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SUMÁRIO UNIDADE I ...................................................................................................... 7 Cultura, pra quê? UNIDADE II ................................................................................................... 22 Respeito às Diferenças: Eu e o Outro UNIDADE III .................................................................................................. 39 Antropologia Brasileira e o Sincretismo Religioso UNIDADE IV .................................................................................................. 58 Por uma Pedagogia Antirracista 7 Plano de Estudo: ● Você sabe o que é cultura? ● Antropologia: uma ciência em constante mudanças ● O antropólogo: quem é ele? ● Entenda: cada cultura tem sua própria lógica Objetivos de Aprendizagem: ● Conceitos e Definições de Cultura ● Campos de estudo da Antropologia ● Refletir sobre o papel do Antropólogo ● Compreender a importância dos estudos antropológicos contra discriminação, preconceito e intolerância UNIDADE I Cultura, pra quê? Professora Mestra Renata Oliveira dos Santos 8UNIDADE I Cultura, pra quê? INTRODUÇÃO Somos todos preconceituosos! Logo de cara, ler essa frase nos causa um pouco de desconforto, não é mesmo? Pois bem, é justamente para repensar nossos privilégios sociais e lugares que ocupamos na sociedade que a Antropologia começará a fazer parte das nossas discussões. Você verá que muitas coisas que faz, fala, a maneira como reage e age no meio social estão relacionadas a sua cultura. Mesmo que não saiba ainda, nós reproduzimos muitas falas e ações de quem faz parte do cotidiano que vivenciamos. Assim, vamos cons- truindo e desconstruindo nossas ideias e maneira de pensar o mundo. Claro que você já deve ter percebido que muitos atos de racismos, preconceitos em relação a identidades de gênero, violências contra mulheres e homossexuais estão cada vez mais presente nos noticiários, nas redes sociais. Denúncias que se repetem e que deveriam nos levar a pensar: “Mas, afinal, por que essas coisas acontecem?” Bom, sabe aquela frase que nossos pais/avós falam e que, muitas vezes, nos irrita: “na minha época não era assim”? Então, é que vivemos em contextos históricos, políticos, educacionais e econômicos diferentes. Assim, a maneira como uma coisa era pensada anteriormente pode não ter nenhum significado e sentido agora. Lembre-se, culturas são dinâmicas. Elas se movem e se modificam o tempo todo. Por isso, atos racistas, preconceituosos e discriminatórios, que historicamente foram naturalizados, em nossos tempos, são cada vez mais problematizados e combatidos. As diferenças fazem parte da nossa sociedade e elas precisam ser entendidas e respeitadas. Todos os sujeitos sociais devem ter seus direitos sociais e judiciários assegurados, para quem ninguém fique à margem do todo social, simplesmente porque sua forma de ver, pensar, agir e estar no mundo é singular, específica em relação ao outro. 9UNIDADE I Cultura, pra quê? 1 VOCÊ SABE O QUE É CULTURA? Afinal, qual a necessidade de se estudar CULTURA? Bom, quando entendemos o que, de fato, o conceito dessa palavra significa, podemos perceber que ela é de extrema utilidade, pois nos ajuda a entender a enorme complexidade, que se traduz na espécie humana, por meio da diversidade cultural. Segundo Laraia (1986), Edward Tylor, em seu livro Primitive Culture, de 1871, foi o primeiro autor a definir que cultura poderia ser entendida como um objeto de estudo sis- temático por se tratar de um fenômeno natural, com causas e regularidades. Isso permitia uma maneira de estudo objetivo que fosse capaz de gerar leis sobre o processo cultural e a sua evolução. A ideia de evolução tem sua raiz nos estudos Darwinistas, em que se acreditava que o ser humano evoluiu do macaco. No caso da cultura, seria enfatizar que entendendo um povo ou grupo, seria possível modificá-lo para algo melhor. Essa maneira de pensar o conceito está bem relacionada à ideia biológica, ou seja, as ações humanas nada mais seriam que reproduções naturais, evolucionistas. Se contrapondo a essa ideia, o alemão Franz Boas desenvolveu o método com- parativo. Para o autor, ao se analisar uma cultura seria possível reconstruir da história de povos e comparar a vida social de diferentes grupos, tudo isso sendo pensado a partir da luz histórica. Assim, começou-se a entender que cada cultura seguia seus próprios caminhos, isso devido ao fato de vivenciarem eventos históricos diferenciados (LARAIA, 1986). 10UNIDADE I Cultura, pra quê? O antropólogo americano Alfred Kroeber (1876-1960) aprofundou seus estudos e foi capaz de definir que a cultura atua sobre o homem. Este se diferencia da forma animal, justamente, por produzir uma cultura particular que representa as necessidades e a maneira de construir sentidos e significados para as práticas humanas. Para o autor, nós, homens e mulheres, criamos o próprio processo evolutivo e nos libertamos das amarras da natureza e do orgânico (LARAIA, 1986). Nesse sentido, podemos afirmar que somos o resultado do meio cultural em que fomos e estamos sendo socializados. Você já prestou atenção no quanto tem atitudes como a do seu pai ou da sua mãe? Maneira de andar, gesticular as mãos, de sorrir. Repare. Pense. Veja que muitas dessas ações são semelhantes e podem ser consideradas reflexos dos nossos primeiros contatos com a sociedade. Assim, quando dizem para você: “Nossa, como você parece tal pessoa”, estão afirmando como você imita ela e acaba por reproduzir características que não são somente suas. Dessa maneira, entendemos que não nascemos inteligentes, criativos, preconcei- tuosos, homofóbicos, racistas. Tudo isso aprendemos e reproduzimos de outras pessoas que, por serem muito próximas, a nós acabam por ajudar a construir a forma como estamos agimos e vemos o mundo. Isso pode acontecer em casa, na igreja, na escola, que consti- tuem instituições sociais importantes da nossa sociedade. “A cultura é um processo acumulativo, resultante de toda experiência histórica das gerações anteriores. Esse processo limita ou estimula a ação criativa do indivíduo” (LARAIA, 1986, p. 49). Com isso, entendemos que toda experiência de uma pessoa é transmitida para os demais, o que ocasiona um acúmulo de saberes e conhecimentos que podem ser compar- tilhados, repensados e recriados dependendo do contexto e das necessidades. Por isso, ao pensarmos em cultura, vamos recorrer aos estudos do antropólogo Clifford Geertz (2013), que afirma que o conceito de cultura deve estar ancorado na ideia de semiótico. Assim, entende, baseado nas ideias de Max Weber, que o homem é um animal preso à uma teia de significados que ele mesmo teceu. A cultura seria essa teia e caberia aos pesquisadores analisá-las, na construção de uma ciência interpretativa, à procura de significados. Os praticantes da ciência da cultura, chamada de antropologia, são chamados de antropólogos. Esses, ao interpretar um grupo de pessoas, são responsáveis por desenvol- ver uma maneira de estudo, que pode ser identificado como etnografia. 11UNIDADE I Cultura, pra quê? Para um antropólogo, é preciso, ao praticar a etnografia, estabelecer relações, selecionar informantes, transcrever textos, levantar genealogias, mapear campos e ter um diário em que é possível anotar tudo que vê e ouve, podendo, assim, descrever, de maneira densa, o que aprendeu sobre uma determinada cultura. Captar e entender códigos, signifi- cados e sua importância. Talvez você goste de futebol, talvez não. Porém, é inegável que a cultura brasileira se insere também pela paixão e identificação com esse esporte. Pois bem, quando algo além do jogo ocorre, a gente se pergunta se futebol é apenas um jogo. Mas, como assim? Bom, você já deve ter vistos pessoas se abraçando sem se conhecer depois de um gol ou de um campeonato. Naquele momento há outros sentidospara aqueles gestos. Isso faz com que ir a um estádio de futebol ou torcer por um time seja algo que aproxima as pessoas, gera regras de convívios, símbolos e significados. Geertz (2013) nos afirma que a cultura é pública e, por isso, significa exatamente o que é. Ela possui um contexto que pode ser descrito de forma inteligível, a partir do momento que respeitamos a voz do nativo, ou seja, de quem vive aquela realidade. Ser antropólogo não é dizer que algo está correto ou errado, mas sim ouvir o que realmente o outro diz. Ao compreender a cultura de um povo é possível expor sua normalidade sem que suas particularidades deixem de existir. Uma descrição etnográfica é interpretativa. O seu estudo acontece na própria cul- tura e caberá ao pesquisador a capacidade de olhar o que é necessário e importante para quem participa daqueles signos e significados. Vale lembrar que os estudos nunca são finitos em si mesmo. Eles podem ser repensados a todo momento, pois tudo muda o tempo todo no mundo. Olhar as dimensões simbólicas da ação social - arte, religião, ideologia, ciên- cia, lei, moralidade, senso comum - não é afastar-se dos dilemas existenciais da vida em favor de algum domínio empírico de formas não emocionalizadas; é mergulhar no meio delas. A vocação essencial da antropologia interpre- tativa não é responder às nossas questões mais profundas, mas colocar à nossa disposição as respostas que os outros deram - apascentando outros carneiros em outros vales - e assim incluí-las no registro de consultas sobre o que o homem falou (GEERTZ, 2013, p. 21). Dessa Maneira, vamos nos aprofundar um pouco mais sobre a antropologia, de- monstrando como, na prática cotidiana, ela nos permite compreender o outro e a nossa própria sociedade por meio de perspectivas diversas, que não podem ser consideradas melhores ou piores; superiores ou inferiores; boas ou ruins. 12UNIDADE I Cultura, pra quê? 2 ANTROPOLOGIA: UMA CIÊNCIA EM CONSTANTE MUDANÇAS Segundo Laplantine (1987), o homem nunca deixou de questionar a si mesmo, assim como, de se observar e ver o outro. A ciência antropológica nasceu no Século XVIII, em que torna o homem um objeto de conhecimento e não somente preso à natureza. Nesse primeiro momento, os estudos da antropologia se restringiram à pesquisa de sociedades muito afastadas das europeias ou chamadas de civilizadas. Tratava-se de grupos de pessoas que vivem isoladas, com tecnologia pouco desenvolvida, sociedades consideradas simples em sua organização. Isso faz com que o objeto de estudo seja, ini- cialmente, as populações não pertencentes à civilização ocidental. Entretanto, as mudanças nas rotas comerciais e a aproximação entre os povos fizeram a antropologia perceber seu objeto de estudo desaparecendo. Então, seus pes- quisadores começaram a desenvolver olhares também para sua própria sociedade, seus pesquisadores começaram a direcionar olhares também para sua própria sociedade, obje- tivando entender as especificidades de todos os tipos de povos. Você deve estar pensando qual a razão de estudar o homem em seus sentidos e significados, e como fazer isso... Bom, esse desafio os antropólogos possuem até hoje para compreender que somos pessoas sociais e culturais. O que significa que o mundo como conhecemos, vivemos e ajudamos a desenvolver está inserido em perspectivas de grupos diversos. O que isso significa? É que a ideia apenas de certo ou errado, selvagem ou civilizados não passa de maneira de enxergar as coisas a partir de pontos de vistas diferenciados. 13UNIDADE I Cultura, pra quê? “O modo de ver o mundo, as apreciações de ordem moral e valorativa, os diferentes comportamentos sociais e mesmo as posturas corporais são assim produtos de uma herança cultural, ou seja, o resultado da operação de uma determinada cultura” (LARAIA, 1986, p. 68). Você sabia, por exemplo, que pessoas de culturas diferentes riem das coisas mais diversas? Você já reparou que de uma cidade para outra as palavras mudam? Pois é, tudo isso nos mostra que fazemos parte de um mundo muito maior do que somos capazes de imaginar. Podemos dividir os estudos antropológicos em, pelo menos, cinco áreas diferentes, são elas: ● Antropologia Biológica - está ligada à genética das populações. O pesquisador analisará as particularidades morfológicas e fisiológicas relacionadas ao meio ambiente. ● Antropologia Pré-Histórica - relacionada à arqueologia, busca reconstruir as so- ciedades desaparecidas, em suas técnicas, organizações, produções culturais e artísticas. ● Antropologia Linguística - entende que a linguagem é um patrimônio cultural de uma sociedade. Será por meio dela que homens e mulheres poderão se expres- sar e interpretar o mundo em que vivem. ● Antropologia Psicológica - baseada no estudo dos processos psíquicos humanos. ● Antropologia Social e Cultural - se refere a tudo que constitui uma sociedade que se representa pelos seus aspectos econômicos, jurídicos, sociais, religio- sos, educacionais, costumes, hábitos, organização política e criações artísticas (LAPLANTINE, 1987). Nossos estudos estão ancorados, justamente, nessa última área, em que gestos, trocas simbólicas e os detalhes de quem somos e agimos no dia a dia fazem parte daquilo que buscamos compreender. Já que muitas vezes essas manifestações são responsáveis por criar nossa própria identidade. Não se esqueça que, para a antropologia, nossa maneira de andar, dormir, nos encontrar, emocionar, comemorar e reagir são produtos de escolhas culturais que podemos realizar de maneira consciente ou apenas reproduzindo os reflexos que interiorizamos. Dessa maneira, quando nos propomos a ver o mundo com outra perspectiva, somos conduzidos, por essa ciência, a uma verdadeira revolução do olhar: “Eu sou mil possíveis em mim; mas não posso me resignar a querer apenas um deles” (Roger Bastide). 14UNIDADE I Cultura, pra quê? 3 O ANTROPÓLOGO: QUEM É ELE? O antropólogo é o cientista responsável por utilizar as ferramentas e os instrumen- tos específicos para compreender uma cultura. Não cabe a ele qualquer tipo de julgamento de valor, mas sim apresentar, da maneira mais clara e coerente, as manifestações culturais dos grupos mais diversos do mundo. Esse pesquisador nos ajuda a entender signos, sentidos e significados que, para nós, pareciam naturais, porém não são. Você já deve ter visto algum documentário sobre comidas, pratos típicos de outras regiões e, até mesmo, países, Não? Caso não tenha visto, saiba que uma maneira de conhecer seu povo é compreender a sua culinária. Ninguém se alimenta apenas por uma função biológica, nós comemos o que podemos plantar, colher, caçar, cozinhar e consumir cru. Por isso, algumas culturas se alimentam de carnes bovinas, enquanto outras de peixes. Isso também está relacionado a questões geográficas. O antropólogo sempre nos surpreenderá com a descrição daquilo que nos parece familiar, proporcionando um estranhamento de coisas que pensamos ser naturais e normais. Por isso, seu trabalho não é transformar a sociedade que estuda, mas, ao conhecê-la, pode permitir que seus membros realizem mudanças que entende como necessárias para a sua manutenção. Para Oliveira (2000), os antropólogos devem cumprir três etapas para analisar os fenômenos sociais, questionando-os e os tematizando, por meio do olhar; ouvir e escrever. 15UNIDADE I Cultura, pra quê? Práticas que vão sendo disciplinadas por teorias que auxiliam esse profissional a entender a realidade e querer interpretá-la. ● OLHAR: domesticação do Olhar etnográfico - Realizado por meio de toda a teoria apreendida durante as aulas acadêmicas. Um itinerário que é absorvido e será posto em prática quando o pesquisador for a campo, ou seja, para o local de seus estudos. Nesse momento, teoria e prática irão se chocar, por isso é muito importante que a maneira de enxergar se desenvolva de maneira sensível.● OUVIR: assim como o olhar é um exercício da investigação, saber ouvir os ruídos também. Isso significa que o pesquisador precisa entender o que falam, quem fala e como fala. Sabe quando estamos em um ônibus do transporte público e paramos para ouvir as conversas alheias? Pois bem, da próxima vez que acontecer isso contigo, prepare seu ouvido para apenas ouvir e depois desenvolva um diálogo consigo mesmo sobre o que tudo aquilo significava. Pa- rece loucura? Você verá que não. É apenas uma maneira de escutar o mundo ao seu redor. ● ESCREVER: tão importante quanto o olhar e o ouvir será também o ato de escrever. Essa capacidade de relatar para o mundo o que se apreendeu e de interpretar, por meio da linguagem, o que se deseja expressar. Quando vemos, ouvimos e nos propomos a escrever percebemos o quanto é possível saber sobre nós mesmo e sobre os outros. Com a ajuda de teorias, essa escrita ganha caráter científico. Assim, a etnografia pode ser compreendida como uma manei- ra de representar em texto aquilo que o campo nos fez ver e escutar. [...] o ato de escrever e o de pensar são de tal forma solidários entre si, juntos, formam praticamente um mesmo ato cognitivo. Isso significa que, nesse caso, o texto não espera que seu autor tenha primeiro todas as respostas, para, só então, poder ser iniciado. Entendo que na elaboração de uma boa narrativa, o pesquisador, de posse de suas observações devidamente organizadas, inicia um processo de textualização, concomitante ao processo de produção do conhecimento (OLIVEIRA, 2000, p. 32). Diante disso, podemos afirmar que o ato de olhar, ouvir e escrever são pró- prios da antropologia, e podem promover uma maneira de entender o mundo de forma relativizada. Eles devem ser vistos de maneira tematizada e etapas da construção de novos conhecimentos. 16UNIDADE I Cultura, pra quê? 4 ENTENDA: CADA CULTURA TEM SUA PRÓPRIA LÓGICA Agora que você já caminhou um pouco sobre o mundo da Antropologia, espero que tenha ficado bem claro que culturas são DIFERENTES. Por isso, não podemos dizer que a manifestação de um grupo, de um povo é algo esquisito, estranho e exótico. Somos diferentes e isso precisa ser algo que a gente deve aprender e jamais esquecer. Vale ressaltar que todo sistema cultural tem a própria lógica. O que significa que eu e você podemos até não entender por que determinada região se alimenta de algo, ou por que outras pessoas têm manifestações religiosas diferentes da nossa, entretanto, é in- dispensável compreender que, para essas pessoas, tudo tem um sentido e um significado. As sociedades se desenvolvem porque os sujeitos sociais que as constituem são produtos e produtores de uma cultura. Assim, a maneira como pensamos, agimos, silencia- mos e lutamos está relacionada à forma como isso nos foi ensinado, seja por nossa família ou por conta de qualquer outra instituição social, como é o caso da escola, do Estado e da igreja. O fato é que os homens e as mulheres sempre buscaram explicações para fatos que não conseguem entender sem uma investigação mais pontual. É o caso, por exemplo, das questões sobre a vida e a morte. Para responder a esses anseios cada sociedade tem promovido diversas interpretações. Por exemplo, você sabia que o povo mexicano tem um dia para festejar os mortos? Sim, eles dançam e cantam para seus antepassados, sem 17UNIDADE I Cultura, pra quê? choro e com muitas manifestações de vida, em uma grande celebração. Isso seria algo quase impossível aqui no Brasil, não é? Os mexicanos estão errados e nós brasileiros certos? Nem uma coisa, nem outra, são apenas práticas e discursos diferentes, que demonstram que não existe apenas uma maneira de entender a morte no mundo. Se optarmos por explicar a vida, veremos que as mais diversas sociedades en- tenderam a concepção do nascimento de maneira diversificada. Uma investigação mais pontual irá provar como a forma como cada uma delas enxerga esse ato tem a sua própria lógica e coerência no seu sistema social. Por isso devemos estar atentos, pois muito do que acreditamos ser algo natural, não passa, na verdade, de uma construção histórica, fruto de um processo cultural subje- tivo. Desse modo, não podemos pensar a cultura como desejava Edward Tylor, como algo objetivo e universal. Ao compreender essas questões percebemos que a cultura não é algo estático, mas sim dinâmico e que a todo momento pode ser modificada. Mas, como isso é possível? Bom, é só pensar nos tatuadores e naqueles que possuem tatuagens. Até mais ou menos uns 30 anos atrás ter uma tatuagem tinha um significado bem pejorativo em nossa sociedade. Ainda hoje temos algumas pessoas que acham a tatuagem algo ruim. Entretanto, nos últimos anos vimos que a sociedade começou a compreender o trabalho e a arte do tatuador, reconhecendo suas especificidades e criando não somente novos postos de tra- balhos, como também uma outra maneira de entender aquele que tatua e quem é tatuado. “Cada mudança por menor que seja, representa o desenlace de numerosos con- flitos. Isto porque em cada momento as sociedades humanas são palco do embate entre tendências conservadoras e as inovadoras” (LARAIA, 1986, p. 99). Enfim, a mudança cultural não é uma ação fácil, mas necessária quando um tipo de comportamento e ação já não condiz mais com a realidade social. Por essa razão, é muito importante entender as dinâmicas sociais, que se alteram a cada nova geração e que podem evitar atitudes preconceituosas, racistas e discriminatórias em nossa sociedade. 18UNIDADE I Cultura, pra quê? SAIBA MAIS Você sabia que a vaca é considerada um animal sagrado entre os indianos? O que pode parecer estranho, esquisito e exótico tem uma explicação lógica. Para saber mais, leia o texto indicado e descubra como as diferenças fazem parte do nosso mundo. Por que a Vaca é Sagrada na Índia? Disponível em: https://super.abril.com.br/mundo-estranho/por-que-a-vaca-e-sagrada-na-india/ REFLITA “A falta de cultura é um dos maiores fomementos da infelicidade de um povo. E não adianta dizer o contrário. Quem é analfabeto cultural, não sabe interpretar a vida” (Re- nan Venâncio). Qual a razão da cultura ser um aspecto tão importante para a compreensão do meio em que vivemos? 19UNIDADE I Cultura, pra quê? CONSIDERAÇÕES FINAIS Começamos essa unidade afirmando que somos preconceituosos. Talvez isso tenha sido desconfortável para você, porém esse é um choque necessário para aqueles que se propõem a pensar a sociedade que faz parte. Você é um ser social e cultural, em construção e desconstrução. Por isso, é impor- tante entender que cultura é algo criado e recriado por nós mesmo. Como nos disse Cliford Geertz, se trata de uma teia de sentido e significado que demanda interpretação, além de uma descrição densa. Podemos compreender que pensar a cultura não é algo do senso comum, mas sim de uma ciência chamada de Antropologia. Ela surgiu no século XVIII, com a pretensão de entender sociedades chamadas de primitivas, distantes das grandes cidades da Europa e possuidoras de uma forma de organização social, considerada, sobre uma perspectiva evolucionista e etnocêntrica, como simples. Porém, no século XX, notou-se que não cabia apenas esse lugar para as análises antropológicas, principalmente, porque essas sociedades tidas como distantes foram se aproximando devido às mudanças históricas, sociais, econômicas e políticas. Assim, coube à antropologia a investigação das manifestações culturais em seu próprio meio, assim como em outras sociedades. Descobrimos também que quem desenvolve esse trabalho é chamado de antro- pólogo. Este precisa desenvolver, ao longo do seus estudos teóricos, a domesticação do olhar e do ouvir. Para que possa entender o que vê e o que escuta durante seu trabalho de campo e ser capaz de escrever sobre uma determinada cultura. Nesse sentido, o Olhar, Ouvir e Escrever são fundamentaispara a construção do trabalho do antropólogo. Por fim, reafirmamos que culturas são diferentes e, assim, entendemos que cada uma possui uma lógica própria. Não são melhores e nem piores, superiores ou inferiores, boas ou ruins, simplesmente são diversas e essa constatação implica em compreendermos a importância da necessidade do respeito frente à diversidade cultural. 20UNIDADE I Cultura, pra quê? LEITURA COMPLEMENTAR Você acha que nossa cultura é melhor do que outra? Aliás, será que você já parou para pensar nos detalhes culturais que se manifestam em nossa formação? Pensando nessas indagações convido você a ler um texto bem divertido e que vai te causar muitos estranhamentos. Vamos lá? Texto: Os ritos corporais dos Nacirema - Horace Miner MINER, H. Os ritos corporais dos Nacirema. In: ROONEY, A. K.; VORE, P. L. de (Orgs.). YOU AND T HE OTHERS - Readings in Introductory Anthropology. Cambridge: Erlich, 1976. Disponível em: https://ediscipli- nas.usp.br/pluginfile.php/364413/mod_resource/content/0/Nacirema.pdf. Acesso em: 10 ago. 2020. 21UNIDADE I Cultura, pra quê? MATERIAL COMPLEMENTAR LIVRO • Título: Cultura: um conceito antropológico • Autor: Roque de Barros Laraia • Editora: Zahar • Sinopse: Dividido em duas partes, o livro refere-se ao conceito de cultura a partir das manifestações iluministas até os autores contemporâneas, enquanto a segunda procura demonstrar como a cultura parece influenciar o comportamento social e diversificar a humanidade, apesar de sua unidade biológica. O autor busca utilizar, sempre que possível, exemplos referentes à sociedade e às sociedades tribais que compartilham o território brasileiro, o que não impede a utilização de exemplos de autores que trabalham em outras partes do mundo. FILME/VÍDEO • Título: O casamento Grego • Ano: 2002 • Sinopse: Todos na família Portokalos estão preocupados com Toula (Nia Vardalos). Ainda solteira aos 30 anos de idade, ela tra- balha no Dancing’s Zorba, o restaurante de seus pais, Gus (Michael Constantine) e Maria (Lainie Kazan). Após começar a trabalhar na agência de viagens de sua tia, ela se apaixona por Ian Miller (John Corbett), um professor que é alto, bonito e que definitivamente não é grego. Toula não está certa do que será mais aborrecedor para o seu pai: Ian ser estrangeiro ou ser vegetariano. WEB Pegar toda a complexidade de uma pessoa e de seu contexto e reduzi-los a um só aspecto é o que Chimamanda chama de o perigo da história única. Como uma estudante nigeriana em uma universidade nos Estados Unidos, ela vivenciou com frequência isso. • Link do site: https://www.youtube.com/watch?v=EC-bh1YARsc 22 Plano de Estudo: ● Eu e o outro: Sociedade do Desvio ● Etnocentrismo. ● Relativismo Cultural ● Identidade Objetivos de Aprendizagem: ● Refletir sobre as diferenças da relação entre eu e o outro ● Compreender o conceito de Etnocentrismo e como sua perpetuação provoca ações preconceituosas e discriminatórias ● Entender a importância do conceito de relativismo cultural para a diversidade ● Refletir sobre o que significa ter identidade UNIDADE II Respeito às Diferenças: Eu e o Outro Professora Mestra Renata Oliveira dos Santos 23UNIDADE II Respeito às Diferenças: Eu e o Outro INTRODUÇÃO Durante toda a Unidade I nosso desafio foi compreender o conceito de cultura. Descobrimos que existe uma ciência responsável por esse tipo de estudo chamada de Antropologia e que aquele que desenvolve suas pesquisas é chamado de antropólogo. Por fim, percebemos que, ao entender as diferenças entre as pessoas, é possível construir uma nova perspectiva social, incapaz de atos preconceituosos e discriminatórios. Nosso desafio agora, na Unidade II, é refletirmos como esse conceito de cultura se revela no cotidiano, nas ações que desenvolvemos em relação ao outro e na busca por uma sociedade que possa entender que cada indivíduo é diferente e precisa ter o direito de ser quem desejar. Nesse sentido, vamos compreender quem determina ou não que o outro pode ser excluído da sociedade por não se encaixar em um determinado padrão. Para isso, vamos debater sobre o conceito de desvio e como ele se propaga quando não estamos preparados para a diversidade social. Ao ser incapaz de pensar no outro como ele realmente é e desejar modificá-lo, podemos cometer uma grave ação chamada de etnocentrismo. Veremos que esse conceito explica, por exemplo, a ação dos invasores portugueses no Brasil e porque eles acredita- vam que a nação que aqui vivia deveria ser colonizada por uma civilização superior, no caso, a europeia. Porém, quando entendemos que somos diferentes e respeitamos, somos capazes de desenvolvermos um olhar mais sensível capaz de entender as razões que nos diferem, auxiliando nas lutas sociais daqueles que ficam à margem de uma sociedade etnocêntrica. Para essa discussão, vamos refletir sobre o conceito de relativismo cultural. Para encerrar as reflexões dessa unidade, iremos nos debruçar sobre o conceito de Identidade, qual sua importância e relevância para podermos afirmar quem somos. BONS ESTUDOS! 24UNIDADE II Respeito às Diferenças: Eu e o Outro 1 EU E O OUTRO: SOCIEDADE DO DESVIO Para convivermos em sociedade, é preciso entender que cada grupo social faz as suas próprias regras e, por isso, tentam impor-lás aos indivíduos que fazem parte de uma determinada estrutura social. O fato é que as regras sociais tendem a definir os comportamentos adequados das pessoas para cada situação, o que pode significar a definição do que é certo ou errado. Com toda certeza você já deve ter passado por experiências em que pensou: “quem definiu que isso era correto?”. Pois bem, a ideia de certo e errado está mais relacionada às subjetividades impos- tas pelo coletivo do que na liberdade individual. Aprendemos e ensinamos essas noções, sem, muitas vezes, questionar como elas foram determinadas. Segundo Becker (2008), todas as pessoas que não seguem regras impostas são consideradas infratoras e vistas como outsiders. A pessoa rotulada dessa maneira é per- cebida por outros como aquela que está fora da normalidade, do padrão e que quebra todas as regras, simplesmente por não as seguir. Como você acha que um outsider é visto socialmente? Será que você pode ser entendido como um outsider? Este se caracteriza por ser um desviante e é rotulado assim por outras pessoas. O julgamento que precede a esse tipo de indivíduo se baseia na ideia de que todos devemos agir de maneira igual, quando isso não ocorre deve ser corrigido. 25UNIDADE II Respeito às Diferenças: Eu e o Outro O desvio pode ser entendido por algumas concepções: ● Estatística: qualquer coisa que difere do que é comum. Por exemplo, se você é canhoto, ruivo, calvo... já é considerado um desviante. Afinal, a maioria das pessoas são destras, brancas (loiras) ou pretas e a falta de cabelo não é algo tão aceitável na sociedade. Para Becker (2008), trata-se de uma explicação muito simples para o desrespeito das diferenças. ● Patológico: acredita que qualquer manifestação de diferença pode ser con- siderada como doença, em especial, um produto de doença mental. É nesse sentido que muitas pessoas pensam ser possível uma suposta cura gay e que os problemas com alcoolismo ou drogas são apenas de ordem psicológica. Com isso, as pessoas tendem a discriminar atitudes ou maneiras de ser que conside- ram capazes de desequilibrar a ordem “natural” da sociedade, considerando-as disfuncionais, podendo ser eliminadas. ● Relativista: nesta concepção existe a crença de que o desvio pode ser enten- dido como uma falha em obedecer às regras de um determinado grupo social. O que não deve ser entendido como desequilíbrio ou fora da normalidade, mas como representações diferentes de atuação no mundo. Os desviantes são um tipo de pessoas que questionam a razão de uma determina- da regra ser aceita ou não por ele e pelo outro. Para aqueles que pensam numa sociedadehomogênea é muito problemático conviver com quem pergunta, exatamente, o porquê das coisas. Por isso, o desvio é algo criado pelo próprio meio social que, por meio das pessoas, define, aponta o que deve ou não ser aceito. “[...] o desvio não é uma qualidade do ato que a pessoa comete, mas uma conse- quência da aplicação por outros de regras e sanções a um ‘infrator’” (BECKER, 2008, p. 22). Assim, o desviante é aquele que recebe um rótulo do outro que determina quem ele pode ou deve ser. O interessante de pensar a ideia do eu e outro sobre essa lógica do desvio é que aqueles que são considerados desviantes podem muito bem encontrar pessoas seme- lhantes à sua rotulação. Quando isso ocorre, muitas vezes quem é tratado como fora da normalidade também aponta quem os que assim o determina como um desviante. Você achou esse pensamento confuso? Então, se eu me considero capaz de julgar o outro como desviante, porque penso e me comporto de um jeito em sociedade, isso significa que o outro, ao olhar para a minha 26UNIDADE II Respeito às Diferenças: Eu e o Outro forma de viver, pode me considerar um desviante, afinal entendemos as regras do jogo social de maneira oposta e tentamos, de alguma maneira, modificá-las a nosso favor. Um exemplo disso pode ser refletido por meio da ideia de loucura. Afinal, quem pode determinar que a outra pessoa é louca ou não? Já reparou que muitas vezes apontamos a loucura em alguém por simples expressão de linguagem? Pois bem, sem um diagnóstico psicológico, a ideia de ser louco tem sido utilizada em nossa sociedade indiscriminadamen- te para todas as ações, mas será mesmo que é loucura? Vale ressaltar ainda que toda a regra é criada por alguém. Então, definir o que é certo ou errado perpassa pela ideia subjetiva de quem assim o determina. Podemos entender, então, que o desvio não é algo que se ancora no próprio comportamento humano, mas sim nas trocas entre uma pessoa que comete um ato e aquela que reage a ele. Desta maneira, muitas vezes, percebemos que os julgamentos podem ter dois pesos e medidas distintas, dependem de onde e para quem ele está sendo direcionado. Além de reconhecer que o desvio é criado pelas reações de pessoas a tipos particulares de comportamento como desviante, devemos também ter em mente que as regras criadas e mantidas por essa rotulação não são univer- salmente aceitas. Ao contrário, constituem objetos de conflito e divergência, parte do processo político da sociedade (BECKER, 2008, p. 30). Compreender a maneira como se estabelece a relação entre o eu e o outro é fun- damental para respeitar as diferenças. Quando admitimos que estamos imersos em uma sociedade diversa, nos tornamos menos propensos a reproduzir ações que prejudiquem alguém por ser exatamente aquilo que é. 27UNIDADE II Respeito às Diferenças: Eu e o Outro 2 ETNOCENTRISMO Em uma sociedade repleta de padrões sociais, não é fácil conviver com as dife- renças. Bom, até agora você já deve ter aprendido uma porção de coisas sobre cultura e, provavelmente, deve estar imaginando como poderá absorver todo esse conhecimento para o seu dia a dia. Pois bem, a partir do momento em que respeitamos o outro, é impossível ser um etnocêntrico e é sobre esse conceito que vamos debater a partir de agora. No mundo em que vivemos podemos observar uma grande dificuldade de aceitar quem é diferente do padrão normativo. Muitas vezes somos questionados por nossa forma de pensar, de agir, falar, nos vestir e, até mesmo, andar. Para aqueles que acreditam que o mundo pode ser apenas de um jeito, ser alguém considerado diferente, como vimos, é ser um desviante. Mas, o que acontece para que os seres humanos não consigam viver de maneira harmoniosa a diversidade? O fato é que todas as vezes que uma pessoa julga a outra ou tenta homogeneizar os modos de ser, viver e se comportar, o que ela está fazendo é entender o outro por sua própria ótica. Ficou confuso? Vamos a explicação. Bom, toda vez que fazemos um comentário sobre um indivíduo, podemos utilizar a expressão popular de que “estamos medindo a pessoa com a nossa própria régua”. Isso significa que os padrões que temos fazem com que eu acredite que o outro deva ser e pensar exatamente igual a mim. Assim, todo aquele que se recusar a ter as mesmas 28UNIDADE II Respeito às Diferenças: Eu e o Outro percepções da vida como as que tenho será descartado da minha conivência e também julgado por suas escolhas diferentes. Esse tipo de percepção quando direcionada para o coletivo pode ocasionar o des- prezo e a aniquilação de grupos. A partir de um momento que uma determinada sociedade se sente melhor, superior, maior do que outras, tendem a promover o que identificamos como etnocentrismo, ou seja, tornar tudo estranho, esquisito ou exótico, o que não respeita como diferente. O antropólogo brasileiro Everaldo Rocha (1994) afirma que o etnocentrismo é um fenômeno em que estão sendo misturados elementos intelectuais e racionais junto com os emocionais e afetivos. Quando o entendemos pela dinâmica intelectual, significa com- preender que sua manifestação se revela na dificuldade de encarar a diferença no plano afetivo, nos sentidos e sentimentos que ocasionam estranheza, medo e hostilidade. Assim, quando pensamos no etnocentrismo podemos entender que ele se mani- festa a partir do julgamento do valor da cultura do outro grupo naquilo que eu acredito ser essencial na minha cultura. Voltamos ao nosso exemplo do ditado popular, a régua do meu grupo é que mede a forma de existência do outro grupo. Foi exatamente esse tipo de pensamento que permitiu com que os mais diversos tipos de colonizadores se estabelecessem no Brasil. Em especial, o invasor português que, ao chegar em terras brasileiras, promoveu tanto um genocídio das populações indígenas que aqui já viviam, como também um etnocídio, já que não respeitou toda a cultura já existente. Como uma proposta de “missão civilizadora”, os portugueses vestiram, catequiza- ram e modificaram o modo de viver dos indígenas. Estes, considerados primitivos e selva- gens, deveriam aprender com o novo colonizador o que era ser “gente”. Embora a invasão portuguesa tenha ocorrido há vários séculos, é possível ainda hoje perceber o quanto essa população sofre com ações etnocêntricas. Na atualidade, vemos que ações governistas são insuficientes na promoção do respeito aos indígenas. Com isso, convivemos, diariamente, com esses representantes de nossa formação cultural tendo que pedir dinheiro em semáforo para sobreviver em uma sociedade que não o incluir, socialmente, e muito menos respeita suas particularidades. O fato é que o etnocentrismo se revela como ação de intolerância e preconceito cultural, religioso, étnico e político. Esse tipo de manifestação foi sentido de diferentes maneiras ao longo da história da humanidade. Hoje em dia podemos sentir seus efeitos na ideologia racista da supremacia branca, que se revela na forma de escancarada do racismo. 29UNIDADE II Respeito às Diferenças: Eu e o Outro Não podemos esquecer das ações nazistas que mataram seis milhões de judeus no mundo todo. E qual era o problema dos judeus para Hitler? Você já parou para pensar nisso? Pois bem, o Holocausto nos mostra como uma nação, uma pessoa ao se conside- rar superior, melhor, maior do que a outra pode cometer atrocidades. Para que isso jamais possa voltar a acontecer, é preciso defender sempre que existe uma pluralidade de modos de viver, pensar, agir e sentir. Por isso, a defesa da diversidade é uma prática que devemos exercitar diariamente para que diferentes povos possam conviver em harmonia. 30UNIDADE II Respeito às Diferenças: Eu e o Outro 3 RELATIVISMO CULTURAL Depois de compreender o que é etnocentrismo, você deve estar pensando como é possível não permitir que ele ocorra, não é mesmo? Pois bem, o oposto de ser um etnocên- trico é saber relativizar.Mas afinal, o que isso significa? De maneira geral, relativizar é compreender que não existem regras, normas, va- lores sociais que são únicos, verdadeiros e absolutos. Isso demanda a noção de que não devemos continuar “medindo o outro com a nossa própria régua”. Ao falarmos de relativismo cultural, é necessário entender que, ao olharmos para uma cultura e compreendermos os elementos simbólicos que fazem parte dela, estamos também refletindo sobre a maneira como os indivíduos são condicionados a ter um modo de viver a partir de valores, sentidos e significado criados por um grupo ou povo, em uma determinada sociedade. A partir dessa percepção de que cada pessoa é produto e produtora de cultura é que fica claro o quanto o julgamento sobre o que é bom ou ruim, certo ou errado, melhor ou pior não pode ocorrer sem que possamos nos tornar etnocêntricos. Por essa razão é que o relativismo cultural é fundamental para a prática do olhar para o outro de maneira a reconhecer que somos diferentes. Vale ressaltar que os usos, hábitos e costumes de um povo ou grupo social deve ser entendidos a partir do momento que o “nativo” expressa para o outro toda a particularidade 31UNIDADE II Respeito às Diferenças: Eu e o Outro de seus ritos. Por isso, enxergar as ações desse outro pela ótica do eu pode gerar juízos de valor que impedirão ele ser e se manifestar como quiser. Ter um olhar relativizado significa que nos propomos a nos colocar no lugar do ou- tro. Muitos chamam isso de empatia. Entretanto, a empatia não pode ser entendida apenas como estar no lugar de outra pessoa, mas sim que, mesmo sem nunca ocupar aquele espaço, somos capazes de entender e lutar para que ela tenha seu direito garantido. Sem dúvida que ao entendermos o conceito de relativismo cultural estaremos mais propensos a nos afastarmos dos (pre)conceitos, da intolerância e da discriminação que assola nossa sociedade. Um relativista defende que seja impossível acreditar numa mani- festação unívoca e universal para todos os grupos sociais. Na verdade, o que existe são ações e percepções diferentes sobre o que venha ser bom, justo, belo. Tudo isso construído por meio da vivência social. Por isso, cada sociedade terá sua forma de perceber e atuar no mundo. Para os relativistas, é impossível afirmar que exista uma concepção de bom, belo, gostoso e benéfico que seja unívoca e universal para todos os povos, independentemente de seu tempo e espaço ocupado. Para esses, o que é bom, belo, gostoso e benéfico são percepções construídas socialmente. Assim sendo, o relativismo cultural pode ser representado pela ideia de que não há valores morais absolutos. Uma cultura existe a partir dos códigos, costumes, convenções e práticas encontradas dentro de diferentes manifestações culturais que não são melhores ou piores. A definição do que é moralmente certo ou errado será aceito por meio de uma tradição mantida e repassada. Dessa maneira, não tem nenhum sentido para um relativista dizer, por exemplo, que o aborto, em qualquer circunstância, deve ser moralmente conde- nável. Isso significa que, para entendermos uma questão importante como essa, se faz necessário compreender a situação e o meio que ela está sendo pensada e gerada. Cada sociedade decide como lidar com a liberdade corporal das mulheres e a ideia de vida. Por isso, não somos iguais. O fato é que diferentes culturas têm diversos pontos de vista sobre questões morais, logo torna-se impossível defender ou pensar em valores morais absolutos. Não existindo uma verdade moral única sobre qualquer coisa, é muito importante que estejamos dispostos a olhar uma cultura de modo particular. 32UNIDADE II Respeito às Diferenças: Eu e o Outro 4 IDENTIDADE Se neste momento eu lhe perguntasse qual sua identidade, como você responde- ria? Será que aquela imagem que está no documento de identidade representa exatamente quem você é? Pois bem, saber quem somos faz parte de entendermos como nos diferen- ciamos das demais pessoas com quem convivemos e nos tornamos alguém único. Quando falamos de identidade podemos entender o conceito como um espaço de pertencimento se estamos refletindo sobre o lugar que habitamos ou nos reconhecemos em grupo. Por isso, a ideia de identidade cultural pode ser entendida como cada sociedade elabora sua própria cultura a partir das influências e do encontro com outras manifestações que vão determinando a maneira como cada grupo irá agir no cotidiano. Para o sociólogo polonês Zygmunt Bauman (2005), vivemos em uma sociedade moderna que se caracteriza pela liquidez. Isso significa que as nossas ações são rápidas e fluídas, por essa razão os laços que estabelecemos com o próximo são líquidos. Para ele, a descoberta da identidade pode ser identificada como problemática quando se pretende defini-la apenas de maneira única. Assim, a nossa existência individual pode ser entendida como fragmentada. Com isso, somos muitos, ao mesmo tempo que habitamos apenas um corpo. Se eu perguntasse a você como seria a sua maneira de se representar, o que você me diria? A questão “quem eu sou” é muito antiga e profunda. Ela pode ser pensada de diferentes formas. Desta maneira, você pode ser homem ou mulher, casado ou solteiro, tor- 33UNIDADE II Respeito às Diferenças: Eu e o Outro cer por um determinado time de futebol, ser atleta, professor, filho, filha, sacerdote, médica, pastora, patroa, sócia, proprietária, estudante, presidente, amigo. Enfim, cada uma dessas facetas pode te definir. Assim sendo, você é uma variável de representações identificadas por ti e pelos outros. Por isso, Bauman (2005) acreditava que as identidades flutuam no ar, algumas são escolhas nossas e outras precisamos ter cuidado para não serem nos dadas pelos outros como forma pejorativa, preconceituosa e opressora. Vale ressaltar que é você que, primeiro, precisa se reconhecer em sua particularidade. Falar de identidade é tentar compreender um conceito discutido há poucos anos em nossa sociedade. A cada mudança social e cultural vemos a necessidade de alguns grupos sociais lutarem pelo reconhecimento. Com certeza você já deve ter visto, vivido e até mesmo provocado atos de cunho preconceituoso, não é mesmo? Chamado muitas ve- zes de brincadeira, essas atitudes com objetivo de desmerecer o outro por meio de alguma coisa que somente ele possui ou é tida pela sociedade como fora do padrão. É preciso entender que nenhuma brincadeira pode tirar o direito da pessoa de ser quem ela é e se manifestar dessa maneira. Por isso, só começamos a perceber quem somos quando isso começa a fazer parte do nosso cotidiano: “[...] perguntar quem é você só faz sentido se você acredita que possa ser outra coisa além de você mesmo; só se você tem uma escola, e só se o que você escolhe depende de você…” (BAUMAN, 2005, p. 25). Embora pareça óbvio, ser quem somos não é algo fácil, em especial, se você é alguém que o coletivo social chama de minoria. As minorias sociais são grupos que estão à margem da sociedade – grupos excluídos por sua cor de pele, crença religiosa, orientação sexual. Em geral, essas populações são discriminadas por serem quem são. Não se bene- ficiam com as estruturas de poder impostas pelo racismo, que é evidenciado em agressões físicas, psicológicas e simbólicas, que cerceiam a manifestação da sua identidade. Nos últimos anos tem-se noticiado cada vez mais episódios de racismo, tanto no Brasil como em outros países, e isso tem levantado a inúmeros debates em nossa sociedade. Em pleno século XXI precisamos problematizar e desnaturalizar atitudes que não deveriam fazer mais parte do nosso dia a dia. Além de cenas de desrespeito ao próximo, somos reco- nhecidos como o país que mais comete crimes contra homossexuais e pessoas trans. Os números são realmente alarmantes e chocam aqueles que acreditam que cada um pode ser o que e como quiser: “As identidades ganharamlivre cursos, e agora cabe a cada indivíduo, homem ou mulher, capturá-las em pleno voo, usando seus próprios recursos e ferramentas” (BAUMAN, 2005, p. 35). 34UNIDADE II Respeito às Diferenças: Eu e o Outro Vale ressaltar que somos nós que promovemos nossa própria identidade. Por isso, estamos em constante mudança a partir daquilo que vivenciamos e absorvermos quando cidadãos do mundo. Observar o meio em que vivemos e as pessoas que fazem parte dele pode nos auxiliar nessa descoberta variável de quem somos. Stuart Hall (2015) foi um outro importante sociólogo que se dedicou a estudar a questão da identidade. Em sua obra A identidade cultural na pós modernidade ele nos convida a pensar sobre ela também como algo em construção, não unificada e que somos compostos por várias identificações. O indivíduo moderno pode ser entendido por identi- dades fragmentadas e isso ocasionou o que o autor identificou como “crise de identidade”. Essa crise pode ser entendida como parte de um todo social em mudança, em que as identidades modernas estão em um processo de descentralização e deslocamento. Isso significa que, no mundo contemporâneo, aquilo que era tido como estável e imutável já não é mais. Isso vem ocasionando uma crise imensa naqueles que ainda gostam de entender o mundo apenas em preto e branco. Segundo Hall (2015), é possível distinguir três concepções distintas de identidade: ● Sujeito do Iluminismo: indivíduo totalmente centrado, unificado e dotado das capacidades de razão, de consciência e de ação centrado na pessoa do “eu”. Uma concepção do ser individualista. ● Sujeito Sociológico: esse é formação pela relação com outras pessoas que o influenciavam e podiam ser influenciadas por ele. Interação entre o eu e o outro que permeiam a compreensão do mundo pessoal e público. ● Sujeito pós-moderno: a mudança do sujeito que possuía uma identidade es- tável e unificada, mas que se percebe vivenciando uma nova sociedade mais fragmentada e capaz de gerar várias identidades. Esse indivíduo marcado pela pós-modernidade não tem uma identidade fixa, essencial ou permanente. Ele se modifica continuamente, pois se define por meio da história dinâmica. Assim, pode assumir identidades distintas em momentos variados de sua existência. Diante dessas perspectivas, Hall (2015) compreendeu que os sujeitos pós-moder- nos são capazes de representar o contrário do que até então era propagado como identida- de, unificada, segura, coerente, estável e imutável. Afirmando que a partir do momento que os sistemas de significados e de representação cultural tem se modificado e multiplicado, somos postos frente a frente com uma infinidade de identidades que podemos, em algum momento, chamar de “nossa”. 35UNIDADE II Respeito às Diferenças: Eu e o Outro Assim sendo, quando falamos de identidade precisamos ter em mente que, diante de um mundo globalizado e da possibilidade de conhecermos, convivermos e trocarmos experiências variadas com as mais diversas nações, pessoas e manifestações culturais. Seria impossível pensarmos que podemos ser apenas um tipo de pessoa. Ao fazermos parte desse mundo, estamos a todo momento aprendendo com outras coisas novas, nos reconhecendo ou não com dinâmicas diferenciadas que podem nos au- xiliar na forma como nos percebemos e entendemos o mundo. Depois de tudo isso que você descobriu até agora, seria possível me dizer quantas identidades possui? SAIBA MAIS Você sabia que na Índia as pessoas trans são tratadas como o terceiro gênero e respei- tadas por lei? Conhecidas como hijras, são consideradas sagradas na tradição hindu. Por essa razão, até hoje, elas são chamadas para abençoar casamentos na zona rural. Por outro lado, acredita-se que matar, agredir ou desagradar uma delas resultaria em uma maldição para a vida toda. Essa superstição ajuda a prevenir ataques transfóbicos nos redutos mais conservadores e no interior do país. Fonte: a autora REFLITA Quando chamamos alguém de louco, o que de fato queremos dizer? E quando alguém nos chama de louco, será que se trata de alguma questão de fato mental? “Às vezes não tenho tanto a certeza de quem tem o direito de dizer quando um homem é louco e quando não é. Às vezes penso que não há ninguém completamente louco tal como não há ninguém completamente são até a opinião geral o considerar assim ou assado. É como se não fosse tanto o que um tipo faz, mas o modo como a maioria das pessoas o encara quando o faz” (William Faulker). Fonte: Becker (2008). 36UNIDADE II Respeito às Diferenças: Eu e o Outro CONSIDERAÇÕES FINAIS Desmistificar o olhar. Essa foi a proposta dessa unidade. Espero que ao término da leitura você possa ter reafirmado a noção de que culturas são diferentes. Por isso, devemos respeitar o outro exatamente como ele é. Iniciamos nossas discussões falando da ideia da relação entre eu e o outro. Muitas vezes ela se configura baseado em muito preconceito e discriminação quando somos inca- pazes de entender as razões que nos difere. Com isso acabamos por rotular aqueles que não seguem os mesmos padrões considerados por nós como corretos. Quando uma pessoa não segue regras pré-estabelecidas pelo todo social, vimos que é possível caracterizá-la como outsider, ou seja, alguém que, segundo aqueles que seguem as regras, não permite o equilíbrio social, pois está fora daquilo que é tido como ações verda- deiras. Mas será mesmo que os outsiders existem ou são apenas intitulados como? Pois bem, vimos que quem pode determinar o que somos é o outro. Dependendo da sua posição social, será ele que dirá quem é louco, bonito, feio, certo ou errado. Sendo assim, ao rotular alguém, sempre existirá o outro lado que pode concordar ou não. Em nome de uma sociedade civilizada, correta e moralmente perfeita, muitas pessoas e grupos torna-se etnocêntricos. Como vimos, o etnocentrismo significa que uma cultura tende a se ver e sentir como superior, melhor, boa em relação a outra. Isso explica, por exemplo, as ações dos invasores portugueses que, ao chegar no Brasil, cometeram atos de genocídios e etnocídios em relação aos indígenas. Tudo isso em nome de uma “Missão Civilizadora” que, na verdade, tinha como objetivo impor aos índios regras morais que não faziam o menor sentido para eles. Para que não sejamos etnocêntricos, é possível desenvolvermos um olhar de respeito ao outro e a sua cultura a partir do momento que conseguimos compreender suas particularidades. Neste sentido é que repulsa o conceito de relativismo cultural responsável por permitir que tenhamos uma visão não punitiva e nem julgadora, mas sim respeitosa em relação às diferenças, podendo, assim, preservá-las. Por fim, para que uma nova maneira de compreender o mundo, as culturas, povos e grupos como diferentes, se faz necessário compreender a nossa própria identidade. Aprendemos que ela pode ser múltipla e fluída. Por isso, cada um tem o direito de ser exatamente aquilo que deseja e necessita ser respeitado. 37UNIDADE II Respeito às Diferenças: Eu e o Outro LEITURA COMPLEMENTAR Respeitar as diferenças é um desafio diário, pois é no cotidiano que corremos o risco de ser preconceituosos e discriminatórios. Para que isso não ocorra, devemos estar atentos em nossas atitudes, sem julgar os costumes, hábitos, forma de ser e agir de um determinado povo ou grupo. Pensando em tudo que conversamos até agora, te convido a ler o texto: De uma Branca para Outra, da jornalista Eliane Brum. Espero que você esteja disposto(a) a deixar seu lugar de conforto e privilégio de lado para olhar em um horizonte cheio de aprendizado. Fonte: BRUM, E. De uma Branca para Outra. El País, fev. 2017. Disponível em: https://brasil.elpais.com/ brasil/2017/02/20/opinion/1487597060_574691.html. Acesso em: 15 ago. 2020. 38UNIDADE II Respeito às Diferenças: Eu e o Outro MATERIAL COMPLEMENTAR LIVRO • Título: Identidade • Autor: Zygmunt Bauman • Editora: ZAHAR •Sinopse: Identidade volta a uma questão central do pensamento de Zygmunt Bauman em alguns de seus livros: no mundo de hoje, qual é o espaço do eu e do outro? Qual é a medida da liberdade in- dividual? E do respeito ao próximo, com todas as suas diferenças? É possível construir uma identidade sem levar a alteridade – o outro – em conta? A sobrevivência de um Estado-nação moderno pode se afirmar na falência ou na negação de outros estados? Nessa entrevista que concedeu ao jornalista italiano Benedetto Vecchi, um dos maiores teóricos da atualidade, mostra como a identidade se tornou um conceito-chave para o entendimento da vida social na era da “modernidade líquida” – termo que Bauman cunhou para falar do esgarçamento das relações na atualidade. Segundo o sociólogo, à medida que nos deparamos com as incertezas e as inseguranças da “modernidade líquida”, nossas identidades sociais, culturais, profissionais, religiosas e sexuais sofrem um processo de transformação contínua. Isso nos leva a buscar relações transitórias e fugazes e faz com que soframos as angústias inerentes a essa situação. A confusão atinge os valores, mas também as relações afetivas: “Estar em movimento não é mais uma escolha: agora se tornou um requisito indispensável”, afirma Bauman. FILME/VÍDEO • Título: Ninguém sabe que estou aqui. • Ano: 2020 • Sinopse: é a história de Memo (Jorge Garcia), morador de uma remota fazenda de ovelhas no Chile, que esconde sua linda voz do mundo. Traumatizado por acontecimentos do passado, ele vive de maneira solitária, até que uma mulher lhe oferece a chance de encontrar a paz que tanto procura. WEB • Propaganda - Identidade - Fernando Meirelles. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=yKG8no8OKDg. Acesso em: 14 ago. 2020. 39 Plano de Estudo: ● Cultura Material e Imaterial ● Antropologia das religiões ● Sincretismo religioso no Brasil ● Religiões afro brasileiras: Candomblé e a Umbanda Objetivos de Aprendizagem: ● Conceituar a diferença entre cultura material e imaterial ● Compreender a importância dos estudos da antropologia da religião ● Refletir sobre o sincretismo religioso no Brasil ● Conhecer as principais religiões de matriz africana que fazem parte da cultura brasileira UNIDADE III Antropologia Brasileira e o Sincretismo Religioso Professora Mestra Renata Oliveira dos Santos 40UNIDADE III Antropologia Brasileira e o Sincretismo Religioso INTRODUÇÃO Chegamos a nossa Unidade III e nela você será convidado(a) a aprofundar um pouco mais seus conhecimentos em relação à antropologia e à religião. Será que você já conhece algo sobre as religiões de matriz africana que temos em nosso país? Ou apenas tem reproduzido saberes que não são verdadeiros? Faço esses questionamentos a você, pois quando não conhecemos algo corremos o risco de nos tornar pessoas etnocêntricas, discriminatórias e também preconceituosas. Você sabia que pessoas que profetizam as religiões afro brasileiras muitas vezes são atacadas fisicamente por fazerem parte de uma denominação religiosa tida como ruim? Isso acontece por falta de conhecimento. Por isso, vamos compreender sobre a história e a importância do Candomblé e da Umbanda para a formação cultural de nosso país Novamente, reafirmamos que é preciso compreender que culturas são diferentes e as manifestações religiosas, tidas como um fenômeno social, também são distintas entre si. Sabendo disso, todas necessitam ser respeitadas em suas especificidades. Como brasileiro, um dos principais traços da nossa cultura religiosa é sermos, em grande maioria, sincréticos em nossas manifestações de cunho religiosas. Mas, afinal o que isso significa? Bom, você verá que no dia a dia somos capazes de misturar as crenças mais diversas e conviver como símbolos que são importantes para denominações religiosas diferentes. Por isso, somos um país tão especial quando falamos de cultura. Vamos começar essa nova aventura do saber? BONS ESTUDOS! 41UNIDADE III Antropologia Brasileira e o Sincretismo Religioso 1 CULTURA MATERIAL E IMATERIAL Você já deve ter percebido que a cultura é algo muito importante para a compreen- são dos grupos e povos de todo mundo. Ela nos ajuda a entender que cada pessoa sofrerá influências diversas para a sua formação social e, assim, verá o mundo com perspectivas que irão se modificar a partir do momento que seu contato com a realidade for permeado por contatos e ações variadas. Segundo Oliveira (2001), para conhecermos um determinado povo, devemos pres- tar atenção aos elementos que os formam, representados pelos traços culturais; complexo cultural; área cultural; padrão cultural; subcultura. ● Traços Culturais: são considerados os elementos mais simples de uma cultura que só tem sentido e significado quando entendida dentro de uma cultura específica. Ex.: adornos religiosos, uso das tecnologias culturais. ● Complexo Cultural: representado pela combinação de traços culturais que são reproduzidos em uma atividade básica. Ex.: futebol, cujo traços culturais são a bola, o campo, o juiz, a torcida, os jogadores, as comidas do estádio etc. Tudo isso combinado torna-se um complexo de coisas. Por isso, muitos cronistas de futebol gostam de repetir a frase: “Não é apenas futebol”. ● Área Cultural: trata-se da região geográfica em que o complexo cultural se manifesta. Por isso, os indivíduos que vivem em determinadas áreas são seme- lhantes entre si, seja física ou socialmente. Muitos afirmam que as pessoas que 42UNIDADE III Antropologia Brasileira e o Sincretismo Religioso moram em cidades mais frias têm a tendência a ser mais fechadas e outras que residem em locais mais quentes podem ser mais animadas e alegres. Você já reparou nisso? ● Padrão Cultural: talvez esse seja o traço mais influenciador de uma cultura. Os padrões podem ser entendidos como normas e regras estabelecidas pela so- ciedade que determinam como nós, indivíduos sociais, devemos agir, nos vestir, falar e, até mesmo, pensar. Assim, um padrão cultural determina que tipo de pessoa você deve ser. Como vimos, aqueles que fogem dessas determinações são chamados de outsiders. ● Subcultura: é uma maneira diferente de se comportar ou agir por meio de regras de grupos que fazem parte de uma cultura maior. Não entendeu? Pois bem, é como se existisse um grupo dentro de outro grupo. Em geral, podemos encontrar, na subcultura, elementos da cultura, porém seus símbolos, normas, regras e valores sociais são específicos. Ex.: Tribos Urbanas. Esses elementos da cultura nos ajudam a compreender a diferença entre cultura material e imaterial. Entendido pelo conceito de patrimônio. Você sabia que existe um con- junto de bens culturais móveis e imóveis no país? Pois bem, é muito importante pensar em sua conservação, porque se trata de um bem público, que nos auxilia a preservar a história, a memória de todo país. No sentido arqueológico, etnográfico, bibliográfico, literário, artís- tico, todo elemento que nos identifique como sendo brasileiros. No caso da cultura material, existe uma lei que a protege, regulada pelo Decreto Lei nº 25, de 1937, da Constituição Federal, em seus artigos 215 e 216, e Decreto Lei nº 3.551/2000, que determina quais ações podem ser tomadas em relação à preservação material, são elas: ● Tombamento: este é considerado o instrumento mais antigo de proteção. Cabe a ele proibir a destruição de bens culturais tombados. Ou seja, determinando que esse bem não possa ser demolido e nem alterado. Essa determinação ocorre depois de um processo administrativo, que pode ser bem demorado. Após tombado, o patrimônio pode ser inscrito em um dos quatro Livros do Tombo instituídos pelo Decreto Lei nº 25/1937: Livro do Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico; Livro do Tombo Histórico; Livro do Tombo das Belas Artes; e Livro do Tombo das Artes Aplicadas;
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