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15 O processo de inclusão de alunos com deficiências nas escolas regulares não é fácil ou simples, pois demanda investimentos em recursos materiais e humanos. Mesmo em meio às dificuldades durante esse período adaptação que vivemos, incluir todos os alunos na escola é um grande passo adiante. Finalizando nossa discussão sobre os aspectos que envolvem a inclusão escolar, devemos considerar as diferenças entre os mais variados grupos culturais que frequentam a escola, de forma a reconhecer os seus direitos à educação equitativa, entendendo que existem muitos processos nas interações entre esses grupos no cotidiano escolar. Logo, devem ser encarados com o olhar da alteridade e da participação do outro na constituição das suas identidades. Ao falarmos sobre equidade na educação, entendemos, acompanhando as ideias de Franco (2007, documento on-line), que deve haver simetria, igualdade no interior da escola quanto aos aspectos dos “[...] recursos escolares, organização e gestão da escola, clima acadêmico, formação e salário docente e ênfase pedagógica”. A pesquisa realizada pelos autores analisa como esses itens da equidade intraescolar vão refletir diretamente na eficácia dessa instituição de ensino, muitas vezes indo além do desempenho esperado. Como podemos perceber, a busca por equidade, além de ser pensada sobre o campo social do qual o aluno se insere, também deve ser analisada do ponto de vista do que as escolas oferecem para os seus alunos, uma vez que a falta ou a carência desses itens acabaria por reforçar as desigualdades sociais existentes. 5 RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS E DIVERSIDADE NO AMBIENTE ESCOLAR 5.1 As faces do racismo: discriminação e segregação sociorracial No Brasil, a escola pública é destinada a todos os cidadãos, independentemente de cor de pele, herança cultural, religião, classe social, gênero ou orientação sexual. A sociedade é diversa e, para cumprir sua função social emancipatória, a escola deve acolher toda a multiplicidade social e cultural. Como 16 você sabe, a escola oferece conhecimento aos estudantes e assim imprime marcas na sociedade. Contudo, ao mesmo tempo, como componente do tecido social, ela reflete as formas de leitura social e de comportamento estruturadas exteriormente. Por isso é que se diz que o racismo no Brasil é estrutural, ou seja, está presente em muitas esferas sociais. Ele é reproduzido por padrões de comportamento históricos e está presente também nas escolas, desde as séries iniciais, entre estudantes e professores. Você sabe o que é o racismo? O racismo é a ideia, manifestada ou não, de que uma etnia é inferior a outra, em habilidades ou possibilidades. Ele gera discriminação, marginalização e desigualdade social e econômica. Assim, o racismo deixa marcas estruturais nas biografias das vítimas, cerceando suas possibilidades emancipatórias e de mobilidade social. Ou seja, ele reproduz desigualdades e impossibilita que as vítimas transcendam as dificuldades sociais e econômicas que lhes foram impostas. O racismo se estabelece quando uma etnia histórica ou economicamente (no geral, há uma combinação dos dois fatores) privilegiada, por meio de ações segregadoras e discriminatórias, reproduz padrões de marginalização e desigualdade. As leituras de mundo eurocêntricas, motivadas pelo expansionismo imperialista do século XIX e aprofundadas no século XX, fizeram com que caucasianos pessoas de pele clara com origem europeia não ibérica e detentoras do poder econômico e militar nas expansões territoriais estruturassem as sociedades como se a sua compreensão cultural fosse central. Assim, outras comunidades e culturas deveriam se encaixar no modelo. Com o passar do tempo, expressões sociais que não fossem semelhantes às suas eram descartadas, ignoradas ou reprimidas (AUGUSTINHO, 2019). Você pode se perguntar: então, o racismo só acontece a partir das ações discriminatórias de brancos caucasianos em relação a não brancos (negros, indígenas, hispânicos, orientais, árabes, entre outras etnias)? A resposta é não. O racismo acontece quando há a discriminação de um cidadão em virtude de sua etnia, seja ela qual for, independentemente de quem propaga a ação. 17 No entanto, é muito importante compreender: o racismo, quando associado ao privilégio e ao poder econômico e cultural, exclui, marginaliza, impede acessos sociais e, em sua forma mais cruel, mata. Nas sociedades ocidentais, são os brancos os detentores dos privilégios e do poder econômico. Por isso, as ações discriminatórias desse grupo social têm impactos negativos muito mais profundos do que uma ação empreendida por alguém não branco. Você já reparou que, nas periferias, favelas e comunidades carentes, a maior parte da população é negra, ainda que composta também por pessoas de diferentes etnias? Já observou que os trabalhos braçais e os menos remunerados são desempenhados por pessoas negras? Por que isso acontece? No Brasil, último país ocidental a findar a escravidão, a população negra foi marginalizada a partir da abolição, quando não encontrou qualquer respaldo para a manutenção digna de sua vida no País, muito menos possibilidade de retornar às comunidades ancestrais. A força de trabalho do povo negro escravizado foi substituída pela mão de obra remunerada de imigrantes europeus. Sem trabalho e expulsa das senzalas que abriam espaço para as colônias, a população negra passou a viver à margem da sociedade, formando comunidades distantes dos centros das cidades e vilas. Os sobreviventes não conseguiam espaço nas novas estruturas pós- abolicionistas. Assim, o subemprego, a moradia indigna e distante e a impossibilidade de acesso à educação reproduziram por gerações as condições de vida desiguais. Por isso, no Brasil, o racismo tem ainda um recorte de classe (FERNANDES, 2008). As classes mais pobres são compostas em sua maioria por pessoas negras, e a configuração das estruturas sociais reimprime em cada geração os impedimentos de acesso aos elementos que poderiam inserir a população negra num contexto de igualdade social e econômica. Um desses elementos, como você pode imaginar, é a educação. Decorre daí a necessidade de reparação, especialmente por meio da facilitação do acesso à educação formal continuada até a universidade. Esse é um dos únicos dispositivos que oferecem a possibilidade de rompimento do ciclo da pobreza para esse grupo social. Ainda assim, no mercado de trabalho, esse grupo pode sofrer racismo. Tal racismo não se relaciona apenas às suas características 18 físicas, mas também ao eventual recebimento de algum auxílio reparatório ao longo da vida. Profissionais que foram cotistas, por exemplo, têm suas capacidades intelectuais constantemente questionadas, mesmo que avaliações indiquem o seu alto rendimento. O racismo também pode ser definido como o apontamento de características físicas, culturais ou religiosas como forma de ridicularização ou menosprezo, como se os elementos apontados significassem a inferioridade do sujeito. Você pode identificar ações racistas até mesmo construídas para se passarem por “elogios”: “Ela é uma negra muito bonita”; “Aquele rapaz asiático é muito trabalhador”; “Aquela criança indígena é muito inteligente”. Sempre que a cor da pele ou a etnia é ressaltada num elogio ou no apontamento de alguma característica, não é elogio, é racismo. Afinal, quando os mesmos elogios são direcionados à etnia dominante, eles não vêm acompanhados do apontamento da pele branca. Em ambientes de trabalho, o apontamento de características físicas ou elementos culturais e religiosos pode ser utilizado como pressão para um “branqueamento” visual. Em alguns espaços, pessoas negras são estimuladas a alisar os cabelos, cortá-los ou prendê-los, com a justificativa de que se tornariam visualmente mais arrumados, elegantes. Elementos culturaiscomo guias e turbantes não são, normalmente, permitidos nos códigos de vestimenta das empresas, embora colares e faixas não sejam problema. Reflita: por que essas situações acontecem? Talvez porque esses elementos sejam uma manifestação visual identitária, que informa aos contatos sociais o sentimento de pertencimento do indivíduo à cultura negra. A cultura dominante, no entanto, pressiona para que, visualmente, a herança identitária se apague e o indivíduo se torne mais “palatável”, ou seja, mais próximo da cultura branca (AUGUSTINHO, 2019). No ambiente escolar, além dos exemplos citados, que acontecem em todas as esferas sociais, há formas específicas de racismo, presentes na elaboração e nas matrizes curriculares. O apagamento da história dos povos negros nas aulas é racismo. Ignorar a presença e a produção de escritores, historiadores e cientistas negros é racismo. O reconhecimento desse cenário é o primeiro passo para que a 19 escola possa inserir conteúdos que reflitam a história e as contribuições sociais e científicas dos povos que constituem a nação. Dessa forma, os estudantes, ao circular por novos contextos sociais, poderão estar mais receptivos, compreendendo que a diversidade deve ser respeitada e acolhida. 5.2 Contribuições culturais na construção histórica do Brasil: colonialismo e diversidade Como conquista colonial do período de expansão marítima europeia, o Brasil nasce com a função de prover riquezas à sua metrópole. Os dois primeiros séculos de ocupação portuguesa, hispânica e holandesa em terras brasileiras não tinham como objetivo construir uma sociedade. Na verdade, como você deve saber, havia sociedades aqui constituídas antes da chegada dos portugueses. Tais sociedades eram diversas e ricas em conteúdo histórico e cultural, com suas próprias vivências e saberes. Contudo, não houve interesse em integrar tais culturas aos processos de exploração extrativista que se estabeleceram. Assim, os nativos brasileiros foram exilados da construção civilizatória de sua própria terra, muito embora tenham recebido os recém-chegados e indicado o nome da árvore cuja madeira resistente e preciosa tingiu de vermelho palácios e casas reais no Velho Continente (AUGUSTINHO, 2019). O mesmo parece ter acontecido com a presença negra no Brasil. Não nativo e trazido à força do continente africano, o povo negro, com sua força de trabalho, criou as riquezas que eram mandadas para a Europa, construiu cidades, portos, ferrovias e estradas. E contribuiu muito para a formação cultural nacional: música, culinária, literatura, danças, fé. Assim como ocorreu em outras colônias do chamado “Novo Mundo”, a construção cultural brasileira se deu na expressão e nas relações entre diferentes etnias. Não é possível ignorar o fato de que algumas dessas etnias eram livres e outras não. Mas isso não significa que as livres contribuíram mais ou mais efetivamente para a construção sociocultural do que as escravizadas ou marginalizadas. O Brasil é produto das conexões sociais e das leituras e interpretações de mundo, vivências e saberes de todos os grupos culturais que aqui 20 estavam. E a cultura nacional continua sendo reformulada, pois é plástica, mutante, não é estática. A configuração de domínio político e físico de uma etnia sobre outra terminou por fundamentar a ideia de domínio ou superioridade cultural de brancos sobre negros e indígenas. Mas, na sociedade brasileira contemporânea, sabe-se que essa ideia é falaciosa. Por isso, Estado e sociedade têm se organizado, com mais veemência a partir dos anos 2000, para a promoção da igualdade social, por meio de políticas públicas de esclarecimento sobre discriminação e racismo, bem como práticas sociais de valorização da cultura negra. A escola é parte fundamental desse processo, redirecionando ações a partir de projetos nacionais. Em 1996, surgiu o Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH), formulado para promover estratégias de proteção dos direitos humanos fundamentais e proteger grupos sociais vulneráveis no Brasil. Entre os focos principais do programa, estava a diminuição da marginalização social de pessoas negras e das práticas de racismo, minimizando desigualdades e promovendo a equidade social. É preciso refletir: a Lei nº 10.639/2003, que instituiu a obrigatoriedade da presença de conteúdos da história e da cultura afro-brasileiras nas matrizes curriculares da educação, foi promulgada apenas em 2010, mais de um século após a abolição da escravatura. Além da legitimação da identidade negra, essa ação permite que a sociedade brasileira reconheça a importância e as contribuições culturais, econômicas e políticas do povo negro à história nacional. Mas não se pode esquecer de que a demora para a implementação de políticas como essa causou um profundo impacto negativo em vidas de pessoas negras. Esse reconhecimento pode incentivar uma nova leitura da constituição social brasileira (AUGUSTINHO, 2019). Nessa nova leitura, negros, indígenas e imigrantes aqueles que imigraram como colonizadores ou aqueles que imigraram nos séculos XX e XXI buscando asilo político, terras de paz ou oportunidades de emprego e vida estável, vindos da Europa, da África, da Ásia e da América Latina devem ter o mesmo espaço, a mesma importância e as mesmas possibilidades de crescimento, educação, saúde; 21 enfim, vidas saudáveis e protegidas. A referida lei visa, portanto, a estabelecer patamares interpretativos de igualdade na contribuição histórica, para que relações entre raças e etnias diversas se deem de forma respeitosa, sem racismo ou discriminação. 5.3 A escola e o combate ao racismo na promoção da igualdade Como você viu, a escola tem papel fundamental no combate ao racismo e à discriminação racial. Isso ocorre por dois motivos essenciais. Primeiro, porque a escola precisa estar apta a oferecer o espaço, os dispositivos e as adaptações necessárias para que estudantes marginalizados e discriminados tenham acesso à educação de qualidade. Em segundo lugar, ao receber esses estudantes, a escola precisa oferecer um lugar seguro e amigável. Como você pode imaginar, isso só é possível se toda a comunidade escolar, assim como a comunidade do entorno, for educada para compreender as práticas reparatórias e inclusivas como um benefício a todo o contexto social, não apenas aos indivíduos em questão. Além disso, é primordial que escolas e professores construam e difundam a noção de igualdade social. A ideia é que, também fora do contexto escolar, cidadãos negros, indígenas, imigrantes e pessoas com deficiência não sejam discriminados por não serem os espelhos dos padrões normativos. Eles devem ser vistos como portadores de características diversas, que enriquecem o contexto cultural brasileiro. Para além, devem ser encarados com o mesmo respeito e as mesmas oportunidades que quaisquer outros cidadãos (AUGUSTINHO, 2019). Se a escola é entendida como ferramenta essencial no processo civilizatório, ela é utilizada quando se quer mostrar ou cristalizar novas leituras de contextos sociais. Por isso, a escola é utilizada para combater o racismo e promover a igualdade racial, e isso não apenas a partir de práticas e projetos pedagógicos inovadores e externos às diretrizes curriculares. Em 2010, foi promulgada a Lei nº 12.288, que institui o Estatuto da Igualdade Racial. Entre outras ações, o dispositivo confirma a obrigatoriedade da presença na escola da história dos povos negros no Brasil e em África, identificando-a como elemento formador da estrutural social e 22 cultural brasileira. Além disso, o estatuto também prevê a obrigatoriedade desse conteúdo na formação de professores e profissionais da pedagogia, para que educadores tenham em sua formação a noção cristalizada da importância das contribuições dos povos negros. Na busca por uma educaçãodestinada a todos os cidadãos, que considere as diversidades de cada grupo e as respeite, o Ministério da Educação no Brasil promove uma série de ações e programas para integrar grupos sociais marginalizados à escola. A ideia é que as diversidades sejam consideradas, não suprimidas. A seguir, você pode ver alguns exemplos (BRASIL, 2013). • Educação Escolar Quilombola: esse programa visa a inserir as características culturais e históricas de estudantes e professores pertencentes ou descendentes de comunidades quilombolas às diretrizes curriculares, fortalecendo e legitimando a sua identidade social. • Educação de Jovens e Adultos (EJA) — Projovem Urbano e Projovem Rural: o conhecido programa EJA, que oferece educação do ensino fundamental ao médio para jovens e adultos que estão fora da idade escolar, ganhou nos últimos anos duas novas versões. Uma delas privilegia e insere temáticas e particularidades do contexto urbano nas práticas educativas. A outra faz o mesmo a partir do contexto rural, anexando saberes e práticas que fortaleçam a identidade do cidadão do campo, mas também que favoreçam suas práticas de trabalho e seus meios de vida. • Programa de Apoio à Formação Superior e Licenciaturas Interculturais Indígenas (Prolind): esse projeto favorece os saberes e as vivências indígenas na formação de professores e profissionais cuja intenção é voltar o seu trabalho especificamente para as suas comunidades. Assim, é possível preservar a cultura original, com o ensino da língua materna, por exemplo, além do português, juntamente a propostas de economia sustentável. 8 Relações étnico- raciais e diversidade no ambiente escolar. 23 • Bolsa Família: é um benefício financeiro mensal para famílias em situação de vulnerabilidade social extrema, desde que as crianças e adolescentes em idade escolar (de 6 até 17 anos) sejam mantidos na escola. De acordo com o Ministério da Educação, há acompanhamento do rendimento escolar de cada um dos estudantes. • Acessível: esse programa procura inserir nas escolas públicas dispositivos e elementos que permitam aos estudantes com deficiência estudar, permanecer e circular na escola de forma facilitada, com foco em sua autonomia. Ele prevê desde rampas de acesso até salas multifuncionais com equipamentos e instrumentos especiais para pessoas com deficiência física, visual, auditiva, intelectual ou pessoas neuroatípicas. Pessoas com deficiência não necessariamente precisam de escolas e educação especial, a não ser que isso seja recomendado por médicos, em situações específicas. Elas podem (e isso é um direito seu) ser recebidas nas escolas públicas regulares. É dever do Estado providenciar os recursos necessários para que isso aconteça. 6 ETNIA E RAÇA 6.1 Distinção entre etnia e raça Somos todos iguais? Essa questão é muito complexa, e é sobre ela que vamos nos debruçar neste capítulo. Para iniciar a discussão, precisamos saber que, apesar de termos em comum a condição de humanidade, temos origens biológicas, territoriais e culturais diferentes, e isso faz com que tenhamos diferenças não só no modo de viver a vida, mas também em aspectos físicos. Segundo Neves (2006), as principais espécies hominídeas consideradas cruciais para a história da evolução humana datam de sete milhões de anos atrás. De lá para cá, o bipedismo, o consumo de proteína animal, a fabricação de ferramentas, o desenvolvimento do cérebro e a construção da vida em sociedade
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