas a lavar as mãos e manter o distanciamento social. A falta de insumos, provocada pelo contingenciamento de recursos por parte do Governo Federal, já pre- sente antes mesmo da pandemia, acirrou a dificuldade em cumprir essas medidas de prevenção, além da superlotação de salas por estudan- tes, o que tornou a manutenção da distância regulamentar entre os corpos uma medida impossível de ser observada, requerendo, de forma imperativa da gestão, a decisão de suspender as aulas a partir de 19 de março de 2020. A institucionalização de rotinas, tanto no âmbito privado quanto no tecido social comunitário, situa as pessoas no tempo e no espaço, na medida em que constrói ritos e cadências que regulam certa organiza- ção dos sujeitos e da vida em sociedade. Assim, a ruptura abrupta da lógica de escola, provocada pela pandemia, quebrou as referências de tempo-espaço, impactando as vidas das pessoas e dos coletivos. Isso nos levou a refletir sobre os significados da instituição escolar, sobre sua função e, nomeadamente, sobre as demandas por sua reinvenção, tra- zendo à tona a atuação do psicólogo escolar em uma perspectiva Sylvana Cláudia de Figueiredo Melo; Henrique Jorge Simões Bezerra • 23 psicossocial como forma de compreensão de tal contexto (Andrada et al., 2018). Dentre os inúmeros impactos gerados na educação devido a essa ruptura abrupta, podemos destacar a transição repentina para um en- sino remoto, caracterizado como uma modalidade de atendimento escolar em situações de excepcionalidade (Arruda, 2020), provisória e substitutiva da atividade escolar presencial (Todos pela Educação, 2020). O que impôs a digitalização dos processos educativos sem a necessária infraestrutura para garantir resultados de qualidade, precipitando o acirramento das tensões entre inclusão-exclusão educacional para o contexto digital. Esse fato acentuou desigualdades ao revelar limitações de muitos estudantes em relação tanto ao acesso digital quanto à com- preensão de um ensino mais abstrato que requisita novos jeitos de ensinar e de aprender, o que finda por reforçar a exclusão social desses segmentos mais vulneráveis, de acordo com o Relatório de Monitora- mento Global da Educação (Unesco, 2020). Acolher as demandas desse tempo pandêmico na escola e sistema- tizar os diversos movimentos desenhados por docentes, estudantes, familiares, equipes e gestão, permitiram o traçado de nossa caminhada. Desse modo, como diz o poeta espanhol Antônio Machado (1912), “cami- nhante, não há caminho, o caminho se faz ao caminhar”, fomos constituindo nosso projeto de “escut(ação)” ao caminhar. Nesse contexto, contribuíram para a tessitura desse projeto as in- quietações profissionais e humanas dos que fazem parte da equipe da Coordenação de Assistência ao Estudante (CAEST) e do Departamento de Assistência Estudantil (DAEST), sensíveis à necessidade de abrir es- paços de fala para os atores sociais da escola, mote para a compreensão dos cenários em que estávamos imersos e para as formulações de 24 • Psicologia na Escola em Tempos de Pandemia: práticas e reflexões proposituras coletivas, aliadas às leituras prévias e aos processos for- mativos vivenciados por alguns dos profissionais de Psicologia Escolar. Entre os espaços formativos que nos embasaram para o desenvol- vimento dessa experiência de escut(ação) e nos respaldaram teórica e metodologicamente destacamos as participações em: um projeto de ex- tensão, promovido pela Universidade Federal da Paraíba, de formação continuada para psicólogos e psicólogas escolares no contexto de esco- las públicas; uma comissão de Psicologia Escolar do Conselho Regional de Psicologia da Paraíba; e um curso de atualização em saúde mental e atenção psicossocial na Covid-19, promovido pela Fundação Oswaldo Cruz. Anteriormente ao período pandêmico, a instituição lócus de nosso relato de experiência favorecia a diversidade de estudantes em função da pluralidade proposta em seu Plano de Desenvolvimento Institucional (IFPB, 2014) e em seus demais documentos institucionais, convocando- nos a tomar conhecimento das suas diferenças e realidades sociais dis- tintas. No entanto, a pandemia gerou o apartamento social desses jovens e de seus familiares da escola. As situações cotidianas passaram a ser vivenciadas, de forma individual, sem o compartilhamento das ex- periências, o que repercutiu na redução de trocas sociais. Circunstancialmente, foi como se a escola estivesse em suspensão e a situação pandêmica impusesse certa paralisia a todos. Do ponto de vista pragmático, nutriu-se a expectativa de que em dois meses tudo pudesse retornar à normalidade habitual, mas o prolongamentoda gra- vidade sanitária pôs em xeque a viabilidade do retorno às atividades presenciais. As dúvidas acerca desse retorno foram muitas. Entre elas estaria um receio presente de que a adoção de um ensino remoto pudesse Sylvana Cláudia de Figueiredo Melo; Henrique Jorge Simões Bezerra • 25 significar um “avanço do liberalismo” (Uchoa, Sena & Gonçalves, 2020), implicando o esvaziamento da função da escola, de professores, de es- tudantes e de recursos. Esse receio não se manifestou de forma unívoca, pois outras vozes, reverberadas no tecido social, se sobressaíram, cla- mando pelo retorno das atividades escolares, mesmo em formato remoto, o que materializa a evidência de múltiplas escolas em uma só. O rumor sobre o retorno às aulas de forma remota nos impeliu a algumas reflexões: a existência da escola estaria associada apenas ao es- paço físico? Como manter os princípios pedagógicos durante as aulas remotas? O que genuinamente marca a relação pedagógica a despeito de seu formato? Se o professor não se encontra mais em seu lócus habitual, o que e como fazer para manter seu papel? Como garantir o ensinar e o aprender nesse formato remoto de aulas? Qual a representação que a escola tem para os jovens estudantes? Eles conseguiriam se manter vin- culados à escola nesse momento pandêmico, visto que para alguns a busca por essa instituição é movida pelos ganhos aportados por equipa- mentos e possibilidades de sociabilidade? Tais questionamentos podem ser sintetizados numa pergunta cen- tral: qual o papel das tecnologias digitais da informação e da comunicação na promoção dos processos educacionais formais de en- sino-aprendizagem e desenvolvimento? Claro está que nossas relações com o mundo não são diretas, mas mediadas por instrumentos e signos (Vigotski, 1998; 2001). Mas também é preciso lembrar que “cada tecno- logia modifica algumas dimensões da nossa inter-relação com o mundo, da percepção da realidade, da interação com o tempo e o espaço” (Mo- ran, 1995, p. 2). Ou seja, a mudança para interações remotas mediadas por TDIC não seria uma simples troca de mediadores culturais, mas 26 • Psicologia na Escola em Tempos de Pandemia: práticas e reflexões afetaria profundamente as relações intersubjetivas, a atividade educa- cional e a percepção da realidade por parte dos protagonistas. Outra ordem de preocupação esteve associada ao fato de que mui- tos estudantes e até professores não tivessem acesso digital compatível com as exigências de um ensino remoto, gerando mais desigualdades de acesso educacional (Cardoso, Ferreira & Barbosa, 2020). Como, diante da restrição de acesso, as TDIC poderiam servir para suportar, ampliar e transformar atividades e ações humanas materiais e simbólicas promo- vidas pela instituição? Na verdade, estávamos diante de um acirramento das tensões entre os polos inclusão-exclusão digital e da incipiência na apropriação de TDIC na educação pública brasileira. O que fazer perante a falta de políticas públicas federais de universaliza- ção e equidade de acesso às TDIC, dado que, emergencialmente, elas determinariam o acesso à educação? Como subverter tais barreiras em favor de uma educação democrática e igualitária? Enfim, as discussões tecidas nos aguçaram para o desenvolvimento do projeto Escuta(ação), propriamente dito, que foi antecedido por um mapeamento dinâmico dos cenários. O mapeamento, ferramenta da Psi- cologia Escolar, proposta por Marinho-Araújo (2014, 2015), envolve uma das dimensões do trabalho do psicólogo escolar e possibilitou uma visão panorâmica da realidade por intermédio do desenho de cenários dos confinamentos e dos distanciamentos sociais já existentes, mas acirra- dos pela suspensão das aulas que impeliu professores, estudantes e comunidade escolar para os próprios territórios. Em um primeiro momento, pudemos registrar: a suspensão das atividades institucionais/descontinuidade no contato com a comuni- dade escolar; a inexistência de aulas presenciais e remotas; as ações concentradas na distribuição de álcool, máscaras e cestas básicas; a não Sylvana Cláudia de Figueiredo Melo; Henrique Jorge Simões Bezerra • 27 existência de consensos sobre o retorno das atividades/aulas; o au- mento das demandas escolares e psicossociais de estudantes/familiares; a não participação dos psicólogos escolares em reuniões de assessoria. Na sequência, percebemos uma alteração no cenário inicial, iden- tificada por: uma pesquisa sobre o acesso digital dos estudantes; a presença marcante dos psicólogos escolares em reuniões de gestão; a realização de um projeto de psicólogos escolares, denominado “Há Abraços”; e a necessidade de uma atuação profissional da Psicologia Es- colar, marcada pelo desenvolvimento de escutas dos atores institucionais para ressignificar as experiências e potencializar a ação coletiva desses sujeitos na direção do enfrentamento da realidade. Percebemos que, a despeito das ações solidárias, relativas à feitura de álcool em gel, de máscaras, da distribuição de cestas básicas, das in- dagações e das valiosas reflexões, as aulas continuavam suspensas nessa Instituição de Educação Profissional, e as inquietações prosseguiam en- tre estudantes, familiares e alguns educadores: “por que a rede pública havia interrompido as aulas enquanto a rede privada programava seu retorno remoto?” Entre os diversos prós e contras ventilados, a questão do acesso digital ganhou destaque: para uns, a constatação de que muitos estu- dantes dispunham de um frágil acesso digital era um ponto final; para outros, um ponto de partida para mobilizar ações que viabilizassem a ampliação do acesso. Essa questão é, de fato, relevante, visto que “na rede pública, 26% dos alunos que estão em aulas on-line não possuem acesso à internet”, segundo as fontes do Senado Notícias (Chagas, 2020). Ainda mais, mesmo nos casos em que as TDIC estavam inseridas na vida cotidiana dos protagonistas, seria necessária uma transposição, em re- lação aos processos educacionais, que demandaria várias adaptações e 28 • Psicologia na Escola em Tempos de Pandemia: práticas e reflexões novos níveis de apropriação e domínio tecnológico em direção a usos inovadores e criativos assentados no cenário escolar. Afinal, o foco não era a tecnologia em si mesma, mas o que é possível fazer com ela para a realização de ações conjuntas em uma atividade educacional contextu- alizada. Em meio às questões expostas, as escolas privadas conseguiram se resolver mais rapidamente quanto ao retorno das aulas, em sua grande maioria. Evidentemente, não poderíamos desconsiderar a complexi- dade dos Institutos Federais que trazem em seu cerne o imbricamento da formação humana e da técnica. Entretanto, o fato é que a suspensão das aulas, até mesmo no formato remoto, mobilizou alguns estudantes e gerou mais uma ordem de inquietação: a diminuição das chances de concorrerem ao Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) e de serem aprovados nele. Essa questão trazia, de forma mais acirrada, as desi- gualdades socioeducacionais e um aumento das preocupações acerca do futuro profissional, constituindo-se em variações do mesmo tema: a de- sigualdade social, que compromete a cidadania e as condições de equidade para participação social plena. No prenúncio da pandemia, a procura dos estudantes e dos famili- ares pela instituição não ocorreu de forma contínua, denotando a reticência desses atores quanto à aproximação com a escola e revelando a necessidade de se assegurarem dos elos entre eles e a instituição. As situações, por demais mobilizadoras, levaram gradativamente esses su- jeitos a recorrerem individualmente à instituição em tela para compartilharem as inquietações, sendo a profissional da Psicologia Es- colar uma das primeiras referências. A despeito do lançamento do projeto institucional “Há Abraços”, desenvolvido por outrospsicólogos educacionais, que permitiu o Sylvana Cláudia de Figueiredo Melo; Henrique Jorge Simões Bezerra • 29 acolhimento de estudantes de forma pontual, por intermédio de escutas psicológicas, o endereçamento de demandas aos psicólogos escolares prosseguiu, concentrando-se em tópicos relativos ao estágio, volta às aulas, necessidade de encontrar os amigos, questões de violência do- méstica, saúde mental, vulnerabilidade social e pobreza. Tudo isso justificou nossa intervenção no sentido de ampliar os canais de escuta para ouvir os atores institucionais em uma perspectiva coletiva e rela- cionada aos aspectos educacionais, na qual a responsabilidade pelos insucessos deixaria de ser atribuída ao indivíduo para se vislumbrar o que diz respeito a uma comunidade, como bem expressa a canção Sal da terra, de Beto Guedes e Ronaldo Bastos (1981): “um é sempre mais que dois”. Daí a potência gerada por esse tipo de escuta. Não obstante aos desafios impostos pela pandemia, a escola se manteve como uma importante porta aberta, uma insistente referência para anunciar pedidos de socorro, por meio de escutas psicológicas ini- ciais e de uma aproximação com os demais serviços. Foi uma maneira de gerar um movimento de prevenção e de cuidado integral, proemi- nente em um contexto no qual muitos dispositivos sanitários e sociais se encontravam com atendimento reduzido. A instituição funcionou, portanto, como um elo com as demais redes de proteção e cuidado, ser- viços e entidades, a fim de viabilizar a permanência dos estudantes na escola e a trajetória de sucesso deles. De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente (Brasil, 1990), a proteção integral se apresenta como um paradigma que inau- gura um trabalho na perspectiva de rede, reordenando a atenção aos jovens, a partir de uma lógica interdisciplinar que prevê uma integrali- dade no atendimento de diversos outros setores e entidades. Em consonância, cabe ao psicólogo atuar na direção dessa proteção integral, 30 • Psicologia na Escola em Tempos de Pandemia: práticas e reflexões considerando que os adolescentes e jovens são sujeitos de direitos que requerem ser levados em conta enquanto protagonistas de suas experi- ências e de sua participação social (Conselho Federal de Psicologia, 2003). Quando falamos em cuidado, não restringimos essa categoria à di- mensão da saúde. Há uma noção que transcende esse campo, tendo em vista a integralidade dos sujeitos, conforme contempla Boff (1999), ao reiterar que o cuidado implica uma atitude de se importar com o outro. Esse cuidado se tornou, pois, essencial, porque muitos dos estudantes que até há pouco frequentavam a escola presencialmente já se encon- travam em situações de extrema vulnerabilidade, as quais agora estavam ampliadas no contexto pandêmico em função do desemprego de familiares, da ausência de auxílio emergencial e de outras ordens de desamparo. Nestes casos, as discussões sobre o uso das TDIC e o ensino remoto emergencial ganhavam outros contornos e se tornavam ainda mais distantes da realidade dos estudantes e de suas famílias, devido à urgência em se responder às situações de vulnerabilidade citadas. Está- vamos frente a frente com a exacerbação do abismo entre os direitos humanos, as políticas públicas e a efetivação da educação no Brasil. Portanto, coube aos demais profissionais, nomeadamente aos psi- cólogos escolares, a despeito da manutenção da identidade profissional, saírem de suas respectivas mônadas e estabelecerem contatos com a rede de cuidados existente, visto que, definitivamente, a instância esco- lar não poderia funcionar em modo hermético. Segundo Guzzo (2001, 2003), é imperativo se articular com as redes de proteção existentes dentro e fora da escola, tecendo, do lugar de escola, a ampliação dessa função protetiva na qual o cuidado passa a ser transversalizado en- quanto dimensão viabilizada pela atuação preventiva do psicólogo Sylvana Cláudia de Figueiredo Melo; Henrique Jorge Simões Bezerra • 31 escolar, ao reiterar estratégias de intervenção que promovem o desen- volvimento humano. PARA ALÉM DAS PAREDES DA SALA DE AULA E DOS MUROS DA ESCOLA Como foi possível nos situarmos frente a esse novo enquadra- mento da relação pedagógica em face da possibilidade do ensino remoto? Essas novas configurações nos puseram a pensar os estudantes em suas concretudes: eles apresentavam fragilidades quanto à acessibi- lidade digital, mas, para além dessas visíveis lacunas, possuíam um contexto sociocultural a ser considerado em seus desafios e potências. De maneira similar, essa realidade nos levou a problematizar também o significado de ser professor fora do lócus habitual de trabalho, a sala de aula. Mais do que a possibilidade de suscitar o desenvolvimento no qua- dro docente, a experiência do trabalho remoto trouxe muitos desconfortos e desafios. O cenário da pandemia demandou a reconfiguração das relações pedagógicas, instigando-nos a pensar, sobretudo, na relação docentes- conhecimento-estudantes em outro enquadramento. A possível adoção do ensino remoto no campus em tela levou-nos a questionar a nossa própria atuação enquanto psicólogos escolares no atual cenário. A pan- demia nos colocou diante da reflexão acerca de nossas identidades profissionais, ou seja, o que genuinamente deve nortear as atuações profissionais. Assim, entre as indagações que emergiram nesse cenário, pensa- mos: se não há presencialmente estudantes na escola, nem na sala de aula, em que consiste a relação pedagógica? Se substituíssemos o for- mato presencial das aulas por um remoto, continuaríamos a ter escola? 32 • Psicologia na Escola em Tempos de Pandemia: práticas e reflexões E se a pandemia se prolongasse por mais tempo, a escola se sustentaria apenas de forma remota? O que é ser estudante em um ensino remoto? Foram provocações como essas que nos permitiram resgatar o teor re- lacional que envolve as aprendizagens entre professores e estudantes, entre os próprios pares e o papel do professor como mediador dessas relações, a despeito do formato remoto ou presencial. Ainda que o ensino remoto demande um tipo de professor e re- queira também outro tipo de aluno, distintos dos que agiam nas atividades presenciais, temos que manter no horizonte a compreensão de que o desenvolvimento humano acontece por meio das relações so- ciais mediadas (Vygotsky, 2007). Daí porque os espaços sociais e coletivos são espaços privilegiados de constituição de sujeitos, por meio dos quais as aprendizagens, o desenvolvimento e a ressignificação das práticas culturais acontecem, como referenda Souza (2005). De acordo com Melo (2020), não é necessariamente o compartilha- mento de espaços plurais que garantiria a existência de pontes entre professores e estudantes e/ou entre os pares. A escola e suas práticas deveriam funcionar enquanto tempo-espaço de desenvolvimento, en- tretanto, a escola poderá, na contramão, tornar-se promotora de muitos confinamentos ou perpetuar os já existentes, anteriores à pandemia. As inquietações dos diversos atores, apreendidas pelos psicólogos escolares e relativas ao desconforto quanto à ausência de aulas de qual- quer natureza, levaram a algumas reflexões e tomadas de decisão que sinalizaram para a necessidade da retomada institucional das ativida- des, mesmo em um formato remoto. Essa decisão, no entanto, foi precedida por uma sondagem na instituição das condições de acesso di- gital, condições essas que apontavam, em seu cerne, para a necessidade Sylvana Cláudia de Figueiredo Melo; Henrique Jorge Simões Bezerra • 33 da gestão lidar de forma estratégica com essa realidade e propiciar igualdade de acesso. Na ocasião, o retorno às aulas no formato remoto trouxe à tona novamente uma discussão mais ampla: escola para quê? Quais conheci- mentos deveriam constar nessa fase de retorno? Comoa escola deveria lidar com sua proposta de integração curricular? Quais as unidades cur- riculares fundamentais nessa volta? Entre os professores e a equipe técnica, identificamos uma dificul- dade em promover a interdisciplinaridade, sendo muito evidente a disputa pelas disciplinas tidas como “mais relevantes” e a preservação do conteúdo programático na íntegra, sem a consideração desse mo- mento sanitário tão peculiar. A continuidade dos conteúdos programáticos, tal qual se encon- trava prevista antes da pandemia, trouxe de forma implícita uma dificuldade em se considerar que o conhecimento e o afeto caminham juntos e que tais processos pressupõem levar em conta a afetividade como intrínseca às aprendizagens (Monteiro & Rossler, 2020). Por isso, desconsiderar o leque de experiências vivenciadas por estudantes e pe- los próprios professores nesse contexto é, em certo sentido, desconhecer a importância de se fazer ligações com a realidade viven- ciada para que o conhecimento sistematizado na escola possa gerar sentido, uma vez que não seria possível prosseguir a partir da página interrompida, por ocasião da suspensão das aulas, sem retomar às vi- vências experimentadas nesse tempo, ou seja, a partir de situações relacionadas à própria vida. 34 • Psicologia na Escola em Tempos de Pandemia: práticas e reflexões A CONSTRUÇÃO DE PACTOS CIVILIZATÓRIOS E O PROTAGONISMO DOS SUJEITOS As partilhas de experiências vivenciadas pelos atores institucio- nais ao longo da pandemia, relativas às vulnerabilidades sociais, aos medos do futuro, à situação de desemprego de familiares, às mortes, aos lutos, às esperanças, aos sonhos e às solidariedades, permitiram a cons- trução de lugares de humanização para estudantes, familiares e educadores a partir do espaço de Escut(ação). No contexto da pandemia, a escola tem um importante papel: rea- vivar o pacto civilizatório de nossa sociedade, esmaecido pelo cotidiano, para nos remeter ao lugar de humanos. A linguagem e a arte humani- zam as dores e fundam possibilidades de criação coletiva e de enfrentamento, deslocando do sujeito individual a culpabilização pelas faltas e desamparos a fim de compreendê-las enquanto uma condição social enfrentada por outros que vivenciavam condições similares de vulnerabilidades. A intervenção propiciou, pois, um espaço de reflexão com os diver- sos estudantes que, ao evidenciarem as desigualdades, explicitam uma vida real tal qual ela é e oportunizam o exercício de se colocar no lugar do outro a fim de entenderem as dificuldades que alguns atravessam, inclusive quanto ao ensino remoto. Àqueles que não experimentam tais condições, há a chance de se sensibilizarem para a condição do outro (Cardoso, 2020) e, pela via da aprendizagem de habilidades cooperativas e solidárias, prepararem-se para a interdependência. Assim, a construção de espaço de partilha propulsiona o desenvol- vimento, ao proporcionar uma formação cidadã que valoriza o descentramento de si e da realidade individual (Habowski, Conte & Sylvana Cláudia de Figueiredo Melo; Henrique Jorge Simões Bezerra • 35 Jacobi, 2018) para que, por meio da ampliação de pontos de vistas, a so- lidariedade possa ser desenvolvida. Por isso, as trocas realizadas por ocasião da intervenção permitiram o desvelamento dos diversos per- cursos acadêmicos em suas fragilidades e potências, possibilitando uma ancoragem nos pares para as questões afetivas e escolares. Dessa forma, o papel da psicóloga escolar voltou-se para acolher as distintas realidades socioculturais expostas pelos estudantes, concreti- zadas nas dificuldades reais quanto às condições materiais, sanitárias e tantas outras que se imbricavam às questões do cotidiano escolar, me- diando a existência de muitos mundos e realidades socioculturais diversas. Isso tudo nos convocou a transitar por essas desigualdades e oportunizar espaços de criação de saídas, de enfrentamentos coletivos. Parece recorrente a convocação do psicólogo para lidar com as questões emocionais, alimentando-se uma expectativa de que esse pro- fissional deve cumprir a demanda a partir de uma perspectiva clínica. Embora as habilidades de ouvir e escutar sejam dimensões peculiares ao seu trabalho e fomentadas em seu processo formativo, conforme men- ciona Marinho-Araújo (2016), a atuação do psicólogo na escola guarda especificidades. A despeito da fragilidade das redes de cuidados frente a necessidade de encaminhamentos, o psicólogo escolar tem uma natu- reza de trabalho na escola que o distingue do psicólogo clínico. Sendo assim, para além das escutas psicológicas que permitiram a continência desses sentimentos provocados ou acirrados pela desarru- mação no arranjo da escola mediante o COVID-19, qual a proposta da Psicologia Escolar nesse contexto de pandemia? Do ponto de vista dos microprocessos, qual a contribuição que a Psicologia Escolar poderia ofertar para compor uma proposição coletiva com a escola nesses tem- pos? Evidenciar a que viemos, de que lado nós estamos ao explicitarmos 36 • Psicologia na Escola em Tempos de Pandemia: práticas e reflexões o nosso compromisso com uma Psicologia para todos, reitera as inten- ções formativas de uma Instituição de Educação Profissional, como uma política pública que se pretende plural, e permite assim demarcar nosso lugar enquanto psicólogos escolares. Eis que, no cenário de crise gerado pela pandemia, as alterações bruscas da rotina escolar, a emergência de inquietações, os conflitos e incertezas na produção de soluções nos convocaram como psicólogos escolares a pensar caminhos. O projeto de Escut(ação) se traduziu, por- tanto, como possibilidade de potencializar os atores sociais da e na escola ao reconhecer, como nos brinda a música de Chico Buarque (1977), na peça Os Saltimbancos, que “todos juntos somos fortes, somos flechas e somos arco, todos nós no mesmo barco, não há nada para temer”. A despeito dos impedimentos sanitários que restringiram o acesso presencial à escola, compreendemos que a escola, deveria se fazer pre- sente na vida dos estudantes, professores, familiares. A sustentação na ideia de que a escola precisava ocupar um lugar nesse contexto pandê- mico nos fortaleceu no intuito de criarmos possibilidades de estar juntos, ainda que no formato remoto, caminhos possíveis por meio da utilização de ferramentas digitais tais como a Plataforma Goggle Meet,que permitiu a reunião dos diversos segmentos, agregada ao Power Point e ao Youtube, que nos auxiliaram na construção de mediações es- téticas, favorecendo a comunicação com a comunidade acadêmica como um todo. DO PLANEJAMENTO À AÇÃO A presente ação elegeu por público-alvo estudantes de três cursos do Ensino Técnico Integrado ao Ensino Médio, seus respectivos Sylvana Cláudia de Figueiredo Melo; Henrique Jorge Simões Bezerra • 37 familiares e professores, totalizando um número de 360 estudantes, 150 familiares e 70 professores, e consistiu em três tipos de atividades: es- cutas coletivas dos estudantes por turma/curso, dos familiares e dos professores. Quanto ao período e sistemática da ação, foram realizados dez encontros para escuta aos estudantes, cinco reuniões de escuta aos pais e/ou familiares e seis reuniões de escuta aos professores e profes- soras, tendo cada atividade a duração de duas horas. Sobre o procedimento, houve previamente uma negociação com a coordenação dos cursos envolvidos a fim de acordar a atividade. O con- vite para participar dessa tarefa foi realizado pelo próprio coordenador por meio da plataforma Google Meet. Após a abertura das atividades pela Coordenação de Curso, prosseguimos com a mediação pela psicóloga es- colar. A lógica do exercício residiu na vinculação dos atores à configuração de curso/estudante e de curso/familiar/professores para que pudéssemos favorecer uma reconexão desses à escola, tendo emvista a quebra de rotina gerada pela pandemia. Assim, tivemos um roteiro orientador e seguimos indagando, a cada um dos presentes, sobre as questões propostas. O roteiro girou em torno de três questões: 1. Quais os desafios trazidos pela quebra do tempo e do espaço provocada pela pandemia? 2. Apesar de todas as per- das, quais as possibilidades que a pandemia trouxe para você? 3. A partir de sua vivência, como você poderia protagonizar algumas sugestões para a sua turma que contribuam para o enfrentamento dos desafios advindos da pandemia? As questões do roteiro foram adaptadas em fun- ção do público presente. Após a fala de cada um dos atores, sugerimos que eles digitassem no chat palavras-chaves que pudessem representar o sentido que a atividade teve para eles, o que gerou, posteriormente, uma nuvem de palavras. 38 • Psicologia na Escola em Tempos de Pandemia: práticas e reflexões Utilizamos ainda músicas e fragmentos de poemas, tanto nas tur- mas iniciais quanto no grupo de professores, como mediação estética (Vygotsky, 1999), devido à importância da arte como um recurso para disparar a cognição e o afeto de sujeitos que, ao serem tocados em suas emoções, têm sempre a possibilidade de pensar a si e ao mundo à sua volta de forma mais ampliada, mobilizando novas relações com a reali- dade. A atividade de escuta foi bastante aceita pelos vários segmentos, tanto estudantes, quanto familiares e professores, os quais se mostra- ram ávidos por serem ouvidos e terem espaço para ressignificar esse tempo pandêmico. Tal aceitação foi identificada por intermédio do nú- mero de participantes presentes nas atividades e das avaliações registradas nos próprios chats, por meio de palavras-chave ou de co- mentários registrados pelos participantes. O que nos permitiu perceber em tempo real e de forma contínua o nível de participação da turma e de sua interação. Alguns atores participaram da atividade de escuta antes do início das aulas, outros tiveram a atividade agendada para depois do reinício. Identificamos que os estudantes que participaram da atividade antes do retorno às aulas trouxeram experiências mais voltadas à própria vida. Ao mesmo tempo, notamos que as turmas que participaram da atividade após o reinício tinham certa urgência em trazer assuntos relativos às dificuldades digitais e às impossibilidades de cumprir as unidades cur- riculares que requisitassem um equipamento mais potente, como outras questões acerca do cotidiano em sala nesse formato remoto. Algumas dessas atividades de escuta contaram com a presença de coordenadores de curso, o que foi de extrema relevância pela oportuni- dade de vivenciarem um processo formativo que os sensibilizasse para Sylvana Cláudia de Figueiredo Melo; Henrique Jorge Simões Bezerra • 39 o desenvolvimento da gestão pedagógica dos cursos, na medida em que puderam compreender o contexto das vozes institucionais apresenta- das, na perspectiva do processo educativo que, como tal, contempla professores e estudantes, sem a polarização desses atores na tomada de decisão. O chamamento para a atividade ocorreu por meio do e-mail insti- tucional e também por intermédio dos grupos de WhatsApp onde foi compartilhado o link da reunião do Google Meet. Nesse sentido, deve- mos destacar a agilidade nas comunicações propiciadas pela utilização desse aplicativo e a desconstrução decorrente da ideia de que esse tipo de comunicação informal não seria adequada à escola. Repensarmos tais paradigmas se constituiu num avanço, tendo em vista que o currículo é tecido também nas coxias da instituição, não se reduzido ao currículo formal, mas a um currículo oculto que vai sendo enredado entre e com os atores. E foi exatamente essa brecha produzida pelo currículo oculto que possibilitou a emergência de uma nova relação com as TDIC, a qual se centrava em seus potenciais de uso para a promoção de ações articula- das entre membros da gestão pedagógica, subvertendo posicionamentos engessados e preconceituosos que promoviam barrei- ras comunicacionais. O início propriamente dito da atividade se deu com apresentação da equipe de referência, constituída pelo coordenador do curso, pela psi- cóloga educacional da Coordenação de Assistência ao Estudante (CAEST) e por um representante do Departamento de Articulação Pedagógica (DEPAP). Essa equipe permitiu a construção de trabalho articulado e muito contribuiu para a aproximação da comunidade acadêmica e para um aprofundamento dos vínculos. As equipes de referência para cada 40 • Psicologia na Escola em Tempos de Pandemia: práticas e reflexões curso surgiram institucionalmente com a necessidade de planejar, acompanhar e avaliar as atividades de ensino não-presenciais, e foram criadas pelas Comissões Locais de Acompanhamento e Gestão das ativi- dades Não Presenciais (CLAGANP) (IFPB, 2021). A despeito das dificuldades advindas da pandemia, pudemos com- putar como ganho a possibilidade de experimentar processos mais relacionais, uma vez que as reuniões remotas viabilizaram a presença si- multânea da equipe de referência e demais atores institucionais, gerando a compreensão mais ampliada das situações em sua complexi- dade. Após a apresentação da equipe de referência e do objetivo do en- contro, facultávamos a palavra ao grupo. Tendo em conta a nossa intencionalidade de ouvir as vozes institucionais, íamos provocando o grupo no sentido de refletir sobre a situação sanitária, suas implicações e desdobramentos e o seu protagonismo. De antemão, embora entendêssemos que para alguns fosse extre- mamente difícil a abertura das câmeras, porque tal ação desvelaria a realidade desses atores, tivemos a preocupação em deixar claro que eles poderiam ficar à vontade para abrir ou não as câmeras, ainda que enfa- tizássemos que gostaríamos de revê-los e identificar os semblantes de cada um deles. Se por um lado parecia constrangedor que alguns não quisessem ou não pudessem abrir as câmeras, por outro, findou por se constituir em uma oportunidade para refletirmos sobre a nossa intenção forma- tiva de sermos uma instituição plural que deveria acolher a todos e a todas, independente da condição. Esse momento, sem dúvida, deixou às claras a realidade dos demais colegas e familiares, particularmente a Sylvana Cláudia de Figueiredo Melo; Henrique Jorge Simões Bezerra • 41 aqueles que vivenciavam a própria bolha sem se dar conta das muitas realidades. Mesmo mediante as singularidades dos atores institucionais, iden- tificadas pelos mediadores, adotamos como alternativa a utilização do chat, o que permitiu que os participantes pudessem registrar suas falas. Essa outra forma de participar da reunião nos pareceu muito inclusiva, uma vez que permitiu o envolvimento dos mais tímidos ou dos que sim- plesmente não desejavam falar ou não podiam. De toda forma, a despeito das fragilidades dos equipamentos, do sinal da internet e da pouca familiaridade dos participantes e facilita- dores com as reuniões por videoconferência, o movimento de estabelecer contato por meio do Google Meet foi muito importante, tor- nando a escola presente, a despeito da distância imposta pela situação sanitária, levando-nos a sustentar que o vínculo em qualquer que seja o enquadramento é o que nos põe vivos. Assim, mesmo nesse formato re- moto, foi possível nos reportar aos atores fazendo alusão aos ícones ou codinomes escolhidos por eles para se representarem, durante a reu- nião. Ao narrarem suas próprias vivências, os atores envolvidos nessa intervenção puderam compartilhar vulnerabilidades sem o peso de arcá-las individualmente, mas como uma condição social enfrentada por outros que, por estarem submetidos a condições similares, deman- davam enfrentamentos coletivos. Essa experiência também possibilitou aos estudantes que não vivenciavam tais condições a importância de de-senvolverem a sensibilidade para se colocar no lugar do outro (Sampaio, Camino & Roazzi, 2009) e para aprender habilidades cooperativas e so- lidárias que os preparam para a interdependência e o protagonismo (Castro-Silva et al, 2021), gerando, assim, maior fortalecimento de 42 • Psicologia na Escola em Tempos de Pandemia: práticas e reflexões grupos, integração e solidariedade, evidenciados pelo estabelecimento de parcerias, pela criação de monitorias e grupos de estudos. Enfim, essa experiência forneceu mais visibilidade ao coletivo. A utilização de mediações simbólicas nos auxiliou na exploração das diversas formas de vivenciar e expressar os sentimentos suscitados pela situação pandêmica, justificando a nossa escolha por determinadas músicas, vídeos ou poemas ao trazerem implicitamente uma intencio- nalidade. A utilização desses recursos, não convencionalmente utilizados nas aulas presenciais, mobilizou outros sentidos, com fre- quência não explorados, que contribuíram para provocar o desenvolvimento e a aprendizagem, uma vez que propiciaram o aguça- mento de emoções, da percepção e da sensibilidade. Ao escolhermos determinada música, a intenção era reafirmar que "estamos juntos, es- tamos com vocês", da mesma forma que a escolha de um dado poema, suscitou a importância de exercitarmos nesse momento mais do que nunca o exercício de nossa humanidade. Também para os estudantes e familiares essa tecnologia represen- tou um alívio quanto aos custos com deslocamento, já que durante a pandemia o processo de empobrecimento de algumas famílias ficou mais aguçado, uma vez que se abriu a possibilidade assistir aulas de casa. Para outros estudantes e familiares, no entanto, o ambiente esco- lar manteve uma centralidade por significar proteção, amparo, vínculos e a falta dessas vivências comprometeu os processos de desenvolvi- mento e aprendizagem. Quanto às famílias, o grande diferencial trazido por essa atividade foi a possibilidade de serem ouvidas. Normalmente, as famílias são cha- madas à escola para receberem reclamações referentes, por exemplo, ao baixo desempenho dos filhos nos estudos e/ou aos comportamentos Sylvana Cláudia de Figueiredo Melo; Henrique Jorge Simões Bezerra • 43 inadequados deles. No entanto, uma escuta na qual as famílias pudes- sem reafirmar a importância da escola na vida dos filhos fez toda a diferença, pois, a despeito de todas as suas faltas, a escola finda por ser uma via de esperança. Os familiares também tiveram avivados na me- mória a intenção formativa da instituição ao compreenderem que, ao se pretender plural, deve contemplar diversos lugares sociais. Nesse diálogo com a família, ficou realçada a importância da escola e de sua especificidade. E a escola, por seu turno, pôde dizer o que espe- rava dos familiares para que tivéssemos êxito nessa empreitada. Por vezes, se tornava difícil a realização de reuniões com familiares, princi- palmente pelas dificuldades relativas a existência de sala e de horários adequados, mas, esse formato trouxe a família para mais perto. Convém destacar que embora as reuniões fossem destinadas aos familiares, os estudantes também tiveram a oportunidade de assistir conjuntamente com suas famílias e, por vezes, puderam ajudá-las no acesso ao link da reunião e no manuseio da plataforma. Para os professores, a intervenção realizada contribuiu de forma si- milar às experiências desenvolvidas pelas autoras Oliveira, Ramos e Souza (2020), quando reconheceram que a amplitude dos modos de sen- tir, pensar e agir dos docentes no trabalho cotidiano possibilita revisitar as práticas educativas à luz de novos sentidos e significados para se apropriarem do papel que exercem nos processos de ensinar e aprender dos conhecimentos escolares e no desenvolvimento dos estudantes. A quebra de paradigmas provocada pela pandemia, convocou estu- dantes, professores e familiares a operarem em uma nova lógica, acompanhada de processos criativos que possibilitassem lidar com as restrições impostas pela pandemia, o que inclui o emprego das TDIC, como recurso comunicacional. Por um lado, o emprego dessas 44 • Psicologia na Escola em Tempos de Pandemia: práticas e reflexões tecnologias de comunicação permitiu a inovação educativa quando o professor teve que aprender novos recursos, como utilização de vídeos, empregos de chats, gravação de aulas. Sem dúvida, se abriu um leque de ferramentas, gerando mais autonomia para o aluno. Por outro, nem sempre esse aluno esteve preparado para o emprego dessas novas fer- ramentas, quer pelas fragilidades na acessibilidade, quer pelas resistências e dificuldades em construir aprendizagem por outro cami- nho para o qual ainda não dispunha de uma maturidade para seguir de forma mais autônoma, sem o anteparo das relações vinculares estabe- lecida entre professores e estudante e entre os próprios pares. A intervenção permitiu que se veiculasse a angústia dos professo- res, relativa ao esgotamento físico pelo acúmulo de tarefas e despreparo quanto à utilização das TDIC, uma vez que qualquer aprendizagem pres- supõe um tempo mínimo para se estabilizar, além da falta de recursos operacionais para o desenvolvimento dessas novas tecnologias. Sem dú- vida, esse caminho de socialização das angústias atingiu muitos e se mostrou potente como uma possibilidade de mediação. Por fim, para os psicólogos escolares, a intervenção afirmou o lugar da Psicologia Escolar na instituição ao esclarecer para a comunidade a abrangência de uma atuação profissional que transcende encaminha- mentos e expectativas por atendimentos clínicos. Evidenciou ainda outra dimensão da atuação profissional voltada para assessoramento de processos educativos (Marinho-Araújo, 2014, 2015) e sustentada em um trabalho coletivo, ecoado pelas vozes institucionais, o que possibilitou aos gestores o reconhecimento de parcerias e resistências, e a necessi- dade de revisar fluxos do próprio currículo no contexto da pandemia. Ao fornecer uma proposta de escut(ação), sustentada em subsídios teóricos, metodológicos e técnicos, o psicólogo escolar pode sinalizar Sylvana Cláudia de Figueiredo Melo; Henrique Jorge Simões Bezerra • 45 uma direção para lidar com a situação pandêmica, por intermédio de uma atuação interdisciplinar que, neste caso, envolveu a CAEST e o DEPAP, em parceria com as coordenações de cursos e os demais atores institucionais, reavivando a função da escola e a necessidade de sua reinvenção nesse momento pandêmico para corresponder as intencio- nalidades formativas da política pública de educação profissional e se colocar a serviço dos interesses da coletividade, de forma a promover o desenvolvimento dos atores envolvidos no processo educativo. CONCLUSÃO Se a pandemia provocou uma ruptura no tempo e no espaço, con- forme destacou Guzzo (2020), revelando fragilidades, inclusive já presentes na escola antes mesmo da COVID-19, por outro lado, apresen- tou-se como um terreno fértil para o desenvolvimento de intervenções que propiciassem uma compreensão crítica da realidade. Nesse sentido, a Psicologia Escolar nos forneceu guarida por meio das habilidades/fer- ramentas potentes, peculiares à formação, as quais permitiram a escuta ativa dos atores institucionais de forma a acessar a complexidade da re- alidade, criando espaço de interlocução e de enfrentamento das situações, por meio dos recursos disponíveis nas TDIC, sem perder de vista a centralidade dos processos humanos, com vistas a construir ca- minhos sobre como utilizar as novas tecnologias na educação de modo ético, democrático e coerente com os Direitos Humanos e, ao mesmo tempo, evitar os riscos e prejuízos associados às limitações de acesso e à precariedade dos usos que promovem mais desigualdade e exclusão social. 46 • Psicologia na Escola em Tempos de Pandemia: práticas e reflexões Sem dúvidas,essas habilidades se mostraram potentes para anco- rar intervenções que foram na direção da escuta dos grupos e puderam propiciar o manejo do coletivo. A pandemia apenas reitera a existência de muitos mundos, muitas realidades socioculturais distintas, e nos convoca a caminhar por essas desigualdades e permitir espaço de cria- ção de saídas, de confrontações coletivas. Pensamos, portanto, ao apreendermos os sentidos das falas, que a escola não dá conta de tudo, mas ela é, sem sombra de dúvidas, muito importante, sendo por vezes a única saída para o enfrentamento das vulnerabilidades sociais. REFERÊNCIAS Andrada, P. C., Petroni, A. P., Jesus, J. S., & Souza, V. L. T. (2018). A dimensão psicossocial na formação do psicólogo crítico. In V. L. T. Souza, F. S. Braz Aquino, R. S. L. Guzzo, & C. M. Marinho-Araújo (Orgs.). Psicologia escolar crítica: atuações emancipatórias das escolas públicas. 13-33. Campinas: Alínea. Arruda, E. P. (2020). Educação Remota Emergencial: elementos para políticas públicas na educação brasileira em tempos de Covid-19. 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Psicologia & Sociedade [online]. 2021, v. 33. DOI: https://doi.org/10.1590/1807-0310/2021v33238601. Chagas, E. (2020). DataSenado: quase 20 milhões de alunos deixaram de ter aulas durante pandemia. Senado Notícias. Recuperado em 22 Fevereiro, 2021, de https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2020/08/12/datasenado-quase-20- milhoes-de-alunos-deixaram-de-ter-aulas-durante-pandemia. Conselho Federal de Psicologia. (2003). Relatório do II Seminário Nacional de Psicologia e Políticas Públicas. Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social. João Pessoa, PB: Conselho Federal de Psicologia. Conselho Federal de Psicologia. (2013). Referências Técnicas para atuação de psicólogas(os) na Educação Básica. Brasília: CEF. Feitosa, L. R. C.; & Marinho-Araújo, C. M. (2018). O papel do psicólogo na educação profissional e tecnológica: contribuições da Psicologia Escolar. Estud. Psicol. 35(2), 181-191, Campinas. Guzzo, R. S. L. (2001). 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Resolução AE 87/2021 de 22 de outubro de 2021 22 de outubro de 2021. João Pessoa. 48 • Psicologia na Escola em Tempos de Pandemia: práticas e reflexões Marinho-Araújo, C. M. (2009). Psicologia Escolar na Educação Superior: novos cenários de intervenção e pesquisa. In C. M. Marinho-Araújo (Org.). Psicologia Escolar: novos cenários e contextos de pesquisa, formação e prática. 155-202. Campinas: Alínea. Marinho-Araújo, C. M. (2014). Intervenção institucional: ampliação e política de atuação em Psicologia Escolar. Psicologia Escolar: desafios e bastidores na educação pública, 153-175. Marinho-Araujo, C. M. (2015). Psicologia Escolar para todos: a opção pela intervenção institucional. Psicologia, Educação e Cultura, 19(1), 147-164. Marinho-Araújo, C. M. (2016). Inovações em Psicologia Escolar: o contexto da educação superior. Estudos de Psicologia (Campinas), 33(2), 199-211. Recuperado em 22 Fevereiro, 2021, de https://doi.org/10.1590/1982-02752016000200003. Medeiros, F. P., Arinelli, G. 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São Paulo, SP: Editora Martins Fontes. 3 ADAPTAÇÃO E APRENDIZAGEM NO ENSINO SUPERIOR DURANTE A PANDEMIA DE COVID-19: O CASO DO PROGRAMA OFICINAS DE INTEGRAÇÃO ACADÊMICA Angelina Nunes de Vasconcelos Lucélia Maria Lima Gomes Suzy Camilla de Oliveira Menezes INTRODUÇÃO Nas últimas décadas, o ensino superior brasileiro, mais especifica- mente o público, apresentou um perfil estudantil mais plural e diversificado em função da implementação de programas de acesso e permanência. A transiçãopara esse nível de ensino promove mudanças diversas para o estudante, dentre as quais: exigência de maior autono- mia; mudança do local de moradia e consequente saída da casa da família e dinâmicas entre pares; necessidade da tomada de decisão pes- soal e profissional, dentre outras (Santos, Souto, Silveira, Perrone & Dias, 2015). Aspectos relevantes que podem afetar a saúde mental e emo- cional desses indivíduos e que demandam das instituições ações que considerem as particularidades do corpo discente. No entanto, concordamos com Almeida e Soares (2004) ao afirma- rem que a universidade não dispõe de propostas curriculares e de suporte que levem em consideração as diferenças do seu corpo discente, pois atende todos de forma homogênea. Com relação ao estudante in- gressante, percebe-se a necessidade de intervenções que ressaltem o processo de adaptação, com ênfase em estratégias voltadas para a Angelina N. de Vasconcelos; Lucélia Maria L. Gomes; Suzy Camilla de O. Menezes • 51 aprendizagem, compreendidas como ações preventivas com foco na permanência e na aprendizagem. Considerando a importância de trabalhar esses aspectos no ambi- ente acadêmico, e as possibilidades de atuação do(a) psicólogo(a) escolar no contexto universitário (Oliveira, 2011), em 2019, foi desenvolvido o projeto de extensão Promoção de Oficinas de Integração Acadêmica (PROFIC), parceria entre o Instituto de Psicologia e a Psicologia da Pró- Reitoria da Assistência Estudantil (PROEST) da Universidade Federal de Alagoas (UFAL). A proposta teve como objetivo promover o acolhimento e o desenvolvimento de estratégias de aprendizagem no início do pro- cesso de formação acadêmica. Assim, utilizando-se da oficina (Paviani & Fontana, 2009) como metodologia de intervenção, foram trabalhadas temáticas específicas, dentre as quais: adaptação à universidade, orga- nização dos estudos, procrastinação e a ansiedade frente às provas. As ações, na sua primeira edição, foram realizadas de forma presencial. O PROFIC teve como inspiração o projeto da Universidade de Mi- nho (Portugal) intitulado “Cartas do Gervásio ao seu umbigo”, voltado para promoção de competências de estudo na universidade. As cartas abordam estratégias de auto-regulação da aprendizagem, tais como or- ganização do tempo, lidar com a ansiedade frente às atividades acadêmicas, procrastinação, dentre outras. As cartas têm um estilo di- nâmico e humorístico que permitem a reflexão sobre situações vivenciadas por Gervásio e facilitam as discussões sobre as temáticas. Desta maneira, as oficinas desenvolvidas utilizaram, como instrumen- tos facilitadores, parte das cartas escritas pelo personagem “Gervásio” para seu umbigo (traduzidas do projeto original), relatando suas dificul- dades e dúvidas ao longo de seu primeiro ano na universidade (Rosário et al., 2010). 52 • Psicologia na Escola em Tempos de Pandemia: práticas e reflexões No início de 2020 o Brasil foi acometido pela pandemia da Covid- 19, ocasionando paralisação das atividades em diversas esferas sociais. No cenário educacional, as instituições se viram obrigadas a desenvol- ver métodos e estratégias para rápida adaptação ao ensino online sem qualquer formação, com adequação de calendários (com semestres re- estruturados em 04 meses), reorganização curricular (diminuindo e/ou aumentando o número de disciplinas ofertadas e sua carga-horária de 18 para 15 semanas) e até supressão de algumas atividades que exigiam ações presenciais como laboratórios, estágios e extensões. Dentre as so- luções encontradas, figurou, na maioria das Instituições Federais de Ensino Superior (IFES), o Ensino Remoto Emergencial (ERE), resposta emergencial face a suspensão das atividades presenciais (Castioni et al., 2021), em que o processo de ensino-aprendizagem ocorre por meio de plataformas digitais, de maneira síncrona ou assíncrona (Leite & Leite, 2020). Nessa direção, os contatos via redes sociais e aplicativos se inten- sificaram, bem como a presença destas instituições nas residências de estudantes e docentes, que passaram a trabalhar em suas casas. Para Silva, Mendes Júnior e Araújo (2021), a adesão ao ensino re- moto, a falta de perspectivas de retorno ao ensino presencial em um futuro próximo, os problemas de convivência no contexto familiar, a desigualdade nas possibilidades de acesso, os medos ligados a pandemia e ao confinamento, dentre outros aspectos, tiveram consequências pa- raa saúde mental e os processos de aprendizagem dos(as) estudantes. No que tange, especificamente, a estudantes ingressantes/calouros, em sua maioria, este grupo teve breve contato com o ensino presencial e a universidade como um todo, sendo privado de uma série de experiên- cias como a vivência do campus universitário, atividades de extensão e contato com a comunidade. Angelina N. de Vasconcelos; Lucélia Maria L. Gomes; Suzy Camilla de O. Menezes • 53 É inegável que todas estas mudanças geraram sobrecargas mental, laboral e emocional para o corpo discente e docente, com impactos, so- bremaneira, na relação entre estudantes, bem como na relação docente- estudante. É possível observar relatos de aumento da busca de univer- sitários por atendimento dos serviços de Psicologia nas instituições de ensino superior (Silva, Mendes Júnior & Araújo, 2021). Considera-se, portanto, fundamental a realização de intervenções que auxiliem na re- flexão sobre as repercussões que a pandemia teve sobre a educação superior. Assim, aspectos pedagógicos, sociais e psicológicos devem ser considerados nas ações construídas com os(as) universitários(as) du- rante a pandemia. Face ao exposto, em 2020 foram realizadas novas intervenções do PROFIC que, empenhado em dialogar com a realidade, passou por mo- dificações. A escolha das temáticas e planejamento das oficinas levaram em consideração as demandas em saúde mental apontadas pelos dis- centes no cotidiano da prática docente e técnica em Psicologia na UFAL. O projeto alinha-se também à perspectiva vigotskiana, para quem o de- senvolvimento humano é entendido como um processo histórico marcado pelas influências culturais e interações sociais de cada con- texto, provocando mudanças marcadas por avanços e retrocessos, contradições e conflitos entre o orgânico e o social no processo de ela- boração da forma histórico-social do comportamento (Vigotski, 1993,1998). Assim, este texto tem como objetivo discutir e analisar as oficinas desenvolvidas pelo PROFIC durante o período pandêmico e refletir so- bre seus impactos no enfrentamento da realidade atual e no processo de aprendizagem. Conhecer melhor esses processos poderá beneficiar os(as) estudantes participantes e vislumbrar aportes para intervenções 54 • Psicologia na Escola em Tempos de Pandemia: práticas e reflexões futuras em saúde mental no contexto universitário, auxiliando psicólo- gos e outros profissionais no contexto do ensino superior. APRENDIZAGEM E PRODUÇÃO DE SENTIDO A aprendizagem é aqui abordada como processo de significação e produção de sentido através do qual conceitos, teorias e fenômenos his- toricamente constituídos e interpretados são apropriados e ressignificados (Vigotski, 1993,1998); em oposição à compreensão da aprendizagem como memorização e decodificação de regras ou concei- tos. A aprendizagem não é, portanto, abarcada como processo passivo de recepção, assimilação e reprodução de informações e conceitos esta- bilizados, pois compreende-se que os conceitos, fenômenos e teorias estão em constante reconstrução, sendo sempre atualizados e ressigni- ficados em produções científicas e no contexto de sala de aula. Entretanto, ao longo do ensino fundamental e, especialmente, do médio, a aprendizagem por memorização e repetição é muitas vezes pri- orizada, em oposição a uma postura mais autônoma e ativa do(a) estudante. Por isso, muitas vezes ao ingressarno ensino superior, os(as) estudantes enfrentam dificuldades no processo de adaptação, visto que outra postura, didática e compreensões são demandadas, em oposição ao que era exigido anteriormente. A partir desta posição, discute-se como estudantes no ensino superior se engajam em processos de pro- dução de sentidos, atualizando compreensões e usos criativos de conceitos, posicionamentos e modos de ver o mundo apresentados du- rante o curso. A apropriação de conhecimentos ao longo do curso é aqui abordada enquanto disparadora de modificações qualitativas na inter- pretação de vivências e experiência cotidianas, possibilitando que o Angelina N. de Vasconcelos; Lucélia Maria L. Gomes; Suzy Camilla de O. Menezes • 55 jovem reflita sobre os objetos e fenômenos a partir dos saberes produ- zidos pela Ciência Psicológica. A partir do processo de produção de sentidos, os(as) futuros(as) profissionais têm a oportunidade de resgatar conceitos anteriormente explorados, trazendo-os para um novo contexto. As oficinas aqui apre- sentadas são destacadas como instrumentos através dos quais os participantes refletem sobre seu lugar de estudantes e seus processos de aprendizagem, construindo uma posição enunciativa única, caracte- rizada como estudante em formação neste campo específico. Nesse sentido, objetiva-se observar se e como os(as) estudantes selecionam, organizam, monitoram, refletem e avaliam o próprio aprendizado, bem como vivências pessoais e interpessoais que os(as) afetam. É possível hi- potetizar que, inicialmente, esses(as) estudantes vindos(as) do ensino médio, apresentarão pouca autonomia e reflexão sobre seus processos de aprendizagem, com dificuldades na organização de uma rotina de es- tudos, no gerenciamento do tempo, bem como em interpretar os textos e em organizar em enunciados seu ponto de vista, expondo suas posi- ções para outras pessoas. Argumenta-se que a compreensão dos aspectos aqui destacados possibilita refletir sobre as dificuldades e especificidades da formação e, eventualmente, auxiliar na compreensão de processos como evasão, reprovação, construção de trajetórias individuais e escolhas de conti- nuidade profissional ou acadêmica após o curso. MÉTODO O presente estudo resulta de pesquisa aplicada, com abordagem qualitativa e de caráter explicativo, que buscou relatar a experiência do 56 • Psicologia na Escola em Tempos de Pandemia: práticas e reflexões projeto PROFIC desenvolvido pelo Instituto de Psicologia em parceria com a Psicologia da Assistência Estudantil na Universidade Federal de Alagoas (UFAL). Na concepção de Mussi, Flores e Almeida (2021, p. 65) “o relato de experiência é um tipo de produção de conhecimento, cujo texto trata de uma vivência acadêmica e/ou profissional em um dos pilares da formação universitária (ensino, pesquisa e extensão), cuja característica principal é a descrição da intervenção”. Descreve-se e analisa-se, assim, as oficinas realizadas pelo projeto durante o período pandêmico. A UFAL está localizada em Maceió, capital do Estado de Alagoas, no Nordeste brasileiro. Fundada em 1961, atualmente conta com quatro campi e suas respectivas Unidades Educacionais: Campus A. C. Simões, localizado na capital de Alagoas, Maceió; Campus CECA, localizado na cidade de Rio Largo, município vizinho à Maceió; Campus Arapiraca, si- tuado na cidade de Arapiraca, interior do estado; Campus Sertão, situado no sertão de Alagoas. Destaca-se que o projeto foi desenvolvido no Cam- pus A. C. Simões e as oficinas aqui relatadas voltaram-se, especificamente, para os estudantes do curso de Psicologia deste Cam- pus. PARTICIPANTES A intervenção foi realizada com estudantes ingressantes na gradu- ação em Psicologia da UFAL, que optaram participar da atividade após convite coletivo para todos(as) os(as) ingressantes do curso, que se deu via e-mail e divulgação nas redes sociais do Instagram e grupos de What- sApp. Dez estudantes participaram das oficinas do PROFIC, no mês de março de 2021, após assinatura do Termo de Consentimento Livre e Es- clarecido (TCLE). Angelina N. de Vasconcelos; Lucélia Maria L. Gomes; Suzy Camilla de O. Menezes • 57 ESTRATÉGIAS Para Soares e Krawulski (2018, p. 51) “técnicas são alternativas para planejar o trabalho, podendo-se, com base nelas e dependendo das es- pecificidades de cada grupo e/ou coordenador, criar algo novo ou realizar adaptações sob medida para determinadas situações”. Nessa di- reção, em virtude do atual contexto pandêmico e das especificidades do território alagoano, o projeto foi adaptado para o contexto do ERE. É importante enfatizar que, após seu início em 2019, as oficinas já passa- ram por diversas modificações e adaptações com base nas demandas estudantis. Assim, os instrumentos utilizados, como também o foco das temáticas desenvolvidas, buscaram enfatizar o cotidiano das aulas re- motas. As atividades aconteceram por meio de videochamadas, através da plataforma Google Meet. Alguns programas foram utilizados para auxi- liar nas intervenções, como por exemplo, o software Powtoon, a plataforma de design gráfico Canva e o Mentimeter. Nas atividades foram utilizadas dinâmicas de grupo e “tarefas de transição" (Lucchiari, 1993) que visavam: propiciar a continuidade e articulação das intervenções; aproveitar melhor o tempo; e estimular a motivação, o conhecimento da realidade e das vivências relacionadas ao ambiente acadêmico para além do espaço grupal. PROCEDIMENTOS O PROFIC utiliza oficinas como método de intervenção, definidas segundo Paviani e Fontana (2009) como articulações de conceitos com ações concretas, vivenciadas pelo(a) participante através da realização de tarefas e/ou atividades em grupos com a construção coletiva de 58 • Psicologia na Escola em Tempos de Pandemia: práticas e reflexões saberes. É, portanto, atividade que envolve o compartilhamento de vi- vências e possibilita o desenvolvimento de habilidades e conceitos. Atividades na modalidade grupal têm se mostrado convidativas para o contexto universitário por permitir atender a uma população maior, se comparada ao atendimento clínico e individual, modalidade tradicional de atuação da Psicologia na educação (Martinez, 2009). Essa característica da atividade grupal não deve ser pensada como alterna- tiva para a ausência de profissionais associada à demanda elevada de estudantes que buscam a modalidade individual. Em qualquer interven- ção, é fundamental que esteja claro para o profissional os objetivos, as condições e o público da intervenção (Zirmeman, 2000). Foram realizadas quatro oficinas, com duração média de uma hora e meia, contando com a participação de um grupo de 10 pessoas, além de duas facilitadoras, com temáticas interrelacionadas: adaptação à universidade; organização do tempo; procrastinação; e ansiedade. As atividades foram realizadas semanalmente, em datas e horários especí- ficos, acordadas com os(as) participantes no primeiro encontro. O link de cada encontro foi gerado previamente e enviado para o e-mail do(a) estudante participante, contendo também orientações sobre o acesso. RESULTADOS E DISCUSSÕES Participaram das oficinas 10 estudantes, sendo 02 do sexo mascu- lino e 08 do sexo feminino, todos(as) residentes no Estado de Alagoas. Em relação ao estado civil, nove participantes eram solteiros(as), en- quanto apenas um(a) participante casado(a). Desses estudantes, a maioria não apresentou baixo desempenho acadêmico, sendo engajados (as) em atividades extracurriculares e com média acima de 7 (sete). Angelina N. de Vasconcelos; Lucélia Maria L. Gomes; Suzy Camilla de O. Menezes • 59 Como destacado, um dos aspectos levados em consideração na re- alização das atividades com os(as) estudantes, em 2020, foi a situação da pandemia e a implementação do ERE. De acordo com Teodoro et al. (2021), a saúde mental do(a)estudante universitário(a) sofre impactos de aspectos anteriores à pandemia (doenças crônicas, personalidade e ideação suicida) e subsequentes, como o medo de ser infectado(a) e vul- nerabilidade socioeconômica. Somados a isso, tem-se o próprio processo de acesso e adaptação à modalidade remota, nem sempre de- mocrático (Romanini, 2021), e o fato de que a migração repentina do ensino presencial para o remoto impactou as condições relacionais, mo- toras e de socialização que estão ligadas ao processo de aprendizagem (Santos & Mendonça, 2021). Assim, não só foi necessário considerar que se tratava de um mo- mento novo para todos(as), portanto, carecendo de acolhimento e intervenção, mas também demandou do projeto modificações para fa- zer frente à realidade posta, lançando mão de ferramentas virtuais, bem como dinâmicas de grupo e tarefas de transição que pudessem ser uti- lizadas no meio virtual. Tratava-se de momento em que se fazia necessário o compartilhamento de informações associado às reflexões baseadas nas vivências dos(as) participantes, tanto dos(as) estudantes universitários(as) como também dos(as) integrantes do PROFIC. A escolha das temáticas partiu, mormente, das demandas oriundas do processo de transição do ensino médio para o ensino superior, mar- cado por várias mudanças, em que se amalgamam exigências colocadas pelo contexto social e histórico e as características desenvolvimentais do(a) discente. Nessa direção, intervenções se tornam essenciais e po- dem prevenir diversas dificuldades de ajustamento acadêmico (Cunha 60 • Psicologia na Escola em Tempos de Pandemia: práticas e reflexões & Carrilho, 2005) e promover saúde mental e a permanência no contexto universitário. Para Coulon (2017, p. 1241), “o sucesso universitário passa pela aprendizagem de um verdadeiro ofício de estudante”. Este ofício requer do(a) estudante universitário a superação das adversidades e a afiliação a um novo contexto, bem como o aprendizado dos seus modos e usos, necessitando situar-se no tempo e no espaço para compreender as re- gras ali estabelecidas (Carneiro & Sampaio, 2011). Nesse sentido, são necessários espaços abertos em que a informação, a orientação e o es- tabelecimento de vínculos (com pares, com os(as) profissionais e com os espaços de suporte ao(à) estudante no contexto universitário) favore- çam o processo de afiliação universitária. A primeira oficina abordou o tema adaptação à universidade com o objetivo de promover espaço de escuta e compartilhamento de experi- ências, criando uma rede de apoio entre veteranos(as) e ingressantes, bem como possibilitando, ao(à) participante, ampliar seu repertório de estratégias de adaptação, enfatizando sua implicação e permanência no ensino superior (Reason, Terenzini & Domingo, 2006). Nessa direção, foram trabalhadas questões como o ser calouro(a) e os novos desafios, com destaque para as mudanças de ambiente escolar e familiar, bem como foram compartilhadas estratégias de enfrentamento pelos(as) participantes. Essa oficina foi iniciada com momento de apresentação dos(as)par- ticipantes e da equipe, bem como foram estabelecidos os acordos para os próximos encontros (dias, horários, presença, confidencialidade, etc). Em seguida, a proposta teve continuidade com o objetivo de iden- tificar as dificuldades e vivências compartilhadas pelos(as) participantes. Foi utilizada a ferramenta Mentimeter para realização de Angelina N. de Vasconcelos; Lucélia Maria L. Gomes; Suzy Camilla de O. Menezes • 61 nuvem de palavras a partir das respostas para a pergunta: “Quais os de- safios que você vivência no início do ensino superior?”. Os relatos destacaram dificuldades em conciliar estudo e trabalho, em organizar- se e investir no ensino remoto, além da falta de preparo para lidar com os métodos ativos de ensino. Relataram, ainda: dificuldades com o en- sino remoto (diminuição de aulas expositivas e aumento das atividades assíncronas, como por exemplo os fóruns); problemas com a internet; a relação docente-estudante (cobrança excessiva e falta de compreensão por parte dos(as) docentes, além do aumento da demanda; medo do con- tágio e do adoecimento deles e dos familiares; e dificuldade de interação entre os colegas, que muitas vezes não se conheciam pessoalmente. Em seguida, foram utilizados trechos selecionados das cartas do livro “Cartas do Gervásio ao seu umbigo” (Rosário et al., 2010), nas quais o personagem Gervásio (um calouro no ensino superior) relatava, em um diário, as suas percepções sobre a vivência universitária. O grupo foi encorajado a compartilhar as estratégias utilizadas para lidar com as situações do ambiente acadêmico, como falar com amigos e mobilizar redes de apoio, elaborar um planner ou agenda, realizar atividades físi- cas, dentre outras. No final da primeira atividade, foi proposta uma atividade de transição em que cada participante realizaria uma entre- vista com estudantes veteranos(as) do curso, buscando identificar e dialogar sobre as estratégias de desenvolvimento e adaptação que foram traçadas. A segunda oficina abordou o tema organização do tempo no contexto universitário e visou refletir sobre hábitos ou comportamentos que po- diam implicar no uso efetivo do tempo para auxiliar na realização das atividades e lidar com a ansiedade (Oliveira et al., 2016). A oficina teve início com o resgate da atividade de transição. Algumas das dicas 62 • Psicologia na Escola em Tempos de Pandemia: práticas e reflexões compartilhadas foram: participar dos debates em sala de aula, não ter vergonha em se colocar, tirar dúvidas durante a aula; não acumular lei- turas; aproveitar oportunidades extracurriculares; aprender um novo idioma, dentre outras. Os(As) participantes relataram que este contato com veteranos(as) foi muito positivo para corroborar suas escolhas de curso, bem como estimulou interesse em buscar mais informações so- bre atividades extracurriculares. Em seguida, foi possível, através da realização de um bingo intitu- lado “vida universitária, compartilhar sentidos e estratégias de aprendizagem utilizadas no cotidiano universitário. Em outras edições do PROFIC foram utilizadas e sugeridas, também, diferentes aplicativos de organização das atividades (técnica pomodoro e o aplicativo florest), bem como estudos de caso no qual diferentes rotinas de estudantes uni- versitários(as) foram discutidas. Como atividade de transição foi sugerido que os(as) participantes utilizassem um instrumento de orga- nização do tempo no qual planejassem suas atividades nos próximos 15 dias, exercitando autorregulação da aprendizagem e de atividades da vida pessoal. No encontro seguinte a atividade foi resgatada. Os comen- tários sublinharam a importância das prioridades serem identificadas no dia-a-dia. A necessidade de organizar e gerir o tempo é seguida de queixas relacionadas à Procrastinação, comportamento comum e prevalente nas pessoas que pode gerar prejuízos significativos, pois se refere a um atraso desnecessário na realização de alguma tarefa ou tomada de deci- são, podendo acarretar emoções negativas como culpa e insatisfação (Brito & Bakos, 2013). Nessa direção, na terceira oficina foram trabalhadas reflexões so- bre a temática da procrastinação. A atividade permitiu aos estudantes Angelina N. de Vasconcelos; Lucélia Maria L. Gomes; Suzy Camilla de O. Menezes • 63 pensar situações que pudessem distraí-los da realização de atividades acadêmicas que exigem organização do tempo, bem como elaborar emo- ções negativas, tal como o sentimento de culpa diante do comportamento procrastinador, ressaltando a importância de períodos de lazer. Enquanto atividade de transição e encerramento da oficina, foi utilizado um instrumento intitulado a “Mandala das Emoções Diárias”, no qual, cada dia da semana, entre as oficinas, deveria ser coloridode acordo com as cores indicadas na legenda do material e que correspon- diam ao sentimento predominante de cada um dos(as) estudantes. Para finalizar o ciclo de oficinas, a quarta oficina teve a ansiedade como temática, tendo em vista que essa é uma das dificuldades que pre- valecem na vida acadêmica. Sobre esse aspecto, 54,7% dos(as) estudantes da UFAL participantes de uma pesquisa sobre o perfil estudantil infor- maram a ansiedade como uma dificuldade (Universidade Federal de Alagoas, 2020). Inicialmente, os(as) participantes compartilharam suas percepções sobre a “Mandala das Emoções Diárias”, proposta na oficina anterior. Foi relatado que a mesma foi uma ferramenta que contribuiu para identificar como estavam se sentindo ao longo da semana, princi- palmente relacionando tais emoções aos estudos. Ter uma visão sobre si mesmo(a) auxiliou a identificar, por exem- plo, atividades que estavam gerando estresse e ansiedade. A partir disso buscou-se aliar a estratégia de organização do tempo ao gerenciamento dessas emoções que estavam se destacando nas cores da mandala. Desse modo, percebe-se, também, uma forma de nomear o que o(a) estudante estava sentindo, bem como refletir sobre a vida acadêmica e pessoal. Assim, pode-se observar um gancho entre essa atividade de transição e a temática da última oficina, ponto que foi interessante para a continui- dade das discussões. 64 • Psicologia na Escola em Tempos de Pandemia: práticas e reflexões Em suma, considerando o contexto universitário, a quarta oficina buscou propiciar o debate acerca de situações acadêmicas geradoras de ansiedade, para além dos momentos de avaliação. Buscou-se, também, questionar as diferenças entre ansiedade e preocupação, de modo a pro- mover orientação e reflexão sobre o tema. Além disso, o encontro propiciou informações sobre os serviços de saúde mental disponíveis na UFAL. A partir do que foi observado nas oficinas acima descritas, apesar da realização de trabalhos em grupo com o intuito de otimizar a apren- dizagem, bem como propiciar vínculo com a universidade, muitos(as) estudantes relataram dificuldades de manter essa interação de forma remota. Uma das dificuldades parecia estar relacionada às questões es- truturais para o acesso ao ensino remoto (o acesso aos equipamentos necessários como tablet, notebook, smartphone e outros; a qualidade da conectividade; e o espaço físico adequado aos estudos) associadas às questões relacionadas à dinâmica psicossocial do espaço domiciliar. Máximo (2021, p. 244) afirma que é na esfera do cotidiano que se situam as negociações realizadas em casa, o drama do acúmulo ou sobreposição de tarefas e afazeres, dos conflitos ins- talados a partir da presença (online) de professores e seus conteúdos, das reconfigurações de espaços, hábitos e dinâmicas decorrentes da pandemia e do próprio ensino remoto. Além dessas questões, observaram-se, ainda, limitações impostas às interações sociais entre estudantes e docentes e entre os pares, ou seja, apesar de haver a fala, havia ausência de acesso aos espaços físicos da universidade e, consequentemente, ao contato presencial com o ou- tro. Desse modo, observou-se que as dificuldades acadêmicas pareciam Angelina N. de Vasconcelos; Lucélia Maria L. Gomes; Suzy Camilla de O. Menezes • 65 relacionadas às particularidades impostas pelo ensino remoto em fun- ção da pandemia. Por isso, a promoção de atividades de convivência estudantil, mesmo que de modo virtual, se apresentaram como um ca- nal aos (as) estudantes para articulação entre os pares e vinculação com a universidade. Neste contexto, as oficinas constituíram espaço de troca afetiva e de suporte, possibilitando trocas e o desenvolvimento de estratégias co- letivas. A partir da compreensão do processo ensino-aprendizagem não como transmissão de conhecimento, mas como construção e produção de sentidos, as oficinas surgem como estratégias que possibilitam res- significações nas relações entre pares enquanto mediadores desse processo de construção de conhecimento. Ademais, compreende-se que a interação entre os(as) estudantes pode atuar como um facilitador no processo de aprendizagem, adaptação e enfrentamento das dificuldades relacionadas ao curso. As oficinas foram, portanto, produtivas por pro- porcionarem a interação entre pares, observada na interação entre os(as) participantes do grupo, bem como no contato com os(as) vetera- nos(as) do curso. A experiência de afeto, conforto e acolhimento trazida pelos(as) participantes, reforça como a interação entre os pares pode possibilitar um conjunto de mudanças que envolvem aspectos cognitivos, afetivos e sociais e promovem melhorias em habilidades de análise, resolução de problemas, leitura e escrita, ampliação no entendimento sobre ciência e autoconhecimento (Fior, Mercuri & Almeida, 2011). No ensino remoto, estas estratégias são diretamente atingidas, afetando a saúde mental dos(as) estudantes, gerando autoavaliações negativas sobre o próprio desempenho acadêmico e aumento da sensação de ansiedade e impro- dutividade, aspectos que poderão afetar a condução da vida acadêmica. 66 • Psicologia na Escola em Tempos de Pandemia: práticas e reflexões É importante ressaltar, também, que, inicialmente, imaginava-se que as oficinas iriam atrair estudantes com dificuldades de aprendiza- gem e risco de evasão, entretanto, observou-se que os(as) participantes, de maneira geral, possuíam auto-cobrança exagerada sobre o próprio desempenho, antecipando atividades e buscando leituras. Esta consta- tação evidenciou que os(as) estudantes que ingressam no ensino superior hoje vivenciam novas dificuldades de adaptação e experiências de ansiedade diversas daquelas inicialmente pensadas no projeto. Este aspecto permite uma reflexão geracional na qual os(as) universitá- rios(as) estão atualmente submetidos(as) a um excesso de comparações e autoavaliações decorrentes da publicização de resultados positivos, o que gera distorções nas avaliações das próprias trajetórias, com expec- tativas pouco realistas e invisibilização das dificuldades e empecilhos ao longo da formação. Esses aspectos também se relacionam com a concepção de produ- tividade acadêmica. Conforme Oliveira e Fernandes (2016), sobre essa temática, os(as) estudantes buscam se engajar em atividades acadêmi- cas, às quais estão relacionadas com a pesquisa científica e publicações acadêmicas. Alguns pontos são considerados para alcançar bons resul- tados como o tempo para se dedicar às atividades acadêmicas, estrutura da instituição, dificuldade de escrever trabalhos acadêmicos, planeja- mento, inserção na área de pesquisa. No entanto, cuidados se apresentam quando o assunto é a produ- tividade acadêmica. Por um lado é um aspecto importante e consequente das atividades acadêmicas; contudo, deve ser vista critica- mente, principalmente quando se apresenta mecanizada e fonte de sofrimento psíquico. Nessa perspectiva, reflete-se sobre o perfil obser- vado nos(as) participantes das oficinas e como desde do início da Angelina N. de Vasconcelos; Lucélia Maria L. Gomes; Suzy Camilla de O. Menezes • 67 formação acadêmica observa-se os(as) estudantes se envolvendo inten- samente com o curso e com bom desempenho, mas sentindo que não é suficiente o engajamento. Por isso, ressalta-se a importância de espaços de acolhimento no ambiente universitário, mormente para o estudante calouro, e de abor- dar sobre estratégias de planejamento para evitar cobranças exaustivas e equilibrar as diferentes demandas que surgem ao longo da graduação. Desse modo, é necessário propiciar reflexões sobre a produtividade no ambiente acadêmico e as particularidades de ser estudante universitá- rio. CONCLUSÃO Este texto teve como objetivo discutir e analisar as oficinas desen- volvidas pelo PROFIC no contexto pandêmico e refletirsobre seus impactos no enfrentamento da realidade atual e no processo de apren- dizagem destes estudantes. A intervenção foi realizada com dez estudantes de Psicologia e, através das discussões realizadas sobre temáticas relacionadas ao con- texto universitário, foi possível estabelecer o diálogo com os(as) estudantes ingressantes no primeiro ano do curso. Ressalta-se as par- ticularidades do período de pandemia que também atravessaram as experiências estudantis e apontaram para a necessidade de estratégias de acolhimento aos(às) estudantes considerando a impossibilidade do acesso físico ao ambiente universitário. Ainda, considerou-se as modificações da proposta das oficinas ao período pandêmico que incorporaram ferramentas digitais para 68 • Psicologia na Escola em Tempos de Pandemia: práticas e reflexões possibilitar o acesso aos(às) estudantes e explorar as possibilidades que as mesmas ofereciam para efetivar as interlocuções com o grupo. Desse modo, reforça-se a importância de intervenções que bus- quem o diálogo com os(as) estudantes com intuito de contribuir nas discussões do processo ensino-aprendizagem e trabalhar sobre aspec- tos que são demandas dos(as) próprios(as) estudantes, levando em conta o contexto universitário e as particularidades do cenário histórico-cul- tural em que estão inseridos(as). Ainda, ressalta-se que tal atuação visa o fortalecimento de processos de aprendizagem críticos e ações que contribuam na promoção da saúde mental no ensino superior. REFERÊNCIAS Almeida, L. S., & Soares, A. P. (2004). 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Porto Alegre, RS: Artmed. 4 ATUAÇÃO DO PSICÓLOGO ESCOLAR EDUCACIONAL COM O GRUPO DE PROFESSORES: UMA ESTRATÉGIA DE PROMOÇÃO DE SAÚDE MENTAL DURANTE A PANDEMIA DA COVID-19 Elenise Abreu Coelho Elysangela Koglin Ulo Limachi Naiana Dapieve Patias INTRODUÇÃO “Eu estava pirando, com medo de pegar a doença, de acontecer algo com meus familiares, medo de perder o trabalho. Isso foi me desestabilizando. A qualquer reunião, eu já achava que seria demitida. Me sentia culpada mesmo sem ter culpa. Eu sentia frustração, por achar que as coisas que eu fazia não estavam boas e que a qualquer momento eu iria perder tudo” (sic). (Relato de uma Pro- fessora de Educação Básica) A pandemia da Covid-19 tornou-se um marco na história. Embora já se tenham vivido tragédias semelhantes a essa há séculos, neste mo- mento os impactos se deram sob os mais diversos aspectos, tanto biomédico, quanto sociais, político-econômicos e culturais. A Educação foi uma das áreas mais afetadas, pois com o fechamento de escolas pú- blicas e privadas em todo país, as atividades presenciais foram substituídas pelo ensino de forma remota. Neste contexto, uma série de desafios se apresentou aos docentes, que rapidamente precisaram se adaptar ao novo cenário (Cury, 2020). Logo que se instituiu o quadro de Pandemia por Covid-19 no Brasil, no início do ano de 2020, os governos, por meio de decretos, Elenise Abreu Coelho; Elysangela Koglin Ulo Limachi; Naiana Dapieve Patias • 73 estabeleceram normas para a continuidade dos programas escolares. Neste cenário, novas metodologias de ensino a distância começaram a ser implementadas (Secretaria de Educação do Estado do Rio Grande do Sul [SEDUC/RS], 2020), exigindo de professores e alunos um novo aprendizado. A classe docente precisou se reinventar, mobilizando diferentes estratégias e metodologias para que o ensino alcançasse a todos. O de- safio foi maior, pois segundo uma pesquisa divulgada pelo Instituto Península no início de 2020, com professores de todas as regiões do país, antes da paralisação das aulas presenciais, 88% dos professores nunca haviam ministrado aulas a distância, ou seja, de forma remota. Desse percentual, 82% dos professores das redes privada e estadual, e 86% dos professores das redes municipais, indicaram sentirem-se nada ou pouco preparados para ensinar dessa forma. Nesse mesmo relatório, entre as maiores demandas dos docentes estavam a necessidade de trei- namentos para ensinar à distância (75%), apoio pedagógico para auxiliar os alunos (64%) e apoio psicológico/emocional (55%). Segundo estudos de Souza et al. (2020), professores de escolas pri- vadas também sofreram com a precarização do trabalho docente e consequente exploração do trabalhador. A adoção do sistema de aulas remotas expôs os educadores a uma extenuante jornada de trabalho. Concomitante a isso, professores sem muito preparo em relação às pla- taformas digitais, precisaram se adaptar e improvisar seu espaço doméstico como espaço laboral. Acomodar essas demandas criadas com a pandemia trouxe prejuízos para a saúde física e mental (Souza et al., 2020). A Organização Internacional do Trabalho (OIT) em 2012, já indicava que a classe docente constitui a segunda categoria mais acometida por 74 • Psicologia na Escola em Tempos de Pandemia: práticas e reflexões doenças ocupacionais em nível mundial. Com o cenário de pandemia da COVID-19 e as mudanças compulsórias no contexto de trabalho, pesqui- sas têm indicado a intensificação de sintomas de ansiedade, estresse, depressão e baixa qualidade do sono em docentes (Pinho et al., 2021; Souza, Dell’Aglli, Costa, & Caetano, 2021). Nessa perspectiva, Pereira, Oliveira, & Manenti (2020) salientam a necessidade de articular as exi- gências profissionais com ações que visem à prevenção e promoção de saúde mental docente, a fim de que os profissionais da educação possam atender a todas as demandas que se impõem nesse novo contexto. A partir deste quadro favorável ao adoecimento físico e psíquico em professores, um projeto de extensão foi construído a fim de propor- cionar à classe docente um espaço de fala e escuta acerca de suas demandas e desafios diante de um contexto tão adoecedor como a Pan- demia COVID-19. Pereira (2017) menciona em sua pesquisa que as relações entre os professores na escola se encontram fragilizadas, sendo muito importante que estes tenham acesso a um espaço e oportunidade para conversarem com tranquilidade sobre suas inquietações e desafios. O objetivo deste capítulo é oferecer uma literatura sobre as possi- bilidades de intervenção do Psicólogo Escolar e Educacional junto aos professores de educação básica. Para tanto, utilizar-se-á como método um relato de intervenção de ações desenvolvidas em um projeto de ex- tensão do Núcleo de Estudos em Contextos de Desenvolvimento Humano: Família e Escola (NEDEFE), vinculado ao Programa de Pós- Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), com ênfase na saúde mental dos professores durante a pande- mia da COVID-19. O capítulo está subdivido em três tópicos: no primeiro, é relatado o planejamento do projeto e como foram desenvolvidas as ações junto Elenise Abreu Coelho; Elysangela Koglin Ulo Limachi; Naiana Dapieve Patias • 75 aos professores. No segundo tópico, são apresentadas as principais de- mandas apontadas ao longo dos encontros. Por último, no terceiro tópico, são elucidadas algumas possibilidades de intervenção do psicó- logo escolar e educacional com os professores, a fim de atenuar os efeitos da pandemia na educação básica. PLANEJAMENTO DAS AÇÕES: COMO NASCEU O PROJETO? A proposta do projeto de extensão consistiu em realizar encontros de grupo entre professores da Educação Básica de uma cidade do inte- rior do Rio Grande do Sul. Entende-se que, promover encontros entre professores, em um espaço-tempo real e localizável é proporcionar o fortalecimento da teia relacional presente na escola, permitindo tam- bém que se construam novos significados/sentidos para a prática e o ser docente (Limachi & Zucolotto, no prelo). Este projeto intitulado “Traba- lho e Saúde Mental dos Professores durante e após a Pandemia da COVID-19”, está sendo realizado pelo Núcleo de Estudos em contexto de Desenvolvimento Humano: Família e Escola (NEDEFE) da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), e tem como objetivo, realizar ações in- terventivas nas escolas, com foco na promoção de saúde mental dos professores. Busca oferecer aos docentes um espaço de acolhimento e escuta; oportunizar o compartilhamento de experiências sobre os desa- fios do trabalho decorrentes da pandemia; promover reflexões sobre as estratégias de enfrentamento adotadas frente às dificuldades associa- das às aulas remotas; e auxiliar professores em relação aos impactos da pandemia na saúde mental. Devido às repercussões da Pandemia da COVID-19 no calendário escolar e a mudança das atividades presenciais para o formato remoto, 76 • Psicologia na Escola em Tempos de Pandemia: práticas e reflexões este projeto está acontecendo em duas etapas: na primeira, foram rea- lizadas Rodas de Conversa. Na segunda, serão realizados Encontros de Grupo com as escolas que demonstrarem interesse em permanecer no projeto. A opção inicial pela Roda de Conversa se deu porque nesta es- tratégia é possível oportunizar um espaço aberto e dinâmico para o diálogo e um pensar compartilhado. Nesse espaço também se levantam reflexões mútuas entre os integrantes sobre o cotidiano de cada um, seu trabalho, projetos de vida e sua relação com o mundo (Mello, Silva, Lima, & Di Paolo, 2007). Figueirêdo e Queiroz (2013) salientaram que a Roda de Conversa, como um instrumento que fomenta diálogo e reflexão, con- tribui para a transformaçãodaqueles que nela estão inseridos. Em relação à execução, divulgou-se o projeto por meio das mídias sociais (Instagram e Facebook do NEDEFE) e por contato telefônico e e- mail para as escolas da rede municipal de ensino. Neste processo tam- bém se estabeleceu uma parceria com a Secretaria Municipal de Educação (SMED) que, por meio do Núcleo de Formação e Desenvolvi- mento Humano (FORDES), colaborou com a divulgação do projeto, motivando as escolas a participarem. Para inscrição foi criado um link via Google Forms, em que as escolas interessadas em participar preen- chiam suas informações de contato. Uma vez inscritas, as escolas eram contatadas e um primeiro encontro (presencial ou on-line) marcado, a fim de esclarecer possíveis dúvidas quanto ao trabalho a ser desenvol- vido. Neste encontro inicial o projeto era novamente apresentado e as combinações a respeito do encontro eram realizadas. Primeiramente, foi proposta às escolas a realização de uma Roda de Conversa com os/as professores/as que desejassem participar. Essas Rodas ocorreram no período entre dezembro de 2020 a dezembro de 2021. Elenise Abreu Coelho; Elysangela Koglin Ulo Limachi; Naiana Dapieve Patias • 77 Conforme salientado anteriormente, devido ao contexto de Pande- mia, o que afetou significativamente as rotinas escolares, não houve uma expressiva participação das escolas do município. Embora fosse re- conhecido o estado de sofrimento psíquico entre os docentes por parte da gestão escolar, houve muita dificuldade em conciliar horários para que os professores pudessem participar. As Rodas de Conversas se realizaram sob a seguinte temática: “Ser professor durante a pandemia: desafios e possibilidades”. O objetivo foi promover um espaço de acolhimento, discussões e reflexões sobre os impactos da pandemia na saúde mental, bem como sobre os desafios as- sociados ao trabalho remoto. Como objetivo secundário, as Rodas de Conversa também levantaram as principais demandas dos professores diante desse cenário atípico. Participaram, até o momento, professores de quatro escolas públicas e uma escola privada de ensino fundamental. Em relação à caracterização sociodemográfica dos participantes, em todas as escolas a maioria foram mulheres, docentes de anos iniciais (1º ao 5º ano) e finais (6º ao 9º ano) do ensino fundamental. Nas escolas públicas, as professoras possuíam idades entre 40 a 60 anos, tendo apro- ximadamente 20 anos de experiência na docência, ou mais. A jornada de trabalho das docentes de escolas públicas era de 20 a 40 horas semanais, com vínculo trabalhista de estatutário. Na escola privada, a maioria das docentes situava-se na faixa etária dos 30 a 40 anos, com cerca de 10 a 15 anos de experiência na docência, e lecionavam na escola há no mí- nimo 5 anos. Algumas também conciliavam com o trabalho na rede pública de ensino. Cabe salientar que a escola privada foi onde os pro- fessores relataram menos dificuldades com as questões de adaptação aos recursos digitais. 78 • Psicologia na Escola em Tempos de Pandemia: práticas e reflexões Estes encontros se realizaram de forma online, via google meet, e em uma escola foi realizado de forma presencial, contemplando todas as medidas de biossegurança. Cada Roda de Conversa teve a participação de dois a três integrantes do NEDEFE, que conduziram o encontro. No programa deste encontro era realizado um acolhimento inicial e algu- mas combinações para o funcionamento do grupo. Cada professor/a se apresentava e expunha (caso desejasse) suas dificuldades e desafios no contexto de trabalho frente à pandemia. Também se fez uso de alguns recursos, como questões disparadoras e/ou imagens para mobilizar as discussões. No que se refere às questões, eram expostos relatos de pro- fessores como o mencionado no início deste capítulo (Revista Quero, 2020), com o objetivo de gerar identificação por parte dos docentes. As imagens, por sua vez, tinham o intuito de despertar diferentes senti- mentos, como por exemplo, a imagem de um professor andando em uma corda bamba e outra de um barco navegando em um mar sereno e calmo. Diante do que era levantado durante os relatos de cada professor, fa- ziam-se algumas reflexões, questionando, por exemplo, possíveis pontos positivos presentes em meio às dificuldades/desafios. No encer- ramento, lia-se uma reflexão, a exemplo do poema de Mario Benedetti - “Não te rendas” - e se propunha a realização de encontros subsequen- tes para dar seguimento às discussões e reflexões. O contexto de pandemia COVID-19 interferiu bastante na execução plena do projeto, pois as escolas recebiam novas diretrizes de trabalho que prejudicavam o estabelecimento de algumas datas fixas para os en- contros. Além disso, as constantes mudanças no calendário acadêmico da universidade, que se tornou irregular em relação ao calendário das escolas, acabaram por impossibilitar que algumas rodas fossem realiza- das devido a incompatibilidade nos períodos, ou seja, quando uma Elenise Abreu Coelho; Elysangela Koglin Ulo Limachi; Naiana Dapieve Patias • 79 estava em aula a outra estava em recesso. Diante disto, o NEDEFE não conseguia ter acesso às escolas para agendar os encontros. A segunda etapa – os Encontros de Grupo – está em processo de implementação, de acordo com a disponibilidade da escola/professores dentro do calendário escolar. Nestes Encontros de Grupo, que se propõe a ser em número de quatro, a serem realizados no corrente ano de 2022, pretende-se realizar um acolhimento aos professores, oportunizar um espaço de reflexões sobre as dificuldades do contexto de trabalho, as re- percussões na saúde mental, a elaboração coletiva de estratégias de enfrentamento e resgate da identidade profissional docente. A metodologia dos encontros foi pensada a partir de um levanta- mento da literatura sobre o trabalho remoto e a saúde mental docente. Assim, as temáticas elencadas para serem abordadas no Grupo referem- se aos principais desafios apontados pelos docentes durante a pande- mia. Também foram contemplados alguns artigos que trazem informações sobre intervenções realizadas com grupos de professores, a fim de nortear o planejamento dos encontros (Nascimento, Souza, Mi- lhomem, & Macedo, 2020; Pozzobon, Pezzi & Marin, 2014; Ribeiro, Martins, Mossini, Júnior, & Lemos, 2012). Os aspectos ressaltados pelos professores nas Rodas de Conversa também serão contemplados. A seguir, serão apresentadas de maneira conjunta, as principais demandas elencadas pelos docentes nas Rodas de Conversa. Cabe escla- recer que, a partir do próximo tópico, os professores participantes do projeto serão denominados como “as docentes”, uma vez que como já mencionado, o público das Rodas foi composto em sua maioria por mu- lheres. 80 • Psicologia na Escola em Tempos de Pandemia: práticas e reflexões PRINCIPAIS DEMANDAS APONTADAS PELAS DOCENTES As Rodas de Conversa tornaram-se um espaço seguro e de acolhi- mento em que as docentes puderam compartilhar seus sentimentos e preocupações associados ao contexto da pandemia. Não raramente, brincavam referindo-se às Rodas como uma “terapia coletiva”, já que foram poucos os períodos em que puderam pausar suas rotinas de tra- balho para compartilharem suas vivências. As ocasiões em que aconteciam as “paradas na rede” eram sempre no intuito de promover formações voltadas às práticas pedagógicas e de adaptação aos novos meios de ensino. Assim, as Rodas eram um momento em que podiam falar e se sentiam escutadas. Entre as principais demandas levantadas, as docentes relataram dificuldades no trabalho e efetivação das aulas remotas, questões pes- soais de conciliação entre o trabalho remoto e demandas familiares, e as repercussões da pandemia na sua saúde física e mental. Os momentos finais dos encontros eram sempre destinados ao compartilhamento dos recursos e estratégiasque utilizavam frente aos desafios que se impu- seram nesse novo contexto. Com relação às aulas remotas, as preocupações eram principal- mente a dificuldade de utilizar as tecnologias digitais de forma pedagógica e adequarem-se a esse novo formato de ministrar as aulas. As docentes que possuíam mais anos de profissão relatavam o sofri- mento por não terem se adaptado: “Eu tenho vinte anos de sala de aula, com o aluno na minha frente, o computador não é sala de aula.”(sic). Tam- bém manifestavam inquietações com a desigualdade educacional que deriva desse sistema, especialmente no contexto da escola pública: “Ocupo meu tempo fazendo atividades que o aluno não vai usar, pois de uma Elenise Abreu Coelho; Elysangela Koglin Ulo Limachi; Naiana Dapieve Patias • 81 turma com 28 alunos no máximo uns 5 tem acesso fácil à internet”(sic), “Es- tou presenciando várias dificuldades, pois muitos alunos não possuem acesso à dispositivos eletrônicos ou às vezes quando possuem é apenas um, que precisam compartilhar com os outros irmãos ou familiares. Não tive ex- periências positivas, pouca adesão mesmo, me sinto impotente e frustrada" (sic). Aqui, é importante esclarecer que duas das escolas públicas que participaram do projeto são localizadas em áreas de bastante vulnera- bilidade socioeconômica, portanto, também atuam como uma rede de apoio aos alunos, por meio da distribuição de cestas básicas, arrecada- ção de roupas, calçados e materiais escolares. Nessa perspectiva, para além de questões relacionadas ao processo de ensino-aprendizagem, as professoras também relatavam preocupa- ção sobre como os alunos estavam vivenciando essa situação: “Me preocupo com meus alunos, a ausência da escola e o distanciamento social deixa eles vulneráveis a situações que antes a escola podia observar e inter- vir”(sic), “Sinto falta das crianças. Não sei se eles estão comendo, se eles têm roupa, se estão sendo cuidados”(sic). Em uma das escolas, a diretora men- cionou que as docentes se organizavam e distribuíam cestas básicas para algumas famílias, pois era muito comum receber contatos mesmo fora do horário de trabalho, solicitando auxílio da escola com a alimen- tação. No Brasil, a escola pública é um importante fator de proteção ao desenvolvimento de crianças e adolescentes em situação de vulnerabi- lidade, tanto em relação às necessidades básicas como segurança e alimentação, quanto a questões emocionais e psicológicas, como identi- ficação e prevenção de situações de violência, além de promover a socialização, fortalecimento de vínculos e afetos positivos (Amparo, Galvão, Cardens, & Koller, 2008). Com as aulas remotas, crianças e ado- lescentes sofreram a privação desse espaço. Em relatório publicado ao 82 • Psicologia na Escola em Tempos de Pandemia: práticas e reflexões final de 2020, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) aler- tava para a situação de agravamento dos riscos de muitas famílias devido às consequências econômicas e sociais da pandemia, e apontava ainda a preocupação com o direito à educação em razão da falta de acesso aos materiais escolares a que estavam expostas milhares de cri- anças e adolescentes (UNICEF, 2020), dados que corroboram a preocupação das docentes. Outras questões compartilhadas foram a sobrecarga de trabalho e o aumento da jornada pela multiplicidade de tarefas que passaram a re- alizar com a pandemia, porque acresceram-se exigências burocráticas do trabalho com a mudança para o ensino remoto. Uma das professoras relatou estar trabalhando em torno de 15 horas por dia, o que caracte- riza como “muito desgastante psiquicamente” (sic), mas pontua que a carga-horária do trabalho docente vai muito além da sala de aula. Con- comitante, algumas docentes manifestaram insatisfação com a constante mudança de diretrizes e normativas que precisavam atender: “2021 foi um ano muito pesado. Houve muitas mudanças de rumo, cada vez que nos acostumávamos com as atividades e as normativas, elas mudavam. E essas mudanças implicam muita preparação e exigência, o que desestabi- lizou a equipe.” (sic), “Muita troca de caminho, várias mudanças e isso desestabiliza o professor que se programa, começa a fazer e mudam tudo novamente” (sic), “As exigências que vêm da Secretaria de Educação não contemplam a realidade de cada escola. A cobrança vem de todos os lados, e nós, professores, não temos autonomia, mas todos os problemas recaem sobre nós” (sic). A pandemia da COVID-19 ampliou uma situação de ten- são que há tempos é vivenciada entre os professores e os órgãos públicos reguladores da educação, que transita entre a lógica gerencial de orien- tações às metas e diretrizes quantitativas de um lado, e de outro, o Elenise Abreu Coelho; Elysangela Koglin Ulo Limachi; Naiana Dapieve Patias • 83 compromisso com a qualidade do trabalho que é desenvolvido na reali- dade da sala de aula junto aos alunos (Ferreira & Barbosa, 2020). Também houve casos de realocação, em que professores passaram a desempenhar funções diferentes daquelas que desempenham tradici- onalmente na sala de aula. Destaca-se o relato emocionado de uma professora de educação física, que foi remanejada para a sala de aula de informática educativa: “Foi cruel a forma como me tiraram da docência de educação física, que eu amo, que me dá retorno profissional, para ir para sala de aula de informática educativa. Me sinto cansada, frustrada e desa- nimada, porque faço atividades que muitos alunos nem têm acesso. A realidade da escola é diferente das exigências sobre o que deveria ser feito” (sic). No trabalho docente, a impossibilidade de exercer a docência em sala de aula, gera uma fragilização na identificação com o trabalho e um sentimento de desrespeito, na medida em que as docentes passam a exe- cutar tarefas que nada têm a ver com a essência de sua profissão (Amaral, 2020). No que concerne às questões pessoais e de conciliação do trabalho remoto com demandas familiares, algumas docentes relataram ter pas- sado por situações de adoecimento de pessoas da família, e de luto por algumas perdas: “Essa pandemia foi a época mais difícil da minha vida. Tive que enfrentar a perda da minha mãe e as minhas próprias questões fí- sicas e hormonais. Minha ansiedade se intensificou com o medo de contrair a doença, de perder meu marido ou outras pessoas próximas, ainda bem que tive recursos para buscar terapia”(sic). “Eu passei por um período bem difí- cil, porque no meio disso tudo tive que acompanhar minha mãe no hospital. Foram dias bem difíceis, às vezes eu não tinha ânimo para estar lá, mas quando meus alunos entravam na aula eu estava ali inteira. Felizmente eu tive muito apoio dos pais, até hoje recebo mensagens das mães dos meus 84 • Psicologia na Escola em Tempos de Pandemia: práticas e reflexões alunos que ficaram minhas amigas” (sic). Pesquisadoras alertam para o impacto da pandemia na saúde mental e qualidade de vida das mulheres, sobre as quais ainda recaem predominantemente as tarefas de cuidado da família e do lar (Macedo, 2020; Oliveira, 2020). Assumir seu papel pro- fissional sem sair de casa, constituiu um desafio especialmente para muitas mulheres que precisaram conciliar essa demanda com suas questões familiares (Macedo, 2020). Em acordo, Oliveira (2020, p. 158) salienta que “em um cenário de instabilidade política, econômica e so- cial, são as mulheres que carregam os custos físicos e emocionais mais pesados”, pois são as mulheres que constituem a maioria das redes de apoio. Além disso, há também as questões de conciliação entre o trabalho remoto e o espaço pessoal, já que os ambientes de casa e escola se con- fundiram na pandemia: “A gente teve que improvisar um lugar em casa. Eu mesmo gosto de ter espaço, prefiro ficar aqui na sala. Então arrumei um canto pra mim, atrás de mim tem uma parede que vocês não veem nada, masna minha frente fica toda hora passando gente da minha família, e eu vou fazer o quê?!” (sic), “Sabe como eu sou chamada aqui em casa? Caracol. Me deram esse apelido porque dizem que eu levo a escola nas costas, estou 24hs disponível, em reunião, no telefone, falando com pai de aluno (...)”(sic). Esse aspecto também é particularmente ressaltado no estudo de Souza et al. (2020), que problematiza a responsabilização dos docentes pela trans- formação de seu espaço domiciliar em local de trabalho, além de todos os custos relacionados à infraestrutura física e condições materiais para desenvolvimento do ensino remoto. Esse conjunto de fatores repercute na saúde mental das docentes, que já constituem uma classe profissional cujos índices de adoecimento relacionados ao trabalho aumentam consideravelmente a cada ano Elenise Abreu Coelho; Elysangela Koglin Ulo Limachi; Naiana Dapieve Patias • 85 (Machado, Santos, & Silva, 2020). As professoras frequentemente rela- taram sentimentos de impotência e frustração pela dificuldade de acesso aos alunos, insegurança com relação ao futuro, intensificação dos sentimentos de estresse, ansiedade e problemas com o sono pelas próprias questões psicológicas da pandemia, somadas à readaptação de rotina e às diversas demandas que precisam dar conta: “no início da pan- demia quase “surtei”, pois queria abraçar o mundo, mas os colegas sempre estavam presentes, hoje já consigo manejar melhor, pois sei que não conse- guirei realizar todas as demandas escolares advindas do contexto pandêmico, isso me deixa menos ansiosa”(sic), “Um tempo depois do início da pandemia, eu tive que passar a tomar medicação pra ansiedade”(sic). Essa relação entre as condições de trabalho docente na pandemia com a transposição do ensino presencial para o remoto, e sintomas de depres- são, ansiedade e estresse foi investigada em uma população de 733 professores brasileiros. Sintomas associados a essas condições foram identificados em 92% dos professores participantes do estudo. Entre- tanto, os pesquisadores chamam a atenção especialmente para o fato dos professores relatarem sua discordância com relação ao formato de ensino, evidenciando que essa situação por si só favorece o adoecimento mental, por desempenharem um trabalho em condições que não acre- ditam ser efetivas (Souza, Dell’Aglli, Costa, & Caetano, 2021), assim como evidenciado por algumas docentes nas Rodas de Conversa. Ao final dos encontros era destinado um momento para que pu- dessem relatar os recursos e estratégias que utilizavam para amenizar as dificuldades. O objetivo foi que, por meio desse compartilhamento, se instalasse um sentimento de alívio e esperança diante dos diversos de- safios que estavam enfrentando. De modo unânime, nas cinco escolas, ainda que cada uma com suas particularidades, o fator mais 86 • Psicologia na Escola em Tempos de Pandemia: práticas e reflexões significativo foi o apoio e união das colegas e equipe de trabalho: “Feliz- mente nós temos um grupo muito coeso, que se ajuda muito. Quando um colega percebe que o outro está mais para baixo, logo vai lá ajudar”(sic). “A gente se sente acolhido quando percebe que não é só a gente que passa por aquilo, então poder dividir com os colegas ajuda a aliviar”(sic). Havia um sentimento fraterno e de solidariedade muito grande entre as equipes, que proporcionava motivação para continuarem as atividades. Destarte, também mencionaram o compartilhamento de dicas e o auxílio aos pro- fessores com mais dificuldades de se adaptarem às ferramentas on-line. Com relação à avaliação das ações, posteriormente foi enviado um formulário à equipe gestora das escolas, para que pudessem descrever a experiência em participar das Rodas, bem como possíveis sugestões de temáticas que gostariam de abordar em futuros encontros. As docentes classificaram a experiência de maneira positiva, manifestando o desejo de participar novamente. Referiram a importância de desabafar, mas também de ouvir o outro, uma vez que esse movimento possibilita re- fletir sobre seus próprios pensamentos e sentimentos. Também mencionaram a mudança de perspectiva em relação às suas atitudes, diminuindo os sentimentos de culpa e autoexigência. Em suma, professores brasileiros que, previamente à instauração da pandemia da COVID-19, já lidavam com diversas dificuldades associ- adas ao seu contexto de trabalho, tiveram na pandemia essas questões ampliadas e acrescidas da criação de novas demandas conforme exposto nos relatos. As Rodas de Conversa, por meio da escuta, do acolhimento e do compartilhamento dessas experiências (Castro, 2020), configura- ram-se em um espaço de valorização docente e possibilidade de ressignificar o sofrimento associado ao contexto educacional bastante Elenise Abreu Coelho; Elysangela Koglin Ulo Limachi; Naiana Dapieve Patias • 87 precarizado. Ainda, atuaram como um local de fortalecimento dos vín- culos entre as equipes. Finalmente, tomando por base este relato de intervenção no for- mato de Rodas de Conversa, no próximo tópico serão discutidas possibilidades de intervenção do Psicólogo Escolar e Educacional com o grupo de professores, a fim de auxiliar na prática desses profissionais, bem como atenuar os efeitos da pandemia da COVID-19 na educação bá- sica. POSSIBILIDADES DE INTERVENÇÃO DO PSICÓLOGO ESCOLAR E EDUCACIONAL COM OS PROFESSORES A saúde mental foi uma das questões mais urgentes no cenário da pandemia da COVID-19, dada a maneira repentina e compulsória como foram realizadas as mudanças na organização do trabalho docente. En- tretanto, embora essa tenha sido a principal demanda trabalhada nas ações do projeto de extensão relatado, sabe-se que o cotidiano das esco- las brasileiras é permeado por diversos desafios, os quais também se agravaram no cenário pandêmico. Entre eles, pode-se citar a relação professor-aluno, questões pedagógicas e dificuldades de aprendizagem, relações interpessoais com colegas e a gestão, entre tantas outras, às quais o Psicólogo Escolar e Educacional tem importantes contribuições a oferecer. Atualmente, a Psicologia Escolar e Educacional tem como principal objetivo mediar as relações e os processos de desenvolvimento e apren- dizagem no contexto escolar. A partir de uma perspectiva crítica, considera o contexto histórico e as relações estabelecidas em cada es- paço para pensar as dificuldades e necessidades presentes na área da educação (Marinho-Araújo, 2014; Oliveira & Marinho-Araújo, 2009). 88 • Psicologia na Escola em Tempos de Pandemia: práticas e reflexões Uma vez que os docentes desempenham um papel central nas re- lações escolares, sendo os principais responsáveis por facilitar o processo de ensino-aprendizagem, além da responsabilidade pelas fun- ções de gestão e mediação do diálogo com os demais atores da instituição escolar, compreende-se que a qualidade do processo peda- gógico das escolas está atrelada a qualidade do trabalho docente. Assim, é fundamental que o Psicólogo Escolar esteja atento às possíveis ques- tões que afetam a saúde mental desse profissional (Uchôa, Costa, Silva, Silva, & Rosa, 2021). No contexto da pandemia, o despreparo para utilizar as platafor- mas digitais de forma pedagógica foi um fator de forte impacto na saúde mental dos professores. Isso porque somente o domínio das ferramen- tas tecnológicas disponíveis e seus recursos não são suficientes para promover uma aprendizagem significativa, é necessária a adoção de es- tratégias metodológicas assertivas (Rondini, Pedro, & Duarte, 2020). Ademais, a pouca adesão e retorno dos alunos evidenciada nas falas das docentes de algumas escolas, também foi uma fonte geradora de preo- cupação e sentimentos de ansiedade e impotência. Nessa perspectiva, o psicólogo inserido na educação precisa pautar a sua atuação em práticas que busquem a construção conjunta deestra- tégias de ensino diversificadas, que promovam a responsabilização de cada sujeito que faz parte do cenário escolar com relação ao seu papel e, principalmente, auxiliar a equipe na superação das adversidades que se apresentam frente a apropriação do conhecimento (Oliveira, & Mari- nho-Araújo, 2009). Compreender as limitações no processo de aprendizagem, reconhecendo as condições de desenvolvimento de cada aluno, é um importante aspecto para superação coletiva das dificulda- des. O Psicólogo Escolar é responsável pela elaboração de práticas e Elenise Abreu Coelho; Elysangela Koglin Ulo Limachi; Naiana Dapieve Patias • 89 ações que auxiliem os docentes a repensar suas concepções acerca da aprendizagem, modificando suas intenções e objetivos e reconside- rando seu papel no processo de formação dos alunos (Oliveira & Marinho-Araújo, 2009). Fica evidente que o bem-estar do docente é um elemento crucial para a qualidade do processo educacional e a promoção de saúde mental na escola também está no escopo de trabalho da Psicologia Escolar, a partir de uma atuação preventiva e comprometida com o sucesso esco- lar. Questiona-se, assim, como a Psicologia Escolar pode auxiliar os docentes diante dos diversos desafios que se apresentam cotidiana- mente em seu trabalho? A seguir, discorre-se acerca de algumas possibilidades de intervenção. Especificamente na relação professor-aluno, é necessário ponde- rar que se dá em um determinado espaço de tempo, isto é, contexto social, histórico e cultural, sendo permeada por diferentes regras, valo- res, percepções e ideologias. Nesse sentido, a psicologia colabora na construção dos vínculos e na qualidade dessa interação, para que seja pautada em uma postura ética, humanizada e de compreensão mútua (Pena, 2021). O estudo de Lopes, Gesser e Oltramari (2014) relata uma experiên- cia de estágio em Psicologia Escolar que objetivou fortalecer o vínculo afetivo na relação professor-aluno e potencializar o interesse e motiva- ção da classe. A partir da construção coletiva de estratégias de aprendizagem junto a uma professora, que romperam com os métodos tradicionais que colocam o aluno no lugar de “receptor” de um conhe- cimento, foram elaboradas novas estratégias nas quais as atividades passaram a relacionar os conteúdos abordados na disciplina à realidade histórico-cultural dos alunos. Esse processo contribuiu 90 • Psicologia na Escola em Tempos de Pandemia: práticas e reflexões significativamente para a aprendizagem e engajamento dos alunos nas atividades realizadas. A professora também destacou a importância do trabalho, que lhe trouxe um olhar diferenciado sobre a queixa da falta de interesse, geralmente compreendida em uma perspectiva de culpa- bilização do aluno, e a instrumentalizou para contornar essa dificuldade. Outra proposta de intervenção da Psicologia Escolar diz respeito às diferentes temáticas que podem ser trabalhadas com os professores, a fim de ampliar a compreensão e manejo assertivo dos comportamentos dos alunos. O estudo de Patias, Blanco e Abaid (2009) apresenta ações realizadas em duas escolas no âmbito de um estágio em psicologia es- colar, no formato de “palestras participantes”, que objetivaram discutir com os professores e equipe gestora temas relacionados às principais necessidades apontadas pela escola em relação aos alunos. Dentre os te- mas, foram trabalhadas as questões do desenvolvimento na adolescência abordando as especificidades desta etapa, a influência das práticas educativas e parentais no comportamento das crianças e ado- lescentes e a relação professor-aluno, esta última, buscando romper com a perspectiva individualizante e construir estratégias coletivas de enfrentamento das dificuldades, baseadas no diálogo e reflexões. Para além da ênfase no aluno, as relações interpessoais, que se es- tabelecem na escola entre professores, gestores e demais funcionários, também são um espaço rico da atuação da Psicologia Escolar, que se propõe a favorecer a melhoria do ambiente de trabalho. Em relação a isso, Ribeiro, Martins, Mossoni, Júnior e Lemos (2012) trazem uma im- portante contribuição, relatando a experiência de um diagnóstico organizacional realizado por meio da observação participante, durante um estágio em Psicologia Escolar em uma escola pública estadual. Após Elenise Abreu Coelho; Elysangela Koglin Ulo Limachi; Naiana Dapieve Patias • 91 o período de observação do cotidiano dos professores, que incluiu inter- valos, reuniões pedagógicas, interações em sala de aula e na sala dos professores, os estagiários realizaram três encontros, com toda equipe da escola: o primeiro, que visou entregar uma devolutiva a partir dos dados obtidos na etapa de diagnóstico; o segundo e o terceiro, que base- ados nas percepções, discutiram as relações interpessoais no trabalho e as relações entre família e escola. Esses encontros permitiram o com- partilhamento de questões relacionadas à organização do trabalho docente, favorecendo a qualidade da comunicação, a troca de ideias e sugestões quanto à prática pedagógica de cada um. Também destacaram a importância de cada ator escolar realizar a sua parte no que tange à relação com as famílias. Neste último aspecto, ressaltaram principal- mente o reconhecimento de que a forma como estavam ocorrendo as reuniões com os pais não contribuíam para a aproximação entre família e escola, momento que se tornou oportuno para a elaboração de novas estratégias. À luz dessas considerações, é evidente que no contexto da pande- mia, em que as relações escolares se estabeleceram à distância e mediadas por tecnologias digitais, novos obstáculos se apresentaram e a Psicologia Escolar foi chamada a repensar suas práticas. A emergência da adaptação ao novo espaço que substituiu o espaço físico da escola, os novos recursos para viabilizar o trabalho remoto, dificuldades que se impuseram ao processo de ensino-aprendizagem, a insegurança e in- certeza que permeiam o cenário escolar, foram algumas das questões elencadas pelos Conselhos Regionais de Psicologia (CRP) de alguns esta- dos brasileiros (CRP Alagoas, 2020; CRP Paraná/PR, 2020; CRP Rio Grande do Sul/RS, 2020), a fim de orientar a prática dos Psicólogos Es- colares diante da pandemia. 92 • Psicologia na Escola em Tempos de Pandemia: práticas e reflexões Em relação ao trabalho docente, o Psicólogo pode auxiliar: na rees- truturação das práticas pedagógicas fomentando o processo de formação, considerando o ensino remoto um novo ambiente de apren- dizagem e desenvolvimento; em ações que visem o fortalecimento da equipe gestora buscando colaborar para o diálogo e compreensão das necessidades de cada um; na aproximação da relação professor-aluno e família escola, compreendendo as limitações que se impõem em cada contexto e incentivando a elaboração conjunta de alternativas para con- tornar os obstáculos; na elaboração de espaços, como grupos reflexivos e rodas de conversa, que promovam a troca de informações, o compar- tilhamento de experiências e estratégias de promoção de saúde mental (CRP Alagoas, 2020; CRP/PR, 2020; CRP/RS, 2020; Castro, 2020; Nasci- mento, Souza, Milhomem, & Macedo, 2020). Atenta-se que a complexidade dos diferentes ambientes educacio- nais, exige da Psicologia práticas específicas voltadas para cada realidade. A atuação da Psicologia Escolar e Educacional deve estar pau- tada nas potencialidades de cada contexto, visando à promoção de uma cultura de sucesso escolar. CONSIDERAÇÕES FINAIS O objetivo deste capítulo foi oferecer uma literatura acerca das possibilidades de intervenção da Psicologia Escolar e Educacional junto aos professores de educação básica, a partir de um relato de intervenção de um projeto de extensão com ênfase na saúde mental dos professores. O projeto, realizado por meio de Rodas de Conversa, foi uma importanteferramenta de auxílio aos docentes no enfrentamento do contexto ad- verso. As Rodas, enquanto espaço de acolhimento e escuta, tornaram-se Elenise Abreu Coelho; Elysangela Koglin Ulo Limachi; Naiana Dapieve Patias • 93 um lugar de valorização do docente e de oportunidade de ressignificar o sofrimento associado às problemáticas do contexto educacional agra- vadas pela pandemia. Quanto às principais demandas levantadas pelas docentes, desta- caram-se as dificuldades na organização do trabalho e na efetivação das aulas remotas, o desafio de conciliar o trabalho remoto e as demandas familiares, especialmente em relação às mulheres, que relataram a maior parcela de responsabilidade pelo cuidado de familiares e tarefas da casa, e as repercussões da pandemia na saúde física e mental, com aumento de sintomas de ansiedade, estresse e uso de medicação. Nessa perspectiva, as Rodas de conversa contribuíram principalmente para a minimização da culpa e autoexigência em relação aos processos de tra- balho; para o alívio proporcionado pelo compartilhamento de experiências e para a legitimação de suas demandas, uma vez que pou- cos foram os espaços de escuta; e para o fortalecimento das equipes. A partir deste relato de intervenção, que fez um recorte das diver- sas demandas que se apresentaram no cotidiano docente com a pandemia, propondo trabalhar a saúde mental, também foram elucida- das possibilidades de intervenção da Psicologia Escolar com os professores de educação básica, porquanto outras questões também fo- ram agravadas. Considerando a atuação preventiva e relacional que coloca o Psicó- logo como membro efetivo da equipe escolar, com o objetivo de mediar as relações e os processos de desenvolvimento e ensino-aprendizagem (Marinho-Araújo, 2014), a Psicologia tem muito a contribuir na educa- ção. Com a emergência das mudanças impostas pela pandemia, questões como a relação professor-aluno, dificuldades de aprendizagem, relações com a gestão também se tornaram urgentes. Portanto, ao Psicólogo 94 • Psicologia na Escola em Tempos de Pandemia: práticas e reflexões Escolar e Educacional cabe incentivar o enfrentamento das dificuldades na escola de forma coletiva, rompendo com as práticas de culpabiliza- ção, favorecendo, em contrapartida, a responsabilização de todos os sujeitos envolvidos no processo escolar; assim como auxiliar na cons- trução conjunta de estratégias de ensino diversificadas no contexto da pandemia. É importante esclarecer que as reflexões expostas neste capítulo não têm o intuito de esgotar as discussões sobre o tema. Pelo contrário, objetiva-se que as ações relatadas sejam potencializadoras para a cons- trução de novas práticas, reafirmando a importância e a necessidade da atuação do profissional da psicologia no contexto escolar e a urgência de intervenções voltadas aos docentes. Ainda, que contribuam nos es- forços para a consolidação da identidade do profissional da Psicologia Escolar e Educacional. REFERÊNCIAS Amaral, G. A. (2020). Sofrimento no trabalho de professoras readaptadas: “da docência ao trabalho morto da readaptação”. Farol: Revista de Estudos Organizacionais e Sociedade, 7(18), 164-227. doi : 10.25113/farol.v7i18.5497 Amparo, D. M., Galvão, A. C. T., Cardenas, C., & Koller, S. H. (2008). A escola e as perspectivas educacionais de jovens em situação de risco. Revista da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, 12(1), 69-88. doi10.1590/S1413- 85572008000100006 Castro, K. R. R. de (2020). 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Brazilian Journal of Development, 7(2), 20400-20420. doi 10.34117/bjdv7n2-605 5 PERCEPÇÕES E NECESSIDADES DE PROFESSORES E ESTUDANTES DA EDUCAÇÃO BÁSICA SOBRE O APRENDIZADO REMOTO Aluísio José Pereira Andressa da Silva Araújo Gonçalves Iasmin Almeida Maciel Sandra Gabriely da Silva Ronaldo Pereira de Melo Júnior 1 INTRODUÇÃO As tecnologias digitais encontram-se enraizadas na sociedade atual e vem permitindo a transformação da sala de aula (Pischetola, 2019). Existem uma variedade de recursos e funcionalidades ofertados para aumentar a velocidade (Sari et al., 2018), versatilidade, atratividade (Hubackova, 2021; Álvarez-Álvarez, 2021), e ubiquidade das formas de ensinar e construir conhecimento (Haque & Hasan, 2021). Tornaram-se aliadas na estruturação do processo educacional, porém uma educação de qualidade não só depende delas, visto que, a qualidade da educação pode depender de diversos fatores, limitações e impeditivos, dentre ou- tros, materiais, sociais e culturais (Barros, 2017). Se por um lado, a educação estar em constantes mudanças, por outro, as tecnologias que antes se apresentavam convenientes para apoiar o processo educacional podem não ser mais adequadas. Novos ajustes, aprimoramentos de re- cursos e funcionalidades são imprescindíveis para atender novas demandas. 100 • Psicologia na Escola em Tempos de Pandemia: práticas e reflexões Vivenciamos constantes transformações digitais, dado que, diari- amente novas tecnologias para resolver problemas que antes nos pareciam incomensuráveis (novos recursos de inteligência artificial, processamento abundantemente de dados), vêm sendo possível. No en- tanto, enquanto novas tecnologias se tornaram preponderantes em diferentes domínios, no contexto educacional, já previsto por Al-senaidi et al. (2009), ainda ocorre relutância em adotá-las, causando a desapro- priação digital por parte dos professores e alunos ao longo dos anos. Isso se agrava mais ainda diante de contingências como as provocadas pela pandemia de COVID-19, que escancarou inabilidades em adotar e utili- zar as tecnologias digitais, visto que, foram tidas como alternativas para continuidade do ensino-aprendizagem diante de medidas de distancia- mento físico-espacial. Durante a pandemia, modalidades como educação remota emer- gencial, semelhanteà Educação à Distância (EaD) (Arruda, 2020), foram impulsionadas por tecnologias digitais. Entretanto, constatou-se que para efetivamente potencializar a educação no contexto brasileiro, a ne- cessidade de ampliar, dente outras, a popularização do acesso à Internet (Da Silva Coqueiro & Sousa, 2021). A EaD pode ser amplamente utilizada do ponto de vista social, financeiro, pessoal, familiar e geográfico, e também para pessoas com necessidades especiais, conforme descrito no Censo EaD 2019/2020 pela Associação Brasileira de Educação à Distância (ABED, 2021). As atividades EaD são geralmente mediadas por Ambientes Virtu- ais de Aprendizagem (AVA), que oferecem recursos para os professores e estudantes interagirem (Maciel, 2018). Estes ambientes virtuais parti- lham também, funcionalidades que permitem coordenação, administração e comunicação do contexto educacional. Um exemplo são Aluísio Pereira; Andressa Gonçalves; Iasmin Maciel; Sandra Silva; Ronaldo Melo Júnior • 101 as redes sociais com fins educacionais, também conhecidas como, pla- taformas sociais educacionais. Que além de funções administrativas, dispõem de recursos que amplia o aspecto cognitivo de alunos através de práticas coletivas ao valorizar comunicações e interações sociais (Abreu et al., 2011; Arnold, Santos, Barbosa, 2020). Apesar da disponibi- lidade, instituições educacionais enfrentam dificuldades em conseguir adotar esses ambientes virtuais para apoiar o processo de ensino- aprendizagem. Em análises promovidas sobre ambientes de redes sociais educaci- onais, Pereira (2021), observou diferentes formas de ocorrências das interações aluno-professor e constatou baixa propensão dos alunos a se engajar espontaneamente em atividades que o distanciamento físico- espacial se faz presente. Isso revela a necessidade de aperfeiçoar as prá- ticas e personalizar as tecnologias para buscar resultados mais promissores, da atuação dos alunos e professores. Diante do exposto, essa pesquisa teve como propósito analisar as dificuldades inerentes aos atores educacionais (professores e estudantes) ao usarem o ambiente virtual Redu (Redu.Digital), de modo a entender quais fatores impossi- bilitam a efetividade da adoção no processo de ensino-aprendizagem. Este estudo estar divididos em quatro outras seções. Na Seção 2, são descritos os aspectos de transição do ensino presencial para o re- moto mediado por tecnologias. A Seção 3 apresenta o método empregado na investigação para as análises realizadas. Na Seção 4, os resultados. E a Seção 5 apresenta as considerações do estudo. https://redu.digital/ 102 • Psicologia na Escola em Tempos de Pandemia: práticas e reflexões 2 DO ENSINO PRESENCIAL AO REMOTO: MEDIAÇÃO POR TECNOLOGIA As possibilidades para uso de recursos tecnológicos no ensino- aprendizagem vão desde o simples compartilhamento e disponibiliza- ção de materiais multimídias (apresentações, podcasts, videoaulas, etc.), informatização de atividades escolares, utilização de ambientes especi- alizados para interação entre grupos, até, a comunicação mediada por tutores inteligentes e plataformas sociais. Mas, todas as possibilidades demandam habilidades tecnológicas dos usuários que fazem com que alguns recursos tenham baixa adesão e que os atores educacionais en- volvidos não se sintam motivados a utilizar instrumentos que poderiam potencializar, entre outros feitos, a socialização e promover uma me- lhor disseminação dos conteúdos escolares abordados. Sendo assim, estudar o contexto que o ambiente virtual se implanta, e entender a fi- nalidade educacional projetada, pode nos permitir contemplar a inserção de tecnologias em espaços que tradicionalmente não as ado- tam. O processo de transição do ensino tradicionalmente presencial para modalidade de ensino híbrido, ou mediado por tecnologia vem se tornando um campo fértil para identificarmos as percepções dos sujei- tos e fazermos proposições em busca de melhorias. Dado que, as percepções não acontecem fora do contexto, conforme já expresso por Luccio (2011), para estudarmos essas relações (sujeitos e tecnologias) se- ria conveniente analisarmos o que vem sendo vivenciado e integralmente compreendido. Coletar a relação entre percepção e novas estruturas de aprendizagem pode proporcionar pistas sobre as sensa- ções, compreensão e formação de valores (Oliveira & Mourão-Júnior, 2013). As sensações ocorrem a partir dos recursos tecnológicos com os Aluísio Pereira; Andressa Gonçalves; Iasmin Maciel; Sandra Silva; Ronaldo Melo Júnior • 103 quais se tem contato e as características fracionadas que permitem mo- delar a natureza analítica dos sujeitos e as interações com o outro, para formular a percepção sintética e interligada. Esse papel, conforme Brito et al. (2019), é desempenhado ao mediar as maneiras de disseminar o conhecimento no processo de ensino-aprendizagem. No contexto da pandemia de COVID-19, por exemplo, o ensino- aprendizagem precisou de uma remodelagem súbita, isso fez com que o processo de transição do ensino presencial para o mediado por tecnolo- gias digitais não fosse uma tarefa trivial. Esse panorama ressalta o que França Filho et al. (2020) ressaltam. Nessa mesma vertente, há muitos já se evidencia a relutância em considerar as tecnologias para uso educa- cional (Al-Senaidi et al., 2009). A partir do novo cenário, professores e estudantes tiveram que lidar com as plataformas digitais e não deter meios e conhecimentos necessários colaboram para agravar as dificul- dades. A exemplificar, os estudantes em situações de vulnerabilidade foram os mais afetados em múltiplas dimensões e tiveram maior difi- culdade de acesso às atividades remotas (Senhoras, 2020). Neste ponto, compreendemos que os ambientes de sala de aula es- tão se tornando indissociáveis das relações sociais e, consequentemente, dos recursos tecnológicos. Sendo assim, é cada vez mais pertinente a promoção da aprendizagem através dos ambientes virtuais. E, investigar como são utilizados (em particular as redes soci- ais com fins educativos) nos permite identificar as contribuições para uma aprendizagem significativa. Comumente, as redes sociais possibi- litam interação e aproxima os usuários. Elas atrelam as principais características de dois domínios, a citar: de rede social (Zancanaro, 2012), com interações sociais que dita o comportamento dos usuários (Recurero, 2017) e de ambiente virtual de aprendizagem que permite 104 • Psicologia na Escola em Tempos de Pandemia: práticas e reflexões compartilhar materiais e recursos para disseminação de conhecimento e comunicação entre estudantes (Moraes et al., 2021). Entretanto, não só permitem construir a comunicação multilateral entre estudantes e professores, compartilhamento e disseminação de materiais, mas também estabelecer elos de proximidades socioafetivas importante para aprendizagem. Diante dessa premissa, o ambiente Redu.Digital, vem sendo atrelado modalidade de ensino híbrida, EaD, mediada por tecnologias para buscar ressignificar a comunicação e a prática educativa entre estudantes, professores e comunidade escolar (Júnior, Gomes & Souza, 2012; Gomes, Rolim & Silva, 2012; Silva & Go- mes, 2015). Por ser necessário aprimorar constantemente canais de atendimento e comunicação, fortalecer a presença, mesmo que virtual- mente, para estabelecer vínculos que fortaleçam as relações entre os sujeitos. Através da qual, docentes e tutores podem desenvolver ações didático-pedagógicas para manter os estudantes engajados (BR.EAD, 2021). 3 MÉTODO As redes sociais com fins educacionais agregam possibilidades para os estudantes e professores poderem, ensinar e aprender a partir de contextos virtuais que promove além da interatividade, a colabora- ção. Sendo assim, compreender a percepção dos alunos e professores sobre as atividades as circunstâncias de ocorrência,impulsiona melho- rias para o aperfeiçoamento do ensino-aprendizagem no contexto investigado. A partir dessas expectativas, ressaltamos que abordagens puramente observacionais não se apresentam como suficientes para compreendermos as percepções dos sujeitos. Se fazendo necessário, Aluísio Pereira; Andressa Gonçalves; Iasmin Maciel; Sandra Silva; Ronaldo Melo Júnior • 105 nesse estudo adotamos abordagem qualitativa transversal com estu- dantes e professores de uma instituição pública da Educação Básica (Ensino Fundamental II e Médio) localizada na região metropolitana de Recife - PE. Assim sendo, um protocolo de pesquisa com perguntas e propósito das entrevistas, norteou esse estudo. A Divisão de Ensino da Instituição de Pernambuco e a Diretoria de Educação do Rio de Janeiro, Brasil ana- lisaram o protocolo e autorizaram o acesso ao ambiente e condução da pesquisa no contexto da instituição de ensino. Em cumprimentos aos preceitos éticos e morais, elaboramos Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) para professores, estudantes maiores de 18 anos e para os pais dos estudantes menores de 18 anos. Com o propósito de coletarmos as percepções, dificuldades e ne- cessidades dos estudantes e professores, adotamos como instrumento de coletas, entrevistas (semiestruturadas) com perguntas abertas. As respostas serviram como fonte de análise e categorização indutivas, acerca do ensino-aprendizagem mediado pelo ambiente de rede social educativa. As análises nos permitiram realizar proposições ao processo de ensino-aprendizagem em contexto de uso de ambiente virtual. Os participantes do estudo constituíram uma amostra de profes- sores de diferentes áreas do conhecimento, assim como, estudantes de turmas do Ensino Fundamental II e Médio da instituição pública federal de ensino. A escolha da instituição para o estudo ocorreu, devido à mesma, ter passado a integralizar suas atividades escolares através da utilização de tecnologias digitais, para atender ao público de 963 estu- dantes matriculados e 90 professores no ano letivo de 2020. A seleção dos participantes ocorreu de forma voluntária e aleatoriamente, por convites via comunicação interna da instituição. Anexo a cada convite 106 • Psicologia na Escola em Tempos de Pandemia: práticas e reflexões e, nos momentos de entrevistas, foram explicados os procedimentos e os preceitos éticos da participação. Os voluntários foram entrevistados por videoconferência e, de cada entrevista foram coletados e armazenados arquivos multimídia (vídeo e áudio) para posterior análise das respostas. Ao todo, participa- ram das entrevistas 10 professores e 17 estudantes. Inicialmente o instrumento de coleta foi calibrado por entrevistas pilotos com 3 estu- dantes e 1 professor. Na condução das entrevistas, ocorreram alternâncias entre professores e estudantes do Ensino Fundamental ou Médio, com níveis diferentes de interação no ambiente virtual Redu. Buscamos ponto de saturação das respostas, isto é, à medida que as en- trevistas eram realizadas, buscamos intercorrência de semelhanças com entrevistados anteriores. Após cada entrevista tomou-se notas sobre as impressões imedia- tas, seguidas das transcrições das respostas. A transcrição ocorreu de forma literal (Ipsis Litteris), em que foram usados símbolos e signos para representar elementos da fala (Marcuschi, 2001). Registraram-se inter- rupções, repetições, meias-palavras, hesitações, gaguejo e marcação de tempo no início e final da fala de cada participante. As transcrições de modo literal foram utilizadas para reconstrução episódica das situações narradas pelos participantes. Os documentos resultados das transcrições foram separados por entrevistas e agrupados por perguntas realizadas. Esses documentos serviram como entradas para as análises conduzidas através do software QDA Miner Lite (Lorenzetti, Domiciano & Geraldo, 2020). Tendo como unidade de registro os modos de interação e as competências agregadas ao Redu e outras plataformas, as análises das entrevistas buscaram for- mas de uso do ambiente Redu, necessidades, dificuldades e percepções Aluísio Pereira; Andressa Gonçalves; Iasmin Maciel; Sandra Silva; Ronaldo Melo Júnior • 107 que os estudantes e professores vivenciaram. E, também, proposições de melhorias para o ambiente conforme as dificuldades relatadas. Em sínteses, seguiram-se etapas (organização, codificação, categorização) da análise de conteúdo (Bardin, 1977). Para categorização e descrição dos cenários de uso do ambiente virtual as expressões (o que os participan- tes estavam tentando exemplificar através das falas) serviram como formas de agrupamentos para os resultados desse estudo. 4 RESULTADOS Os resultados do estudo são apresentados, inicialmente, a partir das percepções dos professores e estudantes sobre o processo de adap- tação ao ensino remoto, seguido das percepções sobre o uso da Redu simultaneamente com as necessidades no processo de ensino-aprendi- zagem mediado por tecnologia. Os relatos de dificuldades expressam o quanto os professores e es- tudantes não se adaptaram ao contexto de ensino mediado por ambiente virtual. Dentre estes, houve confirmações (Figura 1) de boa adaptação, de não se adaptarem bem e que não chegaram a ter contato suficiente com o ambiente para formalizar uma percepção. 108 • Psicologia na Escola em Tempos de Pandemia: práticas e reflexões Figura 1 Adaptação (estudantes e professores) Nota: número de estudantes = 17, número de professores = 10, total N = 27. Dentre os estudantes entrevistados é possível confirmar que 12 dos 17 não se adaptaram bem aos estudos mediados on-line (ensino remoto), e 5 dentre os 10 professores ressaltaram preferir o ensino presencial, pois estavam mais habituados a interações com grau de proximidade imediata, a qual possibilitava maior atenção e participação dos estudan- tes. Isso corrobora com o argumento de Landim Vilela et al. (2021) ao ressaltar os alunos como retraídos e pouco participativos e por conta disso dificulta acompanhar os conteúdos abordados. E ao de Verdasca (2021) quanto ao bem-estar ausência de interações presencias pode pôr em risco a capacidade de socialização. Dentre os entrevistados, 3 a cada 17 estudantes e 4 dentre os 10 professores confirmam ter tido uma boa experiência. Algo semelhante foi expresso por Cipriani et al. (2021) que percebeu que os docentes, apesar das dificuldades, estavam se adap- tando à situação do distanciamento social. Em alguns casos por já estarem familiarizados com o ensino mediado por tecnologias. Aluísio Pereira; Andressa Gonçalves; Iasmin Maciel; Sandra Silva; Ronaldo Melo Júnior • 109 A02: [00:02:09] Eh: todas as mudanças elas têm pontos positivos e negati- vos, eh: eu consegui me adaptar ao ensino remoto, a até o final do ano né desde março, eh: (+) a ainda bem não tive muitas dificuldades eh: as dificul- dades que a gente tinha eh: em conteúdo poderia ser perguntado pro professor, o problema (tá na produtividade). E, 2 a cada 17 estudantes e 1 dos 10 professores descreveram não terem contatos suficientes com os recursos do ambiente virtual Redu, para ser possível apresentar suas percepções. Nos casos de não adapta- ção e contato insuficiente, os problemas estavam além do ambiente virtual Redu, os estudantes ressaltam não terem conhecimentos para manusear computadores para os estudos: A09: [00:02:37] Eu achei um pouco difícil, porque eu nunca tinha estudado desse jeito né, por mais que tem sido bastante tempo pra me adaptar, mas é por que realmente eu nunca tinha estudado desse jeito e foi estranho. Os que tiveram pouco contato com o ambiente virtual, afirmam não terem tido boa impressão sobre a disponibilidade, organização dos materiais e aulas on-line pela instituição. Cipriani et al. (2021) descrevem que entrar em contato e aprender rapidamente,diante da necessidade, sobre diferentes plataformas não é fácil. Neste caso, para alguns estu- dantes, como o ambiente foi usado, revelou muito mais o potencial de rede social do que educacional. Os levando a recorrer a outras platafor- mas. A01: [00:02:03] Claro que a gente tinha que também que acompanhar eh ti- nha que acompanhar ou as postagens dos professores e também a::: a algumas Lives que tinha. Por que pra mim assim (+) a aula remota no nosso colégio não foi exatamente ((ri)) uma aula remota. Entende? Foi mais, meio que:::, uma postagens de materiais com um certo acompanhamento. 110 • Psicologia na Escola em Tempos de Pandemia: práticas e reflexões Apesar de ter que se adaptar ao novo contexto de ensino e uso do ambiente virtual, foi possível mapear a percepção dos estudantes e pro- fessores que mesmo diante das dificuldades se mantiveram entusiasmados. Dentre os estudantes, há aqueles que ressaltaram se sentirem entusiasmados em aprender mesmo diante de dificuldades, porém neste caso alguns descreverem que, mesmo esforçando-se, não conseguiam acompanhar. A03: [00:02:14] [[(internet caiu). (+) Sim, foi um pouco mais difícil porque:: geralmente eu:: (++) eh:: não estudo muito em casa, geralmente eu presto mais atenção na aula e tento gravar o que o professo fala e a explicação dele (+) aí no EaD ficou um pouco mais difícil. Tive que:: procura':: outras aulas de outros professores pra reunir mais (++) diferentes modos de ensino. A05: [00:01:17] Bom, logicamente o EaD né tem que fazer tudo on-line, tra- balhos tipo é:: a algumas professores dava opção de escrever ou no caderno ou em PDF ou no Word daí tipo como eu não sabia eu nem pegava no com- putador direito então eu não sabia dai eu tive que pesquisar pra aprender, meu pai também me ensinou algumas coisas e fo é foi pra mim essa foi a maior diferença porque eu não sabia mexer em praticamente nada do com- putador. [00:01:49] A11: [00:02:07] É eu acho que o principal:: é:: assim né, como eu acho que todo mundo sentiu primeiro foi um impacto muito brusco né [...] não teve nenhuma adaptação isso todo mundo sentiu, e::: mais assim; sem dúvidas a falta do contato né, porque:: é:: aula presencial, não só presencial, mas aula que tem uma horário marcado, ela gera uma obrigação, tem falta, você não pode faltar se não você (inint). A13: [00:02:04] do pouco que eu utilizei do Redu, é muito:: diferente das pla- taformas de cursinho on-line, tipo a qualidade é muito diferente mesmo, a facilidade de mexer também. Apesar do uso de plataformas on-line e aulas virtuais favorecerem o planejamento de ações, para proporcionar ganho de conhecimento Aluísio Pereira; Andressa Gonçalves; Iasmin Maciel; Sandra Silva; Ronaldo Melo Júnior • 111 individual e coletivo (Santos Júnior et al., 2021). Os estudantes não en- tusiasmados ressaltaram estar desmotivados, e nestes casos, os professores tiveram mais dificuldade de mantê-los engajados. P05: [00:26:36] Eu tenho um grupo de alunos, aquele aos alunos que já tava estudando perguntavam, é::: a maioria dava um oi no início, sumia e apare- cia no final né tem aquele memezinho né, [...] aluno é uma coisa extraordinária né ((ri)) como professores também são, então os alunos do jeito que os professores tiveram que reaprender os alunos reaprenderam muitas coisas também, por exemplo, reaprenderam a gazear aula, a fazer a famosa é matar aula, era só desligar a câmera e o áudio. P08: [00:03:39] quando o problema é mesmo:: de vista:: é ter alunos que não... Não conseguem ficar muito tempo com a:: a, com a internet; eu tenho também um problema, eu tenho estrabismo e astigmatismo, e às vezes pra você ficar muito tempo na tela/.../ isso pra mim prejudica um pouco. Dentre os estudantes que não se sentirem entusiasmados com o ensino remoto, mesmo diante da desmotivação, alguns conseguiram acompanhar as práticas, porém outros confirmam não conseguir por motivos diversos e por situações pessoais também. Mesmo os estudan- tes que se encontram adaptados ao processo de ensino ressaltaram não conseguir acompanhar diversas práticas acompanhado de frustrações de interações. Algo semelhante foi constatado por Alves (2020), a impos- sibilidade de participação de todas as crianças nas interações, momentos de interações prolongados frutaram o envolvimento no pro- cesso de ensino mediado por tecnologias. Já os estudantes que não se adequaram ao ensino, buscaram recursos diversos para estudos com- plementares, conforme os relatos seguintes: A05: [00:02:46] Enfim, tá eu como eu falei no começo foi muito difícil porque eu deixei acumular e eu também não sabia mexer eu não sabia mexer no 112 • Psicologia na Escola em Tempos de Pandemia: práticas e reflexões computador, não sabia nada, então foi bem difícil pra pegar prática essas coisa, e as AP's também, é:: no começo era muito difícil é:: anexar o link sem cair a conexão entendeu, porque lá internet era um pouquinho fraca ai as vezes caia du:: nada. E:: tirando isso é:: pro meu é:: no segundo bimestre pra frente é foi mais fácil. A13: [00:07:28] Ah, vou mandar a realzão aqui assim mesmo, ano passado foi um ano muito problemático acho que pra muita gente, e eu não estudei, eu passei o ano digo aqui sem nenhuma vergonha sem fazer 'nada, inclusi/ [((ri))] eu era terceiranista e eu não fiz nada ano passado. A12: [00:01:21] Não se e esse ano também não, porque a verdade é que eu acho um sistema de educação MUITO ineficiente. Ele não, não cumpre com o seu pro o:: como (é que é o nome) 01:28 com seu com sua proposta, por que, por exemplo, eu não fui pra aula, mas isso não quer dizer que eu deixei de estudar, eu estudei por plataformas de cursinho on-line, claro que isso aí é uma realidade muito minha por que eu tenho a condição financeira pra arcar com isso, e:: pras pessoas que não tem isso aí é é:: o a ineficiência das aulas on-line é um absurdo, mas eu contornei isso com os cursinhos e tipo eu do gabarito preliminar do SSA 2 eu tirei 77, sem ter que ir pra aula do colégio. Para os professores que expressaram não ter se adaptado bem ao ensino remoto. E que, habituados ao modo presencial, conseguiam pro- mover mais dinamicidades nas interações com os estudantes. Além disso, análoga ao observado por Cipriani et al. (2021), os relatos dos pro- fessores ressaltam situações de frustrações em que não conseguiam lidar com recursos tecnológicos ou colaboração mútua entre os colegas [professores] para entenderem o funcionamento das ferramentas digi- tais. P04: [00:18:21] É como eu disse a você. A maior dificuldade que eu tive real- mente foi eles ê é/ como se diz eles entrarem na::: na questão de entender o que é o EaD, porque muitos assim, é eu tive dificuldades quanto a própria o Aluísio Pereira; Andressa Gonçalves; Iasmin Maciel; Sandra Silva; Ronaldo Melo Júnior • 113 próprio manuseio" né', das ferramentas, porque a gente não teve essa for- mação né' eh::: a gente teve dificuldade/ eu ainda tenho dificuldades né". Eu espero que o colégio é promova alguma::: alguns momentos aí pra gente (+) é::: melhorar, né", porque assim algumas coisas que que eu poderia (+) é:: saber é::: e facilitar o meu trabalho eu não eu não fazia, porque não sabia, né". Então assim, a gente foi um ano de aprendi/ (inint) 08:27 e pro professor (+) principalmente pra quem não/ não vivia né', é::: com esse com essa inti- midade ((ri)) com a tecnologia eu digo. Como era o meu caso e de alguns colegas que eu também senti que houve essa dificuldade [...]. Por outro lado, também houve os que tiveram percepções de con- seguirem transmitir os conteúdos e que o ambiente permitiu a realização dos trabalhos de forma inovadora e eficaz. Algo assim foi per- cebido também, no estudo de Santos Júnior et al, (2021). Porém, estes defendem a disponibilidade de outras fontes para os alunos consegui- rem estudar e, para tanto,foram estes que utilizaram de materiais, aulas e atividades diferenciadas e em múltiplas plataformas para atrair a atenção dos alunos a partir de necessidades específicas. P09: [00:10:53] Um mecanismo que utilizei foi para redação propriamente dita, a gente sabe que não é fácil tá pedindo pro aluno produzir texto dis- sertativo de maneira fria, tem que estimular né que redação é uma coisa meio complexa, por exemplo, trabalhar, então nós criamos concursos é:: nós fizemos concursos no interior da própria sessão da coordenação do ter- ceiro ano, cumpremos [sic] pra quem mandasse a redação até o dia x ou com bônus pra quem entregasse a redação até o dia y, num é, então caixa de cho- colate, e divulgação massiva, maciça entre os alunos desse concurso de redação, e tivemos uma boa resposta acho que 90% é:: dos alunos se anima- ram pra fazer redação, uma das estratégias que nós usamos né, premiação e:: recado por WhatsApp. 114 • Psicologia na Escola em Tempos de Pandemia: práticas e reflexões Em Cipriani et al. (2021) uma das principais dificuldades dos pro- fessores é aprender rapidamente, diante da necessidade, sobre diferentes plataformas. Os professores que ressaltavam satisfação com o ensino remoto foram os mesmos que relataram terem experiências anteriores com modalidades de ensino EaD, ou que conseguiram con- tornar as dificuldades com adaptações rápidas. P07: [00:11:03] Então, houve sim dificuldades, porque tudo eram era novo, era, tudo era aprendizado. Mas, eu acredito que o sistema o nosso sistema ele foi muito bom de ter sido vivenciado antes, porque o aluno ele num, num sofreu. Sofreu sim, à distância o contato tudo isso é algo que faz com que a gente:: a educação ela é presencial também né' o olhar o sentido aluno ali junto com o professor isso faz (+) faz toda uma diferença, mas em termos de conteúdo em si foi vivencia::do a gente pode trabalhar com nosso aluno de uma forma que não houve prejuízo em termos de conteúdo (+) né'... P08: [00:07:31] Assim...no ensino eh:: remoto você tem um feedback muito grande, eh:: eu percebia na ma"ioria /.../ na maioria dos alunos, principal- mente no tocante às atividades... seja ela, envolvendo uma habilidade ou não, por exemplo: u::ma:: atividade, uma tarefa... envolvendo até uma pes- quisa, uma tradução... uma:: um exercício mais formal de pontos gramaticais, entendeu? Eu tive muito retorno dos alunos, a:: nesse item aí. A distância entre estudantes e professores, se mostrou como uma das principais dificuldades nas interações mediadas on-line. As plata- formas virtuais se mostram insuficiente para projetar os múltiplos aspectos cognitivos dos signos e significados, das interações presencias. Mas, pode suprir demandas insuficientes da escola e da família. Isso permitiu a busca por recursos diversificados. P09: [00:12:45] É a interação foi (+) por E-mail, por E-mail mesmo mandava o E-mail e ficava esperando a resposta deles. Também no ((nome da plata- forma utilizada)) na no meu arquivo eu sempre escrevia alguns recados, é:: Aluísio Pereira; Andressa Gonçalves; Iasmin Maciel; Sandra Silva; Ronaldo Melo Júnior • 115 textos de ânimo, chamadas de atenção, aconselhamentos então foi um me- canismo que também usei lá pra interagir com eles. P09: [00:13:36] No ((nome da plataforma utilizada))... é::: no ((nome da pla- taforma utilizada)) a interação mais real e instantânea, nós não temos essa facilidades, e a publicação também de materiais um pouco mais completos, ficou difícil no ((nome da plataforma utilizada)) ele é meio limitado. Os professores relatam que a relação professor-aluno precisa se estabelecer com grau de proximidade. Nesse sentido, para transformar tecnologias digitais em abordagens educacionais, deve-se atentar para dificuldades pontuais, só assim, seria possível permitir experiências produtivas no ensino mediado por tecnologias. P01: [00:04:42] Essa relação (+) é::: professor-aluno, ela vai alé::m das pare- des da escola. Num estão na sa/ apenas na sala de aula. Como a gente já tinha essa relação, muito pró::xima. Eu deixo eles muito a vontade pra perguntar pra dizer interage sobre temas sociais, atuais. Cinco minutos antes de ter- minar minha aula eu tô sempre interagindo o que que tá acontecendo no mu:::ndo. E qual os elos que isso pode fazer com minha discipli::na, ou com outras discipli::nas. Como isso pode ocasionar é:: que causas isso pode acon- tecer, as possibilidades e desafios pra socieda::de. P05: [00:12:50] Eu tinha um grupo de alunos com os quais eu tive baixíssimo nível de contato (++), alunos que que pra obter alguma resposta de alguma atividade é:: eu precisei fora dos espaços da aula é:: procurar o aluno pesso- almente, pessoalmente assim através do e-mail, através do WhatsApp. P05: [00:18:12] É:: (++) a interação com os alunos entre sí eu não consegui superar muito, foi, do ponto de vista do desafio pessoal de de profissional, esse foi o meu maior obstáculo esse ano. É:: eu:: (++) eu sabia que eu poderia fazer seminários onde vocês, os alunos, é:: pudessem apresentar os temas numa sala da aula numa virtual tudinho, mas eu não consegui é:: ou apren- der a a:: as sutilezas da técnica de um seminário on-line apresentado on- line, de uma sala né de um de um de um bate papo on-line com os alunos, 116 • Psicologia na Escola em Tempos de Pandemia: práticas e reflexões eu não consegui dominar as sutilezas desse trabalho específico, [...] é acabei é:: (++) ficando digamos assim mais (+) mais restrito. P07: [00:21:58] Eu acho que a mais importante... ((E)) que houve ali no::/ na nossa instituição eh::: é o contato direto com os pais, sabe? A a:: companhia de aluno, o pessoal da psico ((psicopedagogia)), da SAEE ((Seção de Apoio de Educacional Especializado)) ele tem/ mantém um contato contínuo quando a gente percebe a dificuldade de um aluno. Claro que ele não vai ter contato com todos. E isso a gente só percebi quando o aluno tirava uma nota baixa ou quando não tava participando. As percepções dos professores e estudantes foram seguidas de um conjunto de dificuldades e necessidades (Figura 2). Algumas das quais, principalmente, relacionadas ao processo de adaptação ao ensino re- moto mediado por tecnologias. Figura 2 Dores e necessidades identificadas no uso do ambiente virtual Nota: necessidades (materiais, interação, comunicação, estudos, acessibilidade, avaliativas) Aluísio Pereira; Andressa Gonçalves; Iasmin Maciel; Sandra Silva; Ronaldo Melo Júnior • 117 As dificuldades e necessidades ressaltadas estavam diretamente li- gadas aos fatores estruturais dos ambientes virtuais para mediar às interações entre alunos e professores. A01: [00:02:44] Na parte da interação com o professor minha maior dificul- dade foi o tempo de resposta. Do professor demorar demais dentro da plataforma, né". (+) Na pla/ dentro da plataforma::: era um tempo de (+) um dia, três dias quando era mais rápido. E quando era mais demorado não res- pondia mesmo. A01: [00:20:18] A dificuldade que eu tive dentro da plataforma pra:: assim. Pra coisa assim do que você falou. Foi achar os conteúdos, (as atividades no Redu) [00:20:29] por que (inint) [00:20:33] que divide por ano. E as matérias são todos, cada uma. Mas, você tem que lá apertado doze, dezesseis abas pra achar um negocinho. Aí quando você tava lá na pressa pra achar o negócio rápido. Podia tá alí mais tu não enxergou. Aí perdeu. Aí perde prazo. (+) Aí isso é bem complicado do Redu, porque ele:: é:: muito grande muito abran- gente e pra achar uma coisa fica meio complicado de achar. A05: [00:00:56] Assim, é:: dificuldade:: nu é que às vezes tipo, eu tinha dú- vida num, por exemplo num slide que ele passou e tipo eu colocava o comentário da minha dúvida só que às vezes as pessoas respondiam, mas tipo, eu não sabia não chegava nenhum tipo notificação dai tipo eu fui apren/ daí algumascoisas tipo que eu tinha e ninguém tinha respondido dai quando eu vi no final desse ano responderam, mas eu não tinha visto. Ou seja, o contato foi muito difícil a não ser que:: tenha essas redes sociais mais (+) como posso dizer, mais fácil de se conversar com a pessoa. Embora, disponibilizada diversas funcionalidades, não foram evi- denciadas, sincronias nas interações. Fazendo com que os estudantes passassem necessitar mais de habilidades técnicas para lidar com os ambientes do que com atividades essencialmente de ensino-aprendiza- gem. O que acarretou demanda de tempo, conforme relatados pelos estudantes, para verificar novas postagens, materiais de aulas e novas 118 • Psicologia na Escola em Tempos de Pandemia: práticas e reflexões mensagens. Isso incorreu em situações de desatenção, ou seja, não sendo possível verificar postagens importantes do ponto de vista do conteúdo didático-pedagógico. Nesse sentido, paralelo ao uso do ambi- ente virtual, os estudantes e professores buscaram canais alternativos para interagirem: A01: [00:03:07] Aí o jeito [que da gente perguntar foi caçar o WhatsApp dos professores, né'. Aí eles respondiam co::m mais velocidade. A14: [00:04:30] Assim até mesmo dentro dos grupos de sala a gente mandava questão e perguntava como fazia isso aquilo, tinham pessoas específicas que respondiam dúvida dos alunos, (onde na gente) [00:04:38] mesmo entre os amigos, perguntava alguma coisa como é que fazia X questão etc., como é que desenvolve tal problema, como é que a gente pode melhorar os estudos etc. O que os permitiu tirarem proveito do que de melhor cada ferra- menta apresenta, conforme as necessidades dos estudantes, pois os estudantes possuem formas, ritmos e estilos de aprendizagem que po- dem ser diferentes. P01: [00:04:22] Tem gente que é auditivo, escuta e já pegou. Tem gente que é visual e auditivo. Tem gente que tem que ler, tem que ver, ouvir e escrever. [...] a teoria de Gardner ((Howard Gardner)) no processo de aprendizagem. [...] tinha alunos que diziam — Eu preciso ouvir a sua voz. Ele é auditivo. Ele não tinha só que ver. Ele tinha que ele tinha que ouvi::r. O aluno que é visual e auditivo, ele tinha que ver e ouvir minha voz também. — ((P01)) o(a) se- nhor(a) pode falar. (+) Né, ele tinha essa necessidade. Então quanto mais elementos eu tenho no processo de ensino-aprendizagem, no processo ava- liativo de forma geral. Mais o aluno tem subsídios de aprendizagem. É mais fácil é:: despertar esse interesse. P01: [00:28:59] Inicialmente eles tavam, porque alguns arquivos eles não conseguiam baixar, os arquivos, né. [...] Então, eu comecei a fazer de forma Aluísio Pereira; Andressa Gonçalves; Iasmin Maciel; Sandra Silva; Ronaldo Melo Júnior • 119 diferenciada. Eu comecei colocar o link pra ir pro Google/ o::: Google Drive. [...] Que o Moodle não acontece isso. Que é/ essas foi às dificuldades, muitas dificuldades que eu tive. Que no Moodle eu postava o aluno baixava. Ele bai- xava o vídeo, ele baixava o que ele quisesse. El/ ele tinha essa possibilidade de baixar o material pra estudo. A06: [00:04:06] Mas, a professora de português, ela tinha um grupo no WhatsApp que ela mandava o::s (+) as atividades, eh::, por exemplo, e aí fa- lava — Gente tá no Redu. Neste sentido, denotam-se diversos fatores que interferem no pro- cesso de adaptação dos estudantes e professores, desde infraestrutura propícia nas residências para atividades remotas (estudantes que não dispõem de dispositivos para acompanhar as práticas escolares), auto- nomia e autorregulação da aprendizagem até comunicação e interação ineficaz ou insuficiente entre estudantes e professores. Para isso, Ron- dini et al. (2020) destaca as consequências da desigualdade social dos estudantes, que impossibilita o acesso e o aprendizado mais democrá- tico e autônomo e o aumento considerável da jornada de trabalho dos professores nas atividades on-line. A demanda de habilidades técnicas necessárias para manuseio das tecnologias disponíveis, análogo ao en- fatizado por Dias-Trindade et al. (2020), que dizem respeitos à competência digital docente e estudantes. Evidenciando-se a necessi- dade de inclusão digital nos contextos escolar e familiar. Além disso, para atender às necessidades de estudantes e professores habituados ao ensino em que as tecnologias digitais não são tradicionalmente utiliza- das, demandam-se planejamento, mudanças estruturais e abordagens didático-pedagógicas que resultem em melhorias nas plataformas uti- lizadas. 120 • Psicologia na Escola em Tempos de Pandemia: práticas e reflexões CONSIDERAÇÕES O estudo nos permitiu analisar a percepção e necessidades de pro- fessores e estudantes de uma instituição de ensino da Educação Básica sobre o aprendizado remoto. A partir dos relatos denotaram-se intera- ções entre estudantes e professores mediadas por diversas tecnologias (oficiais e não oficiais). Embora o ambiente virtual fosse oficialmente estimulado pela instituição de ensino, a procura por canais externos desta a necessidade de trabalhar com plataforma que não demandem de habilidades técnicas específicas, priorizando a familiaridade e permi- tindo se concentrarem no ensino-aprendizagem. Constatou-se uma necessidade ainda emergente de adaptação às tecnologias sendo pro- missor, nesse caso, ampliar as estratégias didático-pedagógicas de acesso e inclusão digital. As estratégias promovidas pela rede social educativa, em alguns casos, não se mostraram adequadas em atender a comunicação entre professores e estudantes. Esses resultados contri- buem no design de recursos para esses ambientes virtuais, que permita mitigar, também, as necessidades individuais e coletivas, e proporcio- nar entregas personalizadas conforme o ritmo, maneira e estilo de aprendizado. Algumas das limitações deste estudo estão relacionadas à triangu- lação dos dados para melhor compreender as percepções e necessidades dos professores e estudantes. Nesse sentido, ampliar o entendimento do fenômeno de estudo através do uso de outras abordagens e técnicas de pesquisa permitirá uma compreensão das estratégias e dimensões de atividades remotas ou mediadas por tecnologias. A utilização de técni- cas como, por exemplo, grupos focais, estudos de casos, podem compor ao entendimento e resultados deste estudo. Aluísio Pereira; Andressa Gonçalves; Iasmin Maciel; Sandra Silva; Ronaldo Melo Júnior • 121 REFERÊNCIAS Abreu, J., Claudeivan, L., Veloso, F., & Gomes, A. S. (2011). Análise das práticas de colaboração e comunicação: estudo de caso utilizando a Rede Social Educativa Redu. In Anais do Workshop de Informática na Escola (Vol. 1, No. 1, pp. 1246-1255). Disponível: http://br-ie.org/pub/index.php/wie/article/view/1965 Álvarez-Álvarez, C. (2021, February). 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O acompanhante atua, de modo geral, como um mediador nas interações vivenciadas pelo es- tudante no contexto escolar, assim como na relação do aluno com os processos de aprendizagem, contribuindo para o enfrentamento dos de- safios apresentados pela experiência educacional (Assali et al., 1999; Fráguas & Berlinck, 2001; Gavioli, Ranoya e Abbamonte, 2002;Matos & Diniz, 2014; Nascimento, 2015; Spagnuolo, 2017; Nascimento et al., 2019; Nascimento, 2019). O Acompanhamento Terapêutico Escolar (ATE) de estudantes em situação de inclusão, principalmente aqueles diagnosticados com o Transtorno do Espectro Autista (TEA), é uma das práticas extensionistas realizadas em escolas públicas, no município de Salvador (Bahia), pelo Grupo de Pesquisa e Extensão intitulado “Intervenções em Psicologia 126 • Psicologia na Escola em Tempos de Pandemia: práticas e reflexões Cultural: Cultura, Linguagem, Transições e Trajetórias Desenvolvimen- tais” (CULTS), vinculado ao Instituto de Psicologia da Universidade Federal da Bahia (IPS/UFBA). O ATE assume uma perspectiva que consi- dera a inclusão como uma prática fundamental no cotidiano das escolas e da sociedade. Com a emergência da pandemia do novo coronavírus (Sars-Cov-2 ou Covid-19), o CULTS assumiu o compromisso de continuar com as ati- vidades de extensão e tentou contemplar o tripé estudante, escola e família. Assim, foi necessário o planejamento de estratégias para esse novo cenário pandêmico. Nesse sentido, foi importante uma reinvenção das atividades de acompanhamento que antes eram pautadas na pre- sença física, considerando as novas demandas, como a necessidade de um contato mais próximo com as famílias e um trabalho específico vol- tado para as professoras e os atores escolares. Desse modo, considera-se importante explicitar, brevemente, como se caracteriza o Acompanhamento Terapêutico Escolar, bem como trazer algumas reflexões sobre o contexto pandêmico no campo da educação. Após tal contextualização, será apresentado o relato das reinvenções da prática envolvendo a atuação das acompanhantes com os estudantes. 2. ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO ESCOLAR: CARACTERÍSTICAS E ESPECIFICIDADES DE UMA ATUAÇÃO INCLUSIVA O Acompanhamento Terapêutico Escolar é uma atuação que tem se articulado às práticas inclusivas, sendo o acompanhante um mediador dos processos e vivências do estudante em situação de inclusão escolar. A prática do Acompanhamento Terapêutico (AT) teve início na década de 1970, no contexto da Saúde Mental, sendo caracterizada pela atuação Verônica Nascimento; Niara Querino; Maria Dazzani; Ana Teixeira; Maéve Silva • 127 fora dos muros institucionais, objetivando devolver a circulação da vida no contexto social a pacientes com graves sofrimentos psíquicos que vi- viam isolados e trancafiados em manicômios (Parra, 2009; Nascimento, 2015). Parra (2009) destaca que o AT com crianças com sofrimento psí- quico grave tem início através dos encaminhamentos realizados pelas escolas aos serviços de saúde a partir das demandas de queixa escolar. Vemos, então, a presença do AT no campo da saúde mental infanto-ju- venil e, como afirma Fráguas (2004), a sua consequente inserção no contexto educacional como um recurso auxiliar no processo inclusivo. Nasce, assim, o Acompanhamento Terapêutico Escolar (ATE). De acordo com Gavioli et al. (2002), o termo ATE parece sustentar as características essenciais do AT: escutar, dar voz e encaminhar in locus as saídas sin- gulares encontradas por cada sujeito frente aos diversos impasses enfrentados no laço social. Dentro do contexto escolar, o AT ganha um formato de atuação di- ferenciado, pois é atravessado, também, pela dimensão pedagógica. Assim, o ATE exerce uma função situada no “entre”, ou seja, atua entre o campo pedagógico e o campo terapêutico (Fráguas & Berlinck, 2001). Para Coelho (2007), o ATE transita entre uma postura pedagógica e uma postura terapêutica. Nascimento et al (2019) apontam para a importân- cia do acompanhante enquanto um mediador, considerando a concepção vygotskyana de mediação. As autoras, sustentadas nos argu- mentos de Matos e Diniz (2014), abordam que, ao mediar a relação do aluno com os conhecimentos formais e informais da escola, além das relações estabelecidas dentro desse espaço, o acompanhante consegue não somente contribuir para o processo da aprendizagem, mas também para a formação da consciência dos estudantes. Considerando que os instrumentos servem como elementos mediadores na relação entre o 128 • Psicologia na Escola em Tempos de Pandemia: práticas e reflexões sujeito e o mundo, auxiliando no aprendizado do chamado material cul- tural - de um nível interpsicológico (compartilhado socialmente) para outro intrapsicológico (internalizado pelo sujeito) -, é possível compre- ender que o acompanhante pode funcionar, em muitos momentos, como um instrumento significativo que realiza essa mediação. Vale ressaltar que não há um lugar/espaço específico para a atua- ção do ATE. Como Fráguas e Berlinck (2001) explicitam, o trabalho do acompanhante consiste em estar com a criança nos diversos lugares do espaço escolar - dentro e fora da sala de aula - investindo na tentativa de integrá-la ao grupo de pares e envolvê-la com as atividades propos- tas pelos professores, observando e respeitando seus limites e suas potencialidades. Para ilustrar tais considerações, vale apresentar um trecho do registro das impressões dos acompanhantes do grupo de ex- tensão: “Não há um espaço para a ATE. Todos os espaços são possíveis e passíveis de reconfiguração. A gente sobrevive da leveza vincular. De saber que isso é importante e intangível”. (A) (Nascimento et al., 2020, p. 138) Considerando o aspecto vincular mencionado, destaca-se que o acompanhante trabalha entre a criança e as outras crianças, entre a cri- ança e a professora, entre a criança e a escola e, em alguns casos, entre a criança e a família (Nascimento, 2015). Nesse lugar do “entre”, há o investimento na criação de vínculos entre a criança acompanhada e os demais atores escolares. Para isso, é extremamente relevante se relaci- onar diretamente com o estudante para construir, primeiramente, uma relação significativa com ele, conhecendo seu jeito, suas características, suas escolhas e suas peculiaridades, muito além dos elementos genéri- cos do diagnóstico e daqueles relatos, muitas vezes, transmitidos pela Verônica Nascimento; Niara Querino; Maria Dazzani; Ana Teixeira; Maéve Silva • 129 escola. Tais aspectos podem ser notados nas impressões relatadas pelas acompanhantes (Nascimento et al., 2020, p. 135/138): É importante ter um olhar que amplie, que sustente a aposte no sujeito, e que se dê conta, a cada encontro, que é preciso um alto investimento na construção do vínculo com a criança, de que é preciso o desejo de estar na- quele lugar e viver situações surpreendentes e inimagináveis. (N) A partir daí, comecei a lidar com as demandas e expectativas vindas da es- cola. Em contraponto, estava a necessidade de olhar por conta própria e conhecer essa criança com outros olhos para poder enxergar outras possi- bilidades além do discurso da escola. (A) Além disso, o acompanhante terapêutico escolar realiza sua prática em constante diálogo com a professora de referência para o estudante (Nascimento, 2019). Tal diálogo tem o intuito de escutar a professora, conhecer suas crenças e impasses, aprender aspectos relevantes do con- texto educacional e ampliar o seu olhar sobre aspectos subjetivos que extrapolam ou se articulam à dimensão pedagógica, possibilitando des- construções sobre o estudante e o seu processo inclusivo. Isso se estende para todos os atores escolares que participam do cotidiano dos estudantes: coordenadoras, diretoras, porteiros, secretárias etc. Nesse sentido, é fundamental criar a possibilidade para que as per- guntas e dúvidas sobre o aluno e sobre o processo inclusivo tenham espaço e circulem (Nascimento, 2015). Do mesmo modo, é imprescindí- vel que o acompanhante possa produzir questões na escola (Gavioli et al., 2002). Segundo Nascimento (2015), produzir questões na escola sig- nifica promover uma abertura para o diálogo que envolve e possibilita uma implicação subjetiva.Isso não é realizado a partir de orientações e prescrições sobre como os professores devem atuar, mas sim, através de reflexões e condução de questionamentos de forma a permitir que os 130 • Psicologia na Escola em Tempos de Pandemia: práticas e reflexões atores escolares se interroguem sobre suas próprias práticas para a construção de algo produtivo e criativo com suas próprias perguntas e inquietações (Spagnuolo, 2017). 3. PANDEMIA E EDUCAÇÃO: O IMPERATIVO DO ISOLAMENTO SOCIAL A pandemia transformou os mais diversos setores da sociedade e o campo da educação sentiu o impacto provocado pela necessária adapta- ção ao novo contexto. Estudantes, professoras e demais atores escolares foram atingidos diretamente pela necessidade de isolamento e/ou dis- tanciamento social. Houve o fechamento de escolas e a consequente busca por estratégias para lidar com os desafios relacionados aos pro- cessos educacionais no período da pandemia (Vieira & Silva, 2020). Em uma das escolas parceiras do projeto de extensão, assim como em várias outras, as atividades pedagógicas passaram, inicialmente, a ser entregues às famílias para que os estudantes pudessem realizá-las em casa. Eles também recebiam uma cesta básica e as aulas passaram a acontecer no formato remoto, fazendo com que os professores e os pais se reinventassem. Foi um momento de ajustes, de aprendizagens com os recursos digitais, de aproximação entre algumas famílias e a equipe escolar através da troca de mensagens por aplicativo de conversas, mas, ao mesmo tempo, de distanciamento de muitas famílias em relação à escola. Pensando, sobretudo, na realidade da escola pública, é notório que existem estudantes que se encontram nas mais diversas condições fa- miliares e socioeconômicas, e que sequer têm acesso à internet. Nesse sentido, evidenciou-se que muitos desafios se intensificaram com o ce- nário pandêmico no contexto brasileiro, o que exigiu do grupo de Verônica Nascimento; Niara Querino; Maria Dazzani; Ana Teixeira; Maéve Silva • 131 extensão um novo modo de atuação que possibilitasse a manutenção do vínculo com as escolas, com os estudantes e com os familiares, de ma- neira a preservar a continuidade das suas ações. Foi nesse esforço e desejo de dar continuidade a atuação do ATE na trajetória dos estudan- tes, que um novo ciclo de atuação foi sendo construído, instituindo novas práticas. 4. AS REINVENÇÕES DA PRÁTICA: ADAPTAÇÕES E ESTRATÉGIAS ENCONTRADAS NA ATUAÇÃO DO ATE A pandemia da Covid-19 demandou que adaptações e estratégias fossem encontradas para a continuidade das atividades do ATE. Por um período, houve investimento nos estudos teóricos e, no decorrer das reuniões e supervisões semanais no CULTS, avaliou-se como seria pos- sível reinventar o acompanhamento diante dessa nova realidade. No que diz respeito às crianças em situação de inclusão escolar acompa- nhadas pelo grupo de extensão, manter o acompanhamento significou adaptar manejos e pensar em estratégias para ofertar um suporte pos- sível para os estudantes, suas famílias e a escola nesse momento pandêmico, assim como assegurar o vínculo com a instituição educaci- onal de modo a sustentar, de alguma forma, a prática inclusiva. 4.1 CONTATO E INTERAÇÃO ATRAVÉS DAS TELAS Para a continuidade da aprendizagem de uma das crianças acom- panhadas pelo ATE, houve tanto um movimento por parte da professora, que enviava atividades adaptadas, quanto por parte da mãe, a qual tentava garantir que ela iria cumpri-las. Entretanto, inicial- mente, a interação da criança era unicamente com seu núcleo familiar, 132 • Psicologia na Escola em Tempos de Pandemia: práticas e reflexões não sendo ampliada para o contato com outras crianças, tal como man- tinha na escola, por exemplo. Dessa forma, a acompanhante tentou se aproximar da família, através da troca de mensagens por aplicativo de conversas, com o intuito de saber como esses estavam lidando com o distanciamento social e para promover outras possibilidades de intera- ção para a criança. A tela surgiu, então, como um recurso interativo importante nesse momento. Foram realizadas videochamadas previamente agendadas com os pais ou responsáveis pela criança. Na primeira videochamada com a criança e sua mãe, foi observado o quanto a criança ficou atenta à tela do celular e encarou a acompanhante e a supervisora, mostrando um possível reconhecimento. Em uma das videochamadas, a professora do estudante participou e houve uma significativa troca de informações com a mãe da criança, sendo fundamental para o fortalecimento da re- lação família-escola. Os contatos mediados pelas telas aconteceram com todos os estu- dantes e famílias acompanhados pelo grupo de extensão. A partir desses contatos, o grupo começou a entender como estava funcionando a nova realidade e rotina das crianças e das suas respectivas famílias. Já nos primeiros contatos, notou-se a importância de dar continuidade ao vín- culo estabelecido com as crianças. Assim, o grupo pensou na elaboração de um vídeo feito por cada acompanhante, com aspectos do interesse dos estudantes, como forma de mostrar presença, mesmo de modo dis- tante, e estabelecer alguma conexão com esse público. A criança mencionada, por exemplo, gostava do musical infantil “Galinha Pintadinha” e de objetos redondos, principalmente de tampas. Então, foi gravado um vídeo com a música “Mariana” e, a cada número cantado, foram mostradas as quantidades de tampinhas Verônica Nascimento; Niara Querino; Maria Dazzani; Ana Teixeira; Maéve Silva • 133 correspondentes. Depois de algum tempo, a responsável pela criança compartilhou com a acompanhante e com a sua supervisora vídeos nos quais a criança realizava atividades, tanto elaboradas pela escola quanto pela própria responsável. Esse gesto revelou, para o grupo, a importân- cia dos contatos e da intervenção para a continuidade do investimento no processo educacional da criança naquele momento. Outro ponto relevante a ser destacado, é que o grupo de extensão se manteve disponível para o acolhimento das famílias, não no enqua- dre psicoterapêutico, mas como um espaço de escuta qualificada diante das dificuldades enfrentadas para lidar com a pandemia e com as mu- danças necessárias nesse período. Neste sentido, a partir das considerações de Matos e Diniz (2014), compreende-se que o acompa- nhamento funcionou, de alguma forma, como um instrumento significativo para a mediação entre o sujeito e o mundo – o que acontece socialmente – contribuindo para as aprendizagens do material cultural e possíveis elaborações, através da escuta e diálogo, em um movimento que ocorre do nível interpsicológico para o intrapsicológico. 4.2 DO TOQUE AO TOUCH No contexto pandêmico, o contato físico com diversas pessoas - o toque - foi interditado, restando a alternativa das telas, mediadas sim- bolicamente pelo touch(screen). Essa experiência mostrou-se marcante no processo de um dos estudantes acompanhados, cujo Acompanha- mento Terapêutico Escolar (ATE) teve início na segunda metade de 2019, em um contexto pré-pandêmico de aulas presenciais em que o contato físico fazia parte das relações, ao contrário do isolamento e do distan- ciamento social, das máscaras e do álcool em gel do contexto atual. 134 • Psicologia na Escola em Tempos de Pandemia: práticas e reflexões Nesse período, os primeiros contatos entre a estudante e a acompa- nhante foram marcados pelos toques e afetos – desde os longos olhares que expressavam o início da construção de um vínculo até os carinhos e o dar as mãos, como é possível observar na Figura 1. Essa foi a forma de expressão e comunicação que permaneceu ao longo dos encontros pre- senciais. A estudante, apesar de pouco oralizada, utilizava, para se comunicar, os toques e até puxões bruscos de quem tem desejos e não- desejos, mostrando ser um sujeito e nãoum objeto passivo, e que quer se expressar. Entretanto, pouco tempo depois do retorno às aulas, no início de 2020, a pandemia chegou ao Brasil e as medidas de segurança passaram a ser efetivadas, inclusive o isolamento social. Diante disso, iniciou-se o contato virtual com a família da estudante, mesmo em meio aos questi- onamentos sobre a receptividade e sobre a situação familiar durante esse período de isolamento, mas apostando no contato para mostrar presença frente às mudanças e incertezas. De início, a comunicação foi feita por trocas de mensagens de texto, que evoluíram para trocas de vídeos e videochamadas. Durante esse processo, um dos responsáveis pela estudante aderiu à proposta com muito interesse e engajamento. Mesmo com as dificuldades com as tecnologias utilizadas, ele se mostrou disposto a aprender, pedindo au- xílio da família e se mostrando empolgado com o contato. Como forma de aproximação e contextualização, mediando a relação entre o sujeito e o que acontece ao seu redor, a extensionista acompanhante gravou um vídeo apresentando o uso da máscara, mostrando imagens de persona- gens infantis de preferência da estudante utilizando máscara, como pode ser visto na Figura 2. A extensionista também retratou a si mesma usando esse acessório. Verônica Nascimento; Niara Querino; Maria Dazzani; Ana Teixeira; Maéve Silva • 135 Em outro vídeo, sendo esse um contato mais lúdico, a acompa- nhante contou história, utilizando imagens e vídeos de um desenho com o qual a criança acompanhada já era familiarizada. Essa ação foi, inclu- sive, muito bem recebida pela estudante em acompanhamento, pois mesmo sendo um vídeo longo de 15 minutos, a cuidadora responsável relatou que a criança o assistiu por inteiro, ao mesmo tempo em que sorria. Esse foi um dos momentos em que foi percebida uma recepção positiva da nova maneira de acompanhamento, contrariando os temo- res debatidos em orientação/supervisão pela nova forma de relação sem toque, mas feita através do touch. 136 • Psicologia na Escola em Tempos de Pandemia: práticas e reflexões Da sua forma, a estudante acompanhada demonstrava valorizar os momentos de videochamadas que passaram a ser feitas de forma regu- lar, se dirigindo ao celular, sorrindo, falando e até mesmo se arrumando previamente, com o apoio familiar, ao saber que haveria chamada. Nes- sas interações, foi possível conhecer uma nova faceta da estudante, a qual se aproximava do período da adolescência, diferente daquela co- nhecida na escola, mas em sua forma mais independente e carinhosa. Foi possível conhecer mais da sua relação com a família e até mesmo o seu modo de fazer as atividades em casa. Inclusive, contrariando as ex- pectativas de “perdas” ocasionadas pelo contexto de isolamento, a estudante passou a se comunicar mais oralmente nesse período, possi- velmente pelos estímulos das chamadas, mas também pelo atendimento realizado com a fonoaudióloga e, principalmente, pelo contato mais próximo com os familiares. É válido ressaltar que, com o retorno promissor das videochama- das entre a cuidadora responsável, a estudante, a acompanhante e sua supervisora, algumas representantes da escola (a professora da turma, a professora do AEE e a diretora da escola) passaram a ser convidadas para integrar esses momentos. Com a acolhida da proposta, as mesmas passaram a participar de forma regular das videochamadas, que ocor- reram ora em intervalos quinzenais ora semanais, dependendo das demandas e da disponibilidade das participantes no período. Esse mo- mento acabou se mostrando como um importante espaço de troca, sendo um local para expressar algumas angústias, as novidades da es- cola, as possibilidades de retorno presencial e como uma forma de ter algum contato. Tal aspecto foi salientado pelas professoras, visto que elas não estavam tendo qualquer outra interação mais direta com os Verônica Nascimento; Niara Querino; Maria Dazzani; Ana Teixeira; Maéve Silva • 137 seus alunos (exceto a diretora, que tinha um breve contato por entregar presencialmente as cestas básicas na escola). No decorrer desse processo, as professoras produziam as ativida- des, que eram entregues na escola, e recebiam a devolutiva virtualmente para correção, geralmente tendo apenas uma breve troca com os res- ponsáveis, mas não diretamente com os seus respectivos alunos. Em certo momento, com o avanço das videochamadas, a professora da turma tomou a iniciativa de promover uma interação entre a estudante e algumas das suas colegas de turma, visto que isso não acontecia desde os encontros presenciais, atuando como uma ponte para uma forma de contato entre elas. Essa ação pode representar uma implicação subjetiva importante da professora em sua prática. Nota-se que o acompanha- mento atuando “entre” a estudante, a família e a escola (Nascimento, 2015), através das videochamadas, pode ter produzido questões e refle- xões para a professora, possibilitando que a mesma se interrogasse sobre sua própria prática e construísse, a partir disso, algo produtivo e criativo com as suas inquietações, como menciona Spagnuolo (2017). 4.3 AS POSSIBILIDADES DE UM ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO: DO VIRTUAL AO LAR Um dos estudantes acompanhados pelo ATE possui um vínculo de 8 anos com o grupo de extensão. Diferentes extensionistas o acompa- nharam ao longo do processo. Agora o estudante é um jovem adulto. No início do ano de 2020, o estudante começaria a ser acompanhado em sua escola por uma nova acompanhante terapêutica escolar, porém, com a chegada da pandemia, esse acabou não comparecendo à escola e nem tendo a oportunidade de conhecer a acompanhante terapêutica escolar pessoalmente ao longo do ano. Dessa forma, ficou estabelecido no grupo 138 • Psicologia na Escola em Tempos de Pandemia: práticas e reflexões de extensão que a acompanhante passaria a entrar em contato com ele e sua cuidadora responsável de forma virtual, por mensagens de texto, mensagens de áudio ou até mesmo videochamadas. A primeira vez que o jovem e a acompanhante terapêutica escolar se viram em tempo real foi durante a realização de uma videochamada, na qual a cuidadora responsável também se encontrava, sendo bastante participativa, frequentemente intermediando a conversa entre ele e a acompanhante. Na conversa, foi possível conhecer um pouco mais sobre o seu dia a dia, sobre seus hobbies, sobre seus gostos por filmes, entre outros, o que permitiu uma aproximação inicial com a acompanhante. Assim, ficou combinado que, ao longo do ano de 2020, seriam realizadas videochamadas entre o estudante, sua cuidadora, a acompanhante e sua supervisora. Inicialmente, estabeleceu-se que esses encontros aconte- ceriam semanalmente. No entanto, posteriormente, um novo acordo foi feito, pois observou-se que o trabalho funcionaria melhor com as vide- ochamadas sendo feitas a partir da disponibilidade do jovem e da sua cuidadora, tanto em termos de disponibilidade de tempo quanto de von- tade do estudante de participar desse momento, o que nem sempre era demonstrado por ele. Quando ocorriam, os encontros duravam entre 15 e 30 minutos, dentro dos limites que o jovem acompanhado conseguia sustentar no momento. É importante destacar que não existia um planejamento rígido acerca do que seria abordado nas videochamadas, já que o principal pro- pósito era conhecer o estudante, a sua cuidadora, o seu dia a dia, do que ele gostava e do que não gostava, e, a partir daí, tentar uma aproxima- ção, levando para o acompanhamento terapêutico elementos com os quais ele se identificasse. Exemplo disso foi verificado no que relatou o jovem acerca de animações cinematográficas de sua preferência, como Verônica Nascimento; Niara Querino; Maria Dazzani; Ana Teixeira; Maéve Silva • 139 “Procurando o Nemo” e “Shrek”. Assim, como uma tentativa de aproxi- mação com o educando,a acompanhante gravou um vídeo contando a história do filme “Procurando o Nemo”, utilizando objetos para repre- sentar os personagens. A cuidadora recebeu o vídeo por um aplicativo de conversas e mostrou para ele. Os contatos por meio das videochamadas foram importantes para a acompanhante se aproximar do estudante de alguma forma, para sus- tentar uma relação, mesmo que mínima, com algo que representasse a escola e manter o vínculo com o grupo de extensão, além de ofertar um acolhimento à família. Em um determinado momento, porém, o jovem acompanhado demonstrou não desejar mais realizar esse tipo de encon- tro, o que foi transmitido ao grupo pela cuidadora. Foi solicitado, assim, que ele mesmo falasse sobre esse desejo de interromper o contato por vídeo. Com isso, o próprio estudante enviou um áudio, com o suporte da cuidadora, comunicando a sua decisão. Dessa forma, o grupo respeitou seu desejo e continuou ofertando o espaço de escuta e contato para a sua cuidadora. No ano de 2021, o jovem adulto acompanhado passou por um pro- cesso de mudança de escola, no sentido da matrícula, mas não ainda com o retorno da experiência escolar, mesmo que remota. Durante o período pandêmico, esse estudante recebeu pouco investimento do espaço esco- lar. Além disso, estava apresentando uma recusa muito forte para sair de casa, em um momento em que isso já se mostrava possível e neces- sário. Dessa forma, o grupo de extensão identificou a necessidade de uma adaptação do acompanhamento terapêutico escolar. Pensou-se em supervisão, na possibilidade da realização do Acompanhamento Tera- pêutico presencial e fora do espaço da escola, resgatando as características iniciais da prática do AT. Foi proposto, assim, para ele e 140 • Psicologia na Escola em Tempos de Pandemia: práticas e reflexões para sua cuidadora que o acompanhamento fosse realizado inicialmente no espaço da casa do estudante. O objetivo foi buscar uma aproximação pela via presencial, trabalhar a questão do sair de casa e sustentar, de alguma forma, o seu processo de inclusão escolar, sendo a acompa- nhante uma representante do importante investimento na experiência de escolarização. Assim, a partir do acordo realizado entre os três envolvidos, ficou decidido que seria iniciado o acompanhamento terapêutico domiciliar, e que este seria realizado quinzenalmente. Essa periodicidade foi esta- belecida devido à disponibilidade de todos os interessados no processo. Assim como as videochamadas, o acompanhamento terapêutico domi- ciliar presencial não possuiu um planejamento rígido acerca do que seria realizado a cada encontro, mas, sim, ofereceu a acompanhante uma oportunidade para trabalhar com o que surgisse no momento do acompanhamento, a partir dos diálogos, das trocas, das experiências vi- vidas entre os envolvidos nos encontros. Após a realização de dois acompanhamentos terapêuticos domici- liares feitos de forma quinzenal, foi pensada a possibilidade de que os encontros passassem a acontecer semanalmente, e tanto a acompa- nhante como o estudante e sua cuidadora concordaram em se disponibilizar nessa periodicidade. Entretanto, em algumas semanas, devido a questões particulares do estudante e de sua cuidadora, houve indisponibilidade destes e não foi possível realizar o AT. Assim, ao todo, entre os meses de setembro e novembro de 2021, foram realizados cinco encontros na casa do estudante, o que possibilitou a formação de um vínculo entre ele e a acompanhante, mas também entre esta e a cuida- dora responsável. Ao longo dos encontros, a acompanhante buscava conhecer melhor a rotina dele, e o jovem, da sua forma, compartilhava Verônica Nascimento; Niara Querino; Maria Dazzani; Ana Teixeira; Maéve Silva • 141 sua vivência e interagia com ela. Os acompanhamentos duravam cerca de uma hora, que era o período em que o estudante se sentia confortável para estar dentro do processo. Em alguns dias, os avós dele também es- tavam presentes, o que tornou possível uma aproximação ainda maior entre a acompanhante terapêutica e a família do estudante acompa- nhado, uma vez que o Acompanhamento Terapêutico não se limita à relação entre acompanhante e o indivíduo. Pelo contrário, o acompa- nhante atua “entre” o sujeito e os outros com os quais ele se relaciona (Nascimento, 2015). A acompanhante terapêutica realizou algumas outras apostas de aproximação com o estudante. Sabendo que o filme do “Shrek” era um dos seus preferidos, levou desenhos de personagens do filme para ele colorir ou fazer o que quisesse com os desenhos. Um outro aspecto in- teressante observado foi que o jovem demonstrou ter muito interesse por números. Percebendo essa disposição, a acompanhante levou nú- meros impressos, porém sem nenhuma dinâmica pré-definida, até mesmo para que ele não confundisse o acompanhamento terapêutico com demandas de atividades escolares. Os números impressos foram importantes para a aproximação e início de uma relação entre o estu- dante e a acompanhante terapêutica. A cada dia em que essa ação era repetida, ele pedia que na vez seguinte a acompanhante levasse núme- ros impressos ainda mais altos. É interessante notar que a acompanhante percebeu um ponto de interesse para se relacionar e sus- tentar o contato com alguns conteúdos de aprendizagem; e, o acompanhado, percebeu que poderia demandar algo dela, investindo, para ambos, em um desafio cognitivo relevante - números mais altos. Além disso, outra preferência demonstrada pelo estudante era a de fotografar, por isso tirou diversas fotos ao longo do acompanhamento, 142 • Psicologia na Escola em Tempos de Pandemia: práticas e reflexões tanto da sua própria casa quanto dos seus brinquedos e até mesmo da acompanhante. Outro momento agradável foi a troca de experiências entre a acompanhante e o acompanhado. Sabendo da relação do estu- dante com as diversas formas de arte, a acompanhante, que trabalhava produzindo quadros de madeira, prego e linha, mais conhecido como String Art, levou um dos seus quadros para o jovem acompanhado co- nhecer, e ele prontamente se dispôs a tirar fotografias do quadro. Paralelo a isso, o avô do rapaz, marceneiro, fez um quadro de madeira e prego para seu neto, de forma que, no acompanhamento, ele pôde brin- car com as linhas no quadro, amarrando-as nos pregos. Dessa forma, entre apostas e tentativas, o acompanhamento tera- pêutico domiciliar foi sendo construído com o estudante e com a sua família. O acompanhado, dentro das suas possibilidades e desejo, foi se vinculando ao processo, demonstrando e realizando suas amarrações de “linhas” com a acompanhante, a cuidadora, o avô, a aprendizagem esco- lar, os números, a fotografia, a arte, a possibilidade de relacionar-se, entre outras. CONSIDERAÇÕES FINAIS Apesar do momento de incertezas, de abalos físicos, psicológicos e econômicos ocasionados pela pandemia da Covid-19, observou-se a po- tencialidade da reinvenção de uma prática já estabelecida, o Acompanhamento Terapêutico Escolar. Foi possível identificar os efei- tos significativos dos contatos realizados com os estudantes, as famílias e os atores escolares através das videochamadas. E ainda, a importância das discussões e reavaliações feitas em reuniões posteriores entre acompanhantes e supervisoras, observando que os contatos Verônica Nascimento; Niara Querino; Maria Dazzani; Ana Teixeira; Maéve Silva • 143 provocaram repercussões interessantes não apenas para os estudantes acompanhados, famílias e escola, mas também para as extensionistas e supervisoras, sendo um espaço de troca, de presença e escuta qualifi- cada. Considera-se, a partir do que foi vivenciado pelo grupo de extensão, que adaptar o ATE possibilitou experiências de grande apren- dizado e crescimento para todos os envolvidos. REFERÊNCIAS Assali, A. M., Rizzo, C., Abbamonte, R. M., & Amâncio, V. (1999). O acompanhamentoterapêutico na inclusão de crianças com distúrbios globais do desenvolvimento. In A psicanálise e os impasses da educação: Anais do Colóquio do Lugar de Vida (pp. 114- 121). São Paulo. Coelho, C. F. de M. (2007). Convivendo com Miguel e Mônica: uma proposta de acompanhamento terapêutico de crianças autistas (Dissertação de Mestrado). Universidade de Brasília, Brasília. Fráguas, V., & Berlinck, M. T. (2001). Entre o pedagógico e o terapêutico. algumas questões sobre o acompanhamento terapêutico dentro da escola. Estilos da Clínica: Revista sobre a Infância com Problemas, 6(11), 7-16. Recuperado de http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1415- 71282001000200002 Fráguas, V. (2004). Acompanhamento terapêutico com crianças: sobre a função terapêutica da construção do laço social. Revista Pediatria Moderna/Psicologia em Pediatria, 40(3), 120-124. Gavioli, C., Ranoya, F., & Abbamonte, R. A. (2002). A prática do acompanhamento educacional na inclusão escolar: do acompanhamento do aluno ao acompanhamento da escola. In Anais do 3o Colóquio do LEPSI IP/FE-USP (não paginado).São Paulo. Matos, A., & Diniz, A. (2014). Acompanhamento terapêutico e educação inclusiva: a voz dos ATs. In R. C. S. Souza, M. A. G. Bordas, & C. S. Santos (Orgs.), Formação de professores e cultura inclusiva (pp. 45-66). São Cristovão: UFS. 144 • Psicologia na Escola em Tempos de Pandemia: práticas e reflexões Nascimento, V. G. (2015). O Acompanhamento Terapêutico Escolar no processo de inclusão de uma criança autista. (Dissertação de Mestrado). Universidade Federal da Bahia, Salvador. Nascimento, V. G., Teixeira, A. M. B., Spada, A. A. S., Dazzani, M.V.M. (2019). Acompanhamento Terapêutico Escolar: uma atuação caracterizada pelo “entre”. Estilos da Clínica, 24(3), p. 445-457. Recuperado de https://www.revistas.usp.br/ estic/article/view/144142/158892 Nascimento, V. G. (2019). Por uma inclusão escolar artesanal: para além da técnica, uma ética educativa. (Tese de doutorado). Universidade Federal da Bahia, Salvador. Nascimento, V., Teixeira, A., Querino, N., Brito, M., Dazzani, M.V., Jesus Brito, N., Galvão, A., Souza, C., Almeida, L., Brandão, A.P., & Oliveira, H. (2020). Prática em inclusão escolar: vivências e relevância da extensão universitária. Interfaces - Revista De Extensão Da UFMG, 8(2), 129–164. Recuperado de https://periodicos.ufmg.br/ index.php/revistainterfaces/article/view/19537 Parra, L. S. (2009). Atando laços e desatando nós: reflexões sobre a função do acompanhamento terapêutico na inclusão de crianças autistas (Dissertação de Mestrado). Universidade de Brasília, Brasília Spagnuolo, L. S. (2017). Acompanhamento Terapêutico na escola: entre o educar e o analisar (Dissertação de Mestrado). Universidade de São Paulo, São Paulo. Vieira, M., & Silva, C. (2020). A Educação no contexto da pandemia de COVID-19: uma revisão sistemática de literatura. Revista Brasileira de Informática na Educação, 28, 1013-1031. doi: http://dx.doi.org/10.5753/rbie.2020.28.0.1013 http://dx.doi.org/10.5753/rbie.2020.28.0.1013 7 EMPATIA E DIVERSIDADE NA ESCOLA: O DESENVOLVIMENTO DE UMA CARTILHA PSICOEDUCATIVA EM TEMPOS DE COVID-19 Gabriel Tognon Barbara Bellato Regina Basso Zanon INTRODUÇÃO A abrupta chegada da pandemia causada pelo novo coronavírus (COVID-19) gerou transformações substanciais nas dinâmicas sociais, em todo o mundo (OPAS/OMS, 2019). No Brasil, a Portaria n. 454 de 20 de março de 2020 estabeleceu em diário oficial, pelo ministério da sa- úde, o distanciamento social, por meio do isolamento domiciliar, como medida preventiva não-farmacológica contra a propagação do vírus. Deste modo, surgiu a necessidade de transformar e de ampliar formas de comunicação e interação em diferentes esferas sociais, como ocorreu na maioria das instituições de ensino, que adaptaram suas atividades para um modelo remoto, envolvendo atividades síncronas e assíncro- nos. Nesse contexto, as Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TDIC) passaram a ser empregadas com maior frequência, em especial nos espaços acadêmicos, possibilitando o desenvolvimento de estratégias de aprendizagens ativas também em contextos não pre- senciais (Valente, 2014). O presente capítulo propõe apresentar uma experiência de estágio de núcleo comum (básico) realizada no curso de Psicologia da Universi- dade Federal da Grande Dourados (UFGD) que, conforme disposto em 146 • Psicologia na Escola em Tempos de Pandemia: práticas e reflexões seu Projeto Político Pedagógico - PPC da UFGD (2017), tem como objetivo desenvolver competências básicas no âmbito da observação, análise e avaliação, associadas à propostas de ensino, pesquisa e/ou extensão, de modo a integrar a teoria e a prática, proporcionando um conhecimento sobre os campos de atuação. Contudo, durante o contexto da pandemia, as propostas, o formato e os procedimentos do estágio tiveram que ser adaptados por parte dos supervisores, sendo as práticas e as supervisões realizadas, na maior parte do tempo, de modo remoto. A proposta que se seguiu, envolveu o desenvolvimento e validação de uma cartilha psi- coeducativa para trabalhar a empatia e a diversidade na escola em tempos de coronavírus (COVID-19). A construção deste material atendeu às demandas relacionadas à formação acadêmica dos estudantes, ao mesmo tempo em que apresentou relevância social, disponibilizando um material técnico digital destinado a professores do ensino funda- mental. Assim, a cartilha produzida pode fundamentar e instrumentalizar a atuação dos mesmos no sentido de exercitar em cri- anças/alunos a competência atitudinal de serem empáticas nas relações estabelecidas no ambiente escolar, apresentando possibilitando uma es- timulação de forma prática e dinâmica. Para tanto, o processo de desenvolvimento do material seguiu as seguintes etapas: 1) Delimitação do território (fundamentação teórica e pesquisa de levantamento online sobre vivências e narrativas no ambi- ente escolar); 2) Desenvolvimento da cartilha digital e apreciação de juízas; e 3) Aplicação prática/Divulgação e Avaliação do público-alvo (professor e crianças do ensino fundamental de uma escola pública do município de Deodápolis). A seguir, serão apresentados os detalhes me- todológicos e os principais resultados, por etapa, iniciando-se por uma breve contextualização da temática. Gabriel Tognon; Barbara Bellato; Regina Basso Zanon • 147 ETAPA 1: DELIMITAÇÃO DO TERRITÓRIO FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA Ao mesmo tempo que as medidas de distanciamento físico são cru- ciais para o controle de uma pandemia, elas geram impactos na qualidade de vida da população, realçando o fato de grande parte da po- pulação brasileira não ter a oportunidade de cumprir as medidas preventivas devido às assimetrias e desigualdades sociais (Godoi et al., 2021). Tal aspecto é evidente quando pensamos no (não) acesso ao con- texto escolar, que se trata de um espaço fundamental para a promoção e consolidação de competências cognitivas e sociais infantis (Borsa, 2007). A restrição de vivências e aprendizagens que o ensino remoto ocasionou na rotina escolar/domiciliar, sobretudo para as crianças da rede pública de ensino que se encontram em situações desprivilegiadas, ainda não foi devidamente mensurada na literatura. Porém, entende-se que o desenvolvimento de habilidades importantes para o desenvolvi- mento infantil, como é o caso da empatia, pode ter sido impactado neste período em parte pela impossibilidade de se conviver e trocar com ou- tras crianças e adultos no contexto escolar. Sobre este aspecto, Moreira da Silva e Ferreira (2014) destacam que a escola é um espaço onde convivem indivíduos de todos os tipos de ra- ças, culturas, crenças etc. É neste contexto rico de trocas e de diversidades humanas que a empatia pode se desenvolver. Para Lopes e Paula (2019), a empatia é, antes de tudo, umaatitude em relação ao ou- tro, sendo que nossas atitudes, comportamentos e condutas evidenciam as nossas singularidades enquanto indivíduos pertencentes a grupos e sociedades, revelando nossos modos de pensar, nossos sentimentos, as nossas opiniões, valores e, inclusive, as nossas necessidades individuais 148 • Psicologia na Escola em Tempos de Pandemia: práticas e reflexões e coletivas. Já Sampaio, Camino e Roazzi (2009) explicitam que a empatia envolve desde uma postura de escuta até a compreensão cognitiva ao tomar a perspetiva do outro, passando pelo aprofundamento emocional em que há a ampliação/entendimento da consciência do que é ser/estar no com o outro. Além disso, Bolognini (2008) destaca que só podemos conhecer e entender o outro a partir do nosso autoconhecimento que permite, consequentemente, nos diferenciarmos dos outros seres e ser- mos mais verdadeiramente empáticos. A empatia pode ser considerada uma competência socioemocional ligada a fatores formadores da personalidade, compreendendo aspectos sociais, culturais e associada positivamente com a socialização, a ética e a orientação coletivista, que podem ser trabalhadas no contexto plural de uma escola (Formiga, 2016). Vale dizer que o professor é um agente ativo fundamental no processo de formação do aluno. Sobre este as- pecto, Navarro Júnior et al. (2018) afirmam que a fim de desempenhar seu trabalho de forma positiva, é importante que os agentes educacio- nais circulem pelos diferentes espaços da escola, convivendo com os alunos e compreendendo os acontecimentos que marcam o interior e o exterior da sala de aula. Uma vez que é a partir da compreensão de tais situações que podemos pensar em possíveis intervenções (Navarro Ju- nior et al., 2018). Tais pressupostos teóricos contribuíram para a construção de tó- picos a serem contemplados na cartilha, incluindo a necessidade de se estabelecer uma compreensão dos diferentes aspectos que caracterizam o processo de desenvolvimento da empatia, com relação à diversidade e à pluralidade. Partindo destes eixos, e com o intuito de buscar exemplos reais e concretos de contextos empáticos no cenário escolar, foi reali- zada uma pesquisa de levantamento utilizando o método de pesquisa Gabriel Tognon; Barbara Bellato; Regina Basso Zanon • 149 Survey (Freitas et al., 2000), para investigar vivências e narrativas que marcaram a trajetória escolar de algumas pessoas voluntárias. LEVANTAMENTO SOBRE A EMPATIA NO AMBIENTE ESCOLAR: VIVÊNCIAS E NARRATIVAS Realizou-se um estudo piloto do tipo levantamento sobre vivências escolares em contextos empáticos, que contou com uma amostra não representativa de 23 participantes, direcionando os questionamentos para alcançar possíveis temáticas a serem exploradas no conteúdo da cartilha. Todos os participantes foram selecionados por critério de con- veniência, residiam no estado do Mato Grosso do Sul e apresentavam características socio-demográficas variadas. O instrumento utilizado para adquirir esses relatos foi um questionário online hospedado no Go- ogleForms, contendo 12 perguntas (4 fechadas e 8 abertas), o qual foi divulgado por WhatsApp e Instagram, entre os dias 03 a 10 de maio do ano de 2021, de forma anônima para o público geral. Foram feitas per- guntas sobre temas como bullying, preconceito, diversidade, além da pluralidade étnico racial e da relação entre aluno e professor. Os resul- tados foram analisados quantitativamente, a partir da estatística descritiva (frequência e porcentagem). Todos os participantes (n=23) responderam saber o que era empa- tia, entretanto, na questão seguinte sobre as suas experiências de vida, algumas pessoas não conseguiram identificar eventos empáticos. Na questão sobre o bullying, violência (direta ou indireta) e preconceito, 95,7% dos participantes (n=22) afirmou que já ter sofrido, identificado ou participado de alguma dessas ações, e apenas 4,3% (n=1) não. Sobre esse aspecto, cabe mencionar que este dado corrobora achados da lite- ratura que indicam o bullying como algo frequente nos contextos 150 • Psicologia na Escola em Tempos de Pandemia: práticas e reflexões escolares (Malta et al., 2009). Alguns relatos dos participantes mostra- ram que certas pessoas levavam a violência como “uma brincadeira”, “naturalizado” o fenômeno, causando aumento no desconforto para ví- tima. Os participantes que relataram ter cometido bullying, afirmaram terem se arrependido, justificando-o a partir da imaturidade e desco- nhecimento sobre as suas consequências e impactos. Pensar o bullying na sua relação com a empatia é válido, visto que ao se trabalhar a em- patia de forma eficaz nas escolas, as situações tristes e geradoras de sobrecargas emocionais negativas podem se tornar menos frequentes. Assim como Souza (2017) reforça, na convivência diária com as diferen- ças em um ambiente coletivo, as crianças, a partir do treinamento da empatia, tornam-se capazes de desenvolver posturas acolhedoras e em- páticas. Outro tópico abordado foi o convívio com pessoas com deficiências intelectual, sensorial, física e/ou Transtorno do Espectro Autista (Lei n.º 13.146/2015), público que também caracteriza o ambiente de diversidade escolar. Deste modo, foi perguntado a amostra piloto se já houve alguma experiência com alguém com algum tipo de deficiência e 65,2% dos par- ticipantes (n=15) responderam que sim, enquanto 34,8% (n=8) não. Dentre os relatos, um foi advindo de uma pessoa com deficiência, que reportou a existência de preconceito social (“capacitismo”). Por capaci- tismo, a partir de Marchesan e Carpenedo (2021), entende-se uma opinião desfavorável sobre a pessoa com deficiência, preconceituosa, que concebe a pessoa como alguém sem capacidade de ter autonomia e independência para gerir a própria vida. Em alguns casos, havia uma compreensão, adesão e até auxílio por parte de alunos, professores e es- colas, contudo o preconceito e, muitas vezes, a exclusão marcaram os relatos dos participantes. Gabriel Tognon; Barbara Bellato; Regina Basso Zanon • 151 Sobre a percepção da pluralidade étnico racial no contexto escolar, encontrou-se que 56,5% (n=13) dos participantes responderam que sim, e 43,5% (n=10) afirmaram não perceber tal fator. Cabe registrar que, con- forme os relatos dos participantes que estudaram em instituições/escolas públicas, principalmente nas periféricas, a plurali- dade étnico racial era algo intrínseco ao cotidiano escolar, o que não apareceu nos relatos dos participantes oriundos de escolas de ensino privado, cuja raça branca era predominante. Nas perguntas abertas, fi- cou evidente o racismo, dito pelos participantes como formas de “brincadeiras”, como: “zoar" o cabelo, ou dizer que tal amiguinho tem "olhos puxados", além de comentários depreciativos. No que concerne à relação aluno-professor, as respostas mostra- ram a existência de educadores metódicos e com práticas tradicionais e restritivas, sendo bastante impositivos e rígidos. Nestes casos, foram relatadas situações de constrangimento em sala de aula, despertando sensações de nervosismo e timidez. Por outro lado, algumas respostas apontaram para a existência de professores acessíveis e capazes de se adaptar e acolher as diferentes realidades de seus alunos. Por fim, os participantes foram questionados sobre a existência de algum outro fator/aspecto relevante que gostariam de contar sobre as suas experiências escolares. Neste campo, muitos apontaram a impor- tância de se trabalhar a empatia com crianças o mais cedo possível e a necessidade de debates sobre a inclusão e as diversidades humanas (ra- cismo, lgbtfobia, capacitismo, deficiência, gênero etc.). Por exemplo, uma participante relatou como foi ser educada na época da ditadura mi- litar, afirmando que “Foi um período difícil da ditadura militar no Brasil e na realidade ninguém costumavase importar muito com necessidades e di- ferenças” (SIC). 152 • Psicologia na Escola em Tempos de Pandemia: práticas e reflexões De modo geral, pode-se dizer que os resultados desse levanta- mento geraram uma maior compreensão dos diferentes contextos de desenvolvimento e das percepções das pessoas sobre os processos em- páticos, principalmente no período da infância, o que fundamentou a busca por temáticas específicas na literatura, bem como a escolha dos tópicos a serem contemplados na cartilha. Constatou-se que a discussão sobre a empatia na escola, respeitando os aspectos sociais e históricos envolvidos nesse processo, pode abrir novos horizontes e ampliar a ca- pacidade crítica e atitudinal dos alunos. ETAPA 2: DESENVOLVIMENTO DA CARTILHA E APRECIAÇÃO DE JUÍZAS A segunda etapa consistiu na produção do material, seguida pela apreciação de Juízas e revisão da cartilha, a qual foi confeccionada atra- vés do aplicativo digital de edição de arte chamado Canva. Como primeira versão, o material contou com 100 páginas, contemplando 8 seções/capítulos, submetida para a avaliação de três juízas com conhe- cimento e experiência na temática. Todas as juízas eram psicólogas, sendo uma com experiência com crianças em situações de vulnerabili- dade; outra pesquisadora na área da infância e diversidade; e a terceira com especialização no âmbito escolar. Para tanto, foi construído um questionário para avaliar a validade do material no que se refere à usabilidade, à adequação de conceitos para o público infantil e à real possibilidade de aprendizagem. A apreci- ação das juízas é imprescindível para tornar maior o rigor científico e a eficácia de um material, sendo uma etapa referida por outros estudos como de grande relevância para o aperfeiçoamento do material a ser validado (Polit & Beck, 2011). O questionário conteve 29 perguntas no Gabriel Tognon; Barbara Bellato; Regina Basso Zanon • 153 total, divididas em 4 seções (1. Identificação; 2. Aspectos Gerais da Car- tilha; 3. Avaliação Tópicos Cartilhas; 4. Comentários Gerais e Divulgação). A escala de resposta das perguntas posteriores foi do tipo Likert de 5 pontos, seguida de espaço para comentário para cada sub- tema avaliado. Na seção 2, averiguou-se a partir das perguntas 5 a 13, os aspectos teóricos e conceituais, a linguagem adaptada da Cartilha e a constatação do cumprimento dos objetivos iniciais. Na seção 3, nas per- guntas 14 a 27, investigou-se o nível de cumprimento de objetivo de cada tópico da cartilha, considerando a abordagem e a explicação dos assun- tos a partir de parâmetros teóricos. A seção 4, por fim, com as perguntas 28 e 29, solicitava um feedback geral sobre o trabalho e sobre as estra- tégias de divulgação. Após o preenchimento do formulário pelas juízas, foi realizado um encontro virtual com elas a fim de retomar as principais críticas e su- gestões sinalizadas, o que ocorreu em contexto de supervisão de estágio na modalidade remota e síncrona. Houve necessidade de uma revisão no material considerando aspectos abordados pelas avaliadoras, visto que o processo de submeter o trabalho à opinião de juízes aumenta o rigor científico, a eficácia e a acessibilidade do material. Portanto, a par- tir das considerações, sugestões e apontamentos feitos, houve a alteração, a adaptação e o acréscimo de algumas partes que antes esta- vam sendo negligenciadas ou desconsideradas, tornando, assim, o material mais objetivo, completo e de acordo com os parâmetros teóri- cos. Com isso, atentou-se também para os aspectos do desenvolvimento social no âmbito escolar, principalmente para a diversidade (Moreira et al., 2014). A versão final da cartilha contou com 116 páginas, divididas em 9 seções, sendo os conteúdos de cada uma delas apresentados de forma 154 • Psicologia na Escola em Tempos de Pandemia: práticas e reflexões interativa e lúdica, em uma linguagem acessível e prática. As Figuras 1 e 2 apresentam a capa e o sumário, respectivamente, com as seções/ca- pítulos que integraram o material. Figura 1. Capa da versão final da Cartilha Fonte 1: Cartilha desenvolvida por Tognon, Bellato e Zanon (2021) Gabriel Tognon; Barbara Bellato; Regina Basso Zanon • 155 Figura 2. Sumário da versão final da Cartilha 156 • Psicologia na Escola em Tempos de Pandemia: práticas e reflexões Fonte 2: Cartilha desenvolvida por Tognon, Bellato e Zanon (2021) Os primeiros 3 capítulos contemplam conceitualizações teóricas: “O que é empatia?” (4 Páginas); “Crescer é aprender” (5 Páginas); “O que estou sentindo?”(4 Páginas), conforme pode ser visualizado na Figuras 3 e 4, respectivamente. Neste primeiro momento buscou-se introduzir conceitos teóricos relacionados à empatia, ao desenvolvimento e ao processo de percepção de aspectos cognitivos como o sentir, o pensar e o agir. Gabriel Tognon; Barbara Bellato; Regina Basso Zanon • 157 Figuras 3. Ilustrações dos capítulos “O que é empatia?" e "Crescer é aprender” 158 • Psicologia na Escola em Tempos de Pandemia: práticas e reflexões Fonte 3: Cartilha desenvolvida por Tognon, Bellato e Zanon (2021) Gabriel Tognon; Barbara Bellato; Regina Basso Zanon • 159 Figura 4. Ilustração do Capítulo “O que estou sentindo?” Fonte 4: Cartilha desenvolvida por Tognon, Bellato e Zanon (2021) Nos capítulos 4 e 5, intitulados “Eu não sou você” (8 Páginas), são introduzidos vários personagens e suas respectivas subjetividades, in- cluindo 12 estudantes e a Professora Vitória, personagem que foi construída com o propósito de mediar as conflitivas que marcam o en- redo do capítulo seguinte, intitulado “Deixa eu te contar um segredinho” 160 • Psicologia na Escola em Tempos de Pandemia: práticas e reflexões (49 Páginas). Nesta seção, são trabalhados de maneira lúdica a diversi- dade e o respeito no ambiente escolar, refletindo também sobre os vínculos estabelecidos entre os colegas e o papel do professor enquanto mediador. Especificamente, foi construída uma história em quadrinhos, com personagens diversos, incluído conflitos e suas resoluções criativas e empáticas (Figuras 5 e 6). Figura 5. Ilustração presente no capítulo “Deixa eu te contar um segredinho” Gabriel Tognon; Barbara Bellato; Regina Basso Zanon • 161 Fonte 5: Cartilha desenvolvida por Tognon, Bellato e Zanon (2021) 162 • Psicologia na Escola em Tempos de Pandemia: práticas e reflexões Figura 6. Ilustração da personagem Professora Vitória presente no capítulo “Eu não sou você” Fonte 6: Cartilha desenvolvida por Tognon, Bellato e Zanon (2021) O capítulo 6, no que lhe concerne, contempla algumas dinâmicas que podem auxiliar no desenvolvimento e na manutenção de atitudes empáticas no contexto escolar, para explorar temas presentes dentro e fora de sala de aula (Figura 9). No capítulo 7, são realizadas indicações de obras sobre a empatia e correlatos, que podem auxiliar o professor a Gabriel Tognon; Barbara Bellato; Regina Basso Zanon • 163 pensar em outras atividades para trabalhar a temática (Figura 10). Por fim, são apresentados detalhes sobre os organizadores e referências. A versão digital do material pode ser acessada de forma gratuita, através do link: Cartilha - O Desenvolvimento da Empatia na Escola Figura 7. Ilustração do capítulo “Dinâmicas” 164 • Psicologia na Escola em Tempos de Pandemia: práticas e reflexões Fonte 7: Cartilha desenvolvida por Tognon, Bellato e Zanon (2021) Gabriel Tognon; Barbara Bellato; Regina Basso Zanon • 165 Figura 8. Ilustração do capítulo “Indicações”. Fonte 8: Cartilha desenvolvida por Tognon, Bellato e Zanon (2021) ETAPA 3: VALIDADE SOCIAL DA CARTILHA: DIVULGAÇÃO E AVALIAÇÃO DO PÚBLICO-ALVO A última etapa visou avaliar a validade social da Cartilha por meio do compartilhamento e avaliação do material pelo público-alvo.Por va- lidade social entende-se a verificação da confirmação ou negação de 166 • Psicologia na Escola em Tempos de Pandemia: práticas e reflexões determinada técnica, ou fenômeno ser replicado (Oliveira & Piccinini, 2009). Para tanto, o material foi aplicado no público-alvo, envolvendo uma turma de 6.º ano, possuindo aproximadamente 15 alunos e um pro- fessor titular de uma escola estadual do município de Deodápolis, no Mato Grosso do Sul. A escolha da escola e da turma se deu por critério de conveniência, ou seja, intencional, em que os pesquisadores escolhe- ram a amostra da população mais acessível (Oliveira, 2001). A aplicação ocorreu de maneira presencial no dia 5 de novembro de 2021, na pri- meira, terceira e quinta aulas, no período vespertino, de maneira digital, adotando-se um reprodutor de imagem para que todos pudessem visu- alizar o conteúdo simultaneamente. Na ocasião, foram respeitadas todas as medidas de segurança e normas de saúde, estabelecidas pela OMS (2021). Inicialmente, foi realizado um encontro com a direção da escola e um dos autores da cartilha para a apresentação da proposta e levanta- mento das demandas do local. A demanda que emergiu da escola foi de aplicação da cartilha conduzida por um dos estagiários/autores respon- sáveis pela construção do material, visto que o próprio professor titular da turma ressaltou que não possuía tanto domínio da temática. Tal pro- posta foi acolhida, porém, houve a sugestão de que o professor permanecesse em sala de aula durante a aplicação, podendo assim aprender e avaliar a utilidade do material a partir da sua observação. Para tanto, foi elaborado um questionário contendo seis perguntas abertas acerca do conteúdo da cartilha, da sua aplicação, da sua relevân- cia para o meio e do cumprimento dos seus objetivos. A aplicação da cartilha foi estruturada em três momentos. O pri- meiro teve o objetivo de realizar uma apresentação conceitual para definir a empatia, utilizando-se como base os capítulos 1 ao 3 da Gabriel Tognon; Barbara Bellato; Regina Basso Zanon • 167 cartilha, onde foram observadas atenção e compreensão do conteúdo, verificados a partir das interações e feedbacks em sala dos estudantes. No segundo momento, objetivou-se trabalhar os capítulos 4 e 5 da car- tilha que são direcionados à compreensão da diversidade e da empatia no contexto escolar a partir de história em quadrinhos desenvolvida es- pecificamente para tal fim. Já no terceiro e último encontro, foi realizada uma dinâmica presente na cartilha, chamada mapa da empa- tia, em que os alunos foram convidados a registrar suas percepções sobre o outro, por meio de uma narrativa fictícia, explicitando detalhes de vida e eventuais problemas de um personagem em específico, como, por exemplo: “O que ele pensa?”, “O que ele sente?”, “Como ele vê o outro?”, “Quais são as dores?”, “Quais são os objetivos?”, encerrando assim o en- contro, com registro das crianças sobre seus aprendizados acerca das aulas. Pode-se perceber uma motivação crescente em relação à pro- posta, gerando um engajamento para participar e responder à atividade, possibilitando um cenário de trocas e interações, atendendo às especi- ficidades de cada pessoa e se adaptando às necessidades do momento. Como exemplo, citamos os pedidos de alguns alunos para desenhar ao invés de escrever durante a atividade, o que foi acolhido e flexibilizado. Sobre a avaliação do professor em relação à aplicação da cartilha, de modo geral o feedback final foi positivo, visto que seu relato sobre a linguagem, atratividade e principalmente conteúdo, alcançou o objetivo de se obter um fácil entendimento dos discentes (ver detalhes na Tabela 1). 168 • Psicologia na Escola em Tempos de Pandemia: práticas e reflexões Tabela 1 Resultados do feedback final do docente, a partir de questionário online Perguntas Respostas (escala Likert de 5 pontos; Comentários) Em um espectro de 1 a 5, como você avaliou o conteúdo da car- tilha? (Sendo 1 “Explicações conceituais frágeis e inadequa- das” e 5 “Explicações consistentes e adequadas”) Pontuação: 5 A abordagem do referido tema foi de suma importância, pois a linguagem para com os alunos foi clara e de fácil entendimento. Assim como obteve uma boa relação no sentido de professor/aluno Em relação à reprodutibilidade da aplicação, como você avalia o manuseio da Cartilha? (Por exemplo, caso outros professo- res forem aplicar a cartilha) Pontuação: 5 Ficou bem objetiva a cartilha, dando bastante ênfase no que se refere ao modo de agir e pensar. As animações no decorrer dos slides seguraram a atenção dos alunos que contribuiu muito com a compreensão em relação às ex- plicações anteriores. Em um espectro de 1 a 5, você acredita que a aplicação do ma- terial foi efetiva em relação aos objetivos (desenvolver ou con- tribuir para o desenvolvimento da empatia em crianças no ambi- ente escolar)? (Sendo 1 “Não atingiu nenhum objetivo” e 5 “Cumpriu todos os objetivos”) Pontuação: 4 Apenas na parte da história em quadrinhos, que por vez dificultou um pouco no entendimento da história em si. Acabou deixando uma lacuna, cujo objetivo era com- preender que os personagens da história aprenderam a se colocar no lugar do outro, como também tiveram pontos no que tange ao respeito mútuo. Esses pontos creio que não ficaram muito claro, pois a história con- tada/falada tirou um pouco da atenção dos alunos e acabou fugindo do objetivo principal. Entretanto se fosse feita uma animação da história com todos os per- sonagens com suas respectivas falas, surtiria mais efeito, assim prendendo a atenção dos alunos com mais facili- dade. No geral, você tem algum apon- tamento e/ou sugestão em relação às atividades ou as con- ceitualizações propostas no material? Pontuação: 5 Perfeita apresentação, bem estudada e explicada. Nada a apontar. E na sugestão, apenas na história em quadri- nhos como comentado na resposta acima. Parabéns pela cartilha e principalmente na condução da aula. Fonte 9: Dados da Pesquisa (2021) De modo geral, os resultados desta etapa (experiência de um dos autores na aplicação da cartilha e avaliação/feedback de um docente) Gabriel Tognon; Barbara Bellato; Regina Basso Zanon • 169 mostraram o potencial do material desenvolvido para explicar sobre o desenvolvimento da empatia e estimular atitudes empáticas. A partir da experiência, torna-se importante também ressaltar a possibilidade de o aplicador ser sensível e flexível, pois assim como Felício e Possani (2017) trazem, a flexibilização permite a escolha de conteúdos considerados mais importantes respeitando um contexto social específico. Sendo as- sim, o conteúdo da Cartilha, apesar de ser apresentado em uma estrutura organizada a partir de seções, pode ser adaptado conside- rando as especificidades de cada contexto (respeitando as características e interesses dos alunos, dos professores e da escola), po- dendo ser apresentado em diferentes ordens e formatos. Em relação a isso destaca-se a sugestão/contribuição do professor titular da sala em apresentar a história em quadrinhos de maneira animada, podendo se transformar em vídeos, dramatizações, gamificações etc. As etapas aqui descritas, quando tomadas em conjunto, nos permi- tem pensar que a cartilha desenvolvida tornou possível a psicoeducação do público-alvo primário, ou seja, dos professores, bem como do público secundário, os alunos, atingindo assim os objetivos iniciais da proposta de estágio. Cabe destacar também, como diferenciais na construção e validação da Cartilha, as avaliações dos profissionais da área (juízes), o que contribuiu para validade de conteúdo do material, bem como o feed- back do professor e dos alunos, evidenciando a validade social da Cartilha. CONSIDERAÇÕES FINAIS No presente capítulo apresentamos uma experiência de estágio de núcleo comum (básico)realizada em tempos de coronavírus (COVID-19), 170 • Psicologia na Escola em Tempos de Pandemia: práticas e reflexões demarcando adaptações na proposta, no formato e nos procedimentos das práticas e das supervisões, realizadas na maior parte do tempo de modo remoto, enfatizando assim relação entre as TDIC e as práticas de estágio básico como um dos alicerces para o fazer prático, no contexto pandêmico no ensino e na educação, em específico no ensino funda- mental. Durante o período do estágio, foi desenvolvida e validada (validade de conteúdo e validade social) uma cartilha psicoeducativa para traba- lhar a empatia e a diversidade na escola, sob o olhar, e tendo como auxílio, a Professora supervisora de estágio para a construção das es- tratégias de pesquisa e da cartilha. Logo, pode-se dizer que a construção deste material atendeu às demandas relacionadas à formação acadê- mica dos estudantes (dois primeiros autores do capítulo), no que se refere ao desenvolvimento das competências básicas no âmbito da ob- servação, análise e avaliação, em simultâneo, em que apresentou relevância social, disponibilizando um material técnico digital e de acesso gratuito, que pode contribuir para o trabalho de professores do ensino fundamental. Cabe mencionar que, dadas as circunstâncias geradas pelos impac- tos causados pelo novo coronavírus (COVID-19), as demandas por ações a serem desenvolvidas por psicólogos ou por estudantes de Psicologia se transformaram substancialmente, assim como as preocupações dos profissionais em relação a alguns espaços específicos. Nesse contexto, a escola passou a ser um espaço especial a ser observado e escutado, o que se tornou possível a partir das tecnologias digitais de informação e co- municação. Com tais transformações e adaptações, o estágio permitiu aprendizagens e práticas significativas aos estudantes, transformando o cenário acadêmico por meio de inovações e de ferramentas teórico- Gabriel Tognon; Barbara Bellato; Regina Basso Zanon • 171 metodológicas, que mediaram a construção de formas alternativas para o fazer prático, seja por formulários ou questionários desenvolvidos de maneira online, seja por ferramentas de edição de arte e vídeo, expan- dindo assim os horizontes de possibilidades. O material construído e apresentado neste capítulo, para além de tratar da promoção da empatia no ambiente escolar, demarca a neces- sidade de se construir espaços de escuta e de acolhimento dos outros e das suas diferenças na escola, com sensibilidade e flexibilidade. Aspec- tos esses que são fundamentais quando pensamos no papel social da escola durante um contexto de pandemia, que acentuou as desigualda- des e vêm gerando impactos ainda não completamente mensuráveis no desenvolvimento das crianças. Sendo assim, entende-se que a Psicolo- gia pode se mostrar uma grande aliada para pensar no desenvolvimento integral dos alunos em diferentes condições, assim como pode apoiar os professores, como é o caso de propor materiais digitais que podem ins- trumentalizá-los nas suas práticas e mediações. Por fim, é importante demarcar que, embora a Cartilha tenha apresentado boas evidências de validade de conteúdo e social, reconhece-se a importância de novas pes- quisas tanto para investigar a aplicação deste material em outros contextos socioculturais, o que pode refiná-lo, quanto para propor no- vas metodologias e ferramentas para se trabalhar a empatia e a diversidade no contexto escolar. REFERÊNCIAS BRASIL. (2015). Lei no 13.146, de 06 de junho de 2015. 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A. (2014). A comunicação e a educação baseada no uso das tecnologias digitais de informação e comunicação. UNIFESO-Humanas e Sociais, 1(01), 141-166. World Health Organization. (2021). Laboratory biosafety guidance related to coronavirus disease (COVID-19): interim guidance. World Health Organization. Disponível em: https://apps.who.int/iris/handle/10665/339056. Acesso em: 16 fev 2022. https://apps.who.int/iris/handle/10665/339056 8 ESPAÇO DE ACOLHIMENTO “ENTRE NÓS”: INTERVENÇÕES POSSÍVEIS COM ATORES ESCOLARES NO CONTEXTO DA PANDEMIA DA COVID-19 Verônica Gomes Nascimento Niara de Albuquerque Vianna Querino Alice Brito Pinheiro Crisleane de Araújo Silva Maria Virgínia Machado Dazzani 1. INTRODUÇÃO A extensão universitária, em toda sua potência de construção e de- senvolvimento de conhecimento, foi a base para o estudo e o exercício da prática realizada em uma escola, e sobre a qual trataremos neste ca- pítulo. Tomamos a extensão universitária como um dos dispositivos institucionais que promove uma interação com a comunidade e, no nosso caso em particular, com os atores escolares; sendo uma via de acesso para os estudantes da graduação entrarem em contato com o campo e com a experiência de atuação na escola (Nascimento et al., 2020). O relato de experiência apresentado aqui refere-se à prática ex- tensionista universitária do Grupo de Pesquisa e Extensão intitulado “Intervenções em Psicologia Cultural: Cultura, Linguagem, Transições e Trajetórias Desenvolvimentais” (CULTS), vinculado ao Instituto de Psi- cologia da Universidade Federal da Bahia (IPS/UFBA), através do Projeto de Extensão “Família, Escola e Desempenho Acadêmico: Construindo Redes de Apoio e Intervenção”. A extensão iniciou suas ações no ano de 2012 em uma escola municipal de Salvador e ampliou seu escopo de 176 • Psicologia na Escola em Tempos de Pandemia: práticas e reflexões atuação em 2013 com a implantação da atuação em inclusão escolar. Tal prática fortaleceu o elo e a parceria entre a escola e o referido grupo de extensão. Nesse sentido, o trabalho realizado no grupo de extensão universi- tária atua na articulação entre a Psicologia e a Educação, tendo como campo de prática duas escolas públicas no município de Salvador (Ba- hia). Assim, é no contexto escolar, em um movimento que envolve todos os atores escolares, que a extensão universitária procura promover uma aproximação entre o estudante, a família e a escola, sobretudo conside- rando a demanda de inclusão escolar. Desde o começo de suas ações, a extensão vinha atuando junto às escolas, lado a lado com os atores escolares, sem interrupções e no for- mato presencial. Entretanto, um panorama novo e surpreendente emergiu com a pandemia do novo coronavírus (Covid-19 ou Sars-Cov-2) em 2020, exigindo a implementação de medidas sanitárias imediatas para conter o avanço e a disseminação do vírus e suas consequências. O novo cenário pandêmico exigiu que um olhar diferenciado pudesse ser lançado sobre os atravessamentos que foram produzidos e alteraram a rotina e o fazer dos professores e demais atores escolares que, diante das incertezas e mudanças inesperadas, foram afetados pelo ensino re- moto e seus desdobramentos. Desse modo, o presente capítulo apresenta a experiência do grupo de extensão no enfrentamento necessário das contingências impostas pela pandemia e as transformações que se fizeram imprescindíveis na prática desenvolvida no contexto escolar, em especial no trabalho que pôde ser construído junto a professores e outros atores escolares, atra- vés do espaço de acolhimento nomeado “Entre Nós”. Verônica Nascimento; Niara Querino; Alice Pinheiro; Crisleane Silva; Maria Dazzani • 177 2. PANDEMIA E EDUCAÇÃO: IMPACTOS DE UM DISTANCIAMENTO SOCIAL COM DURAÇÃO INDEFINIDA O advento da pandemia do novo coronavírus trouxe consigo diver- sas mudanças nos modos de agir e interagir da sociedade através, sobretudo, das políticas de distanciamento social, estratégias vitais para a contenção da doença (Carraro, Ostemberg & Santos, 2020). Dessa forma, com a necessidade do isolamento social em decorrência da pan- demia, o ensino presencial foi interrompido e instalou-se o ensino remoto. Inicialmente, a impressão que se tinha era que seriam somente alguns dias dentro de casa, mas, infelizmente, se prolongaram por quase dois anos. Segundo Honorato e Nery (2020, p.02), a educação seria um dos úl- timos setores a retornar com suas atividades integralmente. E, ainda assim, não significaria voltar à dita “normalidade”. Diante do avanço da Covid-19, foi possível notar uma série de receios e preocupações relaci- onadas à continuidade dos processos educacionais na modalidade remota de ensino, assim como a possibilidade de retorno às aulas pre- senciais em meio à pandemia. Com a efetivação do início da vacinação da população, houve, após um pouco mais de um ano do início da pan- demia, a adoção da modalidade do ensino híbrido em muitas escolas brasileiras, numa espécie de rodízio que não garantiria a segurança to- tal dos estudantes, professores e demais profissionais. O contexto escolar na pandemia evidenciou a sobrecarga de de- mandas para os professores e as lacunas observadas no processo de ensino-aprendizagem. Como menciona Santos (2020, p.45), “o fato de se utilizar as ferramentas e a potencialidade da internet em tempos de 178 • Psicologia na Escola em Tempos de Pandemia: práticas e reflexõesglobalização não significa novas formas ou práticas pedagógicas de en- sino”. Mais do que repensar o fazer pedagógico, a pandemia apontou para outras questões relacionadas às vivências dos profissionais da escola, especialmente em se tratando do setor público, tais como: preocupações associadas a contextos de vulnerabilidade socioeconômica experiencia- dos por estudantes; reflexões sobre a efetividade das políticas educacionais na modalidade remota de ensino, dentre outras inquieta- ções. Dessa forma, nomear os afetos oriundos desse contexto inesperado, de modo coletivo, compartilhado e acolhedor, foi uma das primeiras demandas identificadas pelo grupo de extensão no contato com os atores escolares. 3. EDUCADORAS E A PANDEMIA: ESCUTA, DIÁLOGO E ACOLHIMENTO O papel exercido por educadoras da rede pública, por si só, já car- rega consigo muitos desafios, desde as dificuldades estruturais advindas do descaso do governo, o que acarreta frequentemente na falta de infraestrutura e materiais básicos, até as dificuldades do cotidiano em sala de aula. A emergência da pandemia da Covid-19 no ano de 2020, entretanto, trouxe à tona novos obstáculos para essas trabalhadoras, que se viram diante da necessidade de se reinventarem enquanto pro- fissionais e, muitas vezes, enquanto mães, enquanto responsáveis por manterem o sustento da sua família, tendo que exercer diversas funções ao mesmo tempo. (Coelho et al, 2021; Dias, 2021; Troitinho et al, 2021). A pandemia do novo coronavírus desencadeou uma necessidade de isolamento social como medida de proteção à vida, o que, apesar de cru- cial para a saúde da população como um todo, também foi motivo de Verônica Nascimento; Niara Querino; Alice Pinheiro; Crisleane Silva; Maria Dazzani • 179 angústia para muitos. O home office se tornou necessário dentro de mui- tas áreas profissionais, fazendo com que os trabalhadores e trabalhadoras tivessem que se adaptar a esse novo molde. Em relação ao contexto das educadoras, o home office significou uma modalidade de trabalho para a qual a maioria não estava preparada. Troitinho et al (2021) realizaram um estudo no qual foram apontados os impactos ne- gativos que afetaram docentes, no período pandêmico, relacionados ao trabalho remoto, especialmente para as mulheres em sua dupla jornada de atividades. Nota-se que a modalidade de ensino remoto ampliou o uso de tecnologias de ensino e a construção de propostas pedagógicas que pudessem ser aplicadas e adaptadas ao mundo virtual. De outro lado, porém, a dificuldade de um ensino sem toque, sem sala de aula, sem interação física entre alunos e professoras, e entre os próprios alu- nos, se fez presente. Diante disso, o grupo de extensão universitária considerou que um cuidado focado diretamente nas professoras se tornaria indispensável. Assim, foi construído um projeto com uma proposta de reunir essas profissionais, bem como outros atores escolares (Auxiliares do Desen- volvimento Infantil, bibliotecárias, entre outros) para que pudessem ser escutadas e discutidas as angústias e os desafios de ser educadora em tempos pandêmicos, através da realização de rodas de conversas virtu- ais. Foram convidadas a participar dos encontros todas as professoras e demais funcionárias das escolas municipais com as quais o grupo de ex- tensão mantinha as atividades extensionistas. Dessa forma, as participantes foram professoras e funcionárias de escolas da rede mu- nicipal de Salvador, principalmente de uma das escolas, a qual situa-se em um bairro de classe média da cidade e atende a comunidade de classe baixa do próprio bairro e adjacências. 180 • Psicologia na Escola em Tempos de Pandemia: práticas e reflexões As rodas de conversa foram realizadas através da plataforma Goo- gle Meet nos anos de 2020 e 2021, sendo realizados três encontros ao longo desse período. Vale ressaltar que não fazia parte do cotidiano de prática do grupo de extensão o uso de Tecnologias Digitais da Informa- ção e Comunicação (TDIC). Entretanto, no processo de adaptação e reinvenção diante do contexto pandêmico, tais tecnologias permitiram a promoção desses encontros e potencializaram a concretização de diá- logos mais amplos com as professoras e funcionárias. Cada roda de conversa contou com a presença de, aproximadamente, seis a dez par- ticipantes (sem contar com as estudantes e supervisoras membros do projeto de extensão) e tinha a duração de aproximadamente uma hora e meia. Inicialmente, as rodas de conversa foram pensadas a partir de te- mas pré-definidos que seriam, então, debatidos com as participantes. Entretanto, ao longo do percurso, foi percebido que os encontros fluíam quando o tema era livre, porém, com um enfoque geral sobre os desafios de ser educadora durante a pandemia. A primeira roda de conversa foi realizada no mês de julho do ano de 2020, tendo como tema “Palavras em cena: uma roda de conversa en- tre atores esco(lares) em tempos de isolamento”. Foi preparada uma dinâmica na plataforma JamBoard, do Google. Essa plataforma consiste em um quadro branco digital colaborativo, que pode ser editado por vá- rias pessoas ao mesmo tempo. Assim, foi solicitado às educadoras que escrevessem no quadro os seus sentimentos em determinados momen- tos/situações da pandemia. Esses momentos/situações eram apresentados previamente nos slides, como é possível observar nas fi- guras abaixo. No primeiro slide estava escrito “No início eu…” e as participantes completaram o quadro, escrevendo como se sentiram no início da pandemia. No segundo slide estava escrito “Agora, após quase Verônica Nascimento; Niara Querino; Alice Pinheiro; Crisleane Silva; Maria Dazzani • 181 cinco meses, eu…”, e, assim, as participantes escreveram como se sen- tiam no momento da pandemia no qual foi realizada a roda de conversa. O terceiro slide continha a frase “O home office…”, em que as participan- tes escreveram sobre suas percepções e sentimentos relacionados ao home office. E no último slide estava escrito “O retorno das aulas pre- senciais…”, e, assim, as participantes escreveram o que sentiam com relação ao retorno presencial das atividades escolares. Os conteúdos que mais apareceram relacionados ao início da pan- demia foram pensamentos de que esse momento iria durar um período de tempo mais curto, e a expectativa de que passasse logo. Sobre o mo- mento da pandemia no qual foi realizada a roda de conversa, o que mais se destacou foi o cansaço vindo das professoras e a falta de expectativa para o retorno à “normalidade”. Sobre o home office, surgiram conteúdos referentes ao fato de que o trabalho em casa é cansativo e exaustivo, porém, necessário e até mesmo um privilégio para poucos. Além disso, também foi relatado como essa modalidade de trabalho acaba invadindo a privacidade e altera a forma como se enxerga o próprio lar. Vale men- cionar que Dias (2021), ao analisar o trabalho remoto na pandemia, destaca a solidão e o esgotamento advindos das atividades realizadas diante do computador e os efeitos no cotidiano dos professores. Por úl- timo, acerca do retorno das aulas presenciais, foi relatada uma grande preocupação por parte das professoras, pois, na época em que ocorreu a roda de conversa, ainda não se tinha previsão para o início do programa nacional de vacinação no combate ao novo coronavírus. 182 • Psicologia na Escola em Tempos de Pandemia: práticas e reflexões Figura 1. Primeiro slide da roda de conversa. Fonte: arquivo digital do grupo de extensão universitária. Figura 2. Segundo slide da roda de conversa Fonte: arquivo digital do grupo de extensão universitária. Verônica Nascimento; Niara Querino; Alice Pinheiro; Crisleane Silva; Maria Dazzani • 183 Figura 3. Terceiro slide da roda de conversa Fonte: arquivo digital do grupo de extensão universitária. Figura 4. Quarto slide da roda de conversaFonte: arquivo digital do grupo de extensão universitária. 184 • Psicologia na Escola em Tempos de Pandemia: práticas e reflexões Posteriormente, no mês de outubro de 2020, foram realizadas duas outras rodas de conversa cujo tema foi “Isolamento atípico: possíveis saídas, afetos e ações”. O termo “isolamento atípico” foi proposto justa- mente tendo em vista que o vínculo estabelecido entre as professoras e o projeto de extensão se dava, principalmente, a partir do acompanha- mento terapêutico escolar, sobretudo de estudantes autistas. Assim, foi interessante notar que o isolamento social já estava presente, muitas vezes, na vida cotidiana de pessoas autistas, devido às suas dificuldades comunicacionais e interacionais. Esse isolamento social ocorria, possi- velmente, para evitar certa angústia e desconforto que as relações sociais poderiam provocar. Essa reflexão surgida a partir da roda de conversa convocou a todos a uma compreensão do cenário que os alunos autistas estavam vivendo e ao compromisso coletivo na promoção de interações significativas durante esse período tão crítico. O isolamento social, advindo da pandemia, ao contrário do “isola- mento típico” característico de pessoas autistas, veio em um outro molde, de forma forçada e impositiva, o que certamente tem provocado efeitos diversos para todos. Vale salientar que o isolamento social que emerge a partir da pandemia, pode ser caracterizado como um isola- mento atípico, inclusive para as pessoas autistas. E para alguns sujeitos autistas, o isolamento pode ter gerado questões ainda mais delicadas em relação aos investimentos interacionais. O tema proposto para as rodas de conversa foi utilizado apenas para provocar reflexões, mas os diálo- gos não foram limitados ao tema do “isolamento atípico” e as participantes conversaram livremente sobre as questões que mais tra- ziam angústia naquele momento, como as possíveis saídas do isolamento, seus sentimentos e suas aflições. Verônica Nascimento; Niara Querino; Alice Pinheiro; Crisleane Silva; Maria Dazzani • 185 As dificuldades no enfrentamento do que foi chamado de “novo normal”, o medo do vírus, a angústia relacionada aos riscos que a pan- demia causa à própria vida e à vida de familiares e de pessoas queridas foram algumas questões que predominaram na fala das participantes nas rodas de conversa. Questões semelhantes vão se delineando em es- tudos recentes que abordaram sobre ansiedade e elementos estressores vivenciados por docentes na pandemia (Troitinho et al, 2021). A preocu- pação com o retorno das aulas presenciais também foi destaque, tendo em vista que o distanciamento físico seria fundamental para manter a saúde de todos, mas também seria algo difícil de ser executado, já que as crianças costumam interagir através do contato físico, seja através do abraço, do beijo ou do carinho. As participantes relataram que a falta de contato físico com os alunos também seria uma questão para elas, pois também sentem falta de poder tocar e abraçar os estudantes. As aulas em formato remoto foram uma preocupação para as pro- fessoras, pois relataram que não estavam tendo um retorno pedagógico considerável dos alunos e de suas famílias com relação às atividades passadas. Além de muitos alunos não terem em suas casas uma tecno- logia apropriada para acompanhar as aulas remotas, era notório um cansaço muito grande vindo das famílias nesse período conturbado, o que dificultava um bom desempenho acadêmico dos alunos com relação às aulas. Para além da pandemia em si, surgiram outras situações como motivo de angústia para as participantes, tais como o sucateamento da educação, o sentimento de impotência frente a essa situação, além da preocupação com o retorno presencial sem que as escolas tivessem uma infraestrutura adequada para receber os alunos dentro dos protocolos de controle sanitário. A desigualdade de infraestrutura presente nas 186 • Psicologia na Escola em Tempos de Pandemia: práticas e reflexões escolas públicas e privadas surgiu como uma questão complexa e signi- ficativa. Carraro et al. (2020), no artigo “As tecnologias digitais na educação e nos processos educativos durante a pandemia do COVID-19: relatos de professores”, debatem de que forma as Tecnologias Digitais da Infor- mação e Comunicação (TDIC) impactaram na educação no período pandêmico. Os autores realizaram entrevistas com professoras e pro- fessores de diversas regiões do Brasil e de diversas áreas. Ao longo das entrevistas, esses profissionais foram convidados a contar um pouco sobre suas experiências, dificuldades, sentimentos e rotinas como edu- cadores e educadoras no momento pandêmico. A análise das respostas às questões feitas nas entrevistas permitiu verificar que os sentimentos relatados pelos professores convergem com o que foi trazido nas rodas de conversa realizadas pelo nosso grupo de extensão. Os sentimentos foram relacionados à sobrecarga de trabalho, à preocupação em manter a atenção e o vínculo dos/com alunos, à saudade das rotinas, das pessoas e dos espaços de convivência, e à preocupação sobre o tempo para estar disponível para os alunos – fora do horário regular de aula – e o tempo de preparação dessas aulas. Carraro et al. (2020) analisam, através de outros autores, a exclusão social que é acarretada pela educação através de tecnologias digitais, enfatizando que a tecnologia será um fator significativo que aumentará ainda mais as diferenças educacionais e sociais no Brasil. Os autores trazem dados do Comitê Gestor da Internet no Brasil (2018), no qual consta que 39% dos lares brasileiros não possuem acesso à internet e 19% dos que o possuem não têm computador em casa. Assim, os núme- ros destacam a desigualdade no acesso às tecnologias, advindos da desigualdade social, o que também foi relatado pelas professoras e Verônica Nascimento; Niara Querino; Alice Pinheiro; Crisleane Silva; Maria Dazzani • 187 outros atores escolares, ao longo das rodas de conversa, como uma grande preocupação. Nota-se, assim, que o distanciamento social, recomendado pelas autoridades sanitárias como medida para contenção da disseminação do coronavírus, instaurou nas escolas cenários de incertezas e questiona- mentos pedagógicos (Verdasca, 2021), mas, também, reflexões políticas, sociais e pessoais (Carraro et al., 2020). Nas escolas brasileiras, a falta de acesso a tecnologias por famílias de baixa renda e a preocupação com as políticas de inclusão ou com a efetividade das aulas on-line estão entre as incertezas compartilhadas por educadores e atores escolares (Car- raro et al., 2020). A adaptação a novos softwares e plataformas digitais, assim como a necessidade de reinvenções pedagógicas constantes com- põem as vivências de professores durante a pandemia de Covid-19 (Verdasca, 2021). Dessa forma, compreende-se que as rodas de conversa se configu- raram como um espaço importante de compartilhamento de angústias e questionamentos, alcançando o objetivo de acolher e compreender de que forma os atores escolares enfrentaram seus desafios em período de distanciamento social. A partir disso, surgiu a ideia de transformar as rodas em um Espaço de Acolhimento “Entre Nós”. Como destacam Silva e Maia (2021), “acolher” significa dar acolhida, admitir, aceitar, dar ou- vidos, dar créditos a agasalhar, receber, atender, admitir, se aproximar, “estar com”. Assim, a proposta do Espaço de Acolhimento “Entre Nós” foi dar ouvidos e acolher as angústias das profissionais de educação, proporcionando um lugar seguro e ético, além de fortalecedor. Tal es- paço foi pensado como local de acolhimento entre pares e de construção coletiva de recursos afetivos, políticos e sociais, configurando-se como ambientes de livre expressão, mediados pelo grupo de extensão. O 188 • Psicologia na Escola em Tempos de Pandemia: práticas e reflexõesformato seguiu um enquadre semelhante às rodas, mas com uma ênfase no acolhimento e no fortalecimento coletivo. Silva e Maia (2021) ressaltam o “acolhimento” como ação política de recebimento, uma vez que permite acesso a todo e qualquer paciente que esteja à procura de algum tratamento. Além disso, os autores res- saltam que acolher significa compreender e considerar cada caso em sua singularidade, definindo uma estratégia terapêutica e criando um vínculo com o indivíduo acolhido. Apesar de não ter uma proposta tera- pêutica, o Espaço de Acolhimento “Entre Nós” teve justamente como propósito acolher as subjetividades das participantes, tanto como pro- fissionais da educação, mas também como mulheres que, em muitos casos, vivenciaram múltiplas jornadas de trabalho. Ademais, se encon- traram em uma situação de não valorização, o que potencializou uma exaustão física e mental, para além do próprio momento pandêmico. Os conteúdos trazidos pelas participantes ao longo dos encontros do Espaço de Acolhimento “Entre Nós” confirmaram o estudo realizado por Silva e Maia (2021), que aponta para uma maioria do público femi- nino como profissionais da educação, principalmente na educação infantil. Todas as participantes foram mulheres, e, reiteradamente, como destacam os autores, mulheres que exercem jornadas duplas ou triplas de trabalho, o que advém da entrada tardia do público feminino no mercado de trabalho e dos padrões sociais que colocam a mulher como responsável pelos cuidados domésticos e dos membros familiares (Silva e Maia, 2022). Durante os encontros emergiram referências a sentimentos de im- potência, preocupação frente aos desafios da educação pública brasileira em contexto pandêmico, cansaço, tristeza ou medo diante da pandemia. Paralelamente a isso, as educadoras tiveram a oportunidade Verônica Nascimento; Niara Querino; Alice Pinheiro; Crisleane Silva; Maria Dazzani • 189 de fortalecerem recursos pessoais e/ou coletivos, como o vínculo entre pares, o autocuidado e as manifestações políticas. O cansaço e a tristeza não foram relatados pelas profissionais so- mente devido ao contexto pandêmico. O que surgiu nos encontros através das falas das participantes foi que tais sentimentos emergiram de forma ainda mais intensa devido à desvalorização da educação e das educadoras em meio à esse contexto. Como apontam Silva e Maia (2022), a educação infantil, principalmente aquela destinada à camada mais po- bre da população, não é vista como algo necessário para o processo de humanização. Cabe a ressalva de que, apesar de os autores especifica- rem a educação infantil, na vivência do Espaço de Acolhimento “Entre Nós” também foi visto que a educação pública em geral não é valorizada e nem vista como fundamental para a constituição do sujeito. Outro aspecto mencionado no Espaço de Acolhimento “Entre Nós” foi a invasão das escolas nos ambientes familiares (Cury, 2020), assim como a necessidade de aparelhos eletrônicos para ensinar e aprender. Tais aspectos expuseram as desigualdades sociais e colocaram em xeque a privacidade familiar de estudantes e professores. Esse ingresso da ro- tina escolar no espaço e na rotina das professoras passou a comprometer seus horários de descanso, gerando implicações na saúde e na qualidade de vida. Diante do que foi explicitado, o compartilhamento de sentimentos e emoções nos espaços de acolhimento revela a importância da escuta coletiva e o apoio dos seus pares. Durante os encontros, as participantes expressaram alívio e fortalecimento pessoal ao perceberem que não es- tavam sozinhas. Compartilhar e escutar dúvidas, insatisfações e desafios se configurou como uma ferramenta extremamente 190 • Psicologia na Escola em Tempos de Pandemia: práticas e reflexões importante de apoio, reflexão e empoderamento diante da inesperada realidade pandêmica. CONSIDERAÇÕES FINAIS O contato com atores escolares em contexto pandêmico, por meio do projeto de extensão universitária intitulado “Família, escola e de- sempenho acadêmico: construindo redes de apoio e intervenção”, apresentou ao grupo de extensão elementos destacados na literatura re- cente sobre os impactos da pandemia. Diante de um futuro desconhecido e de um presente marcado por incertezas, adoecimentos e mortes, foi necessário e urgente que as práticas passassem por adap- tações fundamentais como forma de permanecerem ativas e criando estratégias para dar suporte nesse momento delicado para todos. Nesse sentido, a atuação com a equipe escolar precisou passar por mudanças diante da mudança do cenário, o que promoveu a criação dos encontros virtuais com as profissionais da educação, através das rodas de conversa e Espaço de Acolhimento “Entre Nós”. Notou-se que tais encontros produziram ressonâncias não apenas nas educadoras, mas também nas integrantes do grupo de extensão. Usualmente, após os en- contros das rodas de conversa e do Espaço de Acolhimento “Entre Nós”, havia uma reunião de supervisão para compartilhamento das impres- sões e/ou experiências oriundas da mediação. Por diversas vezes, as integrantes se surpreenderam e se emocionaram com a potencialidade das construções coletivas ali emergentes. Preocupações com a possibi- lidade de retorno às aulas presenciais - mesmo diante da ausência de vacinação ou da falta de infraestrutura adequada relacionada às medi- das de biossegurança - foram compartilhadas entre aqueles que atuam Verônica Nascimento; Niara Querino; Alice Pinheiro; Crisleane Silva; Maria Dazzani • 191 na educação, mas também na sociedade em geral, revelando grandes tensionamentos e incertezas. O trabalho realizado com professores e outros atores escolares possibilitou uma atuação até então não explorada pelo grupo de exten- são. Organizar e mediar os referidos espaços de acolhimento e rodas de conversa foram experiências que marcaram de forma significativa e transformadora a formação acadêmica e profissional de cada uma das extensionistas e das supervisoras. Isso porque, uma vez que se valorizou as vivências em rede na interação com a escola, o grupo de extensão não pode recuar diante das demandas emergentes – implícitas ou explícitas - considerando um contexto tão complexo. A prática exigiu inventivi- dade e, sobretudo, escuta atenta para a realização de encontros virtuais nos quais houvesse protagonismo e autonomia de seus participantes, para além da troca de informações relevantes. Deste modo, entendemos que as ações extensionistas, entendidas como um conjunto e comparti- lhamento de experiências, nos ofereceu a possibilidade de dar continuidade à colaboração com a educação pública brasileira durante esse período tão crítico. Embora marcada por tantos desafios e tensões decorrentes da pandemia, a escola se mostrou viva e pulsante, e assina- lou, uma vez mais, para o nosso grupo, as potencialidades da extensão universitária. REFERÊNCIAS Carraro, M. R. S., Ostemberg, E., & Santos, P. K. (2020). As tecnologias digitais na educação e nos processos educativos durante a pandemia do COVID-19: Relatos de professores. Educação Por Escrito, 11(2), 1-11. doi: https://doi.org/10.15448/2179- 8435.2020.2.38859 192 • Psicologia na Escola em Tempos de Pandemia: práticas e reflexões Coelho, E. A., da Silva, A. C. P., de Pellegrini, T. B., & Patias, N. D. (2021). Saúde mental docente e intervenções da Psicologia durante a pandemia. PSI UNISC, 5(2), 20-32. https://doi.org/10.17058/psiunisc.v5i2.16458 Cury, C. R. J. (2020) Educação Escolar e Pandemia. Pedagogia em Ação, 13(1), 8-16. Recuperado de http://periodicos.pucminas.br/index.php/pedagogiacao/article/ view/23749/16761 Dias, E (2021). A Educação, a pandemia e a sociedade do cansaço. Ensaio: Avaliação e Políticas Públicas em Educação [online]. v. 29, n. 112 [Acessado 8 Junho 2022] , pp. 565-573. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/S0104-40362021002901120001>.Epub 05 Jul 2021. ISSN 1809-4465. https://doi.org/10.1590/S0104-403620210 02901120001. Honorato, T., & Nery, A. C. B. (2020). História da Educação e Covid-19:. Acta Scientiarum. Education, 42(1), 1-22. doi:https://doi.org/10.4025/actascieduc.v42i1.54998 Nascimento, V., Teixeira, A., Querino, N., Brito, M., Dazzani, M.V., Jesus Brito, N., Galvão, A., Souza, C., Almeida, L., Brandão, A.P., & Oliveira, H. (2020). Prática em inclusão escolar: vivências e relevância da extensão universitária. Interfaces - Revista De Extensão Da UFMG, 8(2), 129–164. Recuperado de https://periodicos.ufmg.br/index. php/revistainterfaces/article/view/19537 Santos, C.D.S. (2020). Educação Escolar no Contexto de Pandemia: Algumas Reflexões. Gestão & Tecnologia Faculdade Delta, 1(30). Silva, A. C. B. da ., & Maia , B. B. (2021). Grupo de acolhimento com professoras: desafios frente ao ensino remoto emergencial: . REVISTA ELETRÔNICA PESQUISEDUCA, 13(30), 533–552. Recuperado de https://periodicos.unisantos.br/pesquiseduca/ article/view/1083 Troitinho, Maria C. R. et al. (2021). Ansiedade, afeto negativo e estresse de docentes em atividade remota durante a pandemia da COVID-19. Trabalho, Educação e Saúde, Rio de Janeiro, v. 19, e00331162. DOI: 10.1590/1981-7746-sol00331 Verdasca, J. (2021). A escola em tempos de pandemia: narrativas de professores. Saber & Educar, 0(29). doi:http://dx.doi.org/10.17346/se.vol29.403 9 PANDEMIA: HOMESCHOOLING COMPULSÓRIO? Mônica de Fátima Batista Correia Alessandra do Nascimento Costa A educação, no Brasil, está descrita no artigo 6º da Constituição de 1988 como direito de natureza social, junto com outras bases conside- radas fundamentais à qualidade de vida, a exemplo da saúde, alimentação e segurança. Um elemento, portanto, de caráter essencial para o desenvolvimento do sujeito que, para além da sua formação, é posto como propulsor para a construção de uma sociedade democrática e igualitária. O Estado, desse modo, tem a responsabilidade de oferecer educação básica gratuita à população (ensino infantil, fundamental e médio), sendo obrigatória para aqueles com idade entre quatro e dezessete anos, cujo ensino deve ser efetivado, prioritariamente, através de instituições próprias, pelas quais seu acesso deve apresentar condições iguais para todos, como especificado, respectivamente, no art. 1º e 3º da Lei de Di- retrizes e Bases da Educação Nacional (LDB – Lei nº 9.394/96). Para mais, está exposto no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA – Lei nº 8.069/90), art. 55, que os pais/responsáveis são encarrega- dos, obrigatoriamente, de realizar a matrícula dos filhos/pupilos na rede regular de ensino, primando pelo acompanhamento da sua fre- quência e aproveitamento escolar (art. 129). Ainda nesse documento, expressa-se a garantia de vagas em escolas públicas próximas à resi- dência dos educandos e, quando não possível, assegura o fornecimento de transporte público para a escola mais próxima (art.53). 194 • Psicologia na Escola em Tempos de Pandemia: práticas e reflexões Estas são leis promulgadas para possibilitar o pleno desenvolvi- mento da criança e do adolescente, seu preparo para o exercício da cidadania e inserção no mercado de trabalho (ECA – Lei nº8.069/90). Caso não ocorra sua promoção, sem justa causa, os pais/responsáveis podem ser criminalizados por abandono intelectual, como disposto no art. 247 do Código Penal (Decreto Lei nº 2.848/40). Nessa perspectiva, a educação escolar apresenta-se como uma ação ancorada tanto no direito, como no dever de cada um em recebê-la e exercê-la. No que aborda Casagrande e Herman (2020, p. 5), consiste propriamente no preparo para o “pluralismo de ideias e de crenças, as- sim como para o desenvolvimento de capacidades pessoais, intelectuais, éticas e políticas, ou de participação social”. Isto significa que o território escolar se caracteriza, mais do que um espaço de ensino pedagógico, como uma instituição social comum a todos (Mead, 1967), na qual é possível experienciar o encontro com o outro, em comunidade. Necessariamente, são atores e autores de um coletivo, cujas narrativas se movimentam dialeticamente, em um pro- cesso de troca criativa e afetiva, articulados a valores e responsabilidades (Andrade et al., 2019). HOMESCHOOLING: PRÁTICAS E IMPLICAÇÕES Apesar dessa importância, o cenário educacional brasileiro não é homogêneo. Especialmente nos últimos quatros anos, sua estrutura tem sido dividida em dois polos: por um lado, há a crescente realização de trabalhos para fomentar maiores investimentos do Estado na educação escolar (Santos & Nogueira, 2021; Couto et al., 2021; Oliveira et, al., 2019; Adrião & Domiciano, 2018); e, por outro, existe um movimento inverso Mônica de Fátima Batista Correia; Alessandra do Nascimento Costa • 195 ao incentivo dessa modalidade de ensino, sustentado, principalmente, por uma ótica conservadora e neoliberal (Santos, 2021; Formaggio, 2020; Novaes et al., 2019). Picoli (2020) destaca que a principal intenção deste último grupo consiste em desvincular a obrigatoriedade da formação escolar da cri- ança e do adolescente. Os defensores dessa perspectiva são conhecidos pela prática do homeschooling, termo popularizado nos Estados Unidos em 1980 (Cunha et al., 2020) e adaptado no Brasil como educação domi- ciliar. O modelo preza pela educação formal conduzida em casa, sob orientação dos pais ou responsáveis, como apontado por Vieira (2012): Homeschooling/home education, educação não escolar, educação domici- liar/doméstica ou educação em casa/no lar é a prática de pais ou responsáveis legais educarem, direta ou indiretamente (com delegação a terceiros ou não), os filhos ou tutelados em idade escolar fora de escolas regulares, e por mais tempo dentro do lar do que fora dele [...] a modalidade em questão se refere apenas ao nível da educação básica (p. 11). Segundo Tobbin e Cardin (2020), os precursores dessa modalidade foram Ivan Illich e John Holt. Ambos desenvolveram estudos, entre 1960 e 1970, sobre o processo de desescolarização. Para o primeiro, o ensino escolar obrigatório causaria dois efeitos: uma “polarização prejudicial à sociedade”; e um alto custo para manutenção das suas próprias deman- das. O segundo, criticava o modelo pedagógico tradicional, pautando-se na perspectiva de que o conhecimento, em sua maioria, só seria adqui- rido no exterior da escola. Ao decorrer do tempo, novas concepções surgiram sobre o homes- chooling. Conforme explicam Brewer e Lubienski (2017), o discurso atual em prol do ensino domiciliar orienta-se em torno de eixos empíricos e, 196 • Psicologia na Escola em Tempos de Pandemia: práticas e reflexões principalmente, ideológicos: ora defendem que o modelo pedagógico es- colar não é confiável; ora argumentam a necessidade de transmitir conceitos políticos e religiosos para as crianças. Tais posicionamentos são bem explorados pelo levantamento de dados feito por Camargo e Junquira (2021) sobre a motivação dos pais em exercer o homeschooling nos Estados Unidos, como se segue: (...) desejo de prover instrução religiosa e moral – 83,3 %; preocupação com o ambiente escolar – 87,6 %; insatisfação com a instrução acadêmica no am- biente escolar – 72,7 %; desejo de prover uma abordagem não tradicional para a educação – 65,2%; necessidades especiais da criança – 20%; proble- mas físicos ou mentais da criança – 11,2%; outras razões – 32,2 % (p. 59). Esses números são vistos por Ferraz (2021) como merecedores de críticas, já que a justificativa para o exercício do ensino domiciliar se detém, majoritariamente, a um perfil de família mais pautado no con- servadorismo e na religiosidade, do que no desenvolvimento e na aprendizagem das crianças. O autor também alerta para a constante falta de regulamentação e fiscalização sobre o modelo. Não obstante, diferentes estados já legalizaramo homeschooling. Segundo a Associação Nacional de Educação Domiciliar (ANED), fun- dada em 2010, além dos EUA, outros países (na maioria europeus), como França, Itália, Holanda, Noruega e Rússia já permitem a efetivação do modelo. No que se observa, são regiões reconhecidas tanto pelo desen- volvimento econômico como educacional. Ray (2015), ao analisar o homeschooling nos EUA, observou que in- divíduos educados em casa, sob avaliação de desempenho acadêmico, apresentavam média de 15 a 35 pontos percentuais a mais que os alunos que recebiam educação escolar. Além disso, segundo Camargo e Mônica de Fátima Batista Correia; Alessandra do Nascimento Costa • 197 Junqueira (2021) uma pesquisa realizada em 2003 por uma associação estadunidense de defesa ao homeschooling apontou que 74% dos 7.300 adultos que receberam educação domiciliar naquele ano alcançaram o nível superior, em relação a 46% dos que estudaram na escola. Tais achados parecem conferir resultados positivos ao modelo, po- rém, é necessário observar que são dados referentes à implementação realizada nos EUA, país no qual existe uma cultura bem estruturada so- bre o tema (Camargo & Junqueira, 2021). Realidade diversa do contexto brasileiro, visto que seus parâmetros econômicos, políticos e sociais destoam dos que compõem o cenário estadunidense. Há, entretanto, um debate que cresce em torno da constitucionali- dade da prática do homeschooling no Brasil. Mesmo que, em 2001, o Supremo Tribunal de Justiça tenha tomado decisão contrária ao exercício do modelo no país, algumas exceções foram concedidas (Barbosa, 2016), principalmente após o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH) lançar, em 2019, a proposta de regulamentação ao di- reito da educação domiciliar no Brasil (Picoli, 2020). Para Barbosa (2016), a normatização desse modelo pode interferir na oferta gratuita da educação, culminando na “forma mais radical de privatização de um bem público” (p.160). Efeito que, consequentemente, pode atingir o princípio de igualdade referente à democratização do en- sino no país. Apontamentos que corroboram com os estudos de Lubienski (2003) que, ao analisar as implicações do homeschooling na preservação da democracia, explica que: [...] a educação na esfera pública também serve como fonte de libertação para alguns grupos, expandindo oportunidades para muitos que de outra forma não teriam vantagens em seus lares, além de fornecer e criar um es- paço para aqueles em ambientes domésticos mais opressivos. Na verdade, 198 • Psicologia na Escola em Tempos de Pandemia: práticas e reflexões em comparação com a instituição da família, as instituições de educação apoiadas pelo Estado são mais adequadas para promover a equidade - uma preocupação central de uma sociedade democrática e meritocrática (tradu- ção livre, p.175). Para Casanova e Ferreira (2020), há também nesse modelo a pro- pensão para a mercantilização da educação. Nesse caso, a escolha do individual em detrimento do coletivo faz com que o ensino em casa seja administrado não só a partir dos interesses pessoais dos pais, mas tam- bém sob a intenção de desenvolver meios para que o filho possa produzir o melhor índice de resultados: Com o movimento homeschooling no Brasil, podemos observar a perspectiva de mercantilização abrindo novos caminhos para o aprofundamento das ações individuais e não mais para a coletividade e o bem comum. Há três pontos marcados nos discursos da ANED que registram a correlação entre mercantilização e educação domiciliar: ênfase nas provas padronizadas, o nicho de mercado que se abre e o empreendedorismo (p. 8). Não que esta intenção seja ausente na educação básica escolar, principalmente no que se refere ao último ano da sua terceira etapa, cujo preparo em geral é focado para a realização do Exame Nacional de Ensino Médio (ENEM). Mas, na análise feita por Casanova e Ferreira (2020), verifica-se que a ANED trata o sucesso nos processos seletivos como cerne do ensino domiciliar. O que transmite a imagem de um mo- delo de ensino pautado no resultado, semelhante ao método tecnicista/tradicional de educação. Sobre a abordagem tradicional do processo ensino-aprendizagem, Mizukami (1986) destaca a centralidade na relação vertical entre educa- dor e educando: o primeiro é constituído de todo conhecimento e autoridade e o segundo destituído de qualquer ação reflexiva, ativa ou Mônica de Fátima Batista Correia; Alessandra do Nascimento Costa • 199 subjetiva. O foco está no conhecimento acumulado (e reconhecido) e na posição hierárquica que o sujeito pode alcançar a partir disso. Sendo as- sim, uma metodologia que prioriza o produto de um conhecimento pronto e acabado e não no modo como cada aluno aprende, quais suas particularidades, habilidades e limitações. Tal concepção nasceu junto com a instituição escolar, adotada du- rante muito tempo como base da educação nacional e internacional, mas que coleciona críticas e tem sido substituída por propostas que con- sideram o aluno como figura central do ensino e aprendizagem, compreendendo o conhecimento enquanto processo interativo e cons- trutivo, como as abordagens cognitivista (Dourado & Prandini, 2002; Seber, 1997; Wadsworth, 1997) e a sociocultural (Oliveira, 2000; Rego, 2013); donde derivam as atualmente enfatizadas metodologias ativas (Alves & Teo, 2020; Lacerda & Santos, 2018). Nesse sentido, observa-se que a escola contemporânea, mesmo ainda com a presença de algumas lacunas estruturais e metodológicas, apresenta avanços, tanto no que compreende posturas pedagógicas di- ante da construção de conhecimentos, como na forma que enxerga o aprendente. Como exposto por Ferraz (2021): [...] dentro do papel das instituições de educação formal não estão apenas a transmissão dos conteúdos acadêmicos pelos professores, os métodos uti- lizados pelos profissionais de ensino e suas didáticas específicas, mas outros elementos que igualmente colaboram para a formação dos alunos e da comunidade (p.403). Sob esta perspectiva, Tobbin e Cardin (2020) enfatizam a dimensão socializadora do ambiente escolar, o que Ferraz (2021) denomina de “sentido comunitário da educação” (p. 403). Este é, dentre os demais, o 200 • Psicologia na Escola em Tempos de Pandemia: práticas e reflexões principal processo que os pesquisadores utilizam para defender a im- portância da instituição escolar. O ambiente propicia uma relação com o outro diferente do que a criança teria com os pais ou familiares pró- ximos. Há na interação coletiva da escola o encontro com a diversidade: etnias, cores, gêneros, sexualidades, crenças e opiniões. Desse modo, a criança entra em contato com o que está fora do seu nicho relacional. Logo, aprende a lidar com o diverso, reconhece que existe um outro e que este é composto por particularidades. Isto pro- voca intervenções no seu desenvolvimento, visto que a ampliação de interações contribui, dialeticamente, para a ampliação de conhecimen- tos e desenvolvimento do outro (Rego, 2013; Vigotski, 2007). Elementos que não anulam possibilidades de contextos escolares opressivos ou até mesmo violentos. A comunidade escolar, contudo, tem ciência e traba- lha conjuntamente, na atuação de diferentes profissionais, como psicólogos escolares, pedagogos e assistentes sociais, para o enfrenta- mento desses fenômenos. Ainda assim, alguns defensores do homeschooling argumentam, ba- seados em dados esporádicos, portanto, difíceis de aferir, que a socialização da criança através deste modelo não é prejudicada (Ferraz, 2021). São medidas sem validade científica por serem levantados apenas a partir da observação pessoal. Essa ideia, no entanto, seria mais bem avaliada se proviesse, por exemplo, de pesquisas longitudinais através das quais seria possível observar o comportamento dos indivíduos, que passarampelo homeschooling, frente a relações pessoais ao longo do tempo (Shaughnessy et al., 2012). O contato social da forma como é re- latado não parece suficiente para o pleno desenvolvimento da criança do ponto de vista da convivência (Tobbin e Cardin, 2020) e, acrescenta- ríamos, das necessidades cognitivas humanas. Mônica de Fátima Batista Correia; Alessandra do Nascimento Costa • 201 Assim, no lugar de buscar limitar a criança a uma educação de ca- ráter segregacionista (Curry, 2017), dever-se-ia estimular a cobrança dos poderes públicos por maiores investimentos na educação, o que in- clui contratação de profissionais qualificados, valorização da atuação docente, preservação de espaços seguros e confortáveis para os alunos, além do investimento em políticas públicas que garantam o direito à educação de qualidade a todos no país (Barbosa, 2016). HOMESCHOOLING COMPULSÓRIO COMO CONSEQUÊNCIA DA COVID-19 Ao analisar o ensino da educação básica durante a pandemia do novo coronavírus (Sars-Cov-2), estudos apontam para os efeitos da au- sência do ambiente escolar na aprendizagem e desenvolvimento das crianças (Cunha et al., 2020; Fontenelle-Tershchuk, 2020; Lee et al., 2021; Thorell et al., 2020; Ramos & Machado, 2020). O período pandêmico implicou, necessariamente, em mudanças drásticas nos vários âmbitos da sociedade, e diretamente na educação. Segundo a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ci- ência e a Cultura (UNESCO, 2022), mais de um bilhão de alunos ficaram sem acesso à instituição escolar mundialmente. No Brasil, as escolas fo- ram fechadas a partir da portaria Nº 544, de 16 de junho de 2020, publicada pelo Ministério da Educação (MEC), sendo estabelecida para garantir a manutenção do ensino escolar através da substituição das au- las presenciais por remotas (por meio virtual). A alternância do ensino formal, tanto para os meios virtuais, como para o contexto doméstico, se aproximou estreitamente à prática do ho- meschooling, no sentido de ser coordenado e organizado principalmente 202 • Psicologia na Escola em Tempos de Pandemia: práticas e reflexões pela família, e em espaço domiciliar. Embora com o caráter emergencial, devido a urgência instaurada pela pandemia. Em países europeus, como Portugal, o homeschooling apresentou altos índices de crescimentos, chegando a atingir 40% a mais de adeptos em relação aos anos anteriores à pandemia (Camargo & Junqueira, 2021). No Brasil, o ensino remoto foi proposto para não desamparar os alunos, considerando que muitos pais não possuíam habilidades pedagógicas ou tempo para conduzir a educação básica dos filhos, algo observado tam- bém em outros países, a exemplo do Canadá (Fontenelle-Tereshchuk, 2021). No Brasil, muitos pais também optaram por desligar as crianças da escola enquanto a pandemia durasse, mas não por acreditarem que po- deriam oferecer uma educação de qualidade aos seus filhos e sim pela falta de condições para adquirir instrumentos tecnológicos necessários para a efetivação das aulas online – evidência que alerta para as desi- gualdades sociais e econômicas do país. Segundo Thorell et al. (2020), o “ensino remoto elevou o aumento das desigualdades entre as crianças, expondo ainda mais aquelas com baixo nível socioeconômico”. Por ou- tro lado, se havia condições dos pais para conseguir esses materiais, existia também a dificuldade para que eles pudessem gerenciar seu uso ou administrar sua rotina para dar apoio aos filhos. Para Fontenelle-Tereshchuk (2021, p. 20), “os pais foram forçados a conciliar suas próprias lutas e necessidades pessoais e profissionais com as necessidades de seus filhos para dar continuidade a sua educa- ção”. Não havia, portanto, dedicação exclusiva, mas alterações na rotina dos pais para que eles pudessem auxiliar os filhos nesse processo. A au- tora ainda complementa que os pais se frustraram com o curto tempo dos professores dedicados aos alunos no formato online. Mônica de Fátima Batista Correia; Alessandra do Nascimento Costa • 203 Além disso, em estudo feito por Patrick et al. (2020), foi observado nas crianças mudanças comportamentais associadas à falta do ensino presencial. Estas são bem apresentadas nos achados de Feger et al. (2020) que apontam o ensino domiciliar emergencial como principal ati- vidade relacionada aos problemas de comportamentos mais comuns nas crianças durante a pandemia, como irritabilidade, desatenção e agres- são. Achados que fizeram Lee et al (2020), por exemplo, pressupor que a saída drástica das escolas, além de causar impactos negativos no apren- dizado, pode ter gerado nos alunos casos de ansiedades, estresse e traumas. Para mais, os autores destacam que “à medida que a pandemia continuou no ano escolar, pais e filhos precisaram de mais intervenções, tanto na saúde mental, como na assistência para a realização das ativi- dades educativas domiciliares” (p. 9). O que corrobora com os estudos de Picoli (2020), ao apontar que privar a criança da escola pode, além de excluí-la de atributos culturais e científicos, gerar graves comprometi- mentos ao seu estado emocional e a sua integridade física. Em síntese, as exigências do ensino emergencial durante a pande- mia da Covid-19 para a manutenção da educação básica - tais como se tornar protagonista na coordenação da educação do filho - conferiram certo grau de similaridade com características presentes no exercício do homeschooling, porém de forma compulsória. Dessa maneira, esse ce- nário de certo modo tornou-se simulador desta realidade, propiciando a análise das possíveis lacunas e omissões da prática de ensino em um país como o Brasil. Ainda que tenha sido de caráter obrigatório, foi pos- sível identificar aspectos que lhe são ausentes ou falhos para o desenvolvimento pleno da criança, como a socialização, a postura me- diadora e os componentes pedagógicos que são característicos da escola. 204 • Psicologia na Escola em Tempos de Pandemia: práticas e reflexões Nessa perspectiva, investigar como se deu a educação básica frente à pandemia propõe um diálogo importante para compreender as estru- turas do ensino domiciliar e os efeitos que este modelo pode gerar no desenvolvimento e aprendizagem das crianças na ausência de estrutu- ras educacionais e de formações específicas. Além de contribuir para que se possa repensar o espaço da educação escolar durante e após o período pandêmico, destacando sua relevância dialética, sociocultural e histórica na formação do sujeito. O presente estudo, portanto, buscou levantar as dificuldades, im- pedimentos, desvantagens ou mesmo vantagens avaliadas por pessoas que estiveram responsáveis de forma mais direta pela educação dos fi- lhos durante a pandemia pelo COVID-19. Ou seja, identificar como os pais experienciaram a proximidade com o ensino domiciliar ou o homes- chooling, bem como analisar as possibilidades de avanços ou prejuízos gerados no desenvolvimento e aprendizagem dos educandos. De ma- neira mais específica, a pesquisa (a) explorou a experiência de educação em domicílio experimentada por famílias de crianças durante a situação de pandemia; (b) apontou para evidências que sugerem informações so- bre a qualidade destes ambientes de aprendizagem, em termos de sistematicidade, interações, planejamento, assessoria e material utili- zado; e (c) levantou dificuldades, vantagens e desvantagens verificadas por famílias que passaram por essa experiência. METODOLOGIA Participantes: Participaram da pesquisa exploratória dez adultos, sendo nove mães e um pai. Todos se colocaram como os principais res- ponsáveis pela promoção e suporte à educação básica dos filhos em casa Mônica de Fátima Batista Correia; Alessandra do Nascimento Costa • 205 durante a situação de pandemia. Foram incluídos na amostra aqueles cujos filhos estavam com idades entre 2 e 12 anos, fasecaracterística da Educação Infantil e Ensino Fundamental I, níveis selecionados pela maior requisição de acompanhamento mais próximo e período mais co- mum para o chamado homeschooling. A média de idade dos participantes foi de 31,5 anos, o mais novo com 24 anos e o mais velho com 43 anos de idade. Todos possuíam diploma de ensino médio e metade (50%) já tinha o ensino superior completo. 80% trabalhavam, com média de carga ho- rária de 30h semanais, com renda familiar variando de um a três salários-mínimos; 50% residiam no estado da Paraíba, enquanto 20% moravam no estado de São Paulo, os demais moravam nos estados de Pernambuco (10%), Rio de Janeiro (10%) e Rio Grande do Sul (10%). Instrumentos: Foi aplicado um questionário sociodemográfico para identificar o perfil dos participantes, como idade, sexo, escolari- dade, profissão e classe social (faixa de renda familiar) e uma entrevista semiestruturada. Esta possuía 20 perguntas, divididas entre os seguin- tes eixos: experiência de acompanhamento domiciliar emergencial da escolaridade do filho ou da filha; suporte teórico e planejamento peda- gógico; desenvolvimento, aprendizagem e socialização; e particularidades da educação escolar. O roteiro de entrevista foi cali- brado através de um estudo piloto realizado com duas mães, cujos filhos estavam na mesma fase de escolaridade referida, com foco na adequa- ção das perguntas e validação de conteúdo. Procedimentos de Coleta de Dados: A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal da Paraíba e re- gistrada com o Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) nº 50582121.9.0000.5188. Os dados foram coletados entre dezem- bro de 2021 e janeiro de 2022. Os participantes foram recrutados de duas 206 • Psicologia na Escola em Tempos de Pandemia: práticas e reflexões formas: por meio da divulgação da pesquisa nas redes sociais ou pelo contato com indivíduos próximos às pesquisadoras. As entrevistas fo- ram agendadas pela plataforma do Whatsapp, de acordo com a disponibilidade das participantes, e realizadas via Google Meet (plata- forma de comunicação em vídeo chamada), sendo gravadas desde o início com a anuência dos respondentes. Na ocasião, foram explicados os objetivos da pesquisa e fornecido o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) para assinatura digital. As entrevistas duraram cerca de 45 minutos. Procedimentos de Análise de Dados: Os dados foram analisados sob o método de categorização de conteúdo proposto por Bardin (2008), iniciando-se com a transcrição das entrevistas, seguida da realização da leitura flutuante para um primeiro contato com o material de análise e maior familiaridade com os documentos. Posteriormente, foram feitas a formulação do corpus de análise das dez entrevistas, propondo-se as primeiras categorias de análise. Na etapa seguinte, foi realizado o agru- pamento de subcategorias similares, definidas as categorias de análise e identificados os eixos característicos nos discursos dos participantes. RESULTADOS E DISCUSSÕES Diante das medidas de isolamento social consequentes da pande- mia por COVID-19, o ensino formal em casa foi uma alternativa para manter a segurança das crianças e jovens em idade escolar. De acordo com os entrevistados, as crianças passaram em média um ano e um mês estudando em casa. Nesse sentido, o cenário propiciou a participação direta dos pais na educação dos filhos, um contexto consideravelmente próximo ao exercício do homeschooling. Este estudo, portanto, buscou Mônica de Fátima Batista Correia; Alessandra do Nascimento Costa • 207 explorar esse evento através da experiência de pais, na perspectiva de derivar contribuições para o debate sobre as fragilidades dessa prática. O roteiro de entrevista foi elaborado a partir de quatro eixos que contemplam a abordagem exploratória do tema, de maneira que as res- postas versam sobre (1) Experiência de Acompanhamento Domiciliar; (2) Suporte Teórico e Pedagógico para o Acompanhamento Domiciliar; (3) Desenvolvimento, Aprendizagem e Socialização; e (4) Particularidades da Educação Escolar. Nos quais foram distribuídas nove categorias, ex- traídas com base no conteúdo dos discursos parentais: Experiência no ensino domiciliar emergencial; Preparação para o processo de ensino domi- ciliar emergencial; Impactos na rotina dos responsáveis; Suporte escolar ou de terceiros; Recursos e atividades complementares; Aprendizagem e desen- volvimento da criança; Impactos e mudanças no comportamento; Socialização com outras crianças; e Papel da escola. De início, pode-se deduzir, apoiados na análise da descrição da re- ferida experiência pelos entrevistados, mais efeitos negativos do que positivos no exercício do ensino remotodomiciliar emergencial, consi- derando vários aspectos, especialmente no que diz respeito aos processos de aprendizagem e desenvolvimento das crianças, ainda que se considere as peculiaridades da situação de pandemia. EIXO 1 - EXPERIÊNCIA DE ACOMPANHAMENTO DOMICILIAR A primeira categoria, Vivência do ensino domiciliar, descreve a ex- periência dos participantes na realização da educação escolar dos seus filhos em casa. As respostas foram distribuídas para três direções: Adaptação ao ensino domiciliar emergencial; Vantagens; e Desvantagens da experiência. 208 • Psicologia na Escola em Tempos de Pandemia: práticas e reflexões Em relação à Adaptação ao ensino domiciliar emergencial, observou- se a incidência de respostas em torno de aspectos emocionais, negativos ou educacionais relacionados à experiência dos pais em acompanhar o ensino dos seus filhos em casa. De maneira que, no primeiro caso, o emo- cional, a experiência foi descrita como, por exemplo, “perturbadora”, “desgastante” e “frustrante”. No segundo, aspectos negativos, como “sem apoio”, “muito ruim”, “bem complicada”. No terceiro, aspectos educacio- nais, como: “nossa forma não é tão didática ou pedagógica” (P4); “não tive preparação para ensinar” (P8). Conforme ilustrado abaixo: P3: A escola dava as atividades e a gente que tinha que dar um jeito de ensi- nar de nossa forma que não é tão didática e nem tão pedagógica, porque a gente não tem essa preparação pra ensinar uma pessoa, uma criança, mesmo sendo nosso filho. P8: Foi complicado porque ele [o filho] não escutava, eu não sabia como fa- zer ele prestar atenção muito tempo. Pra mim, foi bem complicado no início. Ficava estressada ao extremo. Donde se observa que o principal motivo para a dificuldade relatada pelos pais foi a carência de conhecimentos pedagógicos, levando-os a um sentimento de frustração, gerador de estresse. Achados semelhantes aos de Cuadrado et al (2021) em estudo feito na Espanha, no qual destacam que neste período pandêmico, os pais que ficaram responsáveis por mais tempo pela educação dos filhos apresentaram maior grau de ansiedade e estresse em relação aos que se dedicaram pouco ou nenhum tempo. Quando os discursos relataram Vantagens do ensino domiciliar emergencial, parte centrou-se na maior convivência com os filhos e na preservação da saúde: “poder ter acompanhado mais de perto os filhos” (P2) e “passar mais tempo” (P3) com eles. Também destacaram cuidados e questões como a saúde no sentido de que as crianças em casa estavam Mônica de Fátima Batista Correia; Alessandra do Nascimento Costa • 209 protegidas e seguras contra o vírus da Covid-19. Em contrapartida, al- guns deles relataram que viram pouca ou nenhuma vantagem nesse contexto, como expresso nas falas a seguir: P5: Particularmente, nenhuma [referente às vantagens]. Óbvio que vai ter pessoas que vai dizer que sim. Mas, pra ele não é bom. [...] como ali ele tava meio perdido, não foi bom, não”. P7: “A pandemia trouxe tanta consequência pra eles, a parte psicológica, que eu não consegui ver vantagem”. De acordo com Reséndiz-Aparicio(2020), a pandemia fez com que muitos pais ficassem excessivamente em alerta para manter seus filhos seguros. De fato, o contexto solicitava isso, considerando o relato dos entrevistados, a única vantagem apontada para o ensino remoto domi- ciliar emergencial. Ao focalizar o processo de aprendizagem dos filhos, nenhum dos pais conseguiram identificar pontos positivos proporcionados por esse cenário. Os discursos, ao contrário, quando se referiam às Desvantagens do ensino remotodomiciliar emergencial as associavam a atraso na aprendizagem, questões emocionais e prejuízos na socialização das cri- anças, utilizando expressões como “não teve tanta evolução (P4)”, “não aprendeu nada absolutamente” (P5); “estressavam” (P5), ficaram “depen- dentes da gente” (P1); e “perderam muito da socialização (P9)”. Observou- se, inclusive, certa ênfase na ausência de socialização como uma das prin- cipais desvantagens, conforme ilustram os registros que seguem. P3: Desvantagem de não estar inserido em uma comunidade, entendeu? Não aprender em comunidade. A gente tava aprendendo isolados mesmo. Então, eu acho que isso é uma desvantagem muito grande de não ter uma escola presencial. 210 • Psicologia na Escola em Tempos de Pandemia: práticas e reflexões P10: Desvantagem era que ele não prestava muita atenção. Pra mim, ele não ia evoluir só com o ensino em casa assim. É totalmente diferente em sala de aula, com as professoras, os coleguinhas, a presença de outras crianças. A partir desses achados, pode-se ressaltar a valorização da escola enquanto espaço não somente de ensino e aprendizado de conteúdos, mas de construções importantes para a formação do sujeito. Como des- tacam Thorell et al. (2021; p. 13), “além da educação, a escola oferece diferentes serviços essenciais, como nutrição, exercícios físicos, servi- ços de saúde mental e, especialmente, contato social. Logo, o fechamento abrupto dessas instituições pode ter gerado perturbações no funcionamento diário tanto das crianças, como dos seus pais”. Sabe-se que os conhecimentos construídos na experiência pessoal da criança são importantes, ocorre, porém, que esse desenvolvimento é dinâmico e, sobretudo, dialético. Ou seja, tem a interação com o outro, os contextos historicamente situados e a cultura na qual está inserida como pontos de partida para a ampliação de sua estrutura cognitiva. Nesse sentido, a sala de aula forja-se como um dos principais nichos para a emergência de zonas de desenvolvimento proximal, conceito vi- gotskiano colocado como propulsor para o desenvolvimento cognitivo, em um processo no qual se promove movimentos constantes de recria- ção e ressignificação de conceitos e significados. Portanto, contribui para o desenvolvimento das funções psicológicas superiores, como me- mória, raciocínio, abstração, planejamento e imaginação (Oliveira, 2000). O ser humano transforma-se de biológico em social em um pro- cesso essencialmente cultural, mediado, possibilitando um funcionamento psicológico tipicamente humano, nos diferenciando e distanciando de todos os outros animais (Vigotski, 2007; Rego, 2013). Mônica de Fátima Batista Correia; Alessandra do Nascimento Costa • 211 Esse eixo sobre a experiência de ensino domiciliar abrigou também uma segunda categoria de respostas, a Preparação para o processo de en- sino domiciliar que corresponde à aptidão dos pais/responsáveis para oferecer educação escolar aos seus filhos em casa, no que diz respeito ao tipo de formação ou experiência relacionada às atividades de ensino, planejamento das atividades educacionais e mudanças necessárias para a adaptação ao ensino domiciliar emergencial. De modo geral, as res- postas dos participantes estavam relacionadas a questões sobre Formação adequada; Mudanças impostas; e Planejamento na situação de ensino domiciliar emergencial. Sobre Formação adequada os participantes se referiram mais deti- damente a aspectos como competência dos pais para a atividade; sentimentos inerentes ao processo de ensino; e dificuldades frequentes para executar o ensino domiciliar. No primeiro, foram agrupadas ex- pressões como, “eu não me senti nenhum um pouco preparada” (P2), “eu não sabia como fazer ele prestar atenção por muito tempo'' (P10), “a gente precisa ter uma didática específica pra isso” (P2). No segundo, os principais apontamentos foram “foi bem difícil” (P5), “fiquei muito as- sustada” (P2). Já no terceiro, destacaram-se queixas como não conseguir “trabalhar de maneira lúdica” (P2), não conseguir “contextualizar o con- teúdo” (P1) e “desconhecer da metodologia pedagógica” (P10). Observa-se, neste sentido, que os pais continuaram se queixando da ausência de conhecimentos específicos para a educação escolar dos filhos. Esses apontamentos foram semelhantes ao que eles relataram sobre o processo de adaptação a essa modalidade de ensino. Agora, por sua vez, é possível perceber que essa insatisfação vem acompanhada de fatores emocionais negativos, a exemplo do sentimento de frustração: 212 • Psicologia na Escola em Tempos de Pandemia: práticas e reflexões P2: Eu não me sentia nem um pouco preparada pra trabalhar com todos es- ses conceitos e etc., de uma maneira lúdica, de uma maneira que fosse interessante pra ele dentro de casa. Foi bem difícil”. P5: De jeito nenhum [em relação a se sentir preparada para o ensino domi- ciliar]. Aquilo também me dava um estresse grande. Eu sei que eu tenho que ter paciência com ele, mas meu estresse também atrapalhou muito a apren- dizagem dele. [...] Foi muito pesado, eu tenho trauma desse ano, sabe?”. Assim como aborda Cudrado et al (2021), no contexto decorrente da Covid-19, a maioria dos pais não possuíam recursos suficientes e ade- quados, e reconheceram esta necessidade, para cumprir com a educação domiciliar emergencial, sentindo-se sem preparo para assumir o papel de mediadores. Esses autores apontam ainda a necessidade de atenção à saúde mental destes pais, considerando que o ensino domiciliar emer- gencial se tornou um forte estressor para o desencadeamento de níveis agudos de ansiedade. O segundo tema emergente nessa categoria está relacionado às Mudanças impostas com relação a rotina/horário, espaço físico, inves- timentos em equipamentos eletrônicos e prejuízos pessoais. Os participantes trouxeram em suas falas assertivas como “adequar a ro- tina” (P2); “tinha que ter um horário, o horário da aula dele” (P5); fazer “compras de materiais, comprar uma “câmera” (P3); “achar um inter- valo na correria” (P4); “parar algumas coisas dentro de casa” (P7); “abrir mão de algumas coisas” (P8). As falas retrataram significativa necessi- dade de mobilidade dos pais para realizar o ensino domiciliar, ao mesmo tempo em que transmitiram a ideia de significativos enfrentamentos para conciliar obrigações pessoais com a manutenção da educação dos filhos em casa, como ilustrado nos registros a seguir: Mônica de Fátima Batista Correia; Alessandra do Nascimento Costa • 213 P4: “Tive que estabelecer um horário. Tipo um horário de almoço. Um ho- rário meio que vago entre eu chegar do trabalho e conseguir entrar na aula da faculdade que é online também. Logo depois disso. Foi assim, tentando achar um intervalo da correria pra poder ensinar ele, fazer atividades”. P8: Tive que abrir mão de algumas coisas, porque cada pessoa tem sua forma de trabalhar dentro de casa, ter sua rotina diária. E aí eu tive que lidar com isso, deixar de fazer algumas coisas pra poder ajudá-los”. Achados que estão em conformidade com os estudos de Lee et al. (2020), pelo qual afirmam que as mudanças exigidas geraram conflitos entre as necessidades dos pais, de conciliar trabalho, cuidados dos filhos e casa, especialmente em famílias monoparentais, e o ensino domiciliar emergencial. Além dos responsáveis, as crianças também sentiram os impactos das modificações,sobretudo, as pequenas e aquelas com al- gum tipo de necessidade educacional específica. As respostas que se direcionaram para o tema de Planejamento das atividades focaram nas questões mais práticas da composição do ensino, como realizar pesquisas na internet, ver com antecedência as atividades passadas pela escola, ou no fato de realizá-las sem qualquer planeja- mento: “buscava na internet atividades, seguia dicas de blog de alfabetização” (P3); “me preparava para olhar as atividades e depois pas- sar pra ele” (P6); “olhava o que as professoras encaminhavam (P9)”; “não me planejei” (P1); conforme ilustrado nos extratos a seguir. P5: Planejava um horário. Mas, às vezes a gente não dava conta. Às vezes fazia no primeiro dia, às vezes dava uma estressada e deixava pra amanhã, e outro pra amanhã, quando a gente via, já tava muita coisa e pra fazer isso de vez, né?”. P7: Só em relação ao tempo [foi planejado], o horário que nós temos. Mas, planejamento de preparar a aula pra o dia seguinte, não”. 214 • Psicologia na Escola em Tempos de Pandemia: práticas e reflexões Nesse eixo foram focalizados ainda os pormenores relacionados aos Impactos na rotina dos pais/responsáveis, discursos que diziam res- peito às dificuldades e facilidades para as adaptações requeridas, como Sobrecarga de atividades; Conciliação entre as atividades profissionais e pessoais dos pais com a demanda do ensino domiciliar emergencial; e Dificuldades do ensino domiciliar emergencial. No primeiro, os entrevistados centraram-se nos impactos sobre o seu exercício profissional e elementos que traduzem carga excessiva de atividades sobre os responsáveis, principalmente sobre as mães. Ob- serva-se, inclusive, que dos dez entrevistados, só um era pai e todas as mães declararam jornada dupla de trabalho (profissional e domiciliar): P1: “A minha rotina foi bastante sacrificada, porque eu tenho uma jornada de trabalho pra cumprir, eu tenho as coisas da casa pra fazer, né?”. P4: Porque além da carga de trabalho e do trabalho domiciliar com as coisas pra fazer em casa, eu tenho faculdade também. Então, o período que era pra eu tá estudando, me empenhando na minha faculdade também, eu tenho que dividir pra tá ensinando ele. Sobre a Conciliação entre as atividades profissionais e pessoais dos pais com a demanda do ensino domiciliar emergencial há apontamentos com conotações tanto positivas como negativas, no sentido de que al- guns afirmam terem conseguido conciliar as atividades de ensino com sua rotina, embora por vezes apresentem contraposições: P2: Conciliar é uma palavra muito forte. Mas, conseguiu organizar, vamos dizer assim, né? Se readaptando a essa nova construção, dizer que a gente consegue conciliar o trabalho doméstico, o trabalho do home office e o ho- meschooling, acho que conciliar não é a palavra. P5: Eu tinha tempo, né? De ensinar a ele, de acompanhar ele nas aulas on- line. Mas, assim, embora eu, eu poderia ter o dia inteiro, mas assim, pra ele Mônica de Fátima Batista Correia; Alessandra do Nascimento Costa • 215 era ruim. Até assim, a professora falando aqui no Google Meet mesmo ele não acompanhava. Pode-se inferir que, mesmo quando os pais diziam que conseguiam conciliar suas demandas com as atividades dos filhos, isso não implicava em possibilitar uma educação efetiva. De acordo com Lee et al. (2020), praticar a educação domiciliar exige o envolvimento direto dos pais, não somente pela presença e aplicação de tarefas, mas do seu engajamento para mobilizar o educando na apropriação do conhecimento. Na escola, por outro lado, estruturar uma metodologia e considerar as dimensões sociais, econômicas, culturais, afetivas e históricas (Guzzo et al. 2016) faz parte de sua própria constituição, ainda que não se possa garantir a atenção a todas elas. Quando relataram as Dificuldades do ensino domiciliar emergencial, os pais invariavelmente se voltaram para a impossibilidade de cumpri- rem com diferentes tarefas ao mesmo tempo: P2: Dificulta muito, porque a gente não consegue fazer uma coisa só durante esse período, né? A gente tá nesse processo de multitarefas. Então, eu estou ao mesmo tempo exercendo a função de mãe e professora da minha profis- são e também professora dele. P5: Tem que parar tudo pra fazer aquilo, e quem é pai, mãe, tem casa pra ar- rumar, outro filho, principalmente, é complicado de cumprir esses horários. Achados semelhantes aos relatados por Fontenell-Tereshchuk (2021), em estudo realizado no Canadá, cujos pais trabalhavam, ou esta- vam procurando emprego, ao mesmo tempo em que tentavam manter a educação formal dos filhos. 216 • Psicologia na Escola em Tempos de Pandemia: práticas e reflexões EIXO 2 - SUPORTE TEÓRICO E PEDAGÓGICO A quarta categoria agrupou respostas que estavam relacionadas aos Suporte escolar ou de terceiros, caracterizados como fornecimento de recursos materiais, dispositivos tecnológicos ou quaisquer outros apoios proporcionados pela escola ou pessoas dentro do círculo familiar para a prática do ensino domiciliar. Através dos discursos, então, obser- vou-se que as mães ficaram como tutoras principais e os pai como responsáveis pela cooperação para efetivação do ensino. Apenas dois dos 10 entrevistados (20%) se referiram ao recebimento de auxílio de amigos e professores. Quando questionados sobre o Suporte da escola, as respostas seguiram com avaliações negativas, do tipo “a rede de inter- net da escola sempre dá problema (P1)” ou “nem tinha aula online” (P5), e sobre envio de atividades ou materiais, “só as atividades mesmo” (P9). P2: [...] era uma das maiores reclamações dos pais. Era a falta de comunica- ção que era muito, muito ruim com a escola, de definições, de como seria feito o processo e tal”. P7: Não. Muitas vezes nem davam [os professores] a aula completa. Eles não tinham a oportunidade de pedir ajuda. Confere-se, neste sentido, fragilidades em relação ao suporte às fa- mílias, mesmo que ancoradas pela situação emergencial e pela legislação. Os resultados relacionados a estas últimas categorias estão em consonância com o estudo de Fontenelle-Tereshchuki (2021), no qual o autor destaca a crença equivocada da comunidade escolar de que bas- taria dar acesso à internet às crianças e estas saberiam como utilizar os instrumentos tecnológicos e alcançariam o aprendizado com pouca ou nenhuma necessidade de auxílio, minimizando assim o apoio dos pais. Mas o que ocorreu de fato foi a ausência de apoio institucional Mônica de Fátima Batista Correia; Alessandra do Nascimento Costa • 217 qualificado, tanto para as crianças na execução do ensino domiciliar emergencial como para os pais que o aguardavam e, sobretudo, neces- sitavam da orientação dos professores. Segundo Cicek e Tok (2014), o professor planeja a aula a partir de “uma combinação de objetivos, metodologia de ensino, verificação de compreensão e autorreflexão feita por eles” (P.11). Além disso, o plane- jamento é realizado com base em pressupostos teóricos e pragmáticos construídos ao longo da formação, bem como da experiência. Apesar disso, muitas lacunas são apresentadas ao se colocarem no chamado chão da escola, apontando para a complexidade do labor, da necessidade de atenção com esta formação e carência de formação continuada. A ex- pectativa dos pais, portanto, remete, de certa maneira, a um reconhecimento e valorização do trabalho docente. A quinta categoria de respostas dos entrevistados relacionou-se mais detidamente aos Recursos e atividades complementares, de maneira a acessar a adição pelos pais de recursos e materiais mais lúdicos, como músicas, pinturas e jogos, para complementar as atividades escolares. A este respeito os entrevistados se referiram à garimpagem de Recursos extras e de Atividades complementares; destacando a utilização de instru- mentos virtuais e materiais lúdicos:“plataformas online” (P1), “material didático na internet” (P2), “aplicativos” (P9) e “vídeos” (P10), e também o auxílio de professores. Como atividades complementares, lançaram mão de “jogos” (P9), “músicas” (P1), (P10) e “brincadeiras” (P7). P5: Tem uma lousa aqui pra gente brincar de escolinha, pra ver se ele se enturmava mais, se ele queria, se ele se interessava. P7: Sim. Sempre foi assim, de trazer outras formas de ensinar. A gente traz estilos diferentes, brincadeiras pra ajudar”. 218 • Psicologia na Escola em Tempos de Pandemia: práticas e reflexões O auxílio de professores foi mencionado apenas por um dos entre- vistados que recorreu a duas professoras, uma para ministrar aulas de inglês e outra para aulas de português. Como Atividades complementares ressaltaram a adição de atividades, porém mais lúdicas, como quiz, jo- gos, atividade de histórias, pintura, desenho, aulas ao ar livre; bem como, reforço escolar, “reforço pra matemática” (P1); “reforço três vezes por semana” (P5). Compreende-se tais tentativas como uma intenção dos pais de aproximar o espaço doméstico do escolar. Especialmente com o uso complementar de atividades e materiais lúdicos, ou seja, com a utiliza- ção de materialidades para o engajamento do aluno no processo ensino- aprendizagem. Souza et al. (2018) apontam que o uso desses recursos em sala de aula propõe uma interação dialética que afeta/motiva o edu- cando, promovendo sua imaginação, memória, raciocínio, bem como sua participação de forma ativa. EIXO 3 - DESENVOLVIMENTO, APRENDIZAGEM E SOCIALIZAÇÃO A sexta categoria de respostas, Aprendizagem e desenvolvimento da criança, trata mais diretamente dos efeitos do ensino domiciliar emer- gencial no processo de aprendizagem e desenvolvimento das crianças, considerando possíveis dificuldades de aprendizagem em consequência do afastamento das crianças do ambiente escolar. Os discursos, neste sentido, apoiaram-se em causas para interferências nos citados proces- sos, tanto questões emocionais, nas quais utilizaram expressões como “insegurança, incerteza” (P2); “não tinha paciência” (P5); “estresse” (P4); como questões relacionadas ao ambiente, “barulho” (P1); como ilustrado nos extratos a seguir: Mônica de Fátima Batista Correia; Alessandra do Nascimento Costa • 219 P10: Falta de atenção; não prestava atenção por muito tempo. P8: Não queria fazer, só queria assistir. E assim começa a dificuldade, né? Já com a dificuldade de querer aceitar fazer as atividades. Aí já sabe como é, tem aquele perrengue. A principal queixa remeteu ao espaço educacional, uma vez que este continha muitos pontos distratores, ao contrário do que ocorre na escola, cuja estrutura é completamente voltada para o processo educa- cional do indivíduo. A possibilidade de instigar interesse e desafiar o aprendente no ambiente escolar é potencializada, além do docente em seu planejamento buscar criar situações mais desafiadoras, conforme indica abordagens interacionistas do processo ensino aprendizagem, consonantes com o construtivismo piagetiano (Yamazaki, Yamazaki & Labarce, 2019; Wadsworth, 1997) e os pressupostos socioculturais (Cor- reia; Bezerra; Jesus, 2021; Bezerra & Correia, 2019; Rego, 2013) e as metodologias ativas (Alves & Teo, 2020; Lacerda & Santos, 2018). A sétima categoria de respostas relacionadas à aprendizagem, de- senvolvimento e socialização dos estudantes em ensino domiciliar, nomeada de Impactos e mudanças no comportamento, refere-se às mu- danças comportamentais observadas nas crianças em decorrência da passagem do ensino presencial para o ensino domiciliar emergencial, focalizando os comportamentos mais frequentes quando imersos na nova realidade. Os maiores impactos citados foram a desatenção, citada por 90% dos pais; impulsividade (inclui agitação e impaciência - 100%); alterações de humor (inclui irritação - 90%); desmotivação (inclui can- saço - 70%); choro frequente (60%); e onicofagia (roer as unhas - 50%). Alguns extratos que ilustram estes apontamentos: 220 • Psicologia na Escola em Tempos de Pandemia: práticas e reflexões P3: Ele teve, assim, algo de ansiedade. No início, ele tava roendo unhas, de- pois ele passou a beliscar a unha, a descascar a unha e foi inclusive por isso que eu busquei a psicóloga. P4: Falta de concentração, falta de atenção, impaciência. P6: Desligamento total, não deu muito crédito ao estudo. As mudanças de comportamento, mais especificamente, se referi- ram a comportamentos ansiosos, de autoexclusão (afastamento voluntário dos colegas quando de volta ao ensino presencial) e altera- ções de humor. De acordo com os discursos dos pais, as crianças mostraram-se mais “irritadas” (P1); “chorosos, desanimadas” (P8), “in- seguras” (P2), além de apresentarem “inquietude” (P2); ‘impaciência” (P4); e “dificuldade em interagir com outras crianças (P4)”; como ilus- trado nos relatos a seguir: P7: Passaram a ficar irritadiços, chorosos, percebi que estavam desanima- dos, inclusive pra estudar. Eles nunca desanimaram pra estudo até esse momento, “ah, mamãe, não tem graça”, “ah, mamãe, porque vamos fazer isso”. Coisas como chorar muito, gritar um com outro, estava tudo à flor da pele. P9: Sim. Teve a questão da G. que por um tempo até ela absorver essa situ- ação ela ficava muito triste, chorava e reclamava que queria voltar pra escola. Dizia que tinha ódio do vírus, do Covid, porque ela queria tá na es- cola. [...] A R. eu percebi que ela desenvolveu um tanto de ansiedade. P4: O E. teve dificuldade de interagir com outras crianças na volta às aulas. A psicopedagoga me chamou e falou se esse comportamento dele vem de algum tempo ou se foi agora por causa da pandemia também, né? A gente tá suspeitando que seja por causa de tanto tempo sozinho. Então, ele tem dificuldade em tá incluso nos jogos e nas atividades coletivas e em grupo. Uma pesquisa sobre o ensino domiciliar emergencial realizada em sete países europeus apontou que dentre as consequências da Mônica de Fátima Batista Correia; Alessandra do Nascimento Costa • 221 pandemia, a prática de ensino domiciliar foi uma, entre as alternativas à situação, das que apresentou mais efeitos negativos. Entre estes, tal como no presente estudo, comportamentos mais frequentes de irritabi- lidade, agressividade, desatenção, sintomas ansiosos e depressivos (Thorell et al., 2020). Estes achados, apesar das outras variáveis envol- vidas em uma situação de pandemia, mesmo considerando a fragilidade da escola neste contexto histórico, sugerem uma ligação benéfica entre crianças e o cenário escolar. A oitava categoria, Socialização com outras crianças, elaborada a par- tir dos discursos dos participantes, refere-se à manutenção, ou não, do relacionamento do filho/a com outras crianças da mesma faixa etária, du- rante o período de ensino domiciliar emergencial, e à opinião dos pais com relação à necessidade deste contato. Os entrevistados sugeriram que as crianças não se relacionaram com outras ou tiveram pouco contato du- rante o referido período, neste caso com crianças da própria família. Com relação às opiniões dos entrevistados sobre a socialização com outras crianças, os discursos se concentraram em torno da importância da socialização e dos possíveis efeitos da ausência daquela; conforme ilustra os extratos a seguir: P3: É muito importante. Acho que não dá pra viver sem esse contato com outras crianças. Eu acho que esse contato fornece meio como um alimento, ele precisa estar em contato com outras crianças da idade dele”. P7: A aprendizagem das crianças não é só com a família, com as atividades curriculares, mas também com a socialização. Eles precisam de outras cri- anças. E eles sentiram muito isso. P9: Foi de fato isso que eu senti nelas, a falta da socialização, a parte mais complicada pra elas. Tanto é que houve um momento que a gente sentiatoda questão emocional de tristeza, a falta de estar com o coleguinha, estar brincando, se relacionando. 222 • Psicologia na Escola em Tempos de Pandemia: práticas e reflexões Em contrapartida, um dos argumentos mais comuns dos apoiadores do homeschooling é o de que a socialização proporcionada pela escola pode ser substituída por aquela que ocorre eventualmente entre as crianças que fazem parte da família (Tobbin e Cardin, 2020). Este, inclusive, se ca- racteriza como um dos principais alvos das críticas a essa modalidade de ensino, a socialização fica restrita àquele nicho parental e distante de re- alidades e concepções distintas de mundo. Para além disso, a ampliação das interações entre os pares repercute na amplificação das estruturas cognitivas (Oliveira, 2000; Rego, 2013; Vigotski, 2007). EIXO 4 - PARTICULARIDADES DA EDUCAÇÃO ESCOLAR A nona e última categoria de respostas fala diretamente do Papel da escola para os entrevistados no que concerne ao desenvolvimento hu- mano e à sociedade. Os discursos seguiram em dois sentidos, o primeiro, de indicar o que é mais importante na escola. Neste caso, consideraram, sobretudo, a socialização, a aprendizagem e a centralidade desta insti- tuição na vida da pessoa, conforme os extratos abaixo. P6: Algo que é bom pra nós, pais. Porque a criança aprende, aprende que tem uma responsabilidade com o estudo, aprende a se comunicar, e se rela- cionar com outras crianças. P8: Pra mim, durante a pandemia ficou mais visível que a função hoje da escola mesmo é oportunizar espaços de interação, de socialização e de você poder entender, compreender o mundo do outro. P10: Bastante importante e preciso na vida de qualquer pessoa. Eu já percebi que depois que ele descobriu o que é escola, ele mudou totalmente, mesmo sendo uma criança pequenininha e tal. Mônica de Fátima Batista Correia; Alessandra do Nascimento Costa • 223 No outro sentido de respostas à entrevista, os participantes da pes- quisa enfatizaram as relações possibilitadas pela imersão em uma instituição escolar, para além das relações familiares: P2: Eu acho que é essencial [a escola] no processo de interação com outras crianças, com outros adultos também, diferentes dos pais. Outras referên- cias pra eles em relação aos professores. P3: Ele teve um aprendizado aqui [na família], mas eu não acho isso vanta- joso, de não ter esse aprendizado compartilhado com a comunidade. P10: Pra mim, é a segunda família, né? Tem a professora, que chama das tias, né? Os coleguinhas, os melhores amigos. E lá é onde tudo começa, né? Do nosso entendimento por gente, do ser humano, da nossa ética, do jeito de tratar os outros. A partir desses discursos, pode-se compreender como os pais e as crianças são atravessados pela educação escolar. Instituição historica- mente responsável pela produção e apropriação da cultura e da ciência (Picoli, 2020). Ainda assim, faz-se importante frisar que não se desconsi- dera o aprendizado da criança no seu entorno familiar, como apresenta Vigotski, o aprendizado da criança se inicia muito antes de frequentar a escola, mas ao começar a frequentar o espaço escolar, o aprendizado é contemplado por novos elementos que são essenciais para as funções psi- cológicas superiores e tipicamente humanas (Rego, 2013). COMENTÁRIOS FINAIS Esta pesquisa buscou analisar o ensino domiciliar ocorrido em massa devido à pandemia pelo COVID-19, a partir de diferentes prismas, e derivar contribuições para o debate sobre as fragilidades do ensino domiciliar (ou homeschooling) no Brasil; em franca discussão neste mo- mento. Os resultados, neste sentido, lançam luz sobre um ensino 224 • Psicologia na Escola em Tempos de Pandemia: práticas e reflexões domiciliar carente de diferentes aspectos essenciais para a aprendiza- gem e desenvolvimento das crianças, notadamente, em relação à preparação do mediador e à socialização dos educandos. Os entrevista- dos queixaram-se, sobretudo, de possuírem pouco ou nenhum conhecimento pedagógico para oferecer o ensino aos seus filhos de forma exitosa e dos impactos negativos da queda na socialização das crianças, gerada pela ausência de contato com outras crianças. As evidências sugerem que o afastamento do espaço escolar traz reflexos negativos, desde implicações no funcionamento diário - tanto das crianças, como dos pais, considerando as mudanças no comporta- mento ou perda de aquisições cognitivas já adquiridas dos filhos após o início do ensino domiciliar -, até expressiva geração de frustração no processo de ensino domiciliar. Conciliar as responsabilidades pessoais e profissionais dos pais com as aulas dos filhos configurou-se como estímulo estressor, dificul- tando a efetivação ou eficácia do ensino, considerando que aquelas funções se sobrepuseram a outras, culminando em uma sobrecarga de atividades para o responsável, especialmente quando o papel da educa- ção era conferido à figura materna. Os dados apontaram ainda para o reconhecimento da função do- cente, principalmente através da ênfase na necessidade dos pais em receberem suporte escolar. As escolas, de acordo com os entrevistados, não ofereceram apoio adequado para a execução do ensino em domicí- lio, ausência declarada como consideravelmente desfavorável para o acompanhamento adequado das aulas. Para tentar potencializar o ensino domiciliar emergencial e, aparen- temente, tentar aproximar o ambiente doméstico do escolar, os pais lançaram mão da utilização de recursos lúdicos e atividades Mônica de Fátima Batista Correia; Alessandra do Nascimento Costa • 225 complementares. Apesar disso, o espaço domiciliar foi percebido como um local com muitos eventos distratores que acarretavam desatenção e, consequentemente, não engajamento das crianças nas atividades propos- tas. A dificuldade de concentração nesse contexto, inclusive, foi notada como a característica mais comum ao afastamento do ambiente escolar. Relação que sugere a importância de um ambiente intencionalmente or- ganizado para o processo ensino-aprendizagem, tal como a sala de aula; mesmo reconhecendo os entraves contemporâneos deste cenário. Ademais, percebeu-se nos discursos dos pais um lugar de impor- tância para o contexto escolar na sociedade. Embora, como enfatizado, a escola ainda apresente lacunas estruturais e metodológicas, o valor desta na socialização e aprendizagem dos indivíduos se sobrepõe a essa realidade. Os achados deste estudo exploratório lançam questionamentos re- levantes e cobram discussões mais pontuais e qualificadas sobre duas searas. A primeira diz respeito à construção de um projeto de recuperação dos prejuízos gerados pelo afastamento do ambiente escolar e do precário “ensino” emergencial implantado no país. E a outra remete diretamente à emergente discussão sobre a regulamentação da prática de educação domiciliar ou homeschooling no Brasil. Uma vez que os achados de dife- rentes estudos, citados no decorrer da discussão, contradizem a premissa de desqualificação da escola, exposta pelos defensores do homeschooling, como espaço inadequado para o desenvolvimento das crianças. Apesar de ter sido realizado compulsoriamente, foi possível obser- var, através dos discursos dos entrevistados, visto que os pais se tornaram a figura principal de tutoria para os filhos, a proximidade desse contexto com essa prática do ensino domiciliar, cuja regulamen- tação está sendo requerida em caráter emergencial neste momento. Os 226 • Psicologia na Escola em Tempos de Pandemia: práticas e reflexões resultados demonstram o quão complexa é a prática de ensino domici- liar, o quanto esta pode resvalar na proposta de oferecer educação de qualidade, e expõem, sobretudo, a fragilidade da realidade social, polí- tica e econômica do contexto brasileiro para oferecer suporte adequado a tal modalidade de ensino. O Projeto de Leinº 1338 de 2022, lançado na câmara dos deputados, que propõe alterações na Lei nº 9.394/96 (LDB) e na Lei nº 8.069/90 (ECA), para admitir a educação básica tanto na insti- tuição escolar como em casa, no entanto, parece não considerar os efeitos discutidos acima. Essa proposta, que já tramita no Congresso Nacional, sobre a regu- larização da oferta do homeschooling no Brasil deixa a desejar, notadamente, em como essa prática será fiscalizada concretamente ou como os pais irão comprovar que estão seguindo com as normas esta- belecidas. Não se esclarece, por exemplo, como será garantida a socialização das crianças, quais documentos serão fornecidos pelos pais a fim de comprovar o cumprimento dos conteúdos previstos na Base Nacional Comum Curricular, tampouco como os citados “relatórios” de registro de atividades serão validados. Nesse sentido, considera-se que regulamentar o ensino domiciliar no Brasil pode afetar diretamente a garantia da educação básica para todos os cidadãos, especialmente no que tange às famílias em vulnera- bilidade econômica. Existe uma forte propensão para que esse contexto seja mais passível, por exemplo, ao abuso e/ou trabalho infantil, uma vez que estarão fora de um dos ambientes onde as evidências desses acontecimentos podem emergir. Além disso, as crianças sob essa prática podem receber formações pautadas somente nas ideologias parentais, sem desenvolver funções psicológicas importantes para a sua Mônica de Fátima Batista Correia; Alessandra do Nascimento Costa • 227 convivência em sociedade, e serem privadas de situações e desafios cog- nitivos que favorecem o raciocínio reflexivo e o pensamento crítico. Frisa-se, dessa forma, a necessidade de investigações que possam analisar e apontar para as lacunas do citado Projeto de Lei, para além das questões legais apenas, de modo que seja possível ampliar a discus- são entre prós e contras para apropriações menos superficiais da problemática que a prática pode gerar. Outra dimensão relevante para esta discussão seria entender que público poderia realmente se benefi- ciar desta prática e, por outro lado, qual se prejudicaria mais caso viesse a ser aprovado. Por último, ressalta-se que se a mobilidade direcionada para a regulamentação desse projeto fosse, ao invés, voltada para mai- ores investimentos direcionados aos desafios presentes nas instituições de ensino atuais, certamente, estes poderiam ser mais rapidamente su- perados. REFERÊNCIAS Adrião, T., & Domiciano, C. A. (2018). A educação pública e as corporações: avanços e contradições em uma década de ampliação de investimento no Brasil. 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