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Custo e Viabilidade de Belo Monte

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Belo Monte vai custar R$ 44 bi, diz 
ambientalista 
 
 
CHIARETTI, Daniela. “Belo Monte vai custar R$ 44 bi, diz ambientalista”. Valor 
Econômico, São Paulo, 28 de abril de 2010. 
 
 
Roberto Smeraldi, 50 anos, diretor da Amigos da Terra - Amazônia Brasileira, diz que 
Belo Monte não só não tem viabilidade econômica utilizando-se os critérios 
convencionais, mas que se forem incorporados custos ambientais e sociais, a energia 
gerada pela hidrelétrica custaria mais de R$ 200 o megawatt-hora. Ele faz essa conta 
somando custos de engenharia, isenção fiscal e os serviços básicos para quem vive 
em Altamira e terá que ser realocado (cerca de 30 mil pessoas) e para os 100 mil 
migrantes que chegarão. O ambientalista deixa de fora do cálculo as perdas de 
biodiversidade e as emissões de gases-estufa, bem mais complicadas de estimar, e 
crava o custo de Belo Monte em R$ 44 bilhões. "O que mais preocupa é que se está 
colocando lá dinheiro do Tesouro, de FAT e até de FGTS”, observa. 
 
Na visão de Smeraldi, que conhece bem a região do Xingu onde o governo quer 
erguer a hidrelétrica, ao investir em Belo Monte o país deixa de colocar dinheiro onde 
deveria - na eficiência energética e na conservação. O Brasil perde na distribuição e na 
geração 1/4 da energia que produz, lembra. "Está se secando a fonte para fazer 
investimentos viáveis. É o chamado custo de oportunidade, que é o custo de não fazer 
outras coisas com aquele mesmo dinheiro", diz. Um estudo do Banco Interamericano 
de Desenvolvimento (BID) indica que no caso do Brasil, cada R$ 1,00 investido em 
eficiência energética tem impacto equivalente a mais de R$ 3,00 investidos em 
geração de eletricidade adicional. A lógica de Smeraldi é inversa à do presidente Lula: 
"Belo Monte vai na direção do apagão." 
 
 
Valor: Qual é a sua posição sobre hidrelétricas? 
 
Roberto Smeraldi: Todas as formas de geração têm uma relação custo-benefício que 
muda de acordo com os projetos. Não é que hidrelétrica é boa ou é ruim, ou que eólica 
é boa ou ruim, ou solar, ou bagaço. Todas essas fontes têm impactos e oferecem 
oportunidades. É preciso fazer esse balanço e ver o saldo. A nossa posição não é 
ideológica. Temos no Brasil casos de hidrelétricas sensacionais, como Itaipu, que é top 
da eficiência, um altíssimo custo-benefício em todos o sentidos. Até nas emissões ela 
é quase nula. 
 
 
Valor: Não é este o caso de Belo Monte, não é? 
 
Smeraldi: Belo Monte não tem viabilidade econômica, mesmo usando-se apenas os 
critérios convencionais. Se forem incorporados os custos ambientais e sociais, então, é 
péssima. Com as externalidades sociais e ambientais, o preço de Belo Monte está na 
faixa de R$ 200 o MW. 
 
 
Valor: Como se faz essa conta? 
 
Roberto: Somando os custos de engenharia, a usina vai para R$ 28 bilhões a R$ 29 
bilhões; com a isenção fiscal, vai para R$ 36 bilhões. Se calcularmos os serviços 
básicos para quem vive ali, mais as 100 mil pessoas que vão chegar e as 30 mil que 
serão realocadas, já estamos em R$ 44 bilhões. Ainda teríamos que calcular as 
emissões de gases-estufa do desmatamento e a perda da biodiversidade. Se a conta 
for feita assim, o custo vai muito além da eólica. A energia deveria ser vendida a R$ 
200. O que mais preocupa é que se está colocando lá dinheiro do Tesouro, de FAT e 
até de FGTS e com renúncia fiscal. Além disso, não serão feitos investimentos nas 
áreas de energia onde seria necessário fazer. 
 
 
Valor: Por que não? 
 
Smeraldi: Porque todo o dinheiro disponível vai para subsídios e se concentra num 
grande empreendimento. Está se secando a fonte para fazer investimentos viáveis. É o 
chamado custo de oportunidade, que é o custo de não fazer outras coisas com aquele 
mesmo dinheiro. Belo Monte vai na direção do apagão. 
 
 
Valor: Como assim? 
 
Smeraldi: Tira recursos de investimentos que ajudariam a prevenir o apagão. 
Perdemos na distribuição e na geração 1/4 daquilo que a gente produz. Estamos 
gerando menos do que se poderia com a atual capacidade instalada. Com a 
modernização das usinas (a chamada repotenciação) já instaladas se poderia 
aumentar em 6% a geração atual. O Banco Interamericano de Desenvolvimento fez 
em 2008 um grande estudo sobre o setor energético da América Latina, incluindo um 
ranking de eficiência de cada país. No caso do Brasil, cada R$ 1,00 investido em 
eficiência energética tem impacto equivalente a mais de R$ 3,00 investidos em 
geração de eletricidade adicional. O BID avaliou as necessidades de crescimento até 
2016 e estima que o país deveria investir US$ 6,8 bilhões em eficiência, ou, para ter o 
mesmo resultado, US$ 21 bilhões em geração. 
 
 
Valor: O que pode dizer sobre as perdas na distribuição? 
 
Smeraldi: Não há auditoria que diga quanto se está perdendo de energia nos últimos 
anos no linhão de Itaipu. Mas não faz nenhum sentido ligar as térmicas a todo vapor, 
se neste verão todos os reservatórios estavam cheios. É um paradoxo. Além disso, os 
investimentos para gerar nova energia darão resultados em cinco anos, mas 
investimentos para evitar o desperdício dão resultado imediato. E o nosso potencial de 
bagaço significa três Belo Monte. 
 
 
Valor: Vocês fizeram uma ação para impedir o leilão, certo? 
 
Smeraldi: Foi a ação para a qual foi dada a liminar e que valia enquanto o leilão 
ocorreu. E é uma das razões pelas quais o leilão pode ter sido realizado ilegalmente. 
 
 
Valor: Por quê? 
 
Smeraldi: No site do tribunal está registrado que as partes foram notificadas a respeito 
da liminar às 12h25 e ela foi publicada no site às 13 h. Ou seja, era de domínio 
público. Mas a Aneel realizou o leilão apesar de uma decisão judicial que o impedia. O 
leilão ocorreu às 13h24, ocorreu sob embargo. Acho difícil que chegue a ser 
homologado. 
 
 
Valor: Qual era o argumento da ação? 
 
Smeraldi: A licença prévia do Ibama estabelece um reservatório de 516 km2. É este 
também o valor pelo qual a Agência Nacional de Águas (ANA) declarou a reserva de 
disponibilidade hídrica do rio Xingu. Mas o edital que convocou o leilão mudou este 
valor para um tamanho de reservatório 29,47% maior do que foi licenciado pelo Ibama. 
 
 
Valor: O que pode acontecer? 
 
Smeraldi: Três coisas. Nós podemos entrar com recurso contra a cassação da liminar, 
que foi cassada só na noite do dia 20. A outra é que esta ação terá que ser julgada no 
mérito também. E a terceira é que o Ministério Público abriu um inquérito para verificar 
essa questão do leilão ocorrendo sob embargo da Justiça. 
 
 
Valor: A União diz que vai processar quem entrou com ações. 
 
Smeraldi: Acho preocupante que a União não entenda que é obrigação, tanto do 
Ministério Público quanto de instituições como a nossa, a tutela de interesses difusos. 
Somos uma Oscip e para nós não é uma opção agir na tutela dos interesses difusos, 
da lisura e legalidade dos processos que dizem respeito ao meio ambiente. É uma 
obrigação. 
 
 
Valor: O argumento da AGU é que as ações vão na direção contrária aos interesses do 
Brasil. Dizem que o país precisa crescer e para isso precisa de energia. 
 
Smeraldi: Eles podem achar que é interesse do Brasil jogar dinheiro público em Belo 
Monte, eu posso achar que é interesse do Brasil não jogar fora a energia que já 
estamos produzindo. Ambas as posições são legítimas. Mas eles deveriam se pautar 
pela lei. Mas atacam quem promoveu as ações. Até um juiz disse que era pressionado 
pela Agência Brasileira de Inteligência (Abin). Esse tipo de coisa a gente não esperaria 
depois de 22 anos da Constituição democrática. 
 
 
Valor: Belo Monte poderia ser menor? 
 
Smeraldi: Belo Monte já foi feita menor. O problema é que sem reservatórios 
complementares não tem viabilidade econômica, e isso significa alagar grandes áreas. 
Belo Monte só terá vazão quatro meses ao ano. 
 
 
Valor: E o argumento de que o Brasil precisa de energia? 
 
Smeraldi: Este deveria ser o foco de uma política energética. Há um grande espaço 
para o Brasil investir em tecnologia para crescer com menos intensidadede energia 
por unidade de PIB gerado. Ou seja, aumentar a eficiência. Ao mesmo tempo, investir 
em setores menos intensivos de energia. Não vejo como o país possa crescer 
subsidiando a indústria do alumínio. Tem que fazer investimento em indústria no Brasil. 
A economia florestal, por exemplo, traz um volume de emprego muito alto e não é 
eletrointensiva.

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