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Minas além do som. Minas Gerais. (ANDRADE, 1999. pp. 56-57) 3. A FAMÍLIA QUE ME DEI A FAMÍLIA (1925) – Tarsila do Amaral [6] A terceira parte é uma grande viagem no passado, é o império da memória. O título sugere que as pessoas e os fatos do passado foram construídos subjetivamente na mente e na alma do eu lírico. E o resultado dessa construção é um clima invariavelmente obscuro, pouco nítido, com sabor de coisa antiga. Na visão do velho e empoeirado retrato, os mortos e os vivos se misturam, compondo a noção de família que o eu poético carrega: Já não distingo os que se foram dos que restaram. Percebo apenas a estranha ideia de família viajando através da carne. Em "Os bens e o sangue", o poeta faz uma reconstituição amarga dos últimos cem anos de sua família. Seus antepassados, em agosto de 1847, vendem as propriedades da família para que os descendentes, despojados dos bens materiais, possam concentrar toda sua fé "numa riqueza só, abstrata e uma". O documento de venda das propriedades da família é escrito numa deliciosa e poética linguagem que simula documentos cartoriais do século XIX. Em seguida, após desfilarem alguns deserdados, o poema deságua na tristeza do poeta com a transformação de sua cidade, e sua frustração de não ter feito jus a seu sangue de barganhador, minerador, fazendeiro. No final do poema, seus antepassados o contemplam, compreendendo sua condição de diferente: Pois carecia que um de nós nos recusasse para melhor servir-nos. Apesar de os antepassados terem vendido os bens, o pai do poeta foi proprietário de fazenda, onde ele passou a infância, evocada no poema de mesmo nome. A jornada continua com "Viagem na família", em que o poeta relembra seu pai e outros ascendentes em tom amargo, em clima de sonho, em que o eu lírico busca compreensão e perdão, e só encontra o silêncio "naquela viagem patética / através do reino perdido". O mesmo tom de amargura persiste nos poemas seguintes: o "Convívio" com os mortos na memória, aqueles "que não vivem senão em nós"; as "Perguntas" sobre nossa ligação com eles, a quem amamos depois de perder; a "Carta" ao além; o grande encontro imaginado da família, presidido pelo pai em volta d"A mesa"; a triste lembrança do filho que o poeta não teve. Nesses poemas, o tom é de recordação, de sonho, ou de evocação sobrenatural: No voo que desfere, silente e melancólico, 106