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77 15 CULTURA, MONOCULTURA, POLICULTURA E MULTICULTURALISMO NO BRASIL A cultura ocupa lugar de destaque na atualidade, embora não se possa deixar de considerar também sua relevância em outros momentos históricos. Entre suas múltiplas conceituações, a cultura pode ser pensada a partir de um conhecimento complexo que envolve arte, moral, crenças, costumes e leis adquiridas pelo ser humano ao longo do tempo. Miguez (2011, p. 18) aponta que: Esta afirmação ganha sentido, contudo, quando voltamos o olhar para a constituição da sociedade moderna, tendo em conta o papel que a cultura desempenhou nesse processo. Ou seja, se à modernidade correspondeu, como uma de suas mais importantes características, a emergência de um campo da cultura (relativamente) autônomo em relação a outros campos, como o da religião, na circunstância contemporânea, a cultura transbordou seu campo específico, alcançando outros campos da vida social, a exemplo dos campos político e econômico. O autor reforça essa análise afirmando que a cultura “invadiu” outros setores da vida em sociedade, o que não representa o fim da cultura como uma área específica, mas sua definição como uma área transversal, que atravessa muitos outros campos. Miguez (2011) aponta que a cultura deixou de ser algo específico de ciências como a sociologia ou a antropologia e passou a fazer parte de pesquisas de várias áreas do conhecimento. Também comenta que a cultura passou a servir como um recurso a ser utilizado no desenvolvimento de programas assistenciais que têm como focos a inclusão social, a transferência de renda, a geração de empregos, etc. Dessa forma, você pode inferir que “cultura” é um termo que pode assumir várias definições, sendo a mais conhecida àquela ligada à antropologia e à sociologia, que envolve conhecimentos, crenças, costumes e hábitos adquiridos ao longo do tempo. Contudo, esse termo pode assumir significados diversos conforme a área de interesse. Assim, as palavras “monocultura”, “policultura” e “multiculturalismo” também assumem significados diversos dependendo da área à qual estão vinculados. 78 O termo monocultura, por exemplo, está associado à produção de um único produto. Assim, uma monocultura pode ser considerada como uma unicultura. Transpondo essa noção para a área das ciências sociais, não se pode afirmar que no Brasil exista a monocultura, uma vez que o País é bastante rico em diversidade cultural. Nele, há grande variedade de costumes, hábitos, crenças, enfim, características que apontam para a existência da diversidade. Países como Japão e China, por exemplo, adotam o monoculturalismo como forma de preservar a sua cultura, excluindo influências externas. A adoção dessa estratégia se torna um pouco mais fácil em sociedades mais homogêneas e com tendências nacionalistas, o que não é o caso do Brasil (DORETO, 2019). O termo policultura, por sua vez, relaciona-se ao cultivo de vários tipos de produtos em um mesmo terreno, técnica muito aceita entre os povos indígenas, que a utilizavam para diversificar a sua produção. Além dos indígenas, há registros de que os quilombolas utilizavam essa técnica. Outro conceito que se destaca nesse contexto é o de multiculturalismo, contrário ao monoculturalismo. Ele pode ser entendido como a existência de várias culturas em determinada região ou país, no entanto com uma cultura predominante entre elas. Países como Canadá e Austrália adotam o multiculturalismo. A crítica é que o multiculturalismo pode provocar desprezo e indiferença por pessoas que não possuem as mesmas características e cultura e que porventura residam em países que adotam esse sistema. Isso ocorre porque a diversidade cultural passa a ser considerada uma ameaça para a identidade nacional. Nas palavras de Santos e Nunes (2003, p. 26), o multiculturalismo representa a “[...] coexistência de formas culturais ou de grupos caracterizados por culturas diferentes no seio de sociedades modernas” e está associado a processos emancipatórios e lutas pela afirmação das diferenças. Taylor (1997), por sua vez, aponta que as sociedades estão se tornando cada vez mais multiculturais e permeáveis, o que conduz à imposição de uma cultura sobre as outras. Falar em multiculturalismo e no predomínio de uma cultura sobre outras implica pensar também no papel do Estado perante essa questão. Ainda é preciso considerar que o multiculturalismo exige tolerância, no que se refere a aceitar as diferenças e a 79 aceitar o outro de forma empática e com respeito. Caso contrário, podem ser favorecidas situações de conflito, desentendimento e violência. Com relação ao papel do Estado, ele deve contribuir para que a legislação seja de fato efetivada. Além disso, deve criar medidas para evitar que determinadas situações ocorram em razão das desigualdades existentes na sociedade. Cada conceito possui suas especificidades, mas, de forma geral, deve prevalecer o reconhecimento das diferenças. Assim, grupos que são considerados minorias podem assumir o seu valor e lutar pela sua representatividade, favorecendo a sua construção identitária. Nessa perspectiva, o multiculturalismo deveria prevalecer sobre o monoculturalismo, uma vez que todas as culturas e cada uma em especial devem ser reconhecidas a partir de suas diferenças, de forma que nenhuma imponha seus preceitos, valores e crenças às outras, para que nenhuma seja oprimida ou extinta. Quanto ao Estado, ele deve considerar a diversidade cultural existente e lidar com ela a partir dos direitos humanos, do reconhecimento da dignidade dos indivíduos e do respeito às diferenças. 16 O ALARGAMENTO DAS DESIGUALDADES SOCIAIS NO BRASIL Como vimos até aqui, o Brasil é um país de grande diversidade cultural. E o mesmo vale para as desigualdades sociais. Há uma relação entre ambas, conforme destaca Machado (2011, p. 147): No Brasil, onde muito do que se identifica como riqueza da diversidade cultural são tradições e saberes das populações mais pobres e, em grande parte, apartadas do processo de crescimento econômico, tal realidade produz uma dúvida incômoda. O preço da preservação desses bens imateriais seria perpetuar os desníveis entre ricos e pobres, mantendo as populações tradicionais protegidas da contaminação da informação ou do acesso ao mercado de bens e serviços culturais? Além dessa, outra indagação permanece como alerta para aqueles que formulam políticas de reconhecimento ou de promoção da diversidade: se, no limite, a menor unidade da diversidade é o próprio indivíduo, não estariam, assim, sendo colocadas em risco conquistas históricas, objeto das lutas sociais que serviram para consolidar o respeito ao interesse comum e ao espaço
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