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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE FACULDADE DE FARMÁCIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS FARMACÊUTICAS MARIANNE GRILO REZENDE Síntese e Avaliação Biológica de Tioureias Piperazínicas e Análogos da Fluoroamodiaquina para o Tratamento da Leishmaniose e da Malária Rio de Janeiro 2019 MARIANNE GRILO REZENDE Síntese e Avaliação Biológica de Tioureias Piperazínicas e Análogos da Fluoroamodiaquina para o Tratamento da Leishmaniose e da Malária Relatório apresentado à Banca de Acompanhamento do Programa de Pós-Graduação em Ciências Farmacêuticas da Faculdade de Farmácia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Ciências Farmacêuticas. Orientadores: Prof. Dr. Lucio Mendes Cabral Dr. Gil Mendes Viana Rio de Janeiro 2019 Rezende, Marianne Grilo R467s Síntese e Avaliação Biológica de Tioureias Piperazínicas e Análogos da Fluoroamodiaquina para o Tratamento da Leishmaniose e da Malária / Marianne Grilo Rezende. -- Rio de Janeiro, 2019. 379 f. Orientador: Lucio Mendes Cabral. Coorientador: Gil Mendes Viana. Dissertação (mestrado) - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de Farmácia, Programa de Pós-Graduação em Ciências Farmacêuticas, 2019. 1. antimaláricos. 2. leishmanicida. 3. núcleo piperazínico. 4. tioureias. 5. fluoroamodiaquina. I. Cabral, Lucio Mendes, orient. II. Viana, Gil Mendes, coorient. III. Título. CIP – Catalogação na Publicação Elaborado pelo Sistema de Geração Automática da UFRJ com os dados fornecidos pelo(a) autor(a), sob a responsabilidade de Miguel Romeu Amorim Neto - CRB- 7/6283. A Silvéria, Marina, Fellipe e Carlos Alberto (in memoriam). AGRADECIMENTOS A Deus que por ter me proporcionado tantas oportunidades e por ter me sustentado em todos os momentos difíceis, contribuindo para que eu alcançasse essa importante etapa da minha vida. À minha família, minha mãe, Silvéria, minha irmã, Marina, e meu namorado, Fellipe, por todo apoio depositado em mim, por todo amor, incentivo, compreensão e, principalmente, por acreditarem em mim e nos meus sonhos. Aos meus orientadores, Professor Doutor Lucio Mendes Cabral e Doutor Gil Mendes Viana pela oportunidade, apoio, paciência, confiança e contribuições fundamentais para que este trabalho pudesse ser realizado. Aos amigos do Laboratório de Tecnologia Industrial Farmacêutica da Faculdade de Farmácia da UFRJ pelo apoio e amizade, em especial a Dandara, Paloma, Priscila, Raphael e Raquel por todo apoio ao longo do desenvolvimento deste trabalho. Aos alunos de Iniciação Científica Filipe Fernandes e Mateus Fonseca, por toda ajuda, paciência e risadas mesmo nos momentos difíceis. Ao CNPq, CAPES e FAPERJ pelo apoio financeiro que foi fundamental para a realização deste projeto. E, em especial ao Dr. Gil Mendes Viana e a Dra. Ana Carolina Corrêa, que desde a minha Iniciação Científica vêm me proporcionando muito conhecimento e aprendizado ao longo de sete anos, se tornando verdadeiros amigos. RESUMO REZENDE, Marianne Grilo. Síntese e avaliação biológica de tioureias piperazínicas e análogos da fluoroamodiaquina para o tratamento da leishmaniose e da malária. Rio de Janeiro, 2019. Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-Graduação em Ciências Farmacêuticas, Faculdade de Farmácia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2019. A leishmaniose e a malária são consideradas problemas de saúde pública no mundo, afligindo principalmente países subdesenvolvidos, sendo responsáveis pelo comprometimento da qualidade de vida e morte de milhares de pessoas por ano. Os efeitos adversos dos fármacos preconizados para o tratamento, além do aumento da resistência dos protozoários aos mesmos, demonstram a necessidade do desenvolvimento de novas alternativas terapêuticas. Dessa forma, o presente trabalho tem como objetivo a síntese e a caracterização de 40 derivados de tioureia e 5 novos derivados da fluoroamodiaquina, visando a obtenção de novas moléculas com potencial atividade leishmanicida e antimalárica. Além disso, este trabalho visa à avaliação da atividade destes compostos frente às formas promastigota e amastigota de Leishmania amazonensis, avaliando também a toxicidade em macrófagos somada a avaliação da atividade antimalárica frente à cepa de Plasmodium falciparum sensível e resistente à cloroquina, bem como a inibição da formação da β- hematina e avaliação da citotoxicidade em células de ovário de hamster. As diferentes tioureias foram sintetizadas a partir de reações entre os isotiocianatos de fenila, benzila, feniletila ou trimetoxifenila com diferentes piperazinas. As reações foram conduzidas à temperatura ambiente utilizando CH2Cl2 como solvente sem purificação adicional dos produtos. Os análogos da fluoroamodiaquina foram obtidos partir de uma rota sintética, cuja 4-amino-2- (hidroximetil) fenol, foi obtida a partir da redução do álcool 2-fluoro-5- nitrobenzílico. Em seguida, tratou-se o 4-amino-2-(hidroximetil)fenol com quinolina, para se obter o {5-[(7-cloroquinolin-4-il)amino]-2-fluorofenil} metanol. Este intermediário foi submetido a refluxo, originando o 7-cloro-N-[3- (clorometil)-4-fluorofenil] quinolin-4-amino, o qual foi acoplado com diferentes piperazinas, obtendo-se os novos análogos. Todas as moléculas sintetizadas foram caracterizadas por RMN de 1H e 13C, IV, EMAR e ponto de fusão. As tioureias foram obtidas com excelentes rendimentos (67-99%), porém os análogos da fluoroamodiaquina apresentaram baixos rendimentos (37-77%). As atividades leishmanicida e antimalárica foram avaliadas por ensaios conduzidos in vitro, bem como os ensaios de citotoxicidade em macrófagos e em células de ovário de hamster. De uma forma geral, os compostos sintetizados apresentaram bons resultados de atividade biológica e baixo perfil de toxicidade, além dos análogos da fluoroamodiaquina apresentarem valores de inibição da formação da β-hematina semelhante à amodiaquina. Sendo assim, os resultados demonstraram que as moléculas sintetizadas são promissoras para o desenvolvimento de novas terapias para o tratamento da leishmaniose e da malária. Palavras-chave: antimaláricos, leishmanicida, núcleo piperazínico, tioureias, fluoroamodiaquina. ABSTRACT REZENDE, Marianne Grilo. Synthesis and biological evaluation of piperazine thioureas and fluoroamodiaquine analogs for the treatment os leishmaniasis and malaria. Rio de Janeiro, 2019. Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-Graduação em Ciências Farmacêuticas, Faculdade de Farmácia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2019. Leishmaniasis and malaria are considered public health problems in the world, afflicting mainly underdeveloped countries, being responsible for the quality of life and death of thousands of people per year. The adverse effects of the drugs recommended for the treatment, besides the increase of the resistance of the protozoa to the same, demonstrate the necessity of the development of new therapeutic alternatives. Thus, the present work aims to synthesize and characterize 40 thiourea derivatives and 5 new fluoroamodiaquine derivatives, aiming at obtaining new molecules with potential leishmanicidal and antimalarial activity. In addition, this work aims to evaluate the activity of these compounds against the promastigote and amastigote forms of Leishmania amazonensis, also evaluating the toxicity in macrophages together with the evaluation of the antimalarial activity against the sensitive and resistant chloroquine Plasmodium falciparum strain, as wellas the inhibition the formation of β-hematin and evaluation of cytotoxicity in hamster ovary cells. The different thioureas were synthesized from the reactions between the isothiocyanates of phenyl, benzyl, phenylethyl or trimethoxyphenyl with different piperazines. Reactions were conducted at room temperature using CH2Cl2 as the solvent without further purification of the products. Fluoroamodiaquine analogs were obtained from a synthetic route, which 4-amino-2-(hydroxymethyl) phenol was obtained from the reduction of the 2-fluoro-5-nitrobenzyl alcohol. The 4-amino-2-(hydroxymethyl) phenol was then treated with quinoline to give {5-[(7-chloroquinolin-4-yl) amino]- 2-fluorophenyl} methanol. This intermediate was refluxed to give 7-chloro-N-[3- (chloromethyl)-4-fluorophenyl] quinolin-4-amine, which was coupled with different piperazines to give the new analogues. All the synthesized molecules were characterized by 1H and 13C NMR, IR, HRMS and melting point. Thioureas were obtained in excellent yields (67-99%), but the fluoroamodiaquine analogs presented low yields (37-77%). Leishmanicidal and antimalarial activities were evaluated by in vitro assays as well as the cytotoxicity assays in macrophages and hamster ovary cells. In general, the synthesized compounds presented good biological activity and low toxicity profile. In addition fluoroamodiaquine analogs showing inhibition values of β-hematin formation similar to amodiaquine. Thus, the results demonstrated that the synthesized molecules are promising for the development of new therapies for the treatment of leishmaniasis and malaria. Key-words: antiplasmodial, leishmanicidal, piperazinic nucleus, thioureas, fluoroamodiaquine. LISTA DE FIGURAS Figura 1. Distribuição geográfica da leishmaniose ........................................ 21 Figura 2. Ciclo Biológico da leishmaniose ..................................................... 23 Figura 3. Estrutura molecular dos principais fármacos utilizados no tratamento da leishmaniose .............................................................................................. 27 Figura 4. Mecanismo de ação e de resistência dos antimoniais pentavalentes em formas amastigotas de Leishmania............................................................ 28 Figura 5. Mecanismo de ação e resistência da miltefosina, pentamidina e anfotericina B ................................................................................................... 30 Figura 6. Mudanças na incidência de malária pelo mundo entre os anos de 2000 – 2015 ..................................................................................................... 31 Figura 7. Casos confirmados de malária por Plasmodium vivax e Plasmodium falciparum no Brasil em 2016 .......................................................................... 32 Figura 8. Ciclo de vida do Plasmodium no hospedeiro humano .......................................................................................................................... 34 Figura 9. Perfil de ação dos principais fármacos utilizados para o tratamento da malária ............................................................................................................. 36 Figura 10. Alguns fármacos antimaláricos disponíveis comercialmente ......... 37 Figura 11. Estrutura química da quinina e de alguns derivados quinolínicos . 40 Figura 12. Exemplos de derivados quinolínicos com conhecida atividade leishmanicida ................................................................................................... 41 Figura 13. Estrutura 2D do heme e estrutura 3D do heme obtida por cristalografia e difração de raios-X .................................................................. 42 Figura 14. Representação gráfica da orientação de ligação da AQ na melhor solução obtida pela simulação de docking molecular ...................................... 43 Figura 15. Biotransformação do paracetamol e da amodiaquina (AQ) em quinonaiminas pelo citocromo P450 ................................................................ 45 Figura 16. Estrutura química da fluoroamodiaquina (FAQ) sintetizada por O’Neill e colaboradores e dos análogos da amodiaquina sintetizados por Guglielmo e colaboradores .............................................................................. 45 Figura 17. Derivados de tioureia previamente descritos como agentes antiprotozoários ............................................................................................... 48 Figura 18. Esquema geral para obtenção de tioureias ................................... 48 Figura 19. Compostos com promissora atividade leishmanicida e antimalárica contendo o núcleo piperazina em suas estruturas .......................................... 49 Figura 20. Principais alvos terapêuticos para o tratamento da malária .......... 50 Figura 21. Estrutura química dos compostos propostos por Sousa, 2012 ..... 52 Figura 22. Estrutura de compostos contendo o anel piperazínico na cadeia lateral ............................................................................................................... 53 Figura 23. Configuração da placa para o ensaio de pLDH ........................... 102 Figura 24. Fluxograma para o ensaio de avaliação da inibição da formação da β-hematina ..................................................................................................... 105 Figura 25. Gráficos obtidos no teste para verificação da inibição da formação da β-hematina ................................................................................................ 154 Figura 26. Gráficos obtidos no teste para verificação da inibição da formação da β-hematina ................................................................................................ 157 LISTA DE ESQUEMAS Esquema 1. Composto lead que apresentou atividade antiplasmódica e inibitória da proteína bomba de efluxo série de análogos quinolínicos proposta por Gemma e colaboradores ........................................................................... 51 Esquema 2. Síntese de tioureias a partir de isotiocianatos .......................... 108 Esquema 3. Mecanismo reacional proposto para obtenção das tioureias ........................................................................................................................ 110 Esquema 4. Obtenção das novas tioureias 3aa-aj a partir do BITC (1a) ..... 110 Esquema 5. Obtenção das novas tioureias 3ba-bl a partir do PITC (1b) ..... 114 Esquema 6. Obtenção das novas tioureias 3ca-ck a partir do PEITC (1c) .. 116 Esquema 7. Obtenção das novas tioureias 3da-dj a partir do TMPITC (1d) .118 Esquema 8. Esquema retrossintético para obtenção dos novos análogos da FAQ (9a, 9b, 9c, 9d, 9e) ................................................................................ 124 Esquema 9. Rota sintética para obtenção dos análogos da FAQ (9) ........... 125 Esquema 10. Redução do álcool 2-fluoro-5-aminobenzílico (5) ................... 126 Esquema 11. Reação de obtenção do {5-[(7-cloroquinolin-4-il)amino]-2- fluorofenil} metanol (7) ................................................................................... 129 Esquema 12. Mecanismo reacional proposto para obtenção do intermediário 7 ........................................................................................................................ 130 Esquema 13. Reação de obtenção do intermediário 7-cloro-N-[3-(clorometil)-4- fluorofenil] quinolin-4- amino (8) .................................................................... 133 Esquema 14. Mecanismo reacional proposto para obtenção do intermediário 8 ........................................................................................................................ 134 Esquema 15. Reação de obtenção dos novos análogos da FAQ (9a-e) ......136 Esquema 16. Mecanismo reacional proposto para obtenção dos análogos da FAQ 9a-e ....................................................................................................... 138 LISTA DE TABELAS Tabela 1. Rendimentos das reações para obtenção dos derivados da FAQ (9a- e) e seus respectivos pontos de fusão .......................................................... 143 Tabela 2. Valores de atividade antipromastigota de L. amazonensis (CI50), de atividade antiamastigota de L. amazonensis (CI50) e de toxicidade frente a macrófagos (CC50) ......................................................................................... 144 Tabela 3. Estrutura dos 10 derivados de tioureia no teste de triagem frente à forma promastigota ........................................................................................ 146 Tabela 4. Taxa de sobrevivência dos parasitas de P. falciparum (cepa CQS NF54) utilizando a concentração de 10 μg/mL dos derivados piperazínicos de tioureias ......................................................................................................... 150 Tabela 5. Atividade antiplasmódica (CI50, μM) dos derivados de tioureia e da cloroquina (CQ) .............................................................................................. 152 Tabela 6. Atividade antiplasmódica (CI50, μM) frente às cepas de P. falciparum NF54 sensível à CLQ e K1 resistente à CLQ dos análogos da FAQ (9a, 9b, 9c e 9e), da cloroquina (CQ), da amodiaquina (AQ), o Índice de Resistência (IR) calculado, os valores de CC50 (μM) obtidos para teste de citotoxicidade em Células de Ovário de Hamster (CHO) e o Índice de Seletividade (IS) calculado ........................................................................................................................ 155 Tabela 7. Valores de CI50 (μM) obtidos para teste de inibição da formação da β- hematina ........................................................................................................ 157 LISTA DE QUADROS Quadro 1. Exemplos de esquemas terapêuticos preconizados para o tratamento da malária ...................................................................................... 38 Quadro 2. Piperazinas utilizadas para obtenção das tioureias 3 .................. 109 Quadro 3. Piperazinas utilizadas para obtenção dos análogos da FAQ 9a-e ........................................................................................................................ 137 Quadro 4. Deslocamentos químicos dos derivados da FAQ 9a-e (RMN 1H) ........................................................................................................................ 141 Quadro 5. Deslocamentos químicos dos derivados da FAQ 9a-e (RMN 13C) ........................................................................................................................ 142 LISTA DE SIGLA E ABREVIATURAS AM – Antimoniato de Meglumina AQ – Amodiaquina AQQI – amodiaquinaquinonaimina ASQI - semiquinonaimina BITC – Isotiocianato de benzila CC50 – Concentração citotóxica para 50% da população CCF – Cromatografia em camada fina CCDP – Cromatografia em camada preparativa CI50 – Concentração de inibidor necessária para inibir 50% de um parâmetro CQ - Cloroquina CYP 450 - enzimas do complexo enzimático hepático citocromo P450 d – dupleto dd – duplo dupleto DMSO – dimetilsulfóxido DMSO-d6 – dimetilsulfóxido deuterado DNDi – Drugs for Neglected Diseases initiative DSC – Calorimetria exploratória diferencial DTN – Doença Tropical Negligenciada EMAR – Espectrometria de Massas de Alta Resolução FAQ – Fluoroamodiaquina HEPES – Ácido (4-(2-hidroxietil)-1-piperazinoetanossulfônico) HIV – Vírus da Imunodeficiência Humana HM – Hibridação Molecular IV – infravermelho J – constante de acoplamento m – multipleto MMV – Medicines for Malaria Venture MS – Ministério da Saúde LC – Leishmaniose Cutânea LM - Leishmaniose Mucosa LV – Leishmaniose Visceral OMS – Organização Mundial da Saúde P&D – Pesquisa e Desenvolvimento PEITC – Isotiocianato de feniletila p.f. – ponto de fusão PfCRT - P. falciparum chloroquine resistance transporter gene PfMDR1 - P. falciparum resistance transporter 1 PITC – Isotiocianato de fenetila q – quarteto qt - quinteto RMN de 13C – ressonância magnética nuclear de 13C RMN de 1H – ressonância magnética nuclear de 1H s – simpleto SAR – Relação Estrutura-Atividade sl – sinal largo sx - sexteto SUS – Sistema Único de Saúde t - tripleto t.a. – temperatura ambiente TMPITC – Isotiocianato de trimetóxifenila TMS – trimetilsilano VD – Vacúolo Digestivo SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO .............................................................................................. 18 1.1 LEISHMANIOSE ........................................................................................ 19 1.1.1 Vetores ................................................................................................... 20 1.1.2 Epidemiologia ....................................................................................... 20 1.1.3 Ciclo Biológico ...................................................................................... 22 1.1.4 Manifestações Clínicas ........................................................................ 23 1.1.4.1 Leishmaniose Cutânea ........................................................................ 24 1.1.4.2 Leishmaniose Mucosa ......................................................................... 25 1.1.4.3 Leishmaniose Visceral ......................................................................... 25 1.1.5 Tratamento ............................................................................................ 26 1.2 MALÁRIA ................................................................................................... 30 1.2.1 Epidemiologia ....................................................................................... 31 1.2.2 Ciclo Biológico ...................................................................................... 32 1.2.3 Manifestações Clínicas ........................................................................ 34 1.2.4 Tratamento ............................................................................................ 35 1.2.4.1 Derivados Quinolínicos ........................................................................ 39 1.2.4.1.1 Mecanismo de Ação dos Derivados Quinolínicos ............................. 41 1.2.4.1.2 Resistência do plasmódio aos derivados quinolínicos ...................... 43 1.2.4.1.3 Metabolismo e Toxicidade dos derivados quinolínicos ..................... 44 1.3 NOVAS ALTERNATIVAS TERAPÊUTICAS .............................................. 45 1.3.1 Compostos com Potencial Atividade Leishmanicida ........................ 45 1.3.1.1 Tioureias .............................................................................................. 47 1.3.2 Compostos com Potencial Atividade Antimalárica ........................... 49 1.3.2.1 Análogos da Amodiaquina ................................................................... 50 1.3.2.2 Derivados da Fluoroamodiaquina ........................................................ 52 1.3.2.3 Tioureias .............................................................................................. 54 2 OBJETIVOS ................................................................................................. 55 2.1 OBJETIVO GERAL .................................................................................... 55 2.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS ...................................................................... 55 3 MATERIAL E MÉTODOS .............................................................................56 3.1 OBTENÇÃO DAS TIOUREIAS .................................................................. 57 3.1.1 Procedimento representativo geral para obtenção das tioureias .... 57 3.2 Obtenção dos novos análogos da FAQ ................................................. 90 3.3. AVALIAÇÃO DA ATIVIDADE LEISHMANICIDA DOS DERIVADOS SINTETIZADOS ............................................................................................... 99 3.3.1 Avaliação da atividade antipromastigota dos derivados sintetizados .......................................................................................................................... 99 3.3.2 Avaliação da toxicidade in vitro dos derivados em macrófagos ..... 99 3.4. AVALIAÇÃO DA ATIVIDADE ANTIMALÁRICA, CITOTOXICIDADE E AVALIAÇÃO DA INIBIÇÃO DA FORMAÇÃO DA β-HEMATINA DOS DERIVADOS SINTETIZADOS ....................................................................... 100 3.4.1 Avaliação in vitro contra cepas de Plasmodium falciparum sensível e resistente à cloroquina ................................................................................ 100 3.4.1.1 Cultivo dos parasitas .......................................................................... 100 3.4.1.2 Ensaio de Lactato Desidrogenase do Plasmodium falciparum (pLDH) ........................................................................................................................ 101 3.4.2 Ensaio de Citotoxicidade utilizando Células de Ovário de Hamster (CHO) (Ensaio MTT) ..................................................................................... 103 3.4.3 Avaliação da inibição da formação da β-hematina .......................... 103 3.4.3.1 Fração Hb .......................................................................................... 103 3.4.3.2 Fração Heme ..................................................................................... 104 3.4.3.3 Fração Hz .......................................................................................... 104 3.4.3.4 Contagem celular utilizando Citometria de fluxo ................................ 104 4 RESULTADOS E DISCUSSÃO ................................................................. 106 4.1 SÍNTESE DAS TIOUREIAS PIPERAZÍNICAS (3) ................................... 107 4.2 SÍNTESE DOS NOVOS DERIVADOS DA FAQ (9) ................................. 123 4.3 AVALIAÇÃO DA ATIVIDADE LEISHMANICIDA DOS DERIVADOS DE TIOUREIA E DA FAQ SINTETIZADOS ......................................................... 143 4.4 AVALIAÇÃO DA ATIVIDADE ANTIMALÁRICA DOS DERIVADOS DE TIOUREIA E DA FAQ SINTETIZADOS ......................................................... 149 5 CONCLUSÕES ........................................................................................... 158 6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................... 160 APÊNDICE A - SEÇÃO DE ESPECTROS .................................................... 173 18 1 INTRODUÇÃO As doenças parasitárias ou parasitoses são doenças infecciosas causadas por protozoários ou metazoários. Atualmente atingem principalmente países subdesenvolvidos, afetando de forma negativa a qualidade de vida da população e o desenvolvimento econômico de muitos países (FRANÇA, SANTOS & FIGUEROA-VILLAR, 2008; NEVES, 2016). Fatores como clima, urbanização, desigualdades sociais, guerras, conflitos e pouco investimento no desenvolvimento de novas tecnologias que facilitem o diagnóstico e proporcionem um tratamento mais eficaz e seguro, são razões para ainda no século XXI as parasitoses serem objeto de tantos estudos. Entre os anos de 1990 e 2016 foi possível observar diminuições significativas em algumas doenças parasitárias, como por exemplo, a esquistossomose e a tripanossomíase africana humana, que tiveram quedas de 3% e 89% em suas prevalências, respectivamente. Por outro lado, a malária e a leishmaniose cutânea apresentaram aumentos de 15% na incidência e 117% na prevalência, respectivamente, enquanto que a leishmaniose visceral apresentou queda de 75% em sua incidência. Esses dados se tornam ainda mais substanciais quando consideramos que a população mundial teve um aumento de aproximadamente 5 para 7 bilhões durante os últimos 26 anos (HOTEZ, 2018). No Brasil, a malária e a leishmaniose são ainda problemas graves de saúde pública, sendo responsáveis pelo comprometimento da qualidade de vida e morte de milhares de pessoas por ano. Atualmente somente a leishmaniose é considerada como uma doença negligenciada, se enquadrando numa subdivisão feita pela Organização Mundial da Saúde (OMS) denominada de Doenças Tropicais Negligenciadas (DTN), grupo no qual são agregadas doenças transmissíveis que predominam nas regiões tropicais e subtropicais, acometendo mais de um bilhão de pessoas em 149 países. A malária por sua vez foi retirada desse grupo, pois vinha recebendo incentivos maiores em pesquisa e desenvolvimento (P&D) quando comparada às outras (WHO, 2018). A severidade dessas duas doenças está associada às condições socioeconômicas, políticas e ambientais (WHO, 2010). Somado a isso, as insuficientes terapias de alto custo ainda dependem da resposta imune do 19 hospedeiro e da suscetibilidade do agente causador, o qual já apresenta resistência a muitos fármacos de escolha (VOULDOUKIS et al., 2006; ZAULI- NASCIMENTO et al., 2010, WHITE, 2008; CUNICO et al., 2008). Sendo assim, o desenvolvimento de novas alternativas terapêuticas e novas formulações farmacêuticas visando à vetorização de fármacos se faz necessário. Programas de incentivo ao desenvolvimento de novas alternativas terapêuticas vêm sendo criados para contribuir com a P&D, como, por exemplo, o programa Drugs for Neglected Diseases (DNDi) e o Medicines for Malaria Venture (MMV), que buscam novas alternativas terapêuticas seguras, eficazes e acessíveis para milhões de pessoas acometidas por essas doenças (DNDi, 2018; MMV, 2018). 1.1. LEISHMANIOSE A leishmaniose é considerada um conjunto de doenças causadas por protozoários unicelulares e digenéticos (heteróxenos) do gênero Leishmania, pertencentes à ordem Kinetoplastida e à família Trypanossomatidae. Cerca de 20 diferentes espécies de Leishmania podem ser transmitidas a hospedeiros mamíferos através da picada de insetos hematófagos infectados conhecidos como flebotomíneos. A multiplicidade de agentes etiológicos, vetores, reservatórios e fatores ambientais proporcionam à doença características individuais em cada caso (ALTAMIRANO et al., 2003; RAMOS, et al., 2011; REY, 2008). É considerada também uma antropozoonose, pois o homem, quando entra no ciclo de transmissão do parasita, é hospedeiro acidental (BRASIL, 2006). Esses parasitas podem ser encontrados nas formas promastigota ou paramastigota flageladas livres ou aderidas ao trato digestório de hospedeiros invertebrados. A forma infectante para os hospedeiros invertebrados é a promastigota metacíclica, que possui flagelos com duas vezes o comprimento de seu corpo, permitindo uma alta mobilidade. Além disso, existe ainda a forma amastigota que pode ser encontrada no interior das células fagocitárias ou livres, possuindo também flagelo, porém sem exteriorização para além do corpo do parasita (NEVES, 2016). 20 O gênero Leishmania pode ser dividido em dois subgêneros, o Leishmania e o Viannia e sua diferenciação se dá através do seu desenvolvimento no vetor (WHO, 2010). Com isso, acredita-se que aproximadamente 14 espécies de Leishmania pertencentes a um desses dois subgêneros estão relacionadas à potencialidade de causar a doença (SILVEIRA et al., 2009). Dentre as espécies encontradas no Brasil temos a Leishmania (Leishmania) amazonensis e a Leishmania (Viannia) braziliensis. Na Europa, África e Ásia prevalece a Leishmania major (FELIZARDO et al., 2007). 1.1.1 Vetores Osvetores responsáveis pela veiculação da leishmaniose são insetos denominados flebotomíneos, pertencentes à ordem Díptera, família Psychodidae, subfamília Phlebotomine, gênero Lutzomyia, conhecidos popularmente como mosquito-palha, birigui, entre outros (BRASIL, 2007; NEVES, 2016). O desenvolvimento do vetor desde o ovo até o inseto ocorre em um período de aproximadamente 30 a 40 dias. As fêmeas são hematófagas obrigatórias, com atividade crepuscular e noturna, podendo realizar o repasto sanguíneo em várias espécies de animais vertebrados, inclusive em humanos, tendo um ciclo de vida de aproximadamente 20 dias (BRASIL, 2006). As principais espécies relacionadas à transmissão da leishmaniose Visceral (LV) são a Lutzomyia longipalpis e Lutzomyia cruzi, enquanto que as responsáveis pela transmissão da leishmaniose cutânea (LC) são L. flaviscutellata (vetor da L. amazonensis), L. whitmani, L. migonei, L. pessoai, L. intermedia, L. carrerai, Psychodopysgus wellcomei (vetores da L. braziliensis) e a L. umbratilis, L. anduzei, L. whitmani (vetores da L. guyanensis) (BRASIL, 2007). O vetor mais comumente encontrado nas regiões domiciliares e em abrigos de animais domésticos de áreas endêmicas é a L. intermedia, sendo rara sua presença no ambiente florestal (BRASIL, 2000). 1.1.2 Epidemiologia 21 Aproximadamente 12 a 15 milhões de indivíduos estão infectados com a doença, com 2,3 milhões de novos casos por ano em todo mundo (RAMOS et al., 2011). Segundo uma estimativa da WHO, 20.000 a 30.000 mortes ocorrerão em razão da leishmaniose no mundo, ainda que apenas uma pequena fração de indivíduos infectados venha a desenvolvê-la (WHO, 2016). A leishmaniose é encontrada em quatro continentes, afetando 98 países, onde 72 são considerados países em desenvolvimento e, destes, 13 estão entre os menos desenvolvidos do mundo. Mais de 90% dos casos registrados encontram-se em países da África, Ásia e América Latina (DNDi, 2018; PAOLUCCI et al. 2012). Sendo assim, pode-se dizer que a leishmaniose apresenta uma ampla distribuição geográfica, atingindo diversas pessoas em áreas de risco pelo mundo, o que torna claro a endemicidade desta patologia (Figura 1). Figura 1. Distribuição geográfica da leishmaniose (Adaptado de DNDi, 2016). No Brasil, a leishmaniose está presente em todos os estados, apresentando peculiaridades quanto aos vetores e espécies de Leishmania, devido às diferentes distribuições regionais e seus diversos determinantes ambientais, socioeconômicos e políticos (BRASIL, 2007). De acordo com o DNDi, o Brasil se encontra entre os 7 países mais afetados pela doença, se enquadrando juntamente com Bangladesh, Índia, Etiópia, Quênia, Nepal e Sudão, os quais juntos representam apresentando mais de 90% dos novos casos (DNDi, 2018). Com um aumento expressivo no número de casos nas últimas décadas, a doença constitui alvo de preocupação, não só pelas suas manifestações clínicas, mas também pelo reflexo que a mesma impõe no 22 campo social e econômico, já que, na maioria dos casos, pode ser considerada uma doença ocupacional, atingindo indivíduos em idade laboral (GIL et al., 2007; NAME & SAMPAIO, 2001; GONTIJO & CARVALHO, 2003). 1.1.3 Ciclo Biológico Quando a fêmea do flebotomíneo realiza o repasto sanguíneo no hospedeiro vertebrado infectado, acaba por ingerir macrófagos parasitados com as formas amastigotas do parasita. Estes, ao atingirem o tubo digestório do vetor, rompem, liberando as formas amastigotas que prontamente iniciam a diferenciação para a forma replicativa no hospedeiro invertebrado: a promastigota (Figura 2). As formas promastigotas diferenciam-se e colonizam o esôfago e faringe do vetor, permanecendo aderidas ao epitélio pelo flagelo. Neste local, dão origem a promastigotas metacíclicas, formas infectantes do parasita. Este ciclo se completa em aproximadamente 72 horas (BRASIL, 2006; REY, 2008). A infecção de hospedeiros vertebrados inicia-se quando a fêmea do flebotomíneo realiza o repasto sanguíneo, inoculando, juntamente com a sua saliva, as formas promastigotas metacíclicas no tecido subcutâneo do indivíduo. Essas formas parasitárias são então fagocitadas pelas células do sistema fagocitário mononuclear (macrófagos, monócitos, neutrófilos e células dendríticas), onde, no interior do vacúolo parasitóforo, diferenciam-se em amastigotas. Os parasitas intracelulares se multiplicam intensamente, ocasionando o rompimento das células infectadas. Essas formas parasitárias liberadas são fagocitadas por outras células, promovendo um ciclo contínuo (BRASIL, 2006; REY, 2008). 23 Figura 2. Ciclo Biológico da leishmaniose (Adaptado de CDC, 2015). 1.1.4 Manifestações Clínicas As leishmanioses podem ser transmitidas por aproximadamente 30 diferentes tipos de vetores flebotomíneos e mais de 20 espécies de parasitas, relacionadas ao homem (CHAPPUIS et al., 2007). As principais formas clínicas são determinadas pela espécie infectante, podendo ser: leishmaniose visceral (LV), leishmaniose cutânea (LC) e leishmaniose mucosa (LM) (OMS, 2010). A forma clínica manifestada no indivíduo infectado é determinada pelo tropismo da espécie envolvida, podendo ser viscerotropismo, dermotropismo ou mucotropismo. Além disso, o sistema imune do hospedeiro possui também um papel importante na manifestação clínica da leishmaniose, de modo que vários fatores podem afetar o processo durante a infecção por Leishmania, como por exemplo: a presença de citocinas no início da diferenciação celular, a influência de coestimuladores, ou mecanismos de sinalização diferenciados. Isso explica o aparecimento da forma mucosa da doença anos após o tratamento do episódio inicial de LC (NEVES, 2016). 24 1.1.4.1 Leishmaniose cutânea A LC acomete pele e mucosas, afetando primeiramente outros animais que não o homem, o qual é envolvido secundariamente (BRASIL, 2007). Apesar de não letal, a doença induz danos aos tecidos acometidos, comprometendo a vida social e a capacidade laborativa dos pacientes (BRASIL, 2006). O sintoma principal associado é a úlcera indolor localizada em áreas expostas da pele, com formato arredondado ou ovalado, podendo se manifestar de forma localizada, disseminada ou cutânea difusa (BRASIL, 2006). Apresenta base eritematosa, infiltrada e de consistência firme; bordas bem delimitadas e elevadas, fundo avermelhado e com granulações grosseiras. Infecções bacterianas associadas podem ser observadas, além da presença de eczemas na pele que rodeia a úlcera. Com características similares a outras patologias do tegumento, como hanseníase, infecções fúngicas, úlceras micobacterianas, entre outras, um diagnóstico diferencial se faz necessário, possibilitando uma correta conduta farmacológica e assim tratamento mais eficaz e seguro (WHO, 2006). Na leishmaniose localizada tem-se uma moderada hipersensibilidade gerada por células T, iniciando com uma pápula no local da inoculação, a qual cresce no decorrer de uma semana e atinge um tamanho final de 5 cm. Em casos de múltiplas lesões, as mesmas estão relacionadas a múltiplas inoculações pelo vetor (até 20 lesões), diferente da forma disseminada da doença (CAMARA et al., 2011; SILVEIRA et al., 2009; BRASIL, 2007). A forma disseminada é considerada rara, ocorrendo em apenas 2% dos casos. É caracterizada por lesões múltiplas papulares e de aparência acneiforme, envolvendo com freqüência a face e o tronco. Após o aparecimento da lesão primária surgem lesões ulceradas e pequenas, cuja disseminação pelo corpo se dá de forma hematogênica ou linfática, causando lesões distantes do local da picada (BRASIL, 2007). A forma cutânea difusa é também uma forma clínica rara, porém grave, pois está relacionada a pacientes com deficiências específicas na resposta imune celular ao parasita, evoluindo de forma lentacom formação de placas e múltiplos nódulos não ulcerados que recobrem grandes extensões cutâneas. 25 Enquanto que as formas localizadas e disseminadas respondem bem ao tratamento farmacológico, a forma difusa possui resposta pobre ou inexistente à terapêutica tradicional (CAMARA et al., 2011; SILVEIRA et al., 2009). 1.1.4.2 Leishmaniose mucosa A LM pode ser secundária à LC, de maneira metastática por disseminação hematogênica ou linfática, promovendo extensa destruição das cavidades oronasal e faríngea. Nesses casos, a doença pode ser denominada de LM tardia. Isso ocorre devido à evolução crônica sem tratamento ou com tratamento inadequado da LC. Podem ainda aparecer de forma concomitante, denominada forma muco-cutânea da doença. Em geral as lesões apresentam- se indolores, iniciando no septo nasal anterior cartilaginoso, próximo ao intróito nasal. Por ser de fácil visualização, compromete as relações sociais e o bem- estar dos indivíduos acometidos (BRASIL, 2007). Com isso, a LM pode se apresentar em sua forma mucosa tardia (secundária à LC), forma mucosa indeterminada (quando se apresenta clinicamente isolada, sem evidência de LC prévia), forma concomitante (muco- cutânea) ou primária (picada do vetor diretamente na mucosa ou semimucosa). De maneira geral, a LM está relacionada com as espécies L. braziliensis e L. guyanensis, encontradas na América, porém já existem casos registrados na África, Ásia e Europa, relacionados às espécies L. donovani, L. major e L. infantum, principalmente em pacientes imunodeprimidos (DESJEUX et al., 2004). 1.1.4.3 Leishmaniose visceral A LV, conhecida também como Calazar, é uma doença sistêmica e fatal se não tratada. O período de incubação pode durar de 10 dias a 24 meses e a manifestação dos sintomas da doença está associada a características imunológicas específicas de cada indivíduo. A doença é mais freqüente em crianças menores de 10 anos, o que é justificado pela imaturidade imunológica deste grupo populacional, sendo agravada pelo quadro de desnutrição comum nas áreas endêmicas. Em adultos, houve um aumento na incidência da 26 doença, podendo ser associado ao aumento do número de infecções pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV) e ao aumento do uso de imunossupressores para transplantes e quimioterapia (BRASIL, 2006). A LV pode ser dividida em três períodos: inicial, que apresenta como sintomas a febre, palidez cutâneo-mucosa e hepatoesplenomegalia; de estado, que é caracterizada pela ocorrência de febre irregular, emagrecimento progressivo, palidez cutâneo-mucosa e aumento da hepatoesplenomegalia, permanecendo com esse quadro clínico em torno de 2 meses; e final, que apresenta febre contínua e intenso comprometimento do estado geral, com quadro de desnutrição, edema dos membros inferiores, hemorragias, icterícia e ascite. Com frequência são relatados quadros de complicação de natureza infecciosa microbiana, os quais, se não tratados, podem evoluir para um quadro séptico com evolução fatal. As principais espécies envolvidas com a LV são: L. donovani e L. infantum (BRASIL, 2006). 1.1.5 Tratamento O primeiro grupo de fármacos a serem usados para o tratamento da leishmaniose tegumentar (que abrange a LC e LM) foram os compostos antimoniais trivalentes, os quais foram utilizados pela primeira vez no Brasil em 1913, por Gaspar Vianna. Na década de 40 surgiram os derivados pentavalentes (Sb+5), os quais são atualmente a primeira escolha para o tratamento da doença. No Brasil, está disponível para compra, além de ser distribuído pelo Ministério da Saúde e estar presente na Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (RENAME), apenas o antimoniato de meglumina (AM) (N-metilglucamina, Glucantime®) (Figura 3), que deve ser administrado por via intravenosa ou intramuscular (BRASIL, 2006; CROFT et al., 2002). 27 Figura 3. Estrutura molecular dos principais fármacos utilizados no tratamento da leishmaniose. Esses fármacos são considerados leishmanicidas, pois interferem no metabolismo bioenergético das formas amastigotas de Leishmania, inibindo mecanismo de glicólise e oxidação de ácidos graxos (Figura 4). Casos de resistência dos parasitas a esses fármacos já são relatados, o que determina a necessidade do aumento de doses e prolongamento do tratamento para alcance da efetividade terapêutica. Isso por sua vez acaba gerando efeitos tóxicos indesejados no indivíduo infectado, como complicações cardiovasculares, mialgias e artralgias, cefaleia, náuseas, vômitos, dor abdominal, dor e edema no local da aplicação, astenia, febre, exantema e urticária (BRASIL, 2006; MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2013). 28 Figura 4. Mecanismo de ação e de resistência dos antimoniais pentavalentes em formas amastigotas de Leishmania. Antimônios pentavalentes (SbV) entram tanto nos macrófagos como nas formas amastigotas internalizadas no fagolisossomo. A entrada de SbV em amastigotas é feita por intermédio de um transportador desconhecido, enquanto que a entrada de SbIII ocorre por meio do transportador aquagliceroporina AQP1. No interior do parasita o SbV pode ser convertido em SbIII por tióis, ou possivelmente pelas redutases ACR2 ou TDR1. O SbIII interage provavelmente com alguns alvos celulares, mas também pode formar conjugados com vários tióis. O conjugado metal-tiol gerado pode ser seqüestrado em uma organela pelo transportador MRPA ou expulso para fora da célula por um sistema de efluxo (Adaptado de Ouellette et al., 2004). Outros fármacos já vêm sendo utilizados como alternativa aos antimoniais, como, por exemplo: anfotericina B, miltefosina, pentamidina, entre outros (Figura 3). A anfotericina B possui excelente atividade leishmanicida frente à promastigotas e amastigotas, sendo considerada de segunda escolha aos antimoniais pentavalentes e primeira escolha em caso de pacientes grávidas. A anfotericina B interage com os esteróis substituídos na posição 24 (ergosterol e episterol), comuns na membrana dos parasitas (Figura 5). Os efeitos adversos mais comumente reportados são distúrbios renais, hipocalemia, disfunção hepática e depressão de medula óssea (MINISTÉRIO 29 DA SAÚDE, 2013). Devido a esses efeitos adversos, novas formulações foram desenvolvidas utilizando sistemas lipídicos capazes de formar micelas que seriam capturadas na circulação pelos fagócitos mononucleares, liberando o fármaco no interior das células infectadas, sendo um grande avanço no tratamento da leishmaniose, principalmente para a forma visceral da doença. Entretanto, o custo elevado do tratamento completo impossibilita seu uso nos serviços públicos de saúde, sendo indicado apenas para os casos graves de LV que desenvolverem toxicidade cardíaca ou insuficiência renal com uso dos antimoniais (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2013; LUCIA, 2010). As diamidinas aromáticas (pentamidina, isotionato de pentamidina e mesilato de pentamidina), também administradas por via intravenosa, apesar de apresentarem eficácia inferior comparada aos fármacos de primeira escolha e muitos efeitos adversos, vêm sendo utilizadas como segunda escolha para o tratamento da leishmaniose cutânea (BRASIL, 2007, SUNDAR et al., 2010). Ainda não possuem um mecanismo de ação definido, mas estudos indicam que essa classe se acumula na mitocôndria afetando a respiração celular. Outros estudos por sua vez indicam que a miltefosina atua impedindo a biossíntese da parede celular de em espécies de L. donovani, através da diminuição da concentração de fosfatidilcolina e aumento de fosfatidiletanolamina (Figura 5) (OUELLETTE et al., 2004, PINTO-MARTINEZ et al., 2018). O único fármaco oral utilizado no tratamento de todos os tipos de leishmaniose é a miltefosina, que atua sobre a membrana celular do parasita, alterando sua composição lipídica, permeabilidade e fluidez, induzindo à mortepor apoptose (Figura 5). Apesar disso, o mesmo apresenta variável perfil de atividade contra diferentes espécies de Leishmania spp., além de elevado tempo de meia-vida, o que acaba por gerar um acúmulo da Miltefosina no organismo durante o tratamento contribuindo para o desenvolvimento de efeitos tóxicos (náusea, vômitos, diarreia, teratogenicidade, entre outros) e resistência por parte do parasita, visto que o fármaco leva um tempo maior para ser eliminado do organismo, permanecendo em contato com o parasita por mais tempo (COSTA-FILHO et al., 2008; TANABE, 2011; DORLO, et al., 2012). 30 Figura 5. Mecanismo de ação e resistência da miltefosina, pentamidina e anfotericina B. (A) A miltefosina é absorvida por uma ATPase (oval) e as mutações pontuais neste transportador levam a uma diminuição no acúmulo do fármaco e à resistência. (B) A pentamidina é absorvida por um transportador (triângulo) não identificado, e se acumula somente na mitocôndria de células sensíveis. Pode ser externalizada por um transportador ABC (círculo). (C) A anfotericina B interage com esteróis a base de ergostano presente nas membranas (Adaptado de Ouellette et al., 2004). Dessa forma, casos de resistência aos fármacos utilizados para o tratamento da leishmaniose, a toxicidade gerada pelo tratamento prolongado e o alto custo associado ao tratamento completo levam à busca por novas moléculas candidatas a fármacos (SUNDAR & SINGH, 2018). 1.2 MALÁRIA A malária humana é uma doença tropical parasitária, cujos agentes etiológicos são protozoários do gênero Plasmodium, pertencentes ao filo Apicomplexa e família Plasmodiidae. As cinco espécies capazes de infectar o homem são: P. falciparum, P. vivax, P. malariae e P. ovale (2 espécies). Infecções pelo P. knowlesi (espécie que infecta primatas) já vêm sendo reportadas em regiões do leste asiático e da Ilha de Bornéu. O vetor biológico responsável pela transmissão aos hospedeiros vertebrados é a fêmea 31 hematófaga de insetos do gênero Anopheles. Dentre as espécies que infectam os seres humanos, o P. falciparum é a de maior importância clínica, por ser responsável pela malária severa, sendo muita das vezes fatal (REY, 2008; NEVES, 2016; FRANÇA, SANTOS & FIGUEROA-VILLAR, 2008, MMV, 2018). 1.2.1 Epidemiologia Entre os anos de 2001 e 2012, a malária foi responsável por aproximadamente três milhões de mortes em todo o mundo (WHO, 2013). Crianças menores de 5 anos de idade são as mais afetadas em regiões endêmicas, porém medidas preventivas vêm sendo adotadas ainda na gravidez, promovendo uma diminuição significativa no número de mortes de crianças, passando de 440.000 em 2010 para 285.000 em 2016 (WHO, 2016). Ainda no ano de 2016, foram confirmados 216 milhões de casos de malária e 445 mil óbitos, número semelhante ao obtido em 2015 (446.000 óbitos). A malária aflige 103 países no mundo, distribuídos pela África subsaariana, sudeste da Ásia e América do Sul (WHO, 2016) (Figura 6). Figura 6. Mudanças na incidência de malária pelo mundo entre os anos de 2000 – 2015 (World Malaria Report, 2015). 32 No Brasil, em 2016, foram registrados aproximadamente 125 mil casos, sendo a espécie P. vivax responsável por aproximadamente 89% e o P. falciparum por 11% dos casos notificados. A região Amazônica é considerada endêmica para malária, onde os estados que a constituem são: Acre, Amapá, Amazonas, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins (Figura 7). A maioria dos casos ocorre em áreas rurais, mas há registros da doença também em áreas urbanas (WHO, 2016). Figura 7. Casos confirmados de malária por Plasmodium vivax e Plasmodium falciparum no Brasil em 2016 (Adaptado de http://www.who.int/malaria/publications/country- profiles/profile_bra_en.pdf?ua=1). 1.2.2 Ciclo Biológico A malária humana inicia-se quando o anofelino infectado realiza a hematofagia no indivíduo saudável, inoculando as formas infectantes (esporozoítos) que estavam acumuladas em suas glândulas salivares (VALE, MOREIRA & GOMES, 2005; PRUDÊNCIO et al., 2006; NEVES, 2016). Os esporozoítos inoculados no tecido subcutâneo atingem os capilares sanguíneos, alcançam o fígado e invadem as células hepáticas, onde realizam o ciclo pré-eritrocítico. Nos hepatócitos, os esporozoítos se diferenciam em trofozoítos pré-eritrocíticos, que se multiplicam por reprodução assexuada (esquizogonia), dando origem aos esquizontes teciduais e posteriormente a milhares de merozoítos. Os merozoítos então rompem os hepatócitos e se direcionam às hemácias, em seguida as invadem, iniciando assim o ciclo eritrocítico. Alguns esporozoítos ficam em estado de latência no interior do http://www.who.int/malaria/publications/country-profiles/profile_bra_en.pdf?ua=1 http://www.who.int/malaria/publications/country-profiles/profile_bra_en.pdf?ua=1 33 hepatócito, ao invés de se multiplicar rapidamente. Com isso, são denominados hipnozoítos, sendo responsáveis pela reincidência tardia da doença (REY, 2008; NEVES, 2016) (Figura 8). No interior do eritrócito, os merozoítos se desenvolvem para as formas multinucleadas trofozoíto e esquizonte, que possuem um intenso ciclo metabólico. Após intensa reprodução, os esquizontes maduros rompem a membrana da hemácia liberando, na corrente sanguínea, numerosos merozoítos, encerrando o ciclo eritrocítico. Essas formas podem ainda invadir outros eritrócitos, completando, desta forma, o ciclo assexuado (CUNICO et al., 2008; NEVES, 2016) (Figura 8). À medida que a doença evolui, alguns merozoítos se diferenciam em estágios sexuados (gametócitos) no interior das hemácias, e com isso contaminam outros anofelinos. Estes, por sua vez, ao realizarem a hematofagia em pessoas infectadas, ingerem formas sanguíneas do parasita, como os gametócitos, que darão origem ao ciclo sexuado. Este se inicia no intestino médio do vetor, onde os gametócitos se transformam em macrogameta (feminino) e microgameta (masculino), e consequentemente tem-se a formação do zigoto. Após intensa replicação, ocorre a ruptura do mesmo e os esporozoítos são liberados, atingindo as glândulas salivares do inseto, de onde serão injetados durante o repasto sanguíneo infectante. Desta forma, garantem a continuidade do ciclo de contaminação e que a espécie se perpetue (REY, 2008; NEVES, 2016; MENÁRD, 2005) (Figura 8). 34 Figura 8. Ciclo de vida do Plasmodium no hospedeiro humano (Adaptado de http://www.cdc.gov/malaria/about/biology/). O ciclo eritrocítico ocorre sucessivas vezes, logo, essa constância é a responsável pelas crises febris e pela evolução da doença, sendo este processo um reflexo da resposta imunológica do paciente frente à infecção. Dependendo da espécie de plasmódio e da carga parasitária presente no indivíduo, a manifestação clínica da doença se dá de maneira diversa, sendo que quanto menor o intervalo da crise febril, maior a gravidade da doença (NEVES, 2016). 1.2.3 Manifestações Clínicas Os sintomas gerais apresentados inicialmente são cefaleia, mialgia, cansaço, náusea, vômito, diarreia e febre alta intermitente e irregular, acompanhada de calafrio e sudorese (NA-BANGCHANG & KARBWANG, 2009, NEVES, 2016), sintomas esses muito comuns em outras infecções, o que acaba por dificultar o diagnóstico clínico seguro. O ataque paroxístico agudo (acesso malárico), coincidente com a ruptura das hemácias ao final da esquizogonia, é geralmente acompanhado de calafrio, sudorese e febre. Após esse período incial a febre assume um caráter intermitente relacionado http://www.cdc.gov/malaria/about/biology/ 35 diretamente com o tempo de ruptura das hemácias envolvidas no ciclo biológico. Dessa forma, a periodicidade dos sintomas está intimamente relacionada com a duração dos ciclos eritrocíticos de cada espécie de plasmódio (48 horas para P. falciparum,P. vivax e P. ovale, e 72 horas para P. malarie) (NEVES, 2016). Em infecções por P. falciparum, mais conhecida como malária grave ou complicada, a doença pode evoluir para uma forma mais nociva, apresentando manifestações como malária cerebral, acidose metabólica, anemia grave, hemoglobinúria, hipoglicemia, icterícia, insuficiência renal e edema pulmonar agudo, podendo até mesmo culminar com o óbito do paciente (MILLER et al., 2002, NEVES, 2016). 1.2.4 Tratamento Atualmente, a quimioterapia antimalárica é baseada em fármacos sintéticos ou naturais, os quais são divididos em: esquizonticidas teciduais, que atuam sobre o ciclo esquizogônico hepático; os eritrocíticos, que atuam nas formas presentes nas hemácias; os fármacos gametócitos que combatem as formas sexuadas no indivíduo infectado; e, por fim, os fármacos esporonticidas, que são eficazes contra as formas esporozoítas. Para o tratamento da malária, devem ser levados em conta fatores como: gênero infectante, idade e peso do paciente, história de infecção anterior, condições associadas como a gravidez e a carga parasitária presente no indivíduo (Figura 9) (FRANÇA, SANTOS & FIGUEROA-VILLAR, 2008; REY, 2008). 36 Figura 9. Perfil de ação dos principais fármacos utilizados para o tratamento da malária (Adaptado de Kumar et al., 2018). Os fármacos utilizados para o tratamento da malária podem ser divididos em três grupos de acordo com a sua estrutura química: os compostos aril- aminoálcoois, que compreendem a quinina, quinidina, halofantrina, lumafantrina, cloroquina, amodiaquina, mefloquina, cicloquina, entre outros; os antifolatos, a exemplo do proguanil, pirimetamina, trimetropim, entre outros; e compostos de artemisinina (Figura 10) (KUMAR et al., 2018). 37 Figura 10. Alguns fármacos antimaláricos disponíveis comercialmente. Devido à complexidade da doença e suas manifestações clínicas, geralmente são utilizadas terapias combinadas. No Brasil, o Ministério da Saúde (MS), por intermédio da Funasa, editou em 2001 o Manual de Terapêutica da malária, contendo dez tabelas com esquemas terapêuticos padronizados de acordo com a faixa etária do paciente (Ministério da Saúde, 2006). De uma maneira geral, os mais utilizados no Brasil são: o esquema ACT (terapia combinada à base de artemisinina), cloroquina, primaquina ou a quinina associada a antibacterianos (como por exemplo, a clindamicina ou 38 doxicilina) (Quadro 1) (BRASIL, 2010; WHO, 2015). Através da Política Nacional de Tratamento da malária e do Guia Prático de tratamento da malária, os profissionais da saúde são orientados quanto à terapêutica, sendo os medicamentos antimaláricos utilizados em todo o território nacional distribuídos gratuitamente em unidades do Sistema Único de Saúde (SUS) (Ministério da Saúde, 2010). Quadro 1. Exemplos de esquemas terapêuticos preconizados para o tratamento da malária. Exemplos Esquemas Terapêuticos de Primeira escolha preconizados pelo MS Espécie(s) envolvida(s) na(s) infeccção(ões) Cloroquina + Primaquina P. vivax ou P. malarie Artemeter + Lumefantrina + Primaquina ou Artesunato + Mefloquina + Primaquina P. falciparum Artemeter + Lumefantrina + Primaquina ou Artesunato + Mefloquina + Primaquina Mista As condutas terapêuticas preconizadas têm um tempo de tratamento muito prolongado, o que acaba culminando na não aderência ao tratamento e consequente recrudescência da doença. Somada a isso, a resistência desenvolvida pelo parasita e a toxicidade gerada pelos fármacos dificulta a erradicação da malária. Todos esses fatores se agravam em áreas endêmicas, onde esses mesmos medicamentos são utilizados como quimioprofilaxia para a malária (NEVES, 2016). Para evitar o desenvolvimento de resistência aos principais medicamentos preconizados para o tratamento da doença, são utilizadas sempre terapias combinadas, o que dificulta mutações genéticas no parasita que culminem na ineficácia ao tratamento. Além disso, o uso de dois ou mais medicamentos permite um espectro mais amplo de ação, abrangendo mais espécies infectantes e atingindo as diferentes formas parasitárias de uma única vez. Sendo assim, a terapia combinada é mais efetiva, reduz a transmissão, minimiza a toxicidade gerada e previne a resistência do parasita (WHO, 2015). 39 1.2.4.1 Derivados Quinolínicos A casca da Cinchona sp., planta nativa da América do Sul, já era utilizada como tratamento para a febre pelos índios americanos. Os jesuítas então levaram algumas cascas dessa planta para a Europa em 1639, e somente em 1820 os químicos franceses Pierre Joseph Pelletier e Joseph Bienaime Caventou identificaram o alcaloide quinina como a substância ativa contra a malária presente na casca da Cinchona. Através dessa descoberta, a quinina passou a ser o principal quimioterápico utilizado no combate à malária (RUSSEL, 1955; FRANÇA, SANTOS & FIGUEROA-VILLAR, 2008). Com o tempo, a sua alta toxicidade e desenvolvimento de cepas resistentes promoveram uma redução em seu uso, e então começaram a surgir análogos sintéticos desta substância. Como a quinina pertence à classe das quinolinas, a grande maioria de antimaláricos desenvolvidos posteriormente, foram baseados nesse núcleo quinolínico (4-aminoquinolinas e 8- aminoquinolinas) presente na estrutura química da quinina (FRANÇA, SANTOS & FIGUEROA-VILLAR, 2008; VALE, MOREIRA & GOMES, 2005; NA- BANGCHANG & KARBWANG, 2009). O mais antigo do grupo das 8-aminoquinolinas é a pamaquina, sintetizada na Alemanha na década de 1920. Posteriormente surgiu a primaquina, a qual é utilizada até os dias de hoje em terapias combinadas. Com o passar dos anos outros derivados quinolínicos foram descobertos e sintetizados, como a cloroquina (CQ) (1930), amodiaquina (AQ) (1940) e mefloquina (1970) (Figura 11) (BURCKHALTER et al., 1948; O’NEILL, 1998; CUNICO et al., 2008; FRANÇA, SANTOS & FIGUEROA-VILLAR, 2008). 40 Figura 11. Estrutura química da quinina e de alguns derivados quinolínicos. Além disso, o núcleo quinolínico apresenta ainda outras atividades biológicas, como antiviral, antibacteriana, antifúngica, anti-inflamatória e antitumoral (COIMBRA et al., 2011). Sitamaquina e tafenoquina, ambas 8- aminoquinolinas, vêm sendo extensivamente testadas, devido a sua atividade leishmanicida (COIMBRA et al., 2016). Ademais, estudos anteriores demonstraram que a amodiaquina, um derivado 4-aminoquinolínico, apresenta boa atividade leishmanicida frente a diferentes espécies de Leishmania sp., em concentração micromolar (Figura 12) (COIMBRA et al., 2011; COIMBRA et al., 2013). 41 Figura 12. Exemplos de derivados quinolínicos com conhecida atividade leishmanicida. 1.2.4.1.1 Mecanismo de Ação dos Derivados Quinolínicos Um estudo feito em 1967, por Macomber e Sprinz, demonstrou que essa classe é capaz de se ligar a produtos de degradação da hemoglobina que surgem devido ao processo de obtenção de energia do parasita, ou seja, o grupamento heme (ferriprotoporfirina IX, Fe(III)FPIX). Isto ocorre, pois no ciclo eritrocítico, as formas merozoítas fazem intensa replicação, fazendo com que o parasita necessite de uma grande quantidade de nutrientes. Para obtenção destes, o protozoário degrada a hemoglobina humana, pois possui uma capacidade limitada para sintetizar aminoácidos. Essa degradação da hemoglobina libera o grupamento prostético heme, o qual é tóxico ao parasita por ser altamente reativo e eletrofílico, impedindo seu desenvolvimento e resultando em sua morte. Para contornar tal situação, o parasita possui um mecanismo de polimerização do heme em hemozoína ou β-hematina, um polímero cristalino, insolúvel e não reativo (Figura 13) (O’NEILL et al., 1998; EGAN, 2006; DE VILLIERS, MARQUES & EGAN, 2008). 42 N N N N Fe HO OOHO Figura 13. Estrutura2D do heme e estrutura 3D do heme obtida por cristalografia e difração de raios-X (Adaptado de YI, THOMAS & RICHTER-ADDO, 2011). Sendo assim, o mecanismo de ação dos derivados quinolínicos consiste no bloqueio da polimerização do grupamento heme, o qual por sua vez, livre no vacúolo digestivo (VD) do parasita, promove a morte celular por estresse oxidativo das membranas e biomoléculas do protozoário (SULLIVAN et al., 1996). A interação entre os fármacos 4-aminoquinolínicos e o heme é do tipo empilhamento π-π entre o núcleo quinolina e o anel da porfirina, e apresenta interação por ligação hidrogênio reforçada por uma interação iônica com o grupo carboxilato do grupo heme. Na Figura 14, podemos observar o resultado obtido por docking da AQ que apresentou as interações esperadas como reportado anteriormente na literatura (SOUSA, 2012; SOUSA et al., 2015). Os modelos analisados indicaram que os complexos apresentam interações estéricas e eletrônicas que podem fornecer elementos importantes que devem ser considerados no planejamento de novos antimaláricos (O’NEILL et al., 1998; MOREAU et al., 1985; VIPPAGUNTA et al., 1999, SOUSA et al., 2015). 43 Figura 14. Representação gráfica da orientação de ligação da AQ na melhor solução obtida pela simulação de docking molecular (Fonte: SOUSA et al., 2015). As linhas em azul representam as ligações hidrogênio. Os átomos de carbono estão representados em cinza, oxigênio em vermelho, nitrogênio em azul, ferro em rosa (os átomos de hidrogênio foram removidos para melhor visualização). As distâncias das ligações hidrogênio e interação do tipo empilhamento - do anel quinolina com o anel de porfirina estão assinaladas na figura. 1.2.4.1.2 Resistência do plasmódio aos derivados quinolínicos O principal mecanismo de resistência apresentado pelo parasita se dá por meio de mutações espontâneas e devido à pressão seletiva desencadeada pelo uso dos medicamentos sobre os parasitas sensíveis. Com isso, as taxas de cura sofrem declínio, e cada vez mais a pesquisa investe em novas terapias antimaláricas (WHITE, 2008; CUNICO et al., 2008; REY, 2008). A CQ possui caráter básico fraco, o que promove sua entrada no VD por difusão de gradiente de pH, uma vez que o VD do parasita apresenta pH na Ligação de Hidrogênio Empilhamento do tipo π-π entre o núcleo quinolina e o anel da porfirina 44 faixa de 5,6. Isso se dá pela atividade da proteína trocadora de Na+/H+. Assim, as células infectadas por parasitas resistentes à CQ apresentam um pH citoplasmático mais elevado do que os parasitas sensíveis, impedindo a entrada do fármaco no VD. Outro provável mecanismo, seria a diminuição da atividade da proteína trocadora de Na+/H+, que poderia promover uma diminuição do pH citoplasmático do parasita e, consequentemente o aumento do pH no VD, diminuindo a concentração de CQ no VD (WÜNSCH et al., 1998). Outro mecanismo ocorre pelo gene que confere a resistência ao P. falciparum à CQ (PfCRT do inglês, P. falciparum chloroquine resistance transporter gene) que decodifica uma bomba de efluxo, que exporta a CQ para fora do VD por meio de transporte ativo. A expressão de outra proteína transmembrana responsável por mecanismos de resistência é dada pelo gene que confere resistência a múltiplas drogas 1 (PfMDR1, P. falciparum resistance transporter 1). Genes semelhantes ao PfCRT também foram encontrados em outras espécies de plasmódio, como: P. vivax, P. yoelii, P. chabaudi, P. knowlesi, P. berghei. Assim, as proteínas decodificadas pelos genes PfCRT e PfMDR1 são determinantes para a susceptibilidade in vitro aos principais fármacos antimaláricos (VALDERRAMOS & FIDOCK, 2006; PETERSEN, EASTMAN & LANZER, 2011). 1.2.4.1.3 Metabolismo e toxicidade dos derivados quinolínicos Os derivados quinolínicos, como a cloroquina (CQ) e a amodiaquina (AQ), apresentam alta hepatotoxidade, podendo, em casos de superdosagem, culminar em necrose hepática medicamentosa irreversível. Isso ocorre devido à presença do grupo 4-para-aminofenol na cadeia lateral dessas moléculas o qual é oxidado metabolicamente à quinonaimina, podendo gerar metabólitos reativos como amodiaquinaquinonaimina (AQQI) ou semiquinonaimina (ASQI). Essa mesma toxicidade é apresentada pelo paracetamol, devido à oxidação do grupo 4-hidroxiacetoanilida a uma quinonaimina eletrofílica por uma reação catalisada por enzimas CYP450 (Figura 15). 45 Figura 15. Biotransformação do paracetamol e da amodiaquina (AQ) em quinonaiminas pelo citocromo P450 (Adaptado de O’NEILL et al., 1998). Devido a essa toxicidade, decorrente do processo de metabolização do grupo 4-para-aminofenol, via enzima citocromo P450, O’Neill e colaboradores (2009) sintetizaram análogos da AQ, substituindo o grupo hidroxila por um átomo de flúor, obtendo a fluoroamodiaquina (FAQ), composto que apresenta um perfil menos tóxico quando comparado à AQ (O’NEILL et al., 1998; O’NEILL et al., 2009) (Figura 16). Figura 16. Estrutura química da fluoroamodiaquina (FAQ) sintetizada por O’Neill e colaboradores (2009) e dos análogos da amodiaquina sintetizados por Guglielmo e colaboradores (2009), respectivamente. 1.3 NOVAS ALTERNATIVAS TERAPÊUTICAS 1.3.1 Compostos com Potencial Atividade Leishmanicida 46 Atualmente vêm sendo alvos de pesquisas os fitoterápicos com características farmacológicas relevantes para uso medicinal. Pode-se destacar como exemplo a Kalanchoe pinnata, espécie composta principalmente por triterpenos, esteróis e flavonóides, que apresenta atividade semelhante ao antimoniato de meglumina. A naftoquinona, um metabólito secundário do metabolismo das plantas, também vem apresentando atividade frente à triapanotiona redutase de L. donovani, induzindo à morte celular (SUNDAR & SINGH, 2018). Outro alvo é a pesquisa atrelada à Tecnologia Farmacêutica, principalmente ao desenvolvimento de nanossitemas que visem à liberação vetorizada do fármaco, diminuindo os efeitos adversos e aumentando sua eficácia. A anfotericina B lipossomal é um exemplo de formulação que utiliza a nanotecnologia como ferramenta para sua ação. Vacinas utilizando nano- formulações também vêm sendo extensivamente pesquisadas (SUNDAR & SINGH, 2018). As vias metabólicas do parasita também possuem importantes alvos terapêuticos a serem explorados. Um exemplo é a síntese de tripanotiona, componente encontrado exclusivamente no parasita e essencial para o mesmo. A tripanotiona redutase, tripanotiona sintase-amidase e a gutationil spermidina sintase são consideradas alvos para inibição da produção de tripanotiona. É possível citar ainda como promissores alvos terapêuticos a arginase, que atua impedindo o crescimento celular do parasita, a biossíntese de poliaminas, que promove a morte celular através da regulação da produção de espécies reativas de oxigênio, e a oligopeptidase (OPB), uma protease responsável pela regulação da produção de enolase do parasita (VIJAYAKUMAR & DAS, 2018). Existem ainda pesquisas envolvendo o uso de inibidores de peptidases, inibição da síntese de esterol, uso de antimicrobianos, proteossomas, inibição da secreção de proteínas, inibição de proteínas cinases, imunoterapias e alteração na homeostasia de ferro e cálcio (SUNDAR & SINGH, 2018, VIJAYAKUMAR & DAS, 2018). Ferramentas da Química Medicinal e estudos computacionais são importantes adjuvantes no desenvolvimento de novos candidatos a fármacos. Um exemplo é a hibridação molecular (HM), uma estratégia que consta na conjugação de estruturas, fragmentos ou grupamentos de compostos bioativos 47 distintos em uma única molécula, sendo uma alternativa eficaz para o planejamento de novos compostos. A HM pode estar baseada na junção de fármacos distintos ou degrupos farmacofóricos de fármacos distintos, de modo que a nova molécula formada é denominada de híbrido, a qual em geral, apresenta maior afinidade e eficácia que os compostos de origem. De uma forma geral, a HM tem como objetivo o sinergismo de ação farmacológica; uma terapia de dupla ação farmacológica; ou a modulação dos efeitos secundários indesejáveis. Com isso, pode-se perceber a importância dessa ferramenta e contribuição da mesma para a pesquisa e desenvolvimento de novos candidatos a fármacos (BARREIRO & FRAGA, 2008; NEPALI et al., 2014). Dessa forma, pode-se observar que muitos estudos vêm sendo desenvolvidos na tentativa de desenvolver novas terapias para o tratamento da leishmaniose. A combinação de terapias, utilizando diferentes mecanismos, para culminar na morte do parasita, vem proporcionando bons resultados, com boa tolerância e baixos efeitos adversos. Porém, isso não elimina a necessidade da busca por novos alvos terapêuticos, sendo essa a prioridade na tentativa de diminuir os índices da doença (SUNDAR & SINGH, 2018). 1.3.1.1 Tioureias As tioureias, classe de substâncias que contêm enxofre, são moléculas amplamente descritas na literatura, com diversas atividades biológicas, e por isso, têm sido aplicadas em diversos ramos da química. Graças ao seu grande potencial em Química Medicinal, as tioureias têm se mostrado promissores candidatos a fármacos, visto seu amplo espectro de atividades, como as atividades antimicrobiana (CUNHA et al., 2007), antimicobacteriana (PHETSUKSIRI et al., 1999), antialérgica e antiasmática (VENKATACHALAM et al., 2003), antagonista de receptores vanilóides (tratamento da dor crônica) (LEE et al., 2004) e atividade anti-HIV (VENKATACHALAM et al., 2004). Os derivados de tioureia têm sido também identificados como potentes agentes antiprotozoários. Alguns derivados já demonstraram suas atividades contra Plasmodium falciparum (GREENBAUM et al., 2004; SUNDURU et al., 2009), Trichomonas vaginalis (BHARTI et al., 2002), Trypanosoma cruzi (GREENBAUM et al., 2004; UPADHAYAYA et al., 2013), Leishmania infantum 48 (UPADHAYAYA et al., 2013) e Leishmania major (RAUF et al., 2015). A figura a seguir (Figura 17) mostra alguns exemplos de compostos com essas atividades. Figura 17. Exemplos de derivados de tioureia com atividade antiprotozoários. A busca pela síntese de moléculas bioativas como as tioureias se torna muito importante devido a gama de produtos sintéticos medicinalmente relevantes gerados por esse grupo (AGUIAR et al., 2011 e VIANA et al., 2013). Diversas metodologias sintéticas já foram descritas na literatura para a obtenção de tioureias, reportando inclusive suas vantagens e desvantagens. Dentre as principais metodologias, a mais utilizada é a que consiste na obtenção de tioureias a partir de isotiocianatos e aminas, sendo este método escolhido por apresentar altos rendimentos e a possibilidade de se obter uma grande diversidade de tioureias (Figura 18) (SCHROEDER, 1955). Figura 18. Esquema geral para obtenção de tioureias. 49 A incorporação do anel piperazínico se mostra como uma interessante alternativa, uma vez que esse anel heterocíclico está presente em moléculas com comprovada atividade leishmanicida in vitro para cepa de L. infantum (MAYENCE et al., 2004, BAREA et al., 2012), in vitro para L. major (TAHGHIGHI et al., 2011), em modelo in vivo contra cepa de L. infantum (MOWBRAY et al., 2015), contra a forma promastigota de L. donovani (ASHOK et al., 2017 e contra a forma promastigota de L. infantum (CHANDER et al., 2018), e antimalárica, inclusive com atividade promissora frente à cepa de P. falciparum resistente à cloroquina (SINHA et al., 2014, SINGH et al., 2017, PRETORIUS et al., 2013). A figura a seguir (Figura 19) mostra alguns exemplos de compostos com essas atividades. Figura 19. Compostos com promissora atividade leishmanicida e antimalárica contendo o núcleo piperazina em suas estruturas. 1.3.2 Compostos com Potencial Atividade Antimalárica Devido ao complexo ciclo biológico do parasita, novos alvos vêm sendo investigados na tentativa de contornar a problemática da resistência aos fármacos e visando a diminuição dos efeitos adversos. Alguns exemplos de alvos são demonstrados na figura a seguir (Figura 20), compreendendo etapas bioquímicas e metabólicas fundamentais ao Plasmodium sp. 50 Figura 20. Principais alvos terapêuticos para o tratamento da malária (Adaptado de Kumar et al., 2018). Como visto na Figura 20, diversos são os alvos moleculares que podem ser explorados na busca por novos candidatos a fármacos para a malária. Apesar disso, os mesmos esquemas terapêuticos são utilizados há anos, e poucos fármacos novos são de fato utilizados na terapêutica clínica da doença. Com isso, compostos que atuam na interferência da formação da hemozoína, como os derivados quinolínicos, são exemplos de fármacos que são ainda extensivamente utilizados e pesquisados (KUMAR et al., 2018). 1.3.2.1 Análogos da Amodiaquina A obtenção de novos derivados de AQ, visando à redução da toxicidade e à melhora do perfil terapêutico tornou-se alvo importante de estudos (CUNICO, et al., 2008; VALE et al., 2005; DELARUE-COCHIN et al., 2008; CASAGRANDE et al., 2008; O’NEILL et al., 2009). 51 Gemma e colaboradores (2012) realizaram o estudo de Relação Estrutura-Atividade (SAR) e metabolismo de compostos híbridos moleculares dos farmacóforos da cloroquina e clotrimazol, obtendo um composto com propriedade farmacológica e potencial terapêutico, sendo um bom ponto de partida para o desenvolvimento de novos candidatos a fármacos (composto lead). Nesse trabalho foram realizados estudos in silico, in vitro e in vivo, os quais indicaram que compostos com o anel piperazina na cadeia lateral apresentam atividade não só antiplasmódica como possível atividade inibidora da proteína bomba de efluxo (Esquema 1). Esquema 1. Composto lead que apresentou atividade antiplasmódica e inibitória da proteína bomba de efluxo série de análogos quinolínicos proposta por Gemma e colaboradores (GEMMA et al., 2012). A introdução do anel piperazina em moléculas contendo o núcleo quinolínico vem sendo investigada, pois estudos demonstram que, além da inibição do crescimento do parasita, esses compostos apresentam também inibição frente à formação da β-hematina. Sendo assim, novos candidatos a fármacos com melhor atividade antimalárica podem ser desenvolvidos (RYCKEBUSCH et al., 2003). 52 Nesse contexto, tendo em vista alternativas terapêuticas utilizando estratégias de modificação molecular, Guglielmo e colaboradores (2009) desenvolveram novos análogos da AQ que apresentavam o anel piperazina na cadeia lateral (Figura 16). Os compostos foram sintetizados e testados em duas cepas de P. falciparum: 3D7, uma cepa sensível a todos os fármacos antimaláricos, e K1, uma cepa proveniente da Tailândia resistente à CQ e pirimetamina. O referido trabalho resultou em compostos com atividade superior à amodiaquina contra plasmódios resistentes à cloroquina e demonstrou que mais estudos acerca desses novos análogos são necessários para o desenvolvimento de fármacos mais eficientes na busca da erradicação da malária (GUGLIELMO et al., 2009). Sousa e colaboradores (2015) realizaram estudos de modelagem molecular com os compostos sintetizados por Guglielmo e colaboradores (2009), aplicando a técnica de docking molecular no estudo da interação desses compostos com grupo heme. Dessa forma, foram estudados os tipos de interações envolvidas nos complexos e o arranjo conformacional entre os análogos da AQ e o grupo heme. Foi obtido um modelo robusto de interação desses análogos com o grupo heme, no qual o composto com melhor perfil de atividade antiparasitária apresentou um modo de interação semelhante
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