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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO COPPEAD DE ADMINISTRAÇÃO LIANA PORTO PEREIRA BELEZA E ENVELHECIMENTO: a visão de um grupo de dermatologistas sobre seus pacientes e os produtos anti-idade. RIO DE JANEIRO 2011 2 LIANA PORTO PEREIRA BELEZA E ENVELHECIMENTO: a visão de um grupo de dermatologistas sobre seus pacientes e os produtos anti-idade. Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Administração, Instituto COPPEAD de Administração, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Administração. Orientadora: Letícia Moreira Casotti, D.Sc. RIO DE JANEIRO 2011 3 LIANA PORTO PEREIRA BELEZA E ENVELHECIMENTO: a visão de um grupo de dermatologistas sobre seus pacientes e os produtos anti-idade. Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Administração, Instituto COPPEAD de Administração, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Administração. Orientadora: Letícia Moreira Casotti, D.Sc. Aprovada em _________________________________________ Leticia Moreira Casotti, D.Sc. (COPPEAD/UFRJ) _________________________________________ Maribel Suarez, D.Sc. (COPPEAD/UFRJ) _________________________________________ Claudia Pereira, Dr.Sc. (PUC/RJ) RIO DE JANEIRO 2011 4 AGRADECIMENTOS À Professora Letícia Casotti por sua competente e dedicada orientação, e por me motivar nos momentos mais difíceis dessa pesquisa. À Cátedra L’Oréal de Comportamento do Consumidor e ao CAPES por seu apoio à pesquisa. Às professoras Maribel Suarez, Gisela Taschner e Claudia Pereira por aceitarem o convite de participar da banca examinadora. À Cida e à Lucianita pela ajuda diária na secretária acadêmica durante o período do mestrado. À Eliane por estar sempre disponível ao auxiliar na busca de artigos e livros essenciais para a construção dessa dissertação. Às empresas entrevistadas por cederem seu tempo e por permitirem utilizar os relatos como material de apoio para o roteiro. Aos médicos dermatologistas por disponibilizarem seu valioso tempo, por dividirem comigo suas histórias de profissão e seus sentimentos, e por indicarem outros colegas de profissão para participar desse estudo. Aos meus pais, Sylvia e Albucacis, por apoiarem a minha decisão de cursar um mestrado em tempo integral. À minha mãe, Sylvia, por me auxiliar com os artigos relativos à bioética, por fazer a revisão de ortografia, por solicitar que amigas dermatologistas participassem do estudo e por estar sempre presente me estimulando a escrever essa dissertação. À minha irmã Andréa por estar sempre disponível para ajudar na revisão de literatura e de ortografia e ao meu irmão Bruno, que mesmo de longe, sempre se interessou pelo andamento desse trabalho. Ao Marcio, companheiro sempre presente, pelo carinho diário e por tornar o caminho dessa pesquisa mais leve. 5 Aos meus tios e primos que procuraram compreender minha ausência nas reuniões familiares. Ao meu primo Vinicius, hoje também aluno do COPPEAD, que me incentivou em cada etapa da pesquisa. À turma de 2009, especialmente, às queridas amigas, Bianca Carvalho, Fernanda Rios, Fernanda Romano, Letícia Eboli, Maria Cecília Galli e Marta Abrão, que estiveram sempre presentes em todos os momentos alegres e difíceis do mestrado. 6 RESUMO BELEZA E ENVELHECIMENTO: a visão de um grupo de dermatologistas sobre seus pacientes e os produtos anti-idade. Orientadora: Leticia Moreira Casotti. Rio de Janeiro: UFRJ/COPPEAD, 2009. Dissertação (Mestrado em Administração). Essa pesquisa de caráter exploratório procurou compreender, através de entrevistas em profundidade, como um grupo de médicos dermatologistas, que são considerados importantes influenciadores no consumo de tratamentos antienvelhecimento, percebem a beleza, o processo de envelhecimento de seus pacientes e sua relação com o consumo de serviços e produtos de beleza, mais especificamente, os cremes anti-idade, produtos escolhidos como representantes da busca do rejuvenescimento. Como base de apoio para a interpretação dos relatos dos entrevistados, a revisão de literatura foi construída dentro dos seguintes temas: identidade, beleza, envelhecimento e a bioética médica. Os relatos sugerem que a beleza do rosto pode ser mais importante que do corpo, principalmente, para as mulheres mais velhas. Parecem haver diferenças entre o modo como os dermatologistas mais jovens e mais velhos tratam a cosmiatria. Assim, observa-se que os mais velhos são mais críticos quanto a busca excessiva pelo rejuvenescimento e pela beleza, embora algumas contradições nos relatos aconteceram independente das diferenças: eles percebem que algumas pacientes sofrem ao almejar ter uma aparência jovem que já não é possível, mas ao mesmo tempo, julgam os tratamentos anti-idade positivos para a auto-estima da mulher. Os entrevistados demonstram que fazem uma distinção de valor entre os produtos que são considerados dermocosméticos e os cosméticos. Os dermatologistas parecem valorizar as marcas de cremes anti-idade que realizam pesquisas científicas constantemente e que entendem que as ações de marketing devem ser direcionadas a eles através dos congressos e visitas e não ao público leigo. Palavras-chave: Envelhecimento. Beleza. Produtos anti-idade. 7 ABSTRACT BEAUTY AND AGING: the vision of a group of dermatologists on their patiens and anti-aging products. Orientadora: Leticia Moreira Casotti. Rio de Janeiro: UFRJ/COPPEAD, 2009. Dissertação (Mestrado em Administração). This exploratory research sought to understand, through depth interviews, how a group of dermatologists, that are considered an important influencers in the consumption of anti-aging treatments, observe beauty, the aging process of their patients and their relation with the consumption of beauty services and products, more specifically, anti-aging cream, products chosen as representative of the search for rejuvenation. As a support for the interpretation of the interviews, the literature review was built within the following themes: identity, beauty, aging and medical bioethics. The speeches suggest that the beauty face may be more important that of the body, specially, for older women. There appear to be differences between how younger and older dermatologists deal with cosmiatry. Thus, it is observed that the older are more critical towards to the excessive search for rejuvenation and beauty, thought a few contradictions in the speeches occurred regardless of differences: they notice that a few patients suffer when they aim an young appearance that is no longer possible, but, at same time, judge that anti-aging treatments are positive for the self-esteem of women. The interviewees referred that they make a distinction between products that are considered dermocosmetics and cosmetics. The dermatologists seem to value the brands of anti-aging creams that develop scientific researches constantly; and that understand that the marketing actions should be directed to dermatologists, through congress and visits, and not to the lay public. Keywords: Aging. Beauty. Anti-aging products. 8 LISTA DE QUADROS Quadro 1 - Sumário das abordagens Positivista e Interpretativista................ 47 Quadro 2 - Resumo dos entrevistados........................................................... 50 Quadro 3 - Categorias de descrição e categorias de análise......................... 62 Quadro 4 - Valores da cultura carioca............................................................74 Quadro 5 - As duas faces do envelhecimento................................................ 83 Quadro 6 - Caminhos dos tratamentos anti-idade.......................................... 86 9 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 10 1.1 RELEVÂNCIA DO TEMA.................................................................................... 10 1.2 OS INFLUENCIADORES DE OPINIÃO.............................................................. 12 1.3 ORGANIZAÇÃO DO ESTUDO ........................................................................... 14 2 REVISÃO DE LITERATURA ................................................................................. 16 2.1 IDENTIDADE....................................................................................................... 16 2.2 BELEZA: UMA BREVE HISTÓRIA .................................................................... 20 2.2.1 O Corpo ............................................................................................................ 25 2.2.2 Cosméticos e cosmocêuticos ........................................................................... 28 2.3 ENVELHECIMENTO ........................................................................................... 32 2.3.1 O consumo e o envelhecimento ....................................................................... 35 2.3.2 As dificuldades do envelhecimento .................................................................. 39 2.4 A BIOÉTICA MÉDICA......................................................................................... 41 3. METODOLOGIA ................................................................................................... 46 3.1 NATUREZA DA PESQUISA ............................................................................... 46 3.2 SELEÇÃO DOS ENTREVISTADOS................................................................... 49 3.3 COLETA DE DADOS.......................................................................................... 51 3.3.1 Cenário do estudo ............................................................................................ 52 3.3.2 Desenvolvimento do roteiro.............................................................................. 52 3.3.3 Dificuldades do campo ..................................................................................... 58 3.4 ANÁLISE DE DADOS......................................................................................... 59 3.4.1 Limitações do método ...................................................................................... 60 4. ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DAS INFORMAÇÕES....................................... 62 4.1 Motivações para trabalhar com beleza........................................................... 63 4.2 BELEZA .............................................................................................................. 65 4.2.1 Beleza X Saúde Mental .................................................................................... 71 4.2.2 Beleza e ciclo de vida....................................................................................... 72 4.3 RELAÇÃO MÉDICO- PACIENTE ....................................................................... 74 4.3.1 Gerenciando expectativas ................................................................................ 77 4.3.2 Conflitos da bioética na cosmiatria................................................................... 78 4.3.3 A questão do comércio no meio médico .......................................................... 80 4.4 ENVELHECIMENTO ........................................................................................... 81 4.4.1 A idade ............................................................................................................. 84 4.5 PRODUTOS ANTI-IDADE .................................................................................. 87 4.5.1 As marcas pesquisadas ................................................................................... 92 4.6 O NÃO CONSUMO DE PRODUTOS ANTI-IDADE............................................ 95 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................. 99 Referências Bibliográficas ................................................................................... 106 ANEXO.................................................................................................................... 111 ANEXO 1- Roteiro semi-estruturado para entrevista com empresa................. 111 ANEXO 2 - Roteiro semi-estruturado da entrevista com dermatologistas ...... 112 ANEXO 3 – Entrevistas com dermatologistas .................................................... 113 10 1 INTRODUÇÃO Esse estudo tem como principal objetivo compreender a visão de um grupo dermatologistas sobre o processo de envelhecimento de seus pacientes e sua relação com o consumo de serviços e produtos de beleza, mais especificamente, foi dado maior destaque aos cremes anti-idade como produtos que representam a busca do rejuvenescimento ou não envelhecimento. Trata-se de uma pesquisa exploratória que utilizou metodologia qualitativa com uso de entrevistas em profundidade. 1.1 RELEVÂNCIA DO TEMA A Cátedra L’Oréal de Comportamento do Consumidor no Instituto Coppead da UFRJ tem apoiado estudos sobre diferentes temas associados a beleza, como pode ser observado nos trabalhos de Campos (2010) sobre o consumo de cosméticos em gerações de mulheres do subúrbio carioca; de Casotti et al. (2008) sobre os diferentes tempos da beleza; de Borelli (2009) sobre o consumo de cirurgia plástica por mulheres jovens; de Amui (2006) sobre o consumo de cremes cosméticos de luxo; de Rosário (2006) sobre o não consumo das tinturas de cabelo; e de Fontes (2009) sobre o consumo de bens e serviços de beleza pelo ponto de vista masculino, dentre outros. Essas pesquisas e o presente estudo tiveram como importante referencial o campo das Ciências Sociais que aparecem muitas contribuições sobre o tema beleza, e também sobre envelhecimento (GOLDENBERG e RAMOS, 2002; LIPOVETSKY, 2007; GOLDENBERG, 2007, 2009; BOUZÓN, 2008; BEAUVOIR, 1990; VIGARELLO, 2006). Não foram encontrados estudos relacionando os dermatologistas como influenciadores de opinião em relação a produtos cosméticos na literatura de Marketing e Comportamento do Consumidor ou nas Ciências Sociais. Enquanto a moda e a beleza são temas que despertam o interesse dos pesquisadores no contexto do mercado de luxo, dos jovens e do fenômeno social das tribos (LIPOVETSKY e ROUX, 2008; AMUI, 2006; PEREIRA, 2003; PEREIRA, 2008); os estudos do envelhecimento são mais recorrentes quando se referem às questões 11 públicas, como aposentadoria e saúde da terceira idade (DEBERT, 2004; BARROS, 2007; OMS, 2005). A Organização das Nações Unidas (ONU) define que as pessoas passam a ser consideradas idosas após os 60 anos de idade. Contudo, a Organização Mundial da Saúde (2005) propõe que a idade cronológica pode não ser um marcador para definir as mudanças que acompanham o envelhecimento, fatores como o estado de saúde do indivíduo também devem ser considerados. A população com mais de 60 anos de idade é a faixa que mais cresce na população, em relação à outras faixas etárias, em quase todos os países do mundo. Esse fato é resultado do aumento da expectativa de vida, somado ao declínio das taxas de fertilidade em diversos países. Até o ano de 2025, o Brasil será o sexto país do mundo em número de idosos; sendo que, entre os anos de 1980 e 2000 a população mundial, com mais de 60 anos, cresceu 7,3 milhões, totalizando mais de 14,5 milhões em 2000. Já, nos Estados Unidos, o grupo de pessoas acima de 45 anos tem crescido cerca de três vezes mais que o restante da população, fato que está implicandoem um aumento do consumo de produtos anti-idade (OMS, 2005; GENDLER e RIZZO, 2009). Segundo Debert (2004), os indivíduos na meia-idade são, provavelmente, quem mais consome produtos ligados ao rejuvenescimento, uma conseqüência de seu poder aquisitivo. Com a forte demanda por corpos e rostos dentro de padrões estéticos e com crescente aumento dos idosos na população mundial, os temas beleza e envelhecimento passaram a fazer parte do dia-a-dia da sociedade brasileira. O Brasil tem, atualmente, um papel representativo no mercado de beleza mundial, “exportando” modelos brasileiras que atingem reconhecimento internacional, como pode ser observado navegando pelo site models.com1. As brasileiras despontam, principalmente, no ranking das modelos com seis entre as 20 mulheres mais sexy do mundo, com uma brasileira - Adriana Lima no topo da lista e Gisele Bunchen aparece como a modelo mais bem paga do mundo. Nesse contexto, mulheres de meia-idade buscam o consumo de diversos cosméticos onde se incluem os cremes anti-idade, tratamentos estéticos, como a 1 Disponível em: www.models.com . Acessado em: 19 set. 2011. 12 toxina botulínica, os preenchedores e o laser antienvelhecimento, as cirurgias plásticas, ou seja, diferentes tipos de tratamentos que tornem sua aparência mais jovem (GENDLER e RIZZO, 2009; GOLDENBERG e RAMOS, 2002; GOLDENBERG, 2005). Nesse cenário, o fenômeno dos cosmocêuticos influencia a indústria de cosméticos e os consultórios de dermatologia, representando a área da dermatologia que se expande mais rapidamente. Esses produtos estão sendo utilizados pelos dermatologistas como um auxílio aos procedimentos médicos (DRAELOS, 2009). Grande parte dos mitos dos cosmocêuticos são referentes ao processo de envelhecimento. Por exemplo, a melhora da aparência através de tratamentos com cosmocêuticos é percebida como uma questão cosmética e não farmacêutica pela população. Contudo, os produtos farmacêuticos e os cosmocêuticos podem estar convergindo auxiliando assim a prescrição de procedimentos anti-idade (DRAELOS, 2009) 1.2 OS INFLUENCIADORES DE OPINIÃO O desejo de adequação ou de identificação com grupos é a primeira motivação para determinar o consumo. À medida que certos grupos ou pessoas ganham poder, a submissão dos demais participantes do grupo aumenta. Por exemplo, quando alguém demonstra conhecimento de determinado assunto, outros consumidores passam a reconhecer a influência. Esse fatores podem configurar um grupo de referência, que pode ser definido como: “um indivíduo ou um grupo, real ou imaginário, concebido como capaz de ter relevância significativa para avaliações, aspirações ou comportamento de um indivíduo” (Machan, apud Salomon, 2011, p.408) Existem três formas pelas quais os consumidores são influenciados por um grupo de referência: informativa, utilitária e expressiva de valor. A informação sobre um bem de consumo ou uma marca podem ser transmitidas por profissionais que se relacionam com o produto, por associações ou por grupos de especialistas. Já a influência utilitária está relacionada ao desejo de satisfazer a expectativa de terceiros. O consumidor é influenciado ao conhecer a preferência de outros com os quais ele interage socialmente, como amigos ou familiares. Por último, o consumidor busca em um bem de consumo ou em uma marca o valor que deseja associar sua 13 imagem, com a intenção de afetar o modo como outros o vêem. O consumo ocorre, pois a marca possui características que o indivíduo gostaria de ter ou porque se identifica com pessoas que apresentam o produto na publicidade. Contudo, a influência dos grupo de referência é menor em certos tipos de produto, como os considerados de baixo risco percebido. Ainda, diferentes poderes são associados à uma pessoa ou à um grupo de referência. Pode-se notar que os médicos são dotados do poder legítimo, onde a sociedade lhes concede o poder através de um acordo social: sendo o jaleco branco um símbolo indicativo de credibilidade. Além disso, o poder do conhecimento também é conferido aos médico. Cada profissional da medicina detém o conhecimento da especialidade médica a qual dedicou seus estudos. Os dermatologistas possuem o conhecimento necessário para aconselhar sobre as questões associadas à pele, incluindo o conhecimento sobre a estética. Na sociedade de consumo uma figura que desempenha um papel importante são os líderes de opinião: pessoas que se tornam referências no consumo de uma classe de produtos. Esses indivíduos têm a capacidade de influenciar comportamento e atitude de terceiros, podendo ser ou não compradores do produto que indicam. Apesar do fácil acesso às informações, os consumidores tendem a pedir auxílio ao líder de opinião, que é um especialista naquele assunto. Um exemplo, no universo da estética, são os blogs de beleza que recebem milhares de acessos de mulheres que desejam se informar sobre determinadas marcas de maquiagem, cosméticos anti-idade, ou outros produtos que prometem torná-las mais belas. Quem desempenha esse papel tende a ter valores e crenças semelhantes às do consumidor que solicita ajuda. Contudo, os líderes de opinião não recebem recompensa por seu aconselhamento, diferentemente do consumidor substituto. Essa figura está presente em uma classe de intermediários de marketing, orientando a compra dos consumidores comuns. Pode-se notar que o dermatologista se encaixa nessa classificação, ao fornecer uma consulta de estética para as consumidoras de beleza. Logo, esse profissional pode exercer grande influência no consumo de produtos anti-idade. 14 Desse modo, o consumidor pode renunciar às diversas etapas da tomada de decisão do consumo do produto, como a avaliação de alternativas por influência dos dermatologistas. Observa-se que um grande erro de alguns profissionais de marketing é ignorar esse consumidor substituto, pois algumas mensagens são mais eficientes se forem transmitidas diretamente para os substitutos (SALOMON, 2011). Esse estudo procurou conhecer e ouvir o que pensa esse grupo de referencia e também formador de opinião - os dermatologistas - sobre a beleza, seu consumo através de marcas, serviços e produtos como os cremes anti-idade. 1.3 ORGANIZAÇÃO DO ESTUDO Este estudo está dividido em cinco capítulos: introdução, revisão de literatura, metodologia, análise e interpretação dos dados, e considerações finais. O primeiro capítulo, a introdução, aborda brevemente o assunto tratado nessa pesquisa e busca justificar sua relevância. Na revisão bibliográfica, investigou-se temas que contribuíram como base para a pesquisa, auxiliando na definição das questões do roteiro de entrevistas e na interpretação de seus resultados. A construção da revisão de literatura desse estudo apóia-se nas teorias da formação da identidade e sua relação com o consumo, seguindo com noções sobre a beleza, para, então, abordar o envelhecimento. Encerrando o capítulo, optou-se por discorrer sobre a ética na medicina, que é um assunto importante no campo da dermatologia. O capítulo de metodologia propõe um estudo de natureza interpretativista. Nesse capítulo são descritos os métodos utilizados na pesquisa de campo, os procedimentos de coleta e análise de dados; além das dificuldades encontradas no campo e das limitações da abordagem escolhida. O quarto capítulo trata da análise e da interpretação dos dados, ou seja, os resultados da pesquisa de campo. Os resultados são organizados de acordo com seis temas, reunidos a partir das categorias utilizadas para a descrição das entrevistas: motivações para trabalhar com beleza, a beleza, a relação médico- paciente, o envelhecimento e o não consumo de produtos anti-idade. 15 Por fim, o quinto capítulo propõe uma reflexão sobre os principais achados provenientes do capítulo de análisee da interpretação dos dados, trazendo sugestões para pesquisas futuras. 16 2 REVISÃO DE LITERATURA O capítulo de revisão de literatura tem o objetivo de suportar teoricamente a pesquisa desenvolvida. Para isso a autora se apoiou em quatro temas principais: identidade, beleza, envelhecimento e ética. Na primeira parte é discutido o conceito de identidade no mundo contemporâneo, sua relação com o consumo. Em seguida, a história da beleza é apresentada, destacando a valorização da beleza física pela sociedade atual e a noção do corpo como algo gerenciável. Posteriormente, é descrita uma breve evolução da história dos cosméticos: que vai desde a sua função de disfarçar os defeitos do rosto, a função mai recente de alterar a aparência, visando a juventude. Logo, aborda-se a questão do processo de envelhecimento, discutindo as dificuldades da velhice. Por último, trata-se da bioética médica, um tema relevante quando são abordadas questões da relação médico-paciente. 2.1 IDENTIDADE Há milhares de anos o homem busca uma resposta para a pergunta: “Quem sou eu?”. Discutir a identidade e o self é uma tentativa de compreender como os seres humanos se autodefinem (MCCRAKEN, 2003). Existem diferentes correntes de pensamento sobre a formação da identidade: para sociólogos pós-modernos como Bauman (2001) ela é fragmentada, ou seja, o indivíduo possui diferentes identidades, dependendo do contexto em que se encontra. Por outro lado, Campbell (2006) e Mittal (2006), parecem concordar que a identidade é única e há uma busca constante pelo self real. Esses autores estudam a identidade do ponto de vista do comportamento do consumidor. Na tese de Campbell (2006) a constante busca da identidade pode acarretar mudanças de gosto ao longo dos anos. Entretanto, ele acredita que a identidade seja única, e que essas mudanças sejam um caminho necessário para sua aproximação mais fiel do self. Na literatura de comportamento do consumidor, há diversas teorias sobre a formação da identidade, todavia um ponto em comum é a importância dada ao consumo para seu desenvolvimento. De acordo com Campbell (2006), a identidade 17 não é apenas determinada por filiação, classe ou status de grupos, como provavelmente ocorria no começo do século XX, pois a experiência do consumo assumiu papel fundamental na busca pela identidade na sociedade contemporânea (CAMPBELL, 2006; BELK,1988; MITTAL, 2006). Na proposta de Mittal (2006) o termo utilizado para se referir à identidade é o “autoconceito” que, de acordo com o autor, é o modo como o indivíduo se vê e é formado por seis componentes: cinco deles fazem parte do self sem posse e um do eu-estendido. Cada componente varia em importância e em proporção para cada indivíduo. O “self sans possession” é formado por corpo, valores e caráter, sucesso e competência, papéis sociais e traços da personalidade; o eu-estendido é composto por objetos que fazem parte da vida do consumidor. A proposta feita anteriormente por Belk (1988) difere um pouco da de Mittal (2006) quanto aos componentes do eu- estendido e self central. Belk (1988) também associa ao eu-estendido “itens” como pessoas, lugares e grupos; partes do corpo e órgãos vitais, por exemplo, quando ocorre uma doação de um órgão. Belk (1988) analisa que a busca pela definição da identidade ocorre de diferentes maneiras ao longo da vida. O autor afirma que cada geração tem um jeito próprio de buscar seu self central: enquanto bebês, as pessoas começam a entender que existe um limite físico que é seu corpo, é a primeira vez que percebem que são seres únicos e não uma continuação de sua mãe. Quando crianças, elas passam a se reconhecer a partir das reações de outras crianças, por exemplo, ao perceber que um brinquedo é motivo de inveja. Na adolescência e na idade adulta a identidade é gerenciada pelas posses do indivíduo. Por último, pessoas com idade avançada buscam um senso de continuidade e de preparação da morte, também, através de suas posses. McCracken (2003) também relata que a posse é um elemento importante para a definição da identidade. O autor descreve como os processos dos rituais de posse e de arrumação contribuem para que os significados, que definem o consumidor, sejam extraídos dos bens. Logo, esses objetos passam a “categorizar, cultivar idéias e sustentar estilos de vida, construir noções de si e criar mudanças sociais” (MCCRACKEN, 2003), participando do eu-estendido. 18 No entanto, nem todos os objetos consumidos são parte do eu-estendido (MITTAL, 2006). Apenas se uma pessoa percebe o bem como posse e consegue se definir através dele, esse será parte de seu self. Mittal (2006) sugere o exemplo do uso intenso de um cosmético anti-idade: mesmo que o consumidor o use todos os dias, não é certo que será parte do eu-estendido. Seria preciso que o componente “corpo” fosse importante para esse indivíduo e através do cosmético transmitisse seus desejos, como um estilo se vida. Belk (1988) mostra que os bens que são parte do eu-estendido quando afirma que a perda ou o roubo de um objeto geram um enorme sentimento de vazio. Isso ocorre, pois o bem ausente era uma parte do indivíduo. Ahuvia (2005) concorda com Belk (1988) ao afirmar que quando a relação do ser humano com um bem é de amor, muito tempo e energia são gastos com a sua compra; e mesmo após sua aquisição, eles continuam sendo muito importantes para o self. Já quando a relação com o produto é de paixão o maior envolvimento ocorre durante a espera pela compra do produto, o qual passa a não fazer mais sentido na vida do indivíduo depois que é adquirido (BELK et al., 2003). Na construção da identidade descrita por Campbell (2006), a variedade de produtos e as possibilidades de consumo permitem que o indivíduo teste seus gostos e, desse modo, e assim construa seu autoconceito. De acordo com o autor, a individualidade de cada um é consolidada por sua combinação de gostos. A liberdade de escolha é mais comum nas sociedades mais individualistas e é útil para que o consumidor possa definir seus gostos dentre as diversas categorias culturais e desse modo encontrar sua identidade ideal (MCCRACKEN, 2003). Essas escolhas de consumo apresentadas por Campbell (2006) e McCracken (2003) estão associadas a muitas emoções. Ahuvia (2005) destaca, dentre os sentimentos, que o amor é comumente percebido nas descrições dos consumidores em sua pesquisa. Esse sentimento teve uma atenção especial da autora por acreditar que objetos e pessoas amados influenciam no senso do self. Nos achados de Ahuvia (2005) esses objetos amados estão relacionados a eventos importantes da vida, ajudam a resolver conflitos de identidade e tem uma forte associação simbólica em relação a outras pessoas ou outros tempos. Dessa forma, Ahuvia (2005) e McCracken (2003) concordam sobre a importância dos significados 19 extraídos dos bens sendo utilizados como marcadores de tempo, espaço e ocasião para a construção da identidade. Além disso, os objetos ajudam a definir os gostos em meio às categorias culturais de classe, status, gênero, idade, ocupação e estilo de vida que há na sociedade. No início de sua pesquisa, Ahuvia (2005) acreditava em uma mudança constante da identidade e no vazio gerado por um consumo sem sentido. Entretanto, baseando-se em seus achados, concordou com Belk (1988) que o consumo pode dar sentido a vida. Apesar disso, Ahuvia (2005) sugere que o self, como essência do ser humano, é uma visão romântica de alguns autores. Segundo essa autora, as forças sociais contemporâneas fazem com que uma identidade coerente seja difícil de ser atingida, o que gera os conflitos de identidade. No entanto, ela afirma que os objetos ajudam a resolver esses conflitos já que podem carregar significados importantes do passado e de um estilo de vida desejado no futuro, ao mesmo tempo. Como exemplo,Ahuvia (2005) cita como uma bolsa vintage pode ser relevante por lembrar a mãe ou a avó e ao mesmo tempo fazer um estilo cool. De acordo com sua teoria, os conflitos de identidade podem ser resolvidos de três formas: quando há duas partes da identidade antagônicas, uma pode prevalecer, havendo rejeição da outra; a segunda forma de solução é criar uma identidade intermediária, que seja nula em relação às duas anteriores; e por último, há uma síntese das identidades, onde o melhor é tentar tirar o que há de melhor das duas e criar novas escolhas (AHUVIA, 2005). Mittal (2006) parece concordar com Ahuvia (2005) sobre a existência de conflitos de identidade na sociedade contemporânea. Para o autor, a percepção dos outros é importante para o self e pode levar a uma tensão na identidade a partir da diferença de valores atribuída por cada indivíduo aos componentes que fazem parte do self. Por exemplo, se uma pessoa se reconhece por seus feitos profissionais; ao julgar o outro ela irá fazê-lo por suas realizações na trabalho. Contudo, se esse outro considerar mais importante, em sua escala de valores, as formas de seu corpo, haverá um conflito entre o primeiro indivíduo e aquele que o julga. Desse modo, para solucionar essa questão, Mittal (2006) sugere que a pessoa mude seu grupo de 20 referência; ou que ensine ao outro quem realmente é; ou corrigindo a percepção do outro a partir do consumo de produtos que reflitam o “eu” real. 2.2 BELEZA: UMA BREVE HISTÓRIA Ao longo dos anos cada povo reconheceu a beleza naquilo que considerou agradável contemplar, independentemente da existência de um sentimento de desejo. Apesar de alguns traços da beleza serem igualmente valorizados em qualquer cultura e época, seu conceito sofreu mudanças durante a história (ECO, 2010; WOLF, 1992; LIPOVETSKY, 2007). Em religiões matriarcais que dominaram o Mediterrâneo entre cerca de 25.000 a.C. e 700 a.C, as mulheres mantinham o domínio social a partir do valor dado à beleza masculina. Do mesmo modo, na pré-história e em algumas sociedades selvagens, eram os homens que se preocupavam com a estética. Porém, para esses povos, os adornos eram mais ligados às simbologias e às identidades da tribo do que à beleza (LIPOVETSKY, 2007). Já na antiguidade clássica, os homens detinham tanto o controle da sociedade quanto a soberania da beleza, suas formas eras consideradas perfeitas. Por isso, o sexo masculino era considerado superior, o que era motivo para incentivar o comportamento homossexual nessa cultura. Tanto na Grécia quanto em outras civilizações antigas, a beleza da mulher era um sinal de perigo e sedução. Contudo, os gregos não as percebiam as formas femininas tão belas quanto as formas masculinas. Até a metade do século V, as representações femininas tinham as formas de seu corpo masculinizadas. (LIPOVETSKY, 2007). A associação de beleza feminina à temas negativos continuou no período medieval, quando os artistas retratavam o diabo na figura de uma mulher bonita ou de uma serpente. Apenas nos séculos XV e XVI, com o Renascimento, a superioridade estética do sexo feminino em relação ao masculino foi reconhecida. Esse momento é o marco de uma mudança de conceito, pois a mulher é colocada em um pedestal e sua beleza é comparada a perfeição divina, o que transforma a beleza estética em uma questão nobre e a torna um objeto de estudo. Porém, as mulheres que não faziam parte da aristocracia, nessa época, eram valorizada pela fertilidade, força física e capacidade de trabalho, já que o sustento era oriundo do trabalho de toda a 21 família. Assim, não havia uma divisão do que era belo e o que era bom, esses conceitos acabavam sendo utilizados da mesma forma ao caracterizar essas mulheres menos favorecidas (LIPOVETSKY, 2007; ECO, 2010; WOLF, 1992). Posto isso, pode-se afirmar que a divisão entre classes trabalhadoras e nobres foi uma condição necessária para a estruturação de uma sociedade onde a beleza estética feminina é valorizada. No entanto, em um primeiro momento, apenas a aparência física das mulheres de classes abastadas tinha valor, com isso a fidalguia conseguia se distinguir estabelecendo uma relação de poder perante a sociedade. Nesse contexto, os aristocráticas mantinham suas mulheres ociosas, despendendo seu tempo com práticas de beleza e estética, já que o trabalho era algo para os homens que não precisam se preocupar com a estética (LIPOVETSKY, 2007). Esse quadro social sofreu uma mudança na primeira metade do século XIX, com a Revolução Industrial. A construção da família de classe média baseada em uma unidade de trabalho desmoronou, o que acarretou em conseqüências como: redução no tamanho das famílias, alfabetização das mulheres, consolidação do culto à domesticidade e do código de beleza para uma nova classe de mulheres ociosas. Na sociedade, a aparência ideal tornou-se uma obsessão para as mulheres logo que tiveram acesso à imagem de beldades, o que ocorreu com o advento das tecnologias de produção em massa, como fotografias. Antes da Revolução Industrial a mulher não havia experimentado uma competição de sua aparência com um ideal de beleza difundido (WOLF, 1992). “Desde a Revolução Industrial, as mulheres ocidentais da classe média vêm sendo controladas tanto por ideais e estereótipos quanto por restrições de ordem material.” (WOLF, 1992, p. 18) Posteriormente, o movimento das mulheres no pós-guerra foi responsável por outra reestruturação social. O modelo de dominação masculina mantido através da responsabilidade feminina por tarefas domésticas e de barreiras a educação, por exemplo, foi desestruturado nesse momento. Assim, as mulheres conseguiram um espaço mais justo em diversos áreas da sociedade. Porém, um mundo feminino alternativo de cuidados com a beleza ocupou esse espaço, estabelecendo um conceito de beleza que possui regras próprias tão repressoras quanto os elementos de controle sociais anteriores. Logo, na sociedade ocidental moderna, a beleza 22 tornou-se um conjunto de crenças capaz de manter o domínio masculino a partir de um eficiente controle psicológico (WOLF, 1992). Para Wolf (1992), a beleza é definida por símbolos de comportamentos que uma cultura considera adequados - como foi a virgindade no início do século XX - e não por aspectos físicos, assim cada civilização tem um conceito do que é belo. Desse modo, é incorreta a idéia que o padrão de beleza atual é originário de uma única mulher ideal platônica, como muitos crêem (DION, BERSCHEID e WALSTER, 1972). Uma grande diferença entre a sociedade contemporânea e outras sociedades não é a existência de um padrão de beleza, mas a responsabilidade que é atribuída a uma pessoa por ser ou não bela. Espera-se do indivíduo um domínio sobre os cuidados com seu corpo em relação à saúde, à forma e à aparência, pois o desleixo pode ser considerado uma violação moral. Desse modo, o controle sobre o corpo faz parte da formação da identidade do indivíduo moderno, que passa a se sentir responsável por gerenciá-lo como um objeto. Isso abrange, inclusive, decisões como fazer ou não uma cirurgia cosmética. Contudo, esse controle pode ser perdido quando a pessoa é colocada em uma situação de ansiedade em que questiona sua própria identidade. Logo, alguns transtornos relacionados à aparência, como a anorexia, a bulimia e a depressão, são consequência da insegurança em relação à própria imagem provocada por uma sociedade que valoriza a aparência e que impõe padrões de beleza (DION, BERSCHEID e WALSTER, 1972; ASKEGAARD et al., 2002; LIPOVETSKY 2007; NOVAES, 2008). Pode-se dizer que o exagero das imagens de beleza das revistas e das supermodelos que aparecem constantemente na mídia elevam o ideal de beleza a um padrão tão alto e inalcançável que as mulheres “comuns” sentem-se diminuídas. Assim, não importa o quanto elas busquem melhorar aalimentação e fazer exercícios, elas não são satisfeitas com a própria aparência. Independentemente se é uma mulher considerada bela ou feia, o grau de insatisfação é sempre alto e grande parte considera-se gorda (LIPOVETSKY, 2007). Para Wolf (1992), essa insegurança que Lipovetsky avalia é originada pelo enfraquecimento do psicológico feminino, que favorece a dominação masculina no 23 âmbito social. Contudo, a autoconfiança da mulher não está, unicamente, relacionada à questão da aparência, já que a insatisfação com à estética não diminui a ambição profissional e intelectual. As mulheres modernas buscam cada vez mais igualdade profissional ao sexo masculino, ou seja, seu desejo é ser bela e ao mesmo tempo bem-sucedida profissionalmente (LIPOVETSKY, 2007). Enquanto Wolf (1992) analisa que na cultura ocidental questiona-se que uma única mulher possa possuir beleza e inteligência ao mesmo tempo, duvidando que mulheres belas podem atingir poder profissional; Dion, Berscheid e Walster (1972) acreditam que as pessoas mais atraentes têm melhores oportunidades de serem felizes e bem sucedidas. Já Lipovetsky (2007) observa que a beleza é essencial para que as estrelas de cinema e as manequins se igualem aos homens tanto em notoriedade pública quanto em ganhos financeiros no século XX. Ao contrário de outras épocas, a beleza das manequins é admirada, principalmente, pelas próprias mulheres que se espelham em sua aparência jovem e esbelta. O desejo de ser igual a essas manequins favorece o crescimento econômico das indústrias de dietas, cosméticos e cirurgias estéticas. Assim, nesse novo ciclo histórico que se baseia na profissionalização da beleza, há um incremento no consumo de massa de imagens e de produtos de estética. A exaltação da beleza contemporânea promove as marcas que relacionam seu nome à estética (LIPOVETSKY, 2007; WOLF, 1992). As revistas femininas acompanharam a mudança do papel feminino na sociedade e o processo de massificação da beleza. Desde o século XIX, foram escritos artigos para as mulheres sobre os movimentos de expansão da alfabetização feminina, as mudanças da vida doméstica, a entrada no mercado de trabalho e o aumento do poder aquisitivo das mulheres de diversas classes, além de outros fatores que levaram à democratização da beleza junto com a avanço da tecnologia. Nos dias atuais, as revistas especializadas em saúde e moda apresentam matérias sobre o padrão de corpo ideal e como atingi-lo. As representações femininas de beleza são expostas na publicidade para estimular o consumo de correção da aparência, ao invés de proporcionar prazer pela contemplação da estética. A quantidade de imagens de beleza que aparecem diariamente induzem as leitoras a desejarem consumir produtos que estão cercados de fantasia que os cosméticos são milagrosos trazem beleza e juventude do dia para a noite. Se no princípio o foco das 24 revistas era a indumentária, com o passar dos anos, precisaram escrever sobre o corpo, para recuperar o público que estava se desinteressando pelas revistas femininas. Assim, as mulheres são influenciadas pela mídia que descreve os ideais de beleza (NOVAES, 2008; LIPOVETSKY, 2007; WOLF, 1992). Eco (2010), diferentemente de outros autores, acredita que não se pode definir apenas um ideal estético na contemporaneidade. O autor afirma que o mass media é democrático no século XX, pois diferentes tipos de beleza são apreciados. Wolf (1992) e Novaes (2008) não concordam e sugerem que as revistas apresentam uma comparação de mulheres reais com um ideal de beleza que deve ser seguido. Essas mesmas revistas femininas publicam propagandas e matérias que exaltam os produtos cosméticos. Com a hiperexposição e avanço tecnológico, a beleza livrou-se de diversos limites: a produção de produtos cosméticos que era artesanal passou a ser industrializada, consequentemente, todas as camadas sociais passaram a ser atingidas pelo mercado da beleza; as práticas de beleza e conselhos de beleza também se difundiram para todas as classes da sociedade; a beleza feminina livrou- se da associação negativa com o vício e a sedução; os cuidados com a beleza são legítimos cada vez mais cedo e continuam em voga até cada vez mais tarde, não há mais idade para uma mulher bela; a beleza pode ser atingida com recursos artificiais como a cirurgia plástica; a exaltação do belo sexo não é mais apenas dos artistas, mas é também de toda a imprensa, moda e cosméticos (LIPOVETSKY, 2007). A beleza representa valores diferentes para os sexos feminino e masculino. Apesar de o consumo da beleza pelo sexo masculino ter tido uma considerável expansão, a partir dos anos 90, não alterou a hegemonia feminina. Os papéis estéticos continuam indiscutivelmente separados desde o nascimento, os bebês do sexo feminino já são agraciados com elogios relacionados a sua beleza enquanto os do sexo masculino são qualificados como fortes ou ativos. Para uma mulher ser considerada bela, necessariamente, ela precisa ter uma aparência jovem, no entanto há diversos homens grisalhos que continuam charmosos. Mesmo atributos que são mais valorizados no parceiro é diferente para homens e mulheres. Enquanto os homens consideram a beleza física uma das principais características femininas, a mulher valoriza bastante a inteligência masculina (LIPOVETSKY, 2007; WOLF, 1992; GOLDENBERG e RAMOS 2002; GOLDENBERG 2005, 2006, 2009) 25 2.2.1 O Corpo Em cada sociedade o corpo desempenha um papel distinto e é julgado por aspectos diferentes, dependendo da lente cultural de quem o observa. Assim, o padrão de beleza do corpo feminino é uma função dos valores de cada época. Quando a importância da mulher em uma sociedade se limitava a sua capacidade de reprodução, as formas mais redondas eram consideradas belas. Já na sociedade moderna, “a paixão pela magreza pode traduzir, no plano estético, o desejo de emancipação da mulher” (LIPOVETSKY, 2007, p. 139), pois a magreza do corpo representa um rompimento com essa identidade feminina exclusivamente ligada a maternidade. Ao contrário de outros tempos, a mulher contemporânea é independente e tem uma vida profissional ativa (ECO, 2010; LIPOVETSKY, 2007; MCCRAKEN, 2003). A aparência e a identidade sexual são as primeiras interações entre o indivíduo e a sociedade, sendo a roupa o elemento de ligação. Através da vestimenta, a negação ou aceitação das transições de fases da vida podem ser percebidas. Isso ocorre principalmente no universo feminino, onde as mulheres gastam grande parte de seu tempo com assuntos e consumo relacionados à moda. Em algumas sociedades, a indumentária se adéqua ao envelhecimento das mulheres e é utilizada para disfarçar aquilo que incomoda no corpo. No entanto, em locais como o Rio de Janeiro, onde um corpo jovem é desejado em qualquer idade, mães e filhas costumam usar roupas, semelhantes com a intenção de evidenciar o corpo (DION, BERSCHEID, WALSTER 1972; TWIGG, 2007; GOLDENBERG, 2006). Assim, a utilidade das roupas na sociedade carioca é destacar as formas do corpo sexy, jovem, magro e em boa forma (GOLDENBERG, 2009). Desse modo, o corpo torna-se a verdadeira roupa: “(...) além do corpo ser muito mais importante do que a roupa, ele é a verdadeira roupa: é o corpo que deve ser exibido, moldado, manipulado, trabalhado, costurado, enfeitado, escolhido, construído, produzido, imitado. É o corpo que entra e sai da moda. A roupa, neste caso, é apenas um acessório para a valorização e exposição deste corpo da moda.” (GOLDENBERG, 2006, p.118) 26 Esse corpo trabalhado e moldado passa a ser distintivo na sociedade. Ele é o símbolo do esforço feito para atingir o modelo ideal; é uma grife, pelo reconhecimento da superioridade daquele que o possui; e é considerado um premio quando se assemelha ao ideal de perfeição, alcançado através de esforços e artifícios que vãode exercícios físicos a cirurgias (GOLDENBERG, 2009). Desse modo, aquele que trabalha para ter um corpo firme sem celulites e culotes merece o ter o corpo perfeito. Ademais é admirável aqueles que têm o domínio soberano sobre suas próprias formas. (LIPOVETSKY, 2007). Apesar de o corpo ser um componente do self, a importância que ele representa para a identidade varia de acordo com o contexto social e a cultura de cada indivíduo (MITTAL, 2006). Desse modo, a busca pelo rejuvenescimento e pela manutenção das formas é natural em cidades onde o corpo é muito exposto ao ar livre, como o Rio de Janeiro, pois ele é parte central no processo de envelhecimento, em que o tônus muscular e a pele são bastante afetados, por exemplo. Além disso, o processo de envelhecimento é percebido como uma fatalidade ou como uma imperfeição da natureza. Logo, todos os possíveis meios de atingir o corpo ideal e rígido, resistente à ação do tempo são válidos. (ASKEGAARD et al., 2002; LIPOVETSKY, 2007). Para algumas mulheres, o corpo torna-se um objeto gerenciável que é submetido a cirurgias plásticas, tratamentos anti-idade e prática de exercício, na tentativa de evitar o envelhecimento: é o corpo como um capital. Assim, em pesquisa com mulheres jovens que se submeteram à cirurgia plástica, Borelli (2009) observa que há um receio com as “gordurinhas” e celulites que podem aparecer no corpo das entrevistadas. O objetivo de algumas mulheres é manter o corpo como o conhecem, evitando as mudanças causadas pela idade, pois o não reconhecimento do próprio corpo pode levar a um sentimento de perda de um bem, fato que poderia atingir o self (MITTAL, 2006; GOLDENBERG, 2006, 2007, 2009). Assim, o interesse das mulheres por novidades de estética é relacionado com seu desejo de controlar as formas e a idade do corpo. No universo feminino cada novo tratamento cosmético representa mais uma possibilidade de ajustar o corpo ao ideal de beleza difundido na cultura. Ideal que foi sendo construído na mente das mulheres desde crianças, com belas princesas de histórias infantis, mostrando que a 27 beleza é uma característica superior e louvável. Ademais, os concursos de beleza, fotografias de moda, produtos cosméticos continuam exaltando a importância da aparência principalmente na identidade feminina (LIPOVETSKY, 2007). No entanto, Paulson (2008) refere que o consumo de terapias de beleza também traz benefícios para o campo emocional do self, além de melhorar a aparência física. Ele considera que o maior ganho das terapias de beleza é psicológico, independentemente da faixa etária. Já, o estudo de Clarke, Griffin (2007), demonstra que as mulheres pesquisadas com idade próxima dos 70 anos procuram aceitar o envelhecimento e a perda da beleza física. Elas se esforçam para se distanciarem dos valores de beleza que a sociedade dissemina. Já as mulheres que estão em seus 50 anos consideram o envelhecimento sem o uso de produtos estéticos é inaceitável, resistindo ao não- consumo da beleza. Algumas mulheres mencionaram que sem as intervenções estéticas a aparência não se adequaria ao modo como se sentem, independentemente da idade cronológica. Desse modo, elas buscam gerenciar o processo de envelhecimento. Wolf (1992) considera que o anseio de aparentar uma imagem idealizada por uma massa feminina é contraditória à idéia de individualidade difundida pela sociedade atual. Contudo, Lipovestky (2007) parece discordar dessa visão, observando que apesar de a homogeneização da beleza feminina parecer contraditória com o valor de individualidade do mundo ocidental moderno, existem muitos e diferentes caminhos para se chegar ao corpo ideal. Desse modo, cada conjunto de escolhas que a mulher faz é personalizada, mesmo que ela seja expostas às novidades do mercado que são lançadas diariamente para optar pelo melhor caminho. Na sociedade contemporânea, cada cidadão tem o direito de escolher, experimentar, questionar e rejeitar os produtos cosméticos apresentados no mercado. O livre acesso às informações propagadas pelos meios de comunicação fazem parte da construção de ideais estéticos e da formação de opinião popular sobre tratamentos estéticos (LIPOVETSKY, 2007; GOLDENBERG, 2006, 2009). Apesar de certa obsessão em massa em torno da magreza, há um fracasso na sociedade em fazer com que todos tenham esse autocontrole: disfunções alimentares, obesidade, exercícios que não são feitos regularmente são todos 28 exemplos da falta de controle sobre o corpo, que pode criar culpa e ansiedade. A exigência da beleza ideal e jovem é mais rigorosa com as mulheres que as antigas amarras ditadas pela a sociedade em relação ao campo sexual, a indumentária e ao dever da maternidade. Assim, o invés de uma sociedade com corpos perfeitos, “o universo do consumo exacerba os desejos e favorece os impulsos e manias passageiras, aumenta a aversão aos esforços regulares e austeros” (LIPOVETSKY, 2007, p. 147). 2.2.2 Cosméticos e cosmocêuticos A preocupação feminina em parecer jovem não é um fenômeno recente, porém os cuidados com a aparência, antigamente, limitavam-se a disfarçar a idade com o uso de maquiagens e penteados. No antigo Egito, a maquiagem era utilizada para marcar bem os olhos, como pode ser observado em algumas representações de mulheres importantes nessa sociedade como Cleópatra e Nefertiti. Sabe-se que grande parte das substâncias coloridas que esse povo usava como maquiagem eram venenosas (LIPOVETSKY, 2007; KURY, 2000). Desde a antiguidade clássica, a arte da maquiagem era vista como uma trapaça desonesta das mulheres e uma arma de sedução, com o uso de certas substâncias para disfarçar seus defeitos. A Renascença foi o período onde a elite européia mais utilizou a maquiagem. A mulher dessa época também costumava enfeitar seu corpo com objetos da ourivesaria, preocupava-se com o cabelo, que frequentemente era pintado de loiro, e utilizava produtos cosméticos. Nesse período, o recato da igreja foi deixado de lado e o clima de luxúria e sedução circulava livremente na aristocracia. Tanto homens quanto mulheres escondiam a pele com pós e pastas brancas, enquanto os tons coloridos eram utilizados na bochecha, lábios e olhos para realçar a brancura (ECO, 2000; LIPOVETSKY, 2007; KURY, 2000). Durante milênios os cosméticos foram exclusivos de uma elite social. Apenas no século XX os produtos de estética deixaram de ser privilégio de classes sociais mais abastadas. A produção em massa possibilitou o acesso da população aos produtos de beleza. Desse modo, o consumo dos cosméticos aumentou nos anos 20 e 30: o batom fez grande sucesso a partir de 1918 e os bronzeadores e esmaltes de unha nos anos 30. Contudo, foi na secunda metade do século XX que o crescimento do 29 mercado dos produtos de beleza teve um grande avanço e passou a fazer parte do consumo diário em razão do aumento do nível de vida e do avanço cientifico dos métodos industriais (LIPOVETSKY, 2007). Por todo o século passado, o ideal da mulher longilínea e esbelta, e a busca por uma aparência jovem nortearam a estética feminina. Na cultura brasileira, particularmente em cidades como o Rio de Janeiro, o corpo e as perfeição das formas são reverenciados no dia-a-dia da população. Um reflexo da valorização da aparência por essa sociedade é o crescimento do mercado de cosméticos, procedimentos estéticos e cirurgias plásticas. De 1996 a 2010 a indústria de higiene pessoal, perfumaria e cosméticos (HPPC) cresceu significativamente mais rápido que a economia do país: enquanto o PIB cresceu em média 3,1% a.a., HPPC teve um aumento médio de 10,4% a.a.. Ademais, o Brasil se apresenta como um grande consumidor mundial; em 2010, o país representou o terceiro maior mercado consumidor de HPPC com um faturamento de US$ 37,4 bilhões, representando 15% do faturamento dos 10 maiores países consumidores,e o quarto maior mercado em produtos relacionados a pele. A cada dia aparecem mais produtos e serviços que prometem bem-estar, saúde e beleza (LIPOVETSKY, 2007; ASKEGAARD et al., 2002; ABIHPEC, 2010). Os cosméticos são utilizados em todo o corpo, mas principalmente no rosto, para embelezar, melhorar a aparência e corrigir defeitos superficiais. Assim, os produtos destinados à higiene e à beleza são considerados cosméticos (HOUAISS, 2001). Apenas no século XX os produtos estéticos passaram a ter a função de conservar o corpo, além de disfarçar seus defeitos. Não havia tecnologia, até esse momento, que cumprisse o papel de preservar a aparência. Assim, pode-se notar que o interesse pelo rejuvenescimento do corpo através de práticas que conservam um corpo esbelto e jovem é algo recente. Desde o aparecimento de tecnologias rejuvenescedoras, as revistas femininas foram invadias por matérias que ressaltam a magreza e o culto a beleza. Com a valorização do corpo jovem, as técnicas de prevenção passaram a ser mais importantes que as técnicas de camuflagem (LIPOVETSKY, 2007). Nesse momento, os laboratórios passaram a comercializar uma outra categoria de produtos estéticos: os cosmocêuticos, que são produtos caracterizados pelo 30 “funcionamento de ingredientes biologicamente ativos na barreira cutânea e na saúde da pele” (DRAELOS, 2009, p. 2). A eficácia desses produtos dependem de sua formulação, que deve veicular o ativo para que tenha uma ação biologicamente ativa para a pele. Os cosmocêuticos mais básicos são os limpadores, hidratantes e protetores solar. Entre os mais sofisticados encontram-se os seruns anti-idade, esfoliantes e cremes auto-bronzeadores. Possivelmente, os cosmocêuticos do futuro serão hidratantes moduladores de células, mascaras de regeneração de colágenos e pílulas estimuladoras de melanina (DRAELOS, 2009). No mercado atual, alguns cosmocêuticos são vendidos como cosméticos. Para verificar a eficácia do produto são necessários os testes clínicos, que são uma importante arma para os dermatologistas. De qualquer modo, esses produtos têm uma ação limitada e seu efeito é determinado pela capacidade de melhorar a pele. Nenhum hidratante tem a capacidade de melhorar as rugas profundas da face, eles apenas minimizam sua aparência. Já os clareadores necessitam de, no mínimo, seis semanas para melhorar a pele (DRAELOS, 2009). Os cosmocêuticos já foram considerados produtos de luxo, porém atualmente, são indicados como produtos complementares aos produtos farmacêuticos. Os dermatologista utilizam os cosmocêuticos com a intenção de minimizar efeitos colaterais dos farmacêuticos e de trazer benefícios para a pele. Interessante que muitos consumidores acreditam que o preço dos produtos de estética está diretamente ligado à qualidade do produto, porém, essa afirmativa não é sempre verdadeira. Os componentes mais caros do produto são sua apresentação (embalagem) e sua fragrância. Esses componentes tem relação apenas com a estética do produto e não com sua eficácia (DRAELOS, 2009). Com o avanço da tecnologia no mercado da beleza e a possibilidade da manutenção da juventude por um maior período de tempo, pode-se observar que duas normas passam a dominar o universo feminino na sociedade contemporânea: o antipeso e o antienvelhecimento. Alguns sinais apontam para o contínuo crescimento da valorização da beleza e juventude do corpo: já em 1997, o consumo dos produtos anti-idade e antirrugas ultrapassavam o consumo de maquiagens; e a busca pela cirurgia plástica com a intenção de rejuvenescimento mostra-se cada vez mais frequente (LIPOVETSKY, 2007). 31 Nesse cenário, os produtos antienvelhecimento passaram a fazer parte do eu- estendido de algumas mulheres. Contudo, apenas quando o corpo representa um componente importante da identidade da mulher e através desses produtos ela consegue expressar um certo estilo de vida os cosméticos fazem parte de sua identidade. Assim, os bens de consumo são utilizados como símbolos que servem para categorizar idéias, conservar um estilo de vida e definir, em parte, o self (MITTAL, 2006 ; MCCRAKEN, 2003). Casotti, Suarez e Campos (2008), a partir de um estudo feito no Rio de Janeiro, com mulheres de classe mais alta, relatam que o modo como a mulher consome os produtos de beleza pode variar com o ciclo de vida. As mudanças de rotina e a percepção do envelhecimento do corpo influenciam no modo como as mulheres se relacionam com os cosméticos. As mais jovens que estão no fim da adolescência e iniciam seu percurso no mercado de trabalho desejam resultados imediatos, pois o momento presente é o importante. Assim, podem valorizar o bronzeado exagerado, mesmo conhecendo a importância do filtro solar. Posteriormente, há o grupo de mulheres que estão no mercado de trabalho, porém não possuem filhos. Essas mulheres percebem que precisam administrar seu tempo no dia-a-dia, que é bastante corrido, pois já estão preocupadas com a ação do tempo em seu corpo e pensam em prevenir contra o envelhecimento. Elas gostam de experimentar, porém não tem o costume de utilizar os cosméticos se não estiverem ao alcance da visão. O terceiro grupo, são as mulheres que são mães e profissionais que sentem que o corpo está mudando pelo envelhecimento. Seu tempo é escasso e por isso não podem perder tempo com diversos produtos, elas escolhem os cosméticos pela praticidade. Por último, as autoras contam que depois de uma certa idade, com os filhos já não tão dependentes, as mulheres passaram a ter mais tempo livre para se cuidarem. Ademais, são mulheres que estão se aposentando ou diminuíram sua jornada de trabalho, o que também libera tempo para se cuidarem. Esse grupo têm mais consciência do seu envelhecimento e se preocupam em utilizar produtos que busquem prevenir a ação do tempo. Essas consumidoras experimentam diversos produtos mas são mais exigentes e sofisticadas que em outros períodos da vida. 32 2.3 ENVELHECIMENTO As primeiras pesquisas feitas sobre o envelhecimento se referiam ao desgaste fisiológico do corpo, com o objetivo de encontrar um meio para retardá-lo. Posteriormente, iniciaram-se estudos do campo das ciências sociais, mostrando que a velhice é, na verdade, uma construção sociocultural. Assim, o entendimento da idade não se faz apenas de uma forma cronológica, mas também é relacionado ao significado cultural de uma idade, à percepção da autoimagem e ao sentimento de cada indivíduo (LOGAN, WARD, SPITZE, 1992; DEBERT, 2004), segundo Baudrillard (2008): “O estatuto do corpo é um fato de cultura. Ora, seja em que cultura for, o modo de organização de relação ao corpo reflete o modo de relação às coisas e das relações sociais.” (p. 168) Além disso, a identidade do indivíduo também é sustentada pelas relações com terceiros, onde o olhar do outro exerce um importante papel: “a velhice parece mais claramente para os outros, do que para o próprio sujeito; ela é um novo estado de equilíbrio biológico: se a adaptação se opera sem choques, o indivíduo que envelhece não a percebe.” (Beauvoir, 1990, p. 348) Goldenberg (2009) narra suas dificuldades e crises ao perceber a própria velhice se aproximando, uma preocupação que teve início no momento em que sua dermatologista percebeu sinais da idade em seu rosto. Assim, a partir da visão de outra pessoa a autora passou a se olhar de modo diferente e enxergar rugas onde nunca tinha notado. O self pode ter sido influenciado no momento em que outra pessoa a percebeu diferente do que ela sempre havia se visto. Na sociedade atual, o comportamento parece definir os marcadores de tempo melhor que a idade cronológica. De acordo com Simone de Beauvoir (1990), não há um acordo quanto ao início da velhice, nem um ritual passagem para essa fase da vida, como um dia foi a aposentadoria. Assim, a velhice passa a ser relacionada à autonomiado indivíduo e a idade cronológica perde um pouco de sua importância em uma sociedade onde a aparência e o comportamento jovem permeiam diversas idades (DEBERT, 1997, 2004). 33 Barak et al. (2008) observam que a idade cognitiva e a idade desejável são inferiores à idade cronológica das mulheres pesquisadas nas culturas da Korea, China e Índia. Apesar de elas fazerem parte de uma cultura que demonstra um grande respeito e admiração pelos mais velhos – o que levaria à aceitação do envelhecimento -, as mulheres orientais também têm o desejo de se manterem jovens. Portanto, o sentimento que essas mulheres têm em relação a sua idade não difere muito das mulheres americanas. Percebe-se, então, que o desejo de ser jovem e manter a aparência jovem parece ser global. Em outro estudo, Logan, Ward e Spitze (1992) perceberam que entre pessoas de mesma idade cronológica podem existir diferenças de percepção em relação à fase da vida que estão passando. Apesar da maioria dos entrevistados de 55 anos entenderem que estão na meia-idade, alguns se intitulam jovens e outros velhos. Isso ocorre pois, as experiências e preocupações acumuladas durante a vida acabam influenciando na percepção da idade. Se foram experiências árduas, a probabilidade de a pessoa se sentir mais velha é maior. O autores concluem que o sentimento em relação à idade é um produto da idade cronológica, do estado de saúde e das experiências da vida. Além disso, a categoria de idade com a qual o entrevistado se identificou está associada à sua auto-estima. Aqueles que tem uma baixa auto-estima sente-se mais velho. Ainda, as pessoas pesquisadas pelos autores, classificados na categoria de idosos, são menos felizes e apresentam uma menor satisfação na vida, sugerindo que a transição da meia-idade para a velhice é uma experiência negativa. Os avanços da medicina, a melhor política de saúde pública e a disseminação dos conceitos de nutrição permitiram o aumento da expectativa de vida no século XX. A longevidade do indivíduo somada ao envelhecimento de uma parcela da população chamada de baby boomers resultaram no crescimento do número de idosos e em mudanças no quadro demográfico (MOSHINS, BERNHARDT, 2003; LEVENTHAL, 1997). Estudos do IBGE (2008) demonstram que os idosos serão uma grande parcela da população brasileira já em 2020 e, em 2050, haverão mais idosos do que crianças no Brasil. Esse fato aponta para a necessidade de maior atenção com o segmento da população mais velha. Mesmo após a primeira década do século XXI, Casotti, 34 Campos e Borelli (2011) reconhecem que empresas ainda valorizam o segmento jovem em detrimento ao segmento de pessoas mais velhas. Nota-se que a mudança da configuração etária da população afeta os governos, os indivíduos e as instituições. Contudo, pensar que o problema da velhice ganhou destaque, exclusivamente, pela maior representatividade do número de idosos na sociedade seria perder a chance de observar “mudanças culturais nas formas de pensar e gerir a experiência cotidiana, o tempo e o espaço, as idades e os gêneros, o trabalho e o lazer [...]” (DEBERT, 2004, p.13). Como consequência dessas mudanças culturais, a velhice deixou de representar apenas uma fase do ciclo vida, desmembrando-se em etapas intermediárias como a meia-idade, terceira idade e aposentadoria ativa; enquanto a juventude parece ter se tornado a etapa mais longa desse ciclo, pois crianças estão virando jovens mais cedo e os jovens tornam-se adultos cada vez mais tarde (CASOTTI, CAMPOS E BORELLI, 2011). Até os anos 80 o mercado de consumo era orientado para o público jovem, mais especificamente, para pessoas com até 50 anos de idade. As empresas acreditavam que as pessoas mais velhas tinham limitações econômicas e, por isso, eram insignificantes. No entanto, ao ser publicado o primeiro artigo, na Harvard Business Review, dimensionando o tamanho do mercado da população madura e demonstrando seu poder de compra, os empresários perceberam que estavam negligenciando um grupo importante de consumidores. Porém, na tentativa de recuperar esse mercado, as empresas cometeram inúmeros erros de marketing pela falta de informações necessárias para tomar decisões, como anúncios para pessoas de 50 e 60 anos com imagens de velhos deprimidos e carentes (MOSHINS, BERNHARDT, 2003). Parece haver uma discordância entre Moshins e Bernhardt (2003) e Leventhal (1997) quanto a importância dada aos consumidores mais velhos pelas empresas, nos anos 1990. Enquanto Moshins e Bernhardt (2003) percebem que houve um movimento de valorização desse público, com mensagens e produtos desenvolvidos especificamente para atingir esse segmento; Leventhal (1997) relata que, para muitas empresas, esses consumidores representavam um grupo de pessoas velhas, vulneráveis, com baixo poder de consumo e solitárias. 35 Contudo Debert (2004) observa que, desde os anos 1990, a mídia parece apoiar a crença de que a velhice é um momento de privilégios, em que os idosos podem realizar sonhos e colocar em prática projetos que foram adiados por causa das obrigações da vida adulta. Nesse cenário, muitos profissionais de marketing já perceberam a complexidade e a diversidade do grupo de consumidores mais velhos (MOSHINS E BERNHARDT, 2003) 2.3.1 O consumo e o envelhecimento A construção da identidade das pessoas que vivem na sociedade atual é baseada em seus hábitos de consumo. Contudo, até a metade do século XX, o trabalho e a ocupação do indivíduo tinham papéis centrais no self e eram determinantes para o status social do indivíduo. Já no mundo contemporâneo, são as posses e o estilo de vida que definem a posição social. Portanto, a identidade e a percepção de terceiros em relação à uma pessoa está mais ligada ao seu consumo que ao seu trabalho (RANSOME, 2005). Como observado por McCraken: “O sistema de consumo supre os indivíduos com materiais culturais necessários à realização de suas variadas e mutantes idéias do que é ser um homem ou uma mulher, uma pessoa de meia-idade ou um idoso (...) Todas essas noções culturais estão concretizadas nos bens, e é através de sua posse e uso que o individuo as assimilas em sua própria vida.” (2003, p. 119) Na sociedade baseada no consumo as pessoas costumam buscar experiências de consumo para satisfazer diferentes prazeres e necessidades (RANSOME, 2005). Como visto na pesquisa de Logan, Ward e Spitze (1992), o consumo hedônico de produtos relacionados a beleza levam a uma sensação de bem-estar, o que faz com que o sentimento de juventude reapareça. Nesse cenário, surge um conflito entre a idade cronológica e a idade sentida, o que Simone de Beauvoir (1990) chamou de “contradição intransponível”. Para o mercado de consumo a idade sentida por uma pessoa é mais importante que a idade cronológica. Assim, a intensidade do envolvimento com o consumo de produtos de beleza tem relação com a percepção do próprio envelhecimento. As celulites, manchas de sol, rugas, dificuldade para emagrecer e fios brancos, são alguns sinais do envelhecimento percebido pelas mulheres. De acordo com Simone de Beauvoir (1990), apenas com os sinais do envelhecimento aparentes o indivíduo reconhece o próprio envelhecimento: 36 “Quando jovens, ou na força da idade, não pensamos, como Buda, que já somos habitados pela nossa futura velhice: ela está separada de nós por um tempo tão longo que, aos nossos olhos, confunde-se com a eternidade; este futuro longínquo nos parece irreal.” (p. 11) Do mesmo modo, Casotti, Campos e Borelli (2011) comentam que ao sentir as primeiras mudanças no corpo, causadas pelo avanço da idade, as jovens tomam consciência do envelhecimento, que até então não parecia ser um fato real, e passam a inserir alguns produtos estéticos em seu dia-a-dia. As conquistas no campo da estética trazem a cada dia novos tratamentos e procedimentos queprometem para mulheres mais velhas a pele de uma jovem de 20 anos de idade. Na tentativa de “enganar” a passagem do tempo, todos os artifício valem o risco para rejuvenescer, mesmo que possa significar o comprometimento da saúde. Assim, o corpo bem torneado e sexy é construído através de muito esforço. Os tratamentos de beleza que vão de cremes à cirurgias plásticas moldam um corpo que é considerado “natural” e superior ao de outros indivíduos que não possuem esse corpo esculpido ou aos que já estão com o corpo envelhecido (GOLDENBERG, 2007, 2009). Debert (2004), assim como Goldenberg (2007, 2009) observou que a responsabilidade pela imagem e pelo envelhecimento é do indivíduo, que tem tratamento cosméticos, ginástica, vitaminas e plásticas para rejuvenescer cada vez mas acessíveis. As autoras observam que o corpo natural é aquele “naturalmente construído”, sem imperfeições que chegam com o avanço da idade. Desse modo, a juventude passa a ser um valor que todos desejam, e não mais uma faixa etária definida cronologicamente. Contudo, Clarke e Griffin (2007) parecem encontrar uma diferença no que é considerado envelhecimento “natural” e “não-natural” no conceito das mulheres pesquisada, entre 50 e 70 anos de idade. Essas mulheres consideram que procedimentos cosméticos mais invasivos levam ao envelhecimento “não natural”; enquanto o envelhecimento “natural” pode englobar o uso de cremes anti-rugas, tingimento de cabelo, ou seja, de tratamentos não invasivos. Para elas, esses tratamentos são utilizados para a manter sua feminilidade e atração física. Apesar de considerarem essencial disfarçar a idade com os tratamentos estéticos, elas analisam que aquelas mulheres que não consomem nenhum tipo de tratamento são 37 puras, autênticas e admiráveis. Ainda, de acordo com os autores, a publicidade, os manuais de auto-ajuda e especialistas em saúde são os primeiros a passar uma imagem de que imperfeições no corpo não são naturais, nem imutáveis, portanto, podem ser corrigidas, é como uma “ditadura da juventude”. Segundo Goldenberg e Ramos (2002) o final do século XX e início do XXI são momentos da história onde o culto e a obsessão pelo corpo passaram a fazer parte da cultura brasileira. Mulheres de grande sucesso como a Gisele Bündchen e algumas atrizes da Globo são exemplos de um padrão beleza social. Mulheres de 50 anos posam nuas na revista Playboy demonstrando a possibilidade de manter perfeição e juventude na meia-idade. Esse comportamento pode ser um reflexo do aprisionamento da liberdade, onde, teoricamente, as pessoas têm livre escolha sobre o corpo, porém há uma constante pressão para seguir o padrão de beleza e juventude estipulado pela sociedade (BAUMAN, 2001). Na sociedade de consumo o corpo se tornou o objeto de salvação, ocupando o lugar da alma na função moral e ideológica. Ser bela é uma qualidade fundamental para aquelas que cuidam do rosto como da alma (BAUDRILLARD, 2008) em uma sociedade em que a beleza está diretamente ligada à juventude. Por exemplo, Bayer (2005) avalia que apenas mulheres com menos de 40 anos são modelo de beleza e sucesso. Assim, marcas como Lacôme e Helena Hubstein prometem uma aparência jovem conferindo imagens manipuladas de peles perfeitas às embalagens dos seus produtos. No entanto, Wolf (1992) considera absurdo tratar as imagens que aparecem na mídia, visando apagar os sinais de idade das mulheres, pois isso significaria apagar a identidade e a história das mulheres. Do mesmo modo, tentar apagar os sinais da idade com tratamentos e procedimentos estéticos, e cirurgias plásticas pode ser compreendido como uma violência contra a mulher. A manipulação de imagens em meios de comunicação leva as consumidoras a se iludirem, ao acreditar que mulheres de 60 ou 70 anos que aparecem na mídia não possuem rugas. Com isso, para algumas mulheres, a expectativa do rejuvenescimento passa a ser algo inalcançável. Em outros casos, os produtos de estética servem como pontes para as esperanças. Nesse processo, os objetos são 38 utilizados para recobrar o significado que foi, em algum momento, deslocado em tempo ou espaço. Desse modo, os produtos rejuvenescedores servem como um meio de renovar a expectativa consumistas de certas mulheres (WOLF,1992; MCCRACKEN, 2003). Como um instrumento de transmissão dos significados da imagem ideal e de juventude, as empresas de cosméticos passam a explorar de forma efetiva a publicidade. Assim, muitas revistas mantêm uma coluna sobre os novos produtos de beleza, onde são encontradas promessas de juventude eterna. Por exemplo, a revista Vogue apresenta constantes lançamentos: o novo extrato Vitamina C para a pele continuar lisa (VOGUE 357, 2008); os ativos extraídos de aranhas coreanas, o peeling desenvolvido em Bagdá e o laser indolor (VOGUE 326, 2005); a maçã suíça que possui células-tronco extremamente resistentes, com poder regenerador (VOGUE 376, 2009) Quando a equivalência simbólica é bem sucedida, o consumidor que lê a mensagem atribui àquele bem de consumo as propriedades que lhe foram transferidas (MACCRAKEN, 2003). O movimento de significados pode ser visualizado na figura abaixo: Figura 1. Fonte: MCCRAKEN, 2003 Assim, os meios de comunicação transmitem em suas mensagens não só mulheres jovens, magras e belas, mas também meios de rejuvenescer ou de prevenir os sinais da idade cada vez mais cedo. Como resultado, muitas consumidoras 39 começam os tratamentos ainda na juventude, através de cremes e procedimentos cosméticos (DEBERT, 2004; WOLF, 1992), ou se submetem à cirurgias plásticas (BORELLI, 2009) Geriatras e cientistas sociais especialistas em envelhecimento afirmam que a juventude é um bem que todos podem conquistar através de medidas preventivas. Eles reforçam o discurso de que a falta de beleza e de saúde é uma conseqüência da falta de cuidados durante a vida (DEBERT, 2004). Nesse universo, Debert (2004) comenta sobre a importância de três atores sociais para um envelhecimento saudável: os gerontólogos, que são experts no assunto, a mídia e as pessoas mais velhas. O primeiro grupo estuda de perto o processo envelhecimento. A mídia, ao debater amplamente o assunto, tem um papel fundamental para abertura de novos mercado de consumo para esse segmento. Por último, as pessoas de mais idade estão tomando consciência que precisam aprender a lidar com o envelhecimento no contexto social atual. 2.3.2 As dificuldades do envelhecimento Para Debert (2004), não é possível afirmar que a velhice já teve sua idade de Ouro, já que não há provas conclusivas de que houve uma época em que os mais velhos eram valorizados na sociedade. Na segunda metade do século XX, a velhice era considerada decadente e havia a ausência de um papel social para o idoso. Desde essa época, o envelhecimento passou a ser percebido e tratado como um processo de perdas que levam a decadência do indivíduo; os mais velhos eram esquecidos ou tratados como um fardo. Contudo, o indivíduo não inicia o processo de envelhecimento no momento em que nasce; enquanto as falhas do organismo forem insignificantes para a vida do sujeito ou compensadas pelo organismo de algum modo, não se poderá falar em envelhecimento. Apenas quando se apresenta um declínio real da parte física ou psicológica, o ser humano começa a envelhecer. Nos tempos atuais, os indivíduos são responsabilizados pela própria aparência e saúde; e as situações de abandono e dependência são consideradas conseqüência de uma falta de estilo de vida adequado (DEBERT, 2004; BEAUVOIR, 1990). 40 Tanto no trabalho quanto na vida social é notado um preconceito contra aqueles que envelhecem, como exemplo, muitas empresas incentivam a aposentadoria antes do tempo, oferecendo benefícios e cortando os altos salários dos funcionários antigos. Nesse sentido, a aparência rejuvenescida pode
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