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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO COPPEAD DE ADMINISTRAÇÃO CESAR WADDINGTON CRUZ CAFÉ FAZENDA NINHO DA ÁGUIA: UM ESTUDO DE CASO SOBRE A INTERNACIONALIZAÇÃO DE UMA FAZENDA PRODUTORA DE CAFÉ ESPECIAL Rio de Janeiro (2016) Cesar Waddington Cruz CAFÉ FAZENDA NINHO DA ÁGUIA: UM ESTUDO DE CASO SOBRE A INTERNACIONALIZAÇÃO DE UMA FAZENDA PRODUTORA DE CAFÉ ESPECIAL Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Administração, Instituto COPPEAD de Administração, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Administração. Orientador: Prof. Renato Cotta de Mello Rio de Janeiro (2016) Cesar Waddington Cruz CAFÉ FAZENDA NINHO DA ÁGUIA: UM ESTUDO DE CASO SOBRE A INTERNACIONALIZAÇÃO DE UMA FAZENDA PRODUTORA DE CAFÉ ESPECIAL Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Administração, Instituto COPPEAD de Administração, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Administração. Aprovada em 10 de agosto de 2016, por: Renato Cotta de Mello, D.Sc. – COPPEAD/UFRJ Luís Antônio da Rocha Dib, D.Sc. – COPPEAD/UFRJ Jorge Ferreira da Silva, D.Sc. – PUC-RJ Rio de Janeiro (2016) AGRADECIMENTOS Escrever a dissertação é trabalho muito sóbrio e impessoal. Sendo assim, gostaria de utilizar um pouco de liberdade criativa para escrever meus agradecimentos. Ele será dividido em duas partes, sendo a primeira mais abrangente e a segunda mais pessoal. Em primeiro lugar, agradecer a minha família por ter me aturado ao longo da vida e dado todas as condições necessárias para que pudesse me dedicar integralmente ao mestrado, fora a viagem com meu pai até a empresa do caso. Além disso, agradeço a existência de música no mundo, pois ajudou (e ajuda) a manter minha concentração e sanidade mental nas atividades que realizo. Por fim, agradecer a todos os envolvidos no Coppead, sejam professores, alunos, funcionários, etc., pois realizam um trabalho dedicado que nos permite usufruir de um mestrado de excelência. Com relação a parte um pouco mais pessoal, aqui vamos nós. As hashtags tem contexto. Agradecer ao meu conjunto de amigos mais próximos (#NoLimits) que estão comigo desde o início dessa empreitada, Max, Renato, Ana, Carla, Henrique, Felipe, Luís (embora seja uma adição tardia), pois são pessoas que possuem uma experiência singular de vida profissional e pessoal. Além disso, não esquecerei dos dias impagáveis de “relaxamento suave” no mangue. Agradecer a uma grande amiga minha (#AmizadesInfinitis), Lucyana Felícia, pois é uma pessoa que tenho grande carinho e tive a sorte de conhecer, levando em conta que ela é de um ano à frente do meu. Além disso, foi minha “co-orientadora” disfarçada, pois me ajudou muito mesmo! Agradecer ao meu orientador, Renato Cotta de Mello, pois essa dissertação foi uma experiência que me acrescentou muito. Além disso, foi muito compreensivo ao longo de todo o processo, o que tornou a elaboração da dissertação mais “relaxante”. Agradecer ao Dib (não sabia que ia ser da banca), pois as aulas de estratégia em marketing foram únicas. Além disso, nunca mais vou conseguir escutar um “maravilha” sem rir. Agradecer a Ariane, pois, apesar de ser uma professora nova no Coppead, é muito atenciosa. Além disso, as aulas de ambiente internacional de negócios agregaram muito. Agradecer a professora Letícia, pois sem ela acredito que nunca iria ter conhecido o famoso “Mercadão de Madureira”. Além disso, é uma professora excepcional, dentro e fora de sala. RESUMO CRUZ, Cesar Waddington. Café Fazenda Ninho da Águia: Um estudo de caso sobre a internacionalização de uma fazenda produtora de café especial. Rio de Janeiro, 2016. Dissertação (Mestrado em Administração) - Instituto COPPEAD de Administração, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2016. O presente estudo teve por finalidade investigar o processo de internacionalização da empresa “Café Fazenda Ninho da Águia”, uma pequena propriedade agrícola localizada na região de Alto Caparaó (MG). Desde sua fundação, em 1969, a propriedade realiza o cultivo e venda de cafés no mercado nacional e, após a chegada de um novo empreendedor, em 1996, a fazenda conseguiu destacar-se nacional e internacionalmente pelos cafés especiais que passou a comercializar, exportando atualmente para mais de 8 países. Para a análise do referido processo, foram utilizadas as teorias de internacionalização com um viés comportamental, sendo essas: Teoria de Uppsala e suas revisões mais recentes, Teoria de Redes de Relacionamento, Teoria de Empreendedorismo Internacional, e a lógica Effectuation. A partir das teorias mencionadas, buscou-se entender os fatores que motivaram a empresa a se internacionalizar, a relevância dos relacionamentos no processo de internacionalização, o papel do empreendedor no processo de internacionalização, os aspectos que influenciaram na ordem dos territórios internacionais nos quais a empresa passou a atuar, e os aspectos que influenciaram o modo de entrada escolhido para os países em questão. Levando em consideração tais objetivos de pesquisa, foi adotado um método qualitativo, com estudo de caso único. A partir da análise do caso, foi possível observar que cada uma das teorias utilizadas como referências para o estudo do fenômeno apresenta proposições que ajudam a compreender o processo de internacionalização e a construção de vantagens competitivas da empresa, sendo a Teoria de Uppsala Revisitada (2013 e 2014) a que permite uma compreensão mais completa do caso em questão. Palavras-chave: Marketing de Exportação, Internacionalização, Café - Comércio - Brasil, Administração - Teses. ABSTRACT CRUZ, Cesar Waddington. Café Fazenda Ninho da Águia: Um estudo de caso sobre a internacionalização de uma fazenda produtora de café especial. Rio de Janeiro, 2016. Dissertação (Mestrado em Administração) - Instituto COPPEAD de Administração, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2016. The present study tries to evaluate the internationalization process of the company “Café Fazenda Ninho da Águia”, a small agricultural property located in Alto do Caparaó (MG). Since its creation, in 1969, the company grows and sells coffee in the domestic market and, after the arrival of a new entrepreneur, in 1996, the company managed to stand out in both the domestic and international market through its commercialization of specialty coffees, currently selling in over 8 countries. In order to study this phenomena, behavioral internationalization theories were applied, such as: Uppsala Theory and its recent revisions, Network Theory, International Entrepreneurship Theory and Effectuation logic. Keeping these theories in mind, the study tries to analyze the aspects that led the company to internationalize, the relevance of relationships in the internationalization process, the entrepreneur’s role in the process, the aspects related to the entry order of international markets, and the aspects that influenced the chosen entrance mode in these markets. In accordance with these study topics, the research method selected was the qualitative one, specifically the single case study. From the case analysis, it was observed that each of these theories has properties that helps in understanding the firm internationalization process and development of competitive advantages, being the Uppsala Revisited Theory (2013 e 2014) the one that would allow a more holistic understanding of the case in question. Keywords: ExportMarketing, Internationalization, Coffee - Trade - Brazil, Business - Thesis. LISTA DE FIGURAS Figura 1 - Representação da Cadeia Agroindustrial do Café ....................................................... 12 Figura 2 - Modelo de Uppsala Traduzido..................................................................................... 33 Figura 3 - Internacionalização e o Modelo de Redes: Situações para Análise ............................. 45 Figura 4 - Revisão do Modelo de Uppsala ................................................................................... 52 Figura 5 - O Modelo Conceitual de Empreendedorismo Internacional ....................................... 57 Figura 6 - Classificações de “International New Ventures” ......................................................... 62 Figura 7 - Fatores de Influência ao Surgimento de Born Globals ................................................ 66 Figura 8 - Dinâmica do Modelo de Effectuation .......................................................................... 77 Figura 9 - Estrutura do modelo de Uppsala para a evolução da empresa multinacional (MBE) . 83 Figura 10 - Linha do tempo resumida da empresa "Café Fazenda Ninho da Águia" ................ 111 LISTA DE TABELAS Tabela 1 - Consumo de Café por Continentes ................................................................................ 9 Tabela 2 - Consumo de Café por País (Bloco Econômico) ............................................................ 9 Tabela 3 - Exportação mundial por país exportador (*estimativa 2014)...................................... 13 Tabela 4 - Exportações Brasileiras de Café para os Principais Destinos (sacas de 60kg)............ 14 Tabela 5 - Exportações Brasileiras de Café por Ano e Tipo ........................................................ 16 Tabela 6 - Exportações Brasileiras de Cafés Diferenciados de janeiro a dezembro de 2014 ....... 26 Tabela 7 - Definição de Café Gourmet por Classe ....................................................................... 28 Tabela 8 - Dimensão das Variáveis em Análise na Pesquisa ....................................................... 92 LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1 - Consumo Mundial de Café por Tipo ............................................................................ 8 Gráfico 2 - Consumo Mundial de Café por Tipo de Mercado ........................................................ 8 Gráfico 3 - Preço Médio da Saca de Café..................................................................................... 10 Gráfico 4 - Participação do Café nas Exportações Totais e do Agronegócio Brasil (jan/nov) .... 15 Gráfico 5 - Evolução do Volume e Receita Cambial das Exportações de Café ........................... 16 Gráfico 6 - Participação Percentual da Produção de Café por Unidade Federativa ..................... 17 Gráfico 7 - Variação da Área, Produtividade e Produção em Relação à Safra de 2003 - Brasil .. 18 Gráfico 8 - Evolução do Consumo Interno de Café ..................................................................... 19 Gráfico 9 - Bebidas consumidas Regularmente pelo Brasileiro ................................................... 20 Gráfico 10 - Bebidas Abandonadas pelos Brasileiros .................................................................. 20 Gráfico 11 - Perfil dos Consumidores por Nível de Renda .......................................................... 21 Gráfico 12 - Conceito de Qualidade do Café................................................................................ 22 Gráfico 13 - Intenção de Pagar a Mais por Qualidade em um Café ............................................. 22 Gráfico 14 - Evolução das Exportações de Cafés Diferenciados (jan/dez) .................................. 26 Gráfico 15 - Definição de Café Gourmet ..................................................................................... 27 SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 1 1.1 OBJETIVO DO ESTUDO........................................................................................... 1 1.2 RELEVÂNCIA DO ESTUDO .................................................................................... 2 1.3 DELIMITAÇÃO DO ESTUDO .................................................................................. 3 1.4 ORGANIZAÇÃO DO ESTUDO ................................................................................ 4 1.5 ANÁLISE DO SETOR ................................................................................................ 5 1.5.1 INFORMAÇÕES GERAIS .................................................................................. 5 1.5.2 CENÁRIO MUNDIAL ......................................................................................... 6 1.5.3 PRODUÇÃO DE CAFÉ NO BRASIL ............................................................... 11 1.5.4 HÁBITOS DE CONSUMO DE CAFÉ NO BRASIL ........................................ 18 1.5.5 MERCADO DE CAFÉS ESPECIAIS ................................................................ 23 1.5.6 PROMOÇÃO DE EXPORTAÇÕES .................................................................. 29 2. REVISÃO DE LITERATURA ....................................................................................................... 31 2.1 MODELO DE UPPSALA (1977) ............................................................................. 31 2.1.1 CRÍTICAS A UPPSALA .................................................................................... 37 2.2 TEORIA DE REDES ................................................................................................ 39 2.3 UPPSALA REVISITADO – TEORIA DE REDES .................................................. 48 2.4 EMPREENDEDORISMO INTERNACIONAL ....................................................... 54 2.5 TEORIA DE EFFECTUATION ............................................................................... 70 2.6 UPPSALA REVISITADO (2013, 2014) ................................................................... 81 3. MÉTODO DE PESQUISA .............................................................................................................. 86 3.1 PROBLEMA DE PESQUISA ................................................................................... 86 3.2 MÉTODO DE PESQUISA ........................................................................................ 86 3.3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS .............................................................. 90 3.4 LIMITAÇÕES DO MÉTODO .................................................................................. 92 4. ESTUDO DE CASO .......................................................................................................................... 94 4.1 HISTÓRIA DA EMPRESA ...................................................................................... 94 4.1.1 ANTES DE 1996 ................................................................................................ 94 4.1.2 DEPOIS DE 1996 ............................................................................................... 98 4.2 PROCESSO DE INTERNACIONALIZAÇÃO ...................................................... 112 4.3 A EMPRESA HOJE ................................................................................................ 120 4.4 FUTURO DA EMPRESA ....................................................................................... 125 5. ANÁLISE DO CASO ...................................................................................................................... 127 5.1 PERSPECTIVA DE UPPSALA .............................................................................. 127 5.2 PERSPECTIVA DE REDES ...................................................................................134 5.3 PERSPECTIVA DE EMPREENDEDORISMO INTERNACIONAL ................... 136 5.4 PERSPECTIVA DE EFFECTUATION .................................................................. 139 6. CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES ................................................................................. 143 6.1 CONCLUSÕES ....................................................................................................... 143 6.2 RECOMENDAÇÕES PARA PESQUISAS FUTURAS ........................................ 147 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................................ 148 REFERÊNCIAS DE SITES ................................................................................................................... 155 LISTA DE APÊNDICES......................................................................................................................... 158 APÊNDICE A - ROTEIRO DE ENTREVISTA ........................................................... 158 APÊNDICE B - “ÁRVORE” DE CAFÉ E SUAS “FLORES” ..................................... 168 APÊNDICE C - DIMENSÃO DA ALTURA DE UM PÉ DE CAFÉ (PESSOA NA FOTO POSSUI 189 CM DE ALTURA) ....................................................................... 169 APÊNDICE D - CAFÉS VERDES E TORRADOS PRODUZIDOS NA FAZENDA DE CLAYTON ........................................................................................... 170 APÊNDICE E - EMBALAGEM UTILIZADA NA EXPORTAÇÃO ATRAVÉS DA MINAS HILL COFFEE .......................................................................................... 171 1 1. INTRODUÇÃO 1.1 OBJETIVO DO ESTUDO O presente estudo analisou o processo de internacionalização da empresa “Café Fazenda Ninho da Águia”, localizada na região do Alto do Caparaó/MG. A empresa é atuante no setor cafeeiro, mais especificamente, no setor de cafés especiais, também chamados de café “gourmet”. A análise foi realizada através do método de estudo de caso único. Com relação a análise, será utilizado como referencial teórico as teorias sobre internacionalização de empresas que possuem uma abordagem comportamental do processo. Através da realização desse estudo, procurou-se esclarecer questões relativas ao surgimento da empresa, como: a relevância dos relacionamentos, abordagem de risco pelo empreendedor, e outras questões abordadas pelas teorias comportamentais de internacionalização. Baseado nisso, foi definido como problema de pesquisa do estudo: de que modo o processo de internacionalização da empresa “Café Fazenda Ninho da Águia” pode ser explicado pelas teorias de internacionalização de empresas desenvolvidas pela corrente comportamental? Sendo assim, foram consideradas as seguintes perguntas de pesquisas com o intuito de direcionar o estudo: 1. Quais fatores motivaram a empresa a se internacionalizar? 2. Qual foi a relevância dos relacionamentos no processo de internacionalização? 3. Qual a relevância do papel do empreendedor no processo de internacionalização? 4. Quais aspectos influenciaram na ordem dos territórios internacionais que a empresa passou a atuar? 5. Quais aspectos influenciaram o modo de entrada escolhido para os países em questão? 2 1.2 RELEVÂNCIA DO ESTUDO A indústria do café possui relevância histórica para a economia brasileira desde os tempos do império. Atualmente representa cerca de 3% do total de exportações, assumindo o valor de cerca de 6,58 bilhões de dólares em 2014 (CECAFÉ, 2014). Um dos setores que mais cresce no setor cafeeiro é o dos cafés de alta qualidade, chamados de especiais, diferenciados ou gourmet. Esse produto tem maior valor de venda e uma forte aceitação nos mercados nacional e internacional. De acordo com dados da “Brazil Specialty Coffee Association” (BSCA), o valor de venda para alguns cafés diferenciados tem um sobre preço médio que varia de 30% a 40% acima do café convencional. Em alguns casos, pode ultrapassar a barreira dos 100% (BSCA, 2015). Com relação ao tamanho de mercado, dados recentes mostram que a demanda pelos grãos especiais cresce em torno de 15% ao ano, principalmente no exterior, enquanto o commodity cresce cerca de 2% ao ano. Atualmente, o segmento representa cerca de 12% do mercado internacional da bebida (BSCA, 2015). A partir de dados divulgados pela Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (CECAFÉ), em 2014, o Brasil exportou um volume 59,9% maior do que em 2013 no segmento de cafés especiais. Sendo assim, em 2014, o país exportou aproximadamente 8,1 milhões de sacas (60 kg) de cafés diferenciados, valor esse que representou uma receita de 1,88 bilhões de dólares para o setor (CECAFÉ, 2014). Além das oportunidades associadas ao mercado externo, o Brasil representa o terceiro maior mercado mundial consumidor de Café (ICO, 2015). Sendo assim, a relevância do estudo pode ser percebida pelo potencial comercial no mercado interno e externo dos cafés especiais. Esse potencial pode ser observado de duas formas. Primeiro, permite transformar um produto tratado como “commodity” para um extremamente diferenciado, e de possível produção mesmo em pequenas propriedades. Sendo assim, tais empresas estariam menos expostas às volatilidades do preço de café “commodity” no mercado. Segundo, o sobre preço médio do café especial potencializa ainda mais sua atratividade em comparação ao “commodity”, pois resulta em retornos financeiros mais elevados. Além disso, o setor de cafés especiais representa um caso interessante na literatura de negócios internacionais, pois, em um setor dominado por grandes produtores que vendem um 3 produto tido como “commodity”, é possível a existência de produtores menores que conseguem ofertar um produto diferenciado e competitivo no mercado internacional. Inicialmente, buscou-se uma fazenda que estivesse localizada em Minas Gerais, tendo em vista dados da Associação Brasileira da Indústria de Café (ABIC) (2015) que aponta Minas Gerais como maior estado produtor de café no Brasil. A partir da escolha do estado, foi verificado que a região de Alto Caparaó possuía duas características interessante. Primeiro, o microclima e qualidade do solo apresentava características singulares para o cultivo de café. Segundo, a região apresentava uma fazenda que, embora pequena, apresentava tanto prêmios obtidos pela qualidade de seu café como atividades no mercado internacional. Sendo assim, escolheu-se estudar o processo de internacionalização da empresa “Café Fazenda Ninho da Águia”, pois seria um caso atípico para a região e o setor, visto que é uma fazenda que possui baixo volume de produção, não apresenta uma estrutura organizacional bem definida, e, mesmo assim, é uma das poucas fazendas da região que realiza vendas para o mercado internacional. 1.3 DELIMITAÇÃO DO ESTUDO O objetivo da pesquisa foi delimitado como o estudo do processo de internacionalização da empresa “Café Fazenda Ninho da Águia”, tendo por base as abordagens comportamentais sobre o processo de internacionalização de empresas. Com relação a utilização de dados, foram consideradas fontes secundárias, como sites e notícias presentes em jornais, e fontes primárias, sendo esta última obtida através da realização de entrevistas semi-estruturadas, presenciais, com representes da empresa em questão. O estudo apresenta limitações com relação ao método e ao escopo de pesquisa. Com relação ao escopo do objeto em análise, foi considerado uma empresa localizada no interior do estado de Minas Gerais, na região de Alto Caparaó, inserida no setor de cafés especiais. Com relação ao método, o estudo de caso estaria inserido no âmbito de pesquisas qualitativas. Sendo assim, incialmente seria possível descrever limitações ao método como àquelas apresentadas relacionadas aos critérios de qualidade citados por Flick (2009). Além disso, Yin (2003) aponta limitaçõesrelacionados à validade interna do método, pois o estudo de caso envolve a realização de inferências, assim como da validade externa, tendo em vista a limitação de possíveis generalizações do estudo. 4 1.4 ORGANIZAÇÃO DO ESTUDO Com relação a organização do estudo, inicialmente serão apresentadas as descrições gerais sobre a pesquisa, assim como sua relevância e delimitação de seu escopo. No final desse capítulo, será apresentada uma visão geral sobre o setor, com o intuito de contextualizar o leitor nos aspectos relacionados à sua dinâmica, relevância econômica, evolução histórica, peculiaridades, e ambiente internacional. No segundo capítulo, serão apresentadas as teorias de internacionalização de empresas que possuem uma abordagem comportamental. Serão descritas as teorias mais notórias acerca do assunto em questão, passando pelo modelo de Uppsala original, a teoria de Redes, os estudos de Empreendedorismo Internacional, a abordagem por racionalidade limitada em Effectuation, e as revisões da teoria de Uppsala. Tais teorias serão utilizadas para a avaliação do estudo de caso realizado. No terceiro capítulo, serão considerados os seguintes aspectos do método do estudo: 1) problema e perguntas de pesquisa, utilizadas no estudo; 2) o método de pesquisa utilizado na investigação e análise do caso, e a justificativa para sua escolha; 3) procedimentos metodológicos, considerando os tipos de fontes de dados utilizados e o tratamento utilizados nestes; 4) limitações relacionadas ao método de pesquisa utilizado. No quarto capítulo, será descrito o caso investigado no presente estudo através do detalhamento da origem, das atividades realizadas, do processo de internacionalização, e decisões relevantes na história da empresa. Nos capítulos cinco e seis, será realizado a análise do caso em questão com base nas teorias mencionadas, sendo possível responder os problemas de pesquisa e atingir os objetivos de pesquisa propostos. Por fim, serão apresentadas conclusões acerca do caso estudado e recomendações relacionados ao tema de pesquisa. 5 1.5 ANÁLISE DO SETOR 1.5.1 INFORMAÇÕES GERAIS Não há uma evidência precisa sobre a descoberta do café, mas há muitas lendas que relatam sua possível origem. Uma das vertentes mais difundidas seria que, em meados do século XV, um pastor da Etiópia notou que suas cabras, ao ingerirem os frutos de certo arbusto de coloração amarelo avermelhada, ficavam mais alegres e saltitantes. O pastor resolveu apresentar os frutos a um monge da região que, posteriormente, realizou uma infusão com os tais frutos para experimentá-lo. Após beber, ele achou que sua disposição física tinha melhorado, passando a beber e divulgar sobre a descoberta. Sendo assim, a planta de café seria originária da Etiópia, centro da África, onde, ainda hoje, faz parte da vegetação natural (ABIC, 2015). Com relação ao seu comércio, teria sido a Arábia responsável pela propagação da cultura do café. Ironicamente, o nome não é originário da “Kaffa”, local de origem da planta, e sim da palavra árabe “qahwa”, que significa vinho. Por esse motivo, o café era conhecido como "vinho da Arábia" quando chegou à Europa no século XVII. A partir de 1615, o café começou a ser comercializado no continente europeu, trazido por viajantes em suas frequentes viagens ao oriente. Até meados do século XVII, somente os árabes produziam e tinham controle sobre a produção de café, razão pela qual alemães, franceses e italianos procuravam desesperadamente uma maneira de desenvolver o plantio em suas colônias. Contudo, foram os holandeses que conseguiram as primeiras mudas e as cultivaram nas estufas do jardim botânico de Amsterdã, fato que tornou a bebida uma das mais consumidas no velho continente, passando a fazer parte definitiva nos hábitos dos europeus. Após o sucesso holandês na produção de café, o cultivo do produto espalhou-se para outros países na Europa. Em 1645, aparecerem as primeiras casas de café na Itália, espalhando-se em seguida pela península, tornando-se celebres os cafés venezianos, genoveses e romanos. Em 1657, na França foram surgindo várias casas de café público em Londres e Paris, tornando-se pontos de encontros para debates e discussões, principalmente sobre política e arte. No final do século XVII, os holandeses levaram o café para cultivo na Malásia, Java, Célebes, Timor e Sumatra. Além disso, outros países europeus também começaram a expandir o cultivo do café para suas colônias 6 tornando-se um produto de grande importância econômica para o desenvolvimento da África, Ásia e América Latina (ABIC, 2015). Somente em 1727 o café chegou ao Brasil através do sargento-mor Francisco de Melo Palheta, que foi em missão oficial às Guianas. As primeiras lavouras começaram em Belém do Pará sendo levadas posteriormente para o Amazonas e Maranhão. Já em 1767, o café produzido no Amazonas era exportado para a Europa. Devido às nossas condições climáticas, o cultivo de café espalhou-se rapidamente sendo cultivado em regiões como Maranhão, Bahia, Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná e Minas Gerais. O Marquês do Lavradio foi um dos maiores incentivadores da cultura do café no Brasil, dando isenção do serviço militar para o lavrador que tivesse plantado um determinado número de cafeeiros. A partir do ano de 1810, a cultura do café no Brasil teve um crescimento considerável, tanto que, em 1826, as exportações já representavam 20% da produção mundial (ABIC, 2015). Apesar disso, a cafeicultura no centro-sul do Brasil enfrentou problemas em 1870, quando uma grande geada atingiu as plantações do oeste paulista provocando grandes prejuízos, e, mais tarde, durante a crise de 1929. No entanto, após se recuperar das crises, a região se manteve como importante centro produtor. Nela se destacam quatro estados produtores: Minas Gerais, São Paulo, Espírito Santo e Paraná (ABIC, 2015). Desde então, a produção cafeeira no Brasil passou por diversas transformações sendo o Brasil o maior exportador de café do mundo (ICO, 2015), e assume o quinto lugar como item agrícola mais exportado pelo país em 2014 (CONAB, 2015). 1.5.2 CENÁRIO MUNDIAL Desde as primeiras descrições do café, no século 18, os botânicos não têm conseguido fazer uma classificação precisa. As dificuldades na classificação de uma planta como membro verdadeiro do gênero “Coffea” ocorre por causa da grande variedade nas plantas e sementes. As duas mais importantes espécies de café, de um ponto de vista econômico, são o arábica (Coffea Arábica), e o robusta (Coffea Canephora) (também chamado de “conilon”) (CNC, 2015). Há também outras subespécies destas, além de espécies híbridas provenientes de possíveis cruzamentos. Apesar disso, para efeitos de simplificação e com o intuito de utilizar a mesma nomenclatura mundial da Organização Internacional do Café (ICO), serão consideradas apenas as duas mencionadas. 7 De acordo com dados da ICO (2015), apesar do aumento da produção mundial de café até 2012, houve queda nos anos seguintes (Gráfico 1). Neste contexto, a redução global da produção do café arábico foi de 2,1 % a.a. (em média) enquanto do café robusta foi de 1,77 % a.a. (em média). Apesar disso, desde 2011 há um crescimento consistente do consumo mundial de café em cerca de 2,3 % a.a. (em média) (Gráfico 2), atingindo um valor de 149,3 milhões de sacas (60 kg) de café consumidos em 2014. Tal aumento deve-se, além da elevação de consumo nos países (ou blocos econômicos) tradicionalmente importadores líquidos de café (Canada, União Europeia, Japão, Noruega, USA, etc.), principalmente pela elevação de consumo dos países emergentes (Algéria, Austrália, Rússia, Coréia do Sul, Turquia, Ucrânia, etc.) e dos exportadores líquidos de café (ICO, 2015). A diferença entre os valores dos gráficos 1 e 2 pode ser explicada pela existência de outras espécies de café nãocontabilizadas pela organização. 8 Fonte: ICO (2015) Gráfico 1 - Consumo Mundial de Café por Tipo Gráfico 2 - Consumo Mundial de Café por Tipo de Mercado Fonte: ICO (2015) 9 Com base em dados de junho de 2015 da Organização Internacional do café (ICO), é possível constatar algumas tendências acerca dos principais mercados consumidores. Os principais mercados continentais são Europa, Ásia e Oceania, América do Norte, e América do Sula, nessa ordem (Tabela 1). A Europa representa o maior mercado em números absolutos, contudo ao levar em consideração aspectos populacionais percebe-se que a América do Norte também é um grande consumidor comparativo. Além disso, pode-se destacar que há um crescimento do consumo mais acelerado na África, e na Ásia e Oceania. Já considerando o consumo por país (ou bloco econômico) (Tabela 2) percebe-se que há algumas mudanças acerca das localizações continentais dos maiores mercados, pois o Brasil passa ser o terceiro maior mercado de consumo de café. Temos União Europeia, USA, Brasil, e Japão como sendo os consideravelmente maiores, seguidos de Japão, Indonésia e Rússia (ICO, 2015). Fonte: ICO (2015) Fonte: ICO (2015) Tabela 1 - Consumo de Café por Continentes Tabela 2 - Consumo de Café por País (Bloco Econômico) 10 O preço médio das sacas de café (Gráfico 3) apresentou algumas flutuações durante os últimos dois anos provocadas por fatores adversos como produtividade das safras, instabilidade econômica mundial, e flutuações do Real. Em junho de 2015 apresentou uma de 124, 97 centavos de dólar. Apenas para estimar o tamanho do mercado mundial, consideremos a média de junho a junho (2014-2015) em 140 centavos de dólares, e que uma libra peso é equivalente a 0,453 quilogramas. A partir desses dados temos que o mercado mundial teria um valor aproximado de 27,7 bilhões de dólares (ICO, 2015). Considerando possíveis tendências dos mercados mundiais, de acordo com dados de junho de 2015 do Bureau de Inteligência Competitiva do Café (BICC), temos que a importação de café verde (café sem processamento) pelos próprios países produtores tem sido utilizada de forma estratégica. Alguns países importam dos seus vizinhos, ou mesmo de origens mais distantes, com o objetivo de industrializar os grãos e agregar valor às suas exportações. Vietnã e Índia, dois dos maiores produtores mundiais de café, aumentaram suas importações de grãos nos últimos anos. Ambos os países possuem indústrias de solúvel cujas exportações estão em crescimento. A Colômbia, por outro lado, aumentou suas importações por conta das sucessivas quebras de safra decorrentes do programa de renovação das lavouras. Esses dados demonstram que existe um fluxo de comércio de café verde entre os países produtores. Essa medida é adotada de forma estratégica, Fonte: ICO (2015) Gráfico 3 - Preço Médio da Saca de Café 11 de modo a trazer benefícios ao próprio país através da agregação de valor ao produto ou suprimento de um eventual déficit na oferta interna. (BICC, 2015) Por fim, o café que há muito tempo é considerado uma commodity, passa também a possuir o status de “speciality”, devido a agregação de valor. O café segue tendências que se movem de acordo com a demanda do mercado e com o perfil dos consumidores. Dentre as grandes tendências, a sustentabilidade/ética tem sido visada tanto por consumidores quanto pelas empresas. Ela se refere a um conjunto de valores e princípios que levam o comprador a associá-los com a própria companhia (BICC, 2015). Apesar da prioridade com preocupações clássicas como preço e qualidade, os consumidores estão mudando seus critérios no momento da compra. Nesse contexto, a sustentabilidade torna-se um atributo que passa a somar à marca, gerando uma relação de confiança entre empresa e consumidor, demonstrando as vantagens que um produto possui em detrimento de outro. Esse princípio pode ser aplicado no âmbito das monodoses, pois seu acelerado crescimento trouxe um maior volume de resíduos. Levando isso em consideração, no mercado internacional as cápsulas, que são referência de inovação, ganham novos tamanhos, reciclabilidade (total ou parcial), e outras características com o intuito de reduzir seu impacto no mio ambiente (BICC, 2015). 1.5.3 PRODUÇÃO DE CAFÉ NO BRASIL A atividade cafeeira é bastante ampla envolvendo agentes que atuam desde a produção até a distribuição do produto. Sendo assim é uma atividade que possui uma dinâmica de funções interdependentes. Para ilustrar seu funcionamento como forma de facilitar a sua compreensão será utilizado a cadeia agroindustrial do café de Castro (2000) que é composta dos segmentos ligados aos fatores de produção, à produção agrícola, ao beneficiamento, e à comercialização do produto. Tal processo envolve a participação fornecedores, produtores, maquinista, trabalhadores rurais, cooperativas e corretores (Figura 1). 12 Fonte: Castro (2000) Figura 1 - Representação da Cadeia Agroindustrial do Café 13 Tendo tal processo em mente, tem-se que os três principais produtos de venda na indústria cafeeira seriam: cafés verdes (grãos); moídos e torrados; e solúvel. A partir disso, é possível fazer uma análise acerca de alguns indicadores do mercado cafeeiro no Brasil. Atualmente, o Brasil mantém sua posição como maior produtor de café do mundo sendo responsável por aproximadamente 32,3% da produção mundial de café, seguido por Vietnã com aproximadamente 15,8% e Indonésia com 9,7% (Tabela 3) (ABIC, 2014). Os principais importadores do produto brasileiro, de acordo com dados de 2014 do Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (CECAFÉ), são os EUA (20%) e os países da União Europeia (51%), especialmente Alemanha (19%), Bélgica (8%), e Itália (8%) (Tabela 4). Fonte: ABIC (2014) Tabela 3 - Exportação mundial por país exportador (*estimativa 2014) 14 Tabela 4 - Exportações Brasileiras de Café para os Principais Destinos (sacas de 60kg) Fonte: CECAFÉ (2014) 15 O agronegócio é extremamente relevante para as exportações totais do Brasil assumindo um valor de cerca de 43% do seu total. Historicamente o café é um produto que assume uma relevância na balança comercial brasileira e, embora tenha decrescido sua participação, ainda representa cerca de 3% de todas as exportações brasileiras, e aproximadamente 7% ao considerar sua participação frente ao total de exportações do agronegócio (Gráfico 4) (CECAFÉ, 2014). Fonte: CECAFÉ (2014) Gráfico 4 - Participação do Café nas Exportações Totais e do Agronegócio Brasil (jan/nov) 16 A exportação de café brasileira dá-se principalmente pela sua forma verde (grãos) (Tabela 5), e movimenta um valor aproximado de 5 a 8 bilhões de dólares ao ano (Gráfico 1), considerando um valor de receita FOB (Free on Board). Tal valor oscila dessa forma, pois depende da cotação média da saca de café durante o período analisado (CECAFÉ, 2014). Fonte: CECAFÉ (2014) Tabela 5 - Exportações Brasileiras de Café por Ano e Tipo Fonte: CECAFÉ (2014) Gráfico 5 - Evolução do Volume e Receita Cambial das Exportações de Café 17 Em relação aos tipos de empresas atuantes na produção, estas são majoritariamente de grande porte (mais de 10.000 sacas por ano), representando um valor aproximado de 74,5% da produção total de acordo com dados dos associados da Associação Brasileira da Indústria de Café, ABIC (2014). Com relação as regiões produtoras, de acordo com dados de junho de 2015 da Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB), Minas Gerais é o maior estado produtor e responde por mais de 50% da produção nacional. O cultivo predominante no estado é de café arábica. O Espírito Santo, segundo maior estado produtor, cultiva predominantemente o café conilon e produziu quase 80% da safra brasileira desta espécie(Gráfico 6). Além disso, é importante destacar o ganho de produtividade nas lavouras do país, uma vez que o produtor tem utilizado técnicas de manejo para melhorar o sistema de manejo, o que resulta em ganho de produção apesar da redução de área (Gráfico 7) (CONAB, 2015). Fonte: CONAB (2015) Gráfico 6 - Participação Percentual da Produção de Café por Unidade Federativa 18 1.5.4 HÁBITOS DE CONSUMO DE CAFÉ NO BRASIL O mercado brasileiro é o terceiro maior mercado consumidor de café do mundo (ICO, 2015). Além disso é um mercado que tem crescido cresceu ao longo dos anos de forma considerável (Gráfico 8) assumindo um valor aproximado de 3,77 bilhões de dólares (considerando 185,43 dólares o preço médio da saca para 2014). Além disso, é um mercado que apresenta características de consumo próprias. Sendo assim, é interessante destacar algumas características do hábito de consumo dos brasileiros como forma de melhor entendê-los, e ajudar no dimensionamento do seu potencial. Tais dados foram retirados de um estudo de tendências de consumo de café realizado em 2010, e divulgado pela Associação Brasileira da Indústria de Café (ABIC). Gráfico 7 - Variação da Área, Produtividade e Produção em Relação à Safra de 2003 - Brasil Fonte: CONAB (2015) 19 Com relação ao consumo de bebidas, o brasileiro majoritariamente consome café sendo a segunda bebida mais consumida (Gráfico 9). Além disso, o nível de consumo de café é regular e não é impactado de forma considerável pelo abandono do mesmo, pois o índice de abandono do café é de 4%, além de ser historicamente baixo (Gráfico 10) (ABIC, 2010). Fonte: ABIC (2014) Gráfico 8 - Evolução do Consumo Interno de Café 20 Fonte: ABIC (2010) Fonte: ABIC (2010) Gráfico 9 - Bebidas consumidas Regularmente pelo Brasileiro Gráfico 10 - Bebidas Abandonadas pelos Brasileiros 21 Com relação a penetração do consumo pelo nível de renda, a classe C é a maior consumidora de café, além de estar se tornando cada vez mais expressiva (Gráfico 11). Dentre outras características, é possível destacar que o consumo regular de café é um hábito inserido no cotidiano dos consumidores. Tal hábito costuma estar associado com o consumo vem quando criança, quando a mãe oferecia. Além disso, o consumo entre homens e mulheres é bem equilibrado (ABIC, 2010) Embora haja essas diferenças acerca do consumo, há uma consolidação do conceito de qualidade (“um bom café”) como um produto sem misturas, aromático e saboroso, independente de região, classe e idade (Gráfico 12). Sendo assim, o estudo indica que há uma predisposição de pagar a mais por uma maior qualidade de café (Gráfico 13) (ABIC, 2010). Fonte: ABIC (2010) Gráfico 11 - Perfil dos Consumidores por Nível de Renda 22 Fonte: ABIC (2010) Gráfico 12 - Conceito de Qualidade do Café Fonte: ABIC (2010) Gráfico 13 - Intenção de Pagar a Mais por Qualidade em um Café 23 1.5.5 MERCADO DE CAFÉS ESPECIAIS Um dos setores que mais crescem no setor cafeeiro são os cafés de alta qualidade, chamados de especiais ou diferenciados. A definição refere-se aos cafés de excelente qualidade, obtidos por um conjunto de processos que abrangem desde o cultivo da planta até a forma de preparo da bebida, possibilitando a obtenção de um café especial. Esse produto tem maior valor de venda e uma forte aceitação nos mercados nacional e internacional. De acordo com dados da “Brazil Specialty Coffee Association”, O valor de venda atual para alguns cafés diferenciados tem um sobrepreço médio que varia entre 30% e 40% acima do preço do café convencional. Em alguns casos, pode ultrapassar a barreira dos 100% (BSCA, 2015). Não existe uma definição precisa sobre o produto e, para estabelecer uma caracterização mais aproximada, devem-se considerar parâmetros intrínsecos da qualidade da bebida, além da condição da produção dos grãos. Sendo assim, diversas vezes o termo café especial é utilizado como sinônimo de café gourmet, contudo não são exatamente a mesma coisa, pois a classificação em café especial envolve a obtenção de certos tipos de certificados. No Brasil, a entidade responsável pela avaliação, qualificação, certificação e fomento do café é a ABIC, contudo ao se tratar especificamente do café especial, a BSCA encarrega-se de avaliar e qualificar os produtos conforme norma rígida de avaliação (SEBRAE, 2015). Dentre os certificados de possível obtenção, pode-se destacar os seguintes (SEBRAE, 2015): Café gourmet: está relacionado a grãos de café arábica de alta qualidade. É um produto diferenciado, quase livre de defeitos. A produção de café gourmet tem sido incentivada pela Organização Internacional do Café (ICO). Café de origem certificada: relaciona-se às regiões de origem dos plantios, uma vez que alguns dos atributos de qualidade do produto são inerentes à região onde a planta é cultivada. O monitoramento da produção é necessário para a rotulagem. Café orgânico: é desenvolvido sob as regras da produção orgânica. Isso significa que o café deve ser cultivado com fertilizantes orgânicos e o controle de pragas e doenças deve ser feito por meio de controle biológico. Para ser rotulado como orgânico, tanto a produção como o processamento precisam ser monitorados por uma agência certificadora credenciada. 24 Café fair trade: é aquele consumido em países desenvolvidos por consumidores preocupados com as condições sociais e ambientais sob as quais o café é cultivado. Observa-se uma disposição para pagar mais pelo café produzido por pequenos agricultores e/ou sistemas de produção sombreados. O processamento também é monitorado, para garantir a presença dos atributos de qualidade desejados. Com relação ao café gourmet, para entender melhor os aspectos que interferem na qualidade do café devem-se levar em consideração variáveis como fatores regionais, espécies e variedades culturais, sistema de processamento e comercialização, tipos de solo, dentre outros. De maneira geral, pode-se dizer que os fatores e os cuidados antes da colheita, durante e após influenciam intensamente na qualidade da bebida. Numa mesma região, e numa mesma espécie, a forma de cultivo dos tratos culturais na colheita podem variar de produtor para produtor devido às condições técnicas, econômicas, disponibilidade de mão-de-obra e equipamentos, o que resulta em grandes variações no resultado do café (LOPES e ANDRADE, 2015). A qualidade do café no Brasil é determinada, principalmente, através de três classificações. A classificação oficial do café por peneira discrimina os grãos beneficiados pelas suas dimensões. Eles são separados e quantificados por peneiras de formas circulares e alongadas, designadas por números, divididos por 64. Cada número indica o tamanho dos furos, expressos em frações de polegadas. As peneiras de grãos chatos vão de 12 a 20 e as dos grãos mocas (arredondados) vão de 8 a 13. Em outra classificação, a cor dos grãos de café influencia, de forma quase decisiva, a avaliação do seu aspecto. As principais tonalidades de cores apresentadas do café arábica são: verde azulada, verde-cana, verde, esverdeada, amarelada, amarela, marrom, chumbada, esbranquiçada e discrepante. O marrom, normalmente, é atribuído ao grão do café conilon e a cor discrepante é consequência de ligas de lotes de café de safras e cores diferentes. Por fim, a “prova de xícara”, é a determinação da qualidade da bebida. Tal classificação é conhecida como análise sensorial, pois é analisado o sabor e o aroma que o café apresenta na prova de xícara. Essa classificação é quase tão antiga quanto a história do café no Brasil. Surgiu no início do século XX e foi adotada pela Bolsa Oficial de Café e Mercadorias de Santos, a partir de 1917. Basicamente, a análise sensorial é realizada por provadores treinados para diferenciar os cafés, segundo seus sentidos.Em ordem decrescente, e de acordo com a tabela oficial de classificação pela bebida, o café é classificado 25 como “estritamente mole”, “mole”, “apenas mole”, “dura”, “riado”, “rio”, e “rio zona” (BSCA, 2015). O Brasil apresenta uma vantagem considerável nesse mercado devido à diversidade de regiões ocupadas pela cultura do café. Sendo assim, o país consegue produzir tipos variados desse produto, fato que possibilita atender às diferentes demandas mundiais, referentes a paladar e preços. O Brasil tem 12 principais regiões produtoras de café (identificados como Sul de Minas, Matas de Minas, Chapada de Minas, Cerrado de Minas, Mogiana-SP, Montanhas do Espírito Santo, Conilon Capixaba, Paraná, Planalto da Bahia, Cerrado da Bahia e Conilon de Rondônia), o que evidencia a variedade de aromas e sabores dos cafés do Brasil. Mesmo sendo os aspectos sensoriais os mais relevantes na caracterização de um café especial, os padrões de sustentabilidade ambiental, econômica e social da cafeicultura brasileira cada vez mais têm influenciado na caracterização do produto (BSCA, 2015). Com relação ao tamanho de mercado, dados recentes mostram que a demanda pelos grãos especiais cresce em torno de 15% ao ano, principalmente no exterior, em relação ao crescimento de cerca de 2% do café commodity. O segmento representa hoje cerca de 12% do mercado internacional da bebida (BSCA, 2015). A partir dos dados divulgados pela Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (CECAFÉ), em 2014 o Brasil exportou um volume de 59,9% maior do que em 2013 (Tabela 6). Sendo assim, em 2014 o país exportou aproximadamente 8,1 milhões de sacas (60 kg) de café diferenciados, valor esse que representou uma receita de 1,88 bilhões de dólares para o setor (Gráfico 14) (CECAFÉ, 2014). 26 Fonte: CECAFÉ (2014) Tabela 6 - Exportações Brasileiras de Cafés Diferenciados de janeiro a dezembro de 2014 Fonte: CECAFÉ (2014) Gráfico 14 - Evolução das Exportações de Cafés Diferenciados (jan/dez) 27 Apesar do potencial de mercado, especialmente no mercado interno, a comercialização de café especial enfrenta suas dificuldades, pois há uma assimetria de informação sobre a qualidade e procedência do café que muitas vezes não fica claro e transparente ao consumidor. Um aumento da regulamentação aliado às tendências de maior conscientização vis-à-vis a estagnação do tradicional gera mais oportunidades de mercados ao café especial (LOPES e ANDRADE, 2015). Ao considerar, por exemplo, o conhecimento sobre o produto tal aspecto fica mais evidente. Muitos dos consumidores não sabem definir com precisão o que seria um café gourmet. Daqueles que sabem, percebe-se que a alta qualidade/sofisticação são elementos que compõem o conceito do produto. Os maiores conhecedores são os consumidores de classe A, possivelmente por serem mercado alvo deste produto, que também associam o café gourmet a grãos especiais e tipo exportação (ABIC, 2010). Fonte: ABIC (2010) Gráfico 15 - Definição de Café Gourmet 28 Visto que o consumidor pode não conseguir distinguir, mesmo após saborear a bebida, se ela possui os atributos por ele desejados, o SEBRAE (2015) recomenda que nesses casos o fortalecimento da confiança no organismo certificador estimula a comprovação dos atributos contidos no selo impresso na embalagem. Assim, é necessário criar relações de confiança que só se estabelecem no longo prazo. Além disso, é preciso rastrear todo o caminho do produto ao longo do sistema produtivo, para reduzir perdas de informação durante o processo. Além disso, a ABIC (2015) também a reforça a tese de que é preciso estimular o consumo de café investindo muito mais em marketing, publicidade, diferenciação e inovação de produtos. O comportamento dos consumidores tem sido o de ampliar a experimentação e valorizar os produtos com melhor qualidade, certificados e sustentáveis. A publicidade institucional deve servir para orientar, educar e difundir conhecimentos sobre café e suas qualidades. Dessa forma, a entidade desenvolveu uma campanha de marketing em 2014, investindo cerca de R$ 2,0 milhões de seus próprios recursos, para enfatizar a importância da pureza e da qualidade, com destaque para o Selo de Pureza. A pesquisa mostrou que 65% dos consumidores entrevistados declara que Fonte: ABIC (2010) Tabela 7 - Definição de Café Gourmet por Classe 29 conhece o Selo de Pureza e 78% consideram o trabalho da ABIC muito importante para estimular o consumo e a qualidade do café. Outro foco de difusão de conhecimento da ABIC a elaboração de iniciativas que destaquem os atributos do café e os seus benefícios para a saúde, energia e bem- estar, de modo a criar uma relação estreita entre a vida saudável, com energia e prazer, que o consumo de café propicia. 1.5.6 PROMOÇÃO DE EXPORTAÇÕES Com relação a atuação do governo brasileiro e outras associações na promoção de exportações no setor, dois aspectos podem ser citados como relevantes para o mercado de cafés especiais. Através de negociações do governo brasileiro e de outros países no âmbito da Organização Internacional do Café (ICO), foi firmado o sétimo Acordo Internacional do Café (AIC) que prevê incentivo à qualidade dos grãos nos países produtores, a expansão sustentável da cultura, e instrumentos de crédito diferenciados para o setor. Segundo a ICO, entidade que representa o setor mundialmente, o acordo busca promover a cafeicultura sustentável (BRASIL GOV, 2015). Além disso, cabe destaque da Agência de Promoção de Exportações (APEX) em conjunto com a Brazil Specialty Coffee Association (BSCA) para uma maior difusão e divulgação dos cafés especiais brasileiros. A participação em feiras internacionais pode ser destacada como uma das formas de divulgação das entidades. Por meio do projeto setorial Brazilian Specialty and Sustainable Coffees, parceria APEX e BSCA, foi levado a nova imagem promocional do País e os melhores grãos produzidos pelos cafeicultores brasileiros à SCAE World of Coffee 2015, considerado o principal evento de cafés especiais da Europa, ocorreu em Gotemburgo, na Suécia, de 16 a 18 de junho. Em um estande estrategicamente montado para evidenciar a imagem de sustentabilidade, sofisticação e futuro da cafeicultura brasileira, foi exposto o respeito a questões ambientais, sociais e econômicas através das imagens do novo posicionamento de branding “Brazil. The Coffee Nation”. Além disso, foram oferecidos cafés especiais brasileiros, preparados em filtro e em máquina de expresso, originários de diversas regiões produtoras do País. Durante o evento, o setor de cafés especiais brasileiro realizou aproximadamente 10,7 milhões de dólares em negócios, havendo expectativa de que outros 31,5 milhões de dólares fossem concretizados através dos contatos realizados. Os participantes do evento reportaram receber muitos elogios pela nova forma 30 de apresentação dos cafés especiais sendo que o estande esteve lotado durante todo o tempo. De acordo com os participantes, os valores de negócios fechados e a concretizar demonstram que os europeus sempre primaram pela qualidade da bebida, e sabem que o Brasil, a nação do café, possui o que desejam para suprir essa busca pela excelência (APEX, 2015). 31 2. REVISÃO DE LITERATURA Neste capítulo serão abordadas as proposições teóricas comportamentais que procuram explicar o fenômeno da internacionalização de empresas. Mais precisamente, serão expostas e discutidas o Modelo de Uppsala, a teoria de Redes, a teoria de Empreendedorismo Internacional, aí incluída a perspectiva Born Global, e a abordagem de Effectuation. 2.1 MODELO DE UPPSALA (1977) A teoria desenvolvida pela escola de Uppsala representa um marco para as teorias de internacionalização de empresa, pois apresenta uma modelagem teórica simples, mas de importantes conclusões parao entendimento do processo de internacionalização da firma, sendo evidenciada em diversos estudos empíricos até os dias de hoje. De forma resumida, o modelo descreve esse processo como sendo uma sequência de decisões incrementais de comprometimento, em que o acúmulo de conhecimento sobre diferentes aspectos do mercado no exterior entra como variável chave para explicar a atitude incremental. Além disso, é curioso observar que o processo de tomada de decisão não estaria ligado com um direcionamento estratégico claro da empresa, mas sim como um processo natural de respostas a oportunidades e desafios que surgem a partir da interação firma-mercado. Para compreender a relevância do modelo de maneira mais completa, e as conclusões descritas anteriormente, é preciso que seja explicitado a formalização teórica do mesmo, realizada por Johanson e Vahlne (1977). No presente estudo de caso, o modelo será utilizado como forma de iniciar as discussões das teorias de internacionalização com viés comportamental. A partir do modelo, diversos estudos e discussões foram geradas que contribuíram inclusive para futuras revisões do próprio modelo. Sendo assim, considerar a configuração original do modelo é interessante para ter um ponto de partida e analisar cronologicamente as mudanças nas abordagens teóricas que serão utilizadas para analisar o caso em questão. O modelo desenvolvido pelos autores foi inspirado em evidências empíricas de estudos anteriores, principalmente a partir de estudos na área de negócios internacionais realizados na universidade de Uppsala. Tais estudos apontaram que as empresas suecas estudadas desenvolveram suas atividades internacionais através de pequenos passos ao longo do tempo, ao invés de investimentos pontuais consideráveis. Além disso, o estabelecimento dessas firmas em novos 32 países apresentou um comportamento alinhado com o conceito de distância psíquica entre país de origem e o hospedeiro. O conceito de distância psíquica é definido como soma de fatores que previnem o fluxo de informação de e para um mercado, como por exemplo: diferenças culturais, educação, linguagem, etc. (JOHANSON e VAHLNE, 1977) Os autores (JOHANSON e VAHLNE, 1977) buscam traçar uma explicação formal para o padrão de internacionalização observado nos estudos. Para tal, buscaram o suporte teórico em outros autores. A empresa não teria uma visão de alocação ótima de recursos como uma base para a tomada de decisão. O processo de internacionalização seria um conjunto de decisões incrementais em resposta a mudanças provenientes da interação entre firma e o ambiente em que atua (JOHANSON e VAHLNE, 1977). Tais mudanças promovem o aparecimento de novas oportunidades e desafios, e, sendo tais questões consideradas de caráter único e associadas ao contexto evidenciado, as soluções a serem implementadas estariam próximas a área do problema em questão (CYERT e MARCH, 1963). A questão do conhecimento entra como ponto chave no desenvolvimento da teoria, pois a dificuldade de acesso a informações voltadas às operações internacionais representaria uma barreira à atuação de empresas no exterior. A dificuldade do acesso a informações, por exemplo, aspectos específicos ligados à operação e cultura local, são fontes de incertezas para as empresas que desejam operar internacionalmente, o que explicaria consideravelmente o caráter incremental do processo de internacionalização. O conjunto de informações específicas ligadas à atuação da firma no mercado do país hospedeiro, e informações desse mercado é definido como conhecimento de mercado (JOHANSON e VAHLNE, 1977). Assume-se que a firma tem como objetivo a maximização do seu lucro de longo prazo, que é tido como equivalente ao seu crescimento (WILLIAMSON, 1966). Por fim, Johanson e Vahlne (1977) optam pela construção de um modelo dinâmico, pois acreditam que o processo de tomada de decisão da firma é afetado por decisões passadas tomadas pela mesma. 33 A partir de tal suporte teórico, o modelo elaborado (JOHANSON e VAHLNE, 1977) é composto por dois conjuntos de variáveis que interagem entre si. As variáveis de estado são comprometimento de mercado e conhecimento de mercado. As variáveis de mudança são atividade correntes e decisão de comprometimento de recursos. Uma estrutura conceitual do modelo pode ser observada a seguir (Figura 2). A seguir, cada uma das variáveis do modelo é explicada para permitir o entendimento da mecânica do modelo. O conceito de comprometimento de mercado envolve dois aspectos. O primeiro possui um caráter mais direto referindo-se à quantidade de investimento comprometido, ou seja, recursos financeiros, humanos, de marketing, etc. Quanto maior a quantidade de recursos investidos em um mercado no exterior, maior será o nível de comprometimento com esse mercado (JOHANSON e VAHLNE, 1977). O segundo envolve certo aspecto de "liquidez" do investimento realizado, pois a qualquer instante do tempo a firma poderia escolher realocar os recursos de uma atividade A para uma atividade B. Quanto maior for a dificuldade de transferência de recursos de uma atividade A para uma B, maior será considerado o grau de comprometimento da empresa. A dificuldade de uma realocação eficiente desses recursos está intimamente relacionada ao grau de especialização que Fonte: Adaptado de Johanson e Vahlne (1977), p. 26 Figura 2 - Modelo de Uppsala Traduzido 34 esses teriam para a atividade em questão. Além disso, cabe ressaltar que mesmo após a realocação e possível adaptação, não há garantia de que esses recursos seriam rentáveis, e tal incerteza contribui para aumentar o grau de comprometimento da empresa com determinado mercado (JOHANSON e VAHLNE, 1977). A relevância do nível de comprometimento com determinado mercado estrangeiro reside no fato de que o mesmo afetaria a percepção de oportunidades e de exposição ao risco da empresa (JOHANSON e VAHLNE, 1977). Conhecimento de mercado é uma das principais variáveis considerada no modelo de Johanson e Vahlne (1977). Esse conhecimento funcionaria como um gatilho, pois a descoberta de novas oportunidades e desafios poderia iniciar um processo de tomada de decisão. Além disso, o conhecimento também serviria como um meio de avaliar suas alternativas, visto que informações sobre mercado e atividades da firma serviriam como base para mapear as opções estratégicas de atuação nesse mercado. O termo conhecimento por si só possuí um caráter amplo, sendo assim os autores utilizam uma classificação do conhecimento definida por Penrose (1966). De acordo com essa autora, o conhecimento é dividido em dois: objetivo, e experiencial. Essencialmente, o conhecimento objetivo seria aquele relacionado a uma maior facilidade de transmissão entre agentes, ou seja, poderia ser ensinado. Já o conhecimento experiencial estaria mais ligado a questões específicas da experiência do agente, o que dificultaria o processo de transmissão desse aprendizado. A relevância dessa separação está relacionada à importância que o modelo de Johanson e Vahlne (1977) dá à questão do conhecimento experiencial. A dificuldade da aquisição de tal conhecimento, e por ser um processo de aquisição gradual, ajuda a entender a razão para diferentes percepções de risco ao longo do tempo, e para o mapeamento de alternativas, visto que esse conhecimento seria um poderoso diferencial na forma de abordagem do problema de acordo com o agente tomador de decisão. Além disso, considerando o conhecimento sobre um mercado em determinado país (hábitos de consumo, cultura, idioma etc.) como uma forma de recurso do agente, há uma clara relação entre conhecimento de mercado e nível de comprometimento de recursos. Quanto maior o conhecimento de mercado, principalmente no tipo de conhecimento experiencial, maior será o nível de 35 comprometimento da firma com essemercado visto a dificuldade de transferência desse recurso para usos alternativos, além de seu próprio valor absoluto em si (JOHANSON e VAHLNE, 1977). A, denominada pelos autores, “atividades correntes” é uma das variáveis de mudança, e possui dois aspectos relevantes na sua avaliação. Existe um certo “lag” entre as atividades correntes da empresa e seu impacto para certos resultados da firma. Sendo assim, quanto maior for o “lag” que a empresa está incorrendo, maior será o nível de comprometimento da empresa com o mercado no exterior (JOHANSON e VAHLNE, 1977). Além disso, as atividades correntes da firma são uma fonte direta de experiência, estando relacionado à construção de conhecimento de mercado. Os autores (JOHANSON e VAHLNE, 1977) subdividem experiência como forma de explorar melhor a questão. A experiência da firma estaria relacionada ao aprendizado de seu processo e operação, estando associada a um aprendizado interno dos agentes que nela trabalham. Experiência de mercado seria aquela relacionada ao aprendizado de aspectos específicos do mercado em que a empresa opera. Este segundo aspecto serve de explicação para atitudes adotadas como a aquisição de empresas locais no país hospedeiro, e de contratação de agentes locais, pois seriam uma forma de acesso mais rápido e direto de experiência de mercado. Apesar disso, experiência de mercado não é o único aspecto relevante para a empresa na atuação em outros países, experiência da firma também seria um fator crucial para uma maior eficiência, ou seja, esses dois aspectos da experiência devem interagir harmoniosamente, e são igualmente importantes para o processo de internacionalização da firma. Por fim, a descrição da decisão de comprometimento de recursos serve como forma de consolidar os aspectos do modelo levantados anteriormente. Para entender tal decisão, é necessário compreender de que forma as alternativas para a tomada de decisão seriam levantadas, e de que forma o agente tomador de decisão as escolheria (JOHANSON e VAHLNE, 1977). Com relação ao primeiro aspecto, as alternativas são mapeadas a partir do conhecimento acumulado pelo agente, principalmente aquele ligado ao aspecto experiencial, razão pela qual, segundo os proponentes do modelo, cada agente observa um conjunto de alternativas único. Além disso, possivelmente o tomador de decisão seria alguém ligado mais diretamente a área de 36 operações da firma, pois ele estaria exposto diretamente ao aprendizado proveniente da experiência da empresa, e da experiência de mercado (JOHANSON e VAHLNE, 1977). Visto que a parte de operações da firma estaria mais em contato com o mercado, possíveis oportunidades e desafios também seriam identificados por esse setor. Sendo assim, a partir do argumento de Cyert e March (1963) sobre as soluções a serem implementadas estarem próximas a área do problema em questão, Johanson e Vahlne (1977) concluem que as alternativas mapeadas estarão relacionadas às atividades correntes da firma, ou seja, a escala das operações. Para avaliar a forma como o agente escolhe entre as diferentes alternativas é necessário levar em consideração dois efeitos associados com a decisão de comprometimento de recursos. Um efeito econômico estaria relacionado com o aumento de escala das operações da firma. Além disso, seria necessário avaliar o efeito da incerteza, que é determinado pelas percepções do agente tomador de decisão. Cabe ressaltar que o nível de incerteza é reduzido pelo aumento de interação entre a firma e o mercado. A interação entre essas variáveis é demonstrada pelo framework a seguir. R* = Risco máximo tolerado (em um mercado i) = f (nível de recursos, curva de risco) R = Atual nível de exposição ao Risco = Ci * U Ci = Atual nível de comprometimento de recursos ; R = Incerteza de mercado A partir do framework construído por Johanson e Vahlne (1977), algumas ilações podem ser feitas para um melhor entendimento da mecânica do modelo. De acordo com os autores, decisões de aumento da escala das operações serão realizadas enquanto a atual situação de exposição ao risco da empresa estiver abaixo do máximo tolerável pela mesma. Isso pode ocorrer por um aumento no nível máximo de risco tolerável pela firma (ex: aumento de recursos totais da firma, postura mais agressiva de investimento) ou por uma redução do nível de incerteza sobre o mercado (ex: experiência adquirida pela interação firma-mercado, medidas governamentais de estabilização etc.) (JOHANSON e VAHLNE, 1977). De um ponto de vista global, o caráter incremental do modelo pode ser observado a partir daí, pois cada nova decisão de comprometimento teria por base uma situação e uma percepção de risco em um determinado instante do tempo. Ou seja, uma decisão em “T-1” de comprometimento aproximaria a empresa da sua fronteira de exposição máxima tolerável ao risco. Uma decisão de 37 aumento de comprometimento estimularia a interação entre firma-mercado, o que gera experiência e conhecimento de mercado. Sendo assim, as percepções de incerteza e risco de mercado são modificadas, levando a uma nova situação de exposição ao risco da empresa em t, e a uma nova decisão de comprometimento (JOHANSON e VAHLNE, 1977). Por fim, Johanson e Vahlne (1977) argumentam que a firma fugiria desse processo incremental de comprometimento em três situações. Quando o nível de recursos da firma é suficientemente alto, o que resultaria em um nível de exposição máximo ao risco elevado (R* alto). Quando os mercados são estáveis e homogêneos, pois a experiência não seria um fator fundamental para a atuação da firma no mercado e, por último, quando a empresa já atua em mercados com características de muito similares do mercado para o qual ela quer se expandir. 2.1.1 CRÍTICAS A UPPSALA O modelo de Uppsala ganhou muito espaço entre aqueles que estudam a internacionalização das empresas, pois é um modelo elegante que combina poucas variáveis com uma grande capacidade explicativa. Apesar disso, a partir de estudos de casos realizados e da análise de premissas do modelo, diferentes autores fizeram observações acerca da lógica do modelo e de sua aplicabilidade. Tais críticas serão úteis para o desenvolvimento de novos arcabouços teóricos assim como futuras revisões do modelo original de Uppsala. Uma das críticas defende que o modelo seria muito determinístico (REID, 1983; TURNBULL, 1987; ROSSON, 1987), pois os estágios considerados no modelo seriam uma ordem que necessariamente a empresas deveria passar. O argumento utilizado para sustentar tal crítica seria de que a firma poderia optar por diferentes estratégias acerca do modo de entrada e expansão no mercado. Reid (1983) argumenta que tal escolha dependeria das contingências associadas com as condições do mercado em questão, e que o método de análise via custos de transação seria um modelo processual melhor para explicar a diversidade e variações nos comportamentos da firma durante o processo de internacionalização. De acordo com Johanson e Vahlne (1990), o argumento é bem plausível, mas não seria necessariamente uma crítica que invalidaria o modelo de Uppsala, mas que, sim, serviria como base para desenvolvimento e diferenciação do modelo. Forsgren (1989) argumenta que o modelo teria mais relevância ao analisar as fases iniciais de internacionalização da empresa em que conhecimento de mercado e recursos seriam fatores 38 limitadores para a mesma. Sendo assim, quando a firma que já tivesse atividade em vários países e tais fatores não fossem mais limitadores, esta poderia adotar uma estratégia de alocação de recursos baseada em informações sobre o mercado ao invés de uma resposta ao desconhecido. Tal crítica estaria consistente com o suporte empírico utilizado no desenvolvimento do modelo, pois seriam empresas que se encontravam em fases iniciais do processo de internacionalização.Nordstrom (1990), por sua vez, argumenta que o mundo como um todo estaria ficando mais homogêneo e, consequentemente, a distância psíquica estaria se reduzindo. Sendo assim, novas empresas estariam dispostas a entrar em mercados maiores mais cedo, o que faria com que a distância psíquica perdesse poder explanatório no processo de internacionalização dessas empresas. Além disso, outro aspecto que entraria na questão de mercados mais homogêneos seriam as mudanças ambientais que modificam o contexto para internacionalização das empresas. Dentre essas mudanças, é possível destacar os avanços na área de suprimentos, meios de comunicação mais eficientes, mercados menos fragmentados, e aumento da ênfase em P&D (NORDSTROM e VAHLNE, 1985). Outra crítica seria que o modelo não levaria em consideração aspectos relacionados a interdependência de mercados entre países (JOHANSON e MATTSSON, 1986). Tal crítica apontaria um problema conceitual e um explanatório para modelo. Do ponto de vista conceitual, a caracterização do nível de internacionalização da firma seria diferente ao considerar atuação em mercados tido como distintos ou interdependentes, pois em casos de mercados interdependentes seria razoável considerar a firma mais internacionalizada. Do ponto de vista explanatório, a interdependência entre mercados impactaria de maneira considerável o processo de internacionalização da firma Outros estudos apontariam que o modelo de internacionalização proposto não seria válido para a indústria de serviços. Um exemplo disso, seria um estudo de internacionalização baseado em bancos suíços que sugere que o estabelecimento de subsidiárias no exterior não seria governado por distância cultural (ENGWALL e WALLENSTAL, 1988). Contudo, o estudo de Tschoegl (1982) acerca da entrada de bancos no Japão e na Califórnia apontou que o processo observado teria sido incremental. 39 Forsgren (2002) seguiu uma linha um pouco diferente ao considerar o modelo de Uppsala. Ao invés de tentar testar o nível de aplicabilidade do modelo em casos reais e o processo descrito de internacionalização, o autor tentou estabelecer críticas construtivas acerca de certas premissas do modelo. O foco de sua análise foi principalmente a questão das formas de aprendizado e como elas impactariam na percepção de incerteza sobre o mercado, nas decisões de comprometimento, e na estrutura organizacional da empresa. O autor argumenta que o modelo original de Uppsala teria um foco muito grande na questão da experiência pessoal do agente e o caráter reacionário da tomada de decisão. Ao considerar isso, o modelo negligencia o impacto no processo de internacionalização que outras formas de aprendizado teriam, como: imitação do concorrente, incorporação de outras pessoas e organizações, e a busca proativa de novas informações e soluções para os desafios encontrados. Além disso, o próprio acúmulo de conhecimento através da questão experiencial apresentaria seus problemas. O modelo supõe que as pessoas presentes nos ramos mais periféricos das organizações seriam responsáveis pelas operações locais no exterior. Contudo, ao considerar a estrutura organizacional de forma menos rígida, seria válido o questionamento acerca que qual agente seria responsável pela interpretação do aprendizado e de quais preferências influenciariam os rumos da organização, pois nesse cenário haveria a possibilidade que grupos/indivíduos dentro da organização tivessem diferentes interesses. Outro aspecto seria o problema da permanência do agente acumulador de conhecimento na empresa, pois o modelo implicitamente supões que haveria a estabilidade do agente na firma (FORSGREN , 2002). 2.2 TEORIA DE REDES Proposta por Johanson e Mattsson (1988), a teoria de redes suscitou uma nova forma de avaliar o processo de internacionalização das empresas, pois cada firma avaliaria suas opções não somente pelos recursos que detêm, mas também pelas oportunidades e vantagens provenientes dos relacionamentos que a empresa constrói, sejam estes na rede em que a empresa atua ou pretende atuar. O segundo aspecto representa o caráter inovador da abordagem para o processo de internacionalização da firma, pois o processo de tomada de decisão assumiria um caráter mais dinâmico e interdependente, tendo por foco a dinâmica desses relacionamentos. Baseando-se na dinâmica desses relacionamentos e na sua relevância para a firma, a teoria introduz a possibilidade 40 de multilateralidade no processo de tomada de decisão, pois o agente passa a ter a possibilidade de ser influenciado a internacionalizar-se a partir de decisões tomadas por outras firmas. Além disso, a teoria de redes introduz um aspecto conceitual novo que resultaria em um aumento no nível de internacionalização da empresa. As visões mais tradicionalmente abordadas nas teorias são representadas pela extensão internacional (atuar em um novo mercado), e pela penetração internacional (aumentar participação). A chamada integração internacional introduz essa nova forma de internacionalização, sendo descrita como o fortalecimento da posição da empresa na rede através de uma maior integração das atividades da empresa em diferentes redes nacionais. Por fim, o mapeamento de opções para o processo de tomada de decisão da firma está vinculado não somente ao nível de internacionalização da empresa em questão, mas também ao nível de internacionalização da rede de produção ao qual está inserida. Para entender de forma mais completa o processo mencionado, é necessária uma análise da teoria por trás desse modelo. O estudo da teoria de redes servirá para considerar a relevância dos relacionamentos no processo de internacionalização da firma, além de servir como base teórica para o surgimento de novos arcabouços teóricos considerados relevantes para o caso. O suporte para o desenvolvimento do modelo (JOHANSON e MATTSSON, 1988) provém de estudos empíricos na área de marketing, especialmente marketing industrial, que apontariam aspectos interessantes sobre a interação entre uma empresa e seus agentes. Alguns desses estudos apontaram a existência de um relacionamento de longo prazo entre fornecedores e clientes. Uma das razões para a existência desses relacionamentos de longo prazo seria a necessidade do desenvolvimento de um conhecimento mútuo entre fornecedores e clientes para a condução de negócios (ex: detalhes sobre operação). A construção desses relacionamentos ocorreria principalmente através da experiência direta proveniente da transação entre agentes, pois muitas questões não poderiam ser previstas no processo de negociação. Sendo assim, visto a relevância da obtenção da experiência direta para a construção de relacionamentos, este seria um processo que demanda tempo e esforço de ambas as partes (JOHANSON e MATTSSON, 1988). Além disso, outro estudo de um acadêmico proeminente (WEBSTER, 1979) destacou a importância de ir além da questão do produto ou mercado atuante para considerar o entendimento 41 dos aspectos estratégicos para a tomada de decisão da firma. Para o autor, o foco dessa análise estaria ligado a aspectos dos relacionamentos existentes entre comprador-vendedor. É possível observar que as ideias propostas aparentam estar ligadas à visão mais moderna de marketing, pois apresentam uma perspectiva mais integrada de cadeia de valor tendo por foco a relação cliente-fornecedor. A partir de tais estudos, os autores (JOHANSON e MATTSSON, 1988) sugerem que assim como as firmas, as indústrias estariam estruturadas de forma similar. A indústria como um todo é abordada, pois a existência desses relacionamentos não estaria limitada pelas fronteiras de um país. Sendo assim, a aplicação dessa visão para as indústrias permitiria uma descrição representativa de verdadeiras redes, sendo destacado a característica de interdependência entre os agentes nelas atuantes.
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