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A Politica Colonial Portuguesa em Angola-1

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A Política Colonial Portuguesa em Angola
Autor(es): Ferreira, Vicente
Publicado por: Imprensa da Universidade de Coimbra
URL
persistente: http://hdl.handle.net/10316.2/36493
Accessed : 15-Nov-2022 11:49:53
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PUBLICAÇÕES DO MUSEU MINERALÓGICO E GEOLÓGICO
DA
UNIVERSIDADE DE COIMBRA
N.° 7
Memórias
e Notícias
IMPRENSA DA UNIVERSIDADE
COIMBRA
1932
A Política Colonial Portuguesa 
em Angola
PELO
Coronel VICENTE FERREIRA
I
PREÂMBULO (1)
Ex.m0 Sr. Presidente, 
Minhas Senhoras, 
Meus Senhores:
i. — Um sintoma de bom augúrio para o futuro das coló­
nias portuguesas é este de partir da sua primeira Universidade 
a iniciativa de um curso de Geografia Colonial. Conjugando 
este facto com a tão útil, — quási diria arrojada — iniciativa 
do Ex.mo Sr. Dr. Carrisso, ao promover a sua primeira excursão 
científica em Angola, e com a missão geológica executada nas 
Ilhas de S. Tomé e Príncipe pelo Ex.mo Sr. Dr. Ferraz de
(1) As primeiras palavras do Conferente foram de agradecimento ao 
Ex.m0 Sr. Dr. Anselmo Ferraz de Carvalho pelos termos em que fez a sua 
apresentação, e ao Ex.mo Reitor e Corpo Docente da Universidade, pela 
honra que lhe dispensaram, transformando numa conferência na «Sala 
dos Capelos» o que, inicialmente, não devia passar de uma lição, ou simples 
palestra, feita perante os alunos do Curso de Geografia Colonial.
Imprime-se o texto da Conferência, tal como o autor pretendia lê-la, 
embora na exposição oral, êle tivesse resumido a matéria das partes IV 
e V. Na impressão juntam-se, agora, algumas notas bibliográficas e expli­
cativas. (Nota do autor.)
6
Carvalho, ambos da Universidade de Coimbra, é lícito con­
cluir que os problemas coloniais, até há pouco só debatidos 
num restrito meio de políticos, funcionários, comerciantes e 
homens de aventura, começam a interessar vivamente as altas 
mentalidades científicas de Portugal. Quanto esta evolução 
importa para o futuro da nação e dos seus domínios do 
ultramar, escuso encarecê-lo neste lugar e perante este audi­
tório. Por mim tenho esperanças de que as novas gerações, 
educadas por mestres ilustres como os desta Universidade, e 
imbuídos dos métodos das ciências lógico-experimentais, nos 
livrem definitivamente do empirismo grosseiro e petulante e 
das nebulosas concepções metafísicas que têm orientado a po­
lítica colonial portuguesa.
Por esta perspectiva me rogozijo, e felicito vivamente os 
iniciadores do novo movimento colonial universitário.
Pena foi que no actual ano fosse escolhida para colaborar 
na série de conferências, pessoa de tão escassa ciência e de 
tão minguadas faculdades de exposição, que se vê obrigada, 
para não titubear, a ler a enfadonha conferência que ides 
ouvir.
2. — Multiplicidade dos problemas.—Se, como disse não 
sei que escritor inglês, toda a questão tem pelo menos seis 
faces, — é hexaédrica — , o fenómeno social-geográfico que se 
chama a colonização é mirioédrico (perdoem-me o neologismo); 
possue dez mil facetas que são outros tantos problemas, com 
tantas incógnitas quantos os factores que formam o produto 
complexo, que se chama a civilização. Com efeito, «colo­
nizar»,— no sentido moderno, — não é mais do que edificar, 
desde os fundamentos, e com todos os seus órgãos, uma nação 
civilizada num território selvagem. Aumenta a complexidade 
do problema a coexistência e as mútuas reacções de duas 
raças de mentalidades tão opostas e incompreensíveis uma 
para a outra, que há o perigo, — não imaginário, mas real — ,
da raça dominadora eliminar a raça dominada, só por uma 
espécie de acção catalítica.
E, como se sabe, um fenómeno averiguado, que a simples 
presença dos homens brancos, na África tropical, provoca a 
desagregação das sociedades indígenas e o definhamento das 
populações, e este problema é de capital importância para a 
solução de todos os outros.
3. — Grande embaraço é, pois, o do conferente chamado 
para tratar, numa simples palestra, dos problemas relativos a 
uma colónia, sobretudo quando esta possue a extensão de ter­
ritório, e a variedade de climas e de produções de Angola, e 
quando a boa compreensão de certos problemas, — de actual 
relevo —, só é possível mediante a exposição prévia, metódica 
e quiçá enfadonha, de outros problemas conexos.
Limitar-me a uma descrição mais ou menos pitoresca dos 
aspectos físicos e climáticos de Angola, com anedotas e foto­
grafias, parece-me mesquinho em atenção ao lugar e ao audi- 
ditório; embrenhar-me no estudo científico de geografia econó­
mica de Angola, não o posso fazer pela minha incompetência 
na matéria; abordar os problemas das finanças, da moeda, do 
crédito, das obras, do fomento..., era intrometer-me em 
questões de política positiva e actual, e não o devo fazer em 
atenção a mim próprio. Tudo bem considerado, resolvi 
tratar, — com aprovação do Ex.mo Sr. Dr. Ferraz de Car­
valho —, do problema da Política Colonial Portuguesa, o 
qual, embora considerado sob o ponto de vista particular da 
colonização de Angola, pode figurar como uma espécie de 
complemento, ou extensão do Curso de Geografia Colonial.
Tal é o tema da conferência que ides ouvir, se vos dignardes 
prestar-me a vossa paciente atenção, que antecipadamente 
agradeço.
7
8
II
AS IDEIAS MODERNAS SOBRE COLÓNIAS 
E COLONIZAÇÃO
Meus Senhores:
1. —Pois que pretendo ocupar-me das «Ideias Modernas 
sobre Colónias e Colonização», é lógico concluir que houve 
ccideias antigas», Quais eram essas ideias e como se evolu- 
cionou das antigas para as modernas?
Tanto quanto nos é lícito concluir da leitura dos velhos 
cronistas e dos historiadores dignos de fé, o objectivo das pri­
meiras expedições marítimas portuguesas, no século xv, — a 
fora a satisfação de uma natural curiosidade —, era alcançar 
riquezas e ocupar terras. Objectivo materialista e interes­
seiro, por essência. As ideias de tutela e de educação das 
raças, chamadas inferiores, eram estranhas aos objectivos e à 
moral política da época, em grande parte baseada no direito 
do mais forte. O apostolado da fé católica entre as popu­
lações selvagens da África e da Ásia apenas surgiu, e como 
propósito secundário, por influência do clero secular e das 
ordens religiosas.
Ninguém ainda pensou, — creio eu —, em comparar as 
expedições organizadas pelo infante D. Henrique, com a dos 
cinco Mártires de Marrocos em 1220, organizada por S. Fran­
cisco de Assis. «Senhores da conquista, navegação e comércio» 
eram os títulos de que se revestia a vã glória dos nossos reis, 
e correspondiam aos objectivos visados.
2. — Não havia também nos séculos xv e xvi, em Portugal 
ou em Espanha, um excesso da população em desharmonia 
com os recursos do território continental, a colocar em terras 
vagas ou conquistadas. A expansão ultramarina dos povos
9
da Península não se assemelhou, portanto, ao enxamear das 
Colónias gregas da antiguidade, à cleroquia, ou emigraçãode 
grupos para fundarem novas cidades e cultivarem novas terras. 
Se algumas foram povoadas, como as ilhas da Madeira e dos 
Açores, é porque nessas ilhas desertas, a exploração só era 
possível fixando nelas a «mão de obra» importada do Reino.
E certo que depois da conquista de Goa, o grande Afonso 
de Albuquerque pretendeu criar uma população mixta de 
luso indianos, para assegurar a perenidade do domínio por­
tuguês na índia; mas o objectivo do grande capitão era sobre­
tudo político, não se podendo classificar a medida como ten­
tativa de fundação de uma colónia de povoamento. Seria um 
contrasenso. Portugal tinha pouca gente e a índia tinha^a de 
mais.
3. — O descobrimento das ilhas de Cabo-Verde, S. Tomé 
e Príncipe, nas últimas décadas do século xv, e o descobri­
mento do Brasil em 15oo trouxeram uma nova modalidade de 
colonização: a «fazenda» ou «roça», isto é, a exploração agrí­
cola do solo, e mais tarde a exploração mineira. Sabe-se 
como, pouco a pouco, o Brasil se transformou em colónia de 
povoamento, sem deixar de ser uma colónia de plantações. 
O clima impediu idêntica transformação em S. Tomé e Prín­
cipe, que ainda hoje se cultivam com mão de obra importada 
do continente africano.
4. — A ideia da posse ou usufruto exclusivo do comércio e 
da exploração das terras descobertas e conquistadas foi, como 
se sabe, a característica dominante da política colonial primi­
tiva dos portugueses e espanhóis.
Os outros países, Holanda, Inglaterra e França, que mais 
tarde disputaram o passo aos dois povos da Península, ado- 
ptaram a mesma política, única que, aliás, correspondia às 
ideias da época sobre a riqueza das nações.
10
Os direitos de navegação e comércio ultramarinos ficavam 
reservados, exclusivamente, para as respectivas metrópoles. 
Os navios das outras nacionalidades apenas eram admitidos 
nos portos das colónias para fazerem aguada ou repararem 
avarias. Era considerado delito grave embarcar nesses navios 
os produtos de cujo trato a metrópole se reservara o mono­
pólio, o que deu lugar ao desenvolvimento do comércio de 
contrabando, — o célebre commerce interloppe dos franceses —, 
e à pirataria oficial, podemos dizê-lo, porque era favorecida, 
mais ou menos abertamente pelos estados rivais.
Se a metrópole se arrogava o monopólio das produ­
ções coloniais, não era menos ciosa quanto à venda às 
colónias dos produtos da indústria europeia, nacional e nacio­
nalizada.
Este sistema de sujeição absoluta e de exploração exaus­
tiva das colónias, constituía — como se sabe —, o famoso 
pacto colonial, de que ainda há vestígios na legislação e, 
sobretudo, nas tendências da nossa política ultramarina con­
temporânea, e nas ideias expendidas por homens de estado, 
funcionários, produtores e escritores portugueses, quando 
apreciam as relações da metrópole com os domínios ultra­
marinos.
5. — No decorrer dos tempos, porém, o próprio desenvol­
vimento económico das colónias, a difusão dos princípios 
liberais, e a melhor compreensão dos interesses económicos, 
criaram nas colónias o espírito de resistência às exigências 
das metrópoles, e nestas uma concepção diferente dos direitos 
e deveres das nações colonizadoras. Mas a causa imediata e 
mais activa da abolição do pacto colonial, pelo menos no seu 
rigorismo primitivo, foi a pressão exercida pelos países con­
correntes, sobretudo pelos que, tendo alcançado um grande 
desenvolvimento industrial e comercial, cubiçavam os mer­
cados coloniais de todo o mundo, para venda dos seus arte­
factos, e para a aquisição de mate'rias primas, dos metais 
preciosos e das rendosas especiarias.
ó. — As tradições seculares da colonização portuguesa, 
foram assim profundamente abaladas. Desde o final do sé­
culo xvn que se pronunciara mais activamente o ataque,— 
nem sempre por meios brandos e leais —, às barreiras que 
defendiam o monopólio ultramarino.
Foi, porém, no decurso do século xix,— sobretudo na 
segunda metade —, que toda a política colonial portuguesa 
teve de sofrer uma transformação completa, sob a pressão, 
por vezes brutal, de interferências estranhas.
Se a soberania da coroa portuguesa nos vastos territórios 
africanos, cuja posse reivindicávamos, tinha sido até então 
muitas vezes atacada e subvertida pelo irrespondível argu­
mento da força, os chamados direitos tradicionais à posse 
dêsses territórios eram, em princípio, reconhecidos por todos 
os estados civilizados.
7. — Vem aqui a propósito recordar, que até ao meado do 
século xix, os europeus, portugueses ou estrangeiros, pouco 
conheciam do interior da África Tropical. Os estabeleci­
mentos portugueses em Angola e Moçambique quási se limi­
tavam a alguns pontos da orla marítima, onde existiam feitorias, 
portos de aguada e fortalezas ou presídios, que os seguravam 
contra os ataques dos indígenas e, sobretudo, contra as em­
presas dos corsários franceses e holandeses.
A actividade económica destas colónias, depois que afrou­
xara, apagada pelos revezes, a ilusão das minas de prata e de 
ouro, quási se reduzia ao comércio de escravos, as «pessas», 
como lhes chamavam, e de alguns produtos naturais do solo. 
E certo que desde o século xvi, comerciantes, aventureiros e 
missionários portugueses tinham avançado pelo sertão, per­
correndo-o de costa a costa, ou estabelecendo-se entre as
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12
tríbus negras; mas o que hoje chamaríamos «ocupação 
efectiva», poucas léguas se estendia para o interior das terras, 
e só em torno dos presídios do litoral.
Nas relações com os indígenas, a nossa política asseme- 
lhava-se ao que hoje se chama, na linguagem pomposa das 
chancelarias, o sistema de protectorados. Fazíamos tratados 
de amizade e vassalagem com os régulos e deixávamo-los go­
vernar as suas tríbus conforme o seu direito consuetudinário; 
apenas exigíamos que nos dessem liberdade de comércio e de 
trânsito e, a título de reciprocidade, que nos auxiliassem nas 
guerras com as tríbus insubmissas.
Os nossos cuidados pelo seu bem-estar e educação moral, 
limitavam-se ao envio de alguns missionários, franciscanos ou 
jesuítas, que mais de uma vez pagaram com a vida o zêlo 
apostólico.
A este tipo de actividade colonial se refere Oliveira Martins 
no seu livro O Brasil e as Colónias Portuguesas que eu con­
sidero uma espécie de elegia da decadência das velhas ideias 
sobre colónias e colonização.
8. — A primeira lição dos modernos conceitos da política 
colonial foi-nos dada pela conferência de Berlim (1884-1885).
Como é sabido, saiu dessa célebre conferência o princípio 
de que as nações soberanas tinham «a obrigação de assegurar 
nos territórios ocupados por elas nas costas do continente afri­
cano, a existência de uma autoridade suficiente para fazer 
respeitar os direitos adquiridos e, em caso de necessidade, 
a liberdade de comércio e de trânsito, nas condições em que 
esta fôr estipulada» (Art.° 35.° da Acta geral da Conferência 
de Berlim).
E para que não restassem dúvidas no espírito do govêrno 
português quanto ao valor atribuído aos nossos alegados «di­
reitos históricos», fomos informados, em 1887, pelo govêrno 
britânico, de que a ocupação tinha não só de ser efectiva,
13
mas de ser «em força suficiente para manter a ordem, pro­
teger os estrangeiros e dominar os indígenas» (1).
Passou a não bastar, portanto, que possuíssemos fortalezas 
e feitorias no litoral, e celebrássemos tratados de amizade e 
vassalagem com os sobas e outros potentados africanos, como 
era da tradicional política, para que nos deixassem explorar 
tranquilamente o monopólio do comércio de Angola e Mo­
çambique.
Impunham-nos de fora, uma nova forma de acção, que se 
traduzia pela necessidade de avançarmos pelo sertão e de 
ocuparmos «em força» os territórios cujo domínio supunhamos 
assegurado por solenes tratados.
A nova política ia-nos custar novos dispêndios de fazenda 
e vidas, a juntar às que já tínhamos sacrificado para manter 
o domínio português e propagar a fé católica no interior do 
Continente Negro.
Contava-se, por-ventura, com a nossa tibieza perantea 
enormidade do sacrifício exigido, para nos levarem, definiti­
vamente, a desistir de empresas coloniais; como se estas não 
fossem,:— como demonstraremos — , uma condição vital da 
existência da nacionalidade portuguesa.
9. — A-pesar-de tudo, continuou Portugal a esperar, con-
(1) Nota de lord Salisbury ao ministro inglês, em Lisboa, para ser 
transmitida ao governo português; «It has now been admitted by all 
parties to the Act of Berlin, that a claim of sovereignty in Africa can only 
be maintained by real occupation of the territory claimed. You will 
make a formal protest against any claims not founded on occupation, 
and you will say that H. M.’s Governement cannot recognise Portuguese 
sovereignty in territories not occupied by her in sufficient strength to 
maintain order, protect fareigners, and control the natives» (Cf. Sir F. L. 
Lugard, The Dual Mandate in British Tropical Africa, 3.a Ed. — London, 
1926, pág. 13). Convém notar que o governo inglês tinha recusado, até 
àquela data, aceitar a condição da «ocupação efectiva»; mudou, porém, 
de parecer quando assim conveio aos interêsses da política britânica.
14
fiado na justiça e no seu bom direito, que a soberania portu­
guesa se poderia manter em todo o território, de costa a costa, 
de Angola a Moçambique.
Mas da conferência de Berlim derivara, como se sabe, um 
conceito novo na política colonial: o das esferas de influência, 
estabelecido por tácito acordo das potências interessadas.
Para assegurar os seus direitos, reconhecidos na conferên­
cia de Berlim, e obter o tempo necessário para desenvolver a 
ocupação «efectiva e em força», celebrou Portugal os tratados 
de 1886 com a França, de 1887 com a Alemanha e de 1891 
com o Estado Independente do Congo, todos com o fim de 
fazer reconhecer, como esfera de influência portuguesa, os 
territórios que hoje separam as colónias de Angola e Moçam­
bique. É a famosa história do «mapa cor de rosa».
Mas esta nova ilusão também durou pouco. Como um 
sonho cor de rosa, esvaneceu-se!
O ultimatum, e depois o tratado de n de Junho de 1891, 
aboliram de vez, pelo direito do mais forte, os apregoados 
«direitos históricos de Portugal».
Foi a segunda lição!
Ficámos sabendo, definitivamente, que, para conservarmos 
o pouco que nos deixavam, tínhamos de nos precaver contra 
as ambições e cobiças dos vizinhos, nem sempre escrupulosos 
nos meios que empregam para as satisfazer.
Por uma natural reacção, veio substituir-se à doce indolên­
cia e à cega confiança nos «tratados» e nos «direitos históri­
cos», a inquietação e a desconfiança contra os vizinhos, talvez 
tão exagerada como o sentimento oposto; mas inteiramente 
legítima e justificada pelos factos antecedentes, e que outros, 
dos nossos dias parecem reforçar.
10. — Uma terceira lição pode dizer-se que nos foi dado 
pelos acordos secretos de 1908 e 1913, celebrados entre a In­
glaterra e a Alemanha: — a de que as grandes potências não
15
hesitam em ajustar as suas contendas nos lombos dos mais 
fracos, e que a nossa Fiel Aliada, é tão pronta em ajudar-nos 
com os seus bons ofícios, nas nossas dificuldades internacio­
nais, como a vender-nos, quando por essa forma satisfaz o seu 
particular interesse.
O que é bom relembrar de quando emquando.
Mas algum proveito espero que saberemos tirar desta lição 
e da que resultou do tratado de Versailles: a certeza de que, 
doravante, nos será permitido justificar o nosso direito à posse 
das colónias, pela acção civilizadora que nelas exercermos, e 
que por «civilizar» no sentido que a moderna giria internacio­
nal, atribui à palavra, se deve entender: —ocupar, apetrechar 
e explorar economicamente.
A protecção aos indígenas e o aperfeiçoamento moral e 
social destes, embora figurem sempre no primeiro lugar, nos 
escritos e discursos dos homens públicos, são apenas, —quando 
o contrário não convém—, uma simples consequência daquelas 
obrigações, ou um meio de as satisfazer. Quando o contrário 
convém, pratica-se a «política de segregação», como na África 
do Sul; ou aplicam-se aqueles processos mais radicais, que 
ganharam para os anglo-saxões o merecido epíteto de raça 
exterminadora.
11. — As ideias modernas sobre colonização, ideias que 
temos de aceitar, porque elas resultam de circunstâncias polí­
ticas, sociais e económicas, superiores à vontade dos indivíduos 
e das nações, baseiam-se, portanto, no que convencionaremos 
chamar o princípio do maior benefício, isto é, do maior pro­
veito para a civilização em geral.
Êste princípio tende a restringir o direito de soberania, 
como a noção de utilidade pública, interpretada como de 
«utilidade do maior número», restringe, em proporções até há 
pouco inconcebíveis, o direito de propriedade.
Entende-se que as nações colonizadoras, só porque o são,
16
assumem perante o mundo civilizado, um certo número de 
obrigações, cujo cumprimento é «condição necessária» para 
que o seu domínio sobre os territórios coloniais seja justificado.
Esta condição devia ser também «condição suficiente» se, 
por detrás de todas as discussões dos juristas e dos ideólogos, 
não despontasse sempre o único direito incontestado, definitivo 
e que parece arreigado no inconsciente humano, — porque vem 
inalterável do homem das cavernas —o direito do mais forte.
12. — Em que consiste o «maior benefício»?
— De um território dotado de valor económico, resultará 
o maior benefício para a civilização em geral, quando esse 
valor deixar de permanecer no estado de possibilidade ou de 
potencial, para se converter em valor efectivo ou actual, utili­
zável pelo maior número de homens.
Se o território é capaz de povoamento, quando é povoado; 
se é susceptível de cultura, quando é cultivado pela forma mais 
perfeita e para dar o produto mais rico, por ser o mais neces­
sário e o mais adequado à natureza do solo e do clima; se 
contém mine'rios úteis, quando estes são extraídos; se pode 
facilitar a circulação de pessoas e bens, quando está sulcado 
de vias de comunicaçãos as mais rápidas, mais seguras e mais 
económicas, segundo a sua natureza especial. Finalmente, se 
no território existe uma população indígena, o maior benefício 
resultará, — dizem —, da capacidade de produção e, portanto, 
de consumo que ela adquirir, — ou, por outras palavras, do 
grau de civilização a que fôr elevada.
Todavia, a moral política moderna ainda permite que as 
metrópoles para si reservem certas vantagens e preferências 
de ordem económica; mas certos princípios, como o de livre 
trânsito (sem pagamentos de portagem); o de saída para o 
mar; de igualdade de tratamento fiscal para nacionais e es­
trangeiros, e outros, embora não constituam, por enquanto, um 
capítulo do direito internacional, são mais ou menos aceites
17
pelo consentimento tácito de quasi todas as nações, e encon­
tram-se exarados em muitos instrumentos diplomáticos.
13. — Em resumo, o que temos chamado o «princípio do 
maior benefício» impõe à nação colonizadora certas obrigações: 
— a de ocupar, administrar e fazer justiça; — a de proteger 
os europeus e manter a paz entre os indígenas; — a de civili­
zar estes pela educação e pelo trabalho, aumentando o seu 
bem-estar material e moral; — a de facilitar as comunicações 
pelo território colonial e o acesso dos seus portos, rios e lagos 
navegáveis; — a de explorar os recursos naturais, quer agrí­
colas, quer mineiros do solo; — a de facilitar o comércio e 
desenvolver as indústrias; — o que, tudo, se pode resumir 
numa expressão de conteúdo, indefinidamente extensível: — 
«obrigação de civilizar».
14. — Meus Senhores! — E à luz destes princípios, a cuja 
rápida e tormentosa elaboração as gerações actuais têm assis­
tido, e ensinados pelos factos da história contemporânea, que 
temos de considerar o Problema da Política Colonial Portu­
guesa, especialmente na sua aplicação à colónia de Angola.
Há ainda, no espírito de muitos homens públicos de Por­
tugal e de certos dirigentes da opinião, grande número de 
conceitos erróneos sobre a importância da colonizaçãoportu­
guesa e sobre as obrigações que incumbem e os direitos que 
assistem a Portugal, como grande nação colonizadora.
Não podemos abdicar dos nossos direitos e temos obriga­
ção de os defender até à última extremidade; mas não pode­
mos esquivar-nos ao cumprimento dos deveres correlativos, 
que assumimos perante o mundo civilizado.
Se a tarefa, que a fatalidade histórica nos impôs, se nos 
afigura às vezes demasiado pesada para as nossas forças, deve­
mos lembrar que ela é também uma tarefa gloriosa e a melhor 
justificação da nossa existência, como nacionalidade distinta.
2
18
Aos homens de estado, ao pensadores, aos publicistas, e, 
em especial aos homens de ciência e aos institutos universitá­
rios, cumpre extrair da massa confusa das teorias, dos factos 
e das tendências particularistas de indivíduos e de grupos, os 
princípios orientadores da política colonial portuguesa. A 
êles compete também, por uma intervenção constante, fazer 
aceitar êsses princípios pela nação e impedir que se obliterem 
ou abastardem. E um dever nacional.
III
SIGNIFICADO E IMPORTÂNCIA DA COLONIZAÇÃO 
PORTUGUESA ESPECIALMENTE A DE ANGOLA
1. — Desde os primeiros passos dados, em tempos de 
D. João I, pelos portugueses fora do território continental, com 
o objectivo dos descobrimentos e conquistas, entre êles se 
manifestaram duas tendências, ou duas correntes de opinião: 
— a dos que aplaudiam e incitavam os promotores das expe­
dições ultramarinas, e a dos que entendiam que todas as for­
ças da nação deviam ser aplicadas no povoamento e cultura 
do território continental.
A estas duas tendências ou escolas chamaremos a dos 
agrários e a dos colonialistas. — Os primeiros defendem com 
as mais bem argumentadas razões e, — na aparência —, os 
mais indiscutíveis factos, a necessidade de se prover, acima 
de tudo e primeiro que tudo, ao povoamento do território 
metropolitano, à sua valorização pela agricultura, pela criação 
de indústrias, pela execução de obras públicas, etc.
«Povoemos e cultivemos a terra que temos em casa — dizem 
êles—, antes de povoar e cultivar terras longínquas, sorvedoiro 
de gente e de dinheiro».
Os adeptos da segunda escola proclamam, — também com 
excelentes razões e fortes argumentos—, e parodiando uma
19
frase célebre: «o futuro de Portugal está nas nossas Colónias, 
elas constituem a razão da sua grandeza e independência».
O litígio dura há mais de 5oo anos, e parece tão vivo em 
1932 como era em 1416, sem que até hoje se tenha adiantado 
muito, no conhecimento exacto do que mais conviria a Portu­
gal:— se ter vegetado, obscuro e farto, no seu rincão do oci­
dente da Península, «a olhar para o mar, por entre os pâm­
panos verdejantes e as searas fartas»; — ou se ter ajudado, 
glorioso e pobre, a criar a civilização moderna.
2. — Não pretendemos dirimir a velha questão, que nos 
parece, actualmente, de secundária importância; mas afigura- 
-se-nos que não é para desprezar a vantagem de possuirmos, 
por secular primaria de ocupação, um vasto império ultrama­
rino, enquanto grandes nações batalham pela adquisição de 
territórios coloniais cada vez mais difíceis de alcançar.
Seja como fôr, a colonização portuguesa é uma fatalidade 
político-económica, a que não podemos furtar-nos, na época 
presente. Determinada inicialmente por necessidades políticas 
e económicas ocasionais, o condicionalismo geográfico favore- 
ceu-a, sem a determinar, como certos autores pretendem. 
Idênticas, embora não iguais necessidades político-económicas 
continuam a impô-la.
Se muitos portugueses não se apercebem da influência 
e importância da colonização na vida nacional, é porque 
nunca sofreram a privação dos seus benefícios; e se muito 
se queixam dos sacrifícios exigidos, é porque êstes são postos 
em evidência pela ávida solicitude dos financeiros e jornalistas, 
e aqueles deixados no esquecimento por ignorância ou conve­
niência.
3. — A nosso ver, o problema que tem de ser formulado 
perante a nação é êste:
«o que representam as colónias, — e designadamente An­
20
gola—, na vida da nação; sacrifício inútil ou empresa rendosa? 
São uma necessidade, ou um luxo?».
Não contestamos a existência dos sacrifícios morais e ma­
teriais; de vidas e de dinheiro, que a metrópole suporta em 
benefício das colónias; mas é lícito contrapor-lhe os proveitos, 
também materiais e morais, que delas nos advêm.
Façamos pois o balanço.
4. —(a) As colónias e a política internacional. — A nação 
portuguesa, isolada, geograficamente, no extremo ocidental da 
Península, pouco contaria, — separada das suas colónias —, no 
grande jogo de interêsses da política internacional. Talvez que 
às grandes potências não conviesse o engrandecimento da Es­
panha à custa de Portugal, nem que o porto de Lisboa passasse 
para outras mãos, circunstâncias que sempre garantiriam uma 
relativa independência política da nação portuguesa.
Economicamente, porém, Portugal seria uma dependência 
da Espanha, ou um feudo de qualquer grande potência marí­
tima, obrigado a aceitar delas as condições que lhe quisessem 
impor para a exportação dos vinhos, cortiças, azeites e outros 
produtos da sua agricultura, ou mesmo da indústria, se fosse 
possível criá-la no território português.
O mesmo, ou pior ainda sucederia quanto às importações.
Convém não esquecer, com efeito, que a actividade econó­
mica de Portugal está, por natureza, adstrita às produções da 
terra e da costa marítima. Para a criação de grandes indús­
trias faltam as matérias primas essenciais, principalmente as 
metalúrgicas. — Não falamos da falta de combustíveis, porque 
não me parece um optimismo exagerado supor que, mais tarde 
ou mais cedo utilizaremos a energia hidráulica disponível.
Mas ainda que obtivéssemos por importação, as matérias 
primas necessárias para algumas indústrias importantes, como 
as de tecidos de algodão, de lã, ou de linho, de sedarias, de 
construções eléctricas e mecânicas, e até a metalurgia do ferro,
21
para onde exportaríamos os produtos dessas criações artifi­
ciais ? Em que países poderiamos colocá-las que não estivessem 
já mais favorecidos, ou pelas condições de produção própria ou 
pela vizinhança de grandes centros industriais?
5. — Mas, — pode alegar-se — tínhamos o comércio marí­
timo, favorecido pelas condições excepcionais da posição geo­
gráfica !
Em primeiro lugar, convém ter presente, que na costa por­
tuguesa só há um porto capaz de servir um grande comércio 
internacional — Lisboa, a que alguns já chamaram, por aluci­
nação de miragem, o Cais da Europa.
Lisboa está admiravelmente situada para capital de um 
grande império ultramarino; é um magnífico porto de escala; 
mas para ser um grande entreposto do comércio internacional, 
falta-lhe uma condição importante: — a das comunicações fer­
roviárias directas com os centros de transformação e consumo. 
Para atingir o coração da Europa é necessário atravessar a 
Espanha; e a Espanha, naturalmente, não deseja favorecer os 
nossos interesses à custa dos seus. Sob este ponto de vista a 
inferioridade da posição geográfica de Lisboa, em relação aos 
grandes portos do Havre, Antuérpia, Roterdão e Hamburgo, é 
bem evidente.
Além disso, — convém recordá-lo também — a marinha de 
hoje não é a dos séculos xvi, xvii e xviii.
Para construir as náus da Índia e os galeões do Brasil en­
contrávamos no território português as madeiras necessárias. 
O vento, força gratuita, levava os navios a todas as partes do 
mundo. Para a navegação a vapor, em grandes navios de 
aço, temos de comprar navios feitos, ou de importar materiais 
para os construirmos mais caros em Portugal. O combustível 
que os faz andar tem igualmente de ser importado.
Sem grandes recursos naturais, agrícolas ou mineiros; sem 
grandes indústrias nem possibilidade de as explorar, em con­
22
dições economicamente aceitáveis; não podendo, por carência 
de marinha, constituir-nos recoveiros e correctores do mundo, 
l de que se alimentaria o nosso comércio externo, se não fossem 
as colónias?
6. —Das colóniasnos advém, igualmente, o nosso valor 
internacional; por elas as fronteiras e os interesses de Portu­
gal tocam nas fronteiras e nos interesses das grandes potên­
cias; das colónias nos advém a nossa grandeza, e também,— 
contrapartida inevitável—, as maiores causas de conflitos in­
ternacionais.
Seria descabida, neste lugar, uma dissertação sobre política 
internacional; mas é talvez bom lembrar, que sem as colónias 
pouco nos interessaria a aliança inglesa, e melhor estaríamos 
agrupados com a Espanha e a França, formando o bloco P. H. 
F., para empregarmos uma abreviação usada em língua de 
ferroviários.
Em resumo, podemos dizer que, sem colónias, seríamos, 
politicamente, menos que as menores potências e, economica­
mente, simples dependência da Espanha.
7. — (b) Influência e importância actual das colónias na 
vida económica portuguesa. — Por um recente apuramento ofi­
cial, verificou-se que as colónias deviam à metrópole cêrca de 
765.000 contos, importância dos suprimentos e juros acumu­
lados. Nesta data, a dívida deve orçar por 85o.000 contos, 
qualquer coisa como 160 a 200 escudos por habitante da me­
trópole.
A grandeza da quantia assombrou o público, pouco versado 
em matéria de colónias e de finanças, e mais uma vez os 
agrários proclamaram que a metrópole se arruinava em pro­
veito das colónias. — «Damos-lhe a camisa e ficamos de tanga» 
— é a frase da moda, nos jornais e comícios, e sempre aplau­
dida com estrépito.
23
Vejamos os factos.
Toda, ou quási toda aquela dívida é reembolsável directa- 
mente, e paga juros, embora pequenos. Trata-se, portanto, 
de uma vulgar colocação de capitais, como a pode fazer qual­
quer agiota ou modesto capitalista.
Mas o principal lucro da operação é indirecto, como facil­
mente verificaremos, por alguns números e considerações.
Permitam-me V. Ex.as que neste lugar lhes refira uma 
parábola, do género bíblico.
« Possuía certo homem uma quinta, e esta era de boa terra 
e bem regada, mas achava-se inculta e cheia de mato. Chamou 
o dono da quinta o seu procurador, o hortelão e os cavadores, 
e, tendo-lhes dado dinheiro, mandou que plantassem a vinha, 
o pomar e a horta. Ora sucedeu que no fim do ano, depois 
de recolher o vinho, as frutas e os legumes, tornou o dono a 
chamar o procurador, o hortelão e os cavadores, e lhes disse: 
Olá Amigos! parece-me que vos esquecestes de me restituir 
o dinheiro que vos entreguei em tal data; pois tratai, quanto 
antes, de me pagar a dívida com o seu juro».
Não vos parece, deste homem, que o seu egoísmo lhe 
turvou o entendimento ?
Pois eu julgo que Portugal procede às vezes como o dono 
da quinta.
8. — Consultemos, porém, as estatísticas !
A Estatística Comercial de 1930, fornece-nos os seguintes 
resultados (Quadro I):
24
QUADRO I
Ano de 1929
COMÉRCIO GERAL E COMÉRCIO ENTRE A METRÓPOLE 
E AS COLÓNIAS
(Valor cm contos)
Para não tirarmos conclusões apenas dos resultados de 
um ano, organisámos o Quadro II, que nos dá a percentagem 
do comércio colonial em relação ao do conjunto dos países 
nos anos de 1926 a 1930.
QUADRO II
PROPORÇÃO DO COMÉRCIO COLONIAL PARA O COMÉRCIO
GERAL
25
Como observa o Prof. Girault(1), nao devemos, para tirar 
o verdadeiro significado dêstes números, contentar-nos apenas 
com o simples cálculo das percentagens: devemos recorrer ao 
consumo, por habitante, dos produtos exportados. Isso nos 
mostrará que a vantagem, sob êste ponto de vista, é sempre 
a favor do mercado colonial; e que, sendo as colónias países 
em formação, não podem desde já consumir tanto como os 
países mais adiantados.
No nosso caso particular, outras constatações, talvez mais 
elucidativas, se tiram dos Quadros III, IV e V, onde o movi­
mento comercial está descriminado por países de procedência 
e destino, classificados por ordem decrescente de importância 
até ao 10.° lugar.
Os números referem-se ao ano de 1926, ao qual corres­
ponde a menor percentagem, como se vê, no Quadro II.
O Quadro III apresenta, logo, êste resultado significativo: 
o comércio geral (importação e exportação retinidos) entre a 
metrópole e o conjunto das colónias portuguesas, incluindo as 
mais afastadas, é quási metade do que realizamos com a In­
glaterra, grande país industrial, com uma população de 47 
milhões de habitantes, e muitas vezes superior à do conjunto 
das colónias portuguêsas, incluindo indígenas.
O conjunto das colónias, como se vê, coloca-se no 3.° lugar 
no grupo dos 10 primeiros países.
O mesmo quadro mostra também — constatação não menos 
significativa —, que entre os dez países de maior comércio 
com Portugal, figuram duas colónias portuguesas consideradas 
isoladamente: Angola e S. Tomé; a primeira no 7.0 lugar e 
a segunda no 9.0 lugar.
O Quadro IV assinala o 4.0 lugar ao conjunto das coló­
nias portuguêsas, no grupo dos países nossos fornecedores,
(1) A Girault — Principes de Colonisation et de Legislation Coloniale. 
— Paris, 1921.— Introduction, pag. 44.
26
QUADRO III
IMPORTAÇÕES E EXPORTAÇÕES REUNIDAS
1926
QUADRO IV
IMPORTAÇÕES>
1926
27
QUADRO V
EXPORTAÇÕES
1926
continuando Angola a ocupar o 7.0 lugar e S. Tomé o 8.°. 
A primeira fornece-nos matérias primas e géneros alimentí­
cios, para consumo e reexportação; a segunda fornece-nos, 
em grandes quantidades, um género rico, o cacau, em grande 
parte reexportado.
No Quadro V, o conjunto das colónias portuguesas vem 
no 3.° lugar entre os nossos clientes compradores, colocan­
do se Angola, isoladamente no 5.° lugar, logo depois da França, 
mas acima do Brasil.
Devemos finalmente registar que, no mesmo ano, se ins­
creveu, sob a rubrica Reexportação, baldeação e trânsito 
internacional de produtos coloniais para o estrangeiro, o 
valor de 140.517 contos, ou seja um valor igual a 13% da 
exportação total da metrópole.
28
9. — Como se vê, o «cancro das colónias» contribuiu com 
410.000 contos para o comércio geral da metrópole, e forne­
ceu mercado para 110.000 contos de produtos nacionais ou 
nacionalizados, que dificilmente seriam colocados noutros 
países.
Estas são, porém, e apenas, as contribuições aparentes, 
isto é, visíveis, às quais temos de juntar os valores desconhe­
cidos dos fretes e seguros marítimos de duas empresas de 
navegação colonial, o retorno de capitais, os direitos de alfân­
dega e entreposto, agências e alcavalas diversas, os lucros 
das reexportações e outros (1).
Podemos ainda acrescentar as vantagens morais e políti-
(1) Um pequeno inquérito que mandámos fazer em 1928, sobre o 
custo de produção e encargos até ao porto de embarque, dos dois pro­
dutos típicos, — café e milho—, mostrou que em Angola apenas ficavam 
62% do preço de venda por grosso, do café, nos mercados mundiais, e 
77 % do preço de venda do milho. Podemos, — errando por excesso—, 
admitir que 70% de tôda a exportação para a metrópole fica em Angola. 
Gomo da exportação total de Angola, 151.5oo contos, em média, vêm 
para a metrópole (Cf. Quadro VII), parece-nos lícito concluir que 3o% 
pelo menos, daquela soma, ou sejam 45.ooo contos, ficam em Portugal, 
sob a forma de fretes, seguros, direitos, salários e lucros de vária ordem.
Deve notar-se ainda que uma parte dos lucros e salários dos interme­
diários e dos agentes de produção, pagos em Angola, são transferidos 
para a metrópole sob a forma de pensões e economias a capitalizar.
Quanto à exportação directa para as colónias portuguesas e países 
estrangeiros, também uma parte importante, mas difícil de calcular, re­
gressa a Portugal.
Juntando àqueles 45.000 contos, 15.ooo a 25 .000 contos de transferên­
cias feitas por funcionários, ou para pagamentos aos que estão na metró­
pole, pode calcular-se em 60.000 a 70.000 contos o produto líquido que a 
metrópole tira anualmente da sua grande colónia de África ocidental. 
Com efeito, o deficit da balança de pagamentos, excluindo o movimento 
de fundos do Estado, regula por 60.000 contos anuais. Como êstes sa­
ques não são compensados por aplicações equivalentes de capitais em 
novas empresas angolenses, é justificadodizer-se que a metrópole faz 
uma exploração exaustiva da Colónia.
29
cas; as facilidades de emprego e de colocação de algumas 
centenas de milhares de portugueses nas colónias e na metró­
pole; a constituição de núcleos de população portuguesa; a 
difusão da língua, etc.
Parece-nos, em presença dos factos tão simplesmente apon­
tados, ser desnecessário acumular novos argumentos para 
demonstrar que a colonização portuguesa é um benefício e 
não um encargo, e que os 850.000 contos de «dívidas ao 
tesouro da metrópole» (aliás reembolsáveis), constituem uma 
quantidade insignificante, comparada com as vantagens econó­
micas auferidas pela nação no seu conjunto.
10. — O valor de Angola na Economia da Metrópole.— 
Já mostrámos, incidentalmente, como Angola se coloca num 
lugar proeminente, na escala de valores do comércio externo 
de Portugal. Esta vastíssima colónia merece, porém, ser 
considerada à parte e com mais atenção e pormenor.
a) A Colónia e o Comércio da Metrópole.— Os quadros 
VI, VII, VIII e IX, indicam qual foi a participação de Angola 
no Comércio Geral, externo, de Portugal nos anos de 1926 
a 1930.
QUADRO VI
COMÉRCIO GERAL (IMPORTAÇÃO E EXPORTAÇÃO)
(Excluindo 0 valor do oiro e prata em barras ou moedas)
30
QUADRO VII
COMERCIO GERAL. - IMPORTACAO
COMÉRCIO GERAL.- EXPORTAÇÃO
QUADRO VIII
QUADRO IX
REEXPORTAÇÃO, BALDEAÇÃO E TRÂNSITO INTERNACIONAIS 
DE PRODUTOS DE ANGOLA PARA O ESTRANGEIRO
REEXPORTAÇÃO, BALDEAÇÃO E TRANSITO INTERNACIONAIS 
DE PRODUTOS ESTRANGEIROS PARA ANGOLA
Média anual de 1926 a 1930................................... 39.778 contos
Reportando-nos às medidas dêstes seis anos, vê-se que 
Angola deu, para o comércio externo da Metrópole, a seguinte 
contribuição anual:
Reexportação, baldeação e trânsito internacional: 
De Angola para o estrangeiro. . 63.000 contos
Do estrangeiro para Angola. . . 40.000 «
1 1 . — A Estatística Comercial de 1930, donde extraímos
31
32
muitos destes números contém ainda, para o Comércio espe­
cial (1) um quadro das proporções entre os diferentes países, 
que resumimos no Quadro X:
QUADRO X
COMÉRCIO ESPECIAL
Proporções (%) entre os diferentes países
É bom constatar que a vizinha Espanha, com os seus 
21 milhões de habitantes, e o Brasil, com 31 milhões, figuram 
neste quadro depois de Angola, que possui apenas uns escas­
sos 2 milhões, dos quais somente uns 35.ooo são europeus.
(i) Importação para consumo e exportação nacional e nacionalizada.
33
É também notável que o conjunto das restantes colónias 
portuguesas entre apenas com 4,3 % para o comércio espe­
cial; isto é, todas as outras reunidas não valem Angola, sob 
este ponto de vista.
12. — (b) Angola mercado dos produtos da Metrópole. — 
Os números globais e abstractos não podem, todavia, dar 
uma idea da influência que exerce na economia da metrópole 
unja colónia da importância de Angola, mesmo tão mal apro­
veitada como ela está. Vejamos, sempre com o auxílio dos 
números, o que representa, para a agricultura e indústria de 
Portugal, a posse de Angola.
Como V.as Ex.as muito bem sabem, na exportação de pro­
dutos peculiares do solo português, os vinhos de diferentes 
tipos ocupam o primeiro lugar.
O Quadro XI indica as quantidades exportadas dos dife­
rentes tipos de vinho e as percentagens correspondentes a 
Angola:
QUADRO XI
EXPORTAÇÃO DE VINHOS
Ano de 1929
34
Como se vê, Angola consome poucos vinhos da Madeira e 
do Porto, o que se explica, em parte, pelo clima e pelas leis 
de protecção aos indígenas. Em compensação, dos chama­
dos vinhos comuns, brancos e tintos, só Angola, à sua parte, 
absorve mais de um quarto (1/4) da exportação total.
A importância de Angola, como mercado dêstes vinhos, 
ressalta melhor do Quadro XII, onde se vê que ela ocupa o 
2.0 lugar para o comércio dos vinhos tintos e o 3.° lugar para 
o comércio dos vinhos brancos.
QUADRO XII
EXPORTAÇÃO DE VINHOS COMUNS
Ano de 1929 
Valor relativo dos mercados
Em 1929, Angola — com os seus escassos 2 milhões de 
pretos e 35.000 brancos — bebeu 17.600 contos, de vinhos 
comuns.
35
É caso para preguntar: Se não possuíssemos Angola, 
quem beberia por cá toda esta zurrapa ?
13. — Consideremos agora o Quadro XIII, que se refere 
à exportação de azeite, outro produto genuinamente portu­
guês. O valor total da exportação, em 1929 foi de 12.048 
contos. Pois Angola tomou à sua parte 23,8% da exporta­
ção, ao passo que o Brasil, que tem uma população 15 vezes 
maior, recebeu apenas 38,9%. O conjunto das colónias por­
tuguesas absorveu mais de metade da exportação.
QUADRO XIII
EXPORTAÇÃO DE AZEITE
Ano de 1929.
36
14. — Lancemos, finalmente, os olhos para os Quadros XIV 
e XV, que se referem a uma das indústrias mais reclamantes 
de Portugal (o que não é dizer pouco): a dos tecidos de 
algodão.
QUADRO XIV
ALGODÃO
Fios — Tecidos — Feltros — e respectivas obras 
Ano de 1929
A) Importação
Ano de 1929
B) Exportação
37
Convém anotar, prèviamente, duas observações de grande 
interesse para a. interpretação dos números:
1.a que os tecidos de algodão, crus, tintos e estampados 
(tecidos não especificados das pautas), — o fato como antiga­
mente se dizia —, representam ainda, em Angola, moeda cor­
rente para o comércio de permuta com o gentio, e constituem 
uma parte importante dos encargos de «mão de obra» da 
agricultura e das indústrias europeas, em Angola ;
2.a que a população indígena de Angola continua a an­
dar nua, ou de tanga, a qual raras vezes é de tecidos euro­
peus.
Um simples relancear de olhos pelo Quadro XV paten- 
tea-nos um primeiro facto, impressionante pelo seu significado; 
— importamos sensivelmente a mesma quantidade (peso) de 
artigos de algodão que exportamos, e a quási totalidade da 
exportação faz-se para as colónias, muito principalmente 
para Angola.
Q U A D R O X V 
Ano de 1929
A) Importação de fios e tecidos de algodão
38
Ano de 1929
B) Exportação geral de fios, tecidos, etc.
Ano de 1929
G) Exportação para Angola
Outro facto, mais grave sob o ponto de vista da política 
colonial portuguesa, é que cêrca de 2/3 dos tecidos «não espe­
cificados» e 1/2 dos tecidos «especificados», que entram em 
Portugal, tornam a sair a barra de Lisboa, para entrarem
39
pelas alfândegas das colónias, especialmente de Angola, à 
sombra das esmagadoras protecções pautais, que nelas são 
concedidas às mercadorias «nacionais e nacionalizadas». O 
diferencial é de 70 a 90 %.
Não se fiem V.as Ex.as nos valores (em contos) da exporta­
ção, acusados pelas estatísticas, os quais representam apenas 
3o %, ou quando muito 50% do valor médio, como o deixa 
perceber o Quadro XV. Os tecidos chamados portugueses, 
a-pesar-de todas as protecções concedidas, chegam sempre ao 
mercado de Angola com um valor muito superior aos tecidos 
alemães e belgas, e são, em regra, de inferior qualidade.
Vêem portanto, V.as Ex.as que em vez de «darmos a ca­
misa aos negros e ficarmos de tanga», como se diz nos comí­
cios, parece que é exactamente o contrário que fazemos: — 
«tiramos-lhes as tangas e a própria pele» —, no sentido figu­
rado já se vê!
Como há pouco disse, o custo dos tecidos de algodão con­
diciona todo o desenvolvimento económico de Angola, pois 
que eles ainda representam, em larga escala, uma mercado­
ria-moeda.
E para que V.as Ex.as não fiquem imaginando que exagero 
a importância do facto, peço-lhes que examinem o Quadro XVI, 
que dá um resumo das importações em Angola, no mesmo 
ano de 1929.
Falam as estatísticas:
— Importamos do estrangeiro sob
forma de «tecidos não espe­
cificados» ............................. 1.272.545 kgs.
— Exportamos para as colónias,
de tecidos da mesma cate­
goria...................................... 1.266.750 kgs.
40
Os tecidos figuram em primeiro lugar, com um valor cor­
respondente a 29,5 % do total das importações, decompon­
do-se a importação desta forma:
Ano de 1929 1 2
(1) Os tecidos de algodão figuram com 53.751 contos.
(2) Os vinhos figuram com 19.547 contos,
Tecidos comuns de algodão.............53.751 contos
Sacaria............................................... 8.744 »
Outros tecidos................................. 30.378 »
92.873 »
Q U A D R O X V I
IMPORTAÇÕES EM ANGOLA
41
(1) Vicente Ferreira, A Situação de Angola. Luanda, 1927.
Incontestavelmente Angola é um bom mercado para os 
produtos da metrópole.
15. — Meus senhores! Por outros aspectos se pode con­
siderar ainda o «Significado e Importância da Colonização de 
Angola».
É impossível desenvolvê-los nesta conferência. Limito-me 
por isso, a um simples enunciado.
a) A Colónia é um campo de actividade da metrópole. 
Dá colocação a capitais e trabalho para umas dezenas de mi­
lhares de portugueses, lá e cá.
b) É um território de expansão da população portuguesa.
c) É um reservatório de riquezas sobretudo agrícolas, pe­
cuárias e industriais, que hoje só existem no estado potencial, 
ou de possibilidades mais ou menos averiguadas, como já tive 
a ocasião de enumerar numa pequena brochura (1).
 Deixo ainda de parte o «significado e importância moral 
da colonização», que não é elemento para desprezar, mesmo 
nestes tempos de materialismo grosseiro. 1
Observaremos, de passagem, que as bebidas figuram em
3.° lugar, constituindo 15% das importações, sendo:
Vinhos (todos portugueses) ................ 19.547 contos
Águas minerais e bebidas diver­
sas ................................................ ..... 13.659 »
33.206 »
42
IV
A COLONIZAÇÃO MODERNA DE ANGOLA
A) - AS NOVAS BASES
Meus Senhores:
i. — A colonização de Angola, — dando à palavra o seu 
mais lato significado —, tem sido orientada, nestes últimos 
6o anos, com tal volubilidade de critérios, que é difícil prever, 
por extrapolação, que rumo tomará, mesmo num futuro pró­
ximo.
Foi Angola, desde início, e durante séculos, uma colónia 
de feitorias; e esta forma tradicional de exploração ainda 
subsiste na organização e na mentalidade do seu comércio. 
Esta feição terá de subsistir talvez por largos anos, sobretudo 
no litoral norte, onde as linhas de penetração são ainda 
escassas, e onde a agricultura europea(1), por diversas causas, 
tem encontrado dificuldades para se desenvolver.
Os principais centros de trato comercial eram, como se 
sabe, Cabinda, Ambriz, Luanda, Novo Redondo e Benguela.
Mossâmedes, fundada no comêço do século xix, teve 
sempre uma feição mixta, de fazenda (ou plantação), de 
colónia de povoamento e de praça de comércio.
Benguela e Novo Redondo tendem a definhar-se pela con­
corrência dos modernos portos vizinhos: Lobito e Pôrto-Am- 
boim, que são testas de caminhos de ferro de penetração.
Mossâmedes, com a abolição dos moleques ou escravos 
domésticos, pouco vale actualmente, como plantação; mas é 
interessante como testa de caminho de ferro e porta marítima 
de um hinterland onde a raça branca se fixou; é também o
(1) Referimo-nos, como é de uso, à agricultura organizada e dirigida 
por europeus, e praticada com mão de obra indígena.
43
único ponto do litoral onde se julga possível a aclimatação 
dos europeus.
Luanda tem, como Mossâmedes, uma feição mixta; mas 
é pouco favorecida pelo clima. Como testa de um caminho 
de ferro que serve uma região rica de produção de café, 
algodão, oleaginosas e milho, tem o seu futuro assegurado 
como porto comercial; mas o comércio próprio tende a decair; 
este só vive, actualmente, de fornecimentos ao Estado e aos 
funcionários.
2. — Todas estas antigas feitorias tendem a transformar-se 
e a desaparecer. O seu comércio característico, que era o 
da permuta de mercadorias europeas pelas produções espon­
tâneas, já não tem objecto, ou este é tão pequeno que não 
pode sustentar o grande número de casas concorrentes, nem 
proporciona os avultados lucros que fizeram a reputação do 
«negócio de África». Escravos já não há; a borracha espon­
tânea desapareceu ou desvalorizou-se; o marfim é raro; a 
cera é pouca; a aguardente é proibida; e as outras merca­
dorias, que formam, hoje, a massa das exportações de Angola, 
são produtos da agricultura organizada e dirigida pelos euro­
peus, ou praticada pelos indígenas, por conta própria, mas 
sob a tutela das autoridades: algodão, milho, trigo, café, etc. 
Se alguns destes produtos ainda aparecem à permuta nas 
tendas dos aviados do mato, ou nas casas-mães do litoral, 
são em quantidades ínfimas e por preços altos; não deixam 
grandes lucros. Além disso, a permuta vai sendo substituída, 
lentamente, e com muita reluctância dos comerciantes, pelo 
comércio regular, com intervenção da moeda.
As grandes exportações do café, milho, trigo, legumes, 
algodão, oleaginosas, gados, carnes, pescarias, etc., são feitas, 
hoje, directamente pelos produtores, ou pelos seus agentes e 
representantes nos portos de embarque. O puro comerciante 
das velhas feitorias tende a transformar-se em simples impor­
44
tador e retalhista; vende aos europeus e aos indígenas os 
objectos de consumo.
As antigas preocupações pelo «comércio» que eram, depois 
das guerras, o pesadelo dos governadores e capitães-mores, 
já não têm fundamento. O comércio, na economia actual de 
Angola, tem de ser uma consequência da produção organizada, 
— em primeiro lugar—, e depois, do aumento da população 
branca e negra e dos progressos de civilização dos indígenas.
3. — Desde há muito, porém mais acentuadamente desde 
o final do século passado, criaram-se em Angola algumas 
plantações ou «fazendas», principalmente para a cultura do 
café e da cana sacarina. Era, porém, uma forma de activi- 
dade secundária; a feitoria sobrelevava a roça. Só mais 
tarde, depois de 1907(1), mas sobretudo depois da guerra 
de 1914-1918, a agricultura de Angola tomou um grande 
desenvolvimento. As antigas «fazendas» alargaram as plan­
tações e aperfeiçoaram os métodos de trabalho; arrotearam-se 
novas áreas e ensaiaram-se novas culturas: algodão herbáceo, 
tabaco, sizal, cereais (milho, trigo, arroz), leguminosas, frutas 
de espinho, etc., ao mesmo tempo que se tentava, com o 
melhor êxito, a criação de gados (bovídeos, ovídeos e suinos), 
e a preparação de carnes para exportação e algumas indústrias 
derivadas, sendo as principais: o açúcar, os óleos, os sabões 
e as conservas.
Os colonos de Angola começam — felizmente —, a com­
preender, que o método mais seguro, embora lento, de alcançar 
fortuna, consiste na exploração da terra nas suas três moda­
lidades: agrícola, silvícola e pecuária.
Êste «regresso à terra» deu à colónia uma nova e inte­
ressante feição, que o estado tem procurado favorecer por 
várias formas, embora com avanços e recuos, segundo os pro-
(1) Governo do Sr. Paiva Couceiro.
45
cessos empíricos e tradicionalmente atrabiliários, da adminis­
tração pública, «daquém e dalém-mar em África».
4. — A força das circunstâncias, combinada por vezes com 
a decisão consciente dos homens, fez desenvolver, também 
nos últimos 5o anos, outra forma de colonização: — a de po­
voamento, ou mais restrictamente ainda, a de fixação de fa­
mílias de agricultores europeus.
Embora as primeiras tentativas desta natureza datem do 
século xvi, e tenham sido repetidas nos séculos imediatos, só 
no final do século xix a colonização sistemática e persistente, 
— digamos científica —, foi iniciada e tem prosseguido, com 
vária sorte, até hoje.
Os estudos feitos a partir de 1907, por inciativa do 
Sr. Paiva Couceiro, e continuados em várias épocas, de­
monstram à evidência a viabilidade da aclimatação dos euro­
peus nas regiões planálticas. Angola é também, — portanto —, 
uma colónia de povoamento, e muito justamente se lhe chama 
o Brasil d’aquém-Atlântico. 5
5. — Um terceiro ponto, capital para o futuro de Angola, 
tenho de focar em breves palavras: o da Política Indígena.
Os pobres negros de Angola, nos primeiros séculos da 
colonização, eram considerados somente como gado de tra­
balho, tanto para consumo interno, como para exportação. 
As «pessas» — escravos — constituíam a principal mercadoria 
indígena do comércio das feitorias, e tão grande era a impor­
tância deste trato, que ogovernador geral, Barão de Mossâ- 
medes, escrevendo ao Secretário de Estado da Marinha e 'Ul­
tramar, num dos últimos anos do século xviii, procurava 
encarecer a excelência dos seus serviços, alegando o. «grande 
número de escravos que tinham embarcado para S. Tomé», 
e evocava o «testemunho das praças do Brasil». O tema é, 
porém, demasiado odioso, para que deseje insistir nêle. Basta
lembrar, para o meu propósito, que, uma vez abolida a escra­
vatura, o interesse das nações civilizadas pelos negros de 
África não mudou muito de carácter; em vez de «mão de 
obra» para exportação passaram a ser considerados, em todas 
as colónias, como «mão de obra» para serviço das empresas 
locais, quando não sucede serem considerados como indese­
jáveis e nocivos; por exemplo na África do Sul.
6. — Certas influências, todavia, tendem a modificar esta 
atitude. Em primeiro lugar, os sentimentos humanitários e 
religiosos dos povos cristãos (católicos e protestantes); depois, 
o próprio interesse económico das nações colonizadoras, que 
encontram nas populações negras, primeiro um excelente 
mercado para os produtos da indústria europea, depois uma 
reserva preciosa de mão-de-obra, que não é fácil substituir 
pela dos colonos europeus.
Seja dito, contudo, para honra da raça branca e da civili­
zação moderna, que as influências humanitárias tendem a 
sobrelevar as preocupações interesseiras.
Os problemas da educação e do bem estar moral e mate­
rial das raças indígenas constituem hoje uma das maiores 
preocupações e encargos das nações colonizadoras.
7. — Meus Senhores : — Creio ter esboçado, — em largas 
manchas, sem dúvida — um panorama suficientemente com­
preensível da colonização de Angola, no passado, e da evo­
lução que se está operando, ou convém operar, para que 
desta colónia tiremos para nós próprios, e para a humanidade, 
em geral, «os maiores benefícios».
Julgo, por isso, que é tempo de enunciar as bases em que, 
a meu ver, deve assentar a colonização futura.
Enunciá-las-ei sob as três rubricas seguintes:
I. — Produção, agrícola, pecuária e industrial.
II. — Povoamento, entendendo-se por esta palavra, não só
46
47
a fixação da raça branca, como o acréscimo da população 
indígena e a sua fixação em boas terras, que, por várias 
causas (varíola, moléstia do sono e guerras) têm ficado de­
sertas.
III. — Civilização dos indígenas, compreendendo a educação, 
a assistência médica preventiva e curativa, e o aumento do 
seu bem estar moral e material.
8. — Meus Senhores : — Como vêem, — rompendo com a 
tradição —, eu excluí destas bases o «comércio», e atribuí o 
primeiro lugar à «produção», querendo referir-me, evidente­
mente, à produção organizada, porque da espontânea já pouco 
se pode tirar.
Todos os problemas de Angola dependem da produção, 
incluindo o da ordem social, do equilíbrio financeiro, da ba­
lança de pagamentos, do povoamento, do comércio interno e 
externo, e da segurança exterior. Dêle depende também o 
pagamento das dívidas à metrópole, o aumento das expor­
tações desta, e a solução do seu problema cambial.
Como noutro lugar demonstrei, a solução do problema 
monetário de Angola,— a famosa «questão das transferên­
cias»—, também depende do aumento das exportações e da 
fixação, no território angolense, de uma numerosa população 
branca(1).
Organizada a produção, haverá riqueza e trabalho e, por­
tanto, paz social, condição primária de novos progressos. A 
paz e a riqueza criam novos laços entre a metrópole e a sua 
colónia. Esta prender-se-á melhor à metrópole pela comu­
nidade de maiores interêsses, como já lhe está ligada por 
afinidades morais ; e quanto maiores e mais fortes forem estes 
ligamentos, mais difícil e tardia será a separação. E quando 
esta se der, — como é inevitável, no decorrer dos tempos—,
(1) Cf. V. Ferreira, O sistema monetário de Angola. Luanda, 1927.
48
já não será fácil que a nova nação inteiramente se afaste da 
nação-mãe, porque subsistirão os hábitos, a língua, as tra­
dições comuns e grandes interêsses mútuos.
Mas, — dir-me-ão, V. Ex.as—, tudo isso é óbvio e co- 
nhece-o qualquer aprendiz de Sociologia e Económica.
Sem dúvida! Para V. Ex.as êste elogio da «Produção» é 
inteiramente inútil. Mas se alguém me fizesse a observação, 
eu replicar-lhe-ia «que o mundo está cheio de verdades obvias 
que ninguém quere ver», — ou repetir-lhe-ia a também conhe­
cida frase do Barão de Roussado, «que nada mais raro que o 
senso comum»!
Pois vão V. Ex.as para certos meios coloniais influentes 
com esta teoria da produção, oposta ao preconceito das «fei­
torias do comércio», e digam-me o acolhimento que recebem!
9. — Eu queria, porém, chegar a êste outro ponto: — a 
condição essencial da política da produção — e repetimos, 
que ela é a única possível, actualmente?—é a aplicação 
liberal, porém metódica, de capitais à obra de colonização.
I Mas onde encontrar os capitais necessários para uma obra 
dessa envergadura? Não será o mesmo que recomendar 
super-alimentação a um mendigo famélico?
Não desejo embrenhar-me na discussão do «problema dos 
capitais nas colónias»; mas formulo uma proposição que não 
tentarei demonstrar, neste momento.
«Pois que, por desconfiança ou outros motivos, as inicia­
tivas e o dinheiro dos particulares não se aplicam, tanto 
quanto conviria, às empresas coloniais, é indispensável para 
o bem da Nação, no presente e no futuro, que o estado tome 
a iniciativa e o encargo de fazer o que os particulares por 
timidez não ousarem ».
«Mas — dirão V. Ex.as — isso é uma forma socialista, ou 
melhor estadista, de colonização!»
A palavra não me assusta, se ela traduz uma conclusão
49
lógica de permissas certas, e todo o meu trabalho tem con­
sistido, como V. Ex.as porventura terão observado, em esta­
belecer essas permissas (1).
A colonização, que não e' mais do que edificar um país 
novo, prolongamento ou continuação da metrópole, não pode 
ser uma aventura de negociantes; logo, tem de ser uma em­
presa do Estado, porque interessa, sob todos os aspectos, à 
nação colonizadora, como entidade moral.
Eu repito, portanto, insistindo:
— O Estado deve fazer-se povoador, arroteador de ter­
renos, plantador de fazendas, cultivador de cereais, criador 
de gados, e até industrial, se necessário fôr. O que é indis­
pensável é explorar, valorizar e justificar, pelo «maior bene­
fício» que proporcionarmos à civilização, o direito à posse da 
herança colonial.
Mas soceguem V. Ex.as! Não teremos de ficar de tanga 
para encamisar Angola! Eu conheço a índole dos coloniais 
portugueses e dos capitalistas seus comanditários (2).
Assim que o Estado tiver demonstrado, pelas suas pri­
meiras explorações, que estas são rendosas, não faltarão pre­
tendentes, nem capitais, para continuarem as explorações por 
conta própria e aliviarem o Estado desse trabalho e cuidados...
(1) Não se trata, sequer, de uma novidade, quanto à essência, embora 
o seja, porventura, quanto à forma e objectivos. Gomo é do domínio 
público, o Estado, pela Caixa Geral dos Depósitos, tem auxiliado finan­
ceiramente algumas empresas agrícolas das Colónias, e nomeia delegados 
seus para colaborarem na administração.
(2) Em 1927-28 iniciou-se esta política, em Angola, para a limpesa e 
exploração dos cafèsais espontâneos (?) das regiões de Encoje e Uigi. 
O Estado demarcou e fêz limpar por conta própria um certo número 
de plantações, com a intenção de as conceder aos particulares que o re­
queressem, mediante o pagamento das despesas feitas. Apareceram, logo, 
tomadores; mas, com a mudança do Alto Comissário, mudou a orientação 
administrativa e o empreendimento não foi por diante.
50
e dos lucros respectivos! O difícil será moderá-los e incutir-lhes 
prudência e bom senso, e também sofrear o próprio Estado, 
adito por natureza a estancar as fontes de rendimento, à força 
de impostos, alcavalas e vexames.
10. — Meus Senhores: — E também uma verdade banal, 
— mas que dificilmente penetra em certos meios coloniais —, 
que a técnica e a organização científica têmde substituir a 
audácia, a aventura e a esperteza nativa, no exercício de 
todas as formas dei actividade social, quer se trate de ganhar 
batalhas, de arrotear terrenos, de praticar culturas ou de 
exercer o comércio ou a administração pública.
Um par de braços, um espírito arrojado e uma cabeça 
vazia, podem triunfar por acaso; mas certamente serão 
vencidos pela ciência, organização e tenacidade dos con­
correntes.
Na colonização de Angola a técnica e a organização são 
elementos fundamentais de êxito, na época presente, mais do 
que em qualquer outra.
A elaboração e o desenvolvimento sistemático de um plano 
de colonização de Angola, nas bases apontadas, devem cons­
tituir, portanto, uma aplicação particular dêste princípio geral: 
toda a moderna política colonial deve assentar em bases 
científicas.
Pois que está efectuada a ocupação, a segurança é perfeita 
e o acesso a todos os pontos da colónia está assegurado por 
estradas e caminhos de ferro, o estudo científico da colónia, 
iniciado no tempo de Andrade Corvo, deve prosseguir com a 
intensidade e métodos requeridos. A missão dos pioneiros 
da ocupação está, felizmente, terminada. É mais do que 
tempo de fazer avançar o homem de ciência, o técnico e o 
organizador.
Para a execução do plano, a questão do método é tão fun­
damental como a dos recursos, e os recursos devem ser pro-
porcionados à importância do programa que, cientificamente, 
tiver sido delineado.
Grandiosos projectos e parcos recursos é desvario!
Iniciar obras sem pensar na sua utilização é insensatez! 
Delinear um programa e só executar uma parte é inutili­
zá-lo! Infelizmente, de tudo há exemplos em Angola.
Portos e caminhos de ferro; estradas e pontes; fomento 
agrícola e pecuário; indústrias e comércio; moeda e crédito; 
mão de obra, colonização, higiene, ensino, política indí­
gena, finanças, administração, formam um conjunto de pro­
blemas, que, ou são resolvidos harmònicamente e em bases 
científicas, ou são mal resolvidos. Por isso — Meus Se­
nhores : — administrar um país novo, onde os problemas do 
futuro têm igual ou maior importância que os do presente, é 
muito mais difícil, e exige muito mais capacidade, que dirigir 
qualquer ramo da administração pública, numa velha me­
trópole.
B) - A NACIONALIZAÇÃO
II. — As frases correntes: «Angola é a mais portuguesa 
de todas as colónias» e «precisamos nacionalizar Angola», 
traduzem, necessàriamente, um conjunto de sentimentos e 
aspirações, porventura obscuras, formuladas no espírito pú­
blico, mas que os homens de estado, os professores e os 
publicistas têm obrigação de conhecer e analisar, para lhes 
darem forma e traduzirem em actos.
Parece-me que a expressão «nacionalizar» pertence ao 
grupo daquelas, de que fala Vilfredo Pareto, que, por serem 
de conteúdo impreciso, todos repetem, mas sobre as quais cada 
um coloca por detrás um significado diferente, mais ou 
menos nebuloso e cambiante. Vale a pena precisar-lhe o 
significado, tanto mais que no preâmbulo do recente Acto 
Colonial ela é repetida com singular insistência, e parece 
conter a ideia orientadora dêste importante diploma.
51
O que devemos entender por «nacionalização» de uma 
colónia portuguesa(1) ?
Que orientação se deve marcar à política colonial portu­
guesa, para «nacionalizar» Angola? Como pode uma colónia 
portuguesa não estar, ou estar só imperfeitamente nacionali­
zada ?
Um pouco de meditação logo mostra a complexidade das 
questões apresentadas, e a dificuldade de definir o que se deve 
entender por «nacionalizar Angola».
Nacionalização não consiste, evidentemente, em fechar a 
porta às pessoas, coisas, ideias, capitais, actividades e inte­
resses, em geral, que não sejam portugueses, no sentido res­
trito, isto é, oriundos do Portugal continental.
Seria um contrassenso semelhante aspiração, por ser inexe­
quível. Há — e tem de haver, em Angola — comércio, nave­
gação, colonos, missionários, viajantes, e também capitais, 
iniciativas e interesses estrangeiros; pelo menos tem de haver 
os indígenas que não podemos expulsar nem exterminar, antes 
queremos e precisamos manter no território da Colónia. Não 
me parece que, por haver em Angola, como há em Portugal, 
estrangeiros, e empresas, capitais, propriedades e interesses 
de toda a ordem de indivíduos de outras nacionalidades, se 
possa apregoar a desnacionalização de Angola.
Serem o governo e a administração pública da colónia 
exclusivamente portugueses, isto é, exercidos por funcionários 
portugueses? — mas só portugueses da metrópole, ou também 
madeirenses, açoreanos, cabo-verdeanos, angolenses, indianos, 
etc. ?
Ou, então, estará Angola desnacionalizada, porque no qua­
dro do seu funcionalismo figuram alguns técnicos estrangeiros? 
Mas em Portugal também há, — por exemplo professores es-
(1) Excluímos, ab-initio, o significado de «administração pelo Estado 
dos órgãos de produção e trabalho».
52
53
trangeiros em algumas escolas superiores, e parece que sempre 
houve estrangeiros na administração pública portuguesa, desde 
o começo da nacionalidade.
0 próprio «Acto Colonial» de 1930 permite que os estran­
geiros residentes na colónia, há mais de 5 anos, possam fazer 
parte das câmaras municipais, o que definitivamente exclui a 
hipótese de ser a ingerência dos estrangeiros na administração 
da colónia, que a desnacionaliza.
Serem as leis feitas por cidadãos portugueses? E uma 
condição supérflua, porque é a nação soberana que dita a lei, 
e quando outras a ditarem, Angola terá deixado de ser colónia 
portuguesa. Ainda assim o princípio não é absoluto, porquanto 
permitimos — e muito bem—, que os indígenas se rejam pelo 
seu direito consuetudinário, o qual nos é tão estranho que os 
funcionários portugueses têm de o aprender com os negros.
Mais ainda: grande parte da legislação da colónia, com inter­
venção mais ou menos oficial de representantes dos indígenas, 
e certas legislações especiais, como as relativas às missões 
religiosas, ao comércio de armas e de bebidas alcoólicas, e ao 
trabalho dos indígenas, são de inspiração internacional (1).
A «nacionalização» também não pode consistir no uso ex­
clusivo da língua portuguesa, porque, em Angola, não só se 
falam os vários dialectos indígenas, mas aos próprios funcio­
nários portugueses se impõe a obrigação de aprenderem essas 
línguas.
12. — Esvasiada, assim, a palavra de todos os significados 
restritos, parece que a «nacionalização» fica reduzida ao seguinte 
resíduo ou fundo de ideias: assegurar a soberania de Portu­
gal e o «predomínio» da língua, tradições, usos, costumes e, 
sobretudo, dos interesses dos cidadãos portugueses».
(1) Pode acrescentar-se que do modo como se aplicam estas leis se 
dá conta a certos organismos internacionais.
54
A soberania está assegurada, tanto quanto possível, pelo 
direito internacional, e pelas forças materiais e morais da 
nação; não temos de a considerar mais largamente.
O predomínio é, porém, uma questão de medida e não de 
essência; depende do grau de energia que empregarmos em 
opor a nossa vitalidade, a nossa inteligência e as nossas capa­
cidades de adaptação ao meio, de concepção, de organização 
e realização, às qualidades e capacidades paralelas dos nossos 
concorrentes, cidadãos ou súbditos de outras nações.
A nacionalização, neste significado, — que supomos o ver­
dadeiro—, é uma empresa da Nação, e não apenas dos govêr- 
nos, e muito menos dêste ou daquele homem, partido ou grupo 
social. E um acto de concorrência vital, que as leis podem 
apenas, — e só em fraca medida—, facilitar ou contrariar; 
porém, nunca determinar.
Se, a-pesar-de todas as facilidades e preferências concedidas 
aos interêsses portugueses, houver em Angola vinte empresas 
estrangeiras fortes, ao lado de duas ou três empresas portu­
guesas raquíticas; se os capitais estrangeiros subirem a cen­
tenas de milhares de contos, e os capitais portugueses apenas 
a algumas, escassas, dezenas de milhares, é evidente que o 
predomínio pertencerá aos estrangeiros e não aos portugueses.Se as empresas estrangeiras forem bem organizadas, bem 
apetrechadas e bem dirigidas, e as portuguesas não tiverem 
nem organização moderna, nem apetrechamento adequado, 
nem direcção inteligente, aquelas serão prósperas e estas mi­
seráveis; as primeiras terão predomínio económico e até polí­
tico, as segundas serão insignificantes e subalternas. E não 
há govêrno que tenha força, nem legislação que tenha a virtude 
de inverter as posições relativas.
13. — Meus Senhores ! — Alongaria, desmesuradamente, 
esta conferência se me embrenhasse na discussão dos métodos 
empregados e dos que julgo conveniente empregar, para asse­
55
gurar, em Angola, aos cidadãos e aos interêsses portugueses 
as condições mais favoráveis para alcançarem o predomínio 
sobre as pessoas e interêsses estrangeiros.
Limito-me a recordar que esses meios, até hoje, têm con­
sistido principalmente na concessão de preferências e exclusi­
vos: preferências pautais para o comércio e navegação; exclu­
sivos para certas formas de actividade (comércio bancário, por 
exemplo).
Este princípio é legítimo e hoje todas as nações, mais ou 
menos, o aplicam. Aplica-o a França, tradicionalmente protec- 
cionista, e aplica-o a Inglaterra, premida pelas circunstâncias 
económicas da época actual. A França depois da guerra 
de 1914-1918 resolveu «reservar para seu uso exclusivo as 
matérias primas provenientes das suas colónias», e a In­
glaterra adoptou o princípio da «Imperial Preference», em 
virtude do qual são reduzidos os direitos para as mercadorias 
produzidas ou fabricadas em qualquer ponto do Império Bri­
tânico.
O Acto Colonial de 1980 consigna êste princípio nos arti­
gos 34.o e 36.°, dando-lhe foros de matéria constitucional,— 
o que é talvez exagêro—, e atribuindo à metrópole, «sem pre­
juízo da descentralização requerida», o papel de árbitro para 
«assegurar pelas suas decisões a conveniente posição dos inte­
rêsses que devem ser considerados em conjunto nos regimens 
económicos das colónias».
14. — O regimen de preferências e exclusivos não poderá, 
contudo, ir até ao ponto de «fechar a porta» aos interêsses 
estrangeiros. Opõem-se a semelhantes práticas não só q pró­
prio interêsse nacional, como os princípios gerais de colabora­
ção internacional e os tratados e convenções com os países 
estrangeiros. Seria, além disso, contrário ao princípio do 
maior beneficio, e portanto inadmissível em face dos moder­
nos conceitos sobre colonização.
56
15. — A colaboração dos estrangeiros, sobretudo dos vizi­
nhos de Africa, deve, pelo contrário, ser desejada e procurada.
Para o compreender basta lançar os olhos para a carta de 
África. Esta nos mostrará que, do Cabo Lopes (A. O. F.) 
até à cidade do Cabo, os únicos portos susceptíveis de servi­
rem um grande tráfego internacional estão em Angola, e são 
Luanda, Lobito e Mossâmedes, os quais, simultaneamente, são 
testas de caminho de ferro de penetração, e um destes é, tam­
bém, uma grande linha de trânsito internacional.
Dois outros portos podem ainda ser criados, ou, — melhor 
diremos — aproveitados; um na margem esquerda do Zaire; 
outro na Baía dos Tigres (ou em Porto Alexandre), e ambos 
próprios para testas de linhas férreas intercoloniais.
Como se vê, as condições geográficas fazem de Angola a zona 
natural de saída para o mar de uma grande parte do Congo Belga, 
da Rodésia e, porventura, também do antigo Sudoeste Alemão.
Temos não só conveniência, mas também obrigação, de dar 
passagem para aqueles territórios, e podemos dizer que, sob 
o ponto de vista dos nossos interêsses, é uma grata obrigação. 
Oxalá a saibamos cumprir voluntáriamente.
16. — O regimen de protecções ou de preferências tem, 
contudo, êste grave perigo: o de sustar o aperfeiçoamento das 
indústrias protegidas e o de retardar, — e até de comprometer 
gravemente —o desenvolvimento da colonização. Êle é, porém, 
um meio enérgico de nacionalização, e como tal, recomendável, 
desde que não suprima totalmente o excitante da concorrência 
estrangeira, nem tenha como resultado transformar a colónia 
num mercado obrigatório de todos os abortos das fantasias 
industriais da metrópole.
Como sempre, o princípio é bom ou mau, consoante a 
aplicação que dele se faz. A dificuldade consiste em encontrar 
e seguir o justo meio termo.
A preferência dada aos interesses da Metrópole, em An­
gola, é apenas um dos aspectos, — o menos interessante, talvez, 
— da nacionalização de Angola.
O predomínio dos estrangeiros, e portanto a desnacionali­
zação de Angola, pode provir deles serem mais numerosos, 
mais ricos, mais activos e melhor organizados que os portu­
gueses, quer se trate de indivíduos, quer de empresas colecti- 
vas.
A influência segue o dinheiro e o detentor da bolsa é quem, 
na verdade, domina.
A política de nacionalização, portanto, deve ter por objec- 
tivo promover a preponderância dos portugueses como pro­
prietários das terras, como possuidores de capitais, como 
organizadores e administradores de empresas, e, finalmente, 
como elemento demográfico numeroso, activo e culto. E uma 
ilusão perigosa supor que a nacionalização consiste em opor 
sucessivas barreiras, — bem frágeis, aliás—, a tal ou tal intro­
missão dos estrangeiros em pequenos recantos da administra­
ção colonial.
Deixemos que os estrangeiros, melhor preparados, moral 
e materialmente, ocupem os primeiros lugares na economia 
de uma colónia, e veremos o que resultará para o predomínio 
português: — «Estar de arma — e sem gatilho! — ao ombro, 
sobre os muros de uma fortaleza arruinada, com uma alfândega 
e um palácio, onde vegetam maus empregados mal pagos, a 
assistir de braços cruzados ao comércio que estranhos fazem 
e nós não podemos fazer; a esperar todos os dias os ataques 
dos negros, e a ouvir a todas as horas o escárneo e o desdem 
com que falam de nós todos os que viajam em África, — não 
vale, sinceramente, a pena».
A transcrição é de Oliveira Martins (1), e, à parte o êrro de 
considerar o comércio a única forma de exploração colonial, 1
( 1 ) O Brasil e as Colónias Portugueses.
57
58
e não serem esperados ataques do gentio, o quadro pode tor­
nar-se verdadeiro, se continuarmos a olhar muito para as dí­
vidas à metrópole e pouco para a economia de Angola.
Desde há muito que se reconheceu que os indivíduos da 
raça branca, — especialmente os portugueses—, podiam viver 
e reproduzir-se nas terras altas do sul de Angola. O clima 
assemelha-se ao da Europa; as culturas e os gados europeus 
dão-se admiràvelmente nos campos do planalto da Huíla, e 
noutros pontos.
Algumas famílias boers, emigradas da África do Sul esta­
beleceram-se no sul de Angola, na segunda metade do século xix 
e lá se conservaram até há pouco(1). Pensou então o governo
(1) Quando os primeiros grupos de emigrantes boers atravessaram a 
fronteira sul de Angola para se estabelecerem nas terras férteis do pla­
nalto da Huíla, houve grande regozijo em Portugal, por se imaginar que 
recebíamos uma colónia de agricultores, que vinham fundar, em território 
português, um segundo Transvaal. Confundiam-se os boers semi-nómadas 
com os farmers da África do Sul. Na realidade pouco fizeram, durante quási 
meio século de permanência em Angola. Em vez de cultivadores, eram 
caçadores e criadores de gado; a sua agricultura resumiu-se ao estrita­
mente indispensável para o consumo próprio. Quando a ocupação e o 
policiamento do território lhes tornou impossível a vida semi-nómada e 
isolada que levavam, abandonaram o nosso território e voltaram para a 
África do Sul, Os últimos grupos retiraram-se em 1928.
C) A COLONIZAÇÃO BRANCA
18. — Meus Senhores! — Duas palavras apenas sobre êste 
problema. Anda êle tão desfigurado pelas colunas dos jornais 
e salas de conferências, que, a-pesar-das nossas velhas relações, 
olho às vezes para êle sem o reconhecer.
De que se trata?
59
português que conviria instalar, ao lado do elemento estran­
geiro, o elemento demográfico nacional, e proporcionou o es­
tabelecimento, naquela região, de algumas famílias madeiren­

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