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MUSEU NACIONAL 
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO 
UNIVERSIDADE FEDERAL DE VIÇOSA 
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS 
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO INTERINSTITUCIONAL EM 
ANTROPOLOGIA SOCIAL - MINTER 
 
 
 
EDUCAÇÃO TIKUNA: 
MODALIDADE DIFERENCIADA DE ENSINO EM UMA ESCOLA TIKUNA 
 DO ALTO SOLIMOES - AMAZONAS 
 
Mario Felix Irineu 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Viçosa – MG, 
2020 
2 
 
EDUCAÇÃO TIKUNA: 
MODALIDADE DIFERENCIADA DE ENSINO EM UMA ESCOLA TIKUNA 
 DO ALTO SOLIMOES - AMAZONAS 
Mario Felix Irineu 
 
 
 
 
 
 
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-
Graduação Interinstitucional em Antropologia Social – 
Minter, da Universidade Federal de Viçosa – DCS/UFV e 
Universidade Federal Rio de Janeiro – MN/UFRJ, como 
requisito para a obtenção do grau de Mestre em 
Antropologia Social. 
Orientadora: Prof. Dra. Marília Lopes da Costa Facó Soares 
 
 
 
 
 
 
 
 
Viçosa – MG, 
Agosto, 2020 
 
3 
 
 
IRINEU, Mario Felix. 
EDUCAÇÃO TIKUNA: Modalidade diferenciada de ensino em uma escola Tikuna do 
Alto Solimões / Mario Felix Irineu – Rio de Janeiro/Viçosa: Minter UFV- DCS/UFRJ-
MN-PPGAS, 2020. 
96f.:il. 
Orientadora: Marília Lopes da Costa Facó Soares Soares 
Corientadora: Ana Luisa Borba Gediel 
Dissertação – Minter UFV-DCS/UFRJ/Museu Nacional /Programa de Pós- Graduação 
em Antropologia Social, 2020. 
Referências bibliográficas f. 93-96. 
 
 
4 
 
Folha de aprovação 
 
 
 
Educação Tikuna: modalidade diferenciada de ensino em uma escola Tikuna do Alto 
Solimões - Amazonas 
 
 
 
 
Banca examinadora: 
 
 
 
 
 
Marília Lopes da Costa Facó Soares (Orientadora) 
 
 
 
 
 
Ana Luisa Borba Gediel (Coorientadora) 
 
 
 
 
 
 
João Pacheco de Oliveira Filho (membro) 
 
 
 
 
 
 
Priscila Faulhaber Barbosa (membro) 
 
 
 
 
 
 Victor Luiz Alves Mourão (membro) 
 
5 
 
DEDICATÓRIA 
 
 
 Dedico este trabalho ao meu povo Tikuna da aldeia de Filadélfia, do município de 
Benjamin Constant, que muito me ensinou os saberes. Dedico ainda a todos(as) professores (as) 
do Polo Educacional da Escola Municipal Indígena Ebenezer e lideranças. Em especial, dedico 
à minha família e à minha esposa, mulher guerreira, maravilhosa, ativa, com perseverança de 
nobre caráter, que modificou, com a sua simplicidade e aguda inteligência, para melhor, o rumo 
da minha caminhada, já que sempre esteve e está ao meu lado nos momentos mais difíceis e 
que, com o seu belo sorriso persuasivo, arranca forças do meu interior para que passemos juntos, 
unidos, pelo longo caminhada da vida. 
 
 
 
 
 
 
6 
 
AGRADECIMENTO 
 
Agradeço primeiramente ao deus Yo’i, que iluminou a minha caminhada e me deu 
forças para continuar meu estudo. 
O caminho do conhecimento não é tão fácil de percorrer, dependendo de muita luta nas 
trilhas infinitas, de companhia e muita força de vontade em redes, para alcançar o caminho do 
resgate. Assim, a realização desta dissertação só foi possível graças à colaboração de vários e 
ao carinho de muitas pessoas. 
Inicialmente, quero registrar a minha imensa satisfação e agradecimento por ter sido 
apoiado pelo Minter-DCS/UFV com auxilio, por meio de recursos próprios da UFRJ, para 
iniciar o meu estudo e concluir esta dissertação. 
Desejo igualmente agradecer a todos os meus colegas e a todas as minhas colegas, ao 
lado de professores (as) do curso de Mestrado Interinstitucional em Antropologia Social- Minter 
(DCS/UFV - MN/UFRJ), pelo apoio, paciência e compartilhamentos nas trocas de 
conhecimentos, em especial ao professor Guillermo Vega Sanabria (coordenador do Minter – 
DCS/UFV), que fez grande esforço no acolhimento de aluno indígena, na parte logística, no 
primeiro semestre de 2017, para garantia de minha permanência no curso realizado no âmbito 
do Minter. À professora Ana Luisa Borba Gediel, que tem me dado sua contribuição brilhante 
para poder remar nas margens dos conhecimentos; e à pessoa de Lenice Fontes (secretaria do 
Minter), uma mulher de coração tão humilde, que me acolheu na recepção e conduzia a parte 
burocrática do programa Minter. 
Ao meu pai, Irineu Manduca (in memorian), homem de palavra, fé e com seus conselhos 
tão maná, e nesse alimento me inspiro, e à minha mãe Rosa Pereira, pela sua incondicional 
dedicação e presença. 
7 
 
Aos meus amores eternos, minhas filhas Elciclene, Elcicleide, Elcilany, Mirilaine e meu 
filho Ngoreecü Fernandes Irineu, minha neta Kiara Maya, por compreenderem minha ausência 
necessária momentaneamente. 
À minha companheira, Eliete Marcolino Fernandes, ombro amiga em todos os 
momentos, por sua compreensão e conforto. 
À minha querida orientadora, Profa. Dra. Marília Lopes da Costa Facó Soares, pelos 
incentivos e caminhos que me fez trilhar. E minha admiração pelo exemplo de amor à pesquisa, 
ao trabalho e ao povo Tikuna. 
A todos os Tikuna, especialmente aos protagonistas da luta que já se foram, professor 
Constantino Ramos, Reinaldo Otaviano Do Carmo, Nino Fernandes, grande doutor em saberes 
milenares, Pedro Inácio (in memorian) e outros, protagonistas que deixaram marca de luta, 
sobretudo, pela demarcação de terras, educação, saúde indígena, direito social e inclusão nas 
políticas públicas, possibilitando assim, para a futura geração, a continuidade e a realização 
deste trabalho. 
 
 
 
8 
 
 
LOCALIZAÇÃO DAS TERRAS INDIGENAS TIKUNA DO ALTO RIO SOLIMÕES 
Mapa 1 
 
 
 Fonte: A Lágrima Ticuna é uma só: rü au i Ticunagü arü wü'i (MAGÜTA-CDPAS,1988:7) 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
9 
 
LOCALIZAÇÃO DA ÁREA DEMARCADA DE SANTO ANTONIO 
Mapa 2 
 
 
 
 
Fonte: Atlas das Terras Ticunas (OLIVEIRA, 1998) 
 
 
 
 
 
 
 
 
10 
 
 
RESUMO 
Educação Tikuna: modalidade diferenciada de ensino em uma escola Tikuna do 
Alto Solimões - Amazonas 
Mario Felix Irineu 
 Orientadora: Marília Lopes da Costa Facó Soares 
 Coorientadora: Ana Luisa Borba Gediel 
 
 
 
Esta dissertação é resultado descritivo e analítico de pesquisa desenvolvida na comunidade 
Tikuna Filadélfia, envolvendo especificamente a escola indígena Ebenezer Pucürana rü 
We’tchi’ina, localizada na comunidade Filadélfia, na região do Alto Solimões, na terra 
demarcada de Santo Antônio, no município de Benjamin Constant-Amazonas. Seu foco central 
de estudo é a educação Tikuna, na modalidade diferenciada de ensino em uma escola indígena 
Tikuna, tomada como meu campo de pesquisa participativa e vivência com o próprio povo, 
somada a pesquisas bibliográficas. Tem como seu principal objetivo analisar a modalidade 
diferenciada de ensino em uma escola Tikuna, buscando saber em que medida os procedimentos 
de conteúdos e metodologias de ensino são elaborados para o fortalecimento dos saberes 
tradicionais na escola. Na comunidade Filadélfia, onde vivem 1.845 indivíduos Tikuna e há 02 
(duas) instituições escolares indígenas, uma da rede municipal e outra de rede estadual-polo, 
funciona a Escola Municipal Indígena Ebenezer, que oferta os níveis de ensino da educação 
maternal (crianças de 3 anos), educação Infantil (pré – I e II, de 4 a 6 anos) e ensino fundamental 
de 1º ao 9º ano, possuindo aproximadamente 632 alunos matriculados, das etnias Tikuna, 
Kokama, além de não indígenas. Os professores lotados nesta escola são eles próprios Tikuna 
e Kokama. Na escola, os professores mantêm forte interação com os alunos em língua 
portuguesa, os materiais didáticos utilizados são contextualizados na realidade local, enquanto 
a língua materna e saberes do povo não são aplicados nas disciplinas. Consagrados e afirmados 
pela legislação vigente, os direitos dos indígenas, inclusive os seus direitos linguísticos, 
sustentam a modalidade diferenciada de ensino-aprendizagem pensada pelo povo Tikuna, com 
inclusão do processo próprio da educação tradicional, o que tornariauma escola indígena 
autônoma. As possibilidades apresentadas nesta dissertação são, principalmente, as da inclusão 
dos saberes tradicionais no currículo da escola Ebenezer, em todos os níveis, etapas e 
modalidades de ensino. Confluindo para essas possibilidades, estão os resultados da análise, 
que percorre o aspecto histórico da educação escolar do povo Tikuna de Filadélfia, as relações 
familiares e as fronteiras linguísticas na comunidade estudada e a diferenciação entre a 
educação na casa e a educação em espaço escolar formal. 
 
Palavras - chave: Educação Tikuna. Saberes indígenas. Formação de professores indígenas. 
Línguas Indígenas. Antropologia linguística. 
 
 
11 
 
ABSTRACT 
 
Tikuna Education: differentiated teaching at a Tikuna school 
 in Alto Solimões - Amazonas 
 
Mario Felix Irineu 
 
 Orientadora: Marília Lopes da Costa Facó Soares 
 Coorientadora: Ana Luisa Borba Gediel 
 
 
This dissertation is the descriptive and analytical result of research conducted in the Filadélfia 
Tikuna community. In particular, it involves the indigenous school Ebenezer Pucürana rü 
We’tchi’ina, , in Alto Solimões, in the demarcated indigenous land named Santo Antônio, in 
the county of Benjamin Constant, state of Amazonas. The focus is Tikuna education, the 
differentiated teaching in a Tikuna indigenous school, where the participatory research took 
place, alongside research when relating to the community , besides bibliographic research. It’s 
main goal is to analyze the differentiated teaching at a Tikuna school, and examine to what 
extent the content procedures and teaching methodologies are designed to strengthen the 
traditional knowledge at school. At the Filadélfia community there are 1.845 inhabitants and 
two public schools; one is part of the City public system, and the other part of the State 
public system. The Escola Municipal Indígena Ebenezer, the City school, offers pre-school 
education ( three-year-olds) early childhood education ( four to six-year- olds), and elementary 
and junior high school ( first to ninth grades). Approximately 632 students of the Tikuna and 
Kokama ethnics, besides non- indigenous pupils, are currently enrolled. The teachers at this 
school are themselves part of the Tikuna and Kokama indigenous people. At school, teachers 
strongly interact with students in the Portuguese language, the teaching materials used are 
contextualized in the local reality, while the native language and knowledge of the Tikuna 
people are not considered. Asserted and attested by current legislation, indigenous rights, 
including linguistic rights, support the differentiated teaching-learning approach thought by the 
Tikuna people, with the inclusion of its own process of traditional education, which would turn 
it into an autonomous indigenous school. The proposal presented in this dissertation is, mainly, 
the inclusion of traditional Tikuna knowledge in the Ebenezer school curriculum, at all levels, 
stages, and teaching environments. Converging towards this is the result of the analysis, which 
goes through the historical aspect of school education of the Tikuna in Filadelfia, family 
relations and the linguistic boundaries in the community, and the difference between education 
at home and education in the school environment. 
 
Keywords: Tikuna Education. Indigenous knowledge. Training of indigenous teachers. 
Indigenous languages. Linguistic Anthropology. 
 
12 
 
Lista de Ilustrações 
 
 
Mapas 
 
Mapa 1 Localização das terras indigenas Tikuna do Alto Rio Solimões 
 
8 
Mapa 2 Localização da área demarcada de Santo Antonio 
 
9 
 
 Fotos 
 
 
Foto 1 Aniversário da Escola Indígena Ebenezer 
 
30 
Foto 2 Alunos indígenas e não indígena, 3º ano – A, da escola indígena 
 Ebenezer, 2018, participando da exposição de leitura e artes 
 Visuais 
31 
Foto 3 Mulher Tikuna trançando as palhas de jarina, para cobertura 
 de casa 
37 
Foto 4 Crianças Tikuna transformando o universo de casa, com o da 
 Escolarização 
41 
Foto 5 As crianças Tikuna aprendem nos diversos espaços em que se 
socializam com outros 
57 
Foto 6 Fora da sala de aula – práticas corporais e espaço de interação 
 para as crianças no ambiente escolar 
62 
Foto 7 Turma da educação maternal – professora monolíngue em 
 Português 
65 
Fotos 8 e 9 Atividades extraclasse e interação entre alunos indígenas e não 
indígenas 
66 
Foto 10 O menino Ngure’ecü Morfeneo, de 4 anos de idade, acompanha 
 seu pai na roça e começa a imitar o pai no trabalho 
84 
Foto 11 Jovens ajudando seu pai a torrar farinha 
 
85 
Foto 12 Membros da Igreja Batista Independente 
 
86 
13 
 
Foto 13 Grupos de mães, após o culto, comendo e trocando conversas
 
87 
 
Desenhos 
Desenho 1 Saberes ancestrais sobre as técnicas de fazer armadilha (yütagü 
/ tai’nü ‘ armadilha de modo geral’) 
38 
Desenho 2 A técnica de assar peixe na brasa, que hoje a maioria não 
 utiliza - fogão ecológico trocado pelo fogão industrial 
40 
Desenho 3 A interpretação dos Tikuna sobre o conhecimento dos ciclos da 
natureza e do ecossistema 
44 
Desenho 4 Conhecimento sobre o período em preservação (peixes, caça, 
reprodução, animais, plantas, etc) 
51 
Desenho 5 Casa da farinha (go’epata#) – uso de linguagem no local de trabalho 53 
Desenho 6 Usos linguísticos (em Tikuna) na pescaria 
 
54 
 
 Quadros 
Quadro 1 Educação Infantil 46 
Quadro 2 Ensino Fundamental I 46 
Quadro 3 Ensino Fundamental II 47 
Quadro 4 Alunos matriculados e etnias 
 
48 
 
 
14 
 
 
SUMÁRIO 
Primeiras palavras: meu percurso, minhas motivações 15 
Introdução 21 
Capítulo I Aspecto histórico da educação escolar do povo Tikuna de 
Filadélfia 
30 
1.1 O que é escola no olhar dos Tikuna 
 
36 
1.2 Como ocorre o processo de ensino, pensando na valorização cultural e 
linguística 
40 
1.3 Organização do currículo da escola em relação à educação desejada pela 
secretaria da educação 
 
45 
 
Capitulo II Relações familiares e fronteiras linguísticas 
 
51 
2.1 Relações de interação da família monolíngue em Tikuna 56 
2.2 Relações de interação da família monolíngue em Português 63 
2.3 Relações de interação da família bilíngue em Tikuna e em Português 66 
 
Capitulo III - A diferenciação entre a educação na casa e a educação em 
espaço escolar formal 
74 
3.1 O processo próprio de ensino. Quanto a escola está se afastando ou 
aproximando do modo de vida dos Tikuna? 
76 
3.2 As relações com as crianças na construção da oralidade a partir da casa e do 
contexto da escola 
82 
3.3 Universo da pesquisa em três tipos de família e os espaços sociais 
compartilhados: na roça, na igreja e na escola 
 
 83 
Considerações finais 
 
90 
Referências bibliográficas 
 
93 
15 
 
PRIMEIRAS PALAVRAS: MEU PERCURSO,MINHAS MOTIVAÇÕES 
Sou Mário Félix Irineu, pertencente ao grupo indígena Tikuna. Meu nome, na minha 
língua materna, é Tchaiareecü (O som do chocalho entoado/Aquele que tem som de chocalho 
entoado – Arucüã ‘ clã Avaí’). De origem humilde, filho de liderança do movimento indígena, 
cacique Irineu Felix Manduca, Ngureecü (Aquele [que é] chocalho guardado no teto da casa 
da moça nova) (in memorian) e de dona Rosa José Pereira, Te'tchiaüna (Aquela que constrói 
seu ninho sobre as árvores – Ngunücüã ‘ clã Mutum’) , nasci em 08 de outubro de 1979, na 
cidade de Tabatinga. Cresci na comunidade indígena Tikuna Nova Canaã, localidade na aérea 
demarcada de Feijoal, região do Alto Solimões, município de Benjamin Constant, Amazonas. 
Comecei a estudar na escola municipal Osório Duque Estrada, aos 11 (doze) anos de 
idade, na 1ª série. Aos 16 (dezesseis) anos de idade, em 1996, tive que deixar a aldeia onde 
cresci, e fui morar na aldeia indígena de Filadélfia, pela busca de uma escola que oferecesse o 
ensino de 5º ao 9º ano do ensino fundamental II. Concluí o meu ensino fundamental no ano de 
2000 (dois mil), aos 21 anos de idade, na Escola Municipal Indígena Ebenezer, localizada na 
terra demarcada de Santo Antônio. 
Para eu ingressar no Ensino Médio foi outro obstáculo. Tive que sair da aldeia, ir a 
estudar na cidade de Benjamim Constant. Fui estudar no Colégio Imaculada Conceição, no ano 
de 2001. No mesmo ano, fiz o curso de magistério indígena, específico para formação de 
professores indígenas do Alto Solimões, oferecido pela Organização Geral dos Professores 
Tikuna Bilíngues – OGPTB em parcerias com diversas universidades, instituições e entidades 
internacionais. Além dessa participação, também acompanhei a formação continuada dos 
professores da rede municipais e estaduais realizada pela secretaria educação municipal. Em 
fevereiro de 2002, recebi um convite, do cacique da comunidade de Nova Canaã, para trabalhar 
nessa comunidade, de acordo com o aumento do número de alunos na aldeia, por uma 
necessidade da comunidade na contratação de professor. Aceitei o convite do cacique e fui 
trabalhar na área de educação, como meu primeiro emprego e carreira profissional. 
Em 2004 veio outro programa do MEC pela via de secretaria de educação do município: 
a oferta de curso de magistério em nível médio, o PROFORMAÇÃO (Programa de Formação 
de Professores em Exercício), com o objetivo de acabar com a figura do professor leigo (sem 
qualificação pedagógica). Nos cursos que fiz, ganhei experiências profissionais e pessoal. 
Ambos os cursos de que participei foram concluídos em 2006, no município de Benjamin 
Constant, Amazonas. 
16 
 
Em janeiro de 2006, saiu edital do vestibular específico para professores indígenas, que 
foi resultado de uma longa luta das lideranças e professores através da OGPTB. Participei, 
então, do processo seletivo recém-iniciado pela Universidade do Estado do Amazonas-UEA. 
Foi assim que ingressei no nível superior, tendo optado por me dedicar à área de Ciências 
Humanas com habilitação em Antropologia, Sociologia e Filosofia. O que me motivou a 
escolher essa área de conhecimentos foi a gravidez na adolescência nas aldeias Tikuna (cultura 
e economia da família), focalizando o efeito econômico e social do comportamento sexual de 
risco das Tikuna adolescentes gestantes. Observei que o tema é de suma importância, e 
desenvolvi o projeto de intervenção na comunidade escolar, que fez parte de minha descrição 
em artigo no curso de licenciatura – OGPTB/UEA/PROLIND. 
Durante o curso de nível superior indígena, em agosto de 2008, recebi o primeiro convite 
das lideranças protagonistas João Vasques e Nino Fernandes, para participar de encontros sobre 
o controle social (onde foram discutidos tanto os grandes índices de suicídio, mortalidade 
infantil, desnutrição, quanto o consumo de bebida alcoólica e outras práticas de entorpecentes) 
nas comunidades indígenas do Alto Solimões, realizados pelas Nações Unidas – ONU, Fundo 
das Nações Unidas para Infâncias - UNICEF em parceria com o Conselho Geral da Tribo 
Tikuna - (CGTT), Federação das Organizações dos Caciques e Comunidades Indígenas da 
Tribo Ticuna - FOCCITT, Saúde Indígena/FUNASA, Organização Geral dos Professores 
Ticuna Bilíngues – OGPTB, Universidade Federal do Amazonas - UFAM, Secretaria de Estado 
para os Povos Indígenas - SEIND, Secretaria de Educação Municipal de Benjamin Constant - 
SEMED/BC e outros. Nessa reunião, fui escolhido pelos representantes das organizações e 
cacique da comunidade, para acompanhar o projeto que vem sendo realizado na aldeia 
Filadélfia e que inclui oficinas, palestras e elaboração de cartilha na língua materna, junto aos 
adolescentes e jovens das comunidades, com apoio da saúde indígena/CGTT/FUNASA e 
UNICEF, e que é referente ao tema “Fortalecimento da Família Indígena Brasileira”. 
Como tenho efetivamente participado das diversas reuniões e encontros do movimento 
indígena - “organizações”- na região, entre lideranças das organizações, nas discussões dos 
direitos da sociedade, principalmente no que diz respeito a “Educação e política de inclusão 
dos povos indígenas”, fui convidado pela UEA para compor, pela primeira vez, a comissão de 
organizadores e a mesa-redonda na I Conferência Nacional de Educação Escolar Indígena – I 
CONEEI, do Alto Solimões e do Vale do Javari, no ano de 2009. 
17 
 
 Nos anos a seguir, ainda como cursista do curso de licenciatura para professores 
indígenas do alto Solimões, e pela experiência, competência na participação na política da 
educação indigena, fui convidado pela equipe de correção em língua Tikuna, através do 
Professor Constantino Ramos Lopes , Füpeatücü (Aquele que tem asa virada - Ngunücüã -
‘clã Mutum’),) e Reinaldo Otaviano do Carmo, Mepawecü (Aquele que tem bico bonito - ‘clã 
Mutum’ , a integrar a equipe como Auxiliar na revisão do livro "Histórias Antigas - coleção 
Eware" (projeto: Mitologia Ticuna-OGPTB/Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização 
e Diversidade - SECAD/MEC-2010), publicado em 2010. Em 2011, houve outra oportunidade, 
entre os professores Tikuna do munício de Benjamin Constant, e fui escolhido pela OIT, via 
Instituto Federal do Amazonas – IFAM, em parceria com a OGPTB, para acompanhar o projeto 
como tradutor na língua Tikuna da Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho 
- OIT sobre os Direitos dos Povos Indígenas e Comunidades Tribais - OIT. 
Em 2012 e 2013, continuei como consultor indígena do projeto oficina de comunicação 
para jovens indígenas, e criamos núcleos da rede de jovens comunicadores – REJICARS - nos 
três municípios do alto Solimões, objetivando a produção e a divulgação de atividades 
comunitárias e de projetos sociais desenvolvidos nas comunidades indígenas, como na aldeia 
de Filadélfia (Benjamin Constant - AM), Umariaçú I e II (Tabatinga, AM) e Colônia e Monte 
Santo Kokama (São Paulo de Olivença, AM). Essa iniciativa foi apoiada pelo UNICEF como 
parte do Programa Conjunto de Segurança Alimentar e Nutricional para mulheres e crianças 
indígenas do Brasil – PCSANs/ Secretaria Especial de Saúde Indígena- SESAI, em parceria 
com prefeitura, secretaria da educação, escolas, comunidades, Fundação Nacional do Índio - 
FUNAI, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade - SECAD, Programa 
das Nações Unidas para o Desenvolvimento - PNUD e Organização das Nações Unidas para a 
Alimentação e a Agricultura (Food and Agriculture Organization of the United Nations) – 
FAO, entre outros. No mesmo ano, atuei como mobilizador da política do movimento de 
adolescentes e jovens indígenas Tikuna e Kokama, com o tema “os jovens indígenas têm direito 
à participação nas políticas públicas”. 
Prestei serviço temporário na escola estadual indígena. Entre os anos de 2013 e 2016, 
assumi a função de professor na Escola Estadual Indígena Professor Gildo Sampaio– 
Megatanücü1 (Conjuntos dos sons bonitos (vozes bonitas) / Conjuntos dos [que são] sons 
bonitos / vozes bonitas), escola situada na aldeia Filadélfia e voltada para o ensino médio 
 
1 Nome vinculado ao Arucüã ‘ clã Avaí’. 
18 
 
indígena regular. E, em 2015, comecei a atuar como membro de pesquisadores e escritores 
Tikuna – ÜMATÜTAE/OGPTB, que tem por objetivo a elaboração de material didático para 
fortalecimento da educação indígena diferenciada, nas escolas Tikuna. 
Como minha família aceitou o evangelho desde o ano de 1972, aderindo ao cristianismo 
protestante Batista Regular, eu já vim crescendo no evangelho: meu pai era líder/pastor da igreja 
na aldeia. Então, acompanhei esse processo de atuação das missões de evangelismo em meio 
ao povo Tikuna. Em 2014 e 2016, tive oportunidade de ver mais de perto o trabalho da missão. 
Fui convidado pelo pastor Eli Tikuna para acompanhar o projeto da missão Wycllife Associates, 
pela via da mobilização de assistência de apoio à tradução – MAST (um programa de tradução 
da bíblia na língua nativa), junto à Organização da Missão Indígena da Tribo Tikuna do Alto 
Solimões (OMITTAS). Nesse mesmo ano, fui convidado como antropólogo indígena Tikuna 
para participar do Congresso Nacional de Conselho Nacional dos pastores e líderes indígenas 
– CONPLEI, Aldeia Córrego do Meio – Sidrolândia, MS, com o objetivo de discutir o 
andamento e a implantação das igrejas genuinamente indígenas e autônomas. 
Em julho de 2016, participei do concurso de seleção ao Mestrado Interinstitucional 
(Minter) em Antropologia Social, do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, 
Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGAS/MN/UFRJ) e o 
Departamento de Ciências Sociais, Universidade Federal de Viçosa (DCS/UFV), tendo sido 
classificado para a vaga da Política de Acesso Afirmativo ao MINTER destinada a candidato 
indígena, como integrante da única turma desse curso de Minter, iniciada no primeiro período 
letivo de 2017. Viajei para cidade de Viçosa, estado de Minas Gerais, no mês de fevereiro de 
2017 para cursar o mestrado em antropologia social. Interessei-me a seguir, durante o curso de 
mestrado, por um ramo de pesquisa na Antropologia Social: Antropologia dos povos indígenas 
e das populações tradicionais. Esse interesse me levou a estudar a evolução da educação Tikuna 
com foco central na modalidade diferenciada de ensino em uma escola Tikuna, buscando saber 
em que medida os procedimentos de conteúdos e metodologias de ensino são elaborados para 
o fortalecimento dos saberes tradicionais na escola. 
Ao retornar de Viçosa – MG para a cidade de Manaus – AM, no mês janeiro de 2019, a 
Gerência de Educação Escola Indígena - GEEI/SEDUC me enviou convite para participar de 
um treinamento de formadores do projeto Pirayawara, no âmbito do Programa de Formação de 
Professores do Magistério Indígena no Estado do Amazonas em parceria com a Universidade 
do Estado do Amazonas – UEA. Nesse contexto, fui indicado como formador, com experiências 
19 
 
na área de conhecimentos nas disciplinas de introdução à antropologia, história/historiografia, 
geografia/contextos locais e sociologia/estudos específicos, no curso de professores (as) da 
etnia Kulina, do município de Juruá, no rio Juruá. Após esse, fui para o Médio Solimões, para 
trabalhar com o povo Kokama e Kanamari, município de Fonte Boa, Amazonas. 
A minha participação, com reciprocidade, trocas de experiência, junto a múltiplos 
grupos, no acompanhamento da política do movimento indígena, nas reuniões das 
organizações, associações, igrejas, escolas, saúde e dos jovens, ao lado das lideranças Tikuna, 
que discutem o fundamento e o avanço da política de luta do povo Tikuna, foi um ganho de 
experiência de luta e uma marca deixada pelos protagonistas antecessores. São metas a busca 
de vida digna, de igualdade de direitos para a futura geração e de direitos à terra, à expressão, 
de viver livre. E analiso que as lutas das lideranças Tikuna eram verdadeiras unidades, têm o 
mesmo pulso do povo daquela época, que criou uma organização própria, o conselho geral da 
tribo Tikuna - CGTT (1982), uma organização dos caciques, e por meio desta lutaram juntos 
com uma única voz de luta pela demarcação de terras. De certa forma, a luta do povo Tikuna 
vem acontecendo, acirrada, há muito tempo. 
O engajamento na evolução e revolução dos Tikuna, introduzidas pela modernidade, 
deu novo horizonte na luta, junto à política indigenista, amadurecendo suas experiências na 
política que simbolizam a incorporação em mecanismos que possibilitam os diálogos com o 
mundo institucional da sociedade não indígena. Com isso, esse mesmo engajamento levou à 
criação de outra organização especifica, a Organização de Monitores de Saúde dos Povos 
Tikuna – OMSPT (1984), e, para professores que buscam a melhoria e qualidade da educação 
do povo Tikuna, a Organização Geral dos Professores Tikuna Bilíngues - OGPTB (1986), 
idealizada pelos próprios caciques, professores e as comunidades, com apoio de equipe da 
assessoria indigenista. 
Na luta do povo, as igrejas também se fazem presentes na construção dessas políticas 
do povo indígena. Após 52 anos de luta, houve novo avanço revolucionário entre os povos 
Tikuna: surgiram outras novas organizações (OMITTAS, AMIT, AMTIA2, FOCCITT, 
LIERB3, PIASOL4, REJICARS). Todas estas foram surgindo na comunidade de Filadélfia, 
 
2 Associação de Mototaxistas Indígenas do Alto Solimões- AMTIA. 
3 Liga Indigena Esportiva Rural Benjaminense - LIERB. 
4 Polícia Indígena do Alto Solimões – PIASOL. 
20 
 
como implementação ou divisão da força tarefa da política do movimento indígena do povo 
Tikuna. 
E hoje, no século XXI, o povo Tikuna percebe que a luta das organizações e associações 
ficou em ruptura, por desentendimento na defesa da causa coletiva, que se torna fragmentada, 
ou seja, a luta política do movimento Tikuna está mais adentrada na individualização, e isso faz 
recuar a força da unidade. Mas as lideranças locais sempre colocam em pauta, nas suas 
discussões comunitárias, a conscientização do povo, para trazer de volta a força da política 
coletiva. 
Este meu percurso começou muito tempo atrás, com vários obstáculos vencidos, para 
que eu pudesse alcançar a pós-graduação, e continuo na luta compreendendo o avanço e as 
mudanças da política de luta do povo. 
 
21 
 
INTRODUÇÃO 
 
Esta dissertação trata da educação escolar indígena, objetivando analisar a modalidade 
diferenciada de ensino, os procedimentos de conteúdos e as metodologias de ensino elaboradas 
e especificamente desenvolvidas para o fortalecimento dos saberes tradicionais em uma escola 
indígena - a escola Tikuna Ebenezer Pucürana rü We’tchi’ina, situada na aldeia Filadélfia, 
localizada na proximidade da cidade de Benjamin Constant, na região do Alto Solimões, 
Amazonas. Para alcançar meu objetivo, realizei um estudo descritivo e analítico participativo 
no contexto de vivência, e de pesquisas bibliográficas, relacionado ao processo educativo na 
escola, na família, apreendidos no espaço da comunidade Filadélfia, onde vivem 1.845 
indivíduos Tikuna e estão 02 (duas) escolas indígenas, uma da rede municipal e outra de rede 
estadual – polo. A escola municipal indígena Ebenezer oferta os níveis de ensino da educação 
maternal (crianças de 3 anos), educação Infantil (Pré – I e II, de 4 a 6 anos) e ensino fundamental 
de 1º ao 9º ano, possuindo aproximadamente 632 alunos matriculados, das etnias Tikuna, 
Kokama, além de não indígenas. Os professores lotados nesta escola são eles próprios Tikuna 
e Kokama. 
Observo que existem 10% de famílias construídas heterogeneamente, ou seja, moradoras 
desta aldeia, essas famílias foram constituídas com não indígenas ou membros de outras etnias,enquanto a comunidade escolar está se afastando ou se aproximando do modo de vida dos 
Tikuna. Com o grande avanço de incorporação à sociedade não indígena, tem ocorrido a 
ruptura da tradição de casamento com família propriamente do grupo e, em relação à 
comunidade escolar, os alunos e os professores, em sua interação no ambiente escolar, têm 
como mais útil a língua portuguesa, ou seja, os falantes de língua portuguesa convencem os que 
dominam a língua nativa Tikuna, nas conversações diárias, na escola e na vida comunitária. 
Como isso, destaco a família constituída de marido/mulher não indígena, focalizando 
também o grupo de colegas: neste último, caso haja um colega não indígena, esse acaba como 
superior na conversação em língua portuguesa, enquanto a língua nativa fica em intervalo na 
interação. Os saberes tradicionais não são contextualizados, nos conteúdos escolares e, dentro 
de família, também não são contados, ensinados os saberes do povo – o que torna a consciência 
dos jovens mais vulnerável na relação língua e cultura de origem. 
Desenvolvo esta dissertação em três capítulos. No primeiro capítulo, abordo o aspecto 
histórico da educação escolar do povo Tikuna de Filadélfia, o modo como é estruturada a escola 
22 
 
no olhar dos Tikuna e o currículo inserido no ensino escolarizado, incluindo a formação dos 
docentes que desenvolvem as atividades pedagógicas. O segundo capítulo apresenta as relações 
familiares e fronteiras linguísticas, tratando da convivência e da vivência dentro de uma família 
constituída de cônjuge Tikuna bilíngue/não Tikuna, Tikuna monolíngue/Tikuna e não 
indígena/não indígena. O terceiro e último capítulo mostra os espaços formais e informais: 
ensino na escola e na comunidade, as concepções de educação entre dois mundos diferentes um 
do outro, ambos com complexidade no processo de ensino - aprendizagem, que as crianças ou 
adolescentes incorporam para se tornarem um sujeito completo e preparado a ingressar como 
parte do grupo. A propósito, cito o que diz Maher sobre a Educação Indígena, ao diferenciá-la 
da chamada Educação Escolar Indígena (MAHER, 2006); 
 
Quando fazemos menção à “Educação Indígena”, estamos 
nos referindo aos processos educativos tradicionais de 
cada povo indígena. Aos processos nativos de 
socialização de suas crianças. Quando observamos mesmo 
as atividades mais corriqueiras realizadas no interior de 
uma aldeia Yanomami, por exemplo, podemos perceber 
que aí ocorre um intenso e complexo processo de 
ensino/aprendizagem, no qual crianças e jovens são 
preparados para exercerem sua “florestania”, para se 
tornarem sujeitos plenos e produtivos de seu grupo étnico. 
Esse empreendimento, é preciso entender, não implica, 
não “passa” por conhecimento escolar algum. 
Antigamente, essa era a única forma de educação existente 
entre os povos indígenas: o conhecimento assim 
transmitido era mais do que suficiente para dar conta das 
demandas do mundo do qual faziam parte. A partir do 
contato com o branco, no entanto, esse conhecimento 
passou a ser insuficiente para garantir a sobrevivência, o 
bem-estar dessas sociedades. É preciso agora também 
conhecer os códigos e os símbolos dos “não-índios”, já 
que estes e suas ações passaram a povoar o entorno 
indígena. E é assim que, historicamente, surgiu a 
“Educação Escolar Indígena”. É a partir de seu contato 
23 
 
conosco que a escrita, a matemática formal e vários outros 
de nossos saberes entraram no mundo Yanomami, no 
mundo Tikuna, no mundo Yawalapiti, etc. (MAHER, 
2006, p.16 e 17). 
 
A modalidade diferenciada de ensino entre os Tikuna inclui os conhecimentos, saberes 
sobre as práticas de cultivo de espécies nativas como macaxeira, cará, banana, buriti, açaí, cana-
de-açúcar e outros alimentos vegetais; e outras a incluir são as práticas de caça, pesca baseada 
na alimentação de subsistência familiar e outra, ainda, é aquela destinada à comercialização 
como geração de renda familiar no contexto atual. Na produção, os moradores também 
produzem instrumentos da caça, da pesca e outros objetos que marcaram as manifestações 
culturais desse povo. Essa tecnologia é aprendida com os pais e com os mais velhos e, assim, 
esses conhecimentos e técnicas são repassados para as crianças e jovens durante a socialização 
no ambiente familiar. 
Na realização de atividades agrícolas, a família Tikuna trabalha, em conjunto: o pai, sua 
esposa e os filhos mais velhos que ainda não são casados: atuam juntos. Aos filhos maiores e 
solteiros, os pais orientam ter uma roça própria, de modo que, quando vierem a se casar, cada 
um já terá seu próprio roçado como suporte da nova família construída por ele. Essa é a primeira 
educação repassada oralmente na sociedade Tikuna, de modo geral. 
 
A nossa riqueza está na terra. Na terra podemos formar nossas aldeias. 
Podemos cultivar nossas roças. Nos rios, igarapés e lagos podemos 
pescar. Na floresta que cobre a terra tem caça, remédios, frutas. Tem 
madeira para construir a casa. E madeira para construir a canoa. Tem 
materiais para fabricar os objetos da casa, os brinquedos e os enfeites, 
as tintas para pintar. Tem materiais para fazer a festa, as máscaras e os 
instrumentos musicais, para fazer música. Da floresta vêm as histórias 
para contar e os espíritos que ajudam a curar. Nossa vida anda junto 
com a floresta [...] (“O livro das árvores”, 1997, p.70). 
 
No caso da educação diferenciada para os Tikuna, não se trata apenas do ensino de língua 
materna na escola, mas se trata dos saberes tradicionais e conhecimentos, técnicas. A partir de 
24 
 
um tema transversal, definido de acordo com o contexto especifico da comunidade e inserido 
em todas as disciplinas que compõem o currículo da escola indígena (RCNEI/MEC-SEF, 2002), 
se cria fronteira, relacionada à fronteira geopolítica, que também se define pela existência de 
um velho par de línguas e cultura com um contato histórico e genealógico muito estreito, que é 
o do português-indígena. 
O povo Tikuna vive na tríplice fronteira da Amazônia, na divisa entre Peru, Colômbia e 
Brasil. Com a exploração da América do Sul iniciada, teve seu primeiro contato com a 
sociedade não indígena no século XVII, como um sinal das trocas linguísticas e culturais, na 
região do alto Solimões – Amazonas, compartilhadas pela história de outras línguas com as 
quais convive e entra em conflito, de acordo com suas concepções diferentes umas das outras. 
Hoje tem aproximadamente 63.640 habitantes, distribuídos em 243 comunidades (segundo 
dados da SESAI, 2018), dos municípios do Alto, Médio e Baixo rio Solimões no Estado do 
Amazonas. 
Após o contato com a sociedade envolvente nacional, passou a ser imposta a escola 
chamada civilizadora. Ali os Tikuna passaram por diversas situações dolorosas em relação ao 
processo de escolarização, tendo sido a principal a proibição do uso de sua língua materna, 
acompanhada da obrigação de aprender a escrever, a falar e a cantar na língua do outro ou 
mesmo adotando novos hábitos trazido de fora. 
Conforme a descrição de Rodrigues (2014) sobre os Tikuna, 
 
O povo Tikuna habita a Amazônia ocidental do Brasil muito antes da 
conquista do território brasileiro. Ao longo dessa história, os Tikuna 
aprenderam a se organizar no âmbito social, político e econômico 
desenvolvendo maneiras particulares de sobrevivência na selva. Antes 
da chegada dos europeus, “os ticunas habitavam as terras firmes do 
norte do Amazonas, desde o século XVI, sendo expulsos do lugar no 
século XVII, pela tribo inimiga dos Omáguas (conhecidos no Brasil 
como Cambebas), numeroso grupo indígena que habitava a zona de 
várzea”1. O território habitado pelos Tikuna “desde o baixo Napo até a 
região de São Paulo de Olivença entre os rios Javari e o Içá foi ocupada 
no século XVI pelos Aparia ou Aricana. A Aparia Grande ou Aparia, o 
25 
 
Grande, seu povoado principal,se situava próximo à boca do Javarí”2. 
Hoje a maioria do povo Tikuna habita a região do Alto Solimões, na 
fronteira do Brasil com o Peru e a Colômbia. Eles estão localizados em 
seis municípios desta região, a saber: Tabatinga, Benjamin Constant, 
Amaturá, São Paulo de Olivença, Santo Antônio do Içá e Tonantins, 
sendo distribuídos em mais de 20 terras indígenas (RODRIGUES, 2014 
p.18). 
 
Em 1986, houve várias reuniões e encontros das lideranças e professores Tikuna, tratando 
da educação escolar indígena diferenciada, especifica e bilíngue. Com isso, surgiu a 
Organização Geral dos Professores Ticuna Bilíngues – a OGPTB, objetivando discutir as 
políticas educacionais nas comunidades Tikuna da região do Alto Solimões e tendo como 
referência a mobilização dos Tikuna por uma educação escolar adequada a seus interesses e 
realidades. 
A partir disso, o povo Tikuna lutou pelo reconhecimento de seus direitos constitucionais 
e cumprimento da legislação de educação escolar indígena na região do Alto Solimões, para 
concretização de uma educação escolar diferenciada e específica na comunidade, construindo 
maior autonomia dos professores indígenas e comunidades na condução do processo 
educacional em suas escolas e no entendimento da escola como espaço de produção de saberes, 
de reflexão e ação política, de proteção do território e defesa dos direitos sociais, de promoção 
da saúde, de valorização da língua materna e do patrimônio cultural. 
O curso ofertado no centro de formação de professores Tikuna – Torü Nguepata# 
(‘Nossa Casa de Estudo’) era em nível fundamental, ensino médio magistério. Mais 
recentemente, realizou-se curso de graduação, nível superior, para professores indígenas do 
Alto Solimões, por meio do programa (PROLIND) em parceria com a Universidade do Estado 
do Amazonas – UEA, nos anos de 2006-2011, com foco na substituição dos docentes não 
indígenas que lecionavam nas escolas indígenas, por professores Tikuna da própria 
comunidade, para concretização de uma educação verdadeira bilíngue na escola indígena, na 
comunicação entre professor/aluno. Nas etapas do curso de formação em magistério indígena, 
os professores produziram materiais didáticos em língua materna que garantem a valorização 
dos saberes tradicionais e memória dos ancestrais do povo Tikuna, tendo sido alguns traduzidos 
26 
 
para o português. Esses materiais didáticos produzidos são utilizados pelos próprios 
professores, nas escolas de suas comunidades. 
Realizada alguns anos após o término do curso de graduação para professores indígenas 
do Alto Solimões, curso descontinuado em 2011, a pesquisa que resultou nesta dissertação teve 
como seu objetivo geral analisar a modalidade diferenciada de ensino em uma escola Tikuna, 
buscando saber em que medida os procedimentos de conteúdos e metodologias de ensino são 
elaborados para o fortalecimento dos saberes tradicionais na escola. Com relação aos objetivos 
específicos desta pesquisa, esses foram estabelecidos de modo a carrear, levar para o objetivo 
geral determinados aspectos, determinadas discussões, análises, formas de contribuição que 
pudessem fortalecer o próprio objetivo geral em termos do resultado alcançado. Os objetivos 
específicos da pesquisa foram: 
 analisar aspectos da educação escolar e do cotidiano familiar vivenciado pelo Tikuna 
do passado e da mudança ocorrida nos dias atuais; 
 discutir as formas de influência que a língua e a cultura Tikuna sofrem a partir do contato 
direto ou indireto mantidos nos espaços informais e formais. 
 Analisar em diferentes enfoques o domínio em que a metodologia de ensino é aplicada 
pelos professores de forma produtiva no campo das práticas de saberes indígenas, ensino 
regular e uso da língua na escola, como foco da educação bilíngue; 
 contribuir, de uma maneira geral, para maior conhecimento dos saberes indígenas na 
escola e sua aplicação por meio dos resultados da pesquisa. 
 
Para alcançar nossos objetivos, lidamos basicamente com 5 (cinco) pontos, alguns dos 
quais questões que nortearam a pesquisa: 
1. Quais são as relações com as crianças na construção da oralidade a partir do contexto 
da casa e do contexto escolar? 
2. Como ocorre o processo de ensino, pensando na valorização cultural e linguística? 
3. O quanto a escola está se afastando ou se aproximando do modo de vida dos Tikuna? 
4. Como isso está relacionado com a educação desejada pela secretaria municipal de 
educação? 
5. Na escola, o que os professores estão ensinando, em que língua, de que modo? 
27 
 
No caso das perguntas que envolvem famílias, e que estão vinculadas a casa e outros 
espaços sociais compartilhados, para alcançar uma resposta, trabalhamos com uma 
amostragem, limitando o número de famílias observadas para poder descrever e analisar o que 
se passa na casa e na escola, e em outros espaços sociais, como a roça e a igreja. Este foi o 
campo da nossa pesquisa. 
De acordo com os objetivos colocados, sigo, em termos da metodologia, o caminho de 
uma pesquisa exploratória descritiva, com a finalidade de colher maiores informações analíticas 
a respeito da educação Tikuna, focando no ensino diferenciado e específico em uma escola 
indígena, na aldeia Filadélfia - uma forma de facilitar a descrição nesta pesquisa, já que existem 
alguns estudos voltados para os saberes indígenas na escola encontrados na literatura. Ao 
mesmo tempo, isso colabora com a ideia de que este tipo de pesquisa busca “compreender as 
diferenças observáveis entre populações de origens diferentes”, sendo “importante considerar 
não suas supostas características “raciais”, e sim efeito de outras variáveis, como o meio 
ambiente e especialmente as condições sociais em que vivem essas populações” (BOAS, 2005, 
p.19) 
Por também se tratar de uma pesquisa qualitativa, utilizei a investigação etnográfica, na 
qual, segundo Geertz (2008), a etnografia não é, apenas, uma questão de método, mas sim um 
esforço intelectual do pesquisador. “Praticar a etnografia é estabelecer relações, selecionar 
informantes, transcrever textos, levantar genealogias, mapear campos, manter um diário e são 
descrições densas e geradoras de dados que devem ser analisadas pelo pesquisador (GEERTZ, 
2008, p 4). Surgem assim duas realidades diferentes, a conhecida, ou seja, própria do 
investigador e a que se deseja conhecer, cujas conclusões têm como base as descrições do real 
universo cultural do povo, o que permite obter os significados dessa realidade para os que a ela 
pertençam. 
Clifford (2002) aponta algumas experiências de escrita etnográfica a respeito do trabalho 
de campo de Malinowski e Radcliffe-Brown. Entre essas diferenças, destaca-se a concepção 
vinculada ao uso dos termos etnógrafo e antropólogo, isto é, entre aquele que descrevia e 
traduzia os costumes e aquele que era o construtor de teorias gerais sobre a humanidade. Eram 
personagens distintos, desenvolvidos com estilos de trabalho de campo e visões sobre a ciência 
cultural bem diferentes, para conhecer a estrutura social de uma população ou grupo social (cf. 
CLIFFORD, 2002, p.26.). 
28 
 
Com base nos caminhos metodológicos apontados, busco, então, analisar a valorização 
dos saberes indígenas na escola, na família e nos diversos espaços educativos relacionados aos 
costumes do povo e às mudanças provocadas pelo contato de complexos culturais 
(modernidade), de acordo com os objetivos da pesquisa, através de entrevista aberta e de 
observação participativa realizada durante a pesquisa de campo na aldeia Filadélfia, entre o 
povo Tikuna, procedimento este em concordância com Geertz (2009, p. 11-12). Para este autor, 
o que o antropólogo deve fazer, propriamente, 
é ir a lugares, voltar de lá com informações sobre como as pessoas 
vivem e tornar essas informações disponíveis à comunidade 
especializada, de uma forma prática, em vez de ficar vadiando por 
bibliotecas, refletindo sobrequestões literárias (Idem, ibidem), 
 
mas com uma ação disciplinada e orientada por princípios e estratégias. 
Em relação à pesquisa antropológica, se o antropólogo não fosse ao campo com ideias 
preconcebidas, não saberia o que observar, nem como fazê-lo. Por outro lado, o antropólogo 
deve seguir o que encontra na sociedade que escolheu estudar: a organização social, os valores 
e sentimentos do povo, e assim por diante (EVANS-PRITCHARD, 2005, p. 244). A propósito, 
cabe lembrar o que disse Mariza Peirano sobre a pesquisa de campo: 
 
O ideal da pesquisa além-mar, contudo, permaneceu como meta a ser 
alcançada, a tal ponto que, décadas depois e inserindo-se em uma 
tradição que sistematicamente questionou a necessidade da pesquisa de 
campo externa, em 1982, Satish Saberwal concluía que a pesquisa de 
campo na Índia era uma soft experience, já que realizada na própria 
língua, casta, e na região de origem do pesquisador. (PEIRANO, 1997, 
p. 72). 
 
Na minha pesquisa, visitei a escola, famílias foram entrevistadas, foram realizados 
diálogos com as lideranças comunitárias, moradores, gestor e professores da comunidade 
escolar focalizada. Em diferentes momentos, a partir do consentimento dos pais e das crianças, 
realizei entrevistas, observações e tirei fotografias, procurando sempre respeitar os limites 
29 
 
verbalizados e não verbalizados expostos pelos participantes. Para viabilizar minha descrição 
da educação Tikuna, com atenção especial à escolarização de crianças, vi na observação do 
processo educativo e na análise das transformações que ocorrem na criança e em relação a ela, 
desde a primeira infância até a maturidade, a melhor maneira de se estudar uma cultura (em 
conformidade com MEAD, 1962, p.29). 
Nesta dissertação, o público alvo se encontra agrupado em monolíngues em Tikuna, 
bilíngues em Tikuna e Português, monolíngues em Português. Também houve preocupação 
com as crianças Tikuna, devido ao contato com outras pessoas e culturas – um fato. Ao mesmo 
tempo, trabalhamos com a diferenciação entre a educação na casa e a educação em espaço 
escolar formal, procurando realizar também uma documentação visual. Com relação às fotos, 
todas são de minha autoria, assim como sou responsável pela elaboração do Quadro 4. Quanto 
aos desenhos, sua autoria é indicada à medida em que são apresentados. 
 
 
 
 
 
 
 
 
30 
 
CAPITULO I - ASPECTO HISTÓRICO DA EDUCAÇÃO ESCOLAR DO POVO 
TIKUNA DE FILADÉLFIA 
 
 
Foto 1. Aniversário da Escola Indígena Ebenezer 
 
Os Tikuna representam a maior população indígena no Brasil, mesmo depois do grande 
aliciamento sofrido pelo contato com os colonizadores, desde longa data. E ainda preservam sua 
identidade, apresentam uma surpreendente luta pela terra e desenvolvem uma busca incessante pela 
sua afirmação cultural (RODRIGUES, 2014, p.17). É importante salientar o trabalho que visa ao 
aspecto histórico da educação escolar do povo Tikuna de Filadélfia - Ütchigüne (Lugar que 
cresce) - no contexto da realidade étnica e cultural específica deste povo. 
A escola indígena Ebenezer Pucürana rü We’%tchi’ina5 - polo, localizada na terra 
demarcada de Santo Antônio, na aldeia Filadélfia, fica a três quilômetros da cidade de Benjamin 
Constant – Amazonas. A comunidade possui, constituídas, famílias heterogêneas em línguas e 
 
5 ‘Aquela que tem rabo branco e pena preta’ (nome atualmente proposto para a escola Ebenezer). 
31 
 
culturas, o que traz a mistura entre culturas e torna a escola sempre apta como espaço recolhedor 
dessa diversidade de pessoas ou etnias. 
 
 
Foto 2. Alunos indígenas e não indígena, 3º ano - A, da escola indígena Ebenezer, 
2018, participando da exposição de leitura e artes visuais. 
 
De acordo com o relato histórico-descritivo, a educação escolar na comunidade Filadélfia 
surgiu na década de 60. Essa foi fundada em dia 5 de abril do ano de 1968, com a participação 
de seus primeiros moradores, da família Vasques e Fernandes. No dia 15 de abril do ano 1986, 
foi reconhecida como uma comunidade indígena, dentro da terra demarcada de Santo Antônio, 
pelo Governo Federal, de uso exclusivo aos povos indígenas deste polo. 
Na mesma década de 60, a presença da igreja da missão evangélica Batista Regular, 
fortemente marcada na região, objetivou converter os povos indígenas, e com esse trabalho de 
evangelização chegou um Tikuna convertido ao evangelho, denominado senhor Manoel 
Salvador, com a finalidade de converter os parentes desta comunidade através da palavra de 
Deus – conforme a missão Batista Regular. A partir daí, as pessoas se converteram e 
incorporaram o mundo da cultura bíblica, deixando de lado o fato de sua cultura milenar ser 
praticável e disseminando a educação dos brancos na aldeia Tikuna. 
32 
 
Como participantes do evangelho, os moradores se preocuparam com espaço apropriado 
para comunhão, até que um dia se reuniram para traçar a ideia de construção da igreja de 
madeira e sua cobertura de palha, e a mesma casa também serviu como uma sala de aula dos 
alunos interessados em ingressar na leitura e na escrita em língua portuguesa. O professor 
voluntário que dava aula para os alunos era o próprio missionário Tikuna da denominação 
Batista Regular. Nessa escola improvisada, não havia participação do poder público municipal, 
que atende às demandas da educação voltada à comunidade indígena, caso da construção da 
escola e do fornecimento de materiais pedagógicos. 
Os conteúdos e metodologias de ensino são embasados no contexto bíblico, com a visão 
de multiplicar os missionários evangélicos preparados, o que de fato facilita a expansão do 
evangelho nas comunidades indígenas Tikuna. A primeira igreja era denominada Igreja Batista 
“Ebenezer”, o que significa: “o senhor nos ajudou a chegar até aqui e por isso estamos felizes” 
(PPP da escola); atualmente, a mesma teve o seu nome mudado para a igreja “Batista 
Independente”, com sua estrutura modernizada. No espaço dessa igreja – escola improvisada, 
- a disciplina dada pelo professor foi a alfabetização de jovens e adultos, iniciando-se forte 
imposição de ensino em língua portuguesa, que possibilita a melhoria na expressão na língua 
portuguesa com as pessoas não indígenas. 
As crianças vivem no meio da família e do grupo, acompanham observando, interagindo 
com alguns de seus atos, praticando jogos, brincadeiras e atividades que contribuem com o seu 
desenvolvimento cognitivo e, nos dias de domingo e de turno de dia e da noite, as crianças 
acompanham seus pais na igreja, indo com eles participar do culto, dedicar cânticos de louvor 
e leitura de mensagem na língua portuguesa, sendo que alguns desses hinos e contextos bíblicos 
são traduzidos para a língua materna. 
Após 1978, houve um crescimento populacional marcante na comunidade. Com isso, o 
poder público, na parte da educação, priorizou a construção de uma escola (de madeira) dentro 
da comunidade indígena Filadélfia, que possuía apenas uma sala de aula. Nessa escola 
funcionava apenas o ensino fundamental inicial de 1º a 4º séries, os monitores bilíngues que 
trabalhavam aí eram funcionários da Fundação Nacional do Índio – FUNAI. 
Em todos os anos, havia aumentos acentuados de alunos, os quais se deram pela vinda, a 
partir de diversas comunidades, de membros das etnias Tikuna, Kokama6 e, ainda, de não 
 
6 “Habitantes do Solimões, o contato dos Kokama com a sociedade não-indígena remonta às primeiras décadas da 
colonização. Os aldeamentos e deslocamentos forçados, impostos primeiramente pelas missões e depois pelas 
33 
 
indígenas, que se deslocaram para estudar na 4ª série do Ensino Fundamental. Estes alunos 
integram famílias vulneráveis socioeconomicamente, sendo difícil para eles frequentar escola 
e realizar seu estudo no centro dacidade de Benjamin Constant, por falta de assistência a 
estudante de baixa renda. Desde então, o corpo docente da escola Ebenezer tem trabalhado 
com alunos de diferentes línguas e culturas, o que a torna uma escola bilíngue de referência 
para outras comunidades deste município. Segundo Maher (2006), as diferenças populacionais 
constituem um aspecto ao lado de outros: 
 
Como se vê, há diferenças populacionais significativas entre os povos 
indígenas, mas isso não é tudo. Os Guarani, por exemplo, interagem 
com o que denominamos “sociedade nacional” há 500 anos, enquanto 
que os Waiãpi só conheceram o “homem branco” há cerca de 30 anos. 
*[3] Evidentemente, as diferentes experiências de contato com a 
sociedade envolvente fazem com que os povos indígenas no Brasil 
tenham, comparativamente, configurações atuais muito particulares. 
**[4] Mas as diferenças entre eles tampouco param aí. Vejamos: os Zo’é 
falam uma língua da família Tupi-Guarani; a língua falada pelos 
Kaxinawá, entretanto, pertence à família lingüística Pano. Isso significa 
que um Zo’é e um Kaxinawá observam matrizes culturais 
possivelmente tão distintas quanto, digamos, um latino e um oriental. E 
mesmo se considerarmos os grupos que falam línguas da mesma família 
lingüística – como é o caso dos Xavante, dos Kaingang e dos Xikrin, 
todos falantes de línguas Jê –, ainda assim as diferenças entre esses 
 
frentes extrativistas, acabaram criando um contexto tão adverso de reprodução física e cultural desses grupos, que 
lhes suscitou a negação da identidade indígena por muitas décadas. Desde os anos de 1980, porém, a identidade 
Kokama vem sendo cada vez mais valorizada no contexto de suas lutas políticas – que incluem outros povos 
indígenas do Solimões – por terras e acesso a programas diferenciados de saúde, educação e alternativas 
econômicas”. (Cf. https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Kokama). 
* [3] Nota presente no texto original: “A partir de uma convenção estabelecida, entre linguistas e antropólogos, em 
1953, ficou estabelecido que o substantivo gentílico referente ao nome de um povo indígena seria grafado com 
maiúscula e nunca pluralizado: tal substantivo, além de muitas vezes já estar no plural na língua indígena de 
referência, é designativo de um povo, de uma sociedade, de uma coletividade única – e não apenas de um conjunto 
de indivíduos. Daí nos referirmos aos Palikur, e não aos Palikures; aos Guajajara, e não aos Guajajaras.” (MAHER, 
2006, p. 14). 
** [4] Nota igualmente presente no texto original: “É importante esclarecer que há, em território nacional, cerca de 
54 povos indígenas que ainda não foram contatados.” (Idem, ibidem). 
 
34 
 
povos não são nada desprezíveis. Pensar o contrário seria o mesmo que 
pensar que um italiano, um francês e um brasileiro, porque falam 
línguas românicas, seriam idênticos... Ora, as implicações de tamanha 
diversidade no interior do Brasil indígena não podem ser 
desconsideradas em nossas escolas, por isso é imperioso que a noção 
de índio genérico seja desconstruída já na Educação Infantil, para que 
nossas crianças não cresçam tendo uma visão equivocada dos povos 
indígenas em nosso país. (MAHER, 2006, p.14 e 15). 
 
A partir da década de 90, radicalizou-se o aumento de alunos matriculados com novo 
degrau de escolaridade, - o que representou, para os pais, dificuldade em matricular seus filhos 
na escola da cidade. Isso movimentou a “engrenagem” da população, que teve suas 
reivindicações discutidas. O resultado foi a proposta de implantação de uma escola que 
oferecesse o ensino de 5º a 8º séries do Ensino Fundamental, funcionando na escola Ebenezer, 
mas, infelizmente, a demanda do povo foi arquivada pelo governo municipal. 
Em 1995, as lideranças comunitárias aceleraram a pressão sobre a engrenagem da 
máquina do governo municipal, para execução da implantação do ensino que atende de 5º a 8º 
séries do Ensino Fundamental, dentro da sua própria comunidade para terem facilidade de 
acesso, uma das principais prioridades do povo em relação à educação escolar na comunidade 
indígena. 
A demanda da comunidade foi concretizada com a parceria feita com a entrada da nova 
gestão no governo municipal no ano de 1999. Foi criada a escola Ebenezer como uma 
instituição de ensino reconhecida pelo decreto nº 031 de 8 de novembro de 1996, um sistema 
de polo educacional, sem perspectivas do reconhecimento como uma escola indígena, com 
currículo “normal” ou de não indígena. Mesmo assim, contribuiu no desenvolvimento da 
educação na comunidade, fazendo com que os jovens de diferentes comunidades indígenas e 
não indígenas tivessem acesso ao ensino fundamental completo, sem exceção de grupo. 
Entre os anos de 1996 e 1999, os professores (as) que atuavam nesta escola com a turma 
de 5ª a 8ª séries do ensino fundamental na comunidade eram todos (as) não indígenas, falantes 
monolíngues fluentes em língua portuguesa, devido à insuficiência de professores propriamente 
Tikuna que tinham formação especifica na área. Durante esses anos, na intenção da secretaria 
35 
 
da educação municipal, o ensino da língua materna na escola não era ideal para ser incluído no 
currículo. 
As reivindicações das lideranças da comunidade não são somente no sentido de ganhar a 
implantação do prédio da escola do ensino fundamental de 5º a 8º séries dentro da sua própria 
comunidade, mas sim de um reconhecimento de sua escola como indígena com ensino de 
modalidade diferenciada, incluindo o ensino da língua materna no currículo da escola como 
uma disciplina, e não como língua de instrução. 
A identidade do linguista americanista como alfabetizador em língua 
indígena se fortaleceu quando já não existia o SPI e, em seu lugar, tinha 
sido criada a FUNAI (Fundação Nacional do Índio). Com a FUNAI, o 
SIL conseguiu em 69 seu primeiro convênio com o órgão indigenista, 
passando a controlar oficialmente a Educação Indígena através da 
formação de centros de treinamento de professores indígenas. O acesso 
da missão às atividades de Educação Indígena não se deu apenas através 
do convênio de 69, mas sobretudo por uma Portaria da FUNAI, de 1972, 
que torna obrigatória a educação bilíngue no país. Com isso, o principal 
instrumento de integração da população indígena passou a ser a 
alfabetização em língua indígena e não em português. (BARROS, 1994, 
p. 28) 
 
Em muitos casos, os professores Tikuna da escola Ebenezer encontram desafios quanto à 
língua, na conversação heterogênea na sala de aula, na sua busca para que possam ter melhor 
entendimento dos alunos não indígenas. Isso leva os professores a adequar a língua portuguesa, 
como se fossem monolíngues em português na sala de aula, um meio que facilita na 
intermediação da turma durante a aplicação de conteúdo. De acordo com conceito da 
transformação de identidade, por Figueira (1987) na sua obra “O moderno e o arcaico da família 
brasileira”, 
Tal transformação tem, ao mesmo tempo, outras implicações bem 
menos prazerosas: em termos estruturais, a velocidade com que nos 
modernizamos leva a coexistência, em planos dissociados, dos antigos 
e dos novos ideais e identidades. Como vem sendo assinalado, o 
“arcaico” apenas aparentemente desaparece dando lugar ao “moderno”: 
36 
 
o “arcaico” continua presente, de modo invisível, mais ou menos 
inconsciente, mas certamente eficaz na sua oposição estrutural ao 
“moderno”, que é o mais recente e é o núcleo daquilo que desejaríamos 
ser. (FIGUEIRA, 1987, p.22). 
 
Nessa altura, a comunidade Filadélfia Utchigüne, é uma das primeiras comunidades 
Tikuna a ter conquistado o reconhecimento de sua escola, de categoria indígena, a partir da 
aprovação da resolução Federal nº 03/99, fixada conforme diretrizes para o funcionamento das 
escolas indígenas do país. Hoje, após muita luta, esta escola desenvolveu e vem desenvolvendo 
váriosprojetos de iniciativa, de modo a incentivar a comunidade escolar indígena, ganhando 
mesmo programa de apoio do governo federal. 
 
1.1 O que é escola no olhar dos Tikuna 
 
O conceito de escola que nós aprendemos, em diversas abordagens, e que significa unir 
estudantes em um local separado para a aprendizagem, existe desde a antiguidade clássica. E 
essa interpretação trouxe alguma argumentação por parte dos mais velhos da comunidade sobre 
a escola no entendimento do povo Tikuna. 
 Para os Tikuna, a palavra “escola” tem dois significados: de um lado, 1. “nguepata’#” 
(casa de estudo), que representa hoje a possibilidade de adquirirem novos conhecimentos 
necessários na relação com a sociedade envolvente, destinados à aquisição dos demais degraus 
sequenciais; e, por outro lado, 2. “cua’güpata’#” (casa dos saberes), espaço efetivamente 
integrador do universo cultural e dos conhecimentos tradicionais do povo. 
 
 
 
 
 
37 
 
 Foto 3. Mulher Tikuna trançando as palhas de jarina, para cobertura de casa 
 
Por exemplo, trançar palhas de palmeiras (jarina, urucuri, açaí, buriti) que servem como 
enfeite de casa ou na ornamentação da festa de moça nova é parte de conhecimentos que, na 
sala de aula, não são aplicados ou ensinados. Mas, dentro do grupo ou da família, as crianças, 
adolescentes e jovens aprendem a fazer, realizando as técnicas acompanhados pelos mais 
velhos, o que melhora o entendimento. Dentro da família (casa), as crianças Tikuna não são 
ensinadas a falar em sua língua materna, nem a e dominar as diversas técnicas empíricas, mas 
sim escutam, olham com atenção e repassam orientação com acompanhamento diário, para ter 
uma boa socialização no grupo, de forma dialética, observando e praticando todas as atividades 
realizadas no grupo. 
Muito ao contrário, no processo de escolarização, isto é, na escola, as crianças são 
ensinadas pelos professores para serem mergulhadas no mundo letrado, que impõe a cultura 
exterior que, por sua vez, as crianças Tikuna incorporam no universo da sociedade complexa, 
por meio da leitura de texto literário, jornais, revistas e outros. Para Benedict (1983), na sua 
obra sobre padrões de culturas, 
O nosso vaso quebrou-se. Aquilo que tinha atribuído significado à vida 
do seu povo, os rituais domésticos de tomarem os alimentos, as 
obrigações do sistema econômico, a sucessão dos cerimoniais nas 
aldeias, o estado de possessos na dança do urso, os padrões do bem e 
38 
 
do mal - tudo desaparecera, e com isso a forma e o significado da sua 
vida. O velho conservava-se ainda vigoroso e continuava a ser quem 
orientava as relações dos seus com os brancos. Não queria ele dizer, 
com aquele modo de se exprimir, que se tratava de qualquer coisa como 
a extinção do seu povo. Mas no seu espírito havia como que a 
consciência da perda de qualquer coisa que tinha um valor igual ao da 
própria vida, toda a estrutura dos padrões e das crenças do seu povo. 
Havia ainda outros vasos da vida, talvez com a mesma água, mas a 
perda era irreparável. Não se tratava de juntar aqui isto, de tirar ali 
aquilo. A modelação do vaso fora fundamental, fosse como fosse era de 
uma só peça. Fora o seu vaso. (BENEDICT, 1983, p. 34) 
 
Desenho 1 – Saberes ancestrais sobre as técnicas de fazer armadilha (yütagü/ tai’nü ‘armadilha 
de modo geral’) (autoria: Linderson Demetrio Santos, Me’tchima#cü ‘Aquele que é enfileirado 
do colar de avaí bonito’ - clã de avaí, 11 anos, 4ª ano). 
 
39 
 
Nesse sentido, a escola para os Tikuna, de uma forma, reduz os saberes tradicionais do 
povo, devido ao favorecimento do contexto embutido na europeização. Enquanto o contexto 
cultural do povo ficou arcaico nos trabalhos escolares, focaliza-se muita mais a mudança dos 
costumes e hábitos das crianças Tikuna. A escola pensada pelos Tikuna é aquela escola que 
valoriza a memória de sua ancestralidade, os costumes, as crenças, as artes, a cultura e a 
cosmopolítica. João Guilherme Nunes Cruz (CRUZ, 2011), diz o seguinte sobre o insucesso 
da escola entre os Tikuna: 
No tocante aos ticunas, desde cedo se percebeu a curiosidade e o desejo 
em aprender a ler e escrever em língua portuguesa, como um modo de 
apropriação “das coisas dos brancos”, o que inclusive propiciou grandes 
êxitos em termos de conversão das empreitadas religiosas, tanto 
católicas quanto evangélicas no âmbito das comunidades indígenas 
(Oro, 1978; Paladino, 2006). Sílvio Coelho dos Santos, em artigo 
datado de 1966 também já identificava o interesse dos ticunas em se 
alfabetizarem e de conheceram, pelo processo de letramento, o universo 
além das fronteiras do contexto tribal (Santos, 1966:31-35). De acordo 
com este autor, o insucesso da escola do Posto Indígena Ticuna de 
Umariaçú, objeto específico de sua análise, se deu em função do 
despreparo dos professores do Posto, que não adaptavam suas práticas 
pedagógicas às especificidades culturais dos ticunas, bem como não se 
atentavam às barreiras linguísticas entre eles, preferindo caracterizar os 
alunos como “calados”, “complexados” e “difíceis de serem ensinados” 
(idem: 33-34). Em artigo mais recente da psicóloga Elvira Souza Lima, 
esta pesquisadora vai analisar como uma série de preconceitos com 
relação a suposta incapacidade cognitiva dos ticunas para aprendizagem 
foi sendo fomentada ao longo dos anos pelas agências que se 
responsabilizaram pela promoção da educação formal desses índios, 
acarretando na própria assimilação, por parte dos indígenas, das ideias 
subjacentes a tais preconceitos... (CRUZ, 2011, p.52) 
 
40 
 
1.2 Como ocorre o processo de ensino, pensando na valorização cultural e linguística 
 
 
 Desenho 2- A técnica de assar peixe na brasa, que hoje a maioria não utiliza - fogão ecológico 
trocado pelo fogão industrial (autoria: Elcicleide Fernandes Irineu, Dere’ena ‘Aquela que tem 
cacho amarelado’ – clã de avaí, 19 anos, ensino médio completo). 
 
Em uma comunidade monolíngue em língua Tikuna, a escola Tikuna não pode ter 
simplesmente alfabetização em português realizada por um professor propriamente indígena, 
do mesmo modo como não se pode ser alfabetizado em língua indígena em uma comunidade 
falante de português. 
A alfabetização dos alunos Tikuna na língua materna deve ser realizada por professores 
Tikuna, assim como o processo de aprendizado (leitura, escrita e oralidade) do português é 
realizado em uma comunidade falante de português. O trabalho dos docentes na comunidade 
sempre tem que priorizar a contextualização nos saberes tradicionais do povo onde a escola está 
inserida, para haver um equilíbrio em relação ao conhecimento aprendido na sala de aula com 
os professores. 
41 
 
Foto 4 . Crianças Tikuna transformando o universo de casa, com o da escolarização. 
 
 
Esta turma de crianças, em sala com sua professora não falante da língua Tikuna, realiza 
atividades escolares, utilizando livro produzido professores Tikuna _ OGPTB sobre meio 
ambiente, inserido no contexto local. Trilharam nos ecossistemas através do texto e desenho, 
pontuando o respeito e a valorização do meio em que vivem. 
No caso dos moradores de Filadélfia, esses têm seus próprios meios de produzir e 
transmitir os conhecimentos necessários não só à realização do trabalho que garanta a 
sobrevivência da comunidade, mas necessários também à preservação das tradições culturais e 
da língua materna. Estes conhecimentos são produzidos com a experiência, a vivência 
especifica e diferenciada das outras comunidades das vizinhanças, e aprendidos oralmente, na 
conversação no meio de socialização comunitária. 
O processo de ensino na escola Tikuna pode ser muito mais encaixado no contexto 
indígena e específico de modalidade diferenciada de ensino, se é embasado na tradição do povo, 
com conexão de técnicas e formas próprias de ensino aprendizagem. Isso, ainda hoje, após um 
sacrifício de luta daslideranças Tikuna, para que o embasamento nos conhecimentos 
42 
 
tradicionais tivesse lugar em disciplina pertinente no currículo da escola. Isso não significa a 
escolarização da cultura, mas sim que o encaixe no contexto indígena permite estabelecer 
conexão com técnicas e formas próprias de ensino aprendizagem. Contra a escolarização da 
cultura, D’Angelis (2006) traz a seguinte reflexão: 
 
Tomemos um exemplo: o caso dos conhecimentos agrícolas, transcrito 
em um trecho acima. Se o conhecimento existe – e, com certeza, há 
centenas de anos – em uma comunidade indígena, e antes de haver 
escola esse conhecimento pode ser transmitido, reelaborado, 
melhorado, geração após geração, é obvio que esse tipo de 
conhecimento não precisa da escola para conservar, construir e 
transmitir esse tipo de conhecimento. Parece, pois, que nos propomos a 
fugir de um preconceito (o de que o conhecimento construído pelos 
povos indígenas não é conhecimento) alimentando outro (o de que o 
conhecimento indígena será conhecimento verdadeiro se for ensinado 
na – ou avalizado pela - escola). A comunidade indígena tem suas 
formas próprias de ensinar e não está provado (nem faria sentido que 
alguém tentasse provar) que a escola (ou o ensino escolar) é a forma 
mais adequada, mais eficiente, mais segura para garantir-se a 
continuidade e aprofundamento de toda e qualquer forma de 
conhecimento. (D’ANGELIS ,2006, p.157). 
 
O fato de o conhecimento ser adquirido de forma espontânea não significa dizer que as 
crianças não sejam orientadas em casa, em diversos momentos, por seus pais e mães, com os 
demais mais velhos da família, aprendendo tudo àquilo que está à sua volta e precisam saber 
quando forem adultas, para ocuparem seus lugares, desempenhando bem seu papel na 
organização social. 
Os Tikuna, desde crianças, possuem vasto conhecimento dos espaços etnogeográficos do 
local onde vivem os entes naturais, conhecendo os ciclos da natureza, a fauna e a flora, as 
montanhas, os rios, os peixes. Têm conhecimentos históricos que explicam a origem do mundo, 
dos clãs e da sociedade, através da mitologia - conhecimentos passados de geração para geração 
-, e das transformações recentes e das modificações nos costumes e nos hábitos, mas sem deixar 
43 
 
sua língua nativa. Clarice Cohn ressalta, no seu artigo “Culturas em transformação: os índios e 
nós, que: 
O conceito de cultura tem uma longa história e sua origem é anterior ao 
esforço da antropologia de estudar e compreender povos com costumes 
e modos de vida diferentes. Como mostra Elias (1990), cultura e 
civilização são conceitos que surgem na Europa e que, já de início, 
ganham significados diversos entre as várias populações nacionais 
nascentes. Grosso modo, porém, esses termos parecem conotar a 
unidade ocidental e as diferenças internas a ela: se civilização é um 
resultado final de um processo que culmina no Ocidente, cultura 
designa as particularidades das populações ocidentais – os modos 
franceses, ingleses, alemães. Na antropologia evolucionista de fins do 
século XIX, uma história comum a todos os povos culminaria na 
civilização ocidental, ápice da evolução, e as diferenças culturais 
ficavam subordinadas a uma concepção de estágios, ou estados, que 
deveriam ser ultrapassados. Funda-se então a missão civilizatória 
ocidental. Com a crítica aos evolucionistas e a admissão da relatividade 
cultural, a antropologia norte-americana, de um lado, e a inglesa, de 
outro, recusam o que foi chamado de pseudo-história ou história 
conjectural e buscam entender a diferença cultural. Está em jogo, aqui, 
uma oposição entre diferença e desigualdade. Na antropologia 
americana, cultura passa a ser definida como um conjunto de traços que 
podem ser perdidos ou tomados de empréstimo de populações vizinhas, 
enquanto a antropologia britânica a pensa como um sistema de partes 
articuladas entre si, cuja lógica própria deve ser entendida. Porém, essa 
visão de “traços culturais” que podem ser perdidos acaba por levar à 
noção de aculturação, ou seja, de um processo regressivo de perda 
cultural, a que os povos nativos (não-ocidentais, “primitivos”) de todo 
o mundo estariam especialmente sujeitos. Passa-se, então, a se 
preocupar com o desaparecimento da diversidade cultural. As 
discussões a respeito da etnicidade reviram essa definição reificadora 
da cultura, como traços ou elementos que podem ser perdidos, e 
focaram as fronteiras que delimitam uma cultura (Barth, 1969). Nessa 
44 
 
acepção, o que define uma cultura não são seus traços constitutivos, 
mas sim o estabelecimento da fronteira entre um e outro, o que é feito 
pela atribuição da diferença, pelos traços diacríticos (Carneiro da 
Cunha, 1986). Assim, o que importa não é a manutenção dos traços em 
si, mas da diferença que origina a identidade e que é estabelecida 
contextualmente por meio de traços maleáveis e flexíveis. A cultura não 
deve se manter em uma suposta integridade; o que deve ser preservada 
é sua diferenciação em relação às outras, são as fronteiras, e essas são 
traçadas por elementos que têm origem cultural, mas são escolhidos em 
contexto. (COHN, 2001, p.36, 37). 
 
 
Desenho 3 – A interpretação dos Tikuna sobre o conhecimento dos ciclos da natureza e do 
ecossistema (autoria: Mila Mikaele dos Santos Beneditos, Puremüna ‘ Aquela que tem peito 
branco’ – clã de mutum, 10 anos, 4º ano ) 
 
Os Tikuna têm conhecimentos de agricultura sabendo a época de plantio e de colheita, o 
manejo das sementes e os cuidados que se deve ter com a terra. Tais conhecimentos milenares 
do povo sofrem interferência, em alguns casos são esquecidos e substituídos devido às 
alterações ocorridas no meio ambiente, devido ao contato com a sociedade extensa. 
A educação escolar indígena foi articuladora, para tomar a posição da modalidade de 
ensino diferenciado, específico, bilíngue e intercultural, onde o diálogo entre as diferentes 
45 
 
culturas possam contribuir para o desenvolvimento autossustentável das comunidades Tikuna. 
Entendemos a modalidade diferenciada de ensino como modo de rearticular com o universo 
cultural e as formas de transmissão dos conhecimentos tradicionais do povo Tikuna, integrando 
o processo educacional à comunidade. 
 
1.3 Organização do currículo da escola em relação à educação desejada pela secretaria da 
educação 
 
A escola a que os alunos Tikuna se dirigem todos os dias, vista de fora e com casas de 
moradores à sua volta, aparenta ser uma típica escola municipal. Um prédio de alvenaria, 
pintado de branco, azul e vermelho, terreno livre, sem muro. Atrás, tem uma quadra esportiva, 
na frente, tem um pé de jambeiro, e fica bem no centro da aldeia e bem na beira da estrada que 
liga ao município de Benjamin Constant. Esta escola também se assemelha muito a uma escola 
não indígena. Ela funciona regularmente de segunda a sexta-feira nos dois turnos. Há certa 
flexibilidade em relação aos horários conforme o funcionamento da comunidade. Antes mesmo 
do início da aula, esse espaço escolar começa a ser tomado com a chegada dos alunos. Ela 
recebe todos os dias em torno de 643 alunos e alunas indígenas e não indígenas da educação 
maternal ao 9 ano do ensino fundamental. 
O currículo da escola possui ensino fundamental completo, de educação maternal ao 9º 
ano, ligado às concepções e práticas que definem o papel sociocultural da comunidade escolar, 
respeitando o modo de organização dos tempos e espaços e suas atividades pedagógicas em 
relação social vinculada ao cotidiano escolar. 
 As 12 turmas dos anos iniciais possuem professores Tikuna e Kokama. No caso, os 
Tikuna são bilíngues, e os Kokama são monolíngues em português. 
A condição do currículo que se torna especifica na escolarização de uma perspectiva 
intercultural é construída nos valores e interesses do etnopolítico das comunidades de 
abrangências, isto é, das comunidades abarcadaspelo ensino oferecido na Escola Ebenezer. 
Nesse sentido, o currículo tem como sua condição estar relacionado à garantia dos 
conhecimentos científicos, conhecimentos tradicionais e práticas culturais próprias e, além 
disso, ao acesso aos códigos da leitura e da escrita, ligados aos conhecimentos da ciência 
humanas, da natureza, matemática, linguagens, conforme definidos no seu projeto político 
pedagógico. 
46 
 
O componente curricular está estruturado em eixos temáticos, projetos sociais, eixos 
geradores, em que os conteúdos das diversas disciplinas serão trabalhados nas perspectivas 
interdisciplinar, sempre ancorados em materiais didáticos específicos, escrita na língua Tikuna, 
língua portuguesa, com função para bilíngues, conforme mostra o quadro abaixo. 
 
Quadro 1. Educação Infantil 
Componente curricular Área de conhecimento Níveis de ensino/Educação 
Infantil 
 
Eu, o outro e o nós 
 
Linguagens e conhecimentos 
tradicionais 
 
 
 
 
 
 
Corpo, gestos e movimentos 
Traços, sons, cores e formas 
Escuta, fala, pensamento e 
imaginação 
 
 
Ciências e saberes tradicionais 
Espaço, tempos, quantidades, 
relações e transformações 
 
 
 Ciências Humanas 
Matemática e conhecimentos tradicionais 
 
Quadro 2. Ensino Fundamental I 
Componente curricular Área de conhecimento Níveis de 
ensino/Fundamental 
Matemática e conhecimentos 
tradicionais 
 Matemática 
 1º ao 5º ano, Fundamental I 
Língua Tikuna 
 Linguagens 
 
 
6º ao 9º ano, Fundamental I Língua portuguesa e 
conhecimentos tradicionais 
Arte, cultura e mitologia. 
Práticas corporais e 
esportivas 
Formas Próprias de Educar 
47 
 
História e Historiografia 
Indígena 
 Humanas 1º ao 5º ano, Fundamental I 
Geografia e Contextos Locais 
Ciências e Saberes Indígenas Natureza 1º ao 5º ano, Fundamental I 
 
Quadro 3. Ensino fundamental II 
Componente curricular Área de conhecimento Níveis de 
ensino/Fundamental 
Matemática e conhecimentos 
tradicionais 
 Matemática 
 6º ao 9º ano, Fundamental II 
Língua Tikuna 
 Linguagens 
 
 
6º ao 9º ano, Fundamental II Língua portuguesa e 
conhecimentos tradicionais 
Língua estrangeira 
Arte, cultura e mitologia. 
Literatura indígena 
Educação física 
Praticas corporais e 
esportivas 
Formais Própria de Educar 
 Humanas 
 
6º ao 9º ano, Fundamental II História e Historiografia 
Indígena 
Geografia e Contexto Locais 
Ensino religioso 
Ciências e Saberes Indígenas Natureza 6º ao 9º ano, Fundamental II 
 
 
Além disso, o currículo desta escola possui uma parte diversificada, que pode ser vista 
abaixo: 
 
 
 
48 
 
Projeto escolar 
Noções básicas de informática 
Meio ambiente, Ética, Saúde. 
Pluralidade cultural 
 
Sobre esta parte, é importante assinalar que noções básicas de informática, ao lado de Meio 
ambiente, Ética, Saúde, Pluralidade cultural, estão presentes em todas as séries de ensino. 
Com relação ao conjunto de alunos matriculados e suas etnias, esse pode ser visualizado 
no quadro a seguir, que também aponta para as línguas utilizadas e para as possibilidades de 
domínio linguístico: 
 
Quadro 4. Alunos matriculados e etnias 
 
1. Alunos Tikuna bilíngues: pai e mãe falantes fluentes na língua materna; 
2. Alunos mestiços: pai e mãe Tikuna/Kokama/não indígena, fala em alternância (fala, 
escuta ou ouve e não fala); 
3. Alunos não indígenas: pai e mãe não indígena (falantes fluentes em português = 
monolíngue em português). 
 
 
 
49 
 
A escola indígena Ebenezer atende, em sua grande maioria, alunos desta mesma 
comunidade e outra parte de residentes nas comunidades vizinhas (Bom Caminho, Porto 
Cordeirinho, Bom Jardim I, Santo Antônio - Kokama e não indígena) que vivem a uma distância 
que se faz a pé em poucos minutos. 
As ausências em função de atividades relacionadas ao modo de ser Tikuna, em que 
muitas crianças acompanham os pais, nas atividades agrícolas e outras na venda de produtos na 
cidade, não são computadas como falta. 
Assim como há flexibilidade em relação aos horários, há tolerância quanto às faltas 
justificadas. Estas características da escola estão ligadas à garantia de um calendário específico 
e diferenciado que se adeque às necessidades da comunidade. 
 Em certos aspectos, como nos acima mencionados, a escola possui um calendário 
próprio, mas, em geral, ela está pensada conforme padrões da escola não indígena. Professores 
e funcionários indígenas também compõem o cenário. Dos 36 professores da escola, sete são 
miscigenados de etnias, caso patrilinear/matrilinear Kokama-Tikuna-Kokama. Quanto aos 
funcionários, esses são em número de 12, a maioria deles moradores desta mesma comunidade. 
A maioria dos docentes possui formação em nível superior, com formação específica 
em cursos para professor indígena; somente quatro professores não têm formação especifica. O 
restante dos professores é de indígenas, mas pertencente a uma outra etnia (Kokama). Os cargos 
de gestão da escola são todos exercidos pelos próprios indígenas: direção, coordenação 
pedagógica, apoio pedagógico, supervisão pedagógica e secretaria. 
Conforme a resolução nº 4, de 13 de julho de 2010 (MEC/CNE 2010), destacam-se 
alguns princípios: 
 Art. 11 . A escola de educação básica é o espaço em que se 
ressignifica e se recria a cultura herdada, reconstruindo-se as 
identidades culturais, em que se aprende a valorizar as raízes 
próprias das diferentes regiões do país. 
 Art.13 e no § 1º o currículo deve difundir os valores 
fundamentais do interesse social, dos direitos e deveres dos 
cidadãos. Do respeito ao bem comum e à ordem democrática, 
considerando as condições de escolaridade dos estudantes em 
cada estabelecimento, a orientação para o trabalho, a promoção 
de práticas educativas formais e não formais. 
50 
 
 Art. 37. A educação escolar indígena ocorre em unidades 
educacionais inscritas em suas terras e culturas, as quais têm 
uma realidade singular, requerendo pedagogia própria em 
respeito à especificidade étnico-cultural de cada povo ou 
comunidade e formação especifica de seu quadro docente, 
observados os princípios constitucionais, a base nacional 
comum e os princípios que orientam a educação básica 
brasileira. 
 
Todas as disciplinas são ministradas por professores indígenas. Nesta pesquisa, 
proponho uma reflexão acerca do estudo da modalidade diferenciada de ensino desta escola 
indígena Ebenezer, principalmente a partir de suas respectivas disciplinas, com o objetivo de 
pensar sua contribuição para que a escola se efetive enquanto específica e diferenciada. Os 
componentes curriculares serão desenvolvidos dentro do conceito de interdisciplinaridade, e o 
professor irá buscar metodologias que possam guiar o processo de ensino-aprendizagem 
contextualizado na gestão democrática para a prática da cidadania. 
51 
 
CAPITULO II RELAÇÕES FAMILIARES E FRONTEIRAS LINGUÍSTICAS 
 
Com respeito à educação formal e informal, apresento abordagem na ótica do povo Tikuna. 
Desde o nascimento de uma criança no grupo, a “educação familiar” desempenha um papel 
importante na formação do indivíduo. Mas não em um espaço para aprendizagem de conteúdos 
didáticos sistêmicos, e sim um espaço em que desenvolvem a aprendizagem das práticas de etnociência 
aprendidas na vida cotidiana, associada à interação diretamente com o meio que os cerca e seus 
fenômenos naturais. 
Esse saber possui um significado epistemológico, sendo todo um conjunto de conhecimentos 
metodicamente adquiridos, mais ou menos sistematicamente organizados e suscetíveis de serem 
transmitidos por um processo pedagógico de ensino. Além disso, a construção do saber também não 
procede apenas da escola, onde é denominada de educação formal. 
 
 
Desenho 4 – Conhecimento sobre o período em preservação (peixes,caça, reprodução, animais, 
plantas, etc (autoria: Mila Mikaele dos Santos Beneditos, Puremüna ‘ Aquela que tem peito branco’ 
– clã de mutum, 10 anos, 4º ano ). 
 
 
A educação informal, que, ao longo do percurso de vivência, vem adequada às peculiaridades 
culturais do grupo, está relacionada a conhecimentos como o período de realização da festa ritual, o 
plantio, o período em que os peixes desovam, as frutas amadurecem, o período das chuvas - 
52 
 
conhecimentos cujos valores são incomensuráveis. Os mesmos se transmitem de geração a geração e, 
assim, as crianças adquirem e acumulam estas experiências, dependendo da socialização com o meio. 
Para Aparecida de Lara Lopes Dias (DIAS, 2015), os saberes tradicionais são construídos na 
convivência e vivência em comunidade. 
 
Assim, o saber tradicional é aquele que se constrói naturalmente, 
contextualizado, dando-se, principalmente, através da oralidade. É 
acumulativo, mas nem por isso é apenas reproduzido. 
Assim como a cultura, o saber é dinâmico, tendo relação direta com o tempo e 
o espaço. Para Cunha (2009, p. 303), “opera com as chamadas qualidades 
segundas, coisas como cheiro, cores, sabores – portanto, a ciência tradicional 
usa percepções”. Nessa compreensão, a educação indígena desenvolve-se 
através dos saberes tradicionais. Nesse aspecto, cada sociedade indígena 
utiliza-se de sua forma de educação para que cada membro, do seu modo 
próprio e particular, busque garantir a sobrevivência e a reprodução. 
O aprendizado, nesse entendimento, acontece com a interação do outro 
envolvendo valores e formas de relacionamento social. A convivência em 
comunidade traz reflexos do que é ensinado, seja nos trabalhos coletivos, em 
festas, etc. Cada forma de produzir, armazenar, proteger, expressar e transmitir 
é uma construção que parte do coletivo para o individual. 
Esse processo possibilita que se defina o tipo de homem e de mulher, assim 
como os valores e comportamentos desejados para cada sociedade. Essa 
educação, por ser ágrafa, se dá, necessariamente, pela oralidade e pela imitação, 
resultando nos valores, concepções, práticas e conhecimentos científicos e 
filosóficos próprios e únicos. É uma educação em que as aprendizagens 
acontecem em espaços não formais, definindo-se, assim, como específica 
(CAVALCANTI; MAHER, 2005). 
Várias são as definições para educação indígena. Dentre estas, optou-se pela de 
Baniwa (2006), por este ser índio e ter estudos relacionados a essa temática. 
Para esse autor, a educação indígena envolve processos próprios de transmissão 
e produção dos conhecimentos. É uma educação livre, ensina-se por exemplos 
e pelo prazer de repetir aquilo que os antepassados valorizaram. (DIAS, 2015, 
p.19 e 20) 
 
53 
 
Já a “escola” é entendida como um espaço formal para os processos ensino-aprendizagem 
complementares ou inserção de componentes curriculares, aí se desenvolvendo os conteúdos 
sistemáticos que influenciam a pluralidade cultural de forma significativa na formação do sujeito. Daí 
começou o ponto de partida do ensino dualista que envolve as fronteiras linguísticas entre saberes 
aprendidos dentro da família (tanatü arü cua’gü) e o ensino aprendido na escola (nguepata#wa na’ca’ 
i ngu’#). 
Por outro lado, as fronteiras linguísticas relativizam o espaço geográfico, por exemplo o uso da 
língua materna utilizada nas atividades de pesca artesanal é muito diferente das falas usadas no ajuri 
(trabalho realizado de forma coletiva); e a mesma coisa se dá com as conversas feitas em diferentes 
espaços, como nas festas rituais, na casa de pajelança. Qualquer ser humano ou sociedade cria um 
código de comunicação dentro de espaços de uso de sua língua. 
 
Desenho 5 - Casa da farinha (go’epata#) – uso de linguagem no local de trabalho 
Nü’# nago’ogü i ui – (mexer a farinha), nada*tae – (peneirar a massa); 
Nang*ta ya üü – (colocar mais lenha no fogo), nama*gümütae (espremer a massa no tipiti) 
54 
 
Tchamu’weta (fazer paneiro de farinha), pa mi’ ca’ nuã nange cue’tchinü (filha, por favor, traz a 
peneira). 
 
Desenho 6. Usos linguísticos (em Tikuna) na pescaria. 
 Tchiãtchonie’ 7– vou pescar. Tchangee* 8- peguei nada. 
Tchiamaraderatae – vou pescar peixe com malhadeira; tchiapowae – eu pesco peixe com caniço. 
(autoria dos desenhos 5 e 6: Elcicleide Fernandes Irineu, Dere’ena ‘Aquela que tem cacho 
amarelado’ – clã de avaí, 19 anos, ensino médio completo). 
 
 
 
Em relação de família em que se tem Tikuna casado(a) com pessoa não indígena, nas conversas 
diárias sempre há duas línguas em funções de alternância. A mulher Tikuna usa a língua Tikuna com 
os filhos, e existe compreensão coerente na interação entre filhos e mãe, enquanto o marido passa por 
uma dificuldade no entendimento da língua materna da mulher, forma de barreira encontrada entre 
casais na oralidade. 
 
 
7 O til colocado sobre a letra <a> nessa forma complexa (constituída de formas menores, os morfemas) reflete, na escrita, 
variação linguística existente na realização de forma menor, em que a vogal correspondente pode ser pronunciada ou não 
com nasalidade. 
8 A escrita em Ticuna também vem acolhendo a representação da variação linguística em relação à realização da última 
vogal dessa forma complexa. Assim, ora se escreve Tchangee* , ora Tchangee# . 
55 
 
Fronteira linguística na relação de família. 
 Tikuna – (homem/mulher) casado com não indígena = filhos bilíngues, no caso de a 
família aceitar o domínio de duas línguas – Português e Tikuna 
 Tikuna – (mulher/homem) casada/o com próprio Tikuna9 = filhos tornam-se 
monolíngues/bilíngues 
 Tikuna – (homem/mulher/) casado/a com membro de outra etnia = filhos bilíngues (no 
caso de família que aceita de ter domínio de duas línguas - Tikuna /Português/língua 
materna de outra etnia. 
 
Foi observado, nesta comunidade de Filadélfia, que existem famílias Tikuna que, em casa, não 
falam com seus filhos em língua Tikuna, interagindo somente em Português; com isso, seus filhos se 
tornam monolíngues em Português. Este é um dado importante, que poderia ser comparado, quanto ao 
uso do Português dentro da grande área Tikuna, a outras situações verificadas, em momentos mais 
distantes no tempo, relativamente a determinados aldeamentos/ aglomerados Tikuna (a esse propósito, 
ver OLIVEIRA, 2015, p. 102-10310). 
Na escola, as crianças vivem em dois mundos diferentes, ou seja, estabelecem duas formas de 
conversação entre amigos e professor (a)/ (es) /(as) no espaço de socialização escolar. A vida dos 
professores lotados nesta escola municipal indígena Ebenezer - Pucürana rü We’%tchi’ina passa por 
este processo de interação comunicativa bilíngue. Muitas vezes, dentro da escola, os docentes 
constroem uma família monolíngue em Português, possibilidades de desenvolver atividades 
pedagógicas, para dar atenção aos alunos não indígenas matriculados nesta escola. Por outro lado, 
alguns alunos Tikuna, observo, têm dificuldade de acompanhar os/as professores/as monolíngues em 
português, precisam ver traduzidos, para a língua Tikuna, os conceitos explorados em Língua 
Portuguesa. Tem outro ponto muito interessante, observado durante esta pesquisa de vivência, na 
escola Tikuna Ebenezer. Alguns professores de outra etnia, caso da etnia Kokama11, lecionam nesta 
 
9 Para ser considerada propriamente Tikuna, a pessoa deve possuir inserção clânica pela via patrilinear. Para os resultados 
de pesquisa de campo prolongada, na área de Antropologia, com os Tikuna, ver Oliveira (2015 [1977]) e Oliveira Filho 
(1988). 
10 Esta publicação corresponde à dissertação de mestrado defendida pelo mesmo autor, em 1977, na Universidade de 
Brasília. 
11 “A língua Kokama foi classificada como parte da família Tupi-Guarani, tronco Tupi. É muito semelhante à línguados 
Omágua (Kambeba). Estudos posteriores indicaram que sua origem estaria ligada às várias migrações de grupos Tupi do 
Brasil para regiões peruanas em tempos pré-contato. Supõe-se que seja uma língua produto da interação de alguns grupos 
indígenas na região do alto Marañón, nas proximidades dos rios Huallaga, Napo e Ucayali, sendo que a língua Tupinambá 
teria sido a principal fonte linguística do idioma Kokama, com aproximadamente 60% do vocabulário. No Peru, cerca de 
2,5% de uma população de 19 mil Kokama se expressam na língua nativa [Kokama].” (cf. 
https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Kokama). No Brasil, os Kokama são falantes nativos de português (sua L1 – 
primeira língua) e encontram-se em processo de retomada de sua língua originária como segunda língua (L2). 
56 
 
escola. Há professor(a) que já morou muito tempo nesta comunidade Tikuna, que entende as palavras 
simples, mas que, na expressão corrente em língua Tikuna, tem passado por desafios. 
A língua Tikuna também não mantém semelhança, com nenhuma outra língua indígena, talvez, 
por hipótese, com a língua Yuri, considerada extinta, e apresenta complexidade em sua fonologia e 
sintaxe. E por seu grande número de falantes e por seu uso intensivo, a língua Tikuna não trilha o perigo 
de ser ameaçada pela proximidade de cidades ou mesmo pela heterogeneidade no contato de 
convivência com falantes de outras línguas nas aldeias, ou seja, o uso da Língua Portuguesa e da Língua 
Espanhola. A língua Tikuna continua com forte influência e mantém-se muito significativa na região 
do Alto Solimões. 
No espaço informal, os agentes educadores são os pais, a família em geral, as afinidades, os 
amigos. Os usos linguísticos em Tikuna ocorrem de forma espontânea no dia a dia, através da 
conversação e de vivências com interlocutores ocasionais. 
A situação que acabo de descrever é compatível com o reconhecimento da importância dos 
estímulos e do desenvolvimento da criança Tikuna no ambiente de casa, escola, igreja e do roçado; e 
com o foco em manter uma educação diferenciada, específica e bilíngue que atenda às demandas do 
povo, ou seja, que favoreça a língua materna, os costumes, hábitos e culturas do povo. Sabemos que, 
aqui no Brasil, existem duas línguas oficiais, reconhecidas em território nacional e usadas atualmente: 
o Português e a Língua de Sinais. Sabemos também que, no Brasil, existem línguas cooficicializadas 
em âmbito municipal e estadual. No estado do Amazonas, estão cooficializadas, em âmbito municipal, 
as línguas indígenas Nheengatu, Tukano e Baniwa, ao lado do português, no Alto Rio Negro, por efeito 
da Lei n° 145 de 11 de dezembro de 200212. Além dessas duas línguas oficinais e daquelas que foram 
cooficializadas, existem línguas indígenas espalhadas por todo o território brasileiro e, entre elas, a 
língua Tikuna, que é geralmente classificada como uma língua isolada e que também faz fronteira com 
outras duas línguas, a Língua Portuguesa e a Língua Espanhola. 
 
 
2.1 Relações de interação da família monolíngue em Tikuna 
Os Tikuna-Magüta são um grupo indígena que mantém sua própria língua e que domina uma 
área extensa na região do alto Solimões, com mais de 95% de pessoas falantes dessa língua que tem 
como principal característica o uso de diferentes alturas na voz para distinguir as menores formas 
linguísticas com significado (morfemas) e também palavras, uma característica que a classifica entre 
 
 
12 Lei que dispõe sobre a cooficialização das Línguas Nheengatu, Tukano e Baniwa, à Língua Portuguesa, no município 
de São Gabriel da Cachoeira/Estado do Amazonas. 
57 
 
as línguas tonais. Na família monolíngue em Tikuna, essa língua é usada na comunicação na mesma 
comunidade de fala (ou comunidade linguística), em que os membros se reconhecem por uma série de 
comportamentos, práticas, normas que acompanham usos linguísticos, padrões linguísticos 
compartilhados. 
 
Foto 5. As crianças Tikuna aprendem nos diversos espaços em que se socializam com outros 
Na interação do Tikuna com outro próprio Tikuna, sua comunicação é totalmente monolíngue, 
usando a língua materna, nos espaços de vivências e na realização de atividades. Na roda de conversa 
caseira, a família troca suas experiências fluentemente na sua própria língua materna, sem obstáculos 
de interpretação/ compreensão e sem mudança de código por influência de outra língua. 
58 
 
As crianças acompanham o pai e a mãe, participam ativamente das atividades em observância e 
identificam os nomes dos objetos, alimentos, nomes de pessoas, de animais e de outros. Assim, 
aprendem e constroem seus espaços de aprendizagem; repetidamente aquilo foi observado e ouvido 
dialeticamente na sua língua e a criança acumula experiência adquirida. Para traçar essa pesquisa, 
concordo com a afirmação de Scharfstein (2006), do respeito à transmissão de saberes e das 
experiências para novas gerações, de que os idosos são uma referência nesse processo de ensino, tanto 
dos saberes culturais quanto da língua. 
 
Nas sociedades tradicionais, a figura do idoso é marcada por uma aura 
simbólica, tornando-o representante da sabedoria e da experiência vivida que 
se constituem em valores preciosos a serem transmitidos para as novas 
gerações. Este é o caso dos xamãs e dos pagés [sic] nas sociedades indígenas. 
Também na Grécia antiga, o chefe da polis era assistido por um conselho de 
anciãos. Tanto que, do ponto de vista semântico, as palavras gregas - gera e 
géron, designam não só a idade avançada, mas também o privilégio da idade, o 
direito de ancianidade. (SCHARFSTEIN, 2006, p. 45) 
 
Porém, essa etnociência aprendida foi ensinada na forma oral pelos mais velhos do grupo na sociedade 
a que se pertence. A interação da família também é dividida por gênero ou por idade, em momentos 
de atividades especificas ou, em especial, em relação à troca de comunicação. Em casa, a mãe, que é 
mais articulada à conversa com seu (sua) filho (a), retribui as atividades domésticas, como a limpeza e 
a organização de espaço da casa; os filhos homens, encarregados de atividades destinadas aos homens, 
são acompanhados pelo pai no trabalho e na conversa. Na introdução que escreveu à obra sobre 
interação e discurso numa perspectiva interacional, Pereira (2002) concebe a língua enquanto 
fenômeno social, considerando diferentes usos da fala no grupo social. 
 
Na sociolinguística interacional, são focalizadas interações situadas no 
relacionamento entre participantes de pequenos grupos de comunidades 
específicas ou no cruzamento cultural. O estudo da relação entre língua e 
sociedade passa a ser visto a partir do uso da fala em contextos sociais 
específicos. Podem ser considerados, para estudo, tanto gêneros espontâneos, 
como a conversa entre amigos, gêneros produzidos em contextos institucionais, 
59 
 
como uma consulta médica, uma entrevista, um debate acadêmico, uma aula, 
um sermão religioso, uma negociação empresarial, dentre outros (PEREIRA, 
2002, p. 08) 
 
Os Tikuna se reúnem, ficam juntos, quando é realizada uma festa ritual da moça nova e também 
nos dias em que os trabalhos agrícolas são realizados em mutirão, o que na língua se denomina waiyuri. 
Durante esses momentos, nesses ambientes de encontros de parentesco, as pessoas interagem, brincam, 
contam piada, fatos ocorridos na sua aldeia e da vida real. Ambos, homens e mulheres, participam. E, 
enquanto as crianças menores com seus coleguinhas brincam e cantam os cânticos, outros imitam sons 
dos animais em sua própria língua. 
Os Tikuna desta comunidade Filadélfia, com relação ao uso da língua materna, são sempre muito 
fortes na oralidade, e a maioria das pessoas tem dificuldade na escrita e na leitura na própria língua 
materna. Essa mesma dificuldade é encontrada entre os Tikuna que vivemnas outras comunidades 
fronteiriças com o Peru e a Colômbia. Colocando à parte o problema do uso da modalidade escrita em 
uma sociedade de oralidade, há também a questão de compreensão da fala, do sotaque, da variação da 
fala relacionada ao espaço de convivência, da dialética, que são muito diferentes do que vivenciam os 
Tikuna que moram aqui no Brasil 
A escola Ebenezer recebe alunos Tikuna, mestiços e não indígenas. Nesse caso, dificilmente o 
corpo docente Tikuna utiliza a língua Tikuna como monolíngue, dentro da sala de aula com os alunos. 
Mesmo fora da sala de aula, ou fora do ambiente escolar, as crianças, entre colegas, interagem em 
Língua Portuguesa – o que indica que a escola se enquadra no contexto bilíngue. Nesse contexto, a 
Língua Portuguesa acaba se disseminando, como ocorre em outros lugares, inclusive em outros países 
em que essa língua, oficial, também é a língua do sistema escolar, apesar da existência de várias línguas 
nativas. É, por exemplo, o caso de Moçambique, abordado por Paulus Gerdes em Queixalós & Renault-
Lescure (2000): 
O Atlas Geográfico divide o pais em 16 unidades linguísticas, nomeadamente 
Makua, Lomwe, Marende, Mwani, Yao, Makonde, Nyanja, Chuabo, Sena, 
Nyungwe, Shona, Changana, Tswa, Ronga, Chopee Bitonga... Conforme os 
dados obtidos pela último recenseamento geral da população moçambicana 
(1980), 98,8% dos moçambicanos têm uma língua africana como língua 
materna, e apenas 1,2% têm no Português a sua língua materna. Os mesmos 
dados mostram também que 75,6% dos moçambicanos fala [sic] 
60 
 
exclusivamente uma (ou mais) língua(s) africana(s), enquanto 23,2% usa o 
Português para além da sua língua materna. O Português é a única língua 
disseminada por todo país - por isso, não tem nenhuma conotação regional ou 
'tribal’ – ‘étnica' -, continua a ser a língua de prestigio, do Estado, do 
parlamento e do sistema escolar. Há emissões provinciais da Rádio 
Moçambique em várias línguas africanas, sendo os programas nacionais em 
português. A estação de televisão privada RTK (Maputo) produz um noticiário 
em língua Tsonga. As populações do norte do pais estão mais organizadas em 
sociedades matrilineares, enquanto as do sul mais em patrilineares. Embora não 
haja dados oficiais - o Estado é laico conforme a Constituição -, estima-se que 
por volta de um terço da população moçambicana é islâmica- em particular 
populações nas zonas costeiras nortenhas -, um terço professa religiões cristãs, 
e a maioria da população é exclusivamente ou igualmente 'animista'. 
(GERDES, 2000, p. 89). 
De outra parte, a escola leva ao suicídio da língua materna Tikuna, pela atitude dos/das 
professores/as que não falam em Tikuna, sua própria língua, na sala de aula com as crianças iniciantes 
na vida escolar. Essa atitude envolve relações que alcançam a escola e sobre as quais geralmente não 
se fala, possivelmente pelas fragilidades e conflitos que seriam expostos e que convém esquecer. Nesse 
sentido, o “esquecimento de si” , aplicável ao suicídio entre os Tikuna, também se aplicaria à língua, 
o que nos permite falar em suicídio da língua Tikuna, e não simplesmente em “apagamento” dessa 
língua por seus próprios falantes. 
Aline Moreira Magalhães também escreve sobre o suicídio entre os Tikuna: “...ouvi... um homem 
associar as tentativas de suicídio a brigas: “Às vezes é a família que maltrata, bate, quando as mães 
não recebem direito os filhos, o filho começa a bater nos pais, nos irmãos, quando casa novo, a esposa 
não trata bem.” (MAGALHÂES, 2014, p. 89)”. Brigas públicas, assim como doenças, geram 
julgamentos, expõem fragilidades resultantes de relações conflituosas que devem ser esquecidas. O 
suicídio é, assim, uma forma de esquecer pessoas e relações, assim como ser esquecido. Nas palavras 
da mesma autora: 
Quem debilitava corpos humanos eram principalmente outros corpos humanos. 
Coisas e acasos tão somente mediavam um e outro. A doença era percebida, 
neste sentido, como um sinal das relações que as pessoas tecem entre si, do teor 
de seus encontros cotidianos, marcados também por, além de apegos, 
divergências, invejas, disparidades e “palavras ruins” ditas uns aos outros sobre 
61 
 
outros. Por este motivo doenças e fragilidades possuem algum ou alguns 
autores, no sentido que são também ações de pessoas das quais se ouviu e viu 
palavras e atos ofensivos, contendo em si mesmos a potencialidade dos feitiços. 
Porque ofensas significavam o desgosto de alguém por outrem, sugerindo o 
risco de desejar/fazer o mal. (Idem, p. 171-172) 
Pedir explicações sobre as doenças implicava, desse modo, evocar as relações 
que as criaram, a sequência de eventos conflituosos que culminou no 
desenvolvimento de uma enfermidade. Segundo sua explicação, mencionar o 
fato de alguém estar doente despertava simultaneamente o interesse nas 
relações conflituosas que constituem a doença, por conseguinte, atualizando-
as. (Idem, p. 173) 
...quaisquer tipos de brigas ocorridas nas casas, como as tensões entre adultos 
e crianças, ou de pessoas investida de mais autoridade com outras investidas de 
menos autoridade. As brigas públicas de pais para seus filhos, ou de outros com 
autoridade semelhante, como irmãs e irmãos mais velhos, tornavam-se ofensas 
graves em virtude do mesmo conjunto de importâncias... Quando um pai e uma 
mãe lembravam a um filho(a) que ele estava fazendo tudo errado, ou quando 
homens demonstravam a mulheres, e mulheres demonstravam a homens que 
desejavam vê-los longe... estas situações mostravam eloquentemente aos olhos 
dos outros, que a parte preterida perdia pessoas, era rechaçada, e sua presença 
não era mais desejada. (Idem, p. 176) 
Testemunhar a perda de pessoas e o conhecimento sobre as próprias perdas 
exacerbava o “peso da vergonha”,.. Provocar a própria morte é um ato de 
esquecimento, uma forma de esquecer pessoas e relações, assim como ser 
esquecido. Esquecer é o ato de sumir de um lugar, desaparecer, apagar seu 
corpo e a memória acumulada sobre os atos desse corpo de um determinado 
lugar, não ser mais visto por pessoas que demonstram desinteresse, desprezo 
ou aversão à sua presença. Esquecer de si, além de ser esquecido, significa 
igualmente a ação de esquecer, “esquecer os momentos ruins”, ao se perceber 
imerso em uma “vida mentirosa”, vivendo “enganado(a)” por laços mais vazios 
de cumplicidade do que se esperava ou se acreditava. As “palavras ruins” 
espalhadas pelas ruas e casas forjam a dimensão fantasmagórica da vergonha 
(como “conhecimento envenenado”) impregnando os sentidos (saber, ver e 
ouvir) sobre fatos que fragilizavam reputações e rompiam formas de estar-com 
62 
 
outros (p. 176-177). 
 
Retomando aqui a minha afirmação de que a escola leva ao suicídio da língua materna Tikuna, o 
que vejo no ensino da escola Ebenezer é que muitos alunos que estudam nesta escola, dentro de sua 
família, diariamente, se comportam como falantes bilíngues. Isso é um foco que envolve a escola e 
precisa ser analisado. 
n 
Foto 6. Fora da sala de aula – práticas corporais e espaço de interação para as crianças no ambiente 
escolar
63 
 
Aqui, na foto 6, estão os alunos da turma Infantil, de 4 a 6 anos de idade, no horário de 
intervalo. Eles aproveitam para se entrosar com as colegas da outra turma, ocupam seu espaço 
de interação, trocam suas conversas em língua Tikuna, e cantam música na Língua Portuguesa, 
com alternâncias. 
 A comunidade escolar precisa atender às necessidades educativas das crianças indígenas 
com as quais se vincula, pois o conhecimento não é uma entidade isolada e estática, mas está 
permanentemente em relação com a própria realidade social e física que o engendra. Significa 
que os professores precisam contextualizar os conteúdos trabalhados nas vivências dessas 
crianças, buscando novo procedimento de ensino, como equilíbrio no uso da própria língua 
materna. Quanto à língua portuguesa,essa segue como segunda língua de comunicação com a 
sociedade mais extensa. 
 
2.2 Relações de interação da família monolíngue em Português 
 
Existem pessoas que falam em uma única língua de origem. Mas existem pessoas que 
dominam mais de uma língua dentro de uma comunidade de fala. Para descrever uma situação, 
preciso conectar o estudo desta pesquisa com uma observação perdida, feita com a familiaridade 
de falante em Português. 
A fala utilizada da família monolíngue em Português que observei sempre será em Língua 
Portuguesa. As crianças nascem de uma família falante de Língua Portuguesa e em uma 
comunidade de fala de cultura heterogênea. É difícil não notar a família da professora Maria 
Neide Pinto, constituída de descendente mestiça de Tikuna e Kokama, casada com um não 
indígena descendente de peruanos. Os filhos (as), sem nenhuma dúvida, dessa família serão 
considerados monolíngues em português. 
Durante visita participativa ou de conversa pertinente com familiares, destaco que suas 
interações com as pessoas estão sempre enraizadas na Língua Portuguesa. E nos trabalhos 
escolares, dela, principalmente na sala de aula, na oportunidade observados, a dialética, as 
canções cantadas pela professora com sua turma da educação maternal, que considero iniciante 
da vida escolar, foram todas de interação monolíngue em Português. 
64 
 
Em um dos diálogos mantidos com a professora, na escola em que ela trabalha, a respeito 
do porquê ter dificuldade de aprender a falar na língua materna Tikuna, constatamos que é filha 
de mãe biológica Tikuna mestiça e de pai descendente de Kokama mestiço. O não domínio de 
língua Tikuna, na sua infância, está no fato de que a sua própria mãe insistiu em uma proibição 
dura na família, fazendo com que seus filhos falassem na língua do pai, que é a língua 
portuguesa. Como a mãe dela, apesar de ser falante fluente da língua Tikuna, nunca tinha 
deixado seus filhos falar na língua Tikuna dentro de casa , isso tornou a professora monolíngue 
em português. 
Um ponto muito delicado, na visão antropológica, é a relação social das crianças Tikuna, 
que são retiradas dos laços da família bem cedo e são encaminhadas para a escola e acolhidas 
nas mãos dos professores (as), para serem disciplinadas e ensinadas e, assim, no espaço escolar 
irão aprender novos costumes, hábitos de escrita, de leitura; línguas, linguagens e culturas que 
são diferentes daqueles da família. No espaço escolar, estas crianças que saem muito cedo da 
base da família, onde nasceram, vêm se adaptando a novo espaço de socialização que pode 
desenvolver novas realidades de família. A Resolução nº 5, de 17 de dezembro de 2009, nas 
suas atribuições legais, com fundamento no art. 9º, 1º, alínea “c” da lei nº 4.024 de 20 de 
dezembro de 1961, com a redação dada pela lei nº 9.131 de 25 de novembro de 1995, CNE/CEB 
nº 20/2009, trata de pontos importantes para a Educação Infantil: 
Art. 8º - inciso 2º - Garantida a autonomia dos povos indígenas na escolha dos modos de 
educação de suas crianças de 0 a 5 anos de idade, as propostas pedagógicas para os povos que 
optarem pela educação infantil devem; 
I – proporcionar uma relação viva com os conhecimentos, crenças, valores, 
concepções de mundo e as memórias de seu povo; 
II – reafirmar a identidade étnica e a língua materna como elementos de 
constituição das crianças; 
III – dar continuidade à educação tradicional oferecida na família e articular-se às 
práticas socioculturais de educação e cuidados coletivos da comunidade. 
 
 
65 
 
 
Foto 7. Turma da educação maternal – professora monolíngue em Português 
 
 As crianças aprendem a falar em língua portuguesa, 20% por dia, mergulhando no mundo 
da sociedade envolvente. Com isso, é possível ver que estas crianças Tikuna constroem seus 
valores, crenças, memórias e conhecimentos da família, de acordo com o tempo e os espaços 
em que elas vivem. Para isso, os professores que atuam nessa turma têm que ser pessoas com 
domínio bilíngue na oralidade, ou seja, na mediação da turma, e que de fato visem ao 
fortalecimento dos saberes tradicionais na escola; assim, esses saberes e o desenvolvimento da 
aprendizagem desses alunos Tikuna caminham juntos. 
 
 
 
 
 
66 
 
2.3 Relações de interação da família bilíngue em Tikuna e em Português 
 
 
Fotos 8 e 9. Atividades extraclasse e interação entre alunos indígenas e não indígenas 
 
Falando do Brasil, a Língua Portuguesa não é uma língua originária do território que veio 
a ser brasileiro, mas sim uma língua trazida do continente europeu, pelo exploradores 
portugueses a este território a partir do século XVI, ou seja, no período colonial. Do ponto de 
67 
 
vista indígena, não seria uma língua legítima deste território. E, ao ser nele introduzida, não se 
expandiu de imediato, devido ao enfrentamento de grandes dificuldades comunicativas com os 
diversos povos indígenas que aqui foram encontrados naquele período. 
A essa aglomeração de povos ou grupos sociais com línguas diferentes umas das outras, 
se junta uma língua membro da família linguística Tupi-Guarani, tomada como língua geral 
(língua franca), para se ter melhor interação, na oralidade, com povos indígenas. No momento 
da chegada dos exploradores portugueses, o Tupinambá era a língua mais falada na costa do 
Brasil, no século XVI13. Os colonizadores utilizaram os Tupinambá14 e sua língua como parte 
da sua política colonial, dessa língua se originando a língua geral que chegou ao espaço 
amazônico: o Nheengatu15, que deixou suas marcas em línguas que não são Tupi e que foi, em 
certos casos, adotado como língua materna por determinados grupos indígenas que perderam 
sua própria língua16. Mesmo sem falar da presença do Nheengatú no espaço da Amazônia 
brasileira, é grande a presença de línguas Tupi nesse espaço, com predominância da família 
linguística Tupi-Guarani sobre as outras famílias do mesmo tronco Tupi. Segundo Aryon 
Rodrigues, no artigo “Panorama das línguas indígenas da Amazônia” (RODRIGUES, 2000), 
 
13 As principais fontes sobre o Tupinambá são as gramáticas de Anchieta (1990 [1595]) e Figueira (1880 [1621] 
(ANCHIETA, José de (1990 [1595]). Artes de Gramática da Língua mais usada na Costa do Brasil. São Paulo: 
Loyolla, 1990[1595] ; FIGUEIRA, Luís. Arte de gramatica da lingua brasilica. Rio de Janeiro: Lombaerts e C., 
1880 [1621]; apud CRUZ (2011, p.3). 
14 Todos os povos Tupi, aí incluídos aqueles que falam línguas da Família Tupi-Guarani, têm, por hipótese, origem 
amazônica, sendo o seu possível lugar de origem um lugar no estado que hoje é Rondônia. Houve povos Tupi que 
iniciaram migrações em período anterior à chegada dos colonizadores portugueses. Entre esses estão os 
Tupinambá, que os portugueses encontraram na costa do Brasil, ao chegarem. 
15 No intervalo decorrido entre o tempo em que o Tupinambá era a língua utilizada, na costa do Brasil, pelo povo 
indígena de mesmo nome e o aparecimento do Nheengatú, a suposição é a de que teria havido uma situação 
linguística intermediária, nomeada língua geral brasílica, falada na província de Maranhão e Grão-Pará, de 1616 
até o final do século XVIII. Quanto ao Nheengatú [‘Língua Boa’], esse passa a denominar o conjunto de variedades 
de línguas gerais faladas na região amazônica no século XIX até o momento atual. Com relação ao contexto 
histórico de formação do Nheengatú, sabe-se que, diante da diversidade linguística encontrada, a administração 
das colônias da América Espanhola e da América Portuguesa escolheu algumas das línguas autóctones “como 
veículo suprarregional de contato entre as diversas populações coloniais”, para fins comunicativos (ALTMAN, 
2003, 58; CRUZ, 2011, p. 3-4). Com a fundação da cidade de Belém, no que é hoje o estado do Pará, os portugueses 
levaram com eles indígenas falantes do Tupinambá da costa.O Tupinambá, já referido, então, como “língua geral 
brasílica” passou a exercer, em razão da política colonial portuguesa, a função de língua de comunicação. 
Expandiu-se por núcleos populacionais amazônicos (primeiro de forma assistemática, depois de modo mais 
regular, por meio das “aldeias de descimento”, quando expedições eram organizadas para que indígenas de 
diferentes etnias fossem capturados e levados para aldeamentos organizado por missionários, onde esses indígenas 
serviriam como reserva de mão de obra utilizável não só pelas missões, mas também por colonos (cf. BESSA-
FREIRE, 2004, p. 57, 114)). Para outros detalhes da formação do Nheengatu, ver também a tese de doutorado de 
Aline da Cruz (CRUZ, 2011, p.4-13). Vale ressaltar que o Nheengatu saiu da condição de ‘língua geral’ (língua 
franca), passando a representar atualmente uma identidade cultural indígena, ao ser adotado por grupos indígenas 
que perderam sua língua original. 
16 Esse foi o caso, por exemplo, dos Baré e Werekena / Warekena. 
 
68 
 
publicado no livro organizado por Francisco Oueixalós e Odile Renault-Lescure sobre as 
línguas amazônicas hoje (OUEIXALÓS; RENAULT-LESCURE, 2000), 
 
O panorama 1ingüístico da Amazônia se caracteriza, hoje, pelo 
predominio de três famílias lingüísticas amplamente distribuídas no 
espaço geográfico: a Aruák, a Karíb e a Tupí-Guaraní. (RODRIGUES, 
2000, p.17) 
 
 
O único grande complexo genético de famílias linguísticas amazônicas 
claramente estabelecido é o tronco Tupí (v. Rodrigues 1995), que 
compreende a família Tupí-Guaraní mais nove outras famílias. Em 
contraste com a amplíssima distribuição da família Tupi-guarani, as 
outras nove ocupam áreas bastante limitadas. (Idem, 2000, p.19) 
 
De um lado, deram certo, para os europeus e seus descendentes, as estratégias de 
comunicação, dominação e opressão linguística empregadas por eles na sua “conversação” com 
os povos indígenas, tendo aí as línguas gerais exercido o seu papel. De outro lado, o fato de os 
colonizadores portugueses terem trazido, à força, para fins de escravização, nativos do 
continente africano também colocou, entre outras coisas, dificuldades de interação por uso 
desses últimos de sua própria língua nativa, especifica de cada grupo – o que estaria ligado às 
indicações de existência de língua geral africana por um certo período de tempo 17. 
No século XVIII, a partir da disputa do território amazônico entre espanhóis e 
portugueses, o governo português instituiu oficialmente uma política linguística no Brasil 
(Carta Régia de 1727) seguida, três décadas depois, pelo Diretório dos Índios (1757), um 
conjunto de medidas normativas que, entre outras coisas, tornou obrigatório o ensino da língua 
portuguesa aos índios. Assim, considerando a língua geral uma invenção verídica, proibiu às 
 
17 SOARES (2011, p. 176, nota 4) chama a atenção para indícios da existência de pelo menos uma língua franca 
africana no Brasil: “Outro autor, José Honório Rodrigues afirma, em trabalho de 1983, ter havido pelo menos 
duas línguas gerais africanas no Brasil: o nagô ou iorubá na Bahia (de base sudanesa); e o quimbundo ou língua 
congoesa no norte e no sul (de base bantu)...” [RODRIGUES, José Honório (1983): “A vitória da língua 
portuguesa no Brasil”. Humanidades, v.1, n.4, 22-41.] 
69 
 
crianças, mesmo os filhos de portugueses, e principalmente aos indígenas, que aprendessem 
outro idioma que não o português. 
 Sabedor desse conjunto de condições, circunstâncias históricas, abordo aqui um 
conjunto de interações linguísticas, dentro da comunidade de Filadélfia, de modo situado e 
atento a pontos referenciais na antropologia linguística. 
Susan Gal (GAL, 2006), com respeito à importância da antropologia linguística, examina 
o papel da interação social de uma comunidade de fala. 
Linguistic anthropology is the study of language in culture and society. 
The field analyzes linguistic practices as culturally significant actions 
that constitute social life. The situated use of language is exemplary of 
the meaning-making process that shapes a social worlds saturated with 
contrasting values and contested interests, with opposed political 
positions and identities, with variable access to institutions, resources 
and power. Linguistic anthropology examines the role of social 
interaction – and the semiotic processes onwhich it relies – in making, 
mediating and authorizing those contrasts and differences (GAL, Susan, 
2006, p.171). 
 
[Antropologia lingüística é o estudo da linguagem na cultura e na 
sociedade. O campo analisa práticas linguísticas como ações 
culturalmente significativas que constituem a vida social. O uso situado 
da linguagem é exemplar do processo de construção de significado que 
molda um mundo social saturado de valores contrastantes e interesses 
contestados, com posições e identidades políticas opostas, com acesso 
variável a instituições, recursos e poder. A antropologia linguística 
examina o papel da interação social - e os processos semióticos nos 
quais ela se baseia - em fazer, mediar e autorizar esses contrastes e 
diferenças (GAL, Susan, 2006, p.171).] 
 
 
70 
 
 Assim, atento a esses pontos referenciais, trago a interatividade da família bilíngue 
Tikuna que vive nesta comunidade indígena de Filadélfia, construída com os seguintes tipos de 
famílias: 
a) Família constituída entre Tikunas (Tikuna com Tikuna); 
b) Família constituída de Tikuna com não indígena; 
c) Família constituída de Tikuna mestiço com não indígena. 
 
É importante assinalar que famílias com integrantes de outra etnia (Kokama, Marubo, 
Mayuruna18) são consideradas mestiças/ com laços mestiços dentro desta aldeia. Assim. Em 
uma família constituída de Tikuna com outra etnia (um tipo d), 
 
d) Família constituída de Tikuna com integrante de outra etnia 
 
se o pai, dentro dessa família, for um Tikuna propriamente Tikuna, isto é, com inserção dentro 
de um clã e, portanto, com a possibilidade de transmissão de clã aos seus filhos, os filhos 
continuarão a ter o clã patrilinear Tikuna19, mas a família será vista como possuindo laços 
mestiços, porque a sua constituição se deu com integrante de outra etnia. 
Quando se trata da interação dessas famílias, também precisamos observar o 
desenvolvimento cognitivo das crianças destas famílias, a relação dos saberes tradicionais no 
processo de socialização e no processo de ensino-aprendizagem transmitido pela oralidade, 
leitura e escrita, na língua que a criança fala, ou seja, na língua de domínio dessa comunidade. 
De acordo com a pesquisa participativa e as entrevistas feitas por mim, nesta comunidade, 
com duas famílias bilíngues, encontrei as seguintes situações: 
Família 1 – Luciana Fernandes (Tikuna), pertence à nação (ou clã) de japó (pássaro) e seu 
nome em Tikuna é Tu’tchiaüna; é casada com o professor Melquisedeque Cavalcante 
(Kokama), totalmente monolíngue em português. Luciana é mãe de uma filha de 7 anos de 
idade. Na conversa com sua família de casal, ela fala em língua portuguesa dentro de casa e, 
fora, às vezes se expressa na língua materna com a sua filha. Mas, com aqueles com os quais 
ela tem parentesco e afinidade, ela fala em língua Tikuna; em alguns casos, na fala dela aparece 
 
18 Os Marubo e os Mayoruna (Matsés) são falantes de línguas de mesmo nome e pertencentes à família linguística 
Pano. 
19 Ver nota 5. 
 
71 
 
a língua portuguesa, nos nomes de objetos, continuando pertinente o nome do objeto em 
português. Exemplo: colher/cuyera – bolsa/bolsa – copo/copo – violão/violão. Para o professor 
Melquisedeque, às vezes aparece dificuldade no entendimento, em relação a algumas palavras 
pronunciadas em língua Tikuna, pela esposa e mesmo fora de casa, nas conversas em reuniões, 
caso as palavras sejam difíceis,enquanto a esposa compreende tudo o que foi falado por ele em 
português. 
 Família 2– professor Sansão Ricardo Flores e sua esposa dona Elizete Pinto, pertencente 
ao grupo Tikuna mestiço. Para ele, não existe dificuldade ou barreiras na oralidade, quer na 
língua materna Tikuna, quer em português. Mas, na interação diária, ele fala em português, 
tanto em casa, quanto na escola, na roça, no grupo de amigos; e nas reuniões às vezes se 
expressa em língua Tikuna. E todos os filhos também falam fluentemente na língua portuguesa, 
e entendem a língua Tikuna, e na expressão têm pouca dificuldade em língua materna. 
O ensino da criança Tikuna, ao ser na própria língua materna (tae-mãe), é como uma 
forma de conversação de língua e identidade; e o português como segunda língua (norü tare e 
naga i nawa i deacü20) leva a uma unidade de domínio. Essa unidade de domínio de duas 
línguas é que torna uma comunidade de fala bilíngue, valorizando a língua de origem (materna) 
e a outra língua, não sendo deixado o uso cotidiano, um meio que facilita a comunicação dentro 
do próprio grupo e, ao mesmo tempo, com a sociedade envolvente. 
As línguas indígenas eram vistas como o grande obstáculo para que isso 
pudesse acontecer. Daí que a função da escola era ensinar os alunos 
indígenas a falar e a ler e escrever em português. Somente há pouco 
tempo começou-se, em algumas escolas, a utilizar as línguas indígenas 
na alfabetização, ao se perceber as dificuldades de alfabetizar alunos 
em uma língua que eles não dominavam, o português. Mesmo nesses 
casos, no entanto, assim que os alunos aprendiam a ler e a escrever, a 
língua indígena era retirada da sala de aula, já que a aquisição da língua 
portuguesa continuava a ser grande meta. É claro, tendo sido essa 
situação, a escola contribuiu muito para o enfraquecimento, para o 
desprestígio e, consequentemente, para o desaparecimento de línguas 
indígenas. (RCNEI, 2002, p.119) 
 
20 Traduções tentativas, sujeitas à revisão, das expressões em Português ‘língua materna’ e ‘segunda língua’ para 
a língua Tikuna. 
72 
 
 
Na conversação entre os Tikuna de Filadélfia, sempre houve uma alternância 
comunicativa, em língua materna e português. Enquanto um não indígena está presente no 
grupo de conversa, a interação dos Tikuna fica dominada, ou seja, ocorrem as alternâncias de 
código para a língua portuguesa. Isso também pode ser percebido nas conversas interacionais 
das crianças, adolescentes, jovens e adultos, na aldeia de Filadélfia. De acordo com Duranti 
(1997), 
This system allows for a fluidity of code shifting and adaptation to 
variation that is puzzling to anyone brought up in a monolingual 
community, but has a ring of familiarity to most multilingual speakers. 
Linguistic variation is in fact not as rare as monolingual speakers or 
some theorists would like to believe. Even within monolingual 
communities – as demonstrated by several decades of sociolinguistic 
empirical research – differentiation and shifting of codes may be more 
pervasive than usually believed. What in some communities might 
result in a shift from one language to another (e.g. from English to 
Spanish, from a local vernacular to a pidgin), in some other 
communities might result in a shift from one style or register to another 
(e.g. from authoritarian to egalitarian, from distant to familiar, from 
ritual to casual). (DURANTI, 1997, p.82) 
 
Esse sistema permite uma fluidez de mudança de código e adaptação à 
variação que é intrigante para qualquer pessoa criada em uma 
comunidade monolíngue, mas tem um toque de familiaridade com a 
maioria dos falantes multilíngues. De fato, a variação linguística não é 
tão rara quanto os falantes monolíngues ou alguns teóricos gostariam 
de acreditar. Mesmo dentro de comunidades monolíngues - como 
demonstrado por várias décadas de pesquisa empírica sociolinguística - 
a diferenciação e a mudança de códigos podem ser mais difundidas do 
que se costuma pensar. O que em algumas comunidades pode resultar 
na mudança de um idioma para outro (por exemplo, do inglês para o 
espanhol, de um vernáculo local para um pidgin), em algumas outras 
comunidades pode resultar na mudança de um estilo ou de registro para 
73 
 
outro (por exemplo, de autoritário ao igualitário, do distante ao familiar, 
do ritual ao casual).] (DURANTI, 1997, p.82) 
 
De uma parte, consideremos aquelas famílias Tikuna construídas com o não indígena 
(relação de casamento dos Tikuna com a pessoa não indígena), nas aldeias. Quando mulheres 
Tikuna se casam com um não indígena, falam mais em português em casa, comunicando-se 
com os parentes em duas línguas (situação de bilinguismo). É o inverso quando o homem 
Tikuna se casa com uma mulher não indígena: seus filhos dominam mais o português; às vezes, 
há comunicação na língua nativa, no momento em que familiares do homem, falante de Tikuna, 
sua língua materna, interagem com essa família. 
De outra parte, vale ressaltar que a língua é um direito, produz poder dentro de uma 
comunidade de fala / entre comunidades de fala. Compreendemos que hoje o mundo em que 
vivemos está incorporado de culturas complexas. Fica colorido de línguas e de culturas, e com 
esse processo dinâmico, os Tikuna precisam ter essa conexão de trocas linguísticas na 
comunicação. Porém, o papel da escola indígena nas comunidades Tikuna é o de tornar-se um 
espaço referencial na difusão de ensino, o ensino da língua indígena materna, através da leitura, 
da oralidade, da escrita, da contação de história, dos cânticos ancestrais, das literaturas 
enraizadas no contexto do povo. 
 
74 
 
CAPITULO III - A DIFERENCIAÇÃO ENTRE A EDUCAÇÃO NA CASA E A 
EDUCAÇÃO EM ESPAÇO ESCOLAR FORMAL. 
 
Em torno das comunidades existentes, historicamente, bastante 
variados, cristalizaram-se atitudes emocionais poderosas. O campo 
passou a ser associado a uma forma natural de vida - de paz, inocência, 
e virtudes simples. A cidade associou-se à ideia de centro de realizações 
– de saber, comunicações, luz. Também constelaram-se poderosas 
associações negativas: a cidade como lugar de barulho, mundanidade e 
ambição; o campo como lugar de atraso, ignorância e limitação. O 
contraste entre campo e cidade, enquanto formas de vida fundamentais, 
remonta à antiguidade clássica. (WILLIAMS,1973, p. 11). 
 
Quando Williams, no trecho citado acima, diz “o campo passou a ser associado a uma 
forma natural de vida”, o meu entendimento é o de que, nas comunidades, as experiências são 
mais socializadas com as diversidades de ecossistemas, estando seus membros sempre atentos 
aos desenvolvimentos de suas atividades diárias com sua família, e aos aprendizados dos 
saberes milenares do grupo. E esses conhecimentos, para as crianças Tikuna, estão vinculados 
às experiências construídas no círculo da família na aldeia. O mundo real das crianças é 
interpretado a partir das mensagens recebidas em torno do espaço de convívio e da socialização. 
Na casa, os pais repassam orientações para seus filhos maiores de como fazem o trabalho 
na roça, na pesca, na caça e nos outros espaços. Além disso, os pais e as mães também falam 
para os filhos sobre o conhecimento do cuidado com a higiene - pessoal, dos alimentos 
consumidos; o conhecimento do espaço ocupado por eles; das plantas medicinais; da parte dos 
animais que servem de remédio; do tratamento pessoal e da regra social do grupo. 
Na educação de casa, não se preocupam com a divisão de conteúdo por disciplinas, nem 
com sua estruturação por categoria ou de classe. Ali, a educação também não é burocratizada e 
nem se organiza hierarquicamente. A preocupação dos pais se destaca mais com a vida das 
crianças, com sua preparação para ser bom guerreiro, pescador, construtor, caçador, 
trabalhador, artesãos, pajelança, ter conhecimento das medicinas naturais, ter a mente carregadadesses conhecimentos e saberes, que designo de “educação circular” (tawatama ne’ ># i cua’gü), 
75 
 
aquilo que é aprendido no meio de convivência, vivência socializada com a família e grupo de 
uma forma círcular. O ensino da educação circular é desenvolvido pelo movimento contínuo de 
habilidades, com integração; e constitui-se o indivíduo mesmo no coletivo, com base no 
processo de observar, imitar, ouvir e agir, durante as atividades do dia a dia ou momentos 
especiais (ritual, festa, tempo e outros). Nesse processo de ensino, não existem séries, método 
sistemático fechado, leis fixas que determinam para os indivíduos o apreenderem certas 
atividades. Tudo isso é percebido no acompanhamento da família e habilidades das pessoas, 
desde o nascimento dos indivíduos no grupo e durante a toda a sua vida, construindo essa 
socialização, pela conversação, ouvindo e praticando atividades, como as produtivas e 
participativas na sociedade. 
Já na educação em espaço formal, essa foi entendida como uma instituição social 
engajada no ensino sistemático tradicional; produz espaço que gere a educação escolarizada ou 
cursos com níveis, graus, programas, currículos e séries, ou aquela perspectiva educacional cuja 
atenção é horizontalmente dirigida ao século atual. Sem dúvida, está superada a ideia de que a 
educação escolar seja um processo que ocorre somente ao redor da escola, voltada mais para 
letramento, escrita e preparando, de um lado, as crianças para a integração na sociedade mais 
complexa e por outro, para o mercado de trabalho e para como viver num mundo universalista. 
Portanto, entendemos que o indígena Tikuna tem sua educação na família ou no grupo; 
funcionando como escola, mas sem formar com os níveis e graus de escolarização, a família 
tem papel como instituição social não formal. 
 A vivência no cotidiano escolar significa uma experiência de vida, localizada em um 
espaço, cuja materialização é muito objetiva. O conteúdo da experiência escolar varia de 
sociedade, de cultura, de escola, de sujeitos e, reordenados os espaços, varia em função dos 
tempos e do trabalho dos profissionais, permitindo que diferentes práticas pedagógicas se 
tornem realidade, acontecendo um processo real, e fazendo com que essa experiência possa ser 
definida também como uma atividade sistemática de interação entre seres sociais, tanto no nível 
intrapessoal como no nível da influência do meio. 
Todo esse processo de ensino e de aprendizagem é apreendido no espaço de 
escolarização, ou seja, ensinado na escola pelos professores através de um procedimento 
metodológico sistemático, interligado no ato pedagógico de três componentes abrangentes: um 
agente (grupo social), uma mensagem transmitida (conteúdos, métodos, habilidades) e um 
76 
 
educando (um aluno), que por vez denomino de “educação secular” (tomagü arü cua’gü), o 
ensino em que as crianças aprendem por sequência (idade e séries). 
 
3.1 O processo próprio de ensino. Quanto a escola está se afastando ou se aproximando do 
modo de vida dos Tikuna? 
 
Pensar a escola, hoje, seja no âmbito de sua função (para que serve?), 
seja no âmbito da construção curricular, impõe considerar a 
globalização, manifesta num cotidiano de múltiplos valores, em que 
todos os povos, todas as culturas, enfim, todos os seres humanos se 
vêem na iminência de se adaptar ao novo curso dos tempos, 
combinando elementos tradicionais com as novas e constantes 
manifestações da modernidade. Em meio a essa realidade, e entendendo 
a globalização enquanto estratégia de homogeneização cultural, que 
encontra na escola espaço profícuo para ações legitimadoras desse ideal 
homogeneizante, pode-se afirmar que a diversidade conseguiu, 
bravamente, sobreviver, apesar das tentativas das culturas dominantes 
em prol da uniformização de identidades, de comportamentos, de 
percepções, crenças e sensibilidades [...] (CURY, 2009, p.59). 
 
 
Por que se denomina de escola indígena, essa escola construída no meio uma comunidade 
indígena? É possível denominar uma escola, de escola indígena, onde todos, professores, 
gestores, equipe pedagógica, funcionários, professores de apoio, são falantes monolíngues de 
português e os conteúdos ocidentalizados? 
As crianças, os adolescentes e jovens Tikuna de hoje têm se distanciado da valorização de 
sua própria cultura de origem, por terem incorporado as culturas que vêm de fora para dentro 
das comunidades indígenas. Cohn (2001), no seu artigo “Culturas em transformação: os índios 
e a civilização”, diz que: 
 
A percepção das dinâmicas sociais e culturais exige que se atente não 
apenas às tradições, como também à inovação; não se nega, assim, a 
reprodução social, mas amplia-se a noção de reprodução social, de 
77 
 
modo que inclua a possibilidade de mudança. Desse modo, vai-se além 
da proposição de que estas sociedades têm, em todos os seus aspectos, 
como objetivo único a perpetuação estanque. Vários antropólogos têm 
se dedicado à reflexão de como essas modificações se efetuam e 
efetivam. Como demonstração e ilustração dessa mudança permanente 
das tradições culturais, citam-se dois exemplos retirados de análises 
antropológicas de realidades bastante diversas: a região das Guianas e 
a Nova Guiné. 
No primeiro caso, discute-se o uso social da história para a criação e 
reprodução da identidade entre os Saramaka do Suriname, sociedade 
constituída por escravos fugidos. Richard Price aborda o aprendizado 
sobre o “passado significante”, o First Time, que se refere aos 
antepassados à época de origem da sociedade, fonte da identidade 
coletiva. Se há nos Saramaka o que Price chama de uma “clara opção 
cultural” pela ênfase nas situações específicas, formais, de transmissão 
como fonte do conhecimento, existe, no entanto, uma ênfase em outro 
sentido, o da fragmentação deliberada dessa transmissão, baseada na 
expectativa de que cada homem adulto forme seu próprio conhecimento 
sobre o First Time ao longo da vida. Assim, a transmissão deste 
conhecimento não se limita a uma fonte única, mas é concebida como 
um processo que se inicia, para cada indivíduo, com o relato 
fragmentário... por um parente mais velho, tendo continuidade ao longo 
de sua vida, agora desvinculada de um parente e de uma situação 
formal. Tratando-se de um conhecimento essencial para fornecer 
sentido ao presente, o autor demonstra que a fragmentação na 
transmissão pode ser uma estratégia para reprodução e permanência 
desse saber, gerando conhecimentos muito individualizados. (COHN, 
2001, p. 37 e 38). 
 
 
 
 
78 
 
Na comunidade, a escola é como porta de entrada para a difusão de cultura ocidental, 
inserida no conhecimento dos alunos, muitas vezes por falta de formação especifica dos 
docentes indígenas voltada para os valores dos saberes tradicionais. 
 Para Cury, o convívio dessa criança na escola ocidental pode trazer implicações para a 
afirmação da identidade, na medida em que o grupo com o qual interaja não demonstre o 
respeito, por razões diversas, com o qual ela conta em seu meio familiar e social (CURY, 2009, 
p.38). 
A possiblidade para torná-la uma escola indígena de qualidade, especifica e diferenciada 
no contexto indígena precisa ser contextualizada, criando-se mecanismos próprios que sejam 
inseridos no componente curricular especifico e diferenciado, contribuindo para a 
sobrevivência dos saberes e conhecimentos da ancestralidade (cua’gü ngema torü o’igü’# 
ngema#). 
Segundo Oliveira (2012), 
O ideal de educação é aquele que valoriza os princípios culturais, o 
legado deixado por seus antepassados, e é preciso que esses 
conhecimentos também estejam em sintonia com o mundo atual, o 
mundo globalizado. Tal sintonia garante maior longevidade cultural e 
prepara o Ticuna para lidar com a diversidade cultural encontrada na 
mesorregião do alto Solimões. [...] o mundo hoje é outro, as culturas 
são dinâmicase o contato com outros povos cada vez ocorre de forma 
intensa, portanto é necessário que o educador tenha um olhar apurado e 
perceba a dificuldade do momento e através da escola ajude a minimizar 
as dificuldades que são inúmeras. As práticas pedagógicas de 
valorização da cultura indígena e também não índia são de extrema 
importância para a sobrevivência do povo Ticuna. (OLIVEIRA, 2012, 
p.88- 89) 
Cabe aqui uma reflexão. O mundo dos Tikuna, passa por um processo de construção 
continua e percorre múltiplos caminhos da cultura, desde a ação da catequese relacionada ao 
período colonial ao contato intenso e plural que leva à miscigenação com outras etnias. Na 
concepção de Tylor, cultura é aquele “todo complexo que inclui os conhecimentos, as crenças, 
a arte, a moral, o direito, os costumes, e qualquer outro hábito e capacidade adquirida do homem 
na condição de membro da sociedade” (TYLOR, 1871, cap.1, p. 1). Para além do 
evolucionismo cultural, a que Tylor está historicamente vinculado e que não reduz a sua 
79 
 
contribuição específica (cf. CASTRO, 2005, Apresentação ), visões de cultura elaboradas em 
época mais recente, no campo da antropologia, têm resultado de esforços no sentido da 
reconstrução do próprio conceito de cultura (que havia sido afetado por numerosas 
fragmentações ao longo do tempo). Assim é que, nessa reconstrução conceitual, se tem: a 
cultura considerada como um sistema adaptativo; a cultura vista no quadro de teorias idealistas, 
o que inclui a cultura concebida como sistema cognitivo, como sistemas estruturais, como 
sistemas simbólicos (cf. LARAIA, 2001, primeira parte I). Sem entrar nos detalhes teóricos 
desses esforços de conceituação21 (que continuam fluindo), é possível dizer que esses abriram 
caminho para o reconhecimento dos múltiplos caminhos da cultura, aqui plenamente 
exemplificado no caso Tikuna. O importante para os Tikuna na contemporaneidade é o 
respeito à diferença, como elemento da interação social, recorrente em todos os cenários 
considerados (OLIVEIRA, 2000, v.15, p. 19), mas acompanhada da compreensão de manter 
parte da sua cultura original. 
 Observo que a aquisição da linguagem e de conhecimentos sobre o mundo que rodeia as 
crianças Tikuna é feita naturalmente, por interação com os outros grupos sociais ou pessoas. 
Nessa interação comunicativa inicialmente com os pais e família e, progressivamente, com o 
mundo exterior, encontramos o que Berger menciona relativamente à situação face a face: o 
outro é apreendido por mim num presente vivido e partilhado por nós dois. Sei que no mesmo 
presente vivido sou apreendido por ele (BERGER, 2002, p.47). A esse respeito, vale chamar a 
atenção para uma diferença única entre a cultura do povo Tikuna e a cultura contemporânea : 
o canto cantado na festa da moça nova (família específica) não é cantado na própria escola 
Tikuna, nem pelos outros grupos, enquanto o hino nacional é cantado e conhecido por todo o 
território. 
A escolarização não fui ensinada na cultura Tikuna, mas a educação e as técnicas foram 
ensinadas oralmente, pela observação, imitação, pelo “fazer fazendo” e, assim, a cada geração 
eram apreendidas na família. Já a escolarização sistemática de conteúdo é o processo 
relacionado a conhecimentos adquiridos na escola, nos diferente espaços, pelo professor ou na 
família pelos pais, mães, e irmãos, hoje no mundo contemporâneo. Para Laraia, cada sistema 
cultural está sempre em mudança. Entender esta dinâmica é importante para atenuar o choque 
entre as gerações e evitar comportamentos preconceituosos (LARAIA, 2001, p. 101). Esta 
dinâmica cultural constrói e reconstrói transformações pertinentes em que se associam tempo e 
 
21 Para acompanhamento de detalhes teóricos a esse respeito, ver, entre outros, Keesing (1990), Moore (2009). 
80 
 
espaço, moldando a interação dos indivíduos com outra sociedade de convivência – caso do 
povo Tikuna a partir das relações sociais. 
Sob a ótica da dinâmica cultural e da convivência a partir das relações sociais, o processo 
próprio de ensino na escola Tikuna não se refere somente ao ensino de língua indígena na sala 
de aula, mas trata dos saberes tradicionais ancestrais, da ciência da natureza do povo, formas 
transversais, em todas as disciplinas, conforme consagrado na Constituição Federal brasileira 
(CF), nas diretrizes e nos parâmetros legais sobre a educação escolar indígena, a saber: 
 CF, art. 231 – são reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, 
crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que ocupam [...]; 
 LDB lei nº 9.394/96, trata dos níveis e das modalidades de educação e ensino, nos 
seus Art. 26, 32 e inciso 3º, 78, 79 e seu incisos - Os currículos do ensino 
fundamental e médio devem ter uma base nacional comum, a ser complementada, 
em cada sistema de ensino e estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, 
exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia 
e da clientela. [...] assegurada às comunidades indígenas a utilização de suas línguas 
maternas e processos próprios de aprendizagem, e para oferta de educação escolar 
bilíngue e intercultural aos povos indígenas, com os seguintes objetivos; I – 
proporcionar aos índios [...] a recuperação de suas memórias históricas; a 
reafirmação de suas identidades étnicas [...]; II – garantir aos índios, [...] o acesso às 
informações, conhecimentos técnicos e científicos da sociedade nacional e demais 
sociedades indígenas e não indígenas. 
 Resolução nº 4, de 13 julho de 2010, que, ao definir diretrizes curriculares nacionais 
gerais para a Educação Básica, explicita , no art. 37, que a educação escolar indígena 
ocorre em unidades educacionais inscritas em suas terras e culturas, as quais têm 
uma realidade singular, requerendo pedagogia própria em respeito a esfericidade 
étnico-cultural de cada povo ou comunidade e formação especifica de seu quadro 
docente, observando os princípios constitucionais, [...]. 
A legislação vigente permite que sejam tomadas medidas para a efetivação da 
oficialização da língua Tikuna e dos saberes tradicionais nas outras disciplinas dentro do 
currículo da escola Ebenezer, em todos os níveis, etapas e modalidades de ensino. Não é boa a 
vontade do governo municipal, mas foi por meio de uma luta incansável, discussão e parceria 
com a secretaria municipal de educação que se conseguiu a inclusão desses conhecimentos 
adequadamente nas disciplinas, sem exceção de outras aérea de conhecimentos, conforme 
81 
 
pensado pelos Tikuna na organização do componente curricular de sua escola o que 
corresponde a quadros mostrados no primeiro capítulo, na seção 1.3. 
Dessa maneira, o currículo da escola está estruturado atualmente para poder facilitar o 
desenvolvimento de saberes tradicionais e conhecimentos científicos na sala de aula, com eixos 
temáticos especiais e transversalidades. 
Todas essas disciplinas foram montadas juntamente com a participação da comunidade 
escolar de Filadélfia, com base em critérios que levaram em conta os saberes tradicionais 
Tikuna e que resultaram na construção exposta , definindo o favorecimento e a aproximação de 
seus aspectos socioculturais, sua organização social, para garantia de uma visibilidade da 
educação indígena com processo próprio de ensino na escola Tikuna. 
Cury define o conceito de diferença voltado para a realidade dos povos indígenas e suas 
conquistas em relação à escola, induzindo, assim, “a reflexões a fim de evidenciar a relevância 
da diferença, a compreensão acerca desse conceito, sobretudo ao ponto que [sic] essa (a 
diferença) eclode no espaço escolar” (CURY, 2009, p.58). Já foi dito antes que o espaço é como 
o ar que se respira, que sem ar morremos, mas que não vemos nem sentimos a atmosfera que 
nos nutrede força e vida. Para sentir o ar é preciso situar-se, meter-se numa certa perspectiva 
(cf. DA MATTA, Roberto, 1991, p. 33). 
O processo de ensino-aprendizagem também é interpretado de modo que as crianças 
Tikuna, na sala de aula, possam “ver e sentir no espaço”, tornando-se “necessário situar-se” na 
conjugação dos conteúdos contextualizados, que traz uma luz na consciência dos alunos, no 
sentido de que todos os conhecimentos têm sua importância. 
O fato é que tempo e espaço constroem e, ao mesmo tempo, são 
construídos pela sociedade dos homens. Sobretudo o tempo que é e 
simultaneamente passa, confundindo a nossa sensibilidade e, ao mesmo 
tempo, obrigando a sua elaboração sociológica. Por tudo isso, não há 
sistema social onde não exista uma noção de tempo e outra de espaço 
(DA MATTA, Roberto, 1991, p. 37). 
 
 
 
82 
 
3.2 As relações com as crianças na construção da oralidade a partir da casa e do contexto da 
escola. 
 
A língua Tikuna é considerada um exemplo de uma língua de sociedade minoritária, 
falada em três países na região Amazônica: Peru, Colômbia e Brasil. É um povo pequeno dentro 
de um Estado enorme e com uma língua mais forte nas comunidades, que é o português. De 
acordo com o que mostramos no capítulo II, a comunidade indígena de Filadélfia é uma 
comunidade Tikuna constituída por tipos de família que resultam em família monolíngue em 
Tikuna, família monolíngue em Português e família bilíngue que mantém relações de interação 
em Tikuna e em Português, podendo estar, nesse último caso, a família com integrante de outra 
etnia (Kokama, Marubo, Mayuruna). Historicamente, pode ser encontrado, em outro ponto da 
área Tikuna, exemplo de Tikuna, falante nativo de Tikuna, criado em meio a uma família não 
indígena: 
 
Naquele tempo eu já não queria saber dele, eu tinha orgulho sem 
motivo, eu pensava que não era mais uma pessoa e porque era assim já 
um não indígena eu ia ser; sem motivo era o meu pensamento naqueles 
dias daquele tempo. Então, depois, naquele tempo, era aquilo de novo. 
E naquele tempo já doze anos era a minha idade e então a Manaus 
comigo ele foi, aquele homem branco (Pedro Inácio Pinheiro – 
Ngematücü -, em Minha luta pelo meu povo, 2014 p.20) 
 
No quadro de vivência e convivência socializada no meio de diferentes grupos de 
conversação de famílias em Filadélfia, crianças interagem e constroem seu mundo de forma 
heterogênea. Como já vêm vivenciando dois mundos veiculados pelas línguas Tikuna e 
Português, tanto fora da escola, quanto na sala de aula com os professores bilíngues, têm uma 
compreensão clara de ouvir, falar e interagir, trocando de códigos no momento de conversas 
entre professor/aluno/colegas da turma. 
As trocas de conversas em casa são feitas por meio da oralidade, no momento de realizar 
refeições, durante as atividades domésticas, na confraternização de família. O falante nativo de 
Tikuna fala com seus os filhos em Tikuna (sua língua materna). Na família em que o Português 
já é dominante, a família continua o uso dessa língua com os filhos em casa. 
83 
 
Na escola, a situação já é muito diferente daquela da casa: os professores Tikuna usam 
duas línguas na comunicação oral e na escrita, ou seja, na abordagem de conceitos no espaço 
da escola, existem alternâncias de código. Quanto àqueles professores que são da etnia Kokama, 
a sua interação com a turma sempre será monolíngue em português. 
Nesse caso, o professor Kokama enfrenta um desafio maior na sala de aula na expressão 
com as crianças Tikuna do que em ouvir algumas palavras em Português (a língua materna de 
quem é Kokama); para esse professor, expressar-se em Tikuna é o mais difícil. Esse professor 
fala somente Português, enquanto há crianças Tikuna que têm dificuldade de entender o 
Português com clareza. Aqui é importante compreender a concepção das crianças Tikuna pelo 
contato direto com a língua portuguesa em casa e na escola, já que isso melhora muito sua 
comunicação em Português, sem perder a língua de origem. Bourdieu, no seu livro sobre a 
economia das trocas linguísticas, define o conceito de valor na comunicação: 
A facilidade com que o modelo linguístico é transportado ao terreno da 
etnologia e da sociologia se deve ao fato de ter se conferido à linguística 
o essencial, isto é, a filosofia intelectualista que faz da linguagem um 
objeto de eleição mais do que um instrumento de ação e de poder. 
Aceitar o modelo saussuriano e seus pressupostos é o mesmo que tratar 
o mundo social como um universo de trocas simbólicas e reduzir a ação 
a um ato de comunicação que, como a fala saussuriana, está destinado 
a ser decifrado mediante uma cifra ou um código, uma língua ou uma 
cultura [...] A comunicação entre as classes (ou, nas sociedades 
coloniais ou semicoloniais, entre etnias) representa sempre uma 
situação crítica para a língua utilizada, seja ela qual for (BOURDIEU,, 
2008, p.23 e 27). 
 
 
 
3.3 Universo da pesquisa em três tipos de família e os espaços sociais compartilhados: na roça, 
na igreja e na escola 
 
Na roça, as crianças acompanham seus pais , que dão orientação aos seus filhos 
masculinos maiores na língua Tikuna, para que façam as atividades agrícolas corretamente. Os 
pais também contam no roçado sobre o que é perigoso, sobre os riscos: - picada de cobra, 
84 
 
aranha, escorpião, corte de terçado, espinhos. Devido a isso, é preciso ser atento nas horas de 
fazer roça (Meã ta ni’* cü ng*cae* - na>%% ta rü meã i dauatchigü). 
 
 
Foto10. O menino Ngure’ecü Morfeneo, de 4 anos de idade, acompanha seu pai na roça e 
começa a imitar o pai no trabalho 
 
85 
 
 
Foto 11. Jovens ajudando seu pai a torrar farinha 
 
E na hora do intervalo, toda a família se reúne em círculo. Comem juntos e, ao mesmo 
tempo, contam história, acerca dos entes ou seres que vivem na floresta (bichos da floresta), e 
falam dos fatos que ocorrem nos dias atuais. Nas conversas com sua família, os pais também 
contam sobre a fartura da caça, das frutas silvestres, das madeiras, fazem uma comparação do 
tempo do passado e com os dias atuais. A mulher fala para suas filhas, que se empenham nas 
atividades para que assim, no futuro, tenham sustento com sua nova família, construída por 
elas. 
E à criança pequena, sua mãe deixou uma atividade: o cuidar de seu irmão recém-nascido, 
que ela balança na rede de feita de tucum. Quando esse irmão recém nascido fica acordado, 
essa criança, a irmã, deita na rede com ele, canta cântico na língua materna. Conforme a família 
que eu acompanhei no seu roçado e por experiência própria na vida agrícola, tem família que, 
86 
 
até hoje, fica no seu trabalho de roçado um dia inteiro, sendo que os pais mais novos exercem 
sua atividade por metade do dia e voltam para sua casa. 
Na igreja, os pastores fazem leitura bíblica em português e, na conceituação dos versos, 
usam duas línguas, isto é, atuam como bilíngues em Tikuna e em Português, traduzindo o que 
está nessa língua para a língua nativa. Os gerentes do culto são falantes de Tikuna, sua língua 
materna. Cantam cânticos em Tikuna, e outros em Português. Na oportunidade, fiz pesquisa 
participativa e de convivência de grupo em duas igrejas de diferentes denominações: Igreja 
Batista Independente e Igreja Indígena Evangélica de Filadélfia. 
 
 
Foto 12. Membros da Igreja Batista Independente 
 
Na Igreja Batista utiliza-se a bíblia tradicional, alguns dos pastores desta igreja são 
falantes da língua portuguesa, cantam mais os cânticos em português, letras que estão no cantor 
cristão22. A professora da classe de jardim (crianças), principalmente, fez sua apresentação dos 
versículos e hinos em Português. E a classe das mães desta igreja apresentou cânticos de 
louvores do cantor cristão, valendo registrar que as mães mais idosas não acompanham muito 
os hinos cantados em português e que, no momento em que elas cantamem sua própria língua 
Tikuna, todas cantam com voz penetrante os cânticos. 
 
22 Hinário das Igrejas Batistas. 
87 
 
Na Igreja Indígena Evangélica, as leituras bíblicas são feitas, na maior parte, em Tikuna 
( língua materna dos falantes nativos de Tikuna), sendo muito utilizada a bíblia traduzida em 
Tikuna. Nos dias de domingo, os estudos bíblicos são contextualizados na realidade local, com 
conceitos esclarecedores, para melhor entendimento. Na apresentação de crianças, essas 
cantam e leem versículos em Tikuna e em Português. 
 
 
Foto 13. Grupos de mães, após o culto, comendo e trocando conversas 
 
No final do culto desta igreja, existe o hábito de fazer comunhão, o que permite que os 
membros conversem e abram diálogos entre parentes e afins sobre seus trabalhos, vida cristã, 
o comer juntos, as condições de vida, na própria língua. Como diz Serra (2018), o uso 
linguístico pode assumir mais de uma finalidade: 
 
Uma outra finalidade é contribuir para a percepção, inclusive pelos 
próprios Tikuna, de que a língua é afetada pelos usos linguísticos de 
88 
 
seus falantes, o que inclui as situações de contato internas ao próprio 
grande grupo Tikuna, além do contato de seus membros com falantes 
de outras línguas. É também nosso propósito o de que a pesquisa 
apresentada venha a ajudar na argumentação e na defesa de que a língua 
Tikuna está viva e é usada para uma intensa comunicação entre os 
Tikuna, podendo ampliar seus espaços de uso, para além das próprias 
comunidades Tikuna (SERRA, 2018, p.15). 
 
Nesses dois espaços diferentes de uso de língua nativa, essa está mais desenvolvida pela 
via da oralidade, e não pela escrita. Em certo ponto, o pastor incentiva os membros a fazer a 
leitura dos textos bíblicos escritos em língua Tikuna, mas dificilmente pode-se ver as pessoas 
que participam do culto escrevendo na sua língua materna. Essas pessoas têm mergulhado muito 
na oralidade. 
E, no espaço da escola, as crianças vivem aprendendo a leitura, escrita, e cantos da canção 
escrita em língua materna (Tikuna). Por exemplo, com turma da educação maternal, as 
professoras que atuam nessa turma usam cânticos em língua portuguesa, e tem dias em que as 
professoras cantam na língua Tikuna , gesticulando. 
Ao lidar com a escrita, usam vogais oralmente, e de forma cantada, por exemplo: Ã’ - 
à - &- Ü - @- < - Õ. E cantam músicas significativas para os Tikuna, como a música do tchore 
‘jaçanã’: 
Ngema tchore rü name23 ni’*. 
I tchütaãcü, 
Na’%naãgü rü ya’#wa nanhã . 
Nüma rü nama# i na’taanacüwa 
I mureru arü nga#necüwa ! 
‘Aquele tchore é bonito. 
De noite, 
ele se ergue e voa, seguindo para longe. 
Vive na beirada do lago 
No meio do mureru ! 
 
 
23 A raiz desta palavra é me , que significa ‘bom, bonito’. 
89 
 
 A música Tikuna, na escola, é aplicada em toda as séries, dependendo dos trabalhos de 
cada professor na sala de aula. Trabalhar com a música na sala de aula estimula as crianças a 
aprender a ler e a escrever palavras. Os professores que trabalham na escola Ebenezer utilizam 
os livros produzidos na OGPTB pelos próprios professores Tikuna. Na apresentação de 
trabalho, os professores desta escola exigem que os alunos falem em duas línguas. 
 
90 
 
CONSIDERAÇÕES FINAIS 
 
Aqueles que irão estuar nele deverão acordar, deverão saber por que ele 
foi feito. O livro saiu porque nós estamos renascendo. Foi bom porque 
feito por nós mesmos. “Hoje os bisnetos, os novos, vão ver que os 
Ticuna têm razão de existir, porque neste livro aparece onde está a terra 
imemorial, o local sagrado, o local da nossa origem. Onde ticuna nasceu 
aí ele tem de ficar. O livro vai ser bom pra gente lembrar, pra gente lutar 
pra ser dono de novo da terra” (Pedro Inacio Pinheiro – Ngematücü e 
Adecio Custodio Manuel – Meta’nücü) 
 
O olhar analítico dessa pesquisa de dissertação veio mostrar o ensino diferenciado 
embasado em saberes indígenas, com o intuito de transformar disciplina inserida no currículo 
e calendário da escola indígena Tikuna Ebenezer Pucürana rü We’tchi’ina, pensando no 
fortalecimento de uma educação especifica, bilíngue e intercultural, com processo próprio de 
ensino na escolarização de crianças indígenas desta escola. 
Como vivencio e socializo no meio do povo, vi muitas famílias Tikuna construídas com 
as famílias não indígenas, pelo casamento. Como resultado desse contato complexo, muitas 
crianças, adolescentes e jovens hoje desta comunidade, têm suas vivências intensamente em 
dois mundos, duas culturas e línguas construindo trocas culturais, o que provocou uma 
formação de diálogos de cultura mais plural dentro desta comunidade Tikuna. Isso é bem 
visível, quando se anda pela comunidade: as crianças jogam bola, peteca, pipa, tomam banho 
pulando no igarapé e outras sobem nas arvores, e de lá de cima pulam - e as suas interações são 
todas em Português. Durante muitos poucos minutos algumas dessas crianças se expressam em 
sua língua materna. 
E os jovens andam de moto, jogam bola na quadra, usam aparelho celular, assistem TV, 
filmes, tocam músicas rap, gospel e outras, suas conversas misturam português e Tikuna. Na 
maior parte, as crianças e os jovens, que se comunicam em grupo de jovens, trocam suas 
conversas em português, e em casa com os pais e mães falam em Tikuna e outros em 
monolíngue português. Os pais mais novos, ou seja, os pais modernos, principalmente, se 
comunicam com seus filhos nas duas línguas, dependendo dos tipos de família. Poucas famílias, 
desta comunidade Tikuna de Filadélfia, levam seus filhos para o trabalho agrícola (roçado) e 
91 
 
para a pescaria; deixam boa parte desses filhos na escola local, escola da cidade, e em outra, 
com esses filhos ingressando na universidade. Na volta da escola para sua casa, alguns desses 
adolescentes e crianças, quando seus pais não estão em casa, vão atrás do seu pai na roça para 
ajudá-lo, enquanto outros deixam seus materiais escolares em casa para ir jogar bola na quadra 
ou nos espaços de lazer. 
Em 1978, a preocupação dos moradores Tikuna desta comunidade de Filadélfia 
relacionava-se à implantação de uma escola dentro da comunidade, para que as crianças se 
integrassem ao mundo de letramento em língua portuguesa. O uso da língua materna foi 
interpretado como atraso ou sinal de inferioridade na concepção de alguns propriamente 
Tikuna, sem ter havido preocupação com o risco da dinâmica de identidade da sociedade. 
De acordo com a trajetória de luta dos Tikuna pela educação diferenciada e especifica, 
foi na década de 80 do século XX que começaram ser pensados os primeiros registros de 
memória e a sua transformação em livro, escrito na língua Tikuna, traduzido em português e 
publicado, em 1985, com o nome do livro “Torü Du>#gü” (Nosso Povo). Nele tiveram 
participação várias lideranças: professores, anciãos, jovens, pajés, parteiras e crianças das 
diversas comunidades, além de alguns pesquisadores do Museu Nacional e MEC. 
O livro registra as histórias do tempo dos antigos, do tempo passado: criação do mundo 
Magüta, história que conta o político mítico do povo Tikuna. Que esse seja um instrumento 
referencial para professores indígenas, no sentido de trazer esses conhecimentos para repensar 
essa educação do passado e suas inovações. Após a criação da Organização Geral dos 
Professores Ticuna Bilíngues (OGPTB), em 1986, os professores Tikuna, no curso de 
formação, prosseguiram produzindo os materiais didáticos para a escola Tikuna, como: o livro 
dos peixes, dos sapos, dos pássaros, dicionário Tikuna/Português, livro de educação ambiental, 
livro de saúde bucal, livro de Mitos (Coleção Eware) volume – 1 a 5, livro dos insetos, arte na 
escola Tikuna, e cartazes escritos na língua Tikuna, tendo sido alguns desses materiaistraduzidos em português. 
A construção destes materiais didáticos para as escolas Tikuna foi feita pelos próprios 
Tikuna, que têm se preocupado com a geração futura e com os novos professores que irão 
lecionar na escola Tikuna, para que esses tenham acesso às informações referentes aos valores 
e à importância da língua Tikuna, da história de seus antepassados, dos fatos e dos mitos, 
trazendo, assim, de volta os saberes ancestrais e repassando essa memória para os filhos e na 
sala de aula com os alunos. 
92 
 
No caso da Escola Ebenezer, após esses 40 anos de funcionamento da educação indígena 
Tikuna dentro da comunidade, os professores e lideranças locais dialogaram sobre experiências 
e discutiram sobre a valorização da própria identidade na escola e na família. 
Com os resultados da pesquisa e da análise que realizei e que resultaram nesta dissertação, 
a Escola Ebenezer poderá ver amadurecida a modalidade diferenciada de ensino, visibilizada 
se todos os corpos humanos desta escola estiverem empenhados nos procedimentos 
pedagógicos traçados de modo contextualizado. Nas reuniões comunitárias e nos encontros 
pedagógicos da escola, que acompanhei, foram debatidos e discutidos temas vinculados à 
posição de que a escola indígena se tornará um espaço de ensino diferenciado, especifico, 
intercultural e bilíngue, quando suas práticas pedagógicas estiverem voltadas para os saberes 
de um povo. Além disso, os corpos docentes precisarão de uma formação especifica ou cursos 
voltados para as realidades do povo. Hoje, nos dias atuais, muitos acadêmicos indígenas que 
têm sua formação nas universidades dos não indígenas têm as suas experiências mais embutidas 
nos conhecimentos ocidentalizados e, quando retornam para suas aldeias, impõem os 
conhecimentos adquiridos na sua formação acadêmica, os quais, muitas vezes, interferem nas 
realidades dos discentes da escola. 
 
93 
 
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