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1 Expressão da proteína heparanase em neoplasias pulmonares Teresa Cristina Fernandes dos Santos Dissertação de Mestrado apresentada como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Ciências Morfológicas RIO DE JANEIRO – outubro de 2011– UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO DE CIÊNCIAS BIOMÉDICAS DEPARTAMENTO DE HISTOLOGIA E EMBRIOLOGIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS MORFOLÓGICAS 2 Teresa Cristina Fernandes dos Santos Expressão da proteína heparanase em neoplasias pulmonares RIO DE JANEIRO – outubro de 2011– Dissertação de Mestrado apresentada no Programa de Pós-Graduação em Ciências Morfológicas da Universidade Federal do Rio de Janeira, como parte dos requisitos para a obtenção do título de Mestre em Ciências Morfológicas. Orientadora: Morgana Teixeira Lima Castelo Branco Laboratório de Imunologia Celular – Departamento de Histologia e Embriologia – Instituto de Ciências Biomédicas – Universidade Federal do Rio de Janeiro Co-orientador: Mauro Sérgio Gonçalves Pavão Laboratório de Tecido Conjuntivo – Instituto de Bioquímica Médica – Universidade Federal do Rio de Janeiro 3 dos Santos, Teresa Cristina Fernandes Expressão da proteína heparanase em neoplasias pulmonares / Teresa Cristina Fernandes dos Santos. Rio de Janeiro, 2011. 205 f Dissertação (Mestrado) – UFRJ/ Instituto de Ciências Biomédicas/ Programa de Pós- Graduação em Ciências Morfológicas, 2011. Orientadora: Morgana Teixeira Lima Castelo Branco Co-orientador: Mauro Sérgio Gonçalves Pavão 1. Câncer de pulmão. 2. Heparanase. 3. NSCLC. 4. SCLC. 5. Matriz extracelular. I. Castelo Branco, Morgana Teixeira Lima (Orient.). II. Pavão, Mauro Sérgio Gonçalves. III. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Instituto de Ciências Biomédicas. Programa de Pós-Graduação em Ciências Morfológicas. IV. Título 4 Expressão da proteína heparanase em neoplasias pulmonares Teresa Cristina Fernandes dos Santos Dissertação submetida ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Morfológicas da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos para obtenção do grau de Mestre em Ciências Morfológicas. Aprovada em 22 de agosto de 2011. Profª Morgana Teixeira Lima Castelo Branco (Programa de Glicobiologia – ICB – CCS – UFRJ) (Presidente da banca e orientadora) Profº Mauro Sérgio Gonçalves Pavão (Programa de Glicobiologia – IbqM – CCS – UFRJ) (orientador) Profª Silvana Allodi (Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho – CCS – UFRJ) Profª Raquel Ciuvalschi Maia (Programa de Pesquisa Clínica e Translacional em Hemato-Oncologia – INCa) Profº Heitor Siffert Pereira de Souza (Departamento de Clínica Médica – HUCFF – UFRJ) Profª Claudete Esteves Nogueira Pinto Klumb (Serviço de Hematologia – INCa) (suplente externa) Profª Maria Isabel Doria Rossi (Programa de Bioengenharia Tecidual – ICB – CCS – UFRJ) (revisora e suplente interna) 5 Este trabalho foi realizado no Laboratório de Imunologia Celular do Programa de Glicobiologia do Instituto de Ciências Biomédicas da UFRJ, sob orientação da Professora Morgana Teixeira Lima Castelo Branco e colaboração do Instituto de Doenças do Tórax do HUCFF da UFRJ. Contou com o apoio financeiro da CAPES e do Programa de Oncobiologia da UFRJ. 6 “Se um dia tiver que escolher entre o mundo e o amor... Lembre-se: se escolher o mundo ficará sem o amor, mas se escolher o amor, com ele conquistará o mundo.” Albert Einstein 7 AGRADECIMENTOS A Deus e ao mestre Jesus, fontes inesgotáveis de bênçãos e força. A minha orientadora professora Morgana Teixeira Lima Castelo Branco pelas oportunidades profissionais que tem me proporcionado durante todos esses anos. Ao meu co-orientador professor Mauro Sérgio Gonçalves Pavão por me “apresentar” a heparanase e, assim, possibilitar a formação e início do desenvolvimento de um projeto que me proporciona alegria e contentamento profissional e pessoal. Obrigada por me ensinar que fazer as perguntas para depois respondê-las é a base de nossa profissão. Ao professor Marcos Paschoal, do Instituto de Doenças do Tórax, do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, por fornecer as amostras e os dados dos pacientes. À professora Maria Isabel Doria Rossi, do Programa de Bioengenharia Tecidual pertencente ao Instituto de Ciências Biomédicas, pela excelente revisão deste trabalho. Aos patologistas drª Beatriz, drª Nathalie e dr Khalil, que revisaram as lâminas e aos técnicos Alyson e Cesônia, do Laboratório Multidisciplinar de Pesquisa, do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, pelo suporte indispensável para um trabalho bem realizado. Aos professores da banca examinadora, por aceitarem o convite e pela troca de informações essenciais para o aperfeiçoamento do nosso trabalho. Aos componentes do Laboratório de Imunologia Celular, em especial Josiane, Beatriz e Paulo pelos incentivos e pelo carinho de sempre. Ao meu marido Fernando, meu exemplo, meu melhor amigo, meu companheiro e grande incentivador desta minha escolha profissional. Muito obrigada pela paciência e dedicação. Aos meus pais, pela oportunidade de poder cumprir os deveres do ontem e do hoje. Aos amigos biomédicos e físicos, pelas demonstrações de amizade e pelas conversas alegres, quando podemos estar reunidos. À CAPES, pelo apoio financeiro, imprescindível para realização deste trabalho. 8 RESUMO O câncer de pulmão é a principal causa de mortes por câncer no mundo. A heparanase é uma endo-beta-D-glicuronidase que degrada as cadeias de heparan sulfato dos proteoglicanos de heparan sulfato da matriz extracelular, da membrana basal e da superfície celular alterando as interações célula-célula e célula-matriz. A atividade da heparanase e suas atividades não enzimáticas correlacionam-se com o potencial metastático de células derivadas de tumor, uma correlação que é atribuída à disseminação celular aumentada como uma consequência da clivagem do heparan sulfato e remodelamento da matriz extracelular. Esse trabalho abrangeu 32 casos de carcinoma de não-pequenas células (NSCLC), 5 carcinomas de pequenas células (SCLC) e os dados clínicos correspondentes. O carcinoma de não-pequenas células foi principalmente representado pelo adenocarcinoma, seguido pelo carcinoma escamoso. Em ambos os tipos de câncer de pulmão, prevaleceu o sexo masculino. A média de idade dos pacientes acometidos por NSCLC foi de 63,2 anos e dos pacientes acometidos por SCLC foi de 61,8 anos. Em relação ao tabagismo, a maioria dos casos de adenocarcinoma era de não- fumantes; os ex-fumantes prevalentemente desenvolveram o adenocarcinoma e o carcinoma escamoso; e os fumantes desenvolveram, principalmente, o carcinoma escamoso. Em relação à carga tabágica, os pacientes diagnosticados com NSCLC consumiram de 40-59 maços/ano e os diagnosticados com SCLC já desenvolveram a doença com um consumo de menos de 20 maços/ano. Em relação ao estadiamento (TNM), os casos de adenocarcinoma e carcinoma escamoso pertenceram prevalentemente ao grau IV, seguido pelo IB; os carcinomas de grandes células pertenceram prevalentemente ao grau IB. Através da imuno-histoquímica, a expressão de heparanasefoi detectada em 14 adenocarcinomas, 10 carcinomas escamosos, todos os carcinomas de grandes células e 4 carcinomas de pequenas células. A expressão de heparanase foi encontrada em todos os adenocarcinomas e correlacionou-se ao estágio IV dos carcinomas escamosos e aos estágios IA, IB e IIIB dos carcinomas de grandes células. A localização celular da heparanase nas células tumorais parece ter importância no desenvolvimento das neoplasias. A expressão de proteína também foi encontrada em macrófagos e células epiteliais pulmonares normais, sugerindo a importância desta molécula no mecanismo de desenvolvimento da neoplasia associado à inflamação crônica, uma consequência do tabagismo. Quando analisados separadamente os grupos NSCLC e SCLC, observou-se que houve uma tendência à correlação positiva entre a expressão de heparanase e os níveis mais elevados para o TNM, no grupo NSCLC. Dessa maneira, o estudo do papel da heparanase é interessante para um melhor entendimento do desenvolvimento e da progressão do câncer de pulmão, através de diferentes abordagens metodológicas e o aumento do número de casos. PALAVRAS-CHAVE: câncer de pulmão – NSCLC – SCLC – heparanase 9 SUMMARY Lung cancer is the leading cause of cancer mortality worldwide. Heparanase is an endo-beta- D-glucuronidase that degrades heparan sulfate glycosaminoglycan side chains of the proteoglycans in extracellular matrix, basement membrane and cellular surface altering cell- cell and cell-matrix interactions. Heparanase activity and its enzymatic-independent activities correlates with the metastatic potential of tumor-derived cells, a correlation that has been attributed to enhanced cell dissemination as a consequence of HS cleavage and remodeling of the extracellular matrix barrier. This work comprised 32 cases of nom-small cell lung cancer (NSCLC), 5 small cell lung cancers and the corresponding clinical data. The non-small cell lung cancer was principally represented by adenocarcinoma, followed by squamous carcinoma. Both types of lung cancer predominated in the male gender. The average age of patients that were taken NSCLC was 63,2 years and SCLC was 61,8 years. In relation to tabagism, the most of adenocarcinoma cases was nonsmokers; the former smokers predominating developed adenocarcinoma and squamous carcinoma; and the current smokers developed, principally, squamous carcinoma. In relation to tabagic loading, the NSCLC patients consumed 40-59 packs/year and the SCLC patients already developed the disease consuming less than 20 packs/year. In relation to TNM, the adenocarcinoma and squamous carcinoma cases predominant belongs to IV grade, followed by IB grade; the large cell carcinoma predominant belonged to IB grade. By means of immunohistochemistry, heparanase expression was detected in 14 adenocarcinomas, 10 squamous carcinomas, all large cell carcinomas and 4 small cell lung cancer. Heparanase expression was found in all adenocarcinomas and correlated with grade IV of squamous carcinomas and grades IA, IB and IIIB of large cell carcinomas. The cellular localization of heparanase seems to be important on the neoplastic development. The protein expression also was found in macrophages and normal pulmonary epithelial cells, suggesting the importance of heparanase in the neoplastic development mechanism associated to the chronic inflammation, a tabagism consequence. The statistical analyses showed that, when NSCLC and SCLC positive cases were considered in separated groups occurred a tendency to a significant result between the correlation heparanase expression and TNM; and, the heparanase expression only among the NSCLC cases would be participating of the developing of the disease and the highest TNM. Thus, the study of the heparanase role in lung cancer is interesting to a better understanding about the development e progression of the disease, through other methodological approaches and raising the number of the cases. KEYWORDS: lung cancer – NSCLC – SCLC – heparanase 10 LISTA DE FIGURAS Figura 1: Desenho esquemático representando a disposição geral do aparelho respiratório. Corte histológico de pulmão normal humano corado pela técnica de hematoxilina e eosina. Figura 2: Desenho esquemático anatômico dos pulmões esquerdo e direito. Figura 3: Peça plastinada mostrando a relação anatômica das subdivisões da árvore brônquica e dos vasos sanguíneos que entram e emergem dos pulmões. Figura 4: Cortes histológicos de carcinoma escamoso corados por hematoxilina & eosina. Figura 5: Cortes histológicos de adenocarcinoma corados por hematoxilina & eosina. Figura 6: Corte histológico de carcinoma de grandes células. Figura 7: Corte histológico de carcinoma de pequenas células. Figura 8: Tipos de câncer mais incidentes, estimados para o ano de 2010, na população brasileira, sem os casos de pele não-melanoma. Figura 9: Número de casos obtidos de cada neoplasia. Figura 10: Proporção entre os gêneros. Figura 11: Faixas etárias dos diagnósticos. Figura 12: História tabágica. Figura 13: Carga tabágica. Figura 14: TNM dos casos de NSCLC. Figura 15: Imunohistoquímica para a proteína heparanase em corte histológico de placenta. Figura 16: Controle negativo de um corte histológico de adenocarcinoma. Figura 17: Controle negativo de um corte histológico de carcinoma de grandes células. Figura 18: Controle negativo de um corte histológico de carcinoma escamoso. 11 Figura 19: Controle negativo de um corte histológico de carcinoma de pequenas células. Figura 20-44: Imunohistoquímica para a proteína heparanase em corte histológico de adenocarcinoma. Figura 45-57: Imunohistoquímica para a proteína heparanase em corte histológico de carcinoma escamoso. Figura 58-71: Imunohistoquímica para a proteína heparanase em corte histológico de carcinoma de grandes células. Figura 72-74: Imunohistoquímica para a proteína heparanase em corte histológico de carcinoma de pequenas células. Figura 75: Expressão da proteína heparanase nos casos de NSCLC e SCLC. Figura 76: Relação entre a expressão de heparanase e o TNM. Figura 77: Relação entre a extensão da doença e a expressão de heparanase. 12 LISTA DE TABELAS Tabela 1: Descrição dos dados clínicos obtidos para os casos de Adenocarcinoma. Tabela 2: Descrição dos dados clínicos obtidos para os casos de Carcinoma Escamoso. Tabela 3: Descrição dos dados clínicos obtidos para os casos de Carcinoma de Grandes Células. Tabela 4: Descrição dos dados clínicos obtidos para os casos de Carcinoma de Pequenas Células. Tabela 5: Descrição dos dados clínicos diagnóstico, óbito e sobrevivência obtidos para os casos de adenocarcinoma. Tabela 6: Descrição dos dados clínicos diagnóstico, óbito e sobrevivência obtidos para os casos de carcinoma escamoso. Tabela 7: Descrição dos dados clínicos diagnóstico, óbito e sobrevivência obtidos para os casos de carcinoma de grandes células. Tabela 8: Descrição dos dados clínicos diagnóstico, óbito e sobrevivência obtidos para os casos de carcinoma de pequenas células. Tabela 9: Descrição dos dados clínicos e da expressão de heparanase obtidos para os casos de Adenocarcinoma. Tabela 10: Descrição dos dados clínicos e da expressão de heparanase obtidos para os casos de Carcinoma Escamoso. Tabela 11: Descrição dos dados clínicos e da expressão de heparanase obtidos para os casos de Carcinoma de Grandes Células. Tabela 12: Descrição dos dados clínicos e da expressão de heparanase obtidos para os casos de Carcinoma de Pequenas Células. 13 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS AKT1- gene da proteína quinase serina/treonina1 ALK – quinase do linfoma anaplásico (quinase do linfoma anaplásico) BAP – benzopireno BRAF – homólogo B1 do oncogene viral v-raf do sarcoma murino BSA - albumina sérica bovina CAM-DR - resistência a drogas mediada por adesão celular CEP – Comitê de Ética em Pesquisa cDNA – DNA complementar DAB - tetrahidrocloreto de 3,3-diaminobenzidina DNA – ácido desoxirribonucleico DTH - hipersensitividade do tipo retardado EGF – fator de crescimento epidermal EGFR – receptor do fator de crescimento epidermal Egr1 – fator de resposta ao crescimento precoce 1 ER-alfa - receptor de estrogênio alfa ER-beta – receptor de estrogênio beta ERK – quinase regulada por sinal extracelular Ets – fator de transcrição Ets FGF 1 e 2 - fatores de crescimento de fibroblastos 1 e 2 fosfo-EGFR – receptor do fator de crescimento epidermal fosforilado 14 GAG – glicosaminoglicano GPI – glicosilfosfatidilinositol GST - glutationa-S-transferases GVHD - doença enxerto versus hospedeiro HB-EGF – fator de crescimento semelhante ao EGF ligador de heparina HER2 (ERB2) – homólogo 2 do oncogene viral v-erb-b2 da leucemia eritroblástica HGF - fator de crescimento de hepatócitos H2O2 – peróxido de hidrogênio HPSE – gene da heparanase HPSE1 – proteína heparanase 1 HPSE2 – gene da heparanase 2 HPV - vírus do papiloma humano HSGAG – glicosaminoglicano de heparan sulfato HSPG – proteoglicano de heparan sulfato HUCFF - Hospital Universitário Clementino Fraga Filho IARC - Agência Internacional para Pesquisa em Câncer IFN γ - interferon gama IGFR2 - fator de crescimento semelhante à insulina 2 INCa – Instituto Nacional do Câncer JSRV - retrovírus ovino Jaassieke KGF - fator de crescimento relacionado à queratina KRAS – gene do sarcoma Kirsten de rato 15 LDLR - receptor de lipoproteína de baixa densidade LRP1 - proteína relacionada ao receptor de baixa densidade 1 Lys158-Asp171 – lisina 158 – asparagina 171 MAP2K – proteína quinase ativada por mitógeno MEC – matriz extracelular MET - proto-oncogene met mRNA – RNA mensageiro NCI – Instituto Nacional do Câncer NIH – Instituto Nacional de Saúde NNK - nitrosaminocetona derivada da nicotina NSCLC – carcinoma de não-pequenas células OMS – Organização Mundial da Saúde PAH - hidrocarbonetos aromáticos policíclicos PDGF - fator de crescimento derivado de plaquetas PIK3CA - proto-oncogene da subunidade catalítica da proteína quinase do fosfatidilinositol 3 PKC α – proteína quinase C alfa Rac1 – substrato 1 da toxina botulínica C3 relacionada ao ras (família rho, pequena proteína de ligação ao GTP) RNA – ácido ribonucleico SCC – carcinoma escamoso SCLC – carcinoma de pequenas células siRNA – pequeno RNA de interferência SNP – polimorfismo de único nucleotídeo 16 SP1 – proteína específica 1; fator de transcrição Sp1 Src – família de proteínas tirosina quinases não receptoras proto-oncogenéticas TBS – Tris-borato-EDTA TGF- β - fator de crescimento transformador β TIM – isomerase triosefosfato (estrutura) TNF-α - fator de necrose tumoral alfa TNM - estadiamento tumoral TP53 – tumor protein 53 TRIS – hidroximetil aminometano VEGF - fator de crescimento endotelial vascular http://en.wikipedia.org/wiki/Triosephosphate_isomerase 17 SUMÁRIO 1 Introdução 1 1.1 Noções iniciais do aparelho respiratório e aspectos anatômicos 2 1.2 Classificação do câncer de pulmão, aspectos epidemiológicos gerais 4 1.2.1 Carcinoma broncogênico epidermóide ou carcinoma de células Escamosas ou carcinoma escamoso 5 1.2.1.1 Morfologia do carcinoma escamoso 5 1.2.2 Adenocarcinoma 6 1.2.2.1 Morfologia do adenocarcinoma 7 1.2.3 Carcinoma de grandes células 8 1.2.3.1 Morfologia do carcinoma de grandes células 8 1.2.4 Carcinoma indiferenciado de pequenas células (“oat cell”) 9 1.2.4.1 Morfologia do carcinoma de pequenas células 10 1.3 Epidemiologia do câncer de pulmão 11 1.4 Aspectos moleculares 12 1.5 O câncer de pulmão e sua associação com o fumo 14 1.6 O câncer de pulmão em não fumantes 16 1.7 A matriz extracelular 19 1.7.1 A constituição da matriz extracelular 19 1.7.1.1 Os glicosaminoglicanos (GAG) 20 1.7.1.2 Os glicosaminoglicanos de heparan sulfato e os proteoglicanos de heparan sulfato 21 1.7.1.3 Papel dos glicosaminoglicanos de heparan sulfato na biologia tumoral 23 1.8 A heparanase 25 1.8.1 Histórico 25 1.8.2 Propriedades moleculares e bioquímicas 26 18 1.8.2.1 Aspectos genéticos 26 1.8.2.2 Estrutura e processamento 28 1.8.2.3 Atividade da heparanase 29 1.8.3 Regulação da expressão da heparanase 29 1.8.3.1 Metilação do promotor e regulação dos fatores de transcrição 29 1.8.3.2 Regulação pela proteína p53 30 1.8.3.3 Regulação pelo TNFα e pelo INFγ 31 1.8.3.4 Regulação pelo estrogênio 31 1.8.3.5 Regulação pelos níveis de glicose 31 1.8.4 O papel não-enzimático da heparanase 32 1.8.5 Papel da heparanase em condições fisiológicas e patológicas 33 1.8.5.1 A heparanase na Biologia do Câncer e propriedades adesivas 35 1.8.5.1.1 Sinalização mediada pela heparanase: dependente e independente de heparan sulfato 37 1.9 Heparanase 2 40 2.0 A heparanase como marcador de invasividade tumoral e alvo terapêutico em câncer de pulmão 41 3 Objetivos 43 3.1 Objetivo geral 44 3.2 Objetivos específicos 44 4 Materiais e Métodos 45 4.1 Pacientes e dados clínicos 46 4.2 Amostragem e exame histológico 46 4.3 Preparação de lâminas silanizadas 46 4.4 Imunohistoquímica 47 4.5 Obtenção de imagens 49 4.6 Análise estatística 49 5 Resultados 51 5.1 Dados Clínicos 51 19 5.2 Expressão da heparanase por imunohistoquímica: análise qualitativa 64 5.2.1 Adenocarcinomas 68 5.2.2 Carcinomas escamosos 97 5.2.3 Carcinomas de grandes células 112 5.2.4 Carcinomas de pequenas células 125 5.3 Expressão da heparanase e dados clínicos 128 6 Discussão 140 6.1 Dados demográficos 140 6.2 Expressão da heparanase 142 6.2.1 Resultados qualitativos 144 6.2.1.1 A heparanase foi diferencialmente expressa no citoplasma das células neoplásicas e apresentou acúmulos na membrana plasmática 144 6.2.1.2 A expressão de heparanase está mais associada ao desarranjo das células neoplásicas do que à organização 146 6.2.1.3 A heparanase foi expressa nos núcleos das células neoplásicas 148 6.2.1.4 A expressão de heparanase apresentou-se em diferentes compartimentos celulares em diferentes estágios morfológicos das células neoplásicas 149 6.2.1.5 A expressão de heparanase ocorreu no epitélio pulmonar normal e no epitélio pulmonar hiperplásico 151 6.2.1.6 Os fibroblastos responsáveis pela reação desmoplásica característica dos tumores apresentaram-se marcados para heparanase 151 6.2.1.7 Diferentes populações de células inflamatórias expressaram heparanase 152 6.2.1.8 Células neoplásicas menos diferenciadas apresentaram uma maior expressão de heparanase do que as células neoplásicas mais diferenciadas 155 7 Conclusão 158 8 Perspectivas 160 9 Referências bibliográficas 163 20 INTRODUÇÃO 21 1 INTRODUÇÃO 1.1 Noções iniciais de aparelhorespiratório e aspectos anatômicos O aparelho respiratório é constituído pelos pulmões e um sistema de tubos que comunicam o parênquima pulmonar com o meio exterior. Duas porções são distinguidas no aparelho respiratório: uma porção condutora, que compreende as fossas nasais, nasofaringe, laringe, traquéia, brônquios e bronquíolos; e uma porção respiratória (onde ocorrem as trocas gasosas), constituída pelos bronquíolos respiratórios, ductos alveolares e alvéolos. A maior parte do parênquima pulmonar é constituída pelos alvéolos (Robbins & Cotran, 2010). A figura abaixo representa a disposição de seus elementos e um corte histológico de pulmão normal humano (Figura 1). Além de possibilitar a entrada e a saída de ar, a porção condutora exerce as funções de limpar, umedecer e aquecer o ar inspirado, protegendo o delicado revestimento dos alvéolos. Para assegurar a passagem contínua do ar, a parede da porção condutora é constituída por uma porção de cartilagem, tecido conjuntivo e tecido muscular liso, o que lhe proporciona suporte Figura 1: (A) Desenho esquemático representando a disposição geral do aparelho respiratório. Retirada de www.clinicadeckrs.com.br (B) Corte histológico de pulmão normal humano corado pela técnica de hematoxilina e eosina. Retirada de www.unifesp.br A B 22 estrutural, flexibilidade e extensibilidade. A mucosa da parte condutora é revestida por um epitélio especializado, chamado de epitélio respiratório (Junqueira & Carneiro, 2004). O pulmão é um órgão duplo, situado nos compartimentos laterais da caixa torácica e revestido pela pleura. Os pulmões são os órgãos vitais da respiração cuja função principal é oxigenar o sangue, colocando o ar inspirado em contato íntimo com o sangue venoso que circula nos capilares pulmonares. Em pessoas saudáveis são normalmente leves, macios, esponjosos e elásticos (Moore & Dalley, 2001). Os pulmões são separados um do outro pelo coração, pelas vísceras e pelos grandes vasos sanguíneos do mediastino. O pulmão apresenta uma região chamada hilo, onde entram e emergem os brônquios e os vasos sanguíneos (Moore & Dalley, 2001). As fissuras horizontal e oblíqua dividem os pulmões em lobos. O pulmão direito possui três lobos e o esquerdo, dois. O pulmão direito é maior e mais pesado do que o esquerdo, mas é mais curto e mais largo porque a cúpula direita do diafragma – músculo situado na base dos pulmões – é mais alta e o coração e pericárdio abaúlam-se mais para a esquerda (Moore & Dalley, 2001) (Figura 2). Os brônquios principais entram nos hilos dos pulmões e ramificam-se de maneira constante dentro deles, formando a árvore bronquial. Cada brônquio principal divide-se em Figura 2: Desenho esquemático anatômico dos pulmões esquerdo (A) e direito B) (Pinto, 2002). A B 23 brônquios lobares ou secundários, dois no lado esquerdo e três no direito, cada um dos quais supre um lobo do pulmão. Cada brônquio lobar divide-se em diversos brônquios segmentares ou terciários, que suprem os segmentos broncopulmonares, que é a maior subdivisão de um lobo. Além dos segmentares, estão 20 a 25 gerações de ramos que terminam em bronquíolos terminais. Cada bronquíolo terminal dá origem a diversas gerações de bronquíolos respiratórios e, cada um deles, fornece de 2 a 11 ductos alveolares, cada um dos quais origina de 5 a 6 sacos alveolares revestidos por alvéolos. O alvéolo é a unidade estrutural básica da troca gasosa no pulmão (Moore & Dalley, 2001). A figura 3 mostra, a partir de uma peça plastinada, as extensas ramificações das estruturas respiratórias, que são seguidas às ramificações dos vasos sanguíneos. 1.2 Classificação do câncer de pulmão e aspectos epidemiológicos gerais As neoplasias de pulmão consistem de quatro principais tipos e múltiplas formas mais raras, que ocorrem em menor proporção (Travis e col., 2004). Pelas suas características clínicas e patológicas, estes subtipos são agrupados em duas categorias: o carcinoma de pequenas células (SCLC); e o carcinoma de não-pequenas células (NSCLC), que compreende Figura 3: Peça plastinada mostrando a relação anatômica das subdivisões da árvore brônquica e dos vasos sanguíneos que entram e emergem dos pulmões. Disponível em: http:// www.divertecultural.com.br. 24 os subtipos carcinoma de células escamosas (SCC), o adenocarcinoma e os carcinomas de grandes células. Estes últimos compreendem um conjunto de outros tipos de tumores pouco ou não-diferenciados o que torna o critério de diagnose bastante variável (Sun e col., 2007). Todos estes carcinomas são, na prática, ditos broncogênicos já que são originários de componentes da árvore respiratória, dos brônquios terminais. A associação com o hábito de fumar é mais evidente para os carcinomas de pequenas células e para o carcinoma escamoso do que para o adenocarcinoma, que é a forma mais comum desenvolvida em não-fumantes (Motadi e col., 2007). 1.2.1 Carcinoma broncogênico epidermóide ou carcinoma de células escamosas ou carcinoma escamoso O carcinoma broncogênico epidermóide ou carcinoma escamoso é uma neoplasia originada no epitélio de revestimento e, de todos os carcinomas broncogênicos, é o que mais frequentemente se origina no hilo pulmonar. Apresenta incidência de 20% da população mundial, acometendo mais os indivíduos do sexo masculino (Horner e col., 2009; Paschoal, 2009). No desenvolvimento do carcinoma escamoso, causas oncogenéticas – resultantes de irritações crônicas, como as provocadas pelo fumo – convertem o epitélio brônquico normal pseudoestratificado cilíndrico ciliado com células caliciformes em lesões metaplásicas e displásicas, levando à emergência subsequente de um carcinoma in situ e, então, de um carcinoma de células escamosas patente (Murray & Nadel’s, 2005). 1.2.1.1 Morfologia do carcinoma escamoso O carcinoma escamoso é formado por células semelhantes as da camada espinhosa da epiderme. Apresentam núcleo volumoso, redondo ou ovalado e nucléolo geralmente evidente. 25 O citoplasma é acidófilo e abundante, com textura filamentosa. Algumas células exibem queratinização anômala (disceratose). Há moderado pleomorfismo e figuras mitóticas são comuns, sendo algumas atípicas. Em alguns casos é possível observar grande capacidade infiltrativa. Muitos dos grupamentos celulares apresentam regiões necróticas centrais, às vezes extensas. A figura 4 ilustra a morfologia geral de um carcinoma escamoso. 1.2.2 Adenocarcinoma Em geral, o adenocarcinoma origina-se de brônquios pequenos e periféricos, a partir do epitélio glandular. Apresenta incidência mundial de 37%, sendo mais comum entre as mulheres, com localização mais frequente nas regiões periféricas do aparelho respiratório (Horner e col., 2009; Paschoal, 2009). Figura 5 Figura 4: Cortes histológicos de carcinoma escamoso corados por hematoxilina & eosina. É possível notar a capacidade infiltrativa das células (A) assim como a formação da pérola córnea, constituída de queratina, característica dos tipos bem diferenciados. Aumentos de 100x (A) e 400 (B). Retirados de http://anatpat.unicamp.br A B 26 O adenocarcinoma é considerado desenvolvido, pelo menos em parte, de uma lesão precursora pré-maligna, a hiperplasia adenomatosa atípica (Murray & Nadel’s, 2005; Pankiewicz e col., 2007). 1.2.2.1 Morfologia do adenocarcinoma As células neoplásicas que formam o adenocarcinoma são colunares, formando uma camada única e estruturas glandulares; daí o termo adenocarcinoma. Em certas regiões do tumor, as células descamam e preenchem parcialmente a luz das cavidades. Há formação de atipias nucleares e figuras mitóticas mais difíceis de serem observadas. O adenocarcinoma pulmonar demonstra as característicasinvasivas próprias das neoplasias em geral: progride por continuidade, alvéolo a alvéolo, “atapetando” os espaços alveolares. Além disso, penetra em vasos linfáticos, através dos quais pode propagar-se à pleura e a linfonodos hilares, originando metástases. As células de origem estão localizadas nas pequenas vias aéreas (bronquíolos), por isso a localização tende a ser na periferia do pulmão (Queiroz & Paes, 2007). A figura abaixo apresenta cortes histológicos que exemplificam a morfologia de um adenocarcinoma bem diferenciado (Figura 5). Figura 5: Cortes histológicos de adenocarcinoma corados por hematoxilina & eosina. Nota-se o arranjo glandular de suas células. Aumentos de 200x (A) e 400 (B). Retirados de http://anatpat.unicamp.br A B 27 1.2.3 Carcinoma de grandes células O carcinoma de grandes células apresenta incidência mundial de 4%, sendo mais associado ao fumo (Horner e col., 2009; Paschoal, 2009). Esse tipo de tumor geralmente surge perifericamente, logo desenvolvendo metástases. Seus principais subtipos são o neuroendócrino, basilóide, de células de Clara, rabdóide e semelhante ao linfoepitelioma (Motadi e col., 2007). 1.2.3.1 Morfologia do carcinoma de grandes células O carcinoma de grandes células apresenta características citológicas e teciduais similares aos carcinomas escamosos pouco diferenciados ou adenocarcinomas (Motadi e col., 2007). As células do carcinoma de grandes células apresentam citoplasma abundante, em formatos poligonais cujo crescimento segue o chamado padrão organóide, exibindo áreas em forma de roseta e extensas áreas de necrose (Figura 6). Alguns estudos mostram que esses tumores seriam provenientes de células iniciadoras ou células-tronco epiteliais brônquicas, que apresentam a capacidade de se diferenciarem e se transformarem em células tumorais com características citológicas de qualquer um desses subtipos citados (Gustafsson, 2008). 28 1.2.4 Carcinoma indiferenciado de pequenas células (“oat cell”) O carcinoma de pequenas células é uma neoplasia de extrema malignidade, derivada de células neuroendócrinas da mucosa brônquica. Estas células regulam a microfisiologia do tecido, controlando eventos como a vasodilatação e vasoconstrição locais, secreção de glândulas, contração da mucosa lisa entre outras atividades. Atuam de maneira parácrina, secretando pequenas quantidades de mediadores químicos que atuam, apenas, na vizinhança (Queiroz & Paes, 2007). Como o carcinoma escamoso, localiza-se preferencialmente na região hilar. Seu prognóstico é extremamente desfavorável, sendo muito propenso à metastatização precoce. O tratamento cirúrgico não é recomendado já que não aumenta substancialmente a sobrevida do indivíduo. A quimioterapia e a radioterapia são paliativos (Queiroz & Paes, 2007). Apresenta incidência de 14% (Horner e col., 2009; Paschoal, 2009). Figura 6: Corte histológico de carcinoma de grandes células. É possível observar células em formas poligonais, com citoplasma abundante. Aumento de 200x (A) e 1000x (B). A figura b foi retirada de http://anatpat.unicamp.br A B 29 1.2.4.1 Morfologia do carcinoma de pequenas células O carcinoma de pequenas células é uma neoplasia indiferenciada, que apresenta células pequenas, com núcleos arredondados ou ovalados, classicamente comparados a grãos de areia (“oat cell”). Suas células apresentam citoplasma escasso, com limites indefinidos, cromatina densa e, geralmente, não sendo possível visualizar bem o nucléolo. São comuns figuras mitóticas, assim como áreas de necrose, pequenas ou extensas. As células estão compactamente arranjadas, sem formar estruturas características (Queiroz & Paes, 2007). A figura 7 apresenta cortes histológicos de um carcinoma de pequenas células. A B Figura 7: Corte histológico de carcinoma de pequenas células. É possível observar a ausência de organização das células, com citoplasma escasso. Aumento de 200x (A) e 400x (B). Retirados de http://anatpat.unicamp.br 30 1.3 Epidemiologia do câncer de pulmão Segundo recente relatório da Agência Internacional para Pesquisa em Câncer (IARC/OMS, International Agency Research in Cancer/OMS, 2008), o impacto global do câncer mais que dobrou em 30 anos. O contínuo crescimento populacional, bem como seu envelhecimento, afetará de forma significativa o impacto do câncer no mundo. Esse impacto recairá principalmente sobre os países de médio e baixo desenvolvimento. A IARC/OMS estimou que metade dos casos novos e cerca de dois terços dos óbitos por câncer ocorrerão nessas localidades. Em 2008, a IARC/OMS estimou que ocorreriam 12,4 milhões de casos novos e 7,6 milhões de óbitos por câncer no mundo. Destes, os mais incidentes foram o câncer de pulmão (1,52 milhões de casos novos), mama (1,29 milhões) e cólon e reto (1,15 milhões). Devido ao mau prognóstico, o câncer de pulmão foi a principal causa de morte (1,31 milhões), seguido pelo câncer de estômago (780 mil óbitos) e pelo câncer de fígado (699 mil óbitos). Para América do Sul, Central e Caribe, estimou-se em 2008 cerca de um milhão de casos novos de câncer e 589 mil óbitos. Em homens, o mais comum foi o câncer de próstata, seguido por pulmão, estômago e cólon e reto. Nas mulheres, o mais frequente foi o câncer de mama, seguido do colo do útero, cólon e reto, estômago e pulmão (IARC/OMS, 2008). Segundo a “Estimativa de Incidência de Câncer no Brasil 2010” do Instituto Nacional do Câncer (INCa), válidas também para o ano de 2011, apontam que ocorrerão 489.270 casos novos de câncer. Estima-se que o câncer de pele do tipo não-melanoma (114 mil casos novos) será o mais incidente na população brasileira, seguido pelos tumores de próstata (52 mil), mama feminina (49 mil), cólon e reto (28 mil), pulmão (28 mil), estômago (21 mil) e colo do útero (18 mil) (Noronha e col., 2010). Sabe-se que há uma variação na distribuição geográfica desses tumores, porém observa-se uma tendência mundial na diminuição dos SCC e um aumento patente dos 31 adenocarcinomas (Grabrielson, 2006). Os carcinomas de não-pequenas células apresentam uma maior incidência mundial e os carcinomas de pequenas células uma menor incidência, contando com 15% da população (NCI, National Cancer Institute, 2011). O gráfico a seguir estima a importância que o câncer de pulmão apresenta na população brasileira (Figura 8). Esses dados corroboram a condição atual do câncer de pulmão, dentro do quadro das neoplasias humanas conhecidas, como o principal causador de óbitos entre homens e mulheres. 1.4 Aspectos moleculares Estudos moleculares mostraram que os cânceres patentes carregam alterações epigenéticas – fatores externos que atuam no material genético, como o fumo – e genéticas Figura 8: Tipos de câncer mais incidentes, estimados para o ano de 2010, na população brasileira, sem os casos de pele não-melanoma (Noronha e col., 2010). 32 múltiplas, resultando na inativação dos genes supressores de tumor e ativação de oncogenes, durante a iniciação da carcinogênese e progressão subsequente da neoplasia. Muitos desses genes alterados são conhecidos por atuarem na regulação da progressão do ciclo celular direta ou indiretamente. Uma proporção considerável desses genes relacionados ao câncer é de componentes dos checkpoints do ciclo celular. Estudos mostraram que as neoplasias pulmonares dividem mudanças cromossômicas similares, porém apresentam certas alterações cromossômicas características de tipos histológicos específicos. A presença de aberrações cromossômicas é uma das marcas de distinção das células neoplásicas e a instabilidade cromossômica tem sido mostrada em muitas neoplasias humanas, inclusive a de pulmão(Murray & Nadel’s, 2005). Em termos moleculares, há uma predisposição ao câncer, herdada, na qual um indivíduo receberia uma cópia de um gene supressor de tumor normal e uma cópia mutada; e uma não predisposição, quando o desenvolvimento de tumores está relacionado à aquisição de mutações somáticas em ambos os alelos do gene supressor de tumor. Em adição às alterações genéticas e na expressão dos genes, há as alterações no padrão de metilação do DNA, um processo epigenético presente em células de mamíferos, constituindo uma marca adicional importante do câncer de pulmão. Além disso, estudos mostram que mutações nos genes EGFR, KRAS, ALK, HER2 (ERB2), BRAF, PIK3CA, AKT1, MAP2K1 e MET estão diretamente envolvidas no desenvolvimento do carcinoma pulmonar (Pao e col., 2011). Diferenças em alterações dos mecanismos moleculares relacionados a estes genes têm sido encontradas entre as neoplasias de pulmão de fumantes e não-fumantes, evidenciando que eles se desenvolvem por diferentes mecanismos moleculares (Sharma e col., 2007; Shigmatsu & Gazdar, 2006; Le Calvez e col., 2005). 33 1.5 O câncer de pulmão e sua associação com o fumo O hábito de fumar está definitivamente associado ao risco do desenvolvimento de todos os tipos de câncer de pulmão, tornando-o, assim, uma patologia altamente prevenível (Mc Cormack, 2011; Parkin, 2005). Um indivíduo é considerado fumante quando mantém o hábito de fumar ou quando o abandonou nos últimos 12 meses (1 ano) (Sun e col., 2007). O risco dos fumantes em desenvolver tumores de pulmão é de 10 a 20 vezes maior do que os não-fumantes (NIH, National Cancer Institute, 2011). Duarte e colaboradores (2008), avaliando o impacto do hábito de fumar na resposta à quimioterapia observaram que os pacientes que consumiam um número igual ou maior de 40 maços de cigarro anualmente, apresentavam uma resposta pior ao tratamento em comparação àqueles que consumiam menos maços. Foi hipotetizado que a produção e o uso, em muitos países, de cigarros com baixo teor de nicotina e alcatrão gerou uma atitude compensatória por parte dos fumantes, alterando seus hábitos de fumar o que resultou em mudanças na localização anatômica da neoplasia e nos tipos histológicos desenvolvidos (Grabrielson, 2006; Gray, 2006; Shields, 2002; Stratton e col, 2001). Os carcinógenos relacionados ao fumo atuam nas vias aéreas centrais e periféricas (Sun e col., 2007). A fumaça do cigarro contém mais de 60 substâncias químicas identificadas como carcinógenos pela Agência Internacional para Pesquisa em Câncer (IARC). Destes, os carcinógenos mais potentes são os hidrocarbonetos aromáticos policíclicos (PAH), tais como o benzopireno (BAP) e a nitrosamina – substância química que também pode ser encontrada em vários alimentos – específica do tabaco conhecida como nitrosaminocetona derivada da nicotina (NNK). Enzimas tais como o citocromo P450, catalisam a adição de um átomo de oxigênio ao carcinógeno aumentando sua solubilidade em água, tornando-o mais excretável. 34 Outras enzimas atuam neste processo de excreção tais como as glutationa-S-transferases (GST). Entretanto, alguns dos intermediários formados pelas enzimas P450 são eletrofílicos e reativos. Tais metabólitos reativos podem se ligar covalentemente ao DNA em sítios específicos, podendo levar as células a apoptose ou serem removidos pelo sistema de reparo de excisão de nucleotídeos. Se ambos os eventos falirem, podem ocorrer mutações nos genes KRAS e TP53, que são eventos-chave na patogênese do câncer de pulmão. Essas mutações podem resultar, inclusive, em instabilidade genômica, iniciando várias mudanças genéticas encontradas na maioria dos tumores de origem epitelial (Sun e col., 2007). A relação entre a inalação da fumaça de tabaco ambiental (ETS) e o risco de desenvolver câncer de pulmão tem sido amplamente estudada. A ETS é uma mistura da fumaça resultante da queima do tabaco – proveniente dos cigarros, charutos e cachimbos – e daquela exalada, expirada pelos fumantes. Quando um indivíduo inala esta combinação de substâncias existente nos mais diversos ambientes, passa a ser denominado fumante involuntário ou passivo. O principal componente da ETS é a fumaça resultante da queima do tabaco, que se apresenta diluída no ar e é constituída das mesmas substâncias tóxicas e carcinógenos que são inalados pelo fumante ativo, embora as proporções devam variar. Diversos estudos oficializaram a ETS como um carcinógeno humano (NIH, 2006; IARC, 2004). Porém, os estudos ainda indicam que a ETS é um carcinógeno relativamente fraco e muitos dos tumores de pulmão não teriam sua origem por ela justificada (Sun e col., 2007). Al-Delaimy e Willet (2011) estudaram a associação dos níveis de nicotina das unhas dos dedos do pé com o risco de desenvolvimento de câncer de pulmão, independente do histórico de hábito de fumar dos pacientes. Assim, após analisar as unhas de 210 homens que desenvolveram câncer de pulmão, concluíram que este novo biomarcador foi visto como um novo predidor de câncer de pulmão. 35 1.6 O câncer de pulmão em não-fumantes Estatísticas globais estimaram que 15% dos cânceres de pulmão desenvolvidos em homem e 53% daqueles desenvolvidos em mulheres não são atribuídos ao fumo, contabilizando 25% de todos os casos de câncer de pulmão no mundo (300.000 mortes por ano). Se considerada uma categoria separada, o câncer de pulmão em não-fumantes ocuparia a posição de sétima causa mais comum de óbitos por câncer no mundo, antecedida pelos tumores de cérvix, pâncreas e próstata (Sun e col., 2007). As mulheres são aquelas que mais desenvolvem o câncer de pulmão não associado ao fumo em relação aos homens. Assim, apesar de o uso do tabaco causar a maioria dos casos de câncer de pulmão nas mulheres, este fato não explica todos os casos. Estudos mostram que uma em cada cinco mulheres que desenvolveram esta neoplasia nunca fumou (Kligerman & White, 2011). É importante ressaltar que se considera como não-fumante o indivíduo que apresenta, durante sua vida, exposição ao tabaco de menos de 100 cigarros (Sun e col., 2007). Os carcinógenos ainda pouco conhecidos ou, talvez, os mecanismos pouco compreendidos que causam tumores em não-fumantes parecem atuar especificamente nas regiões periféricas do aparelho respiratório (Sun e col., 2007). Estudos epidemiológicos têm identificado uma série de fatores de risco não associados ao fumo tais como ambientais, genéticos, hormonais e, inclusive, virais; outro fator que estaria associado ao desenvolvimento da neoplasia pulmonar seria a exposição a substâncias inorgânicas tais como os asbestos, o arsênico, o cádmio, a sílica, o níquel, a fuligem e o asfalto. Pessoas que trabalham na construção civil ou em indústrias químicas estão frequentemente mais expostas a estes materiais e o risco é aumentado com os anos de exposição. O risco de desenvolvimento de tumores de pulmão devido a essas substâncias é ainda maior para os fumantes (Alberg e col., 2005; Boffetta, 2006; NCI, 2008; Subramaniam 36 e Govindan, 2007). Recentemente, foi visto que homens chineses, não-fumantes, desenvolveram câncer de pulmão devido principalmente à exposição à sílica, à fumaça da combustão do diesel e à tinta de parede (Tse e col, 2011). Porém, a relação entre câncer de pulmão e silicose já foi previamente considerada em estudos anteriores (Hueper, 1955). Embora o papel do radônio como fator de risco ambiental seja discutível, há estudos que buscam avaliar a sua associação com o câncer de pulmão na tentativa, inclusive, de reduzir o nível deste gás no interior das residências (Ashok e col., 2011; Bissett & McLaughlin, 2010; Méndez e col., 2011; Turner e col., 2011). O radônio é um gás radioativo produzido pelo decaimento natural do urânio presente nas rochas e no solo. Embora quimicamente inerte, gera produtos ativos duranteseu decaimento que se ligam, uns aos outros que, quando inalados, podem se aderir ao epitélio respiratório. O decaimento resulta, também, na emissão de partículas alfa que atuam diretamente no DNA. O radônio está presente ubiquamente em baixos níveis no ar atmosférico e pode acumular-se dentro de habitações, entrando por rachaduras no chão, nas paredes e fundações. Regiões próximas a minas de urânio apresentam os níveis mais altos de radônio e pessoas que trabalham nestas minas, por estarem mais expostas, apresentam risco mais elevado de desenvolver câncer de pulmão. A associação da exposição aos vapores provenientes do óleo de cozinha e da queima do carvão às altas taxas de desenvolvimento de câncer de pulmão em mulheres chinesas não- fumantes, levou a estudos que incluíram esses fatores como outras formas ambientais de risco de desenvolvimento dessa patologia. A cozinha tradicional chinesa envolve o cozimento dos óleos a altas temperaturas resultando em altos níveis de emissões de fumaça, geralmente em ambientes mal ventilados. As substâncias voláteis geradas têm apresentado propriedades mutagênicas e PAH, tanto quanto aldeídos e outros mutágenos (Hechet e col., 2010; Metayer e col, 2002; Zhao e col, 2006). 37 A maior proporção de câncer de pulmão em mulheres do que em homens não- fumantes sugeriu uma possível dependência aos hormônios sexuais no desenvolvimento do câncer de pulmão (Gasperino, 2011). Vários estudos mostraram um importante papel biológico dos estrógenos pela promoção direta da proliferação celular. Os receptores de estrógenos ER-alfa e ER-beta são expressos no tecido pulmonar saudável humano. A expressão do primeiro em carcinomas de não-pequenas células é associada à baixa prognose e a do segundo, com alta prognose e melhora na sobrevivência (Kawai e col, 2005; Schwartz e col, 2005). Além disso, os estrógenos podem alterar, potencialmente, a metabolização de carcinógenos como PAH, promovendo a carcinogênese (Siegfried, 2001; Verma e col., 2011) ou atuarem, diretamente, como carcinógenos (Miki e col., 2011; Yager & Liehr, 1996). Embora o câncer de pulmão seja comumente considerado uma doença causada por exposição ambiental aos carcinógenos, os fatores genéticos também influenciam em sua patogênese. Somente 10-20% dos fumantes desenvolve este tipo de tumor, sugerindo que os indivíduos apresentam diferenças na susceptibilidade aos fatores ambientais (Sun, Schiller e Gazdar, 2007). Matakidou e colaboradores (2005) mostraram que a história familiar aumentava em 1,5 vezes o risco de desenvolvimento de câncer de pulmão. Bailen-Wilson e colaboradores (2004) foram os primeiros a identificarem, em um estudo com 52 famílias, um locus gênico associado a maior susceptibilidade ao câncer de pulmão no cromossomo 6q23-25. Wang e colaboradores (2011) associaram os cromossomos 5p15-33 e 6p21-33 ao risco de câncer de pulmão. Tem sido mostrado que 15-25 % dos cânceres humanos apresentam uma etiologia viral. No caso do câncer de pulmão, dois vírus têm sido associados: o vírus do papiloma humano (HPV) e o retrovírus ovino Jaassieke (JSRV) (Buonomo e col., 2011; Cheng e col, 2001; Koshiol e col., 2011; Leroux e col, 2007; Martineau e col., 2011). 38 1.7 A matriz extracelular As células que constituem os organismos multicelulares interagem com seu microambiente: outras células, do mesmo tipo ou de tipos diferentes, e a matriz extracelular cujos constituintes são produzidos pelas próprias células. As diferentes células dos organismos formam diferentes matrizes, diferentes microambientes onde ocorrem interações célula-célula e célula-matriz, em sentido bidirecional. A matriz, então, mostra-se não somente como um suporte e arcabouço para a sobrevivência das células, mas como algo dinâmico, interativo. Assim, estes diversos microambientes podem constituir macroambientes (tecidos) igualmente diversos, com funcionalidades e delimitações próprias (órgãos). Desta maneira, a matriz extracelular provê uma barreira física essencial entre as células e os tecidos, tanto quanto uma base para o crescimento celular, a migração, a diferenciação e a sobrevivência. Ela sofre contínuo remodelamento durante o desenvolvimento e em certas condições patológicas tais como o reparo tecidual e o câncer (Timpl & Brown, 1996). Enzimas que atuem remodelando, provavelmente estarão afetando, também, a funcionalidade de células e tecidos. 1.7.1 A constituição da matriz extracelular As macromoléculas que constituem a matriz extracelular são produzidas localmente pelas células, que auxiliam na organização de seus elementos através da orientação dos citoesqueletos. Na maioria dos tecidos conjuntivos, as macromoléculas da matriz são secretadas, principalmente, pelos fibroblastos (Alberts e col., 2006). A matriz extracelular é constituída por duas principais classes de macromoléculas: os glicosaminoglicanos (GAG), que são cadeias de polissacarídeos normalmente encontradas ligadas covalentemente a proteínas, formando proteoglicanos; e as proteínas fibrosas, 39 incluindo o colágeno, a elastina, a fibronectina e a laminina, que exercem funções adesivas e estruturais (Alberts e col., 2006). As moléculas de proteoglicanos no tecido conjuntivo formam uma substância altamente hidratada, resistente a forças de compressão ao mesmo tempo em que permite a rápida difusão dos nutrientes, metabólitos e hormônios entre o sangue e as células dos tecidos. As fibras colágenas fortalecem e auxiliam a organizar a matriz e a elastina confere resistência (Alberts e col., 2006). 1.7.1.1 Os glicosaminoglicanos (GAG) Os glicosaminoglicanos são cadeias polissacarídicas não-ramificadas compostas de unidades dissacarídicas repetidas. Essas moléculas são chamadas de GAG porque um dos dois açúcares no dissacarídeo é sempre um amino-açúcar (N-acetilglucosamina ou N- acetilgalactosamina) o qual, na maioria das vezes, é sulfatado. O segundo açúcar é normalmente um ácido urônico (glucorônico ou idurônico). Os grupos sulfato ou carboxil ocorrem na maioria dos açúcares e por isso são carregados negativamente. As altas densidades de cargas negativas atraem cátions (principalmente de sódio), fazendo com que uma grande quantidade de água seja absorvida pela matriz, o que permite suportar forças de compressão (Alberts e col., 2006). Quatro principais grupos de GAG são distinguidos, de acordo com seus açúcares, o tipo de ligação entre eles e o número e a localização dos grupos sulfato: hialuronana, condroitin sulfato, dermatan sulfato, heparan sulfato e o queratan sulfato. 40 1.7.1.2 Os glicosaminoglicanos de heparan sulfato e os proteoglicanos de heparan sulfato Os glicosaminoglicanos de heparan sulfato formam uma família constituída de complexos polissacarídicos caracterizados por uma unidade dissacarídica repetitiva de ácido urônico (tanto idurônico quanto glucorônico) ligado a uma glucosamina. Estes GAG ligam-se e reúnem-se às proteínas da MEC (como a laminina, a fibronectina e o colágeno tipo IV), contribuindo significativamente para a auto-organização da MEC e sua integridade. A complexidade estrutural dos glicosaminoglicanos de heparan sulfato (HSGAG) ocorre como consequência das diferentes modificações sofridas pelas unidades dissacarídicas individualmente, dentro da cadeia polissacarídica (Esko & Lindahl, 2001; Tumbull e col., 2001). Há 48 unidades dissacarídicas possíveis de serem formadas, que podem formar uma cadeia completa de HSGAG composta de 10-100 unidades (Conrad, 1998). Uma das consequências dessa imensa diversidade estrutural, é que os HSGAG são capazes de ligarem-se e interagirem com uma ampla variedade de moléculas bioativas, como fatores de crescimento, quimiocinas, citocinas, morfógenos, fatores de coagulação, proteases e seus inibidores (Bernfield e col., 1999; Capila & Linhardt 2002; Folkman e col.,1988; Lindahl & Li, 2009; Vlodavsky e col., 1987; Vreys & David, 2006; Whitelock & Iozzo 2005). Como exemplos, podem ser citados os fatores de crescimento de fibroblastos 1 e 2 (FGF 1 e 2), o fator de crescimento endotelial vascular (VEGF), o fator de crescimento transformador β (TGF- β), o fator de crescimento derivado de plaquetas (PDGF), o fator de crescimento relacionado a queratina (KGF), o fator de crescimento de hepatócitos (HGF) (Bernfield e col., 1999; Kreuger e col., 2006; Sasisekharan & Venkataraman, 2000). Desta maneira, aqueles localizados na superfície das células, lhes permitem um mecanismo de reter uma grande variedade de efetores extracelulares. 41 Diversos estudos indicam que a função e o fenótipo celulares são altamente influenciados pelos HSGAG (Sasisekharan e col., 2002). O heparan sulfato está presente na interface célula-tecido-órgão. Pelo fato de atuarem como regiões de docking para as diversas moléculas bioativas nas superfícies celulares e na matriz, são observados papéis regulatórios cruciais em processos fisiológicos normais, como a morfogênese, o reparo tecidual, a vascularização, tanto quanto em condições patológicas, como na inflamação e no câncer (Bernfield e col., 1999; Conrad, 1998; Iozzo & San Antonio, 2001; Kjellen & Lindahl, 1991; Liu e col., 2002). In vivo, os heparan sulfatos são usualmente encontrados ligados covalentemente a várias proteínas centrais sendo, assim, denominados proteoglicanos de heparan sulfato (HSPG). Os proteoglicanos de heparan sulfato são macromoléculas ubíquas encontradas na superfície das células e associados à matriz extracelular de uma grande variedade de células de tecidos de vertebrados e invertebrados (Iozzo & San Antonio, 2001; Kjellen & Lindahl, 1991). Os proteoglicanos de heparan sulfato são encontrados de variadas formas: os sindecans (quatro isoformas), transmembranares, que apresentam as cadeias de HS situadas próximas às regiões extracelulares e ocasionalmente cadeias de condroitin sulfato próximas à superfície celular (Bernfield e col., 1999); o glipican (seis isoformas), associado à membrana plasmática por âncora de GPI, apresentando diversas cadeias de HS próximas à membrana e uma adicional próxima à extremidade de seu ectodomínio (Fransson e col., 2004); a agrina, um HSPG associado à MEC, abundante na maioria das membranas basais, principalmente na região sináptica (Cole & Halfter, 1996); o perlecan, também associado a MEC, com uma variada distribuição tecidual e uma estrutura modular bastante complexa (Iozzo, 1998). Os sindecans e os glipicans, pelo fato de se associarem à membrana plasmática, atuam como co-receptores, atuando junto às moléculas bioativas ao possibilitar a formação de um 42 complexo receptor/ligante funcional na superfície celular (Bernfield e col., 1999; Iozzo & San Antonio, 2001; Kjellen & Lindahl, 1991). Os avanços no conhecimento de como ocorre a biossíntese dos glicosaminoglicanos de heparan sulfato mostram que a estrutura do polissacarídeo e sua localização podem determinar se esses complexos polissacarídeos irão regular positivamente, negativamente ou não terem nenhum efeito sobre os processos biológicos. Atualmente, considera-se que a célula, ao regular dinamicamente a estrutura do HSGAG de sua superfície e da matriz, pode responder ao seu microambiente de maneiras completamente diferentes (Fuster e Esko, 2005, Sasisekharan e col, 2002). Similarmente, pela importância que os HSPG apresentam na fisiologia celular e tecidual, é provável que sua clivagem altere a integridade dos tecidos e proveja um mecanismo pelo qual as células possam destacar-se uma das outras, respondendo rapidamente às mudanças no microambiente. Observa-se que a degradação está envolvida em processos biológicos essenciais tais como a gravidez e o crescimento dos neuritos (Parish e col., 2001; Vlodavsky & Friedman, 2001; Vlodavsky e col., 1999). Os fragmentos de heparan sulfato gerados são capazes de modular a atividade dos fatores de crescimento que estavam associados à cadeia de HS como já foi observado em relação ao bFGF, ao VEGF e enzimas como a trombina e a lipase lipoprotéica (Bar-Shavit e col., 1993; Fuks e col., 1993; Korner e col., 1993; Rapraeger e col, 1991; Vlodavsky e col., 1993; Yayon e col., 1991). 1.7.1.3 Papel dos glicosaminoglicanos na biologia tumoral Os glicosaminoglicanos são capazes de facilitar a formação de complexos ligante- receptor, diminuindo a concentração de ligante efetiva para a ativação do receptor (Kim e col., 2011). Desta maneira, os GAG atuam como co-receptores. Os GAG também facilitam o estoque de ligantes para futura mobilização e a proteção desses ligantes da degradação (Esko, 43 1999; Esko & Lindahl, 2001; Fuster & Esko, 2005). No microambiente tumoral, os fatores de crescimento liberados pelas células tumorais podem exercer efeitos autócrinos e parácrinos nas células vizinhas e endoteliais do hospedeiro. Diversos estudos apontam que os HSPG atuam como inibidores da invasão celular pela promoção de interações célula-célula e célula-matriz e pela manutenção da integridade estrutural e auto-organização da MEC. Outros estudos indicam que, uma das características da transformação maligna é, principalmente, a regulação negativa da biossíntese dos HSGAG (Timar e col., 2002; Sanderson, 2001). A proliferação das células tumorais depende dos proteoglicanos de heparan sulfato (Fuster & Esko, 2005). O glipican 1, HSPG ancorado à âncora de GPI, é superexpresso nas células do tumor de pâncreas e medeia as respostas mitogênicas ao FGF2 e ao HB-EGF (fator de crescimento semelhante ao EGF ligador de heparina) ao facilitar a formação de complexos ligante-receptor (Kleeff, 1998). Nos cânceres de pâncreas, mama, ovário e fígado, as células tumorais regulam os genes que modulam a sulfatação dos HSPG da superfície celular de maneira que aumenta sua capacidade de ligação aos fatores de crescimento e a ativação de receptores tirosina quinases. Na síndrome de Simpson-Golabi-Behmel, deleções ou mutações pontuais no gene que codifica o glipican 3 causa uma síndrome de supercrescimento congênita e pacientes apresentam um risco elevado de desenvolver certas malignidades (DeBaun e col., 2001; Susuki e col., 2010). Assim, em algumas células, os HSPG podem ter um efeito oposto, atuando como supressores tumorais. Com relação às interações célula-matriz, a formação de adesões focais promove a invasão das células endoteliais por facilitar o espalhamento na matriz extracelular. Durante este processo, os HSPG da superfície tumoral atuam em conjunto com as integrinas (Bernfield, 1999; Bogensieder & Herlyn, 2003; Culp e col., 1989; Kim e col., 2011; Kusano e col., 2004; Saoncella e col., 1999; Tumova e col., 2000; Vlodavsky & Friedmann, 2001; 44 Vlodavsky e col., 1994; Woods e col., 1993), permitindo a formação da rede de alimentação do tumor. O sindecan 4 é frequentemente regulado positivamente em várias neoplasias. Esse proteoglicano liga-se à fibronectina e à laminina e aumenta a funcionalidade das integrinas β1 durante o espalhamento das células tumorais pela matriz (Beauvais & Rapraeger, 2004; Saoncella e col., 1999). O sindecan 1 é encontrado superexpresso em muitos tumores humanos (Beauvais e col., 2004; Fuster & Esko, 2005;Yang e col, 2011) e reduzido em outros (Sanderson, 2001), sempre associado na promoção de metástases. Beauvais e colaboradores mostraram a sua atuação com as αVβ3 integrinas o que resulta no espalhamento e migração das células. Diversos estudos apontam que o shedding de sindecan 1 apresenta uma importante função pró-tumorigênica (Beauvais e col., 2004; Ritchie e col., 2011; Sanderson & Yang, 2008). Em alguns tumores, a regulação negativa do HSPG nas células pode promover o crescimento independente de ancoragem (Kato e col., 1995) e aumento de potencial invasivo (Beauvais& Rapraeger, 2004; Sanderson, 2001). Assim, a atividade dos HSPG é dependente do contexto no qual se enquadra o microambiente. 1.8 A heparanase 1.8.1 Histórico Em 1975, Höök e colaboradores fizeram a primeira descrição de atividade heparanase relatando a atividade endoglicosidase de degradação de heparan sulfato em tecido hepático de rato. Em 1984, Nakajima e colaboradores, para caracterizar a endoglicosidase degradadora de HS, analisaram os produtos da clivagem e revelaram que esta endoglicosidase é uma endoglucoronidase, sendo denominada heparanase. 45 A proteína heparanase codificada pelas células de mamíferos foi primeiramente clonada por Vlodavsky e colaboradores (1999) e Hullet e colaboradores (1999), de células da placenta humana e de uma linhagem de hepatoma. Logo após, o mesmo gene foi clonado em estudos realizados por outros grupos (Fairbanks e col., 1999; Kussie e col., 1999; Toyoshima & Nakajima, 1999). Após a clonagem da heparanase humana, a proteína foi clonada da galinha (Goldshmidt e col., 2001), do rato (Podyma-Inoue e col., 2002), do camundongo (Miao e col, 2002), do bovino (Kizaki e col., 2001; Kizaki e col., 2003) e da topeira cega subterrânea Spalax (Nasser e col., 2005). A homologia da heparanase humana é maior entre as demais espécies de mamíferos, principalmente a bovina e do Spalax (Nasser e col., 2005). Nasser e colaboradores clonaram diversos variantes de splicing da heparanase, codificados pela topeira cega subterrânea Spalax e por células humanas (Nasser e col. 2005; Nasser e col., 2007). Apesar de várias outras endoglicosidases capazes de degradar o heparan sulfato - ou seja, proteínas com atividade heparanase - terem sido descritas, a heparanase é a única enzima conhecida capaz de desassociar o HS de forma específica, gerando produtos de tamanhos específicos, associada ao gene HPSE (Fux e col., 2009). A criação do camundongo knockout para o gene HPSE mostrou que apenas um gene codificava a proteína heparanase com atividade enzimática (Zcharia e col., 2009). 1.8.2 Propriedades moleculares e bioquímicas 1.8.2.1 Aspectos genéticos O cDNA da heparanase humana contém um open reading frame de 1629 bp que codifica 543 aminoácidos (Vlodavsky e col., 1999). A organização do gene da heparanase foi 46 descrita por Dong e colaboradores e está localizado no cromossomo 4q21.3 (Baker e col., 1999; Dong e col., 2000). Dong e colaboradores foram também responsáveis pela identificação de um variante de splicing nas regiões não traduzidas do gene. Acredita-se que as formas resultantes do splicing alternativo são responsáveis por regular a forma selvagem (Nasser e col., 2008). Estudos já relataram três formas splicing variantes: o T5, o T4 e o Skip 10 (Barash e col., 2010). A heparanase humana resultante de splicing variante 5 (T5) foi clonada de um tecido renal de um paciente acometido por carcinoma de células renais (Nasser e col. 2007; Sato e col., 2008). Foi observado no câncer de pulmão e na leucemia mielóide crônica que o splicing variante T5 encontrava-se em altos níveis e era desprovido de atividade enzimática o que se levou a pensar na possibilidade de sua atuação conjunta com outras enzimas degradadoras da matriz extracelular. Além disso, esta forma é secretada e facilita a fosforilação de Src (Barash e col., 2009). Este mesmo estudo mostrou que xenotransplantes tumorais produzidos a partir de células transfectadas com T5 e heparanase se desenvolviam mais, apresentavam mais vasos sanguíneos maduros do que os controles. As descobertas acerca da existência de splicing variantes levaram à identificação de um SNP associado com a expressão da heparanase e o risco aumentado de doença enxerto versus hospedeiro (GVHD) (Barash e col., 2010; Ostrovsky e col., 2010; Ostrovsky e col., 2009). Os SNP associados à heparanase também estão relacionados às malignidades hematológicas (Ostrovsky e col., 2007). A ocorrência normal dos SNP associados ao gene HPSE já foi avaliada a nível populacional. Ostrovsky e colaboradores estudaram este aspecto em quatro populações 47 israelitas judias. Esta descoberta poderá prover informações da associação deste fato com o desenvolvimento de diversas patologias, incluindo o câncer. 1.8.2.2 Estrutura e processamento A partir da tradução do RNA mensageiro obtido com a transcrição do gene HPSE, obtém-se uma pré-pró-enzima. A clivagem do peptídeo sinal da pré-pró-enzima no retículo endoplasmático gera uma forma latente (pró-enzima) de 65 KDa, que é secretada (Nasser, 2008; Vreys & David, 2007). A ativação da heparanase é um processo que ocorre em duas etapas: secreção e endocitose. A endocitose sujeita a heparanase à enzima catepsina L, responsável pelo processamento da forma inativa. O processamento proteolítico da heparanase ocorre intracelularmente dentro dos endossomos tardios e lisossomos (Gingis-Velitski e col., 2004; Goldshmidt e col., 2002a, b; Nadav e col., 2002; Vreys e col., 2005; Zetser e col., 2004). O requerimento para um ambiente de baixo pH para o processamento eficiente é consistente com o fato desta reação ocorrer dentro de organelas intracelulares ácidas. A forma ativa é um heterodímero, do tipo barril TIM, que é característico de outras endoglicosidases. Consiste de uma subunidade N-terminal de 8 KDa (Gln 36 -Glu 109 ) associada não-covalentemente com uma subunidade de 50 KDa C-terminal (Lys 158 -Ile 543 ) que são subsequentemente produzidas após a proteólise da pró-enzima com excisão do segmento de ligação de 6 KDa (Faibanks e col., 1999; Levy-adam e col., 2003; McKenzie e col., 2003). O heterodímero juntamente com um domínio C-terminal de 130 aminoácidos é responsável pela ligação e clivagem do heparan sulfato (Fux e col., 2009). Como os resíduos ativos requeridos para a clivagem do HS estão contidos na subunidade de 50 KDa, é presumível que a ligação da subunidade de 8 KDa produza alguma mudança conformacional no sítio ativo que facilita a catálise (McKenzie e col., 2003). 48 A proteína é N-glicosilada em seis regiões e estudos de inibição mostraram que elas são importantes para a ligação ao receptor de estrogênio, ao transporte para o complexo de Golgi e para a secreção da enzima (Simizu e col., 2004a). 1.8.2.3 Atividade da heparanase A atividade endoglicosidase máxima da heparanase ocorre entre os pH 5.0 e 6.0 e a enzima é inativada em pH>8.0 (Gilat e col., 1995). O interior pouco vascularizado, hipóxico dos tumores malignos deve constituir o ambiente acídico requerido para a degradação dos heparan sulfatos do microambiente pela heparanase (Marchetti e col., 2003). A heparanase apresenta pouca atividade ao pH fisiológico, mas as funções não-enzimáticas devem estar preservadas (Gilat e col., 1995). Os sítios de clivagem estão situados em regiões de baixa sulfatação (Fux e col., 2009). O remodelamento da matriz pela clivagem do HS pela heparanase resulta na liberação das moléculas bioativas ancoradas e de fragmentos de aproximadamente 4-7 KDa que modulam a ligação dos ligantes a seus receptores (Fux e col., 2009; Sanderson e col., 2004). A quantidade de heparanase requerida para o remodelamento de HS parece ter grande importância já que foi visto que baixos níveis da enzima aumentam a ligação de FGF2 e subsequente aumento da cascata ERK/FAK, enquanto níveis muito altos são inibitórios (Reiland e col., 2006). 1.8.3 Regulação da expressão da heparanase 1.8.3.1 Metilação do promotor e regulação dos fatores de transcrição Estudos utilizando linhagens tumorais mostraram que a promoção de hipermetilação em regiões do promotor da heparanase estava associada com a inativação do alelo afetado assim como a hipometilação, conseguida pelo uso de drogas demetilantes, restaurava tanto a 49 expressão de mRNA e de proteína quanto a atividade da enzima (Miao e col., 1999; Ogishimae col., 2005; Ogishima e col., 2005; Shteper e col., 2003). Os dados destes estudos indicaram que a metilação do promotor da heparanase exerce um papel na regulação de sua expressão. Nos tecidos tumorais, este modo de regulação deve estar modificado, resultando em hipometilação, aumento da expressão do gene e favorecimento da metástase e da angiogênese. A regulação positiva da transcrição da heparanase pela modulação dos níveis dos fatores de transcrição capazes de ligarem-se ao seu promotor parece acontecer de forma comum nos sistemas estudados (Ogishima e col., 2005a,b; Shteper e col., 2003). Os fatores de transcrição SP1 e Ets são associados com a regulação dos níveis de heparanase basais (Jiang e col., 2002) enquanto que o Egr1 está envolvido na regulação da transcrição induzida da heparanase (de Mestre e col., 2003, de Mestre e col.2005). 1.8.3.2 Regulação pela proteína p53 A proteína p53 é um fator de transcrição que regula uma grande variedade de promotores celulares (Goh e col. 2011). Sob condições normais, o promotor da heparanase precisa ser rigidamente regulado e a repressão transcricional, pelo menos em parte, é produzida pela ligação da proteína supressora p53 via recrutamento de histonas desacetilases. Os variantes da p53 foram incapazes de se ligarem ao promotor e falharam na repressão (Baraz e col., 2006). O gene da heparanase é suprimido pela p53 selvagem em condições normais. A p53 selvagem liga-se ao promotor da heparanase e inibe sua atividade, enquanto que a p53 mutante falha ao exercer seu efeito inibitório (Baraz e col., 2006). Desta maneira, a mutação e inativação da p53 nas células tumorais resultariam na indução da expressão da heparanase. 50 1.8.3.3 Regulação pelo TNF-α e pelo INF γ O fator de necrose tumoral alfa (TNF-α) e o interferon gama (IFN γ) foram vistos como indutores da expressão e atividade da heparanase em células endoteliais cultivadas (Edovitsky e col., 2006) e linfócitos T (Sotnikov e col., 2004). Os dois fatores foram associados, também, à indução de expressão de heparanase local em ratos acometidos pela hipersensibilidade do tipo retardado (DTH). A administração de siRNA ou de um inibidor da heparanase amenizou a resposta inflamatória característica desta doença (Edovitsky e col., 2006). 1.8.3.4 Regulação pelo estrogênio A presença de elementos responsivos aos estrógenos funcionais no promotor da heparanase sugere um mecanismo de controle hormonal. Foram identificados quatro elementos de resposta ao estrogênio no promotor da heparanase (Elkin e col., 2003). O hormônio estrogênio induz a transcrição do mRNA da heparanase em células tumorais de mama positivas para o receptor de estrogênio, não nas negativas. Foi mostrado que, quando é utilizado um inibidor de estrógeno, o efeito desta molécula é abolido, indicando que a via clássica do receptor de estrogênio está envolvida (Elkin e col., 2003). 1.8.3.5 Regulação pelos níveis de glicose A expressão da heparanase é regulada positivamente nas células endoteliais expostas a altos níveis de glicose, enquanto que a incubação destas células com altos níveis de glicose e insulina não aumentam a expressão da heparanase (Han e col., 2007). A expressão de heparanase glomerular é regulada positivamente em ratos e camundongos que sofrem de diabetes induzida pela estreptozotocina (van den Hoven e col., 2006). 51 1.8.4 O papel não-enzimático da heparanase As atividades não-enzimáticas são mediadas, principalmente, pelo domínio C- terminal, responsável por gerar cascatas de sinalização celular (Fux e col., 2009). Cohen e colaboradores relacionaram que isto deve prover, inclusive, uma proteção anti-apoptótica para células tumorais. Várias proteínas de superfície foram vistas como ligadoras à heparanase e, desse modo, relacionadas ao seu papel não-enzimático: proteoglicanos de HS, como o sindecan-1; a proteína relacionada ao receptor de baixa densidade 1 (LRP1); e o receptor de manose-6- fosfato, conhecido como fator de crescimento semelhante à insulina 2 (IGFR2) (Barash e col., 2010; Fux e col., 2009). A noção de papel independente da atividade enzimática foi ratificada pela identificação e descrição de seu domínio C-terminal como um determinante de sua função na sinalização celular (Fux e col., 2009; Nardella e col., 2004). Baseando-se no modelo tridimensional da heparanase, concluiu-se que a região chamada de barril TIM era responsável pelas funções enzimáticas e o domínio-C pelas funções não-enzimáticas. Porém, foi observado que o domínio C é necessário para que a heparanase seja uma enzima ativa, possivelmente pela estabilização da estrutura – logo a função – do barril TIM (Fux e col., 2009). Além disso, o domínio C também é responsável pela secreção da heparanase (Fux e col., 2009; Lai e col., 2008; Simizu e col., 2007). Fux e colaboradores transfectaram células de glioma com o domínio-C e com o barril- TIM e observaram que as primeiras geraram tumores xenotransplantados seis vezes maiores do que o controle e indistinguíveis dos transfectados com a heparanase completa; já as segundas, geraram tumores comparáveis ao controle. Desta maneira, sugeriram que, em alguns sistemas tumorais, como os gliomas, a heparanase facilitava a progressão do tumor 52 primário indiferente a sua atividade enzimática enquanto que em outros, como no mieloma, a função enzimática é dominante (Fux e col., 2009, 2007). 1.8.5 Papel da heparanase em condições fisiológicas e patológicas Fisiologicamente, a heparanase não é amplamente expressa pelas células do organismo. Entretanto, estudos identificaram alguns tipos celulares que expressam heparanase de maneira constitutiva cuja atuação estaria relacionada às funções celulares específicas. Porém, embora existam estudos a respeito do papel da heparanase nos tecidos em condições normais, ainda muito pouco se sabe a respeito da contribuição desta proteína nas células e tecidos em condições fisiológicas. Porém, embora seja limitada a expressão de heparanase nos tecidos humanos, na topeira Spalax ela é encontrada altamente expressa nos tecidos (Nasser e col., 2005). A expressão da heparanase é alta no tecido placentário, onde está envolvida na implantação dos trofoblastos (Goshen e col., 1996; Haimov-Kochman e col., 2002). Estudos apontam a heparanase como sendo molécula participante na implantação do embrião e no seu desenvolvimento (Dempsey e col., 2000). É interessante destacar que, durante a embriogênese, a proteína é preferencialmente expressa pelas células dos sistemas nervoso e vascular em desenvolvimento (Moretti e col., 2006; Nasser e col., 2008). A heparanase é encontrada em altos níveis nas plaquetas (Dempsey e col., 2000; Parish e col., 2001; Vlodavsky e col., 2001) e cogita-se que sua agregação às células tumorais facilita a desagregação da matriz após degranulação (Freeman & Parish, 1998). Os órgãos linfóides e as células sanguíneas expressam heparanase. A atividade da heparanase foi detectada em células do sistema imunológico ativadas incluindo células B e T, macrófagos, neutrófilos, mastócitos mediando o extravasamento e o tráfico aos sítios inflamatórios (Vaday & Lider, 2000). 53 A heparanase é expressa pelos queratinócitos (Dempsey e col., 2000; Parish e col., 2001; Vlodavsky e col., 2001). Esta proteína está envolvida no reparo das lesões teciduais, no remodelamento tecidual e no crescimento capilar (Zcharia e col., 2005; Zcharia e col., 2005). A heparanase é expressa pela glândula lacrimal, epitélio da córnea, epitélio pigmentoso da retina e coróide, pelo cristalino e alguns tecidos não-oculares. Além disso, é constituinte das lágrimas (Berk e col., 2004; Zhang e col., 2010). Os fragmentos produzidos parecem contribuir com a ligação da lacritina ao sindecan 1 (Ma e col., 2006). A liberação local de heparanase estimula a morfogênese