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Universidade Federal do Rio de Janeiro Instituto de Matemática - PEMAT Doutorado em Ensino e História da Matemática e da Física A Ação de Ledores Diante de Questões de Matemática em Avaliações Públicas Doutorando: Ledo Vaccaro Machado Orientadora: Claudia Coelho de Segadas Vianna ii iii LEDO VACCARO MACHADO A AÇÃO DE LEDORES DIANTE DE QUESTÕES DE MATEMÁTICA EM AVALIAÇÕES PÚBLICAS DOUTORADO EM ENSINO E HISTÓRIA DA MATEMÁTICA E DA FÍSICA UFRJ RIO DE JANEIRO 2020 iv v LEDO VACCARO MACHADO A AÇÃO DE LEDORES DIANTE DE QUESTÕES DE MATEMÁTICA EM AVALIAÇÕES PÚBLICAS Tese de Doutorado apresentada à banca examinadora como exigência para obtenção do título de Doutor em Ensino e História da Matemática e da Física, sob orientação da Profª. Dra. Claudia Coelho de Segadas Vianna UFRJ RIO DE JANEIRO 2020 vi vii CIP – Catalogação de Publicação Elaborado pelo sistema de Geração Automática da UFRJ com os dados fornecidos pelo(a) autor(a) viii ix LEDO VACCARO MACHADO A AÇÃO DE LEDORES DIANTE DE QUESTÕES DE MATEMÁTICA EM AVALIAÇÕES PÚBLICAS Tese de Doutorado apresentada à banca examinadora como exigência para obtenção do título de Doutor em Ensino e História da Matemática e da Física, sob orientação da Profª. Dra. Claudia Coelho de Segadas Vianna Aprovado em 04 de fevereiro de 2020. Claudia Coelho de Segadas Vianna, Doutora, IM-UFRJ João Ricardo Melo Figueiredo, Doutor, IBC Rodrigo Pereira da Rocha Rosistolato, Doutor, FE-UFRJ Victor Augusto Giraldo, Doutor, IM-UFRJ Marta Feijó Barroso, Doutora, IF - UFRJ x xi DEDICATÓRIA Aos Ledores, Transcritores e Adaptadores das provas. A todos cujo trabalho e empenho são trincheiras na luta por uma sociedade mais justa, com o reconhecimento das diferenças. A eles que tornaram essa tese possível. xii xiii AGRADECIMENTOS Uma tese como essa mão se consubstancia sem a participação de muitos que, em sua maioria, não são laureados ao término do trabalho. É a eles que direciono meus agradecimentos. A Cláudia Segadas, que foi colega no curso de graduação e hoje me orienta na consecução dessa tese. Aos componentes da banca de avaliação cujas observações foram tão prestimosas. À Fundação Cesgranrio, sobretudo na pessoa de Ana Letichevsky, que me liberou as tardes das quartas-feiras no primeiro ano de Doutorado para que eu cursasse as disciplinas e que viabilizou tempo para elaboração da tese. À organização da OBMEP, nas pessoas de Tavene Almeida, Erika Sholl e Cláudia Vasconcelos, que disponibilizaram com a maior presteza as provas adaptadas para Ledor. Ao professor Jean Renato Lira que resolveu e confrontou todas as questões de Matemática das provas do ENEM analisadas. À professora de Português Marlene de Araujo que leu e comentou os textos desse trabalho. Ao professor Rodrigo Pereira da Rocha Rosistolato que encaminhou a pesquisa em um momento no qual as dúvidas estavam dificultando os passos. Ao professor Dário Aguirre cuja entrevista em muito enriqueceu as análises presentes nesse trabalho. À professora Flávia Landim cujas observações sobre gráficos e tabelas orientaram a elaboração dos textos. Ao professor Vinícius de Castro cujas observações foram importantes nas análises presentes nesse trabalho. Às professoras Glória Elena Pereira Nunes e Carmen Branco pelo apoio na revisão de textos em inglês. A Carla Dawidman pelas sugestões concernentes à formatação das referências bibliográficas. xiv xv RESUMO MACHADO, L. V. Ação de Ledores Diante de Questões de Matemática em Avaliações Públicas.2020. 683p. Tese (Doutorado) – Programa de Pós-graduação em Ensino e História da Matemática e da Física, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2020. Palavras-chave: Ledor. Inclusão. Avaliação Pública. Adaptação de Provas. O Ledor é um profissional que atua em avaliações públicas para viabilizar a participação de pessoas que estão impedidas, permanentemente ou temporariamente, de ler ou manipular a prova. Sua função é quebrar a barreira entre a prova e a pessoa que está sendo atendida. Quando quem está sendo atendido é uma pessoa com deficiência visual, sua função precípua é transformar o mundo visível em som. Com o advento da inclusão, aumentou a participação de pessoas com deficiência visual em avaliações públicas e, com o desenvolvimento da tecnologia, aumentaram os apelos visuais nas provas. Como consequência, tornou-se necessário um maior número de Ledores e uma maior qualificação desses Ledores. Por outro lado, um dos princípios básicos das avaliações públicas é o princípio da isonomia; é a pressuposição da equidade entre os participantes. Sem a assistência de um Ledor, a resolução das questões de uma prova ocorre através da relação direta entre a prova e o participante. Com um Ledor, um mediador aparece, e a interferência desse mediador no processo de isonomia deve ser investigada, o que se constitui como proposta desse trabalho. Com o objetivo de minimizar a interferência das idiossincrasias dos Ledores nas descrições de imagens e leituras de símbolos, algumas organizações responsáveis por avaliações passaram a usar uma prova adaptada para Ledor, uma prova na qual as imagens e os símbolos são descritos por um adaptador, que acaba sendo mais um mediador entre a prova e o participante. A equivalência entre a prova convencional e a prova adaptada é mais um elemento investigado nesse trabalho. O objetivo desse trabalho é verificar a satisfação do princípio da isonomia (equidade) diante das ações dos Ledores e das provas adaptadas. Para desenvolver essas investigações, foram analisadas as questões de Matemática das provas do ENEM de 2016, de 2017 e de 2018, e as questões do nível 3 da OBMEP dos mesmos anos. Além disso, foram realizadas entrevistas com um Ledor e com um coordenador/tutor de um curso de qualificação de Ledores. Concluiu-se, ao final das investigações, que a garantia da isonomia (equidade) não se faz possível diante da complexidade que envolve as ações dos Ledores e a adaptação das provas. Palavras-chave: Ledor. Inclusão. Avaliação Pública. Adaptação de Provas. xvi xvii ABSTRACT MACHADO, L. V. Action of Readers Facing Mathematics in Public Assessiments.2020. 683p. Thesis (doctorate) - Postgraduate Program in Teaching and History of Mathematics and Physics, Federal University of Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2020. Keywords: Ledor. Inclusion. Public Evaluation. Test Adaptation. Ledor is a professional who works in public assessments enabling the participation of students who are permanently or temporarily unable toread or manipulate the tests. His/Her function is to break the barrier between the test and the person who is being attended. When the person that is attended is visually impaired, hisprimary function is to turn the visible world into sound. With the advent of inclusion, the participation of visually impaired person in public assessments has increased, and with the development of technology, the visual appeal in the tests has increased too. As a result, a greater number of Ledores and a higher qualification of these Ledores became necessary. On the other hand, one of the basic principles of public evaluations is the principle of isonomy; it is the assumption of equity among the participants. Without the assistance of a Ledor, the resolution of the questions of a test occurs through the direct relationship between the exam and the participant. With a Ledor, a mediator appears, and the interference of this mediator in the process of isonomy must be investigated, which constitutes the proposal of this work. In order to minimize the interference of Ledor idiosyncrasies in image descriptions and symbol readings, some evaluating organizations have used an adapted test to the Ledor, a test in which an adapter, which turns out to be another mediator between the test the participant, describes images and symbols. The equivalence between the conventional test and the adapted test is one more element investigated in this work. The objective of this work is to verify the satisfaction of the principle of isonomy (equity) facing the actions of Ledores and the adapted tests. In order to develop these investigations, the mathematics questions of the 2016, 2017 and 2018 ENEM tests and the OBMEP level 3 questions of the same years were analyzed. In addition, interviews were conducted with a Ledor and a coordinator/tutor of a Ledor qualification course. It was concluded, at the end of the investigations, that the guarantee of isonomy (equity) is not possible due to the complexity that involves the actions of Ledores and the adaptation of tests. Keywords: Ledor. Inclusion. Public Evaluation. Test Adaptation. xviii xix ÍNDICE DE ILUSTRAÇÕES Figura 1 - Congruência entre imagem e descrição 18 Figura 2 - Percentual de sucesso em tradução para linguagem simbólica 22 Figura 3 – Mapa de percepção visual 27 Figura 4 - Charge de prova de Língua Portuguesa 35 Figura 5 - Redes de computadores 37 Figura 6 – Gráfico: teoria 3D de gestão 38 Figura 7 - Esfera submersa em um líquido 40 Figura 8 - Mapa de curas de complexa descrição 41 Figura 9 - Retas em um sistema cartesiano 42 Figura 10 - Três cenários de investimento 43 Figura 11 - Tabela de vazão de afluente 44 Figura 12 - Descrição de tabela elemento a elemento 46 Figura 13 - Tabela presente nas opções 47 Figura 14 - Cargas elétricas puntiformes 52 Figura 15 - Charge de prova de Língua Portuguesa 56 Figura 16 - Mapa com navio e marca do tesouro 61 Figura 17 - Roda gigante e senoide 63 Figura 18 - Cartão resposta 64 Figura 19 - Pilhas e lâmpadas conectadas 19 Figura 20 - Guernica de Picasso 72 Figura 21 - Guernica de Picasso dividida em setores 73 Figura 22 - Charge JK e Jeca 74 Figura 23 - Primeira questão da entrevista 89 Figura 24 - Segunda questão da entrevista 90 Figura 25 – Terceira questão da entrevista 90 Figura 26 - Quarta questão da entrevista 91 Figura 27 - Gráfico com duas senoides 118 Figura 28 - Tabela de população por Grandes Regiões 119 Figura 29 - Reservatório dividido em três compartimentos 120 Figura 30 - Medidor de nível de combustível 121 Figura 31 - Gráfico pluviosidade, temperatura máxima e temperatura mínima 121 xx Figura 32 - Gráfico de setores e gráfico de linha 125 Figura 33 - Mapa das quadras de um bairro 126 Figura 34 - Coroa e catraca de bicicleta 127 Figura 35 - Dois mirantes unidos por teleférico 128 Figura 36 - Igreja de São Francisco de Assis, Pampulha 129 Figura 37 – Taça 1 129 Figura 38 - Disposição de quatro taças em uma bandeja 130 Figura 39 – Taça 2 130 Figura 40 - Compasso traçando um círculo 131 Figura 41 – Gráfico de volume de água armazenada 132 Figura 42 – Taça Fifa 134 Figura 43 – Prisma triangular reto 134 Figura 44 – Termômetro 135 Figura 45 - Diagrama de conjunto: solução 1 138 Figura 46 - Diagrama de conjunto: solução 2 139 Figura 47 - Diagrama de conjunto: solução 3 139 Figura 48 - Gráfico com dois segmentos 140 Figura 49 - Logotipo ECO 142 Figura 50 - Malha formada por circunferências 143 Figura 51 - Pontos sobre um triângulo no sistema cartesiano 144 Figura 52 - Garagem, rampa e portão 145 Figura 53 - Figura geométrica: retângulo e triângulo 155 Figura 54 – Pilha de quadradinhos 156 Figura 55 – Quadriculado 3 por 3 156 Figura 56 – Dado que se desloca 157 Figura 57 – Anéis concêntricos 157 Figura 58 – Quadrados concêntricos 158 Figura 59 – Três quadriculados 2 por 3 162 Figura 60 – Triângulo equilátero com pontos sobre os lados 163 Figura 61 – Triângulos e pontos médios de seus lados 1 164 Figura 62 – Triângulos e pontos médios de seus lados 2 164 Figura 63 – Região limitada por segmento e arcos de circunferência 165 Figura 64 – Ponto P que se desloca sobre poligonal 1 165 Figura 65 – Ponto P que se desloca sobre poligonal 2 166 xxi Figura 66 – Tabela com soma dos números de cada linha 169 Figura 67 – Gráfico radar 170 Figura 68 – Tabela descritiva do gráfico radar 171 Figura 69 – Jarras com água 169 Figura 70 – Área de região sombreada sobre um triângulo retângulo 1 172 Figura 71 – Área de região sombreada sobre um triângulo retângulo 2 173 xxii ÍNDICE DOS QUADROS Quadro 1 - Classificação das questões de Matemática das provas do ENEM de 2016, 2017 e 2018 149 Quadro 2 - Respostas ao crivo de análise das provas do ENEM de 2016, 2017 e 2018 151 Quadro 3 - Classificação das questões da fase1 do nível 3das provas da OBMEP de 2016, 2017 e 2018 176 Quadro 4 - Classificação das questões da fase2 do nível 3 das provas da OBMEP de 2016, 2017 e 2018 176 Quadro 5 - Classificação das questões das duas fases do nível 3 das provas da OBMEP de 2016, 2017 e 2018 177 Quadro 6 - Respostas ao crivo de análise das provas da fase 1 do nível 3 da OBMEP de 2016, 2017 e 2018 180 Quadro 7 - Respostas ao crivo de análise das provas da fase 2 do nível 3 da OBMEP de 2016, 2017 e 2018 180 Quadro 8 - Respostas ao crivo de análise das provas das duas fases do nível 3 da OBMEP de 2016, 2017 e 2018 180 xxiii SUMÁRIO 1 – APRESENTAÇÃO 1 2 – A INCLUSÃO 6 2.1 – Introdução 6 2.2 – A pessoa com deficiência visual 6 2.3 – A percepção social das diferenças 8 3 – LER 11 3.1 – Introdução 11 3.2 – Ler (verbo bitransitivo) 11 3.3 – Lendo imagens 15 3.4 – Lendo Matemática 20 4 – ADAPTAÇÕES DE AVALIAÇÕES PÚBLICAS PARA PESSOAS COM DEFICIÊNCIA VISUAL 25 4.1 – Introdução 25 4.2 – Prova Ampliada 26 4.3 – Prova em Braille 29 4.3.1 – Sobre a forma da prova 29 4.3.2 – Texto 30 4.3.3 – Imagem 35 4.3.3.1 – Charges, quadrinhos, desenhos e esquemas 35 4.3.4 – Tabelas 43 4.4 - Prova a Ser Lida por um Programa de Computador 48 4.4.1 – O NVDA e o DOSVOX49 4.4.2 – Sobre a forma da prova 50 4.4.3 – Texto 51 4.4.4– Imagem e Tabelas 55 4.4.4.1 - Charges, quadrinhos, desenhos e esquemas 56 4.4.4.2 – Símbolos 57 4.5 – Prova a Ser Lida por um Ledor 60 4.6 – Produção de Respostas 64 4.6.1 – Registro das respostas às questões de múltipla escolha 64 4.6.2 – Redação e questão discursiva 65 xxiv 5 – O LEDOR 67 5.1 – Introdução 67 5.2 – O curso de Ledor 67 5.3 – As ações do Ledor 69 6 – METODOLOGIA 79 6.1 – Introdução 79 6.2– Seleção de dados e escolha metodológica 79 6.3 – Entrevistas 88 7 – ENTREVISTAS COM OS ATORES 94 7.1 – Introdução 94 7.2 – Entrevista com coordenador/tutor de um curso de formação de Ledores 94 7.3 – Entrevista com Ledor 108 8 – ANÁLISE DE QUESTÕES 114 8.1 – Introdução 114 8.2 – ENEM 2016 115 8.3 – ENEM 2017 123 8.4 – ENEM 2018 137 8.5 – As três provas analisadas do ENEM 148 8.6 – OBMEP 2016 153 8.7 – OBMEP 2017 160 8.8 – OBMEP 2018 168 8.9 – As três provas analisadas da OBMEP 175 9 – CONCLUSÃO 182 REFERÊNCIAS 188 APÊNDICES 194 1 – Quadro resumo da classificação e da análise das questões selecionadas do ENEM 2016 194 2 – Quadro resumo da classificação e da análise das questões selecionadas do ENEM 2017 195 xxv 3 – Quadro resumo da classificação e da análise das questões selecionadas do ENEM 2018 196 4 – Quadro resumo da classificação e da análise com todas as questões do ENEM 2016. 197 5 – Quadro resumo da classificação e da análise com todas as questões do ENEM 2017 198 6 – Quadro resumo da classificação e da análise com todas as questões do ENEM 2018 199 7 – Quadro resumo da classificação e da análise das questões selecionadas da fase1 e da fase 2 do nível 3 da OBMEP 2016 200 8 – Quadro resumo da classificação e da análise das questões selecionadas da fase1 e da fase 2 do nível 3 da OBMEP 2017 201 9 – Quadro resumo da classificação e da análise das questões selecionadas da fase1 e da fase 2 do nível 3 da OBMEP 2018 202 10 – Quadro resumo da classificação e da análise de todas as questões da fase1 e da fase 2 do nível3 da OBMEP 2016 203 11 – Quadro resumo da classificação e da análise de todas as questões da fase1 e da fase 2 do nível 3 da OBMEP 2017 204 12 – Quadro resumo da classificação e da análise de todas as questões da fase1 e da fase 2 do nível 3 da OBMEP 2018 205 13 – Questões analisadas do ENEM 2016 206 14 – Questões analisadas do ENEM 2017 296 15 – Questões analisadas do ENEM 2018 375 16 – Questões analisadas do OBMEP 2016 449 17 – Questões analisadas do OBMEP 2017 509 18 – Questões analisadas do OBMEP 2018 561 19 – Íntegra da entrevista com coordenador/tutor de um curso de formação de Ledores 607 20 – Íntegra da entrevista com Ledor 640 xxvi ANEXOS 654 1 – Parecer do Portal Brasil 654 2 – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (Dário Aguirre) 655 3 – Termo de Autorização de Uso de Nome, Imagem e Voz (Dário Aguirre) 657 1 1 - APRESENTAÇÃO Há alguns anos que minha principal tarefa profissional é a análise e a elaboração de avaliações públicas (vestibulares, concursos, ENEM, ENADE). A demanda exige que me envolva com outras atividades, e uma delas é a adaptação de provas a pessoas com deficiência visual, o que acabou permitindo a elaboração da proposta de trabalho que me levou ao Doutorado no PEMAT, UFRJ. A adaptação de provas não se resume em elaborar uma avaliação para pessoas com deficiência visual. O que se apresenta é a conversão de uma prova escrita em texto corrido e cheia de apelos visuais para outros instrumentos: o registro em Braille e a adaptação para a leitura do texto através de um computador ou através de Ledores. Um dos princípios que norteiam as adaptações é que as versões da prova para pessoas com deficiência visual e para videntes não se distingam quanto aos conteúdos focalizados ou aos critérios de correção, visto que um dos alicerces de uma avaliação pública é a isonomia, princípio que reconhece condições iguais de participação para todos os candidatos. Exatamente na isonomia encontra-se o foco das dificuldades: como garantir a isonomia entre pessoas que acessam as informações através de instrumentos diferentes? Como garantir a equivalência de um mesmo instrumento de avaliação apresentado em modalidades de registros diferentes (texto convencional, Braille, áudio, Ledor)? Avolumam-se as pesquisas e as ações na direção de uma sociedade inclusiva. Avolumam-se os trabalhos objetivando a construção de uma escola inclusiva. Foi cunhado o termo “matemática inclusiva” para abarcar ações e estudos concernentes às Matemáticas que buscam a inclusão. Entretanto, não basta criar uma escola inclusiva. Aquele que termina os estudos da escola básica, por certo, quer entrar no mercado de trabalho ou dar continuidade aos estudos em um centro de pesquisa ou em uma universidade. O acesso aos centros de pesquisa e às universidades e aos melhores postos no mercado de trabalho quase sempre se torna possível através de um concurso, de uma avaliação pública. Não viabilizar a participação das pessoas com deficiência visual a tais avaliações é não dar terminalidade, ou continuidade, ao seu ensino básico. O acesso às avaliações públicas torna-se fundamental na construção de uma sociedade inclusiva. A questão inicial de pesquisa era “Até que ponto e sobre quais condições é possível adaptar questões elaboradas para videntes (pessoas com visão normal) para pessoas com deficiência visual, garantindo a equivalência entre as duas versões?”. Inscrevi-me em um curso de Ledor, que são pessoas que têm por função ler provas para 2 aqueles com deficiência visual. Até então, das possibilidades de adaptação de provas para pessoas com deficiência visual, a que menos me chamava a atenção era a ação do Ledor. O curso mudou minha percepção: os desafios encontrados por um Ledor fizeram-se presentes. Com anuência de minha orientadora, mudei a questão de pesquisa: Quais as ações dos Ledores nas avaliações públicas? Tais ações, em conjunto com as adaptações, garantem a isonomia (equidade) com as provas convencionais? A demanda pela ação de Ledores vem se acentuando. De 2009 a 2017, o Exame Nacional do Ensino Médio registrou um aumento de 1800% na solicitação de Ledores/Transcritores (AGUIRRE, 2019). Em 2018, houve solicitação de 6320 auxílios para leitura, dos quais 5652 foram confirmadas (INEP, 2017A). Nos últimos anos, algumas provas, entre as quais as do ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio) e as provas da OBMEP (Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas), vêm sendo adaptadas para os Ledores, ou seja, nessas provas, as figuras e boa parte das fórmulas (de Matemática, de Química e de Física) são transformadas em textos corridos e os Ledores recebem uma prova (a prova do Ledor) sem figuras e com um número menor de apelos visuais. Por certo, a prova do Ledor aumenta a isonomia entre as pessoas com deficiência visual, reduzindo as peculiaridades das leituras de cada Ledor, mas não necessariamente entre essas pessoas e os videntes, já que alguém teve de converter as figuras em texto e, mesmo que em menor escala, o problema da isonomia persiste. Além disso, nem todas as avaliações públicas possuem uma prova de Ledor: há avaliações nas quais os Ledores recebem uma prova idêntica a dos videntes, com figuras, gráficos, tabelas e fórmulas que devem ser transformadas em texto na hora da aplicação da prova pelo Ledor. Para dar prosseguimento à pesquisa,perscrutaram-se questões de provas aplicadas por Ledores. As questões adaptadas foram comparadas com as não adaptadas, analisando- se a equivalência entre elas. Cabe esclarecer que, em avaliações públicas, os Ledores têm acesso às questões no mesmo instante que os candidatos, ou seja, ele só sabe da questão na hora de lê-la. Portanto, a estratégia de leitura de um gráfico, de uma tabela, figura ou fórmula é decisão tomada no momento da leitura, ou em poucos instantes antes da leitura, em sala na qual atuam dois Ledores (enquanto um lê, o outro pensa nas questões que lhe cabem). Complementando o quadro que permita refletir mais fidedignamente sobre a questão de pesquisa, fizeram-se entrevistas com atores desse universo: o Ledor e o 3 coordenador de um curso de capacitação de Ledores. Dessa forma, acumularam-se dados suficientemente relevantes para consecução de respostas à questão de pesquisa. Uma dificuldade com a qual nos deparamos é o parco material sobre Ledor encontrado. Especificamente sobre Ledor, encontraram-se três pesquisas bastante recentes, duas ligadas à Linguística: uma delas é a dissertação de mestrado O Desempenho do/a Ledor/a em Situações de Prova em Tinta Junto a Pessoas Cegas (PC), de Zuleide Maria Santiago Guimarães, defendida na Universidade Federal de Campina Grande, Paraíba (GUIMARÃES, 2009); a outra é a tese de doutorado Ouvir Ler o (In)Visível, de Rita de Cássia Rodrigues Oliveira, defendida na Universidade Federal do Rio de Janeiro, (OLIVEIRA, 2016). A terceira pesquisa é a dissertação de mestrado apresentada em fevereiro de 2019, na Universidade Católica de Brasília, por Dário de Ávila Aguirre, essa diretamente ligada à formação de Ledores: As Capacitações de Ledores e Transcritores para Inclusão e Acesso em Processos Seletivos à Educação Superior: a Percepção dos Egressos, (AGUIRRE, 2019). Parece que as ações dos Ledores começaram a despertar a atenção dos centros de pesquisa há pouco tempo. Diante dessa dificuldade, a opção foi buscar bibliografias que fundamentassem a pesquisa, mas que não tratassem diretamente do Ledor. Bibliografias que tratassem do significado do ato de ler; da interferência de quem lê no significado dado à leitura; das características da leitura de imagem; dos limites da oralidade de textos matemáticos. Além disso, lançou-se mão de textos oficiais, encontrados no sítio do INEP e do MEC, de manuais de boas práticas e de cadernos de preparação de Ledores. Esse material foi produzido com o objetivo de cumprir as exigências do Doutorado em Ensino e História da Matemática e da Física, do PEMAT, e divide-se em nove partes: 1. Apresentação; 2. A Inclusão; 3. Ler 4. Adaptações de Avaliações Públicas para Pessoas com Deficiência Visual; 5. O Ledor; 6. Metodologia; 7. Entrevistas com os Atores; 8. Análise de Questões; 9. Conclusão. 4 Diversas são as publicações, dentre as quais se incluem dissertações de mestrado e teses de doutorado, que relatam a evolução do processo de inclusão nas escolas e na sociedade como um todo. Para não ser repetitivo, e entendendo fazer-se necessário um capítulo que apresentasse um posicionamento diante da inclusão, produziu-se A Inclusão. Nesse capítulo, apresenta-se a pessoa com deficiência visual e defende-se que a inclusão escolar só se concretiza com a construção de uma sociedade inclusiva. Ler é o capítulo no qual a fundamentação teórica do trabalho é apresentada. Desde a apresentação do projeto de pesquisa à Banca de seleção ao doutorado, havia sido chamada a atenção para dificuldade de obter bibliografia sobre o assunto — adaptação de provas para pessoas com deficiência visual e, mais especificamente, as ações dos Ledores nas avaliações públicas. Durante todo o processo de pesquisa e de revisão bibliográfica, a dificuldade não se dirimiu. Entretanto, se por um lado essa escassez de material é um problema, por outro, ela aumenta a relevância da pesquisa, dado que participa da abertura de um novo campo de pesquisa. Esse capítulo divide-se em três partes: Ler (verbo bitransitivo) — discute o que é “texto”, com atenção no formato das avaliações públicas, defende e define qual a concepção do ato de ler tais textos e discute a subjetividade da leitura. Lendo Imagens — discute especificamente o ato de ler imagens, a escolha do sentido dado à imagem por quem escolhe o caminho através do qual a leitura será feita. Defende-se que a descrição é um ato de significação da imagem, eliminando a isenção daquele que descreve. Lendo Matemática — trata da leitura de simbologia Matemática e justifica-se por serem as provas de Matemática o foco desse trabalho. Chama-se a atenção para a ausência da oralidade endógena da Matemática e para o fato de ser exatamente na oralidade que se concretiza a ação do Ledor. Em Adaptações de Avaliações Públicas para Pessoas com Deficiência Visual, descrevem-se três adaptações usadas em avaliações públicas: a prova ampliada, a prova em Braille e a prova lida por programas de computadores. Esse capítulo, além da relevância para a pesquisa por contextualizar o universo das provas para pessoas com deficiência visual, é particularmente importante por publicitar um material que só existe em entidades que têm por função providenciar tais adaptações. A bem da verdade, uma quarta adaptação é abordada nesse capítulo, a prova a ser lida por um Ledor, mas essa 5 abordagem é feita de maneira bem sucinta, haja vista que o capítulo seguinte abordará pormenorizadamente o Ledor, foco dessa pesquisa. No capítulo O Ledor são apresentadas as exigências e os limites impostos a um Ledor quando atua em uma avaliação pública. Esse capítulo traz à tona a complexidade das ações do Ledor e das adaptações de provas para Ledores, justificando a escolha do tema de pesquisa. O capítulo Metodologia fundamenta-se na Análise de Conteúdo, de Roque Moraes (MORAES, 1999). Nele estão pormenorizados a forma de seleção do material a ser analisado e os critérios usados na análise do material selecionado. Descreve-se, também, uma proposta de entrevista com os atores dessas avaliações. Em Entrevistas com os Atores, discutem-se os pontos relevantes e são tecidas considerações sobre as posições defendidas por dois entrevistados: Dário Aguirre, responsável por um curso de certificação de Ledores, e Marcos Cavalcante, um professor da área humana que atua como Ledor. A íntegra das entrevistas encontra-se nos apêndices. Foram consideradas as provas do ENEM de 2016, de 2017 e de 2018 para terem suas questões de Matemática analisadas. Também foram consideradas as provas do nível 3 da OBMEP de 2016, de 2017 e de 2018. No capítulo Análise de Questões, analisam- se separadamente as provas desses três anos, levando em consideração somente as questões selecionadas. Ao final das considerações feitas sobre as três provas do ENEM, comparam-se os três anos observados, considerando-se todas as questões de cada uma das provas e não somente as selecionadas. O mesmo procedimento é seguido com relação às provas da OBMEP.A íntegra das análises de cada uma das questões pode ser encontrada nos apêndices desse trabalho. Na parte final do trabalho, Conclusão, a partir da observação do que foi apresentado em todo o trabalho, elabora-se uma proposta de ação e discute-se possíveis desdobramentos de estudos. Esse trabalho, assim se espera, trará contribuições para a elaboração de provas que respeitem o princípio da isonomia e que permitam a participação efetiva de pessoas com deficiência visual nas avaliações públicas. Além disso, tem-se a expectativa de contribuir para o aperfeiçoamento dos cursos de preparação de Ledores. É na participação de todos que se constrói a identidade de cada um: faça-se uma sociedade inclusiva. 6 2–A INCLUSÃO 2.1 – Introdução O objetivo maior desse trabalho é caminhar na direção da construção de umasociedade inclusiva. Em especial, é fomentar a inclusão da pessoa com deficiência visual. Nesse capítulo, aborda-se o conceito de “deficiente visual” a partir da forma através da qual a pessoa com deficiência visual se relaciona com o meio que o cerca. Além disso, discute-se a construção social do conceito de inclusão. 2.2 – A pessoa com deficiência visual Imagine-se uma pessoa cega congênita que reconhece a esfera e o cubo através do tato. Essa pessoa é submetida, na idade adulta, a uma cirurgia que lhe propicia o sentido da visão. Posta diante de um cubo e de uma esfera, sem tocá-los, essa pessoa identifica esses objetos? Essa questão foi proposta por William Molyneuxno século XVII em uma carta a John Loocke. Sem aventar uma resposta à pergunta precedente, o ato de ver não está restrito aos órgãos da visão. Ver relaciona-se com uma construção diária de significados, com um acervo de experiências e imagens que trazem significado ao que é visto (FIGUEIREDO, 2014, p.51). Em outras palavras, não nascemos sabendo ver, aprendemos a ver. E para que vemos? Vemos para sobrevivermos; vemos para nos adaptarmos ao meio físico e social no qual estamos imersos. A visão, junto com os demais sentidos, nos dá informação sobre ambiente que nos cerca. O que é o medo do escuro senão a vulnerabilidade gerada pela restrição de informações? Entretanto, informações não nos são acessíveis apenas pela visão. No escuro, tendemos a aguçar os outros sentidos buscando reduzir a vulnerabilidade. Desprovidos de visão, ou com visão reduzida, esse aguçar os outros sentidos tende a gerar um acervo de experiências que dão significados a sensações que passariam despercebidas por aquele com visão “normal”, até porque o vidente utilizaria a visão para reduzir a vulnerabilidade. Em O Olhar da Mente, Oliver Sacks apresenta o relato do filósofo Martin Milligan, que perdeu a visão com dois anos de idade: 7 Cegos congênitos com audição normal não ouvem apenas sons: eles podem ouvir objetos (isto é, têm consciência deles principalmente através dos ouvidos) quando estes se encontram razoavelmente próximos, contanto que não estejam baixos demais; e do mesmo modo podem “ouvir” parte da forma de seu ambiente imediato. [...] posso ouvir objetos silenciosos, como postes de iluminação e carros estacionados com o motor desligado, conforme me aproximo deles e os deixo para trás, pois, sendo ocupantes de espaço, eles adensam a atmosfera, quase certamente por causa do modo como absorvem e/ou ecoam os sons dos meus passos [...] Em geral não é necessário que eu mesmo produza som para obter essa percepção, embora ajude. Objetos na altura da cabeça provavelmente afetam um pouco as correntes de ar que chegam ao meu rosto, o que contribui para que eu me aperceba deles — razão porque alguns cegos se referem a esse tipo de percepção como “sentido facial”.(SACKS, 2010, p.234) Isso não significa que o cego tem um sexto sentido. Ele aguça os sentidos que possui e dá significado a sensações e experiências que passam despercebidas ao vidente: o vidente vê o poste e o carro desligado e sabe de sua presença sem precisar atentar para os ecos dos passos ou para as variações de correntes de ar. Cegos e videntes criam acervos distintos de experiências e imagens mentais para lidar com o ambiente próximo. Também não significa que todos as pessoas com deficiência visual percebem as variações das correntes de ar. A expressão “deficiente visual” engloba uma grande gama de pessoas, abrangendo desde a cegueira total, ou a completa ausência de luz, até pessoas com dificuldade visual que não conseguem atingir os padrões visuais de um indivíduo de visão normal, definido tecnicamente como vidente. (FIGUEIREDO, 2014, p.43). Cada pessoa com deficiência visual procurará a adequação ao ambiente que mais lhe for propícia. Como falar em experiências e construção de imagens mentais que dão significado ao percebido é tratar de educação, pode-se usar como critério de classificação de pessoas com deficiência visual o modo através do qual o sujeito apreende o mundo em que vive, agrupando-os em: educacionalmente cegos (percepção de imagens, mas impossibilitados de leitura de texto convencional); com baixa visão (visão prejudicada na leitura de texto convencional); com cegueira total (ausência total de visão) (FIGUEIREDO, 2014, p.45). Separar as pessoas com deficiência visual em três grupos pode auxiliar na abordagem educacional a cada uma delas, mas, por certo, cada um desses grupos não é homogêneo: há aqueles que distinguem luz e sombra; que não possuem visão periférica; 8 que enxergam manchas ou possuem uma visão embaçada; e muitas outras características. Cada um desses casos significa as percepções através de construções distintas de experiências e imagens mentais. O relacionamento da pessoa com deficiência visual com o mundo não é inferior ou superior ao do vidente: é diferente. 2.3 – A percepção social das diferenças Pode-se pensar a evolução da percepção social das “diferenças”, das pessoas com necessidades especiais, a partir da evolução das práticas educacionais às quais essas pessoas estão sujeitas. As instituições educacionais são reflexos da sociedade na qual estão inseridas. Sejam essas instituições entendidas como ratificadoras do status quo, sejam como fomentadoras de transformações sociais, elas refletem as concepções e valores daqueles que possibilitam as práticas nelas desenvolvidas. Assim, olhar essas práticas nessas instituições é olhar a percepção social das “diferenças”. Há três abordagens que se destacam na educação das pessoas com necessidades especiais. A primeira delas, que se estende por séculos, é a da segregação, na qual as pessoas consideradas “desviantes” são afastadas daquelas tidas como “normais”. Entretanto, apesar de algumas escassas experiências inovadoras desde o século XVI, o cuidado foi meramente custodial, e a institucionalização em asilos e manicômios foi a principal resposta social para tratamento dos considerados desviantes. Foi uma fase de segregação, justificada pela crença de que a pessoa diferente seria mais bem cuidada e protegida se confinada em ambiente separado, também para proteger a sociedade dos “anormais”.(MENDES, 2006, p.387) No século XIX, surgem classes e escolas especiais para onde as pessoas com deficiência eram encaminhadas. Na segregação, um sistema educacional à parte foi sendo constituído para as pessoas não consideradas “normais”. O predomínio da segregação estende-se até a segunda metade do século XX, após a Segunda Grande Guerra. Os movimentos sociais pelos direitos humanos, intensificados basicamente na década de 1960, conscientizaram e sensibilizaram a sociedade sobre os prejuízos da segregação e da marginalização de indivíduos de grupos com status minoritários, tornando a segregação sistemática de qualquer grupo ou criança uma prática intolerável. Tal 9 contexto alicerçou uma espécie de base moral para a proposta de integração escolar, sob o argumento irrefutável de que todas as crianças com deficiências teriam o direito inalienável de participar de todos os programas e atividades cotidianas que eram acessíveis para as demais crianças. (MENDES, 2006, p. 388) Surge a segunda abordagem na educação de pessoas com necessidades especiais: a abordagem denominada integração. A integração é uma proposta de unificação do sistema educacional que vinha sendo criado para as pessoas com necessidades especiais com o sistema desenvolvido para as demais pessoas e fundamenta-se no princípio da normalização. A normalização pressupõe que os ambientes compartilhados pelas pessoas normais são os apropriados para o desenvolvimento das pessoas com necessidades especiais. No texto The principle of normalization in human services, Wolf Wolfensberger (WOLFENBERGER,1972) discute as definições de normalizaçãoe abre um capítulo sobre integração social como consequência da normalização. Esse princípio apresentado por Wolfensberger propõe critérios de organização e avaliação de serviços destinados às pessoas com necessidades especiais, mas, por vezes, foi entendido como normalização de pessoas. De qualquer forma, a integração pressupõe que existe uma condição normal e uma condição anormal, e que quanto mais aqueles que se enquadram na condição anormal vivenciarem as experiências dos espaços normais, tanto melhor para o seu desenvolvimento. O problema transfere-se para a definição de normalidade. Em meados da década de 1980, surge a proposta de inserção de todas as pessoas com necessidades especiais nas salas comuns, com o artigo de Madeleine C. Will (WILL, 1986). Com a alegação de que a educação de crianças e jovens com necessidades educacionais especiais deveria ser responsabilidade da educação comum, Will (1986) defendia que todos os alunos deveriam ser inseridos nas classes comuns das escolas comuns, sem descartar a necessidade de manutenção dos serviços de ensino especial separados. (MENDES, 2006. p.393) Estava lançada a semente da constituição da terceira abordagem da educação das pessoas com necessidades especiais: a proposta da inclusão. Essa proposta, como aparece no final da citação, não descartava a manutenção do ensino especial separado, mas não tardou a surgir uma proposta que se fundamentava na “ética da participação e do desenvolvimento social sem a preocupação com ganhos acadêmicos” (MENDES, 2006. p.393), a proposta da inclusão total, que defendia que todos, independentemente da 10 severidade de suas limitações, deveriam ser atendidos em salas de aula comuns de escolas comuns. Nesse momento inicial, essas ideias circulam no âmbito norte-americano, mas logo ganharam espaço mundial: em 1990 foi realizada, em Jomtien, Tailândia, a Conferência Mundial de Educação para Todos, e em 1994, em Salamanca, Espanha, a Conferência Mundial sobre Necessidades Educacionais Especiais, que gerou a Declaração de Salamanca, da qual o Brasil é signatário. A partir de então, em âmbito mundial, constitui-se o movimento de inclusão social, que defende o respeito à diversidade, o reconhecimento político e a aceitação das diferenças; a inclusão torna-se um norte a ser alcançado. Na inclusão, o normal passa a ser a existência das diferenças. Se na integração buscava-se levar o diferente a experienciar o ambiente considerado normal, na inclusão, o diferente é constituinte do ambiente considerado normal. A mudança de uma abordagem para outra não se dá de forma estanque, coexistindo, pelo menos durante algum tempo, mais do que uma abordagem. Não se sai da segregação para a integração, ou da integração para inclusão, repentinamente. Em cada mudança, organiza-se um novo entendimento do espaço social, um novo entendimento das relações entre os homens, exigem-se novas práticas sociais, que vão gerar novos significados às relações sociais. 11 3 – LER 3.1 – Introdução Este capítulo divide-se em três partes: Ler (verbo bitransitivo) — na qual são apresentados os significados assumidos pelos termos texto e ler, e o Ledor é apresentado como alguém que atribui significado ao que é lido na relação Ledor/leitor cego, tendo como consequência a construção do sentido do texto através da relação autor-texto- Ledor-leitor; Lendo imagens — na qual é apresentada a imbricação entre conteúdo e as formas de expressão desse conteúdo, a descrição de uma imagem é apresentada como uma construção de sentido que depende de escolhas feitas por aquele que descreve, e é discutida se a eliminação de figuras nas provas de Ledor garante a isonomia entre os participantes de um avaliação pública; e, por fim, Lendo Matemática — que identifica qualquer objeto matemático como sendo acessível somente através de suas representações, e que representações distintas destacam características distintas do objeto, e além disso, são apresentados os limites de conversão dos registros feitos em simbologia matemática para a linguagem natural (língua falada ou escrita). 3.2 – Ler (verbo bitransitivo) Certamente, uma das maiores invenções da humanidade foi a escrita, a ponto de dividir-se o relato da evolução das sociedades humanas em pré-história (antes da escrita) e história. Por certo, a possibilidade de registros mais permanentes das experiências humanas e a comunicação desses relatos para gerações subsequentes deram forma a civilizações inteiras. O texto escrito expandiu a memória e o pensamento humano a limites imponderáveis. Entretanto, nem a memória nem os conhecimentos das civilizações são dádivas do texto escrito: as civilizações, antes do advento da escrita, transmitiam seus conhecimentos e costumes oralmente ou através de imagens, ritos e outras tantas formas de comunicação. Mesmo depois da escrita, a diversidade das modalidades de comunicação manteve-se. Ainda nos dias de hoje, uma humanidade totalmente alfabetizada é um norte desejado e, quanto mais o tempo passa, tanto maior é a quantidade de formas de comunicação disponíveis. Diante desta diversidade, a palavra “texto” (aquilo que se dispõe à leitura) não pode ater-se ao texto escrito. No que tange às avaliações públicas, as mais diversas modalidades de textos são utilizadas: história em 12 quadrinhos, tirinha, charge, fórmula matemática, gráfico, crônica, miniconto, poesia, anúncio, bula, reprodução de quadros e o que mais se permitir no meio físico que constitui a avaliação. Discorrendo sobre discurso, Ingedore G. Villaça Koch ensina que: O termo texto, como também ocorre com o termo discurso, tem sido conceituado de maneiras bastante diversas. Basicamente, pode-se tomá- lo em duas acepções: em sentido lato, para designar toda e qualquer manifestação da capacidade textual do ser humano, quer se trate de um romance ou de um poema, quer de uma música, uma pintura, um filme, uma escultura, etc., isto é, de qualquer tipo de comunicação realizada através de um sistema de signos. Em se tratando da linguagem verbal, tem-se o discurso, atividade comunicativa de um locutor, numa situação de comunicação determinada, englobando não só o conjunto de enunciados por ele produzidos em tal situação — ou os seus e os do seu interlocutor, no caso do diálogo — como também o evento de sua enunciação. O discurso manifesta-se linguisticamente por meio de texto — em sentido estrito — que consiste em qualquer passagem falada ou escrita, capaz de formar um todo significativo, independente de sua extensão. (KOCH, 1993,p.21-22) Essas duas acepções de texto também são encontradas em Ubirajara Inácio de Araújo. Uma primeira acepção, mais genérica, na qual ele considera “texto” como o produto de qualquer sistema semiótico que possa ser “lido”. Nessa acepção, um livro, um filme, uma obra de arte, um olhar são textos. Em uma segunda acepção, mais restrita, ligada à linguagem verbal, o termo “texto” reserva-se às sequências escritas/faladas (ARAÚJO, U, 2000, p.29). Para o propósito deste trabalho, o sentido genérico do termo texto se faz adequado, haja vista que as ações do Ledor não se restringem apenas à linguagem verbal, suas ações estendem-se para além da palavra escrita e falada. Definido o termo texto, cabe perscrutar o sentido de ler. KOCH e ELIAS (2008) apresentam três concepções de leitura: a leitura com foco no autor; a com foco no texto e aquela cujo foco encontra-se na interação autor-texto-leitor. Na primeira, com foco no autor, a atenção é “o autor e suas intenções, e o sentido está centrado no autor, bastando tão somente ao leitor captar essas intenções” (KOCH, 2008, p.10). Na segunda, com foco no texto, ao leitor cabe o “reconhecimento das palavras e estruturas do texto” no qual “tudo está dito no dito” (KOCH, 2008, p.10). Nessas duas concepções, o leitor tem por função reconhecero que está escrito, é um reprodutor. Se essas acepções do ato de ler puderem ser concretizadas, o Ledor, aquele que lê para outra pessoa, pode ser identificado como um mero decodificador do texto, sem 13 interferir no sentido do texto dado por aquele que ouve. Entretanto, a acepção defendida por KOCH é a com foco na interação autor-texto-leitor. Nessa perspectiva, o sentido de um texto é construído na interação texto-sujeito e não algo que preexista a essa interação. A leitura é, pois, uma atividade interativa altamente complexa de produção de sentidos, que se realiza evidentemente com base nos elementos linguísticos presentes na superfície textual e na sua forma de organização, mas requer a mobilização de um vasto conjunto de saberes no interior do evento comunicativo. (KOCH, 2008, p.11) Tal posição diante do ato de ler é compartilhada por Paulo Freire quando nos diz que “a leitura do mundo precede sempre a leitura da palavra e a leitura desta implica a continuidade da leitura daquele” (FREIRE, 1983, p.11), e também é consonante com os Parâmetros Curriculares Nacionais: A leitura é o processo no qual o leitor realiza um trabalho ativo de compreensão e interpretação do texto, a partir de seus objetivos, de seu conhecimento sobre o assunto, sobre o autor, de tudo que sabe sobre a linguagem etc. Não se trata de extrair informação, decodificando letra por letra, palavra por palavra. Trata-se de uma atividade que implica estratégias de seleção, antecipação, inferência e verificação, sem as quais não é possível proficiência. É o uso desses procedimentos que possibilita controlar o que vai sendo lido, permitindo tomar decisões diante de dificuldades de compreensão, avançar na busca de esclarecimento, validar no texto suposições feitas. (BRASIL, 1998, p.69-70) Pode-se argumentar que o Ledor não estabelece o sentido do texto. Que esse sentido só se concretiza naquele que ouve as palavras do Ledor. Que o Ledor não é um leitor. Que a carga de conhecimento do mundo comportada pelo Ledor não interfere no sentido do texto estabelecido por quem o ouve. Esse argumento desconsidera que entonações e pausas decididas pelo Ledor na leitura de um texto são reflexos de sua experiência de mundo e que tais destaques interferem no sentido do texto estabelecido por quem o ouve. Decidir os momentos e a duração das pausas afeta o sentido do texto. Em As Formas do Silêncio, Eni Puccinelli Orlandi explicita o silêncio não como um interlúdio das palavras, mas com função significativa no discurso, declarando que “o silêncio faz parte da construção do sujeito e do sentido” (ORLANDI, 2007, p.87). Muito mais defensável é a proposição de que os conhecimentos e as experiências do Ledor, mesmo não definindo o sentido dado ao texto, interagem com o saber do ouvinte, interferindo na compreensão do texto construída por ele. Não é possível a isenção do 14 Ledor no ato de ler. Um Ledor que domine Química, não conseguirá isentar-se na hora de ler uma fórmula química. Um Ledor que domine Matemática leria a fórmula ∑ 𝑓(𝑛)10𝑛=1 como “somatório de f de n, com n variando de 1 até 10”, enquanto um Ledor sem grande convívio com a Matemática poderia lê-la “somatório, com n igual a 1 embaixo e 10 em cima, de f, abre parênteses, n, fecha parênteses”. O treinamento dos Ledores reduz as diferenças de leitura entre eles de expressões como essa, mas a variabilidade e complexidade de expressões e fórmulas na Matemática e na Química são barreiras na padronização da leitura. Não é apenas em exemplos de Matemática e de Química, áreas que possuam uma simbologia endógena, que se faz percebida a interferência dos conhecimentos e experiências do Ledor na construção do sentido do texto. A própria experiência com as modalidades da língua mátria interfere no significado dado ao texto pela atuação dos Ledores. Imaginem-se dois Ledores, um deles com vasta leitura de poesia, diante do seguinte soneto, de Gregório de Matos Guerra: Desenganos da vida humana, metaforicamente É a vaidade, Fábio, nesta vida, Rosa, que da manhã lisonjeada, Púrpuras mil, com ambição dourada, Airosa rompe, arrasta presumida. É planta, que de abril favorecida, Por mares de soberba desatada, Florida galeota empavesada, Sulca ufana, navega destemida. É nau enfim, que em breve ligeireza Com presunção de Fênix generosa, Galhardias apresta, alentos preza: Mas ser planta, ser rosa, nau vistosa De que importa, se aguarda sem defesa Penha a nau, ferro a planta, tarde a rosa? 15 A experiência com a língua portuguesa define a fluidez e a entonação na leitura, e essas, o sentido dado ao texto por quem escuta. Ao encontro dessa interferência do Ledor no sentido dado ao texto, vem Luciene Maria da Silva, ao declarar que as características e as histórias pessoais dos Ledores e dos leitores cegos geram uma prática de leitura que comporta várias nuances e que depende da relação entre os sujeitos envolvidos. Para Silva, O ledor passa a ser um mediador essencial entre o autor e o leitor, ou seja, a apreensão do texto escrito numa relação direta entre leitor e texto é bem diferente da leitura intermediada, pois que, as falas, as vozes dão um outro “tom” que predispõe a recepção dos que ouvem uma leitura. Nessa relação ledor/leitor cego cabem adaptações dos sujeitos nas suas preferências por compreensão: a leitura pode ser mais acelerada em determinadas passagens, mais delicada, com pausas etc. Neste caso, é preciso considerar a interpretação do ledor como uma entre tantas quantas podem ser a tradução do texto, ou seja, a fidelidade ao autor é algo não garantido pela recepção de uma leitura mediada. (SILVA, 2008, p.14) Em suma, o Ledor não é mero decodificador do código linguístico. Sua experiência de mundo, seus conhecimentos e a subjetividade da relação com aquele que o ouve participam da construção do sentido dado ao texto pelo ouvinte. Na leitura mediada por um Ledor, no texto presente na relação Ledor/leitor cego, o sentido é construído na relação autor-texto-Ledor-leitor, na qual o Ledor é sujeito ativo nessa construção. Ler, para um Ledor, é sempre um verbo bitransitivo: alguma coisa é lida para alguém. O sentido da coisa é construído pelo alguém com a ingerência do Ledor. 3.3 – Lendo imagens Temos aqui um paradoxo — delicioso — que eu não consigo resolver: se de fato existe uma diferença fundamental entre a vivência e a descrição, entre o conhecimento direto e o conhecimento mediado do mundo, porque então a linguagem é tão poderosa? A linguagem, a mais humana das invenções, pode possibilitar o que, em princípio, não seria possível. Pode permitir a todos nós, inclusive os cegos congênitos, ver com os olhos de outra pessoa. (Sacks, 2010, p.240) O parágrafo precedente finaliza o livro O Olhar da Mente, de Oliver Sacks. Ele é uma reflexão sobre as declarações de Arlene Gordon, uma cega que adora viajar e que declarou “Eu vi Veneza quando estive lá”, explicando que “seus companheiros de viagem 16 descreviam os lugares, e ela então construía uma imagem mental baseada nos detalhes que eles lhe forneciam, em suas leituras e em suas próprias memórias” (Sacks, 2010, p.240). Metaforicamente, o parágrafo em epígrafe chega a ser comovente, mas qualquer pessoa há de convir que construir uma imagem a partir de sua descrição não é, materialmente, o mesmo que a imagem descrita. Por mais que seja detalhada uma descrição, o texto da descrição e a imagem descrita não se confundem: são entidades com materialidades distintas. Além disso, considerando-se que a descrição é uma apresentação da imagem através de palavras, tal descrição poderá ser feita por escrito ou oralmente e, dessa forma, tem-se três materialidades distintas: a imagem, o texto escrito e o texto falado. Apesar da intrínseca relação entre a forma oral e a escrita de uma língua, são formasdistintas de registros, cada um deles com especificidades próprias. Nilson José Machado ensina que, apesar da forma oral da língua ser o suporte para o aprendizado da língua escrita em todo o mundo, a língua escrita não se restringe a codificar e perpetuar a fala, ela instaura novas possibilidades, construindo novos níveis de significados e novos objetos que não são acessíveis à fala (MACHADO, 2001, p.63-64). A não correlação termo a termo entre a linguagem oral e a escrita é pululante a qualquer pessoa que se disponha a transcrever uma entrevista. Em suma, cada forma de expressão humana, a língua oral ou escrita, a pintura, a música, a dança ou qual mais se deseje enumerar apresenta especificidades fundadas em suas materialidades, e a apresentação de uma através da materialidade de outra é limitada. Entretanto, quando se escuta, diante de um objeto qualquer, a pergunta “o que isso significa?”, é praticamente imediato fazê-la equivaler à “qual o texto (falado ou escrito) que dá sentido a esse objeto?”. Repare-se que, de início, dar sentido não é o mesmo que descrever, apesar de ser cabível perguntar se é possível descrever um objeto sem dar-lhe sentido. Orlandi, no texto Efeito do Verbal Sobre o Não-Verbal, declara que “diante de qualquer objeto simbólico, o homem, enquanto ser histórico, é impelido a interpretar, ou em outras palavras, a produzir sentidos” (ORLANDI, 1995,p.44). Dar sentido a uma imagem é interpretá-la. Criar um texto que dê sentido a uma imagem não é transpor a materialidade da imagem para a materialidade do texto; é uma espécie de tradução de um registro em outro. Orlandi reconhece a primazia do verbal na construção dos sentidos ao dizer que “o verbal tem função crucial na construção da legitimidade, da interpretabilidade das 17 outras linguagens” (ORLANDI, 1995, p.46). Se essa primazia não é inerente à natureza da linguagem verbal, não é possível desconsiderar que ela se constitui de fato. Entretanto, reconhecer essa primazia não significa se embalar na ilusão de que todo significado pode ser dado pela linguagem verbal. Cada meio de expressão, a música, a pintura, a escultura a literatura etc., possui uma possibilidade de significação atrelada à sua materialidade, possui um sentido que lhe é peculiar. Existe a ilusão de que em qualquer meio de expressão todo o conteúdo pode ser dissociado da forma e, assim, seria possível transpor esse conteúdo de um meio de expressão a outro e, em particular, para a linguagem verbal. É, novamente, Orlandi que aponta limites a essa primazia do verbal: Também esse mecanismo ideológico repousa no que tenho chamado de conteudismo. Com efeito, na ilusão de que se pode separar forma e conteúdo, toma-se, nesse caso, o conteúdo das diferentes linguagens como equivalentes. Na realidade, se somos críticos ao conteudismo [...], sabemos que o modo de significar e a matéria significante são constitutivos do sentido produzido de tal forma que não há equivalência sígnica do ponto de vista só dos conteúdos. Não separamos formas e conteúdos. (ORLANDI, 1995, p.45) Forma e conteúdo não se separam, e formas distintas de linguagem são capazes de produzir significados distintos. Linguagens não verbais carregam significados que não dependem do verbal para se constituírem. Há um sentido na música e na dança, por exemplo, que não depende do verbal para existir. Há um sentido na imagem que não se permite ao verbal. A língua realiza-se em uma estrutura unidimensional (MACHADO, 2001, p.94). Na língua portuguesa, lê-se da esquerda para a direita. Essa unidimensionalidade pode ser estendida tanto à língua escrita quanto à falada. Por sua vez, representações planas são bidimensionais. Descrever ou dar significado a uma imagem através da língua demanda escolher um “caminho” a percorrer sobre a imagem. Um caminho que determinará a construção do texto unidimensional que se propõe a descrever ou significar o bidimensional. Caminhos distintos podem produzir descrições ou significações distintas. Raymond Duval, em Semiósis e pensamento humano (DURVAL, 2009, p.66), busca uma análise da congruência entre uma imagem e sua descrição. Para tanto, partindo de uma figura semelhante a que se segue, relata a construção de quatro descrições. Duas delas são: 18 1) O sol está acima da árvore; 2) A árvore está abaixo do sol. Figura 1: Congruência entre imagem e descrição Fonte: Figura adaptada de Duval 2009, p.66 Pessoas foram convidadas a comparar a imagem a cada uma das frases que a descreve e declarar se a frase é uma descrição justa da imagem. A resposta foi afirmativa para as duas frases, mas é interessante observar que o tempo demandado para apresentar a resposta diante da segunda frase foi maior do que diante da primeira, revelando que as duas descrições não são processadas da mesma forma, não são congruentes. O caminho escolhido sobre a figura para realizar a descrição afeta a percepção da descrição. Em sua tese de doutorado, Rita de Cássia Rodrigues Oliveira, defende que o recorte necessário à leitura de uma imagem impossibilita a percepção do todo, é sempre reducionista. O recorte é o caminho escolhido para fazer a leitura da imagem e está sempre entrelaçado com a interpretação, com o sentido dado pelo sujeito que lê. Para Oliveira, a necessidade do recorte revela a impossibilidade de o ser humano ver o todo: tem-se a ilusão de que o recorte é o todo. Cada recorte é um fragmento e, como fragmento, não pode ser o todo. Cada recorte é o “todo” daquele que fez o recorte — eis a ilusão. Se toda descrição demanda um recorte e todo recorte está atrelado à produção de sentido, uma descrição é uma produção de sentido e dependerá do sujeito que a realiza. Quem vê a imagem e se propõe a descrevê-la, escolhe um caminho a percorrê-la, e esse caminho dá um sentido à imagem descrita. Pessoas distintas podem produzir descrições distintas e modificar a percepção daquele que recebe a descrição. 19 Um Ledor que descreve uma imagem escolhe um caminho sobre a imagem. A escolha desse caminho terá interferência de suas experiências de vida, de sua historicidade e da intenção ao ler a imagem. Quem escuta, constrói uma imagem a partir da descrição impregnada pela escolha do Ledor. A imagem construída é amalgamada pelas experiências do Ledor e do receptor. O Ledor é sujeito na construção do sentido. Revendo as declarações do texto em epígrafe: não se vê com os olhos de outra pessoa, se constrói um entendimento, um sentido, a partir do caminho escolhido, da percepção, da historicidade e da intenção de outra pessoa. Diante do exposto, quando se fala da ação de um Ledor em avaliações, Ledores distintos levam (ou, no mínimo, podem levar), a construções distintas do sentido de uma imagem por aqueles que os ouvem. Ledores distintos, diante da mesma imagem, fazem (ou podem fazer) descrições distintas. Um dos princípios que fundamentam as avaliações que ranqueiam, como o ENEM, as provas da OBMEP, os vestibulares e as avaliações públicas para seleção de trabalhadores, é o Princípio da Isonomia. Ele estabelece que todos os participantes possuem iguais oportunidades diante do processo seletivo. Torna-se questionável a manutenção da Isonomia se leitores distintos apresentam descrições distintas. Há uma tendência, confirmada pela ocorrência cada vez maior, de substituir a prova convencional por uma “prova de Ledor”, na qual as imagens são substituídas por suas descrições, ou seja, quem for atuar como Ledor não recebe a prova convencional, recebe a prova de Ledor. Dessa forma, todos os Ledores leem a descrição da figura e não decidem como farão a descrição. Por certo, isso minimiza o problema da descrição, mas não o elimina, porque alguém fez a descrição, e quem a fez, escolheu o recorte que definiu a descrição. Além disso, como já foi discutido, o texto da descrição e a imagemdescrita são objetos distintos e nem todo sentido permitido pela imagem se permite no texto escrito. Assim sendo, não há garantias de preservação da Isonomia entre a prova convencional e a prova de Ledor. O artigo 37 da Constituição de 1988 (BRASIL, 1988) estabelece que um percentual dos cargos e empregos públicos deve ser reservado para as pessoas portadoras de deficiência. Com essa reserva de vagas, pode-se argumentar que as pessoas cegas disputam as vagas que lhes foram reservadas, gerando Isonomia. Primeiramente, a reserva de vagas gera uma diferença entre as relações candidatos/vagas dos dois grupos: 20 portadoras de deficiência e não portadoras, o que é suficiente para quebrar a Isonomia, que prevê que todos participem em igualdade de condições. Além disso, a reserva de vagas não se restringe aqueles desprovidos do sentido da visão, a reserva estende-se a todos os portadores de deficiências: um cadeirante disputa as mesmas vagas que os cegos e pode realizar a prova sem o auxílio de um Ledor. A reserva de vagas não é garantia de Isonomia mesmo entre aqueles que disputam as vagas reservadas a deficientes. Apesar da possibilidade de as ações dos Ledores não garantirem a manutenção do Princípio da Isonomia, são indiscutíveis o direito e a justeza da participação das pessoas com deficiência visual nas avaliações públicas, até porque a participação deles é imperiosa na construção de uma sociedade democrática. 3.4 – Lendo Matemática Qual a natureza do objeto matemático? No livro Matéria e Pensamento (CHANGEUX, CONNES, 1996), Jean-Pierre Changeux, um biólogo, e Alain Connes, um matemático, discutem a natureza do objeto matemático. Changeux é adepto de uma posição construtivista, defendendo que os objetos matemáticos são seres fictícios, que só existem no pensamento do matemático, e não em um mundo platônico independente da matéria. Connes assume uma postura realista, inspirada em Platão, na qual o mundo é povoado de ideias, que possuem uma realidade distinta da realidade sensível. Na esteira desses autores, encontra-se o artigo de Arthur Araújo, Objetos matemáticos, mente, cérebro, natureza (ARAUJO, A., 2012), publicado na revista Ágora Filosófica, que desenvolve a discussão sobre a natureza dos objetos matemáticos. Não importando a assunção de qual natureza os caracteriza, há de ser distinta da natureza dos objetos físicos. O objeto matemático não se permite acessar diretamente pelos sentidos humanos: para os construtivistas, eles só existem no pensamento dos matemáticos; para os realistas, eles são ideias, com realidade distinta da realidade material. Todos os objetos matemáticos só se permitem acessar através de suas representações, eles são objetos do conhecimento. Ninguém jamais viu o número dois. Dois abacaxis, dois olhos, dois meninos não são o número dois. Ele é algo que emana de (ou se constrói a partir de) todas as dualidades, e pode ser representado por 2, ii, dois, dentre outras possíveis representações. Duval, em Semiosis e pensamento humano, deixa claro, para que se possa ter compreensão em Matemática, a importância da distinção do objeto e de sua 21 representação, mas estabelece uma intrínseca relação entre as representações e a construção dos conceitos matemáticos (DUVAL, 2009). Ele define semíosis como a apreensão ou a produção de uma representação semiótica, e noésis como os atos cognitivos, como a apreensão conceitual de um objeto, a discriminação de uma diferença ou a compreensão de uma inferência. A tese central de seu trabalho é: não há noésis sem semíosis, é a semíosis que determina as condições de possibilidade e exercício da noésis (DUVAL, 2009, p.17). Cada representação de um objeto matemático destaca uma característica desse objeto, cada representação lança luz sobre um aspecto do objeto, e a percepção de que todas as representações, com seus destaques, referem-se a um mesmo objeto permite a construção mental do objeto. Uma função matemática apresenta diversas representações possíveis: tabelas que estabelecem conjuntos de pares ordenados, diagramas de setas, máquinas que recebem números e que os devolvem transformados, expressões analíticas, gráficos. Cada uma dessas representações apresenta limitações e destaca algumas características do objeto função. O conceito nasce na percepção de que todas são representações de um mesmo objeto e na capacidade de conversão de uma representação em outra. Não só para a construção do conceito servem os diversos registros, uma escolha de registro normalmente está ligada à simplicidade e à economia de tratamento. [...] Assim a significação operatória não é a mesma para 0,25, para 1/4 e para 2510–2. Porque não são os mesmos procedimentos de tratamento que permitem efetuar as três adições seguintes: 0,25 + 0,25 = 0,5 1/4 + 1/4 = 1/2 2510 – 2 + 2510 – 2 = 5010 – 2 Cada um destes três significantes “0,25”, “1/4” e “2510–2” tem uma significação operatória diferente, mas representa o mesmo número. (DUVAL, 2009, p.60) A língua natural é mais uma possibilidade de registro dos entes matemáticos e, como tal, apresenta suas limitações e suas especificidades. Duval afirma que “a linguagem natural e as línguas simbólicas não podem ser consideradas como formadoras de um só e único registro” (DUVAL, 2009, p.38). Para ele, cada sistema de representação (linguagem natural, linguagem simbólica, esquemas, figuras geométricas, gráficos cartesianos, tabelas, etc.) apresenta questões de aprendizagem diferente. 22 [...] O interesse de uma mudança de registro é que justamente podemos efetuar tratamento totalmente diferente num outro registro que naquele em que são dadas as representações iniciais. Assim o poder heurístico das figuras em geometria se explica pelo fato que os tratamentos figurais que elas permitem efetuar não são computacionalmente equivalentes aos raciocínios dedutivos que estabelecem um teorema no registro de uma estrutura simbólica ou em língua natural. (DUVAL, 2009, p.72) Para destacar o estudo dos limites de conversão de um registro em outro, Duval propõe a um grupo de alunos a tarefa na qual frases deveriam ser convertidas em operações sobre inteiros e sobre os conjuntos, numa linguagem simbólica, e vice-versa. O quadro abaixo apresenta o percentual de sucesso nessas traduções. Figura 2 - Percentual de sucesso em tradução para linguagem simbólica. Fonte: DUVAL (2009, p.74) O que cabe destacar nesses resultados são as diferenças de sucesso entre as traduções em cada linha, I II e II I, e as diferenças I II na terceira coluna: traduzir expressões em língua natural para linguagem simbólica não necessariamente apresenta sucesso equivalente à tradução inversa; o sucesso da tradução da língua natural para o simbolismo depende da expressão apresentada em língua natural. É claro que há outras formas de ler cada uma das expressões algébrica apresentadas. Poder-se-ia ler símbolo a símbolo cada expressão. Nesse caso, a leitura da expressão ab + cd ficaria: a multiplicado por b somado com c multiplicado por d. Essa leitura apresenta um inconveniente: não se sabe se a expressão lida foi ab + cd, ou a(b + c)d ou a(b + cd). Esse problema poderia ser eliminado se, previamente, fosse combinado que todos os I II I II II I 1. A soma dos dois produtos de dois inteiros, todos os inteiros sendo diferentes. ab + cd 90% 90% 2. O produto de um inteiro pela soma de dois outros. a(b + c) 71% 74% 3. A soma dos produtos de um inteiro com dois outros inteiros. ab + ac 48% 87% 4. A interseção dos complementares de dois conjuntos. CA CB 91% 81% 5. A reunião das interseções de um conjunto com dois outros conjuntos. (A B) (A C) 41% 81% 23 símbolos seriam lidos. Assim, a(b + cd) seria lida: a multiplicado por, abre parênteses, b somado com c multiplicado por d, fecha parênteses. Outroproblema na leitura símbolo a símbolo é a extensão e complexidade que a leitura pode assumir. Todas as expressões algébricas envolvidas no exemplo são unidimensionais, assim como em língua portuguesa, são lidas da esquerda para direita, mas boa parte dos registros matemáticos apresenta estrutura bidimensional: as traduções para a língua natural das expressões a + 𝑏𝑐 e 𝑎 + 𝑏𝑐 , lidas símbolo a símbolo, seriam, para ambas, a somado com b sobre c. Expressões com índices e expoentes, somatórios, integrais, tabelas de dupla entrada, matrizes são registros bidimensionais. Por sua vez, gráficos e figuras geométricas são imagens, cujas leituras envolvem descrições que apresentam limitações discutidas anteriormente. Pondo-se o foco da leitura matemática nas ações de um Ledor, acresça-se que a tradução para a língua natural se faz no registro oral e, citando Nilson José Machado, “enquanto concebida como uma linguagem formal, a Matemática não comporta a oralidade, caracterizando-se como um sistema simbólico exclusivamente escrito” (MACHADO, 2001, p.105). Também é em Machado que se encontra: [...] As línguas naturais faladas podem quando muito descrever objetos e propriedades de objetos estruturais. Dir-se-á: “A soma dos quadrados dos lados de um triângulo retângulo é igual ...” para descrever o que a estrutura figurada do simbolismo mostra diretamente: a2 = b2 + c2. Mas, desde que as propriedades estruturais ultrapassem um certo grau de complexidade, sua descrição torna-se tão difícil de ser compreendida que toda manipulação, toda análise, toda demonstração acham-se paralisadas (...) A bem da verdade, não é que a Matemática não possa ser totalmente transcrita numa linguagem linear como o é a cadeia falada. (...) Mas uma Matemática assim transcrita “em fita” torna-se, sem dúvida alguma, inexplorável para um receptor humano. (GRANGER, 1974, apud MACHADO, 2001, p.107)1 Podem-se identificar as dificuldades e as barreiras encontradas por um Ledor ao deparar-se com registros matemáticos e ter que transcrevê-los em linguagem oral para alguém sem o sentido da visão: O simbolismo matemático e a língua natural (em especial a língua na modalidade oral) são sistemas distintos de registros que carregam características específicas, destacando aspectos diferentes dos entes matemáticos. 1 GRANGER, G. G. A filosofia do estilo, São Paulo, 1974 24 Há uma pluralidade de traduções possíveis do simbolismo matemático para a linguagem natural que não necessariamente são equivalentes: traduções distintas podem carregar níveis de dificuldades distintos na identificação dos objetos matemáticos correspondentes. Muitos dos registros matemáticos não são unidimensionais, como é o caso da língua natural, o que pode fazer com que a tradução dificulte, ou impeça, a percepção das relações entre as partes do registro matemático. O registro oral da Matemática pode tornar-se tão longo e tão complexo que elimine a operacionalidade dos entes matemáticos. Muitas representações matemáticas são figuras (gráficos, diagramas, figuras geométricas) cuja tradução para a língua natural está ligada às dificuldades das descrições. Essas dificuldades de leitura não são exclusivas da Matemática: qualquer sistema de registro simbólico que não possua oralidade intrínseca apresentará dificuldades semelhantes. Esse é o caso da Química, por exemplo, que aparece em muitas avaliações públicas nas quais os Ledores se fazem presentes. 25 4 - ADAPTAÇÕES DE AVALIAÇÕES PÚBLICAS PARA PESSOAS COM DEFICIÊNCIA VISUAL 4.1 – Introdução Uma das minhas funções profissionais é a adaptação de provas para pessoas com deficiência visual, em especial, a adaptação para a versão em Braille e para versão a ser lida por um programa de computador. Na versão em Braille, após analisar cada questão, decidir sobre as possibilidades de adaptação, elaborar o texto a ser adaptado, um técnico digita a prova em Braille e ela é impressa. Em seguida, um cego proficiente em Braille, lê a prova e comenta questão por questão, identificando possíveis ajustes que devam ser feitos, o que leva à forma final da prova em Braille. Na versão em áudio (leitura por um computador), as questões são analisadas, adaptadas e digitadas, transformando-se em um arquivo PDF, ou de outro formato que possa ser lido pelo programa. Um cego habituado com os programas de leitura de texto escuta a leitura feita e comenta cada questão, indicando ajustes que se façam necessários. A seguir, são descritas quatro adaptações de provas convencionais para uso por pessoas com deficiência visual: a adaptação de provas para pessoas com baixa visão, a adaptação para o Braille, para um programa de leitura em tela de computador e para um Ledor. São apresentadas as peculiaridades e dificuldades encontradas em cada adaptação e a complexidade presente nos processos de adaptação. As descrições feitas são o resultado de minhas práticas profissionais que sofrem o crivo, como apresentado acima, de técnicos, pessoas com deficiência visual proficientes em Braille e no uso de leitores de tela. Os exemplos usados na descrição são questões de provas públicas que já foram aplicadas e, portanto, podem ser publicitadas, ou são questões criadas especificamente para servirem de exemplos. Os comentários sobre cada questão elucidam as escolhas feitas no processo de adaptação e podem servir de subsídio para elaboração de manuais de adaptações. Além das quatro adaptações abordadas, comentam-se as formas possíveis de respostas apresentadas por uma pessoa com deficiência visual em uma avaliação pública. 26 4.2 - Prova Ampliada A prova ampliada, em uma primeira vista, parece a solução apropriada para todos que possuem baixa visão, pelo menos para aqueles cuja baixa visão não seja severa. Essa parecença não se confirma. As pessoas que compõem o grupo daqueles que são classificados como pessoas com baixa visão possuem características diferentes que exigem abordagens distintas no momento de sua participação em uma avaliação. No portal do MEC, encontra-se: Chama-se visão subnormal (ou baixa visão, como preferem alguns especialistas) à alteração da capacidade funcional decorrente de fatores como rebaixamento significativo da acuidade visual, redução importante do campo visual e da sensibilidade aos contrastes e limitação de outras capacidades. (GIL, 2000, p.6) Essa definição, por si só, já se presta à percepção da variedade de casos que se enquadram na categoria baixa visão. A acuidade visual de uma pessoa com baixa visão varia muito. Entende-se como baixa visão as limitações que não podem ser corrigidas, satisfatoriamente, por lentes ou qualquer outro equipamento e podem ser geradas por diversos fatores: acidentes, degeneração macular, glaucoma, diabetes ou cataratas. A percepção visual e a abordagem a ser considerada quando se trata de participação em avaliações varia de caso a caso. Para expor as dificuldades inerentes às abordagens necessárias nas adaptações das avaliações, apresentem-se alguns exemplos retirados do WebAim web accessibility in mind (VISUAL DISABILITIES, 2013). Nesses exemplos, há um “mapa” da percepção visual de cada caso exemplificado, o que ajuda a entender a necessidade de abordagens variadas. Degeneração Macular A mácula é perto do centro da retina, que é a região do fundo dos olhos. O processo de envelhecimento e o desgaste dos tecidos da mácula causam a forma mais comum de dege- neração macular, a degeneração macular “seca”. O resultado é a gradual perda de visão. A degeneração macular pode ocorrer, também, quando os vasos sanguíneos anormais no fundo dos olhos começam a vazar fluido ou sangue, gerando um borrão no centro da visão, com frequência levando a uma rápida perda da visão. Em 27 ambos os casos,
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