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2021 Título: Fundamentos Básicos em Geriatria Editor: Guilherme Melo Projeto gráfico: Bruno Brum Revisor: Bernardo Machado Diagramação: caixadedesign.com Capa: Mateus Machado Conselho Editorial: Caio Vinicius Menezes Nunes, Itaciara Larroza Nunes, Paulo Costa Lima, Sandra de Quadros Uzêda, Silvio José Albergaria da Silva Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Tuxped Serviços Editoriais (São Paulo-SP) S729f Souza, Jonas Gordilho (org). Fundamentos Básicos em Geriatria / Organizadores: Jonas Gordilho Souza e Débora Fontenele Alves.– 1. ed.– Salvador, BA : Editora Sanar, 2021. 512 p.; 16x23 cm. Inclui bibliografia. ISBN 978-65-89822-12-7. 1. Fundamentos Básicos. 2. Geriatria. 3. Medicina. I. Título. II. Assunto. III. Souza, Jonas Gordilho. IV. Alves, Débora Fontenele. CDD 618.97 CDU 616-053.9 ÍNDICE PARA CATÁLOGO SISTEMÁTICO 1. Outros ramos da medicina: Geriatria. 2. Geriatria. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA SOUZA, Jonas Gordilho; ALVES, Débora Fontenele (org.). Fundamentos Básicos em Geriatria. 1. ed. Salvador, BA: Editora Sanar, 2021. Ficha catalográfica elaborada pelo bibliotecário Pedro Anizio Gomes CRB-8 8846 Editora Sanar Ltda. Rua Alceu Amoroso Lima, 172 Caminho das Árvores Edf. Salvador Office e Pool, 3º andar. CEP: 41820-770 – Salvador/BA Telefone: 0800 337 6262 sanarsaude.com atendimento@sanar.com COORDENADORES Jonas Gordilho Souza Foto Jonas_Grayscale.jpg Médico geriatra titulado pela Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG), professor do Departamento de Medicina Interna e Apoio Diagnóstico da Faculdade de Medicina da Bahia da Universidade Federal da Bahia - FMUFBA. Doutor em Ciências Médicas pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Débora Fontenele Alves Foto Débora_Grayscale.jpg Acadêmica de Medicina da Universidade Federal do Ceará - campus Sobral (2017-2023). Presidente da Academia de Medicina Geriátrica e Gerontologia de Sobral (AMG GES), no ano de 2019. AUTORES Adriano Cesar Gordilho Médico geriatra titulado pela SBGG/AMB. Especialista em Gerontologia e Geriatria pela PUC/Porto Alegre. Ex-presidente da SBGG nacional Biênio 2002-2004. Alini Maria Orathes Ponte Silva Médica geriatra com área de atuação em Medicina Paliativa. Pós- graduação em Medicina da Família e Comunidade pela Irmandade da Santa Casa de São Paulo (2007). Pós-graduação em Geriatria pela Universidade de São Paulo - USP (2009). Pós-graduação em Medicina Paliativa pela SBGG/AMB (2017). Médica assistente em Medicina Paliativa no Hospital Universitário Edgard Santos (HC/UFBA) Ana Rebeca Sousa de Freitas Acadêmico de Medicina da Universidade Federal do Ceará - campus Sobral (2018.2- 2024). Membro da Academia de Medicina Geriátrica e Gerontologia de Sobral (AMGGES), no período 2018-2020. Integrante da Liga Interdisciplinar de Saúde Digital (LISD), desde 2019. Andressa Maria Guedes Lemos Acadêmica de Medicina da Universidade Federal do Ceará - campus Sobral (2018-2023). Tesoureira da Academia de Medicina Geriátrica e Gerontologia de Sobral (AMGGES), no ano de 2019. Atila Coelho Botelho Ponte Médico formado pela Universidade de Fortaleza, em 2015, com residência médica em Clínica Médica pelo hospital geral dr. Waldemar Alcântara concluída em 2019, atualmente Residente de Geriatria no Hospital Geral Dr. César Cals pela Universidade de Fortaleza. Cândido Rodrigues Maia Neto Acadêmico de Medicina da Universidade Federal do Ceará - campus Sobral (2018-2023). Membro da Academia de Medicina Geriátrica e Gerontologia de Sobral (AMGGES). Christiane Machado Santana Médica Geriatra especialista pela SBGG. Professora de Geriatria da Faculdade de Medicina da UFBA. Médica Geriatra do Serviço Médico Universitário Rubens Brasil - UFBA. Débora Fontenele Alves Acadêmica de Medicina da Universidade Federal do Ceará - campus Sobral (2017-2023). Monitora de Princípios de Farmacologia e Farmacologia de órgãos e sistemas pelo Programa de Iniciação à Docência (PID), vinculado a Pró Reitoria de Graduação, no ano de 2019; Monitora de Endocrinologia clínica e pelo PID, vinculado a Pró Reitoria de Graduação no ano de 2020. Presidente da Academia de Medicina Geriátrica e Gerontologia de Sobral (AMGGES), no ano de 2019, diretora de marketing da AMGGES em 2020. Edmilson Correia Timbó Médico Graduado pela UFAL (Universidade Federal de Alagoas). Pós- Graduado em Saúde da Família Lato-Sensu. Possui especialização em Geriatria pela Escola de Saúde Pública do Ceará. Francisca Thalía Magalhães Rodrigues Acadêmica de Medicina da Universidade Federal do Ceará - campus Sobral (2017-2023). Monitora de Imunologia Básica pelo Programa de Iniciação à Docência (PID), vinculado à Pró Reitoria de Graduação no ano de 2020. Secretária da Academia de Medicina Geriátrica e Gerontologia de Sobral (AMGGES), no ano de 2019, e Vice- presidente da AMGGES em 2020. Gabriel Costa dos Reis Acadêmico de Medicina da Universidade Federal do Ceará - campus Sobral (2017-2022). Membro da Sociedade Científica de Neurociências de Sobral (2018-2020). Monitor de Semiologia Médica pelo Programa de Iniciação à Docência (PID), vinculado a Pró Reitoria de Graduação, no ano de 2019; Monitor de Fisiologia Médica pelo PID, vinculado a Pró Reitoria de Graduação no ano de 2020. Estagiário da Emergência Adulto pelo Programa de Integração Ensino Serviço (PIES) da Santa Casa de Misericórdia de Sobral no ano de 2021. Gustavo Pessoa Pinto Acadêmico de Medicina da Universidade Federal do Ceará - campus Sobral (2017-2022). Monitor de Atenção Básica à Saúde pelo Programa de Iniciação à Docência (PID), vinculado a Pró Reitoria de Graduação, no ano de 2019; Diretor de Pesquisa da Academia de Medicina Geriátrica e Gerontologia de Sobral (AMGGES), no ano de 2019. Presidente da AMGGES em 2020. Hiroki Shinkai Graduado em Medicina pela Universidade Federal do Pará. Especialista em Geriatria pela Escola de Saúde Pública do Ceará. Médico de Família e Comunidade pela Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade. Mestre em Saúde Pública pela Universidade Federal do Ceará. Professor Assistente na Universidade Federal do Ceará. Professor Adjunto na UNINTA. Ianna Lacerda Sampaio Braga Graduada em Medicina pela Universidade Federal do Ceará (2003). Residência em clínica médica no Hospital Geral Dr. César Cals (HGCC) (2006) e Residência em Geriatria pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) (2009). Titulada pela Associação Médica Brasileira (AMB) em Terapia Intensiva (2012) e Cuidados Paliativos (2016). Doutora em Biotecnologia pela UNIFOR (2018). Médica do Hospital Geral Dr. César Cals (HGCC) e coordenadora da Geriatria/Cuidados Paliativos. Professor Assistente na Universidade de Fortaleza (UNIFOR). Ithaan Barboza da Silva Médico formado pela Universidade Federal do Maranhão (2012- 2017). Residência em Clínica Médica pelo Hospital Geral de Fortaleza (2018-2020). Residente de Geriatria pela Universidade de Fortaleza (2020-2022). Ivna Vasconcelos de Oliveira Acadêmica de Medicina da Universidade Federal do Ceará - campus Sobral (2019-2025). Tesoureira da Academia de Medicina Geriátrica e Gerontologia de Sobral (AMGGES), no ano de 2020. Integrante da Liga de Medicina de Família e Comunidade de Sobral (LIMFACS), por meio da qual realiza estágio voluntário em Centros de Saúde da Família (CSF), desde 2020. Tesoureira do Projeto Interdisciplinar de Abordagem a Sexualidade e Gênero (PIASG), desde 2020. Integrante do corpo docente do projeto Espaço Novo Acadêmico, desde 2019. Izabelle Fraga Gomes Acadêmica de Medicina pela Faculdade de Medicina da Bahia- FMB/UFBA (2017-2023). Bacharela em Saúde pelo Instituto de Humanidades, Artes & Ciências Professor Milton Santos (IHAC) da Universidade Federal da Bahia (UFBA) (2017). Integrante do Projeto de Extensão chamado AbraSUS da FMB/UFBA, desde 2019. Membro e atual diretora de extensão da Liga Acadêmica de Gastroenterologia e Hepatologia da Bahia, desde 2020. Jonas Gordilho Souza Médico geriatra titulado pela Sociedade Brasileira de Geriatriae Gerontologia SBGG. Residência Médica em Geriatria pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP). Doutorado em Ciências Médicas pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Professor adjunto do Departamento de Medicina Interna e Apoio Diagnóstico da Faculdade de Medicina da Bahia da Universidade Federal da Bahia – FMUFBA. Vice-presidente da SBGG seccional Bahia biênio 2021- 2022. Josecy Maria de Souza Peixoto Médica geriatra titulada pela SBGG/AMB. Graduação em Medicina pela Universidade Federal da Bahia (1989). Mestrado em Medicina e Saúde pela Universidade Federal da Bahia (2006). Doutorado em Medicina e Saúde Humana pela EBMSP (2018). Professora assistente da Fundação Bahiana para Desenvolvimento das Ciências e Universidade de Salvador (UNIFACS). Coordenadora da Residência Médica em Geriatria e Gerontologia das Obras Sociais Irmã Dulce. Juliana Borges Casqueiro Fernandes Graduada em medicina pela Faculdade de Medicina da Bahia da Universidade Federal da Bahia (FMB-UFBA). Residência Médica em Geriatria pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP). Médica Geriatra titulado pela SBGG/AMB. Supervisora da Residência de Clínica Médica do Hospital Ana Nery (HAN). Diretora Científica da SBGG seccional Bahia, 2021-2022. Juliana de Araújo Melo Fortes Graduada em medicina pela Faculdade de Medicina da Bahia da Universidade Federal da Bahia (FMB-UFBA). Residência Médica em Geriatria pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP). Médica Geriatra titulada pela SBGG/AMB. Supervisora da Residência de Clínica Médica do Hospital Ana Nery (HAN). Juliana Rodrigues Teixeira Geriatria pela Universidade Federal do Ceará- UFC, pós graduação em Cuidados Paliativos pela Unifor, mestranda em Saúde Coletiva pela Universidade de Fortaleza (Unifor), preceptora da Unifor, membra da equipe de Cuidados Paliativos. Leonardo Brandão de Oliva Médico geriatra titulado pela SBGG/AMB. Residência Médica em Geriatria pela Escola Paulista de Medicina / UNIFESP. Residência Médica em Clínica Médica pela Casa de Saúde Santa Marcelina-SP. Graduado pela Universidade Federal da Bahia. Presidente da SBGG- BA biênios 2016-18 e 2018-20. Lílian Barbosa Ramos Nutricionista pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Mestre em Nutrição Humana aplicada pela Universidade de São Paulo (USP). Doutora em Ciências pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Professora Associada da Escola de Nutrição da UFBA, especialista em Gerontologia pela Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG). Coordenadora do Centro de Estudos e Intervenção na Área do Envelhecimento (Ceiae) da UFBA. Lucas Khun Pereira Prado Médico geriatra titulado pela SBGG/AMB. Residência Médica em Geriatria pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP). Mestrado em Ciências Médicas pela Universidade de São Paulo (USP). Professor assistente da Universidade de Salvador (UNIFACS). Preceptor da Residência de Geriatria das Obras Sociais de Irmã Dulce. Presidente da SBGG secional Bahia biênio 2021-2022. Luisa Castro Souza Médica geriatra titulado pela SBGG/AMB. Residência Médica em Geriatria nas Obras Sociais Irmã Dulce (2018 – 2020). Residência médica em Clínica Médica pelo Hospital Português da Bahia (2016 – 2018). Graduada em Medicina pela Faculdade de Tecnologia e Ciências em 2014. Madeleine Sales de Alencar Médica formada pela Universidade Federal do Ceará (UFC)- 2014. Residência em Clínica Médica pelo Hospital Geral de Fortaleza- 2017. Residência em Geriatria pelo Hospital Universitário Walter Cantídio (UFC)- 2019. Pós- graduação em Cuidados Paliativos e Bioética pela Universidade de Fortaleza- 2021. Mestranda em Fisioterapia e Funcionalidade pela Universidade Federal do Ceará- em curso. Professora do curso de Medicina da Universidade Christus. Manuela Oliveira de Cerqueira Magalhães Médica geriatra titulado pela SBGG/AMB. Residência Médica em Clínica Médica e em Geriatria nas Obras Sociais Irmã Dulce. Mestrado em Medicina e Saúde pela UFBA (2006). Doutorado em Saúde Pública com área de concentração em Epidemiologia pelo ISC-UFBA (2018). Professora assistente de geriatria da Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia e da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública. Médica preceptora da Residência Médica em Geriatria e Gerontologia das Obras Sociais Irmã Dulce. Maria das Graças d’Araujo Senna Assistente Social Graduada pela Universidade Católica do Salvador – 1987. Titulada como Especialista em Gerontologia Social pela Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia - 1993. Pós- Graduada em Gerontologia Social pela Faculdade Olga Mettig. Pós- Graduada em Saúde Mental pela UFBA. Professora da Pós graduação em Gerontologia da Universidade Católica do Salvador - UCsal. Professora da Pós graduação em Gerontologia do Instituto de Desenvolvimento Educacional – IDE. Idealizadora e Coordenadora da Faculdade Livre da Maturidade/São Bento desde 2007. Fundadora e Membro da ANG/Bahia – Associação Nacional de Gerontologia da Bahia e Vice-Diretora Técnico-científica. Sócia fundadora e professora do Curso de Formação para Cuidador de Pessoa Idosa, da GR Consultoria gerontológica desde 2017. Marina Filgueiras Gordilho Caldas Fisioterapeuta pela Universidade Católica de Salvador-Ucsal. Especialista em Reabilitação Gerontológica pela UNIFESP. Presidente da Associação Brasileira de Alzheimer regional Bahia (ABRAz-Ba). Secretaria adjunto da SBGG-BA. Coordenadora técnica do Instituto Longevitat. Márlon Juliano Romero Aliberti Médico geriatra titulado pela SBGG/AMB. Doutor em Ciências Médicas pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Professor da Disciplina de Geriatria do Departamento de Clínica Médica da FMUSP. Professor de Epidemiologia do Programa de Pós-graduação do Hospital Sírio-Libanês São Paulo. Olivia Carla Bonfim Boaventura Especialista em Endocrinologia e Metabologia pela USP e pela SBEM. Titulada pelo Colégio Brasileiro de Radiologia e especialista em DENSITOMETRIA ÓSSEA. Profa. Assistente da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública (EBMSP) e da UNIFACS, Salvador-BA. Preceptora da Residência de Clínica Médica do Hospital São Rafael, Rede D'Or, Salvador-BA. Patrick Gonçalves de Oliveira Acadêmico de Medicina da Universidade Federal do Ceará - campus Sobral (2019-2025). Membro do Núcleo de Pesquisa em Avaliação Neurocognitva e Comportamental (Neurocog), desde 2020. Diretor de marketing da Liga Acadêmica de Cirurgia Plástica de Sobral (LACIPS) no ano de 2019. Secretário da Academia de Medicina Geriátrica e Gerontologia de Sobral (AMGGES), desde 2020. Secretário do Projeto Interdisciplinar de Abordagem a Sexualidade e Gênero (PIASG), desde 2020. Priscila Pinheiro Silvestre Nogueira Possui graduação em Medicina pela Universidade Federal do Ceará (2008), especialização em Saúde da Família pela Universidade Federal do Ceará (2011). Residência em Clínica Médica pela Universidade Federal do Ceará (2012) e Residência em Geriatria pela Universidade de Fortaleza(2019). Rafael de Sousa Bezerra Pinheiro Médico pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Residência em Clínica Médica no Hospital Geral César Cals (HGCC). Residência em Geriatria pela Universidade de Fortaleza (Unifor). Sileno de Queiroz Fortes Filho Médico geriatra titulado pela SBGG/AMB. Residência Médica em Geriatria pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP). Doutorado em Ciências do Aparelho Locomotor pela Universidade de São Paulo (USP). Professor da Universidade do Estado do Amazonas. Simone Lessa Metzger Médica geriatra titulado pela SBGG/AMB. Residência Médica em Geriatria pelas Obras Sociais Irmã Dulce. Residência Médica em Clínica Médica pelo Hospital Sagrada Família. Professora assistente da Universidade Salvador. Professora auxiliar na Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública. Preceptora da Residência Médica de Geriatria nas Obras SociaisIrmã Dulce. Graduação em Medicina pela Universidade Federal da Bahia. Thayná Araújo Freire Graduada em Medicina pela Universidade Federal do Ceará (2014- 2019). Residente de Clínica Medica pela UFC/Santa Casa de Misericórdia de Sobral (2020-2022). Thays Araújo Freire Graduada em Medicina pela Universidade Federal do Ceará (2014- 2019). Residente de Clínica Medica pela UFC/Santa Casa de Misericórdia de Sobral (2020-2022). Wallena Cavalcante Brito Médica formada pela Universidade Federal do Ceará - campus Sobral em 2015. Residência de Clínica Médica pela Universidade Federal do Ceará - Santa Casa de Misericórdia de Sobral 2017-2019. Residência de Geriatria pela Universidade de Fortaleza 2019-2021. Sumário Capítulo 1 Abordagem do idoso: Avaliação Geriátrica Ampla Caso clínico Introdução e epidemiologia Histórico da Geriatria Avaliação Geriátrica Ampla Evidências do uso da AGA Comentários sobre o caso clínico Referências bibliográficas Capítulo 2 Síndrome de fragilidade no idoso Caso clínico Definição Fenótipo de fragilidade Escala de Rockwood Epidemiologia Fisiopatologia Quadro clínico e abordagem diagnóstica Tratamento Medidas não farmacológicas Tratamento medicamentoso Prognóstico Considerações finais Comentários sobre o caso clínico Referências bibliográficas Capítulo 3 Polifarmácia e princípios da prescrição medicamentosa no idoso Caso clínico Introdução Epidemiologia Idosos e o metabolismo dos fármacos Absorção Distribuição Metabolismo Excreção Adesão ao tratamento Reações adversas a medicamentos Uso inadequado de medicações Princípios gerais da prescrição e desprescrição Prognóstico Comentários sobre o caso clínico Referências bibliográficas Capítulo 4 Iatrogenia Caso clínico Definição Epidemiologia Fatores de Risco Classificação Distanásia Prevenção Comentários sobre o caso clínico Referências bibliográficas Capítulo 5 Doença de Alzheimer e outras síndromes demenciais Caso clínico Introdução e epidemiologia Fisiopatologia Quadro clínico Abordagem diagnóstica História clínica Testes para rastreio diagnóstico Testes laboratoriais Neuroimagem Punção lombar Biópsia Tratamento Prevenção Prognóstico Comentários sobre o caso clínico Referências bibliográficas Capítulo 6 Delirium Caso clínico Definição Epidemiologia Fisiopatologia Fatores de risco Quadro clínico Abordagem diagnóstica Prevenção Tratamento Prognóstico Comentários sobre o caso clínico Versão em português do Confusion Assessment Method (CAM)8 Referências bibliográficas Capítulo 7 Depressão Introdução e epidemiologia Fisiopatologia Quadro clínico Abordagem diagnóstica Peculiaridades no diagnóstico da depressão no idoso Tratamento Medidas não farmacológicas Comentários sobre o caso clínico Referências bibliográficas Capítulo 8 Transtornos do movimento Caso clínico Doença de Parkinson Breve histórico e epidemiologia Fisiopatologia Quadro clínico Abordagem diagnóstica Diagnóstico diferencial Tratamento não farmacológico Tratamento farmacológico Terapias cirúrgicas para doença de Parkinson Prognóstico Tremor essencial Comentários sobre o caso clínico Referências bibliográficas Capítulo 9 Instabilidade postural e quedas Caso clínico Definição Epidemiologia Classificação Fatores de Risco Abordagem diagnóstica Prevenção e tratamento Consequências Conclusões Comentários sobre o caso clínico Referências bibliográficas Capítulo 10 Síndrome da imobilização Caso clínico Introdução Definição Epidemiologia Etiologia Quadro clínico e abordagem diagnóstica Complicações da síndrome de imobilização Manejo clínico Prevenção Prognóstico Comentários sobre o caso clínico Referências bibliográficas Capítulo 11 Incontinência urinária Caso clínico Definição Epidemiologia Fisiopatologia Quadro clínico Abordagem diagnóstica Diário de micção Questionários validados Exame Físico Teste de esforço Exames laboratoriais e de imagem Exames urodinâmicos Tratamento não farmacológico Tratamento farmacológico Dispositivos e cirurgia Prognóstico Comentários sobre o caso clínico Referências bibliográficas Capítulo 12 Abordagem social no paciente idoso Caso clínico Introdução Políticas Públicas voltadas ao idoso Relações familiares Insuficiência familiar Institucionalização do idoso Condições sociais Violência contra o idoso Comentários sobre o caso clínico Referências bibliográficas Capítulo 13 Distúrbios do sono em idosos Caso clínico Introdução Fisiologia do sono Insônia Síndrome da Apneia/Hipopneia Obstrutiva do Sono Síndrome das Pernas Inquietas Transtorno comportamental do sono REM Sono e comorbidades Comentários sobre o caso clínico Referências bibliográficas Capítulo 14 Exames de rastreamento no paciente idoso Caso clínico Introdução Rastreio de doenças não oncológicas Rastreio de doenças oncológicas Comentários sobre o caso clínico Referências bibliográficas Capítulo 15 Abordagem do idoso em cuidados paliativos Caso clínico Introdução e conceitos Princípios fundamentais dos cuidados paliativos Conhecendo o paciente geriátrico Principais condições clínicas Indicações de cuidados paliativos Aspectos éticos em cuidados paliativos Diretivas Antecipadas de Vontade (DAV) Comentários sobre o caso clínico Referências bibliográficas Capítulo 16 Hipertensão arterial em idosos Caso clínico Definição e epidemiologia Fisiopatologia Quadro clínico Abordagem diagnóstica Tratamento Prognóstico Comentários sobre o caso clínico Referências bibliográficas Capítulo 17 Diabetes no idoso Caso clínico Introdução e epidemiologia Fisiopatologia Quadro clínico e exame físico Abordagem diagnóstica Metas glicêmicas no idoso Fatores associados à hipoglicemia Tratamento não farmacológico Tratamento farmacológico Acompanhamento Prognóstico Comentários sobre o caso clínico Referências bibliográficas Capítulo 18 Osteoporose Caso clínico Definição Epidemiologia Fisiopatologia Fatores importantes ao crescimento ósseo Quadro clínico e abordagem diagnóstica Tratamento Prognóstico Comentários sobre o caso clínico Referências bibliográficas Capítulo 19 Manejo da perda de peso no idoso Caso clínico Definição Epidemiologia Fisiopatologia Etiologia Abordagem diagnóstica História Exame clínico Exame laboratorial Tratamento Prognóstico Comentários sobre o caso clínico Referência bibliográficas Capítulo 20 Manejo da anemia no idoso Caso clínico Definição Epidemiologia Etiologia Fisiopatologia e classificação Quadro clínico Abordagem diagnóstica Tratamento Prognóstico Comentários sobre o caso clínico Referências bibliográficas PREFÁCIO Este projeto trata-se de uma iniciativa da Academia de Medicina Geriátrica e Gerontologia de Sobral (AMGGES) em parceria com a Sanar e diversos colaboradores. Ele surgiu com o objetivo de fornecer um material didático de qualidade para aqueles que buscam aprimorar seus conhecimentos básicos em geriatria, focando nas particularidades do idoso. Cada tema apresentado foi embasado em casos clínicos fictícios de forma a facilitar o entendimento do leitor, permitindo uma maior proximidade com a rotina do atendimento dos pacientes nessa faixa etária. Durante o desenvolvimento do livro, pudemos contar com a participação de diversos profissionais com ampla experiência clínica e acadêmica nas áreas de geriatria e gerontologia, que, em parceria com os alunos da liga colaboraram com a escrita e revisão de cada capítulo. Portanto, com esse processo, buscamos escrever um livro que possa abranger tanto os estudantes quanto médicos, trazendo uma visão atualizada e prática das rotinas no atendimento ao idoso. Coordenadores Jonas Gordilho Souza e Débora Fontenele Alves 1. ABORDAGEM DO IDOSO: AVALIAÇÃO GERIÁTRICA AMPLA CASO CLÍNICO MCV, sexo feminino, 76 anos, viúva, natural e procedente de Sobral/CE, mora com a irmã, Isabela, 73 anos. Foi conduzida ao departamento de Emergência após ter escorregado no banheiro durante a madrugada. Após a admissão hospitalar, uma fratura de colo de fêmur foi identificada, sendo indicada para a intervenção cirúrgica, de onde, posteriormente, seguiria para a enfermaria, na qual receberiaos cuidados de reabilitação. Isabela relatou que a paciente era independente em suas atividades, controlava seus remédios e o dinheiro, ia à missa todos os domingos e saía para conversar com os amigos na praça diariamente. Há cinco dias começou a ingerir “remédio para dormir”, por conta própria, pois não conseguia dormir à noite, desde o falecimento do marido, há dois meses. Dado o exposto, responda: A. A paciente se beneficiaria da Avaliação Geriátrica Ampla (AGA) antes do procedimento cirúrgico? Por quê? B. Se sim, quais profissionais estão habilitados para conduzir a AGA neste caso? INTRODUÇÃO E EPIDEMIOLOGIA O envelhecimento populacional é um fenômeno que tem sido observado mundialmente, em meio a uma redução das taxas de mortalidade e natalidade.8 44 Em 2050, estima-se que o número global de pessoas idosas alcançará 2,1 bilhões. Dados epidemiológicos da Organização das Nações Unidas (ONU) também demonstram que a população com 60 anos ou mais cresce a uma taxa de 3% ao ano, mais rápido que os grupos etários jovens.45 No Brasil, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) estima que, em 2060, 25% dos habitantes terão 65 anos ou mais, o equivalente a 58,2 milhões de indivíduos. Apesar desse processo de transição demográfica ocorrer universalmente, não é homogêneo, uma vez que sofre influência dos ambientes habitados e das circunstâncias sociais vivenciadas.7 46 51 Diante do aumento global no número de idosos, alguns conceitos precisam ser esclarecidos, a fim de não considerar toda alteração associada ao envelhecimento como algo patológico. Enquanto senescência se refere a um processo fisiológico, que envolve alterações no organismo de um indivíduo — cabelos brancos e pele enrugada, por exemplo —, senilidade compreende processos patológicos que interferem na qualidade de vida e capacidade funcional, ou seja, na independência para realizar atividades diárias (AVDs).13 A autonomia é um outro conceito importante de ser descrito, que está relacionado à capacidade do indivíduo de tomar suas decisões e gerenciar sua vida (cognição). Tendo em vista a heterogeneidade observada entre os idosos, instrumentos destinados para avaliá-los de forma individualizada tornam-se necessários, permitindo assim um atendimento multidimensional e integral. Nesse contexto, a AGA é uma ferramenta fundamental para guiar os processos de diagnóstico e formulação de planos de cuidado.7 HISTÓRICO DA GERIATRIA No início do século XX, o norte-americano Ignatz L. Nascher foi um dos primeiros autores a sugerir uma abordagem médica focada no paciente idoso, recebendo o nome de Geriatria, pela junção das palavras gregas geronto (idoso) e iatro (médico/medicina). No entanto, foi apenas na década de 1930 que a especialidade passou a ganhar visibilidade, quando, no Reino Unido, Marjory Warren elaborou um plano de cuidados e reabilitação individualizado para os pacientes crônicos do Hospital West Middlesex. Antes, esses idosos eram vistos como pacientes enfermos, sem previsão de melhora. No entanto, após a intervenção proposta, muitos deles puderam ser reabilitados e alguns receberam alta para o domicílio. A partir de então, ficou clara a importância de uma abordagem multidisciplinar, individualizada, servindo como pilar para o desenvolvimento da AGA.17 28 41 AVALIAÇÃO GERIÁTRICA AMPLA A AGA é um processo diagnóstico, frequentemente multidisciplinar e sempre multidimensional, cujo objetivo é traçar um plano de cuidados e assistência ao idoso a médio e longo prazo. Inicialmente, são coletados dados sociodemográficos e, em seguida, outros domínios importantes são avaliados, como capacidade funcional, cognição, humor, estado nutricional, equilíbrio, marcha, suporte social, visão e audição. Em diversos serviços, o processo de avaliação multidimensional se dá por um time, que pode ser composto por médico (geriatra), enfermeira, assistente social e outros profissionais — entre eles terapeutas ocupacionais, farmacêuticos, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, educadores físicos, nutricionistas e dentistas.16 Avaliação da Funcionalidade: A capacidade funcional diz respeito ao potencial que os idosos têm para atuar independentemente em suas vidas. Uma vez que a senilidade é um processo que pode culminar com perda funcional, um dos principais objetivos da abordagem geriátrica é preservar ou reduzir essa perda de independência.23 Existem diversas escalas sugeridas para a avaliação de AVDs. No entanto, as mais comumente utilizadas nos serviços de atendimento ao idoso são as escalas de Lawton e Katz, para avaliação de atividades instrumentais e básicas de vida diária, respectivamente.38 39 Quadro 1. Escala de Avaliação Funcional de Atividades Básicas de Vida Diária (Katz). ATIVIDADE INDEPENDENTE Sim Não 1. Banho Não recebe ajuda ou somente recebe ajuda para uma parte do corpo 2. Vestir-se Pega as roupas e se veste sem nenhuma ajuda, exceto para amarrar os sapatos 3. Higiene pessoal Vai ao banheiro, usa o banheiro, veste-se e retorna sem nenhuma ajuda (pode usar andador ou bengala) 4. Transferênci a Consegue deitar na cama, sentar na cadeira e levantar sem ajuda (pode usar andador ou bengala) 5. Continência Controla completamenteurina e fezes �. Alimentação Come sem ajuda (exceto ajuda para cortar carne ou passar manteiga no pão) Escore: 6 pontos (independência para AVDs); 4 pontos (dependência parcial para AVDs); 2 pontos (dependência importante). Adaptado de Katz et al., 1970.35 Quadro 2. Escala de Atividades Instrumentais de Vida Diária (Lawton e Brody). 1. O(a) Sr.(a) consegue usar o telefone? Sem ajuda 3 Com ajuda 2 Não consegue 1 2. O(a) Sr.(a) consegue ir a locais distantes, usando algum transporte sem necessidade de planejamentos especiais? Sem ajuda 3 Com ajuda 2 Não consegue 1 3. O(a) Sr.(a) consegue fazer compras? Sem ajuda 3 Com ajuda 2 Não consegue 1 4. O(a) Sr.(a) consegue preparar suas próprias refeições? Sem ajuda 3 Com ajuda 2 Não consegue 1 5. O(a) Sr.(a) consegue arrumar a casa? Sem ajuda 3 Com ajuda 2 Não consegue 1 �. O(a) Sr.(a) consegue fazer os trabalhos manuais domésticos, como pequenos reparos? Sem ajuda 3 Com ajuda 2 Não consegue 1 7. O(a) Sr.(a) consegue tomar os seus remédios na dose certa e no horário correto? Sem ajuda 3 Com ajuda 2 Não consegue 1 �. O(a) Sr.(a) consegue cuidar de suas finanças? Sem ajuda 3 Com ajuda 2 Não consegue 1 Escore: 9 pontos (totalmente dependente); 10 a 15 pontos (dependência grave); 16 a 20 pontos (dependência moderada); 21 a 25 pontos (dependência leve); 25 a 27 pontos (independência). Adaptado de Lawton et al., 1969.8 Avaliação da Cognição Cognição é definida como o processo que permite aquisição de conhecimento. Entre seus componentes estão inclusos a atenção, raciocínio, memória, juízo, abstração, linguagem, pensamento, percepção, associação.4 47 Existem diversos instrumentos que auxiliam no rastreamento de alterações cognitivas em idosos. A seguir, serão destacados os mais utilizados na rotina diária, a exemplo do miniexame do estado mental (MEEM), Montreal Cognitive Assessment (MoCA) a fluência verbal e teste do desenho do relógio. MEEM É um dos testes de triagem cognitiva mais utilizados mundialmente. Ele avalia diversas funções: orientação temporal, orientação espacial, memória imediata, atenção e cálculo, memória de evocação e linguagem. É importante, no entanto, que os resultados sejam avaliados de forma crítica, levando em consideração a escolaridade de cada indivíduo, além da relação entre os domínios afetados e a provável etiologia da demência. Existem diferentes pontos de corte, corrigidos para o nível educacional, sugeridos na literatura, a exemplo da classificação de Brucki et al. (2003): analfabetos (20); escolaridade de 1 a 4 anos (25); escolaridade de 5 a 8 anos (26,5); escolaridade de 9 a 11 anos (28); escolaridade superior a 11 anos (29) — (Quadro 3).11 Quadro 3. Miniexame do Estado Mental. Orientação temporal (Qual é o... ?) 1. Ano2. Mês 3. Dia do mês 4. Dia da semana 5. Hora 5 pontos Orientação espacial (Onde estamos?) 1. Local específico 2. Local genérico 3. Bairro ou rua próxima 4. Cidade 5. Estado 5 pontos Memória Nomear 3 objetos e pedir para o 3 pontos imediata paciente repetir: “carro, vaso, tijolo”. Atenção e cálculo Pedir para o paciente diminuir 7 de 100 (até 5x). Alternativa: soletrar a palavra mundo na ordem inversa. 5 pontos Memória de evocação Repetir os 3 objetos nomeados antes. 3 pontos Linguagem Mostrar um relógio e uma caneta e pedir para nomear 2 pontos Repetir “nem aqui, nem lá”. 1 ponto Seguir o comando de 3 estágios: “pegue este papel com a mão direita, dobre-o ao meio e coloque-o no chão. 3 pontos Ler, executar a ordem: Feche os olhos. 1 ponto Escrever uma frase. 1 ponto Copiar o desenho 1 ponto Adaptado de Folstein et al., 1975, e Brucki et al., 2003.10 26 MOCA: Trata-se de uma ferramenta de rastreio cognitivo, que se destaca pela sua sensibilidade em identificar indivíduos com Comprometimento Cognitivo Leve (CCL) e estágios iniciais da demência, uma vez que avalia funções como memória, orientação, planejamento, linguagem, praxia e função visuoespacial. Neste teste, um escore acima de 26 é considerado normal. Sua aplicabilidade, no entanto, é mais limitada em indivíduos de baixa escolaridade, como uma grande parte dos idosos em nosso país (Figura 1).27 Figura 1. Montreal Cognitive Assessment. Adaptado de Rosas et al., 2007.53 Fluência verbal: Esse teste é de fácil aplicação, em especial nos indivíduos com baixa escolaridade. Ele avalia a função executiva, a linguagem e a memória semântica, envolvendo a capacidade de gerar o máximo de palavras em 1 minuto. Existem diversas formas de aplicação, entre elas a semântica e a fonêmica. A primeira é relacionada à geração de palavras pertencentes a certa classe semântica, por exemplo à categoria “animal”. Já a fonêmica se dá pela evocação de palavras que começam com certa letra, por exemplo, a F. Para analfabetos, o ponto de corte é 9, já para indivíduos com mais de 8 anos de escolaridade, o ponto de corte é 13. 10, 52 Teste do relógio Trata-se de uma ferramenta de fácil e rápida aplicação, que consiste em solicitar que o paciente desenhe um relógio com números e ponteiros, marcando determinado horário como 11 horas e 10 minutos. No entanto, em alguns pacientes, o seu uso pode ser mais limitado, uma vez que o desempenho no teste depende do grau de escolaridade. Tendo em vista essa limitação, recomenda-se realizar o teste naqueles com escolaridade superior a quatro anos. Além da utilização como ferramenta diagnóstica, o teste do relógio também pode ser útil para acompanhamento da evolução do quadro demencial. Atualmente, existem diversas pontuações sugeridas na literatura, sendo a de Sunderland et al. (1989), uma das mais utilizadas — Quadro 4.3 62 Quadro 4. Pontuação sugerida para o teste do relógio. Avaliação do desenho 10 a 6: Desenho do relógio e números corretos. 10 Ponteiros na posição correta. 9 Distúrbio leve nos ponteiros. 8 Distúrbios mais intensos nos ponteiros. 7 Ponteiros completamente errados. 6 Uso inapropriado dos ponteiros. 5 a 1: Desenho do relógio e números incorretos. 5 Números em ordem inversa ou concentradosem alguma parte do relógio. 4 Distorção da sequência numérica, faltanúmeros ou estão fora dos limites do relógio. 3 Números e mostrador não estãorelacionados. Não há ponteiros. 2 Aparenta ter entendido as instruções, mas o desenho tem vaga semelhança com um relógio. 1 Não tentou ou não conseguiu representar umrelógio. Adaptado de Sunderland T et al., 1989 e Mendes-santos L et al., 2015.42 62 Avaliação do Humor O humor, ou estado de ânimo, é definido como o tônus afetivo do indivíduo, seu estado basal em um determinado momento. Alterações no humor de idosos, por vezes, passam despercebidas por cuidadores, médicos e familiares, levando a um risco de desfechos negativos. Portanto, é crucial que a equipe de saúde realize uma busca ativa desses sintomas, que podem inclusive estar mascarados em queixas somáticas.15 Um instrumento amplamente utilizado e de fácil aplicação é o Geriatric Depression Scale (GDS). Trata-se de um questionário com respostas dicotômicas com 30 questões associadas ao estado de humor, com um ponto de corte de 10 pontos para o diagnóstico de depressão. Existem também versões reduzidas de 15 e 4 itens com pontos de corte de 5 e 1 respectivamente. Essas versões permitem uma aplicação em menor tempo, o que facilita seu uso na prática diária. O GDS também é uma excelente ferramenta para o monitoramento da resposta ao tratamento medicamentoso.2 No Quadro 5 está demonstrada a escala na versão de 15 itens. Quadro 5. Escala de Depressão Geriátrica, versão 15 itens. Você está basicamente satisfeito com sua vida? 0 1 Sim Não Você deixou muitos de seus interesses e atividades? 1 0 Sim Não Você sente que sua vida está vazia? 1 0 Sim Não Você se aborrece com frequência? 1 0 Sim Não Você se sente de bom humor a maior parte do tempo? 0 1 Sim Não Você tem medo de que algum mal 1 0 vá lhe acontecer? Sim Não Você se sente feliz a maior parte do tempo? 0 1 Sim Não Você sente que sua situação não tem saída? 1 0 Sim Não Você prefere ficar em casa a sair e fazer coisas novas? 1 0 Sim Não Você se sente com mais problemas de memória do que a maioria? 1 0 Sim Não Você acha maravilhoso estar vivo? 0 1 Sim Não Você se sente um inútil nas atuais circunstâncias? 1 0 Sim Não Você se sente cheio de energia? 0 1 Sim Não Você acha que sua situação é sem esperança? 1 0 Sim Não Você sente que a maioria das pessoas está melhor do que você? 1 0 Sim Não Total Adaptado de Almeida e Almeida, 1999.2 Avaliação do Risco Nutricional Os idosos compõem um grupo de vulnerabilidade nutricional. A desnutrição, por sua vez, está associada a mortalidade, redução da qualidade de vida e susceptibilidade imunológica a diversas infecções. Investidas para prover uma nutrição adequada a esse grupo encontram alguns problemas, como: dificuldade de definir suas necessidades nutricionais, diminuição da massa corpórea e o declínio energético/metabólico.64 Dentro da abordagem interdisciplinar da AGA, destacamos a importância do nutricionista que, junto com a equipe de saúde, pode utilizar instrumentos que estimem o risco nutricional e auxiliem no plano de intervenção. A medida do Índice de Massa Corpórea (IMC) e a avaliação da circunferência da panturrilha < 31 cm podem ser utilizadas para estimar o estado nutricional e avaliar sarcopenia, por exemplo.7 Desde 1992, a Nutrition Screening Initiative determina que o IMC que o idoso obeso tem é o IMC ≥ 27 Kg/m2.48 Durante a aplicação da AGA é importante realizar um inquérito nutricional, no qual paciente ou acompanhante são questionados sobre histórico alimentar recordatório.64 Além disso, existem ferramentas de rastreio, como a Mini Avaliação Nutricional (MAN), instrumento que tem o objetivo de avaliação do risco nutricional, por meio de um questionário padronizado, composto de duas partes (triagem e avaliação global) — Quadro 6. De acordo com o teste, todos os indivíduos com uma pontuação menor que 11 na triagem devem ser submetidos à segunda parte do questionário, e aqueles com escore abaixo de 14 são considerados desnutridos. 30, 31 Quadro 6. Mini Avaliação Nutricional. TRIAGEM A. O consumo de alimentos diminuiu nos E. Problemas neuropsicológicos: últimos 3 meses devido à perda de apetite, problemas digestivos, dificuldades para mastigar ou deglutir? 0 = diminuição severa da ingesta. 1 = diminuição moderada da ingesta. 2 = sem diminuição da ingesta. 0 = demência ou depressão grave 1 = demência leve 2 = sem problemas psicológicos B. Perda de peso nos últimos 2 meses: 0 = superior a três quilos. 1 = não sabe informar. 2 = entre um e três quilos. 3 = sem perda de peso. F. Índice de massa corpórea (IMC = peso [kg]/estatura [m]2): 0 = IMC <19. 1 = 19 ≤ IMC < 21. 2 = 21 ≤ IMC < 23. 3 = IMC ≥ 23. C. Mobilidade: 0 = restrito ao leito ou à cadeira de rodas. 1 = deambula, mas não é capaz de sair de casa sem ajuda. 2 = deambula normalmente e é capaz de sair de casa sem ajuda. G. Vive independente e não está asilado ou hospitalizado? 0 = não. 1 = sim. D. Passou por algum estresse psicológico ou Escore de triagem (máximo de 14 pontos) doença aguda nos últimos três meses? 0 = sim. 2 = não. ≥12 = normal; desnecessário continuar a avaliação. ≤11 = possibilidade de desnutrição; continuar a avaliação. AVALIAÇÃO GLOBAL H. Utiliza mais de 3 medicamentos por dia? 0= sim. 1= não. M. Quantos copos de líquidos (água, suco, café, chá, leite) o paciente consome por dia? 0,0 = menos de três copos 0,5 = três a cinco copos 1,0 = mais de cinco copos I. Lesões de pele ou escaras? 0 = sim. 1 = não. N. Modo de se alimentar 0 = não é capaz de se alimentar sozinho 1 = alimenta-se sozinho, porém com dificuldade 2 = alimenta-se sozinho sem dificuldade J. Quantas refeições faz por dia? 0 = uma refeição. 1 = duas refeições. O. O paciente acredita ter algum problema nutricional? 2 = três refeições ou mais. 0 = acredita estar desnutrido 1 = não sabe dizer 2 = acredita não ter problema nutricional K. O paciente consome: Pelo menos uma porção diária de leite ou derivados (queijo, iogurte)? ( ) Sim ( ) Não Duas ou mais porções semanais de legumes ou ovos? ( ) Sim ( ) Não Carne, peixe ou aves todos os dias? ( ) Sim ( ) Não P. Em comparação a outras pessoas da mesma idade, como o paciente considera a sua própria saúde? 0,0 = pior 0,5 = não sabe responder 1,0 = igual 2,0 = melhor 0,0 = nenhuma ou uma resposta «sim». 0,5 = duas respostas «sim». 1,0 = três respostas «sim». Q. Circunferência do braço (CB) em cm: 0,0 = CB < 21. 0,5 = 21 ≤ CB ≤ 22. 1,0 = CB > 22. L. O paciente consome duas ou mais porções diárias de frutas ou vegetais? 0 = não. 1 = sim. R. Circunferência da panturrilha (CP) em cm: 0 = CP < 31. 1 = CP ≥ 31. AVALIAÇÃO DO ESTADO NUTRICIONAL: < 17 = DESNUTRIDO. 17 A 23,5 = RISCO DE DESNUTRIÇÃO. ≥ 23,5 = NUTRIDO. Adaptado de Guigoz et al., 1994.30 AVALIAÇÃO DO EQUILÍBRIO E MARCHA No idoso, podem existir fatores intrínsecos que culminam com alteração da marcha e equilíbrio, levando a uma maior propensão ao risco de quedas. É importante que isso seja prevenido, uma vez que pode gerar inúmeras consequências, como fraturas, dependência e redução da qualidade de vida. Nesse contexto, dentro da AGA, existem diversas formas para avaliar esse risco.34 Inicialmente, em toda consulta, o paciente precisa ser questionado ativamente sobre o histórico de quedas, uma vez que isso pode ser um sinal de alarme para futuros eventos. Existem também alguns testes de fácil aplicabilidade que podem ser realizados, como a avaliação da velocidade de marcha e o teste do Get Up and Go. No teste do Get Up and Go o paciente deve se levantar de uma cadeira reta e com um encosto (apoio de aproximadamente 46 cm de altura e braços de 65 cm de altura), caminhar por 3 metros e voltar após girar 180°, retornando para a mesma posição inicial, sentado. Um escore final qualitativo pode ser obtido com uma escala que vai de 1 (normal) a 5 (severamente anormal).40 Outra forma de avaliação do teste é calcular o tempo necessário para o deslocamento, aqui descrito como o Timed Up and Go. Existem também outros testes validados para a avaliação da marcha e equilíbrio, como a escala de Tinetti, que serão descritos com mais detalhes posteriormente, em outro capítulo desta edição. AVALIAÇÃO SENSORIAL A deficiência auditiva/visual, comumente, é desvalorizada pela maioria dos cuidadores e pelos próprios idosos, sendo associada a perdas naturais do envelhecimento. Entretanto, esses deficits podem culminar em dificuldade para execução de atividades diárias básicas, além de interferir na comunicação, fundamental para a vida em comunidade.60 Cabe ao geriatra rastrear alterações visuais e auditivas e, caso seja identificado deficiências, encaminhar para um especialista. VISÃO No idoso, a perda da acuidade visual tem sido associada a risco de quedas, perda de capacidade funcional, isolamento e depressão. Existem, no entanto, possíveis maneiras do médico generalista rastrear essa perda. Inicialmente, deve ser realizada uma avaliação subjetiva, através da anamnese, escutando as queixas do idoso a respeito de dificuldade para enxergar. O médico também pode usar estratégias como perguntar ativamente se tem problemas em atividades cotidianas — como assistir televisão — ou dificuldade para enxergar quando alguém o cumprimenta de longe.7 Uma ferramenta amplamente usada para triagem é o teste de Snellen, que é realizado com o paciente situado a uma distância de cinco metros de um quadro contendo letras do alfabeto. Cada olho é testado separadamente, com ou sem o uso de lentes corretivas. De acordo com o teste, as seguintes pontuações definem alterações: 0,1 - 20/200 (cegueira); 0,5 - 20/40 (perda visual importante); 0,8 (demanda investigação complementar com oftalmologista). O uso alternativo de símbolos como a figura “E” é importante no contexto da avaliação de pacientes de baixa escolaridade, já que costumam ter dificuldades em identificar as letras do alfabeto.33 AUDIÇÃO A perda da audição também está envolvida com a funcionalidade do idoso, podendo contribuir inclusive para um maior isolamento social, depressão e alteração cognitiva. É necessário questionar o paciente sobre dificuldades para escutar, se certificar de estar em um ambiente sem ruídos, falar de forma clara e simples, além de fazer testes objetivos, como o teste do sussurro, que se configura como um bom método de triagem para detecção de presbiacusia.7,36 Para a realização do teste, o avaliador deve se colocar fora do campo visual do participante, a uma distância de 0,6 metros, com o braço estendido tocando em seu ombro. Após a oclusão do ouvido contralateral, são sussurrados uma combinação de três números e letras intercalados. Para aqueles incapazes de repeti-los corretamente, a avaliação deve ser repetida com a utilização de outros três números e outras letras. Em caso de alteração no teste, é necessário avaliar o conduto auditivo, em busca de obstruções, como o cerume e, caso permaneça alterado, o idoso deve ser encaminhado para o otorrinolaringologista.60 63 MULTIMORBIDADES, COMORBIDADES E FERRAMENTAS PROGNÓSTICAS O termo multimorbidade é usado para definir a ocorrência de duas ou mais doenças crônicas em um mesmo indivíduo, ao passo que comorbidade se refere a efeitos somados de outras doenças sobre uma principal. A multimorbidade é comum na população idosa, mas não deve ser um estigma da idade, como propagado. É crucial que o médico atendente valorize as queixas trazidas, pois negligenciar os sintomas apresentados passa a mensagem para o paciente idoso de que todas as alterações são fisiológicas, pertencentes à idade, o que, em muitas das situações, não é verdade.21 Existem diversos instrumentos para avaliação das comorbidades e prognóstico, como o índice de comorbidade de Charlson12, que avalia o risco de mortalidade em um ano, baseado na presença de 19 condições clínicas, com diferentes pesos. Outro instrumento muito utilizado é o Cumulative Illness Rating Scale - Geriatric (CIRS-G), que permite uma estimativa de prognóstico com base em uma pontuação composta de acordo com a gravidade do problema em cada sistema orgânico.50 Apesar da ampla utilização de tais ferramentas, o seu uso ainda é discutido, uma vez que foram desenvolvidos em amostras específicas, o que dificulta a aplicação em populações com características diferentes. Baseado nesse racional, Suemoto61 e Cols desenvolveram um modelo preditivo de mortalidade em dez anos com base em dados obtidos em cinco estudos longitudinais populacionais, inclusive estudos brasileiros. Tal ferramenta se tornou bastante útil na prática clínica, uma vez que leva em consideração a heterogeneidade das populações. Parase obter a pontuação, deve-se inserir diversos dados clínicos em um modelo que calcula a porcentagem de indivíduos com as mesmas características que irão morrer em 10 anos, fornecendo um importante dado para tomadas de decisões na prática do geriatra.9 POLIFARMÁCIA E MEDICAÇÕES POTENCIALMENTE INAPROPRIADAS Polifarmácia pode ser definida como o uso de cinco ou mais medicamentos, ou como a prescrição de um número de medicamentos maior do que o clinicamente indicado.32 43 Tendo em vista a magnitude desse problema entre os idosos, a AGS vem publicando periodicamente os critérios, como os de Beers, que sistematizam três grupos de medicações: 1) drogas potencialmente inapropriadas e classes que devem ser evitadas em idosos; 2) drogas potencialmente inapropriadas e classes que devem ser evitadas em idosos com determinadas doenças, e sintomas que possam ser exacerbados pela droga; 3) drogas que devem ser usadas com cuidado em idosos.24 No Brasil, recentemente foi publicado um consenso brasileiro de medicamentos potencialmente inapropriados para idosos, para auxiliar médicos a avaliarem os medicamentos utilizados por idosos e propiciar escolhas mais apropriadas e com menos efeitos colaterais.49 Com base nesses critérios, é recomendado que o geriatra, durante a consulta, revise todas as medicações utilizadas e indicações para o uso, de forma a buscar as opções mais seguras e adequadas. Um detalhamento maior ao tema será dado no capítulo de princípios de prescrição medicamentosa e polifarmácia. SUPORTE SOCIAL O apoio social é definido como grupo de pessoas com as quais o indivíduo tem algum vínculo. Ele constitui um elemento importante para a manutenção do bem-estar do indivíduo idoso, tendo impacto positivo sobre a aderência às condutas terapêuticas, funcionalidade e diminuição da mortalidade. Para que o médico possa entender toda rede social do indivíduo, é necessário que, durante a consulta, o paciente seja questionado a respeito das pessoas que moram na mesma residência, presença de familiares ou vizinhos que possam dar qualquer tipo de suporte. Muitas vezes nos deparamos com idosos de baixa escolaridade, alteração cognitiva, limitações de comunicação ou motoras, sozinhos em consulta. Isso traz diversas dificuldades, uma vez que pacientes com tais características necessitam de uma rede de apoio.6 18 Em busca de um instrumento capaz de avaliar o apoio social em todas as suas dimensões, Sherbourne CD et al., 1991, desenvolveram o Medical Outcomes Study (MOS), um questionário que avalia cinco aspectos do suporte social — ajuda física, suporte afetivo, emocional, informativo e interação social — por meio de 19 perguntas, com respostas graduadas que variam de 1 (nunca) a 5 (sempre). O escore final fornece um valor entre 0 e 95, sendo que não há ponto de corte proposto na literatura. Tal instrumento também já foi validado no Brasil por Griep et al., 2005, o que permite seu uso em nossa população.22 29 56 Uma outra ferramenta utilizada é o APGAR da família e dos amigos, que representa o seguinte acrônimo da língua inglesa: A, adaptation (adaptação); P, partnership (companherismo); G, growth (desenvolvimento); A, affection (afetividade); R, resolve (capacidade resolutiva). Esse instrumento está demonstrado no Quadro 7.57 58 59 Quadro 7. APGAR da família e dos amigos. Está satisfeito e pode contar com seus familiares (amigos) para resolver seus problemas? 1. Raramente 2. Ocasionalmente 3. Frequentemente Está satisfeito com a forma com que seus familiares (amigos) conversam e compartilham os problemas com você? 1. Raramente 2. Ocasionalmente 3. Frequentemente Está satisfeito com a forma com que seus familiares/amigos acatam e apoiam suas vontades e decisões? 1. Raramente 2. Ocasionalmente 3. Frequentemente Está satisfeito com a forma com que seus familiares/amigos expressam afeição e respondem às suas emoções, como raiva, sentimento de culpa, medo, afeto? 1. Raramente 2. Ocasionalmente 3. Frequentemente Está satisfeito com a forma com que você e seus familiares/amigos compartilham o tempo juntos? 1. Raramente 2. Ocasionalmente 3. Frequentemente Escore: < 3 pontos, acentuada disfunção nas relações familiares e de amizade; 4 a 6 pontos, moderada disfunção nas relações familiares e de amizade; > 6 pontos, disfunção leve ou ausente. Adaptado de Smilkstein et al., 1978.58 EVIDÊNCIAS DO USO DA AGA As evidências atuais têm demonstrado benefícios com o uso da AGA em diversos cenários. Idosos no contexto de internação hospitalar parecem ser aqueles que mais se beneficiam. Em uma revisão da Cochrane, o uso da AGA em pacientes admitidos no hospital esteve associado a um menor tempo de internação hospitalar.19 20 Outro estudo avaliou idosos internados por fratura de fêmur e o impacto do apoio do geriatra, sendo concluído que houve uma redução do tempo de internação hospitalar.5 Em pacientes hospitalizados, a aplicação da AGA foi associada a uma menor perda de independência para AVDs, menor taxa de institucionalização, menor custo na hospitalização, além de reduzir as taxas de readmissão em 30 dias. Importante pontuar que houve aumento da satisfação entre os pacientes, familiares, médicos e enfermeiras com a abordagem. 14 25 37 Já no ambiente ambulatorial, apesar de evidências menos robustas, o uso da AGA parece diminuir o número de internações e teve impacto positivo na sobrevida dos pacientes após dois anos de seguimento.19 20 O benefício foi semelhante com idosos frágeis da comunidade, levando a uma redução da taxa de admissão hospitalar e o risco de readmissão naqueles que receberam alta.54 A evidência mais escassa sobre os benefícios do uso da AGA no ambiente ambulatorial talvez esteja ligado ao fato de ter sido estudada com populações mais heterogêneas, em diferentes ambientes. Parece existir um menor benefício nos indivíduos em extremos de saúde e doença, sendo indicada, principalmente para os idosos com síndromes geriátricas, multimorbidades e utilização mais frequente dos serviços de saúde, risco de fragilização e perda de capacidade funcional.19 20 Um ponto negativo da AGA é o tempo necessário para a sua aplicação, que normalmente dura de uma a duas horas. Visando facilitar sua aplicabilidade, Marlon et al. desenvolveram uma avaliação geriátrica compacta de 10 minutos, que demonstrou boa acurácia diagnóstica, podendo ser uma alternativa à AGA tradicional, principalmente no contexto de limitação de tempo.1 Concluindo, a AGA evoluiu muito desde sua criação. Constantemente, novos estudos são publicados tentando mensurar os impactos da AGA na saúde da população idosa, o que já foi corroborado por outras publicações. Selecionando corretamente os pacientes que se beneficiam, planejando as condutas individuais junto a uma equipe interdisciplinar, os impactos positivos poderão ser maiores. A. A paciente se beneficiaria da Avaliação Geriátrica Ampla antes do procedimento cirúrgico? Por quê? RESPOSTA: Margarida é uma candidata que se beneficiaria do uso da AGA. Isso porque estamos lidando com uma paciente que sofrerá uma queda brusca na sua funcionalidade, às custas de uma fratura de fêmur. Ademais, precisará ser internada para cuidados de reabilitação pós-cirúrgicos. É sabido que um longo período de hospitalização e imobilização aumenta os riscos de desfechos negativos para pacientes, como óbito, perda de funcionalidade e imobilidade. Isto posto, é conhecido que estudos mostram a eficácia da utilização da avaliação multidimensional no contexto hospitalar, reduzindo o tempo de internação e diminuindo a mortalidade. B. Se sim, quais profissionais estão habilitados para conduzir a AGA neste caso? RESPOSTA: Para um melhor cuidado no caso descrito, é imprescindível a elaboração de um plano terapêutico de reabilitação, envolvendo diversos profissionais, compondo um grupo multidisciplinar. Este pode conter o médico, nutricionista, psicólogo, fisioterapeuta, assistente social entre outros. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Aliberti MJR. Avaliação geriátrica compacta de 10minutos: desenvolvimento e validação de um instrumento de rastreio multidimensional breve para idosos. São Paulo. Tese. [Doutorado em Ciências Médicas] - Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo; 2018. Acessado 04 de fevereiro de 2021. 2. Almeida Osvaldo P., Almeida Shirley a. Confiabilidade da versão brasileira da Escala de Depressão em Geriatria (GDS) versão reduzida. Arq. Neuro-Psiquiatr. 1999; 57(2B): 421-426. 3. Atalaia-Silva Kelly Cristina, Lourenço Roberto Alves. Tradução, adaptação e validação de construto do Teste do Relógio aplicado entre idosos no Brasil. Rev. 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SÍNDROME DE FRAGILIDADE NO IDOSO CASO CLÍNICO Paciente do sexo feminino, 72 anos, obesa, portadora de diabetes mellitus tipo 2 há 30 anos, em uso de insulina há 10 anos; tem transtorno de ansiedade, faz uso de escitalopram regularmente e o que mais a incomoda são as dores que sente no joelho, secundárias à ostroartrite avançada. Devido ao quadro álgico de difícil controle, tem estado progressivamente mais restrita nos movimentos, caminha com lentidão e muita dificuldade e precisou deixar de fazer muitas atividades rotineiras como sair para passear no shopping com sua filha e ir para o supermercado, por exemplo. Por ser uma pessoa sempre muito ativa, isso tem causado sintomas depressivos, que se refletem na redução de interesse por atividades prazerosas e redução do apetite, a ponto de ter perdido cerca de 6 kg nos últimos seis meses. O que agora é muito perceptível é que a paciente está cada vez mais restrita, com dificuldade para andar e com menos força, passando a depender de muito mais ajuda de terceiros para realizar atividades básicas da vida diária. Há dois meses, necessitou ser internada para tratamento de uma infecção urinária complicada e, após sete dias restrita ao leito, teve alta hospitalar e foi percebido que agora ela está com muito mais dificuldades em relação à capacidade funcional. Em relação ao peso, mantém IMC de obesidade grau 1, apesar da perda nos últimos meses. Foi orientada a procurar um geriatra, que a encaminhou para outros profissionais, como nutricionista e fisioterapeuta. A. Em relação a esse caso, pode-se suspeitar que essa paciente é frágil? Por quê? B. Quais são as consequências que a fragilidade pode trazer a essa paciente? C. Mesmo considerando a condição de obesidade, perder peso poderá piorar a mobilidade devido à fraqueza muscular. Como você justificaria essa afirmação? D. Quais seriam as melhores estratégias de abordagem diagnóstica e terapêutica nesse caso, na intenção de minimizar as consequências da fragilidade? DEFINIÇÃO A fragilidade constitui um quadro sindrômico que se apresenta, em geral, em pacientes com mais de 65 anos, levando a uma condição de vulnerabilidade que interfere, sobremaneira, na autonomia e na qualidade de vida da pessoa idosa. É uma condição multifatorial, no qual mudanças fisiológicas e relacionadas à senilidade, em diferentes sistemas, levam a alterações homeostáticas significativas a ponto de interferir no equilíbrio do organismo.4 Entre os sistemas e fatores envolvidos na fragilidade, pode-se destacar o envelhecimento celular, alterações no sistema osteomuscular, com destaque para a sarcopenia, no sistema endócrino e no sistema imunológico, resultando em uma apresentação fenotípica considerada característica.25 O idoso considerado frágil vivencia a diminuição gradativa e mais acentuada de suas reservas fisiológicas, quando comparado a um indivíduo não frágil, com aumento do risco de perda da capacidade funcional, além de outros desfechos adversos, como será visto adiante. Há um comprometimento da força muscular, do desempenho locomotor, dificuldade no enfrentamento dos diversos insultos orgânicos aos quais o idoso é suscetível e, com frequência, o comprometimento cognitivo, entre outros aspectos. Conforme proposto por Fried et al., a fragilidade pode ser reconhecida clinicamente por características que compõem um conjunto de sinais e sintomas, conhecidos como o “modelo do fenótipo da fragilidade”. Essas características representam, de alguma maneira, a tradução clínica da vulnerabilidade do indivíduo, cujo organismo reage de forma desproporcional aos estressores aos quais é exposto. O modelo do fenótipo surgiu em 2001, quando Linda Fried e colegas analisaram numa população de idosos, prospectivamente, a relação existente entre determinadas características clínicas hipoteticamente representativas da fragilidade e desfechos, como a incidência de doença, hospitalizações, quedas, perda da capacidade funcional e morte. Os resultados corroboraram a hipótese e os indivíduos com dois ou mais, dentre os cinco sinais propostos (considerados frágeis), apresentaram maior prevalência dos desfechos analisados. Fried e colegas embasaram, desde então, o conceito de fragilidade a partir de uma rede complexa e interligada, descrita como ciclo da fragilidade, exposto na Figura 1 e que será detalhado ao longo deste capítulo.13 A Figura 1 traz o modelo conceitual proposto por Linda Fried, que mostra a fragilidade como uma complexa rede sistêmica de desequilíbrio homeostático. Figura 1. Ciclo da Fragilidade, conforme proposto por Fried et al. 2001 Adaptado de Fried e colegas, 2001.13 Um outro modelo surgiu em 2005, quando Rockwood e colegas, também a partir da análise prospectivade uma dada população em estudo, propõem um outro olhar sobre a compreensão da fragilidade enquanto quadro sindrômico. Nesse estudo, os autores representam a fragilidade não a partir de determinados sinais e sintomas, mas de um conjunto composto por “deficit” que, acumulados, graduariam a vulnerabilidade compreendida no conceito de fragilidade. Quanto maior a soma dos deficit, maior a chance e o grau de fragilidade. Foi classificado como deficit toda e qualquer condição adversa e prevalente em indivíduos idosos e que, consequentemente, seria capaz de levar a perdas e prejuízos à saúde. Esse modelo ficou conhecido como Índice de Fragilidade por Acúmulo de Deficits e veio complementar a proposta de Linda Fried no modelo do fenótipo.24 A seguir, os critérios diagnósticos de cada modelo. FENÓTIPO DE FRAGILIDADE O modelo do fenótipo é representado por cinco características clínicas, que podem ser facilmente identificadas. O paciente será considerado frágil caso sejam identificados três ou mais dos cinco critérios. Se um ou dois dos sinais estiverem presentes, o indivíduo será classificado como pré-frágil.13 Quadro 1. Critérios de fragilidade de Linda Fried (modelo do fenótipo). Perda de peso: não desejada, equivalente a pelo menos 5% do peso corporal ou superior a 4,5 kg no último ano. Sensação de exaustão: relatada pelo próprio paciente. Para mensurar essa queixa, usa-se a escala CES-D. Diminuição da velocidade da marcha: apresentada pela redução de 20% na velocidade de deambulação. A marcha deve ser cronometrada numa determinada distância e a velocidade deverá ser corrigida pelo sexo e altura. Baixo nível de atividade física: estimada pela quantidade de Kcals perdidas semanalmente pelo paciente por meio de atividade física cotidiana ou por meio de exercícios. Redução da força: avalia a força do paciente através da preensão palmar, medida pelo dinamômetro e que deve guardar proporção com o Índice de Massa Corpórea (IMC). Adaptado de Fried et al., 2001.13 ESCALA DE ROCKWOOD O índice de fragilidade por acúmulo de deficit é representado por uma ferramenta em que o paciente é classificado de acordo com o conjunto de deficit que ele apresenta, que basicamente se traduz em funcionalidade. Foram elencadas nove categorias, baseadas no quadro clínico do paciente, em que ele pode ser classificado entre robusto (saudável e não frágil) e em condição de fragilidade terminal, cujo prognóstico traduz a proximidade com a morte.24 Quadro 2. Escala Clínica de Fragilidade (Clinical Frailty Scale). Robusto: indivíduo com um estado geral condizente com sua idade e que se apresenta ativo em relação a suas atividades cotidianas e pratica exercícios regularmente. Saudável: não tem doenças ativas. Porém, não é tão ativo quanto o paciente robusto e pratica exercícios esporadicamente. Controlado: possui comorbidades que estão controladas e tem a prática de atividade física restrita a caminhadas. Vulnerável: possui quadro clínico sintomático, apresenta lentificação da caminhada e cansa em ocasiões do cotidiano. Fragilidade leve: necessita da monitorização de um cuidador em relação a medidas cotidianas, como uso de medicamentos controlados e a deambulação. Fragilidade moderada: necessita dos cuidados de uma outra pessoa para realizar atividades que impõem um maior esforço, como subir escadas, ou até mesmo para deambular, além de requerer cuidados durante o período do sono noturno. Fragilidade severa: significativa limitação da capacidade física e também cognitiva, requerendo ampla ajuda de um cuidador. Nesse caso não há estimativa de morte em curto período de tempo (seis meses). Fragilidade muito severa: diz respeito a uma proximidade maior com a morte, podendo ser ela ocasionada por uma doença adquirida neste momento. Fragilidade terminal: é quando o fim da vida é iminente, em um período de tempo inferior a seis meses. Adaptado de Rockwood et al., 2005.24 Na verdade, o conceito de fragilidade ainda é algo em construção e cada vez mais aproxima-se da ideia de que quanto mais ampla a abordagem ao paciente, maior a precisão diagnóstica. O desafio está em desenvolver um instrumento que seja facilmente aplicável na prática clínica. EPIDEMIOLOGIA Com a transição do perfil populacional nas últimas décadas, a percentagem de indivíduos idosos e muito idosos tem aumentado significativamente. No início do século XX, cerca de 4,1% da população mundial era idosa e apenas 3,2% tinham mais de 85 anos. Na metade do século, cerca de 8% da população era idosa, evoluindo para 12,6% no início do século XXI.12 Essas mudanças demográficas e epidemiológicas refletem, respectivamente, a maior proporção relativa de idosos e o aumento da expectativa de vida. Esses fenômenos se devem à redução da natalidade (levando a menos nascimentos e menor proporção de jovens) e aos avanços em indicadores sociais, junto aos progressos na ciência e na medicina, permitindo maior sobrevida e mais longevidade. Ressalta- se que, nesse cenário, é menor a prevalência de doenças infectocontagiosas em detrimento do aumento das doenças crônicas degenerativas, configurando um quadro no sistema de saúde em que as demandas são tanto maiores quanto contínuas. E é nesse contexto que a síndrome de fragilidade tem apresentado uma importância epidemiológica significativa, atrelado ao avanço da expectativa de vida e ao aumento da prevalência de comorbidades nos indivíduos idosos. Mais recentemente, muito vem sendo estudado sobre síndrome de fragilidade e sua relação com desfechos como quedas, declínio funcional, hospitalização, institucionalização e morte; e os estudos mostram que idosos frágeis têm piores resultados frente a eventos estressores relacionados ao envelhecimento. A prevalência de fragilidade cresce com a idade, de acordo com os dados obtidos do Cardiovascular Health Study que deu origem aos critérios do fenótipo, corroborado com os trabalhos subsequentes.13 Um outro dado importante é que a maioria dos indivíduos pré-frágeis evolui para a condição de fragilidade, ao passo que é rara a conversão de frágil para não frágil. Idosos institucionalizados são mais frágeis, se comparados a idosos da comunidade. Em relação às diferenças quanto a sexo, a fragilidade predomina em mulheres, de acordo com os estudos que analisaram essa variável. Isso deve-se possivelmente ao fato de que mulheres têm menos massa magra, menos força muscular e mais sarcopenia associada a maior risco nutricional. Por outro lado, a mortalidade é maior entre os homens.15 Em 2009, foram analisados dados de um estudo realizado em 10 países europeus, com uma amostragem de 18.227 pessoas, com idades superiores a 50 anos. Entre os idosos com mais de 65 anos, cerca de 42,3% dos entrevistados atendiam a um ou dois critérios de Fried para a fragilidade, sendo classificados como pré-frágeis. Cerca de 17% atendiam a mais de três critérios, sendo classificados como frágeis; entre esses, 21% eram do sexo feminino e 11,9% eram do sexo masculino.18 Em 2012, foi publicada uma revisão sistemática sobre a prevalência de fragilidade em que 21 estudos foram analisados, num total de 61.500 idosos da comunidade. A prevalência variou entre 4% e 59%. No entanto, não foi verificada uniformidade nos parâmetros diagnósticos utilizados, o que explica essa grande variação.6 FISIOPATOLOGIA A síndrome de fragilidade tem fisiopatologia complexa e resulta da perda da homeostase do organismo ao longo do tempo em que o paciente se expõe a fatores de desgaste orgânico, psíquico e social. O estado de fragilidade leva o indivíduo a apresentar uma resposta desproporcional aos estresses aos quais é submetido, gerando um ciclo no qual um fator de exposição leva a outro. Diferentes sistemas estão sabidamente envolvidos no quadro sindrômico, principalmente o osteomuscular, endócrino, imunológico e nervoso.25 A seguir, serão detalhadas as alterações presentes em cada um deles. Sistema muscular A sarcopenia é compreendida como o elemento-chave e principal desencadeante da fragilidade. Elaé definida como diminuição de massa, bem como alterações qualitativas nas fibras musculares. Isso pode resultar em redução de força, com repercussões no desempenho motor, prejudicando a capacidade funcional.4 Nesse contexto, ocorre uma substituição do tecido muscular por tecidos de reparo, como tecido fibrótico, ou por tecido de reserva.9 Entre os tecidos musculares acometidos, o de contração rápida, tipo IIB, é o que sofre maiores perdas via morte celular por apoptose e estresse oxidativo.22 A sarcopenia pode ainda ser classificada em primária e secundária, de acordo com sua etiologia, sendo a primeira relacionada especificamente ao processo de envelhecimento fisiológico e a sarcopenia secundária resultante de quadros clínicos concomitantes. Além das alterações teciduais propriamente ditas, outros fatores podem estar envolvidos e favorecerem o aparecimento e a perpetuação da sarcopenia. A seguir, serão descritos mais detalhadamente. • Sedentarismo: a perda de massa muscular é um processo natural do envelhecimento. Nesse sentido, a falta de prática de exercícios físicos, especialmente os resistidos, interfere de forma negativa na atenuação da perda fisiológica da massa magra, na manutenção da força e da resistência muscular.9 • Ação das citocinas: no desenvolvimento da sarcopenia o papel inflamatório assume relevante importância pela elevação de interleucinas e fatores de lesão celular. Entre os marcadores inflamatórios, os níveis de proteína C-reativa (PCR), de IL-6 e de IL-10 encontram-se aumentados em idosos, além de fatores de necrose tumoral, como o TNF-a. Dessa forma, ocorre uma exacerbação do processo oxidativo e da lesão de tecidos saudáveis pelo sistema imunológico.14 • Deficit nutricional: a ingestão insuficiente de calorias e proteínas pode levar à perda mais acentuada de massa magra no idoso, contribuindo de maneira relevante na gênese e na perpetuação da sarcopenia.9 No contexto do envelhecimento, o equilíbrio nutricional exerce função essencial na homeostase corpórea. A diminuição na ingesta alimentar deve-se, de uma forma global, entre outros fatores, à redução da necessidade de reposição nutricional frente a uma lentificação metabólica, além das frequentes perdas sensoriais, afetando visão, olfato e paladar, e diminuindo a percepção e o prazer em comer. Também são frequentes problemas relacionados à saúde bucal, como dentição precária e/ou ausente. • Alterações endócrinas: com o envelhecimento e a fragilidade podem ocorrer algumas alterações hormonais no organismo, a exemplo da redução nas concentrações do hormônio do crescimento (GH) e o fator de crescimento insulina-símile (IGF-1). Esses hormônios estão relacionados com a regulação das reservas energéticas, estruturais e com a síntese proteica, afetando, desse modo, processos anabólicos. Além desses, a insulina, a vitamina D e o paratormônio também estão envolvidos na manutenção da estrutura muscular e podem sofrer alterações ao longo do desenvolvimento da fragilidade.4 É importante também destacar outras condições que geram desequilíbrios no sistema muscular e contribuem para o quadro sindrômico da fragilidade. Esses quadros estão associados à sarcopenia secundária; a seguir, os mais comuns. • Obesidade sarcopênica: quando ocorre redução da massa muscular e aumento significativo da gordura corporal, sobretudo a visceral, mais comumente associada a quadros de dislipidemia e maior risco de eventos cardiovasculares. Nessas situações, se estabelece um quadro de desequilíbrio orgânico no qual o tecido adiposo em acúmulo contribui para um estado pró-inflamatório intermediado por interleucinas e TNF-alfa que, por sua vez, retroalimenta a sarcopenia, como já exposto acima. Junto a isso, o excesso de peso leva à diminuição da mobilidade, menos atividade física e mais perda de massa muscular por esse motivo.3 • Caquexia: consiste em uma perda grave de tecido muscular associada a processos inflamatórios sistêmicos, devido ao aumento de citocinas inflamatórias em circulação, como as interleucinas. Além disso, pode haver nesses casos desequilíbrios de hormônios regulatórios do apetite, como a grelina e a leptina. Comumente observamos processo de caquexia como consequência de neoplasias avançadas, quando os tumores apresentam alta taxa metabólica, a ponto de consumirem fontes energéticas dos tecidos muscular e adiposo.23 Doenças infecciosas, como a AIDS, também podem cursar com caquexia, assim como patologias que afetam a função pulmonar, como o DPOC. Nesse último caso, a obstrução ao fluxo aéreo leva à hipoxemia crônica em tecidos periféricos, contribuindo para a perda e fragilidade muscular.16 Sistema endócrino Hormônios cuja função é anabólica, como o GH e o IGF-I estão reduzidos na fragilidade. No caso do IGF-1, trata-se de uma molécula produzida principalmente no fígado e tem importante função no anabolismo do tecido muscular estriado, além de atuar na neuroplasticidade. Ademais, existem evidências da relação inversa entre o IGF-I e os mediadores inflamatórios alterados na sarcopenia, que causam danos às células, como as IL6 e o TNF-a. Outros hormônios envolvidos na fragilidade são os hormônios sexuais, cujas alterações ocorrem no eixo hipotálamo-hipófise-gonadal. A testosterona é o hormônio mais estudado e tem relação com o ganho e a manutenção da massa muscular. Estudos têm mostrado uma possível associação entre o sulfato de deidroepiandrosterona (DHEA), em ambos os sexos, com a maior probabilidade de morte entre indivíduos frágeis. Além disso, o deficit de vitamina D está relacionado à fraqueza muscular e à perda de massa muscular em idosos. Níveis séricos muito baixos de vitamina D têm como consequência, entre outros pontos, a desregulação do paratormônio, levando a um aumento da expressão desta molécula. Por conseguinte, há alterações no metabolismo do cálcio, com redução de massa óssea e aumento de nível sérico podendo acarretar, inclusive, desordens cardiovasculares.5 Sistema imunológico No envelhecimento fisiológico do sistema imune, o desequilíbrio da função de defesa associado a uma predisposição ao estado inflamatório constitui um dos mecanismos de dano às próprias células e estruturas, predispondo ao desenvolvimento de infecções oportunistas e defesas imunes muitas vezes erráticas e insuficientes. A esse processo de declínio e comprometimento das funções imunológicas no envelhecimento normal dá-se o nome de imunossenescência.14 No idoso frágil ocorre, entre outros fatores, redução da resposta imune inata, que constitui a defesa prioritariamente oferecida ao organismo. Entre esses mecanismos de defesa primária encontramos a função de barreira, geralmente exercida pela pele e pelos seus anexos. Dessa forma, fatores como a desidratação e a queda da função sebácea, muito comum em pacientes com neuropatia diabética, por exemplo, tornam esse tecido mais propenso a uma perda de continuidade por um trauma mecânico, facilitando, assim, infecções cutâneas que podem ter repercussões sistêmicas. Ademais, as células da imunidade inata também sofrem declínio em suas funções biológicas; entre elas, as células apresentadoras de antígenos, que são essenciais para a ativação da resposta imunológica adaptativa. Além disso, ocorre comprometimento dos neutrófilos, amplamente envolvidos em infecções bacterianas, como determinados tipos de pneumonias, assim como células NK, o que predispõe a proliferação de agentes microbianos, como fungos. A resposta imune inata, mediada por linfócitos T e células B, também apresentam desordens. Em relação às respostas mediadas por linfócitos, tornam-se mais comuns, em idosos, processos autoimunes que levam a lesões de células do próprio organismo, causando assim, declínio das funções orgânicas. Além disso, a resposta contra organismos intracelulares é prejudicada pela diminuição da produção de plasmócitos pelas células B. Em indivíduos frágeis, constata-se uma cronicidade e exacerbação do estado inflamatório basal, com elevação de interleucinas, a exemplo da IL-6, e fatores de necrosetumoral, TNF- α.4 Além de comprometer a resposta imune às infecções, esse processo alimenta o ciclo do acometimento muscular, uma vez que também está presente na fisiopatogenia da sarcopenia, como visto anteriormente.4 14 Sistema nervoso Na fragilidade, a redução da força muscular também se relaciona a alterações juncionais neuromusculares e nos neurônios motores. Além disso, evidências da literatura mostram que pacientes frágeis têm maior acometimento nas áreas da cognição, o que embasa o conceito de “fragilidade cognitiva” e justifica a maior prevalência de síndromes demenciais nesses pacientes.4 Isso pode ser observado no estudo FIBRA, em que idosos frágeis apresentaram menores pontuações no miniexame do estado mental, quando comparados aos pré-frágeis ou normais.10 Na fisiopatologia da perda cognitiva na fragilidade, deve-se ponderar fatores de risco e comprometimento cerebral, como doenças cerebrovasculares. Além disso, causas endócrino-metabólicas, como aumento de níveis de cortisol, parecem guardar relação com a neurodegeneração na região do hipocampo.21 QUADRO CLÍNICO E ABORDAGEM DIAGNÓSTICA A fragilidade é multifatorial, complexa e desafiadora para toda equipe envolvida, incluindo a própria família e cuidadores. Além do mais, representa um contexto de elevado risco para o paciente idoso e um desafio ao sistema de saúde, dada a grande possibilidade desse indivíduo necessitar de tratamentos de longa duração ou de permanência em instituições de cuidados especiais. O reconhecimento do quadro de pré-fragilidade e de fragilidade é tão importante quanto estimar o risco de desenvolvê-la. Conforme já mencionado, a fragilidade dificilmente pode ser revertida e o diagnóstico precoce é essencial, pois possibilita melhores intervenções preventivas e terapêuticas.18 Existem diferentes modelos que vêm sendo utilizados na prática clínica e que, apesar de serem instrumentos não completamente precisos para o diagnóstico, são os que mais se aproximam em acurácia e estimam o grau de fragilidade do indivíduo. Vale ressaltar que as manifestações relacionadas à mobilidade e à função musculoesquelética são as mais representativas e emblemáticas do quadro sindrômico. Em 2013, foi publicado um consenso composto por especialistas que se reuniram em prol de uniformizar os critérios diagnósticos e a abordagem diagnóstica e terapêutica. De acordo com esse consenso, em idosos acima de 70 anos e/ou que tenham apresentado perda maior que 5% do seu peso no último ano por doença crônica recomenda-se o rastreio, ou uma busca ativa pela identificação da fragilidade ou da pré-fragilidade. Isso será importante para o planejamento diagnóstico e terapêutico, para se prever desfechos e estimar o prognóstico, frente a uma condição de base, bem como a abordagem da fragilidade propriamente dita.19 Dentre os instrumentos recomendados, os critérios do modelo do fenótipo, conhecido como modelo de Linda Fried, é um dos mais conhecidos na prática clínica. No entanto, requer instrumental para avaliação: dinamômetro para medida de preensão palmar, espaço físico e tempo para medida de velocidade de marcha. Além disso, não prevê obter informações sobre a etiologia dos problemas apresentados pelo paciente, o que poderia permitir uma abordagem direcionada a um problema específico, sem que necessariamente houvesse a condição de fragilidade como pano de fundo. Por exemplo, perda de peso e marcha mais lenta poderiam significar uma determinada doença, para qual haveria necessidade de procedimentos diagnósticos e terapêuticos específicos.13 A Escala Clínica de Fragilidade foi outro instrumento recomendado, com vantagem de se tratar de uma abordagem mais abrangente, mas que, por sua vez, requer a aplicação da Avaliação Geriátrica Ampla (AGA). Esse tipo de abordagem necessariamente demanda tempo e aplicação de escalas de avaliação funcional para classificar o indivíduo quanto ao grau de dependência.24 Como forma de facilitar o diagnóstico de fragilidade na prática clínica, outros autores sugeriram instrumentos de rastreio mais simples. Ensrud e colegas, com base no “Study of Osteoporotic Fracture” em 2018, desenvolveram escore que consiste em 3 questões: 1) presença de perda ponderal não intencional maior que 5% no último ano; 2) inabilidade para sentar e levantar da cadeira cinco vezes sem apoio; 3) perda de energia, definida pela pergunta: “Você se sente cheio de energia?”. Os indivíduos que apresentarem dois dos três critérios podem ser definidos como idosos frágeis, com acurácia semelhante aos critérios fenotípicos de Linda Fried.10 Outro instrumento de fácil aplicação além das escalas mencionadas acima, baseia-se em um questionário, simples, com perguntas ligadas à mobilidade, força, presença de comorbidades e perda de peso. Trata-se do mnemônico FRAIL, que refere-se aos termos em inglês: fatigue, resistance, aerobic, illnesses, loss of weight. Ele possibilita uma avaliação prática e factível, que pode ser realizada mesmo na ausência do paciente, com informações de terceiros (Quadro 3).18 Quadro 3. Escala FRAIL. Fadiga: “Sente-se fadigado?” Resistência: “Não consegue subir um lance de escadas?” Aeróbico: “Não consegue caminhar um quarteirão?” Doenças (illnesses): “É portador de mais que 5 doenças?” Perda de peso (loss of weight): interrogar se o paciente teve uma perda indesejada de pelo menos 5% do peso corporal nos últimos seis meses. Classificação: ≥ 3, frágil; 1 ou 2, pré-frágil.19 Adaptado de Morley JE et al., 2012.18 Ademais, devido à complexidade e à multiplicidade de acometimentos orgânicos, é necessário estabelecer o diagnóstico diferencial da síndrome de fragilidade. Entre os diagnósticos, o conceito de incapacidade e de comorbidades são os que mais causam dúvidas. A fragilidade constitui um quadro sindrômico multifatorial, de caráter progressivo, no qual as alterações fisiológicas nos diferentes sistemas corporais alteram a homeostase do organismo, causando declínio nas reservas do organismo. Já a incapacidade, em geral, é resultante de um evento agudo que acomete, prioritariamente, a funcionalidade de um determinado órgão ou sistema em específico. O conceito de comorbidade, por outro lado, é a coexistência de duas ou mais doenças. Relaciona-se às chamadas doenças de base (de caráter crônico) que afetam o indivíduo, como diabetes e doenças cardiovasculares, mas que não necessariamente cursam com o desequilíbrio homeostático característico da fragilidade.4 13 TRATAMENTO A abordagem terapêutica da fragilidade segue a perspectiva multifatorial do quadro sindrômico. Estratégias nutricionais e exercícios são os dois principais pilares da abordagem, na intenção de minimizar as consequências de ser frágil. MEDIDAS NÃO FARMACOLÓGICAS Abordagem nutricional Em idosos com fragilidade, sobretudo naqueles que possuem desordens musculares esqueléticas, como a sarcopenia, é interessante e quase sempre necessária a prescrição de dietas de reposição proteica e calórica, com suplementos especiais para essa finalidade. De acordo com uma publicação em 2013, do grupo de estudos PROT-AGE, composto por várias sociedades, recomenda-se maiores quantidades de proteína na dieta de indivíduos idosos, suprindo a perda fisiológica de massa muscular relacionada ao envelhecimento. Nesse mesmo consenso, para idosos portadores de doenças crônicas, o aporte de proteína na dieta deverá ser ainda maior. A única restrição seria a doença renal crônica com clearance de creatinina < 30 mL/min.2 Quadro 4. Recomendações nutricionais do PROT-AGE. Idosos saudáveis A ingesta diária de proteínas deve ser de 1 a 1,2 g/kg de peso por dia. Idosos com doenças agudas e/ou crônicas, exceto doença renal crônica avançada e com clearance de creatinina < 30 ml/min. A ingestão diária deve ser de 1,2 a 1,5 g/kg de peso por dia, podendo chegar a 2 g/kg de peso por dia. Adaptado de Bauer J et al., 2013.2 Exercício físico A prática de exercício físico é de grande importância para a manutenção ou ganho de capacidade funcional de um idoso.Além do mais, é sabidamente importante no controle das doenças cardiovasculares e do diabetes. Na sarcopenia, os exercícios podem ser a arma fundamental tanto na prevenção da perda quanto na recuperação da massa muscular. Em indivíduos frágeis da comunidade e nos idosos institucionalizados, os trabalhos mostram que o exercício melhora a mobilidade, a força muscular e a velocidade de marcha, principalmente através de treinos de resistência e equilíbrio aliados ao exercício aeróbico. Dentre os obesos, os exercícios aeróbicos assumem importância ainda maior. Junto a isso, a prática de exercício físico está positivamente relacionado com a eficiência da terapia nutricional, considerando que a absorção e o anabolismo muscular proporcionado pelo aporte proteico é potencializado pelo exercício.28 29 TRATAMENTO MEDICAMENTOSO Em muitos casos, além dos exercícios e da ingesta proteica, outras medidas podem ser interessantes, mas infelizmente poucas são as evidências em relação à eficácia de medicamentos ou substâncias, como reposições hormonais, por exemplo. Testosterona É comprovado que a reposição de testosterona melhora a massa muscular em homens idosos, mas está indicada em casos de hipogonadismo confirmado por quadro clínico e exames laboratoriais. Os estudos não mostraram benefícios na melhora muscular em pacientes com diagnóstico de fragilidade e sarcopenia, principalmente se considerar como desfecho a redução de quedas e melhora na performance motora.7 Por outro lado, a reposição de testosterona está relacionada a eventos adversos importantes, como acidentes vasculares — maior risco de IAM e AVC, e morte. Além do mais, caso o paciente tenha câncer de próstata in situ ou subclínico, a reposição hormonal poderá fazer com que a doença progrida de forma indesejada. Hormônio do crescimento (GH) A reposição de GH em pacientes idosos sarcopênicos leva ao aumento da massa muscular sem, no entanto, aumentar a força muscular. Em um estudo com 220 idosos que receberam reposição de GH por 27 semanas, os resultados não foram favoráveis em relação ao GH e os indivíduos apresentaram efeitos adversos como edema, síndrome do túnel do carpo, artralgias e alterações glicêmicas. Quando comparado à prática de exercícios físicos, não houve vantagem no uso do GH em pacientes frágeis, não sendo, portanto, indicado como tratamento na fragilidade.1 Deidroepiandrosterona (DHEA) A DHEA está relacionada com a maior expressão de IGF-1 no organismo, auxiliando assim na manutenção do anabolismo muscular, além de regular outros hormônios sexuais envolvidos na homeostase desse tecido. Entretanto, a reposição desse hormônio, de 50 a 100 mg/dia, não apresenta efeitos esperados, tanto em relação ao volume quanto à força muscular, além de causar efeitos colaterais significativos, como resistência à insulina e dislipidemias.7 Inibidores da enzima conversora da angiotensina (IECA) Na década de 1990, um estudo sobre os efeitos do enalapril no músculo esquelético cardíaco provou que essa substância melhora a estrutura e a função bioquímica muscular. Depois disso, a partir da hipótese da ação positiva do IECA no sistema muscular, vieram outras pesquisas; uma delas, em ratos, com a infusão direta de angiotensina II. O resultado foi a atrofia dos músculos estudados, reforçando o provável efeito positivo da inibição dessa substância no organismo, no que se refere à função muscular e da possível vantagem para a população idosa enquanto estratégia no tratamento da sarcopenia e da fragilidade. Contudo, são necessários mais estudos e não há consenso sobre o uso dessa substância com essa finalidade.27 Vitamina D A hipovitaminose D em pacientes idosos está relacionada a quedas, fraturas e mortalidade, secundário à redução da força muscular. Há suficiente evidência para que seja recomendada suplementação de vitamina D nos muito idosos pré-frágeis e frágeis com níveis séricos < 30.20 PROGNÓSTICO A fragilidade, comprovadamente e de acordo com os inúmeros estudos já existentes sobre o tema, está intrinsecamente relacionada aos desfechos mais indesejados para a população idosa: quedas, hospitalizações, mais agravos em situações agudas, iatrogenias, declínio funcional, perda de independência, de autonomia e morte. Uma vez instalada, a fragilidade tende a ser irreversível, o que vale dizer que é uma síndrome de prognóstico adverso, e por isso deve ser essencialmente prevenida, quando não diagnosticada precocemente. Mas a característica de irreversibilidade não deve frustrar a intenção de intervir terapeuticamente, implementando estratégias, principalmente relacionadas ao sistema osteomuscular. CONSIDERAÇÕES FINAIS A fragilidade é uma condição clínica que merece a melhor abordagem possível no diagnóstico, na prevenção e no manejo da condição já instalada. Ela representa ameaça à funcionalidade, à saúde física, à qualidade de vida e tem consequências socioeconômicas tanto no plano individual quanto populacional. É preciso incorporar, na prática clínica, a busca pelo diagnóstico correto e precoce, principalmente naqueles idosos pré-frágeis, na intenção de instituir as medidas corretas para evitar as perdas e consequências que a fragilidade traz para o indivíduo. A. Em relação a esse caso, pode-se suspeitar que essa paciente é frágil? Por quê? RESPOSTA: Sim, essa paciente pode ser considerada portadora da síndrome da fragilidade. Segundo os consensos, há critérios diagnósticos tanto de acordo com o modelo do fenótipo quanto pela escala clínica da fragilidade, como alteração da força, perda de peso não intencional, marcha lenta e dependência em atividades de vida diária. B. Quais são as consequências que a fragilidade pode trazer a essa paciente? RESPOSTA: A fragilidade é resultado de um processo em espiral, que ocorre ao longo de um tempo e que culmina em menor capacidade homeostática por parte do organismo. As principais consequências são agravos de saúde, desfechos indesejados e exacerbados em situações de estresse relativamente pequenos, como uma infecção localizada, por exemplo. Idosos frágeis têm maior risco de morte, de delirium, quedas, hospitalizações etc. C. Mesmo considerando a condição de obesidade, perder peso poderá piorar a mobilidade devido à fraqueza muscular. Como você justificaria essa afirmação? RESPOSTA: A obesidade muitas vezes “esconde” uma redução acentuada de massa muscular, denominada sarcopenia. É sabido que o tecido adiposo, através de mecanismos pró-inflamatórios, cria um cenário orgânico muito propício para a redução de massa muscular e para a menor qualidade e função das fibras musculares. A perda de peso, se não orientada com reposição proteica adequada aliada a exercício físico, poderá, via de regra, levar à redução do tecido muscular, piorando em muito o fator força como um dos determinantes da síndrome da fragilidade. D. Quais seriam as melhores estratégias de abordagem diagnóstica e terapêutica nesse caso, na intenção de minimizar as consequências da fragilidade? RESPOSTA: As medidas mais adequadas a serem adotadas se referem ao trabalho de reabilitação funcional com ênfase em resgate da força e da mobilidade. Em paralelo, a abordagem nutricional é de fundamental importância, com aporte proteico adequado. Aliado a isso, toda a avaliação médica com compensação das comorbidades e tratamento de outras doenças subjacentes deverá ser feita. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Friedlander AL, Butterfield GE, Moynihan S et al. One year of insulin-like growth factor I treatment does not affect bone density, body composition, or psychological measures in postmenopausal women. 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POLIFARMÁCIA E PRINCÍPIOS DA PRESCRIÇÃO MEDICAMENTOSA NO IDOSO CASO CLÍNICO M.S.A, 80 anos, feminino, viúva, natural de Goiás, aposentada, mora com dois filhos e três netos. Portadora de dislipidemia, diabetes mellitus, hipertensão arterial sistêmica há dez anos e hipotireoidismo clínico há um ano, além de depressão há seis anos. Em uso de rosuvastatina 20 mg uma ao dia, metformina 500 mg três vezes ao dia, glibenclamida 5 mg uma vez ao dia, carvedilol 25 mg duas vezes ao dia, levotiroxina sódica 25 mcg uma vez ao dia, amitriptilina 25mg um comprimido à noite. Paciente refere que faz uso de diazepam regularmente, sem prescrição médica, pois não consegue dormir à noite. Relata que faz uso intermitente da levotiroxina porque não consegue acordar cedo para fazer o tratamento em jejum e frequentemente esquece de tomar os remédios à noite. Chega ao consultório com a filha, referindo tontura, dor muscular e solicita que você prescreva alguma medicação que “resolva seus novos problemas”. A. Após analisar o caso clínico, você acredita que deva ser prescrito uma nova medicação de imediato? B. O que deve ser conversado com a paciente em relação ao uso dos medicamentos? C. De acordo com os critérios de BEERS, existe alguma medicação inapropriada na prescrição da paciente? INTRODUÇÃO Diante do cenário mundial de envelhecimento populacional, tem sido observado um crescimento na prevalência de doenças crônicas. Consequentemente, esse fenômeno leva a um aumento no número de pacientes que necessitam fazer uso de múltiplos medicamentos para o tratamento de suas patologias.27 A polifarmácia pode ser definida como o uso de cinco ou mais fármacos, ou como a prescrição de um número de medicamentos maior do que o clinicamente indicado. 11 17 Sabemos que a polifarmácia em idosos tem uma forte associação com reações adversas a medicações (RAM), que podem ocorrer mais nesse grupo, principalmente quando os medicamentos são prescritos de forma inadequada. Além disso, os idosos são mais propícios a sofrer uma condição chamada de cascata medicamentosa, que ocorre quando um medicamento é prescrito para tratamento de evento adverso de outro, levando a um ciclo vicioso com alto potencial de trazer danos.5 16 Por isso que, no cuidado ao idoso, o profissional deve ter um alto grau de suspeição relacionado ao surgimento de novos sintomas e sempre pesquisar possíveis reações adversas como fator etiológico. Este processo está esquematizado na Figura 1. Figura 1. Cascata de prescrição. Dessa forma, entende-se que a prescrição no idoso deve ser realizada sempre com cautela e embasamento científico, levando em consideração individualidades de cada paciente, de forma a evitar possíveis danos. Logo, compreender as ferramentas discutidas neste capítulo será de fundamental importância para as boas práticas de prescrição medicamentosa nesse grupo.2 EPIDEMIOLOGIA Evidências apontam que, entre os indivíduos norte-americanos da comunidade acima de 65 anos, cerca de 40% fazem uso de mais de cinco medicações e aproximadamente 12% usam mais de dez medicações.13 Dados brasileiros do Estudo Saúde, Bem-estar e Envelhecimento (SABE) demonstraram uma prevalência semelhante de 36% de polifarmácia em pacientes idosos.3 Em uma instituição de longa permanência (ILPI) em São Paulo observou-se que 27% das prescrições continham pelo menos um medicamento inapropriado para idosos.1 Nos Estados Unidos, outro estudo concluiu que a prevalência de polifarmácia entre os residentes de uma ILPI foi 40%, entre as classes medicamentosas mais prescritas estavam laxativos, antidepressivos, antipsicóticos eanalgésicos.6 Segundo publicação realizada pela Organização Mundial de Saúde (OMS), 30% das consultas de emergência são derivadas de problemas relacionados ao uso de medicamentos.29 Um estudo conduzido por Passarelli et al mostrou que, de 186 pacientes hospitalizados, 115 (61,8%) apresentaram pelo menos uma reação medicamentosa adversa, sendo essa a causa da hospitalização em 11,3% da população do estudo.22 Em algumas ocasiões, no entanto, a polifarmácia nem sempre é evitável, uma vez que a presença de doenças como diabetes, hipertensão, dislipidemia, osteoartrose e depressão necessitam de múltiplas medicações para seguimento. Entretanto, isso não deve justificar a prescrição irracional de medicamentos sem que haja uma individualização do cuidado. Mira et al. em 2017 constataram que apenas 32,5% dos pacientes eram questionados pelos médicos a respeito das medicações em uso, o que demonstra que em uma boa porcentagem dos pacientes a polifarmácia não é avaliada com a devida importância.18 IDOSOS E O METABOLISMO DOS FÁRMACOS A forma com a qual os fármacos e nosso organismo interage depende dos mecanismos farmacocinéticos e farmacodinâmicos. Ambos são de grande relevância para o idoso, uma vez que cursam alterações em diversas partes desse processo, podendo impactar na resposta ao medicamento, assim como em risco de eventos adversos. É importante destacar também que essas alterações variam entre os indivíduos de acordo com as suas individualidades no processo de senilidade e senescência. A farmacocinética é a forma como o corpo interage com um fármaco. Isso inclui os processos de absorção, distribuição, metabolismo e excreção, que serão descritos a seguir.2 ABSORÇÃO Com o envelhecimento, existem diversas mudanças farmacocinéticas nessa fase, a exemplo da redução na superfície de absorção, aumento do pH gástrico, redução do fluxo sanguíneo esplâncnico na mobilidade gastrointestinal. Felizmente, isso não costuma ter repercussão clínica na grande maioria dos pacientes. No entanto, isso pode ser potencializado naqueles que fazem uso de medicamentos que atuam na motilidade gastrointestinal e que interagem entre si.2 26 DISTRIBUIÇÃO Após ser absorvido, o fármaco é distribuído para a circulação sistêmica. Na população idosa, no entanto, encontramos algumas alterações que afetam esse processo, como: proporção de gordura/massa magra aumentada, redução de água corporal total, diminuição da albumina sérica. Nesse contexto, as medicações hidrofílicas, como a digoxina, podem ter maiores níveis séricos e risco de toxicidade. Por outro lado, as medicações lipossolúveis, como diazepam, têm volume de distribuição aumentado, o que leva a um prolongamento da sua meia-vida. Por fim, a redução da albumina sérica pode levar a um aumento da fração livre de medicamentos que se ligam a proteínas com consequente aumento no risco de toxicidade, a exemplo da varfarina.2 26 METABOLISMO Com o processo de envelhecimento é observado um declínio da fase I, na qual os medicamentos são convertidos em metabólitos ativos ou inativos por meio de reações de oxidação e redução no citocromo P450. No entanto, o metabolismo de fase II, importante para a conjugação dos fármacos, tornando-os mais polares e fáceis de serem eliminados, geralmente não é alterado pela idade.2 EXCREÇÃO Após os 40 anos, a função renal tende a sofrer alterações, ocorrendo uma redução progressiva na filtração glomerular e função tubular. Esse declínio da função renal está associado com uma taxa maior de eventos adversos medicamentosos, mesmo com valores de creatinina sérica normais, considerando a diminuição da massa muscular em idosos.2 No Quadro 1 estão resumidas todas as alterações farmacocinéticas que podem ser observadas com o envelhecimento. Quadro 1. Síntese das alterações farmacocinéticas comumente encontradas em pacientes idosos. Processo Mudança fisiológicano idoso Significância clínica Absorção Superfície absortiva diminuída. Fluxo sanguíneo esplâncnico diminuído. PH gástrico aumentado. Motilidade GI alterada. Pouca mudança na absorção com a idade. Distribuição Água total corporal diminuída. Massa magra diminuída. Concentração aumentada de fármacos que se distribuem em fluidos. Aumento da gordura corporal. Maior meia-vida de fármacos lipossolúveis. Metabolismo Diminuição de albumina sérica. Ligação proteica alterada. Massa hepática reduzida. Redução do fluxo sanguíneo hepático. Diminuição da fase 1 do metabolismo. Aumento da fração livre no plasma de fármacos com alta ligação proteica. Eliminação Redução do fluxo renal. Redução da taxa de filtração glomerular. Diminuição da função tubular. Diminuição da eliminação renal dos fármacos e metabólitos. Sensibilidade tecidual Alterações no número de receptores. Alterações na afinidade dos receptores. Alterações nos segundos mensageiros. Alterações das respostas celulares e nucleares. Pacientes podem ser “mais sensíveis” ou “menos sensíveis” aos fármacos. Adaptado de Beyth et al., 2002.2 Nesta perspectiva, a farmacodinâmica diz respeito a como o fármaco altera o organismo ao interagir com seus receptores em órgãos-alvo. No idoso podem ser observadas alterações farmacodinâmicas, como maior sensibilidade a medicamentos anticolinérgicos, que podem gerar, confusão mental, delirium e agitação. Outra alteração frequentemente observada é a maior sensibilidade a efeitos colaterais antidopaminérgicos de neurolépticos levando a quadros de parkinsonismo. Os receptores b-adrenérgicos também são alterados, sofrendo uma downregulation pela diminuição da atividade pré-sináptica do receptor alfa-2, causando aumento da liberação de noradrenalina.2 5 ADESÃO AO TRATAMENTO A adesão, segundo a OMS, pode ser definida como em até que ponto o comportamento de uma pessoa — tomar medicação, seguir uma dieta, e/ou executar mudanças no estilo de vida — corresponde às recomendações estabelecidas por um profissional de saúde. Dados epidemiológicos demonstram que, nos países desenvolvidos, as taxas de não adesão para o tratamento de doenças crônicas correspondem a cerca de 50%, sendo que esse índice pode ser ainda maior nos países em desenvolvimento.30 Esse é um importante foco de discussão, uma vez que o controle adequado das patologias depende em grande parte dos fatores que envolvem a adesão, como: fatores sociais e econômicos, fatores relacionados à terapia medicamentosa, fatores relacionados ao paciente, fatores relacionados à doença em questão e fatores relacionados ao sistema de saúde. Portanto, entender cada uma dessas dimensões se torna necessário para uma melhor abordagem ao paciente idoso, que muitas vezes pode ter problemas tipo comprometimento cognitivo, baixo alfabetismo em saúde, suporte social inadequado, perda de capacidade funcional e polifarmácia. 30 Na prática clínica, existem diferentes métodos que podem ser utilizados para avaliar a adesão do paciente ao tratamento. Um deles é o método direto, que é realizado por meio de técnicas analíticas, como a identificação de metabólitos ou marcadores químicos. O outro consiste no método indireto, que inclui dados obtidos durante a avaliação clínica, como contar quantos comprimidos o paciente tem na cartela, por exemplo. Apesar desse método indireto ter uma menor sensibilidade, uma vez que os pacientes podem não passar informações de forma adequada, é o mais aplicável na rotina médica, por ser simples e de baixo custo.15 Podemos também classificar a não adesão em diversos tipos: 1) não adesão primária, que ocorre quando a prescrição é realizada, no entanto a medicação não é iniciada ou o tratamento não é completado; 2) desistência, que ocorre quando o paciente decide parar a medicação depois de ter começado, sem consultar o médico; 3) não condizente, que corresponde a um conceito mais amplo que inclui diversas formas nas quais as medicações não são usadas corretamente (pular doses, horários incorretos de uso e doses incorretas). Portanto, monitorar a adesão do paciente durante as consultas de seguimento é essencial.Após identificar possíveis causas de não adesão, a equipe de saúde deve traçar estratégias individualizadas de forma a trazer maiores benefícios para o paciente.30 REAÇÕES ADVERSAS A MEDICAMENTOS Conforme já discutido, as RAM são frequentes na população geriátrica, principalmente quando há polifarmácia e uso inadequado de medicamentos. Existem dois tipos de RAM: as do tipo A ocorrem como resultado de efeitos fisiológicos que são indesejados, sendo mais comuns em idosos, haja vista que resultam da interação do fármaco com as características farmacocinéticas e farmacodinâmicas. Um exemplo seria o uso dos bloqueadores levando a uma síncope. RAM tipo B são menos frequentes e não se relacionam com os alvos fisiológicos do fármaco, a exemplo das reações anafiláticas.9 Prevenir as RAM nem sempre é um processo factível, porque grande parte delas advém de prescrições razoáveis, nas quais os fármacos apresentaram as reações adversas conhecidas e indesejadas, ao interagirem com condições clínicas preexistentes ou com alterações no metabolismo do fármaco. No entanto, o uso de medicamentos de forma prudente, seguindo boas práticas, certamente reduz o risco de RAM no idoso.2 É fundamental avisar o paciente sobre as reações adversas de medicamentos prescritos e realizar monitoramento ativo de possíveis efeitos colaterais durante as consultas. Muitas vezes reações medicamentosas podem ser confundidas como sintomas de uma nova doença, por isso esse entendimento é extremamente importante para se evitar cascatas medicamentosas. USO INADEQUADO DE MEDICAÇÕES Na década de 1990, visando estabelecer critérios para uma melhor tomada de decisões associadas ao uso de fármacos nos idosos, a Sociedade Americana de Geriatria desenvolveu os critérios de Beers, que incluíam três grupos de medicamentos: 1) drogas potencialmente inapropriadas e classes que devem ser evitadas em idosos; 2) drogas potencialmente inapropriadas e classes que devem ser evitadas em idosos com determinadas doenças e sintomas que possam ser exacerbados pela droga; 3) drogas que devem ser usadas com cuidado em idosos (Quadros 2, 3 e 4). Essa ferramenta tem sido amplamente utilizada e tem servido de base para o manejo apropriado de idosos em diversos serviços médicos. Os critérios de Beers também destacam medicamentos com forte efeito anticolinérgico, que podem estar associados a um maior risco de delirium, deficit cognitivo e outras complicações, como xerostomia, constipação e retenção urinária (Quadro 5).8 Quadro 2. Drogas potencialmente inapropriadas e classes que devem ser evitadas em idosos, de acordo com os critérios de Beers 2019. Categorias e fármacos Racional teórico Recomendação Categorias e fármacos Racional teórico Recomendação Anticolinérgicos Anti-histamínicos de primeira geração • Dexclorfeniramina • Difenidramina • Meclizina • Hidroxizina • Prometazina e outros Forte efeito anticolinérgico, clearance reduzido em idades mais avançadas, risco de confusão mental, boca seca, constipação. Evitar uso. Antiparkinsonianos • Triexifenidil • Benzotropina Existem tratamentos mais eficazes para a doença de Parkinson com menos efeitos anticolinérgicos. Evitar uso. Antiespasmódicos • Escopolamina • Atropina • Propantelina Forte efeito anticolinérgico. Evitar uso. Antitrombóticos Dipiridamol de curta duração Risco de hipotensão postural. Evitar uso. Ticlopidina Existem alternativasmais seguras. Evitar uso. Antibióticos Categorias e fármacos Racional teórico Recomendação Nitrofurantoína Risco de toxicidade pulmonar, hepatotoxicidade, neuropatia periférica, principalmente com uso prolongado. Evitar uso em indivíduos com clearance < 30 ml/min. Cardiovascular Bloqueadores alfa-1 periféricos • Doxazosina • Prazosina Risco de hipotensão postural, não é recomendado como anti-hipertensivo, uma vez que existem melhores alternativas. Evitar como anti-hipertensivo. Alfa-agonistas de ação central • Clonidina • Metildopa • Reserpina > 0,1mg/dia Risco de eventos adversos em sistema nervoso central, hipotensão postural, bradicardia. Não deve ser usado de rotina como tratamento de hipertensão. Evitar como anti-hipertensivo de primeira linha. Disopiramida Potente inotrópico negativo, podendo induzir insuficiência cardíaca, forte efeito anticolinérgico. Melhores alternativas disponíveis. Evitar uso. Categorias e fármacos Racional teórico Recomendação Dronedarona Piores desfechos relatados em indivíduos com fibrilação atrial ou insuficiência cardíaca severa. Evitar em indivíduos com fibrilação atrial permanente, insuficiência cardíaca severa com descompensação recente. Digoxina Não deve ser usado como primeira linha em fibrilação atrial, uma vez que existem melhores alternativas, podendo estar associado com maior mortalidade. Efeitos questionáveis na insuficiência cardíaca, podendo levar a aumento de mortalidade em idosos, principalmente quando usado em doses elevadas na presença de insuficiência renal. Evitar como primeira linha em fibrilação atrial e insuficiência cardíaca. Evitar doses maiores que 0,125 mg/dia. Nifedipina de liberação rápida Risco de hipotensão e miocardiopatia isquêmica. Evitar uso. Categorias e fármacos Racional teórico Recomendação Amiodarona Maior toxicidade do que outras medicações utilizadas na fibrilação atrial. Evitar uso como primeira linha na fibrilação atrial crônica, exceto no indivíduo com insuficiência cardíaca ou hipertrofia de ventrículo esquerdo. Drogas com ação em sistema nervoso central Antidepressivos de primeira, tricíclicos e outros • Amitriptilina • Clomipramina • Nortriptilina • Paroxetina Forte efeito anticolinérgico, sedação, hipotensão postural. Evitar uso. Categorias e fármacos Racional teórico Recomendação Antipsicóticos de primeira geração e atípicos Risco de acidente vascular encefálico, declínio cognitivo e mortalidade em indivíduos com demência. Evitar uso, exceto em esquizofrenia, transtorno bipolar e como antiemético durante a quimioterapia. Evitar uso em transtorno comportamental associado à demência, exceto quando houver falha com tratamento não farmacológico e o paciente trazer risco para ele ou terceiros. Barbitúricos Risco de dependência, intoxicação mesmo em doses baixas. Evitar uso. Categorias e fármacos Racional teórico Recomendação Benzodiazepínicos de ação curta e intermediária • Alprazolam • Lorazepam Benzodiazepínicos de ação longa • Clonazepam • Clordiazepóxido • Diazepam • Flurazepam Idosos têm maior sensibilidade com redução do metabolismo. Aumenta o risco de disfunção cognitiva, quedas, fraturas, delirium, acidentes automobilísticos em idosos. Evitar uso. Pode ser apropriado em indivíduos com crises convulsivas, uso como medicação pré- anestésica, distúrbios de ansiedade generalizados, crises de abstinência associadas ao uso de benzodiazepínicos e etanol. Hipnóticos não benzodiazepínicos Zolpidem Efeitos colaterais semelhantes aos benzodiazepínicos em idosos: delirium, deficit cognitivo, quedas. Maior risco de idas à emergência, hospitalização, acidentes automobilísticos. Evitar uso. Hormônios Testosterona Riscos cardíacos, contraindicados em indivíduos com patologias prostáticas. Evitar uso, exceto em casos de hipogonadismo confirmado com sintomas clínicos. Categorias e fármacos Racional teórico Recomendação Estrógenos com ou sem progestágenos Potencial carcinogênico para mama e endométrio. Ausência de efeito cardioprotetor e proteção cognitiva em mulheres idosas. Evitar uso de reposição oral e adesivo. Uso tópico vaginal é aceitável para tratamento de dispareunia, infecção urinária baixa e secura vaginal. Hormônio de crescimento Efeito sobre a composição corporal é pequeno e está associado a efeitos colaterais como: edema, artralgia, síndrome do túnel do carpo, ginecomastia e alteração glicêmica. Evitar uso, exceto em casos de reposição hormonal após ressecção da pituitária. Insulina em doses variáveis Alto risco de hipoglicemia. Evitar uso, principalmente a utilizaçãoisolada de insulina de ação rápida para corrigir hiperglicemia, na ausência de insulina basal. Megestrol Efeito mínimo no peso, com maior risco de eventos trombóticos e morte em idosos. Evitar uso. Categorias e fármacos Racional teórico Recomendação Sulfonilureias de longa duração • Clorpropamida • Glibenclamida • Glimeperida Risco de hipoglicemia em idoso. Risco de secreção inapropriada do hormônio antidiurético com clorpropamida. Evitar uso. Sistema gastrointestinal Metoclopramida Risco de efeitos extrapiramidais, discinesia tardia, quedas. Evitar uso, exceto em casos de gastroparesia. Óleo mineral Risco de pneumonite aspirativa. Existem outras alternativas mais seguras. Evitar uso. Inibidor de bomba de prótons Risco de infecção por Clostridium difficile, perda de massa óssea e risco de fraturas. Evitar uso por mais de oito semanas, exceto em paciente de alto risco: uso crônico de corticoides, anti- inflamatórios não hormonais, esofagite erosiva, esófago de Barrett, hipersecreção gástrica, falha do controle de sintomas após descontinuação. Categorias e fármacos Racional teórico Recomendação Analgésicos Meperidina Baixa eficácia em doses comumente usadas para uso oral, alto risco de neurotoxicidade e delirium. Existem alternativas mais eficazes e seguras. Evitar uso, especialmente em indivíduos com doença renal crônica. Anti-inflamatórios não hormonais • Aspirina > 325 mg/dia • Diclofenaco • Ibuprofeno • Ácido mefenâmico • Meloxicam • Naproxeno • Piroxicam • Indometacina Sangramento digestivo e úlcera péptica, com maior risco nos seguintes indivíduos: idade acima de 75 anos, uso de corticoide, antiagregantes plaquetários e anticoagulantes. O uso de inibidor de bomba de prótons e misoprostol de prótons reduz o risco, porém não elimina. Indometacina tem maior risco de efeitos adversos no sistema nervoso central, lesão renal, sangramento digestivo e úlcera péptica. Evitar uso, exceto quando outras alternativas forem ineficazes e se o paciente fizer uso de protetor gástrico. Categorias e fármacos Racional teórico Recomendação Relaxantes musculares • Carisoprodol • Ciclobenzaprina Baixa tolerância em idosos por efeitos anticolinérgicos, sedação e risco de fraturas. Evitar uso. Adaptado de Fick DM et al, 2019.8 Quadro 3. Drogas potencialmente inapropriadas e classes que devem ser evitadas em idosos com determinadas doenças e sintomas que possam ser exacerbados pela droga, de acordo como os critérios de Beers 2019. Doença ou síndrome Medicações ou classes de fármacos Racional Recomendação Cardiovascular Doença ou síndrome Medicações ou classes de fármacos Racional Recomendação Insuficiência cardíaca • Anti-inflamatórios não hormonais e inibidores da COX- 2. • Bloqueadores do canal de cálcio não diidropiridínicos (verapamil e diltiazem). Evitar apenas se fração de ejeção baixa. • Tiazolidinedionas (pioglitazona, rosiglitazona) • Cilostazol • Dronedarona Risco de retenção hídrica e piora clínica. Evitar uso. Síncope • Inibidores da acetilcolinesterase • Bloqueadores alfa-1 periféricos (doxazosina, prazosina). • Antidepressivos tricíclicos. • Clorpromazina. • Tioridazina. • Olanzapina. Risco de hipotensão postural e bradicardia. Evitar uso. Doença ou síndrome Medicações ou classes de fármacos Racional Recomendação Sistema nervoso central Delirium • Anticolinérgicos. • Antipsicóticos. • Benzodiazepínicos. • Corticosteroides. • Antagonistas H2 (ranitidina, cimetidina, famotidina). • Meperidina. • Hipnóticos sedativos. Maior risco de delirium em idosos com fatores predisponentes. Antipsicóticos estão associados com maior risco de doença cerebrovascular em idosos com demência. Evitar uso. Os antipsicóticos atípicos só devem ser usados no transtorno comportamental associado à demência quando houver falha com tratamento não farmacológico e o paciente trazer risco para ele ou terceiros. Demência e disfunção cognitiva • Anticolinérgicos. • Benzodiazepínicos. • Hipnóticos não benzodiazepínicos. • Antipsicóticos. Podem levar a uma piora cognitiva. Antipsicóticos estão associados com maior risco de doença cerebrovascular em idosos com demência. Evitar uso. Os antipsicóticos atípicos só devem ser usados no transtorno comportamental associado à demência quando houver falha com tratamento não farmacológico e o paciente trazer risco para ele ou terceiros. Doença ou síndrome Medicações ou classes de fármacos Racional Recomendação Quedas e fraturas • Anticonvulsivantes. • Antipsicóticos. • Benzodiazepínicos. • Hipnóticos não benzodiazepínicos. • Antidepressivos tricíclicos. • Inibidores de recaptação da serotonina. • Inibidores de recaptação da serotonina e noradrenalina. • Opioides. Risco de ataxia, piora locomotora. Evitar uso, exceto em casos de alternativas mais seguras não disponíveis. Evitar anticonvulsivantes, exceto em casos de convulsão ou alteração de humor. Parkinson • Todos os antipsicóticos exceto quetiapina, clozapina e pimavanserina. • Metoclopramida. • Prometazina. Antagonistas dopaminérgicos podem piorar sintomas. Evitar uso. Sistema gastrintestinal Doença ou síndrome Medicações ou classes de fármacos Racional Recomendação História de úlcera gástrica ou duodenal • AAS > 325 mg/dia. • Anti-inflamatórios não hormonais (COX 1). Risco de piora da úlcera ou aparecimento de novas. Evitar uso, exceto quando outras alternativas forem ineficazes e se o paciente fizer uso de protetor gástrico. Sistema geniturinário Doença renal crônica estágio 4 ou clearance < 30 ml/min • Anti-inflamatórios não hormonais. Risco de piora da função renal. Evitar uso. Incontinência urinária em mulheres Estrógenos orais e transdérmicos (exceto de uso vaginal). Bloqueadores alfa-1 periféricos (doxazosina, prazosina). Risco de eventos adversos. Evitar uso. Sintomas urinários ligados a prostatismo Drogas com efeito anticolinérgico forte, exceto antimuscarínicos para incontinência urinária. Risco de piora do fluxo urinário. Evitar uso em homens. Adaptado de Fick DM et al, 2019.8 Quadro 4. Drogas que devem ser usadas com cuidado em idosos, de acordo com os critérios de Beers 2019. Fármacos Racional teórico Recomendação • Aspirina para prevenção primária de doença cardiovascular e câncer colorretal Maior risco de sangramento em idosos. Evidências inconclusivas quanto aos benefícios para prevenção primária. Usar com cuidado em pacientes com idade maior ou igual a 70 anos • Dabigatrana • Rivaroxabana Risco de sangramento gastrointestinal, comparado à varfarina, em uso prolongado em idosos acima de 75 anos. Usar com cuidado no tratamento de fibrilação atrial e tromboembolismo venoso em pacientes com idade maior ou igual a 75 anos. • Prasugrel Risco de sangramento em idosos. • Antipsicóticos • Carbamazepina • Diuréticos • Mirtazapina • Oxcarbazepina • Antidepressivos tricíclicos • Inibidores de receptação da serotonina • Inibidores de receptação de Risco de síndrome da secreção inapropriada do hormônio antidiurético, com hiponatremia. Usar com cuidado em pacientes com idade maior ou igual a 75 anos. serotonina e noradrenalina • Tramadol • Sulfametoxazol e trimetoprima Risco de hipercalemia quando usado em associação com inibidor da ECA e antagonistas do receptor da angiotensina 2. Usar com cuidado em pacientes com redução da taxa de filtração glomerular. Adaptado de Fick DM et al., 2019.8 Quadro 5. Drogas com forte efeito anticolinérgico. Antiarrítmico — disopiramida Antidepressivos — amitriptilina, clomipramina, imipramina, nortriptilina, paroxetina. Antieméticos — prometazina. Anti-histamínicos de primeira geração — ciproeptadina (Cobavital), bronfeniramina (Descongex), carbinoxamina (Coristina), clemastina (Agasten), dexbronfeniramina, dexclorfeniramina (Polaramine), dimenidinato (Dramin), difenidramina (Difenidrin), doxilamina (Hitus), hidroxizina, meclizina. Clordiazepóxido Escopolamina. Propantelina. Antimuscarínicos — darifenacina,solifenacina, oxibutinina, tolterodina. Antiparkinsonianos. Antipisicóticos — clorpromazina (Amplictil), clozapina, tioridazina (Melleril), trifluoperazina (Stelazine). Antiespasmódicos — atropina (excluindo oftalmológico), belladonna, escopolamina. Relaxantes musculares — ciclobenzaprina. Adaptado de Fick DM et al, 2019.8 Além dos critérios de Beers, existem outras diretrizes que buscam guiar boas práticas de prescrição nos idosos. Entre eles destacamos o Screening Tool of Older Person’s Prescriptions (STOPP) e Screening Tool to Alert doctors to Right Treatment (START), que avaliam medicações que devem ser evitadas em idosos e medicações que não podem deixar de ser prescritas em determinadas condições clínicas, respectivamente. Os critérios de STOPP incluem 65 itens que são subdivididos em sistemas fisiológicos, de forma que a visualização dos critérios é simplificada. Isso faz com que esses critérios sejam amplamente utilizados e venham ganhando destaque. De igual forma, os critérios de START são representados por 22 itens, também divididos em sistemas fisiológicos.10 23 No Brasil, em 2017, foi publicado pela Geriatrics, Gerontology and Aging, o Consenso Brasileiro de Medicamentos Inapropriados. Por meio da técnica Delphi modificada, tendo como base os critérios de Beers 2012 e Stopp 2008, foi verificada a relação de medicamentos inapropriados no Brasil.20 O uso de medicações potencialmente inapropriadas continua sendo um grande desafio para a prática médica; por esse motivo, é crucial que existam listas padronizadas, de forma a guiar a prescrição medicamentosa, sem, entretanto, restringi-la ou substituir o julgamento clínico. O processo de prescrição é dinâmico, envolve o paciente como um todo, desde as suas múltiplas comorbidades, até seu contexto social. Essas listas existem para tentar garantir uma maior segurança para o paciente, de forma que devem ser utilizadas em conjunto, sempre que possível, e levando em conta as aspirações do paciente, sua condição atual e as perspectivas do tratamento.19 20 PRINCÍPIOS GERAIS DA PRESCRIÇÃO E DESPRESCRIÇÃO Antes de prescrever uma medicação existem alguns princípios que devem ser considerados. Hanlon et al. (1992) desenvolveram a ferramenta Medication Appropriateness Index, que consiste em nove questões que podem servir de guia para iniciar ou ao revisar uma lista de prescrição (Quadro 6).12 Quadro 6. Medication Appropriateness Index. Existe indicação para esse medicamento? O medicamento é efetivo para essa condição? A dose está correta? A forma de tomada é correta? Existem interações medicamentosas clinicamente significantes? Existem interações entre medicamentos e condições clínicas? Existem duplicações desnecessárias com outras drogas? A duração da terapia é aceitável? Existe algum outro medicamento de menor custo, porém com igual utilidade/eficácia? Adaptado de Hanlon JT et al., 1992.12 Outros princípios importantes no manejo do idoso são: 1) começar com doses baixas e fazer aumentos gradativos; 2) avaliar a adesão antes de adicionar ou trocar medicamentos; 3) buscar terapias com menor complexidade posológica; 4) sempre que possível buscar uma desprescrição adequada. A desprescrição consiste na retirada de um medicamento da lista de prescrição, ou a redução da dose para valor mínimo efetivo. Isso pode acontecer quando a medicação não é mais necessária, quando existe duplicação na prescrição, em casos de ineficácia ou quando ocorre uma mudança na expectativa de vida do paciente, fragilidade e capacidade funcional levando a uma modificação nos objetivos terapêuticos.16 24 A desprescrição se constitui como um desafio, haja vista que para o sistema de saúde a inclusão de novos medicamentos é mais solidificada como prática do que o contrário. Estamos treinados a reconhecer a eficácia de um fármaco para tratar uma condição, mas não seguros e preparados o suficiente para interromper um medicamento de uso crônico, por exemplo.7 Um estudo evidenciou que pacientes gostariam de tomar menos medicamentos, mas, por vezes, esperam que o médico expresse essa ideia primeiro.24 No Quadro 7 estão descritos alguns passos que podem ser seguidos para tornar o ato de desprescrever seguro. Quadro 7. Passos para uma desprescrição adequada. Preparar o paciente, conversando com ele. Identificar as medicações inapropriadas, através de critérios validados, como Beers e STOPP. Determinar quais medicações podem ser interrompidas e quais doses reduzidas. Planejar o processo de redução da dose, para que ocorra de forma gradativa. Monitorar o paciente. Documentar os desfechos encontrados. Adaptado de Farrell B et al., 2019.7 PROGNÓSTICO Uma análise adequada da prescrição, avaliando polifarmácia, medicamentos inapropriados e risco de reações adversas é um dos pontos mais importantes na avaliação multidimensional do idoso. Dados da literatura já demonstram que a polifarmácia está associada a uma maior mortalidade intra-hospitalar, maior retorno ao serviço de emergência em 30 dias e readmissão hospitalar, sendo preditivo de mortalidade em seis meses. Baseado nos princípios aqui discutidos, existem diversas medidas que podem ser tomadas, baseadas em princípio de boa prática farmacológica, de forma a proporcionar um melhor cuidado ao idoso. A. Após analisar o caso clínico, você acredita que deva ser prescrito uma nova medicação de imediato? RESPOSTA: Sabemos que a paciente não faz uso das suas medicações de forma correta, sendo necessário avaliar se algum sintoma apresentado não pode ser originado de uma condição clínica preexistente e não tratada ou de uma reação adversa. Além disso, é fundamental que a paciente entenda sua conduta e você deve ser o mais claro possível sobre os objetivos dela, envolvendo as expectativas da paciente e seu contexto social. B. O que deve ser conversado com a paciente em relação ao uso dos medicamentos? RESPOSTA: Lembrar que parte importante da prescrição é a adesão do paciente ao tratamento. É necessário esclarecer a gravidade das condições clínicas, reforçar a importância do tratamento e seus impactos positivos, assim como as consequências da não adesão, que pode culminar em eventos relacionados à perda de funcionalidade e ao óbito, por exemplo. Além disso, averiguar o horário que as medicações estão sendo tomadas, para que sejam avaliados possíveis ajustes que melhorem a qualidade de vida da paciente. Lembrar que o uso de levotiroxina de forma intermitente não é o correto; nesse caso, a condição clínica subjacente, hipotireoidismo, não está sendo tratada. Parte da conduta pode envolver a família, que mora com a paciente, para checar se as medicações estão sendo ingeridas nos horários corretos e da forma correta. C. De acordo com os critérios de BEERS, existe alguma medicação inapropriada na prescrição da paciente? RESPOSTA: Sim. A amitriptilina é um antidepressivo tricíclico que possui forte ação colinérgica e sedativa, podendo predispor o idoso a hipotensão postural e quedas. O diazepam é um benzodiazepínico que pode resultar em declínio cognitivo, delirium, quedas e fraturas. Já a glibenclamida oferece maior risco de hipoglicemia prolongada grave em idosos. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Assis DL, Chagas VO, Valente M, Gorzoni ML. Polypharmacy and the use of inappropriate medications in institutionalized elderly: lessons still not learned. Geriatr Gerontol Aging.2016;10(3):126-131. 2. Beyth RJ, Shorr RI. Principles of drug therapy in older patients: rational drug prescribing. Clin Geriatr Med. 2002 Aug;18(3):577-92. 3. 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IATROGENIA CASO CLÍNICO Paciente M.A.N., 87 anos, masculino, sem comorbidades prévias, admitido no pronto-socorro com quadro de agitação psicomotora e desorientação havia 2 dias. Feita suspeita diagnóstica de delirium hiperativo secundário à ITU, e iniciada antibioticoterapia venosa com ceftriaxone, além de prescrição de haloperidol 5 mg via intramuscular para a agitação. Evoluiu nas 12 horas seguintes com sonolência e baixa aceitação da dieta oral, sendo necessária sondagem nasoenteral. Em episódio de agitação subsequente, paciente retirou a sonda, que foi novamente posicionada após contenção mecânica no leito. Foi encaminhado para unidade de terapia intensiva por necessidade de monitorização contínua, onde foi obtido cateter venoso central em veia subclávia direita. A radiografia de tórax de controle evidenciou pneumotórax hipertensivo pós-punção, com necessidade de drenagem torácica. Evoluiu nos dias seguintes com constipação intestinal sem resposta satisfatória ao uso de laxativos, sendo necessário o uso de solução de glicerina via retal. Durante a permanência hospitalar, realizou tomografia de tórax e abdome com contraste para elucidação diagnóstica por outras complicações. Após uso do contraste, apresentou redução do débito urinário e elevação de escórias nitrogenadas, sendo tratado conservadoramente com hidratação venosa e diuréticos sem necessidade de terapia de substituição renal. Recebeu alta hospitalar após 14 dias, com melhora clínica e laboratorial, mas ainda apresentando lesão por pressão em região sacral grau 2, além de perda ponderal evidente e dificuldade na deambulação, necessitando de apoio bilateral. Entregue ao familiar receita de quetiapina 50 mg para uso à noite e orientado curativo da lesão sacral. A. Identifique as potenciais iatrogenias encontradas, relacionando-as conforme sua classificação. B. Identifique as cascatas iatrogênicas contidas no caso. C. O que poderia ter sido feito de diferente para evitar as iatrogenias identificadas? DEFINIÇÃO Iatrogenia vem do grego iatros, relacionando-se à Medicina e ao médico, e gen, relacionando-se a efeitos adversos ou resultados — positivos ou negativos — provocados pela conduta médica. Atualmente, o termo já possui sentido mais amplo e está inserido também no contexto de impactos causados pela conduta de outros profissionais da saúde, como fisioterapeutas, enfermeiros, assistentes sociais, nutricionistas e cuidadores, mesmo que a atitude seja considerada correta ou justificável, mas que cause consequências negativas à saúde do paciente e que esses efeitos não sejam resultados da história natural da doença. Além disso, também pode estar associada ao uso crescente de tecnologias avançadas de diagnóstico e ao estímulo crescente do uso excessivo de testes e tratamentos múltiplos.2 12 22 Quando um médico ou qualquer outro profissional de saúde, por meio de um tratamento, de um diagnóstico ou até mesmo de uma falha de comunicação, acarreta outras doenças ou perturbações, esse profissional está realizando uma conduta iatrogênica. Tais efeitos indesejáveis incluem problemas físicos, como doenças e deformidades, ou psíquicos (psicoiatrogenia), medos, dúvidas etc.4 22 Idosos geralmente estão mais propensos a episódios de iatrogenia, devido às modificações ocorridas no processo de envelhecimento com consequente diminuição de suas reservas fisiológicas, além de possuírem maior número de comorbidades e, por consequência, frequentemente estarem expostos à polifarmácia. Em decorrência de eventos iatrogênicos, os idosos podem ter comprometidas sua independência e autonomia, e, em casos extremos, maior risco de morbimortalidade.16 Quadro 1. Exemplos de iatrogenias. Mialgias após caminhada do grupo de hipertensos. Fratura decorrente de atividades da fisioterapia. Desnutrição por prescriçãoinadequada da dieta. Alergia provocada pela vacina contra o tétano. Hematoma após venóclise. Cistite após passagem de sonda vesical. Epigastralgia causada por ácido acetilsalicílico. Fibrilação ventricular por intoxicação digitálica. Angústia excessiva causada ao paciente por conta de uma má notícia dada pelo profissional da saúde. Solicitação de muitos exames ao paciente, sem indicação precisa, com achados incidentais que exigem novas investigações sem contexto clínico. Prolongamento artificial da vida do paciente, quando não há perspectiva de melhora ou cura. Desatenção às queixas subjetivas do paciente ou da família, gerando angústia. Diagnóstico de câncer de próstata em idade Subdiagnóstico de depressão no idoso por avançada que não apresentaria sintomas e nem seria a causa do óbito no paciente não tratado. associar a uma perda de energia ocasionada exclusivamente pelo envelhecimento. EPIDEMIOLOGIA Iatrogenia é um tema complexo e com diagnóstico muitas vezes de difícil identificação, devido às suas variedades de formas e possibilidades. Em decorrência disso, não há epidemiologia rica sobre o assunto em todas as classificações que o permeiam, principalmente no que tange à psicoiatrogenia.18 Dentro desse contexto, estima-se que de 3,7% a 17% de todos os pacientes que deram entrada no hospital sofreram algum tipo de iatrogenia e cerca de 7% de todas as admissões hospitalares têm causas iatrogênicas.15 Carvalho Filho et al, 1988, observaram uma frequência ainda maior de complicações iatrogênicas em pacientes internados que variou de 19,5% a 35,6%.3 Nos Estados Unidos, ocorrem, por ano, em torno de 12.000 mortes por cirurgias desnecessárias, 7.000 mortes por erros nas medicações, 80.000 mortes por infecções nosocomiais e 10.6000 mortes por efeitos adversos de medicações. Com isso, somam-se mais de 250.000 mortes anuais em decorrência de iatrogenias.27 Vale ressaltar que esses estudos envolvem somente pacientes hospitalizados e que também não incluem os efeitos adversos dos procedimentos em pacientes que sobreviveram. Dessa forma, a partir desses dados, a iatrogenia é elencada como a terceira maior causa de morte nos Estados Unidos, ficando atrás somente das doenças cardíacas e do câncer.27 Em 2017, no Brasil, morreram, por consequência de eventos iatrogênicos, 148 pessoas por dia em hospitais públicos e privados. No final desse mesmo ano, totalizaram-se 54.076 pacientes que perderam suas vidas no país em decorrência de iatrogenia.7 Na população idosa, a prevalência é cerca de duas vezes maior, além de contar com implicações mais importantes, quando se compara com pacientes entre 16 e 44 anos.13 FATORES DE RISCO As alterações ocorridas no processo de envelhecimento influenciam diretamente — em maior ou menor grau — o aumento das chances de o paciente passar por eventos iatrogênicos. A diminuição da reserva fisiológica, as alterações neuroendócrinas e inflamatórias, o maior número de comorbidades, associados ao grande número de procedimentos diagnósticos e terapêuticos e ao elevado número de medicações, fazem com que essa população esteja mais suscetível aos eventos adversos. Por isso, não se deve abordar o paciente idoso como qualquer paciente adulto, sendo imprescindível que o cuidado seja ofertado levando em consideração as mudanças decorrentes do processo de senescência e senilidade.9 Quanto maior o número de doenças crônicas e sua complexidade, maior o número de intervenções para tratá-las. Dessa forma, os tratamentos de algumas patologias podem influenciar negativamente a evolução de outras, a exemplo do uso de diuréticos no tratamento da hipertensão arterial ou da insuficiência cardíaca, provocando ou piorando a incontinência urinária.9 Além disso, muitos estudos também associam o tempo de internação com iatrogenia em idosos: documentou-se que pacientes internados por mais de 10 dias tiveram risco elevado em até quatro vezes de sofrer eventos iatrogênicos, e o tempo de internação de pacientes que sofreram complicações iatrogênicas foi em média duas vezes maior do que os que não tiveram esse tipo de complicação. Tal fator pode estar relacionado com o maior risco de adquirir infecções hospitalares, além de reações transfusionais, sem desconsiderar o papel da modificação da rotina, maior restrição da mobilidade e modificações do padrão alimentar, provocados pelo internamento.24 28 Quadro 2. Fatores de risco relacionados à ocorrência de iatrogenia em idosos internalizados. Idade Complexidade das patologias Tempo de internação Funcionalidade prévia Número de comorbidades Polifarmácia Gravidade da doença que demandou internamento Adaptado de Szlejf C et al., 2008.28 CLASSIFICAÇÃO Iatrofarmacogenia Estima-se que 23% da população brasileira é responsável por consumir cerca de 60% da produção de medicamentos do país, destacando-se as pessoas com mais de 60 anos de idade.25 Gnjidica et al. (2012) afirmaram que o uso de cinco ou mais medicações seria o suficiente para definir polifarmácia, relacionando-se a eventos adversos importantes como maior risco de fragilização, incapacidades, mortalidade, institucionalização e quedas.7 Comorbidades múltiplas, somadas à elevação proporcional do número de medicamentos necessários para o seu tratamento, propiciam maior número de reações adversas e de interações medicamentosas. Além disso, o acompanhamento realizado por mais de um profissional que atende um mesmo paciente é fator importante na ocorrência desse tipo de iatrogenia.8 Os prejuízos causados por reações adversas de muitos medicamentos são bem documentados e estudados. Por isso, muitos fármacos são considerados inapropriados para uso em idosos, já que os benefícios trazidos pelo seu uso não justificam os efeitos negativos associados. Existem listas amplamente aceitas pelas sociedades de Geriatria e Gerontologia que elencam esses medicamentos. Os Critérios de Beers, desenvolvidos pela Sociedade Americana de Geriatria (SAG), compõem os critérios mais amplamente aceitos e contam com revisões e atualizações a cada três anos, a última em 2019. A lista conta com medicações potencialmente inapropriadas (MPI) para idosos, explicitando medicamentos cuja prescrição deve ser evitada na maioria das situações ou em casos específicos.29 A tabela abaixo exemplifica algumas drogas elencadas de acordo com os Critérios de Beers, que será discutido com maior aprofundamento em outro capítulo deste livro. Quadro 3. Medicamentos que são potencialmente inapropriados na maioria dos idosos. Medicamentos Justificativa Benzodiazepínicos de ação curta e intermediária: Alprazolam, Estazolam, Lorazepam, Oxazepam, Temazepam, Triazolam; e os de longa duração: Clonazepam, Clorazepato, Por se tratar de fármacos lipossolúveis, aumentam sua meia- vida nos idosos (aumento do percentual de gordura corporal), aumentando risco de comprometimento cognitivo, delirium, Clordiazepóxido, Diazepam, Flurazepam, Quazepam. quedas, fraturas e acidentes automobilísticos. Benzotropina e Triexifenidil. Não é recomendado para prevenção ou tratamento de sintomas extrapiramidais com antipsicóticos. Antiespamódicos (como atropina, exceto a oftálmica, Escopolamina, Metilescopolamina). Alta atividade anticolinérgica. Nifedipina. Risco de hipotensão. Sulfonilureias de ação prolongada (Glimepirida, Glibenclamida, Clorpropamida). Aumentam risco de hipoglicemia prolongada em idosos. Bloqueadores alfa-1 para tratamento de hipertensão (Doxazosina, Prazosina, Terazosina). Alto risco de hipotensão ortostática. Antipsicóticos de primeira (Clorpromazina, Haloperidol, Flufenazina) e segunda geração (Olanzapina, Paliperidona, Quetiapina, Risperidona). Aumentam risco cardiovascular e maior índice de declínio cognitivo e mortalidade em portadores de demência. Evitar, exceto em pessoas com esquizofrenia, com desordem bipolar, ou para uso de curto prazo como antiemético durante a quimioterapia. Adaptado de American Geriatrics Society Beers Criteria, 2019.29 Além desses, há outras listascom critérios distintos:29 • Fármacos que devem ser evitados em idosos em situações específicas, a exemplo de pacientes com delirium que devem evitar anticolinérgicos, uma vez que podem desencadear uma piora do quadro confusional. • Medicações que podem ser usadas em idosos, mas com cautela, como a aspirina para prevenção de doença cardiovascular, por conta do aumento do risco de hemorragias em idades mais avançadas. • Potenciais interações medicamentosas, por exemplo, a associação de varfarina e amiodarona aumentando o risco de hemorragias. • Medicamentos que necessitam de ajustes de dose de acordo com a função renal. Iatrogenia em outras medidas terapêuticas Iatrogenia terapêutica não relacionada ao uso de medicações corresponde a cerca de 26% dos casos de iatrogenia.2 No quadro abaixo é possível verificar alguns procedimentos e implicações iatrogênicas que podem ser causadas nestes casos. Quadro 4. Procedimentos e suas implicações iatrogênicas. Procedimento Complicação Acesso venoso periférico. Flebite. Atraso na realização de cirurgias. Internação prolongada. Sonda nasogástrica. Aspiração de alimentos, sinusite, sonda colocada no trato respiratório. Acesso venoso central. Infecção, acidente na punção, pneumotórax. Sonda vesical de demora. Infecções urinárias de repetição. Cirurgia. Hemorragia, deiscência anastomótica, hematoma na ferida cirúrgica, delirium, infarto agudo do miocárdio. Hemodiálise. Hipotensão arterial. Drenagem pleural. Infecção. Intubação orotraqueal. Parada cardiorrespiratória. Flebotomia. Anemia. Adaptado de Szlejf C et al., 2008 e Carvalho Filho et al., 1998.3 28 Iatrogenia em procedimentos diagnósticos Essa modalidade de iatrogenia pode ocorrer tanto por um equívoco no resultado do processo investigativo quanto por uma complicação causada durante a realização de um procedimento diagnóstico, como perfuração intestinal durante uma colonoscopia. Outra forma de iatrogenia diagnóstica é a solicitação de exames desnecessários, como PSA para pacientes assintomáticos com mais de 90 anos. Dentro dessa perspectiva vale ressaltar a conhecida “cascata propedêutica”, que consiste na realização de uma série de exames em decorrência de um primeiro, sem uma indicação precisa.17 Além disso, com o avançar das tecnologias diagnósticas, tornou- se cada vez mais comum o sobrediagnóstico. Essa problemática consiste na identificação de afecções subclínicas, que não apresentariam risco de morte ou de morbidade importantes para o paciente. Muitas vezes, o diagnóstico dessas condições provoca mais sofrimento psicológico do que a própria doença em si, e em alguns casos, expõe o paciente a tratamentos que geram consequências que poderiam ter sido evitadas.10 Iatrogenia por omissão Esse tipo de iatrogenia ocorre quando o profissional de saúde deixa de tomar uma atitude, normalmente pela falha na avaliação das circunstâncias e dos riscos da ação que deveria ter sido tomada. Um exemplo de iatrogenia de omissão é deixar de realizar o ajuste da analgesia em paciente em cuidados paliativos, submetendo-o a sofrimento que poderia ser evitado.19 Iatrogenia da palavra A iatrogenia da palavra acontece quando a comunicação do profissional de saúde causa impactos negativos na relação médico- paciente, ou mesmo na saúde mental do indivíduo. É exemplo de iatrogenia da palavra uma má notícia dada sem a devida preparação, que inclui o ambiente, o esclarecimento das dúvidas e a linguagem adequada ao nível de formação do receptor.14 A comunicação de uma má notícia pode propiciar altos níveis de estresse ao paciente e seus familiares, prejudicando a receptividade de um eventual tratamento e até mesmo colaborando para o desenvolvimento ou agravamento de doenças mentais, como depressão e ansiedade.11 23 Assume-se, então, que é essencial manter uma postura ética e respeitosa diante do sofrimento do paciente e de sua família no momento de compartilhar uma má notícia, que deve ser transmitida com uma linguagem simples, de forma empática e, se necessário, deixando clara a existência de serviços de apoio disponíveis.14 DISTANÁSIA O termo distanásia pode ser entendido como “obstinação terapêutica”, ou seja, atitudes que prolongam a vida a todo custo, a despeito de uma condição irreversível e que submetem o paciente a situações de sofrimento, sem benefício. Com o desenvolvimento de tecnologias e a supervalorização da capacidade médica de curar em detrimento de cuidar, impõem-se sobre o profissional a ideia de que deve usar todos os meios possíveis para manter um paciente vivo, independentemente do prognóstico e do sofrimento gerado, admitindo que a sobrevida é mais importante do que o conforto do paciente.21 PREVENÇÃO Pela importância do tema no paciente geriátrico, é de suma importância que se construam mais meios para prevenção de condutas iatrogênicas. Para isso, é necessário que haja uma rígida observação e análise dos tipos de iatrogenia e dos fatores de risco que os predispõem. • Avaliar de forma criteriosa o uso dos medicamentos prescritos; • Optar por fármacos cujo limiar de concentração da dose terapêutica seja distante do limiar de concentração da dose tóxica;5 • Estar atento às terapias não farmacológicas complementares;2 • Pedir ao paciente que leve às consultas ou internamento todos os medicamentos de uso habitual, sejam prescritos ou não pelo médico; • Revisar as interações medicamentosas dos fármacos em uso; • Definir critérios objetivos e individualizados para solicitação de exames e evitar intervenções cujo benefício não esteja bem definido; • Prevenir possíveis sobrediagnósticos, identificando indivíduos que são mais propensos ao risco de intervenções excessivas e desnecessárias;1 • Desenvolver habilidades para comunicação de más notícias.20 27 A. Identifique as potenciais iatrogenias encontradas no caso, relacionando-as conforme sua classificação. RESPOSTA: Iatrogenia diagnóstica: tomografia com contraste e consequente lesão renal aguda. Iatrogenia terapêutica: haloperidol intramuscular em dose mais alta que a necessária, com consequente sedação (reação adversa a medicamento); sonda nasoenteral com consequente contenção mecânica ao leito; passagem de cateter venoso central com consequente pneumotórax. Iatrogenia em ocorrência: contenção mecânica ao leito com consequentes redução da mobilidade e lesão por pressão em sacra. B. Identifique as cascatas iatrogênicas contidas no caso. RESPOSTA: Haloperidol intramuscular sonolência UTI passagem de CVC pneumotórax. Haloperidol intramuscular sonolência redução da ingesta passagem de SNE contenção mecânica no leito redução da mobilidade obstipação TC de abdome lesão renal aguda. Haloperidol intramuscular sonolência redução da ingesta passagem de SNE contenção mecânica no leito redução da mobilidade lesão por pressão em sacra. Haloperidol intramuscular sonolência UTI complicações internamento por 14 dias perda de massa muscular com impacto funcional. C. O que poderia ter sido feito de diferente para evitar as iatrogenias identificadas no caso? RESPOSTA: Inicialmente, em um paciente com delirium hiperativo por provável quadro de infecção urinária, além do início precoce da antibioticoterapia, deveria ser priorizada a via oral na administração do haloperidol, em doses de 0,5 a 1 mg, com doses adicionais em caso de necessidade. Deve-se fazer uso da menor dose que controle adequadamente os sintomas, pelo menor tempo possível. Na presença de sedação em consequência ao uso do antipsicótico, a medicação deveria ser suspensa até que haja melhora do quadro, com a necessidade de reintrodução avaliada posteriormente, havendo ajuste de dose caso o paciente mantivesse agitação psicomotora com aloagressividade ou autoagressividade. Evitar, nesse momento, a passagem de sonda nasoenteral, bem como o uso de outros equipamentos que diminuam a mobilidade, por se tratar de efeito transitório relacionado ao uso da medicação. Atentar para a correta indicação de examese procedimentos diagnósticos, priorizando, sempre que possível, aqueles de menor complexidade e menor risco de complicações. No caso relatado, a realização da tomografia não acrescentou benefício às condutas já definidas e complicou com lesão renal aguda pelo uso do contraste iodado. Para a investigação da evolução do pneumotórax poderia ter sido realizado apenas uma nova radiografia de tórax de controle; e para a avaliação da obstipação, poderia ter sido otimizada a mobilização do paciente e realizada mudança dietética, além de avaliar a hidratação, e observado a evolução após as medidas iniciais. O paciente encontrava-se estável hemodinamicamente e sem uso de medicações que não pudessem ser administradas por via oral ou por acesso venoso periférico, não havendo, naquele momento, necessidade de passagem de cateter venoso central. No caso do paciente em questão, após iniciada antibioticoterapia e realizados os exames de triagem infecciosa e metabólica iniciais, deveria ser avaliada a alta o mais precoce possível, assim que obtivéssemos a melhora dos sintomas de agitação, podendo completar o período da antibioticoterapia em domicílio. Além disso, mesmo no período intra-hospitalar, atentar para mobilização precoce e fisioterapia motora intensificada, no intuito de evitar a perda de massa muscular e a consequente perda funcional. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Bentzen N. WONCA dictionary of general/family practice. Copenhagen: Maanedskift Lager; 2003.) 2. Carvalho-Filho, E.T. et al. Iatrogenia no idoso. Rev. Bras. Med., 53:117-37, 1996. 3. Carvalho Filho ET, Saporetti L, Souza MAR, et al. Iatrogenia em pacientes idosos hospitalizados. Rev Saude Publica. 1998;32(1):36-42.) 4. Cerecedo Cortina Vicente B. Iatrogenia y error medico. Rev Med HospGen Mex 1997;60(2):75–83. 5. Costa LH, Falcao LF. Geriatria - Manual do Residente da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). 1st ed. São Paulo: Roca; 2012. 192 p. ISBN: 978-8541200271 �. Couto RC, Pedrosa TMG, Roberto BAD, Daibert PB, Abreu ACC, Leão ML. II Anuário da segurança assistencial hospitalar no Brasil. 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Durante a entrevista o paciente diz estar “esquecido”, pois tem apresentado dificuldade em organizar o dinheiro das vendas em sua barraca, e por isso sua esposa pediu que procurasse o médico. Sua cônjuge afirma que ele está toda hora “trocando as ideias” no momento de falar os nomes das coisas, esquecendo objetos em lugares estranhos dentro de casa e esquecendo avisos corriqueiros. O paciente acha seu esquecimento “normal” para sua idade e diz ser exagero da esposa. A. Diante do caso clínico, quais elementos indicam a suspeita de uma síndrome demencial? B. Como podemos realizar uma abordagem inicial do desempenho cognitivo desse paciente? C. Qual a importância da família e/ou pessoas próximas na avaliação, diagnóstico e acompanhamento deste caso? D. Qual a importância do reconhecimento do impacto da doença de Alzheimer na autonomia e independência do paciente idoso baseado neste caso? INTRODUÇÃO E EPIDEMIOLOGIA O envelhecimento da população traz à tona a relevância do entendimento das patologias que são mais comuns nos idosos, destacando-se as demências. Elas são caracterizadas pelo prejuízo em diversos domínios cognitivos, como memória, orientação, compreensão, cálculo, função executiva e linguagem, que levam a um comprometimento na independência do indivíduo.4 14 15 Dentre as etiologias que compõem o grupo de síndromes demenciais, a doença de Alzheimer (DA), as demências vasculares (DV) e mistas (quando existe a coexistência entre a doença de Alzheimer e demência vascular), são as mais prevalentes, com grande relevância epidemiológica e clínica.4 Outras causas incluem: demência associada a doença de Parkinson e Parkinson-plus, demência por corpúsculos de Lewy (DCL), demência frontotemporal (DFT), hidrocefalia de pressão normal (HPN), alterações cognitivas relacionadas ao uso de drogas, álcool e de medicamentos, neurossífilis, HIV, tireoidopatias, deficiência de vitamina B12, doença de Creutzfeldt-Jakob, hipoxemia crônica, tumores, hematoma subdural, assim como distúrbios psiquiátricos. Em um estudo realizadono Brasil, com base na análise clínico-patológica de cérebros de pacientes idosos, foi observado que dentre os pacientes acometidos por demência, a maior prevalência foi de DA, com 35,4%, seguida pela demência vascular, com 21,2% dos casos. A prevalência de demência mista nessa amostra foi de 13,3%.44 56 A compreensão epidemiológica desse tema é extremamente relevante, uma vez que no cenário atual de envelhecimento populacional há um aumento do número de pessoas com demência em nível global. Estudos indicam que aproximadamente 35,6 milhões de pessoas viviam com demência em 2010, e as previsões mostram que esse número pode chegar até 65,7 milhões em 2030 e 115,4 milhões em 2050. Além disso, dados demonstram que em 2010, 58% das pessoas com demência viviam em países de média a baixa renda, e essa proporção pode chegar a 71% até 2050.70 Em relação à associação entre prevalência das demências e idade, estudos nacionais apontam para uma frequência de 0,12% até 4,1% em indivíduos de 65 a 69 anos, podendo chegar até 33,07% a 77,80% em idosos de 90 a 94 anos.14 Da mesma forma, existe uma associação com outros fatores de risco não modificáveis (sexo feminino e histórico familiar da doença)46, assim como fatores modificáveis (baixo nível educacional, hipertensão arterial, obesidade, perda auditiva, depressão em idade idosa, diabetes, sedentarismo, tabagismo e isolamento social). É importante ressaltar que esses fatores de risco para os diversos tipos de demência interagem entre si de diferentes maneiras, ou seja, riscos cardiovasculares não aumentam apenas o risco de demência vascular, mas também podem estar relacionados a um maior risco de desenvolvimento da DA.58 Neste capítulo serão abordadas as principais síndromes demenciais (DA, DV e demência mista), assim como demência na doença de Parkinson, DCL, demência frontotemporal (DFT), e outras demências rapidamente progressivas e potencialmente reversíveis. FISIOPATOLOGIA A fisiopatologia da DA e outras síndromes demenciais envolvem processos complexos, sendo que muitos ainda não foram totalmente elucidados, apesar dos grandes avanços das pesquisas nas últimas décadas. A seguir, serão discutidos dados relevantes sobre esses processos e algumas peculiaridades para os diferentes tipos de demência. Primariamente, na DA há uma degeneração sináptica e morte neuronal em regiões-chave para o desempenho de funções cognitivas, como córtex cerebral, hipocampo, córtex entorrinal e estriado ventral. Dentre os achados anatomopatológicos mais característicos da doença destacam-se as placas senis e os novelos neurofibrilares (NFT). Segundo a hipótese da cascata amiloide, as placas senis têm como origem o acúmulo de restos celulares formados por uma substância chamada peptídeo beta-amiloide (Aβ).7 23 75 Esse composto é derivado da clivagem patológica da proteína precursora de amiloide (APP) que, quando realizada por meio das enzimas β-secretase e γ-secretase, origina diferentes tipos de AB, como os Aβ1-42, que são mais amiloidogênicos.32 Já os NFT são compostos por filamentos helicoidais provenientes da hiperfosforilação da proteína tau, que em condições normais atua na estabilização de microtúbulos dos neurônios, mas quando hiperfosforilada compromete a sua estabilidade, contribuindo para o desenvolvimento da DA e outras síndromes demenciais.32 75 Associado a esses achados de depósitos amiloides e emaranhados neurofibrilares existem mecanismos, como a ação direta de espécies reativas de oxigênio, nitrogênio e radicais livres levando a uma neurodegeneração. Ocorre também uma neuroinflamação que se dá pela resposta de células como astrócitos e células da micróglia que liberam citocinas pró-inflamatórias como interleucinas, prostaglandinas, leucotrienos e tromboxanos. Dentro desse processo fisiopatológico uma das hipóteses mais estudadas é a de que uma disfunção do sistema colinérgico contribua para as manifestações clínicas da doença. Essa teoria se sustenta na ação da fosfolipase A2 (PLA2) que está reduzida na DA, o que leva a um declínio na síntese de acetilcolina. Outra associação que vem sendo investigada ao longo dos anos é a relação entre a DA e altos níveis de colesterol. Isso parece ser especialmente relevante, pois ressalta a importância de medidas de prevenção básica que podem contribuir para um envelhecimento saudável, como o controle dos níveis de colesterol ao longo da vida. Além disso, a carga genética também pode ter uma importante contribuição, principalmente para aqueles pacientes de apresentação precoce, que podem estar associados a mutações autossômicas dominantes como da presenilina 1 e 2, assim como dos genes para APP. Por isso, observamos que pacientes com trissomia do cromossomo 21 têm risco elevado de desenvolver DA. Outro marcador genético relevante para a DA esporádica é o alelo do gene apolipoproteína E (apoE) do tipo 4. A apoE é codificada por um gene localizado no cromossomo 19, que apresenta três alelos comuns responsáveis por gerar isoformas distintas da apoE (E2, E3 e E4). A apoE E4 é uma proteína plasmática envolvida no transporte do colesterol e outras moléculas hidrofóbicas que possui relação positiva com alterações anatomopatológicas das DA.75 Outros tipos de demência também possuem peculiaridades em seu desenvolvimento e fisiopatologia. A DV, por exemplo, tem como marcador a ocorrência de lesões cerebrovasculares com diferentes perfis, como infartos extensos, múltiplas lesões tromboembólicas ou lesões únicas em territórios estratégicos. A topografia dessas lesões é particularmente importante para determinar o curso dos sintomas, já que pode atingir diferentes áreas cerebrais como tálamo, gânglios da base, substância branca, áreas corticais e subcorticais límbicas ou paralímbicas. Enquanto determinadas áreas estão associadas à manifestação cognitiva e comportamental, outras estão relacionadas à manutenção da memória (hipocampo-núcleo, mamilar-tálamo e amígdalo-tálamo- frontal).29 Devido à gama de alterações vasculares que podem ocasionar esse quadro, é preciso estar atento aos fatores de risco que podem aumentar a ocorrência desses fenômenos, como hipertensão arterial, diabetes, tabagismo, alcoolismo, doença cardíaca prévia, aterosclerose, dislipidemia e obesidade.76 A DCL tem como achado histopatológico a presença dos corpúsculos de Lewy, estruturas de localização intracitoplasmática, esféricas e eosinofílicas que estão presentes em diferentes regiões cerebrais de pacientes acometidos, levando ao desenvolvimento de sintomas. Assim como a DV, a topografia cerebral das lesões encontradas na DCL é importante para definir sua expressão sintomática. Áreas na via nigroestriatal estão ligadas a manifestações extrapiramidais; já os gânglios autonômicos, estão ligados ao desenvolvimento de hipotensão postural; o acometimento do córtex límbico está associado ao desenvolvimento de psicose, enquanto o neocórtex está mais ligado ao declínio cognitivo.80 A expressão da demência em pacientes com doença de Parkinson, por sua vez, está ligada aos neurotransmissores já envolvidos no desenvolvimento dessa doença. Acredita-se que a perda de inervação colinérgica, dopaminérgica e noradrenérgica sejam os principais elementos envolvidos na patogênese dessa doença.16 A DFT também é um tipo peculiar de demência, uma vez que está relacionada ao acometimento das estruturas cerebrais nas regiões que dão o seu nome, com lesões em córtices frontal, pré-frontal e temporal anterior. Acredita-se que a hiperfosforilação da proteína tau seja um importante componente na sua fisiopatologia.68 Além das etiologias já mencionadas, existem algumas características peculiares para cada tipo de demência que vão além do objetivo deste capítulo. No entanto, todas elas têm em comum uma via final de dano estrutural ou funcional em regiões do sistema nervoso associadas com a função cognitiva.40 42 67 QUADRO CLÍNICO Doença de Alzheimer A DA possui um curso insidioso e lentamente progressivo. Diante disso, é importante identificar seus possíveis sintomas atravésda anamnese com paciente e familiares, assim como avaliar o desempenho cognitivo e capacidade funcional. A doença usualmente inicia com o acometimento da formação hipocampal, evoluindo com comprometimento progressivo de áreas corticais associativas, com relativa preservação dos córtices primários. Por conta disso, a DA comumente está associada a alterações de campo cognitivo e comportamental, mas com relativa preservação de funções motoras.86 Na maioria das vezes, o declínio da memória é o primeiro sintoma clinicamente significativo, em especial a memória episódica, voltada para fatos recentes. Esse deficit pode vir acompanhado de outros comprometimentos, como linguagem, orientação, gnosia, praxia, funções executivas e visuoespaciais, além de outros sintomas psicológicos e comportamentais, como agitação, agressividade, delírios, alucinações, transtornos de humor, apatia, desinibição e perturbações do sono.59 60 86 O curso da DA é dividido em três fases e costuma se estender em um período de 8 a 12 anos, mas que podem variar de 2 até 25 anos. Na primeira fase, o paciente apresenta perdas de funções cognitivas que levam a dificuldades na realização de atividades instrumentais de vida diária, como cuidar das finanças, medicamentos, realizar trabalhos domésticos, perda da localização espacial com dificuldade de deslocamento em trajetos conhecidos. A sintomatologia predominante envolve perdas de memória de curto prazo — com queixas como dificuldade para recordação de datas, compromissos, nomes e fatos recentes —, assim como perda da flexibilidade do pensamento e perda do pensamento semântico. Pacientes nesse estágio também podem apresentar perda de concentração, iniciativa, retraimento social, abandono de antigos hábitos, apatia, alterações de humor — como a depressão (importante diagnóstico diferencial, que pode simular ou mascarar o desenvolvimento de uma síndrome demencial) —, assim como outras manifestações psicológicas e comportamentais. Na segunda fase, a perda cognitiva torna-se mais intensa, com diminuição da memória remota e da capacidade de aprendizado. Podem ainda ocorrer afasia, apraxia, agnosia, alterações visuoespaciais, dificuldades de nomeação, de leitura, escrita com empobrecimento do vocabulário e limitações na comunicação. Nessa fase, o paciente tende a evoluir com comprometimento de atividades básicas de vida diária, como vestir-se, alimentar-se, tomar banho, realizar higiene pessoal adequada, transferência e continência. A fase mais avançada da DA é caracterizada pelo comprometimento de diversas funções, com perdas graves na memória, fazendo com que o indivíduo não reconheça familiares e objetos utilizados no dia a dia, comprometimento severo da linguagem, com perda progressiva para atividades básicas de vida diária até se tornar totalmente dependente de cuidados. É importante destacar, no entanto, que essa fase é muito heterogênea, uma vez que pode incluir desde idosos que deambulam e ainda têm um certo grau de comunicação, até indivíduos com fragilidade importante, acamados, com disfagia, contraturas, dupla incontinência e úlceras de pressão, quando não forem cuidados adequadamente.33 59 Demência vascular e demência mista Pacientes acometidos por DV usualmente apresentam sintomatologia comum com histórico de acidente vascular cerebral prévio, sintomas neurológicos focais em decorrência das lesões em porções específicas como hemiparesia, ataxia, hemianopsia e afasia. O curso da DV usualmente tem início abrupto (após evento cerebrovascular), podendo ainda apresentar piora dos sintomas em degraus. Ainda assim, alguns indivíduos com condições cardiovasculares crônicas podem apresentar uma instalação mais lenta e insidiosa do quadro, com curso progressivo sem outros sintomas perceptíveis além do deficit cognitivo.18 73 76 A demência mista, por outro lado, é caracterizada pela coexistência da DA e a DV, com a ocorrência de lesões vasculares paralelamente a um declínio cognitivo característico da DA. Essa concomitância entre os processos patológicos aumenta o impacto do comprometimento cognitivo, favorecendo também uma expressão mais precoce de sintomas demenciais.36 Demência da doença de Parkinson e demência com corpos de Lewy A demência associada à doença de Parkinson costuma ocorrer após um longo período de evolução da doença, geralmente após dez anos. Ela é caracterizada por uma disfunção executiva, perda de atenção, alterações visuoespaciais, comprometimento moderado da memória, com relativa preservação das funções de linguagem. Também podem ser observados sintomas neuropsiquiátricos, como alucinações, depressão, apatia, ansiedade e insônia.1 45 A DCL, por outro lado, apesar de ter características semelhantes da demência na doença de Parkinson, se diferencia pela característica temporal, uma vez que é definida pela ocorrência da alteração cognitiva até um ano após o início dos sintomas de parkinsonismo. Ela é marcada pela presença de flutuação cognitiva, associado a alucinações visuais bem detalhadas e sintomas parkinsonianos. Também tem como característica uma relativa preservação da memória nos estágios iniciais da doença, mas com a progressão do seu curso clínico as diferenças em relação às outras síndromes demenciais se tornam cada vez menos claras. É conhecido que a progressão da DCL é mais rápida do que a progressão da DA. Vale ressaltar que outras condições predominantes em pacientes idosos, como delirium e demência vascular, também podem apresentar esse curso flutuante.1 18 45 79 Hidrocefalia de pressão normal A HPN é uma doença caracterizada pela presença de uma tríade de sintomas clássicos, que são: distúrbios de marcha, comprometimento cognitivo e incontinência urinária, associados ao achado de dilatação dos ventrículos sem atrofia proporcional. É uma das causas reversíveis de demência e seu diagnóstico é normalmente realizado com o auxílio de exames de imagem e TAP Test, que consiste em um protocolo que avalia ganhos cognitivos e melhora da marcha após retirada de uma quantidade determinada de líquor. O tratamento é geralmente cirúrgico com derivação ventrículo-peritoneal.11 24 Demência frontotemporal A DFT, que tem início insidioso e curso progressivo, costuma acometer indivíduos em idade mais jovens. Normalmente cursa com um menor comprometimento da memória, porém com fortes alterações no comportamento que podem ser manifestadas como isolamento social, apatia, desinibição, irritabilidade, inflexibilidade mental, sintomas depressivos, preocupações somáticas e alterações na linguagem com redução da fluência verbal, estereotipias e ecolalia.86 É comum que os pacientes neguem ou não demonstrem preocupação com seus sintomas, que normalmente são relatados pelo acompanhante.68 A distinção entre DFT e DA pode ser difícil, a depender do estágio clínico da doença, uma vez que o declínio da memória episódica pode ocorrer de forma similar a pacientes com DA. Além disso, algumas variantes da DA podem ter sintomas semelhantes com a DFT.47 Outras demências rapidamente progressivas As demências rapidamente progressivas constituem um conjunto de doenças que têm uma evolução mais rápida, com o comprometimento cognitivo em um a dois anos — ou até menos. Nesse grupo são incluídas demências neurodegenerativas (doença de Creutzfeldt-Jakob, algumas variantes da DA, DV, DCL, DFT, paralisia supranuclear progressiva, degeneração corticobasal), demências imunomediadas (encefalopatia límbica, encefalopatia de Hashimoto, encefalopatias associadas a diversas doenças autoimunes), vasculites, encefalites, neuroinfecções como HIV, neurossífilis e outras. Devido à potencial severidade dessas condições e a possibilidade de tratamento curativo em alguns casos, é importante que esses pacientes tenham uma avaliação adequada, com diagnóstico precoce.30 42 ABORDAGEM DIAGNÓSTICA A avaliação de um idoso que potencialmente está desenvolvendo uma síndrome demencial requer uma anamnese detalhada, acompanhada de ferramentas de avaliação de desempenho cognitivo, exame físico, incluindoneurológico, exames laboratoriais e de imagem.41 50 51 53 HISTÓRIA CLÍNICA A história clínica do paciente pode ser narrada por ele mesmo. No entanto, o ideal é que o médico também possa contar com a ajuda de membros da família ou pessoas próximas para confirmação dos dados. A anamnese deve abordar todo o histórico de doenças, que inclui passado de sintomas neuropsiquiátricos, mudanças do padrão cognitivo e comportamento. O uso de medicações também precisa ser investigado, pois algumas drogas com efeito anticolinérgico podem gerar comprometimento cognitivo.17 19 41 51 Na DA, a perda de memória costuma ser a alteração mais marcante na história clínica, no entanto ela não está presente em 100% dos casos, uma vez que existem variantes da DA e outros tipos de demência que podem levar a deficit em diferentes domínios cognitivos. Além disso, o avaliador também precisa procurar ativamente alterações comportamentais, como agitação, agressividade, perambulação, apatia, delírios e outras que possam auxiliar no diagnóstico.48 É essencial que também seja realizado diagnóstico diferencial de transtornos de humor, uma vez que podem levar a alterações cognitivas reversíveis. Uma característica necessária para que o paciente receba o diagnóstico de uma síndrome demencial é a perda de desempenho para exercer atividades de vida diária (AVD). Em fases iniciais é comum observar perda de atividades instrumentais de vida diária, mais complexas, como organização de finanças e trabalhos domésticos, que podem ser avaliadas pela escala de Lawton. Com a evolução do quadro clínico, o paciente passa a apresentar dependência em atividades básicas de vida diária, como continência, transferência e alimentação, que podem ser avaliadas pela escala de Katz. Esses instrumentos estão descritos no capítulo de Avaliação Geriátrica Ampla. Caso o paciente apresente alterações cognitivas que não levem à perda de capacidade funcional, ele recebe o diagnóstico de transtorno cognitivo leve e precisa ser observado ao longo do tempo, uma vez que existe um maior risco de desenvolver demência no futuro.2 41 50 51 52 55 No Quadro 1 estão demonstrados alguns elementos-chave que podem ser observados na história clínica dos indivíduos com DA, que podem servir como sinais de alerta.40 Quadro 1. Elementos-chave no diagnóstico da doença de Alzheimer. Perda de memória. Dificuldade em participar de atividades familiares. Dificuldades na linguagem. Desorientação em tempo e espaço. Declínio do julgamento. Dificuldades com pensamentos abstratos. Guardar objetos em locais inadequados. Mudanças de comportamento. Mudanças de personalidade. Perda de iniciativa. Adaptado de Galvin e Sadowsky, 2012.40 Uma boa estratégia para identificar adequadamente esses doentes é a utilização de critérios diagnósticos padronizados. Atualmente, os critérios presentes no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-V) figuram entre as listas de critérios para o diagnóstico da doença de Alzheimer, conforme demonstrado no Quadro 2. Os critérios A, B, C e D norteiam o diagnóstico da doença de Alzheimer.2 Quadro 2. Critérios diagnósticos para a doença de Alzheimer. A. São atendidos os critérios para transtorno neurocognitivo maior ou leve. B. Há surgimento insidioso e progressão gradual de prejuízo em um ou mais domínios cognitivos (no caso de transtorno neurocognitivo maior, pelo menos dois domínios devem estar prejudicados). C. Os critérios são atendidos para doença de Alzheimer provável ou possível, do seguinte modo: Para transtorno neurocognitivo maior Provável doença de Alzheimer é diagnosticada se qualquer um dos seguintes está presente; caso contrário, deve ser diagnosticada possível doença de Alzheimer. 1. Evidência de uma mutação genética causadora de doença de Alzheimer a partir de história familiar ou teste genético. 2. Todos os três a seguir estão presentes: a. Evidências claras de declínio na memória e na aprendizagem e em pelo menos outro domínio cognitivo (com base em história detalhada ou testes neuropsicológicos em série). b. Declínio constantemente progressivo e gradual na cognição, sem platôs prolongados. c. Ausência de evidências de etiologia mista (i.e., ausência de outra doença neurodegenerativa ou cerebrovascular ou de outra doença ou condição neurológica, mental ou sistêmica provavelmente contribuindo para o declínio cognitivo). Para transtorno neurocognitivo leve Provável doença de Alzheimer é diagnosticada se há evidência de alguma mutação genética causadora de doença de Alzheimer, constatada em teste genético ou história familiar. Possível doença de Alzheimer é diagnosticada se não há evidência de mutação genética causadora de doença de Alzheimer, de acordo com teste genético ou história familiar, com presença de todos os três a seguir: 1. Evidências claras de declínio na memória e na aprendizagem. 2. Declínio constantemente progressivo e gradual na cognição, sem platôs prolongados. 3. Ausência de evidências de etiologia mista (i.e., ausência de outra doença neurodegenerativa ou cerebrovascular ou de outra doença ou condição neurológica ou sistêmica provavelmente contribuindo para o declínio cognitivo). D. A perturbação não é mais bem explicada por doença cerebrovascular, outra doença neurodegenerativa, efeitos de uma substância ou outro transtorno mental, neurológico ou sistêmico. Fonte: American Psychiatric Association (APA). DSM-5: Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, 2014.2 Em 2011, o National Institute on Aging (NIA) em união com a Alzheimer’s Association (AA) sugeriram também uma abordagem diagnóstica que inclui a classificação em três grupos: 1. Doença pré- clínica, na qual já existem substratos anatomopatológicos da doença, sem manifestação clínica; 2. Transtorno cognitivo leve, com preservação para AVD; 3. Demência, com manifestações clínicas mais claras, que incluem alterações cognitivas, comportamentais e perda de capacidade funcional. Segundo Jack et al., as alterações neuropatológicas da DA já podem ser observadas anos antes do desenvolvimento da doença e podem colaborar para um diagnóstico mais precoce. Em 2018 esses critérios foram revisados e atualmente se discute o uso individualizado de biomarcadores liquóricos e de neuroimagem funcional na prática clínica.48 TESTES PARA RASTREIO DIAGNÓSTICO Existem diversos testes cognitivos que podem ser utilizados para rastreio de demência, conforme já demonstrado com detalhes no capítulo inicial sobre Avaliação Geriátrica Ampla. Os mais utilizados são o miniexame do estado mental (MEEM), fluência verbal (FV), teste do relógio e o Montreal Cognitive Assessment — moCA.65 Uma vez que no Brasil a escolaridade média dos idosos é baixa, instrumentos como o teste do relógio e o moCA têm uma aplicabilidade mais limitada, mas pode ser utilizado em grupos de indivíduos com melhor perfil educacional. Caso o avaliador ainda persista com dúvidas diagnósticas após testes de rastreio, o padrão- ouro para avaliação cognitiva é o teste neuropsicológico que pode ser realizado por um psicólogo treinado.12 78 A seguir serão descritas peculiaridades do MEEM, que é largamente utilizado no Brasil. Ele é composto por duas seções distintas, que medem domínios diferentes. A primeira sessão é composta por itens que avaliam orientação, memória e atenção, enquanto a segunda sessão avalia a capacidade de nomeação, obediência a um comando verbal e um escrito, redação livre de uma sentença e cópia de um desenho poligonal, totalizando um escore de 30 pontos. Apesar de amplamente utilizado, o MEEM conta com limitações, sendo a principal delas a influência do nível educacional. Existem diferentes sugestões para pontos de corte do MEEM, de acordo com a escolaridade, destacamos aqui o trabalho de Bertolucci e colegas, que sugeriram os seguintes pontos de corte: analfabetos (13 pontos); baixa ou média escolaridade (18 pontos); alto grau de escolaridade (26 pontos) — Quadro 3.9 35 63 Além da questão da influência do nível educacional,um outro ponto negativo do MEEM é a ausência de uma seção destinada à avaliação de função executiva e planejamento. Isso pode ser contornado com a adição do teste de FV, que consiste em solicitar que, durante um minuto, o paciente fale o máximo de animais (FV semântica) ou palavras que comecem com a mesma letra (FV fonêmica). Para analfabetos, o ponto de corte é 9, e para indivíduos com mais de 8 anos de escolaridade o ponto de corte é 13.12 35 Tendo em vista a necessidade de testes de rastreio com boa acurácia e tempo de aplicação curto, Apolinário e colegas desenvolveram em 2016 um instrumento simplificado de avaliação cognitiva, o 10-point Cognitive Screener (10-CS), que consiste em um questionário com três itens para avaliação de orientação, três itens para avaliação de memória de evocação e quatro pontos destinados à avaliação da FV de animais. No seu estudo de validação foi demonstrado que tal ferramenta apresentou boa acurácia, comparada ao MEEM, mostrando-se adequada para o uso em nosso meio.3 Quadro 3. Miniexame do estado mental. Orientação temporal (qual é o...?) 1. Ano. 2. Mês. 3. Dia do mês. 4. Dia da semana. 5. Hora. 5 pontos. Orientação espacial (onde estamos?) 1. Local específico. 2. Local genérico. 3. Bairro ou rua próxima. 4. Cidade. 5. Estado. 5 pontos. Memória imediata Nomear três objetos e pedir para o paciente repetir: “carro, vaso, tijolo”. 3 pontos. Atenção e cálculo Pedir para o paciente diminuir 7 de 100 (até 5x). 5 pontos. Alternativa: soletrar a palavra “mundo” na ordem inversa. Memória de evocação Repetir os três objetos nomeados antes. 3 pontos. Linguagem Mostrar um relógio e uma caneta e pedir para nomeá-los. 2 pontos. Repetir: “nem aqui, nem lá”. 1 ponto. Seguir o comando de três estágios: “pegue este papel com a mão direita, dobre-o ao meio e coloque-o no chão”. 3 pontos. Ler executar a ordem: “feche os olhos”. 1 ponto. Escrever uma frase. 1ponto. Copiar o desenho: 1 ponto. Adaptado de Folstein et al., 1975; e Brucki et al., 2003.12 35 TESTES LABORATORIAIS Exames laboratoriais são importantes para identificar quadros potencialmente reversíveis que podem estar contribuindo para o comprometimento cognitivo; em especial, deve-se destacar a dosagem dos níveis de vitamina B12, TSH, T4 livre, função renal, função hepática e distúrbios eletrolíticos. O rastreio de outras doenças infecciosas que podem resultar em sintomatologia neuropsiquiátrica, como sífilis ou HIV, também devem ser realizados quando a história clínica sugerir um risco aumentado de exposição a esses agentes infecciosos.53 NEUROIMAGEM Os exames de neuroimagem estrutural são essenciais para que sejam afastadas condições como hematoma subdural, acidente vascular cerebral, hidrocefalia, tumores e outras alterações.42 Os métodos mais empregados são a tomografia computadorizada (TC) e o exame de ressonância magnética (RM) de crânio. Alguns achados em exames de imagem, como atrofia e neurodegeneração do sistema nervoso central, podem ser observados — apesar de serem inespecíficos como marcador de DA. No sistema nervoso central, geralmente os primeiros locais a serem acometidos são a via hipocampal — córtex entorrinal, hipocampo e córtex cingulado (Figura 1). Posteriormente, áreas do neocórtex temporal, parietal e frontal são acometidas.39 Os exames de neuroimagem funcional como a tomografia por emissão de pósitrons (PET) ou a tomografia por emissão de fóton único (SPECT) também são ferramentas diagnósticas úteis e são amplamente disponíveis.13 Atualmente, já existem marcadores de depósito amiloide e proteína tau, como o PET amilóide e o PET FDDNP, respectivamente. No entanto, esses marcadores ainda são pouco acessíveis no Brasil, sendo restritos para ambientes de pesquisa. O uso da neuroimagem funcional ajuda a corroborar o diagnóstico de demência e risco para evolução do quadro, no entanto, a sua aplicação para diferenciar os diferentes tipos de demência ainda não está bem estabelecida, podendo ser útil para sugerir algumas etiologias específicas DFT — (Figura 2).48 71 PUNÇÃO LOMBAR A avaliação do líquido cefalorraquidiano, que normalmente é utilizada para a investigação de patologias com perfil infeccioso, inflamatório ou neoplásico no sistema nervoso central, pode ser realizada a fim de dosar marcadores como peptídeo beta-amiloide AB42 e a proteína tau total e fosforilada. Mesmo que não seja recomendado para um diagnóstico de rotina, acredita-se que a utilização desses biomarcadores pode favorecer o diagnóstico precoce da doença. Espera-se, portanto, que nesses pacientes exista uma diminuição dos níveis de peptídeo beta-amiloide AB42 e aumento dos níveis de proteína tau (total e fosforilada). É importante ressaltar que eles não permitem diferenciar diferentes tipos de demências; no entanto, são muito úteis no contexto de pesquisa clínica, uma vez que ajudam a fornecer informações sobre pacientes de maior risco para desenvolver DA, que potencialmente se beneficiam de novas terapias.27 28 52 53 61 BIÓPSIA Apesar de sua utilidade para auxiliar no diagnóstico diferencial das demências, trata-se de um exame invasivo em que o paciente está sujeito a diferentes complicações com possíveis sequelas, e por isso a prática clínica acaba sendo pouco utilizada com esse intuito.81 Figura 1. Ressonância nuclear magnética em corte coronal demonstrando atrofia do hipocampo. Paciente controle Doença de Alzheimer Adaptado de Petrella et al., 2003.69 Figura 2. PET amiloide demonstrando alterações em indivíduo com doença de Alzheimer. Adaptado de Jack CR et al., 2018.48 TRATAMENTO Tratamento não medicamentoso Estudos sugerem que abordagens não farmacológicas em pacientes com DA leve a moderada contribuem para uma melhora geral da qualidade de vida, impactando positivamente no prognóstico. A combinação de intervenções que incluem treinamento cognitivo, exercícios físicos direcionados, terapia ocupacional e outros estímulos para realizar atividades cotidianas pode contribuir para uma melhora global na funções cognitivas e capacidade funcional.43 83 85 Outras técnicas, como terapia com animais, musicoterapia e aromaterapia acompanhada de programas de massagem podem ser úteis para reduzir sintomas como agitação.64 77 A indicação dessas terapias não farmacológicas deve ser feita de forma individualizada, considerando as peculiaridades e gostos de cada idoso. Tratamento medicamentoso O tratamento medicamentoso para a doença de Alzheimer é constituído pelos inibidores da acetilcolinesterase e antagonistas do receptor do glutamato. Os inibidores da acetilcolinesterase (donepezila, rivastigmina e galantamina) atuam aumentando a transmissão colinérgica em pacientes ao inibir a enzima acetilcolinesterase (Quadro 4).38 49 As evidências atuais suportam que a atuação desses fármacos pode reduzir a progressão da doença, mesmo que não levem a uma resolução completa do quadro no longo prazo. Os efeitos colaterais mais frequentes resultam de uma hiperativação colinérgica periférica, como: náuseas, vômitos, diarreia, dor abdominal, sialorreia, síncope, arritmia, bradicardia, tonturas, cefaleia, agitação, insônia entre outros. Em geral são bem tolerados.34 38 Outro fármaco disponível para o tratamento da doença de Alzheimer é a memantina, cujo mecanismo de ação envolve o antagonismo nos canais e N-metil-d-Aspartato (NMDA).32 Estima-se que o estímulo excessivo de receptores NMDA possa induzir um quadro de isquemia que leva à neurotoxicidade. Dessa forma, a memantina tem como mecanismo de ação o bloqueio da ativação patológica desses receptores, configurando seu perfil neuroprotetor. A memantina também possui um perfil seguro, com baixa incidência de efeitos colaterais, que normalmente são bem tolerados. O tratamento com memantina está reservado para pacientes em fases moderada e moderadamente graves de doença.5 25 26 54 62 72 Evidências também demonstram que o uso combinado de um inibidor da colinesterase e a memantina seja capaz de melhorar o desempenhocognitivo de pacientes com doença de Alzheimer moderada a severa (quando comparado à monoterapia com a segunda classe).21 Atualmente, qualquer uma dessas medicações pode ser utilizada para o tratamento da demência de Alzheimer, demência vascular e demência associada à doença de Parkinson. Em algumas demências, como a demência frontotemporal, as evidências para o uso dessas drogas é menor. Quadro 4. Medicamentos inibidores da acetilcolinesterase e antagonistas do receptor do glutamato. Medicamento Dose Correção parafunção renal Rivastigmina Cápsulas: 1,5 mg após o café e jantar. Após quatro semanas. 3 mg 12/12 horas. Depois, 4,5 mg 12/12 horas (já é dose terapêutica) até 12 mg/dia. Solução: 2 mg/ml. Patch: menos efeitos gastrointestinais; 4,6 mg/24h, 9,5 mg/24h, 13,3 mg/24h. Para taxa de filtração glomerular ≤ 50 mL/minuto não há necessidade de ajuste de dose. Nesse caso, pode ser recomendado iniciar mais lentamente com 1,5mg uma vez ao dia. Galantamina Cápsulas: iniciar com 8 mg por quatro semanas, depois aumentar para 16 mg e 24 mg (16 mg já é dose terapêutica). Para taxa de filtração glomerular entre 9 e 50 mL/minuto, recomendado dose máxima de 16 mg/dia. Não é recomendado o uso se taxa de filtração glomerular < 9 mL/minuto. Donepezila Iniciar com 5 mg (já é dose terapêutica). Depois de quatro semanas, aumentar para 10 mg (alguns estudos chegam a doses de 23 mg). Sem recomendação de ajuste. Memantina Iniciar com 5 mg/dia, com aumentos de 5 mg a cada semana até dose final de 10 mg 12/12 horas. Para taxa de filtração glomerular de 5 a 29 mL/minuto iniciar com 5 mg uma vez ao dia por uma semana, depois manter 5 mg de 12/12 horas. PREVENÇÃO Além da intervenção farmacológica e do uso de terapias não farmacológicas, muito se discute sobre o impacto da prevenção em diferentes populações, o que contribuiria para uma diminuição dos riscos de síndromes demenciais em idosos. As evidências mais recentes apontam fatores de risco modificáveis, como menor acesso à educação, hipertensão, comprometimento auditivo, uso de cigarro, obesidade, depressão, diabetes, pouco contato social, poluição do ar, traumas cranianos e consumo excessivo de álcool. A importância de reconhecer esses fatores reside no fato de que através de medidas públicas (como melhor acesso à educação) ou pessoais (hábitos de vida mais saudáveis) pode-se trabalhar em prol da manutenção da saúde e diminuição dos riscos de desenvolvimento de uma síndrome demencial.57 74 PROGNÓSTICO No manejo do idoso com síndrome demencial é importante um diagnóstico adequado, a fim de que sejam identificadas causas potencialmente reversíveis de forma precoce. Já as síndromes demenciais não reversíveis são caracterizadas por terem um curso progressivo, independentemente do tratamento farmacológico. Ainda assim, devido a todo progresso científico e estudos voltados para essa área, hoje existem terapias cada vez mais promissoras, que embora não representem uma cura definitiva para a doença, são capazes de melhorar a qualidade de vida de pacientes e familiares envolvidos.14 15 20 38 77 Estudos apontam que aproximadamente um terço das pessoas acima dos 60 anos de idade chegam ao óbito sendo portadoras de síndromes demenciais, e as taxas de sobrevida após o diagnóstico da doença variam entre 3,3 a 11,7 anos. Ainda assim, é estimado que apenas um quarto das pessoas que morrem com demência estão na fase avançada da doença.8 Atualmente observa-se que determinadas populações como mulheres, minorias étnicas e social têm maior risco de chegar ao óbito em estado severo de demência. Acredita-se que esses indivíduos comumente possuem menos acesso à educação ao longo de suas vidas, o que contribuiria para uma “carga cognitiva” reduzida. Além disso, as mulheres, em geral, possuem uma expectativa de vida maior do que os homens, o que também contribuiria para um maior tempo de vida “disponível” para a progressão dos sintomas para uma fase severa da doença.8 As estatísticas também revelam que existe um aumento das taxas de mortalidade em grupos cada vez mais idosos, uma vez que é estimado que grupos nas faixas etárias de 70 a 74 anos apresentam um aumento de 9,5% de mortalidade, podendo chegar a um aumento de até 84% em pacientes com 85 anos ou mais.57 74 Por fim, demais fatores podem contribuir para um aumento da mortalidade na DA e outras demências, como comorbidades e desnutrição. Por isso a identificação e manejo desses fatores modificáveis torna-se, então, uma peça-chave para uma melhora do prognóstico dos pacientes, o que envolve a atuação conjunta de equipes de saúde e cuidadores.22 A. Diante do caso clínico, quais elementos indicam a suspeita de uma síndrome demencial? RESPOSTA: No caso clínico pode-se observar sinais de alerta para uma possível deterioração cognitiva, uma vez que o paciente apresenta esquecimento para fatos recentes, dificuldade de organização de suas finanças, de nomeação de objetos, entre outros. Muitas vezes o próprio paciente pode “subestimar” seus sintomas, por acreditar que certos “esquecimentos” são comuns para sua idade (ideia que muitas vezes é reforçada pela família ou até alguns profissionais da saúde sem o devido conhecimento da doença). B. Como podemos realizar uma abordagem inicial do desempenho cognitivo desse paciente? RESPOSTA: Na consulta geriátrica é importante uma anamnese detalhada com enfoque nas alterações cognitivas e o quanto elas interferem nas atividades de vida diária, uma vez que esses dois elementos são condições necessárias para um diagnóstico adequado. Existe um conjunto de testes que podem ser realizados para avaliação cognitiva e de capacidade funcional. Em nosso meio, os mais utilizados são o miniexame do estado mental (MEEM), teste do relógio, fluência verbal de animais em um minuto, além dos testes de Lawton e Katz para avaliação de atividades instrumentais e básicas de vida diária, respectivamente. C. Qual a importância da família e/ou pessoas próximas na avaliação, diagnóstico e acompanhamento deste caso? RESPOSTA: Tanto a família quanto as pessoas mais próximas são essenciais para o cuidado do idoso com demência. Durante as consultas a presença do acompanhante é importante para fornecer informações a respeito do quadro clínico, já que, na maioria das vezes, o paciente com declínio cognitivo não é capaz de reconhecer seus sintomas e a progressão deles. Além disso, familiares e cuidadores normalmente compõem uma rede de suporte, uma vez que de acordo com a evolução da doença o paciente tende a cursar com deterioração cognitiva e se torna dependente para atividades de vida diária. D. Qual a importância do reconhecimento do impacto da DA na autonomia e independência do paciente idoso baseado neste caso? RESPOSTA: As síndromes demenciais, como a DA, são caracterizadas por um declínio progressivo e irreversível de diversas capacidades cognitivas que afetam sua capacidade funcional. Atividades como cuidar das próprias finanças, medicamentos, trabalhos domésticos e preparo das próprias refeições normalmente são comprometidas na fase inicial. De acordo com a progressão, a doença pode chegar a um nível de acometimento mais severo, onde o paciente é incapaz de realizar atividades básicas sem auxílio, como comer, tomar, banho e deambular. Isso ressalta a importância do rastreio, diagnóstico e acompanhamento desta doença em pacientes idosos. No caso clínico o paciente em questão tem como sustento uma atividade comercial informal, e os impactos de uma possível síndrome demencial na organização das suas finanças pode ter fortes implicações em suas condições de vida e moradia, o que torna importante que esse paciente conte com uma estrutura de saúde, familiar e social, para o manejo da sua possível condição. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Aarsland D, Andersen K, Larsen JP, et al. Prevalence and characteristics of dementia in Parkinson disease: an 8-year prospective study. Arch Neurol. 2003 Mar;60(3):387-92. 2. American Psychiatric Association (APA). DSM-5:Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais. 5a ed. 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Ao chegar na emergência, identificou-se uma fratura de colo de fêmur, sendo então realizado cirurgia e, em seguida encaminhada para a unidade de terapia intensiva. Paciente apresentava um histórico de diabetes, hipertensão, depressão e fazia uso domiciliar de metformina, carvedilol, nifedipino, amitriptilina e diazepam (sendo esse último sem prescrição médica). Durante a evolução da internação, a paciente apresentou confusão mental, confundiu os enfermeiros com seus netos, não sabia onde estava e tentava constantemente sair do leito. O médico plantonista receitou risperidona e foi realizada a contenção no leito. Após algumas horas a paciente ainda apresentava confusão mental, no entanto, estava mais hipoativa. A. Que fatores de risco para delirium podem ser identificados no caso acima? B. Quais medidas não farmacológicas poderiam ter sido adotadas em conjunto com as farmacológicas? DEFINIÇÃO O delirium é uma síndrome neuropsiquiátrica aguda caracterizada primariamente por deficit na atenção e no nível de consciência, de forma flutuante, associado a prejuízo na cognição. Entre os domínios cognitivos que podem ser afetados destacamos a memória, orientação, linguagem, habilidade visuoespacial e percepção. Ele também não pode ser explicado por outra desordem neurocognitiva preexistente, necessitando de evidênciasclínicas e laboratoriais de que o distúrbio é causado por uma condição médica, efeito colateral de medicação, intoxicação por substância ou abstinência.4 Podemos classificar o delirium em dois grupos, de acordo com sua apresentação. O delirium hipoativo é marcado por lentificação psicomotora, letargia e pouca responsividade, sendo a forma mais comum encontrada em pacientes idosos. O delirium hiperativo, por outro lado, é caracterizado por agitação psicomotora, inquietação, labilidade emocional. Em grande parte dos pacientes podem ser observadas ambas apresentações, que flutuam ao longo do dia, sendo nesses casos classificados como delirium misto.52 EPIDEMIOLOGIA O delirium é uma síndrome frequentemente observada em idosos, principalmente quando hospitalizados. Em idosos de comunidade, as taxas de delirium situam-se em torno de 2%, chegando a 14% para aqueles com idade acima de 85 anos.22 52 Nos pacientes internados, por outro lado, a incidência de delirium se aproxima de 30%17, atingindo até 50%14 dos idosos em pós-operatório e até 80% dos internados em unidades de terapia intensiva.16 36 Essa taxa parece ser maior em instituições que não realizam medidas preventivas adequadas, conforme será discutido no escopo deste capítulo. FISIOPATOLOGIA Apesar de o delirium ser conhecido há milênios, a sua fisiopatologia não está bem esclarecida, nem há um consenso sobre os fatores envolvidos no seu desenvolvimento. Entretanto, sabe-se que o estado confusional agudo é a via final de vários fatores que culminam em disfunção cerebral. Os mecanismos mais aceitos envolvem aumento de citocinas inflamatórias, hipóxia, alterações na permeabilidade da barreira hematoencefálica e estresse oxidativo, ativação do eixo hipotálamo- hipófise-adrenal, alterando a síntese de neurotransmissores.44 Embora muitos neurotransmissores estejam implicados, as alterações mais comumente descritas incluem deficiência de acetilcolina e/ou melatonina e excesso de dopamina, norepinefrina e/ou glutamato, com destaque para o efeito direto das alterações na via colinérgica e dopaminérgica.32 52 Na Figura 1 estão demonstrados os principais componentes fisiopatológicos do delirium. Figura 1. Componentes fisiopatológicos do delirium. Adaptada de Maldonado, 2017.32 FATORES DE RISCO Os fatores de risco para o desenvolvimento do delirium são divididos em fatores predisponentes e fatores precipitantes. Os fatores predisponentes se referem a condições preexistentes individuais de cada paciente, geralmente não modificáveis, enquanto os fatores precipitantes se relacionam aos gatilhos que podem contribuir para o desenvolvimento do delirium (Quadro 1).16 Quadro 1. Condições preexistentes e fatores desencadeantes de delirium. Fatores predisponentes Fatores precipitantes Idade > 75 anos Admissão em emergência eunidade de terapia intensiva. Demência Trauma. Comprometimento visual Sepse e outras doenças agudas. Comprometimento auditivo Imobilização. Comorbidades Sonda nasoenteral, sonda vesical, cateteres venosos centrais e outros dispositivos invasivos. Doença cerebrovascular Desnutrição e desidratação. Uso de álcool Medicações e outrasiatrogenias. Multimorbidades Cirurgias. Delirium prévio Distúrbios metabólicos ehidroeletrolíticos. Depressão Abuso ou abstinência desubstâncias. Status funcional ruim Mudança de ambiente. Doença terminal Abuso ou privação de sono. Adaptado de Inouye SK et al., 2014.24 QUADRO CLÍNICO Para diferenciar o delirium de outras situações clínicas, é importante estar atento ao curso agudo característico da síndrome, destacando que o paciente idoso pode apresentar flutuação do estado mental, fazendo-o transitar entre estados hipoativos e hiperativos, caracterizando o delirium misto. O deficit de atenção é comumente encontrado e, somado ao pensamento desorganizado, dificulta a comunicação. Outros sintomas que podem ser observados são: alterações no ciclo do sono-vigília, depressão, medo, inquietação, euforia, agressividade, alucinações e delírios. Frequentemente, esses sintomas duram poucas horas e têm rápida resolução; contudo, se não identificado e tratado adequadamente, o delirium pode persistir por semanas ou meses.7 27 ABORDAGEM DIAGNÓSTICA Dada a grande prevalência dos casos de delirium nas unidades de saúde e o impacto que essa síndrome pode causar nos idosos, os conhecimentos sobre seu diagnóstico têm grande importância para a prática clínica e devem ser conhecidos por todos os médicos, não só especialistas geriatras. Além disso, ela pode representar o único sinal de uma doença grave e indicar risco de vida22; contudo, o subdiagnóstico ainda é comum, principalmente quando ela se apresenta em sua forma hipoativa. Portanto, o delirium normalmente é um indicador de outras enfermidades — considerando que muitas vezes as doenças apresentam sinais e sintomas atípicos na população geriátrica. Um recente estudo de coorte demonstrou que o delirium era identificado em 28% dos idosos com COVID-19 que adentravam as emergências; em 37% desses casos os pacientes não apresentavam sintomas típicos da infecção pelo vírus Sars-CoV-2.26 O diagnóstico do delirium se baseia na avaliação clínica criteriosa e na utilização de instrumento de rastreio, destacando-se o Confusion Assesment Method (CAM), que está disponível anexo no final do capítulo.15 A aplicação das escalas de rastreio pode ainda ser complementada pela avaliação dos critérios diagnósticos do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM 5), conforme demonstrado no Quadro 2.4 Quadro 2. Critérios diagnósticos de delirium do DSM-5.4 A. Perturbação da atenção (i.e., capacidade reduzida para direcionar, focalizar, manter e mudar a atenção) e da consciência (menor orientação para o ambiente). B. A perturbação se desenvolve em um período breve de tempo (normalmente de horas a poucos dias), representa uma mudança da atenção e da consciência basais e tende a oscilar quanto à gravidade ao longo de um dia. C. Perturbação adicional na cognição (p. ex., deficit de memória, desorientação, linguagem, capacidade visuoespacial ou percepção). D. As perturbações dos Critérios A e C não são mais bem explicadas por outro transtorno neurocognitivo preexistente, estabelecido ou em desenvolvimento e não ocorrem no contexto de um nível gravemente diminuído de estimulação, como no coma. E. Há evidências a partir da história, do exame físico ou de achados laboratoriais de que a perturbação é uma consequência fisiológica direta de outra condição médica, intoxicação ou abstinência de substância (i.e., devido a uma droga de abuso ou a um medicamento), de exposição a uma toxina ou de que ela se deva a múltiplas etiologias. Adaptado de American Psychiatric Association, 2013.4 Conforme demonstrado, para que seja realizado um diagnóstico adequado de delirium é necessária a caracterização do estado cognitivo basal do doente (através, por exemplo, da conversa com familiares ou cuidadores), para que possa ser identificado um real declínio que sinalize a necessidade do rastreio de delirium com instrumentos diagnósticos.28 Já em relação ao CAM, que corresponde à ferramenta mais utilizada para a identificação da síndrome, observa-se uma excelente sensibilidade e especificidade de 94% a 100% e 96% a 100%, respectivamente. Esse instrumento consiste em uma série de perguntas que devem ser feitas pelo médico para o paciente, onde os seguintes critérios indicadores são analisados: A) início agudo; B) presença de desatenção; C) pensamento desorganizado; D) alteração do nível de consciência. O CAM também contempla outros itens, como desorientação temporoespacial, alteração de memória, agitação psicomotora e distúrbio do ciclo sono-vigília. Para um rastreio positivo de delirium o paciente precisa apresentar os critérios A e B, somados ao C ou D. Existem ainda outras versões do CAM e adaptações para cenários, como as unidades de terapia intensivas, nas quais muitas vezes os pacientes estão em ventilação mecânica e precisam seravaliados de forma mais adaptada.13 22 Aliado ao uso dessas ferramentas diagnósticas, a abordagem do delirium deve incluir uma avaliação cuidadosa do médico, que deve ser focada na história clínica, no exame físico e nos exames complementares dos pacientes, a fim de que seja identificada corretamente a síndrome, assim como possíveis etiologias. É importante ressaltar que, nos idosos, é comum a presença de diversos fatores etiológicos em um mesmo paciente.33 A anamnese deve focar na investigação dos sintomas característicos do delirium (conforme já descrito), assim como fatores predisponentes e precipitantes, a exemplo de infecções, de distúrbios metabólicos, alterações eletrolíticas, desidratação e uso de medicamentos, principalmente aqueles com efeito anticolinérgico. No Quadro 3 estão descritas as principais drogas que podem contribuir para o desenvolvimento do delirium. Quadro 3. Principais drogas que podem contribuir para o desenvolvimento do delirium. Anti-histamínicos. Antimicrobianos (ex.: quinolonas, cefalosporinas de 4ª geração) Analgésicos opioides, anti-inflamatórios não hormonais. Corticosteroides. Antiparkinsonianos: levodopa, pramipexol, bromocriptina, amantadina. Anticonvulsivantes. Propantelina, atropina. Relaxantes musculares. Antipsicóticos: clorpromazina, olanzapina, tioridazina, clozapina. Antimuscarínicos para incontinência. Antidepressivos: tricíclicos, paroxetina, mirtazapina. Sedativos: benzodiazepínicos e não benzodiazepínicos, barbitúricos. Cardiovasculares: antiarrítmicos, betabloqueadores, metildopa, clonidina, diuréticos, digitálicos, disopiramida. Gastrointestinais: bloqueadores H2, metoclopramida, loperamida, hioscina. Outros: fitoterápicos, lítio, donepezil. Adaptado de American Geriatrics, 2019; Lobo et al., 2010; Marcantonio, 2017.2 33 O exame físico deve focar na análise dos sinais vitais e achados clínicos que possam indicar possíveis etiologias como baixa saturação de oxigênio, febre, taquicardia, hipotensão, dor, alterações na ausculta, assim como achados neurológicos que possam justificar outra doença do sistema nervoso central. Existem também diversos exames complementares que podem ser realizados de forma a auxiliar no diagnóstico, que devem ser solicitados de forma individualizada, levando em consideração a apresentação clínica de cada paciente (Quadro 4). Nesse contexto, é preferível inicialmente realizar exames mais acessíveis e menos invasivos, de forma a prevenir iatrogenias. A depender do quadro clínico e gravidade, podem ser necessários exames mais complexos.22 30 Quadro 4. Principais exames que podem ser realizados na investigação etiológica do delirium. Eletrólitos. Ureia e creatinina. Bilirrubinas, TGO, TGP, fosfatase alcalina, gama GT. Glicemia. Hemograma. Sumário de urina. Culturas. Avaliação da tireoide. Vitamina B12. Gasometria arterial e lactato. Exames de imagem: radiografia de tórax, neuroimagem (apenas em casos sem nenhuma causa aparente, sinais de trauma e achados em exame neurológico). Outros exames de imagem podem ser necessários de acordo com a suspeita clínica. Eletroencefalograma: em casos suspeitos de convulsões. Estudo do líquor: em casos suspeitos de meningoencefalite, ou hemorragia subaracnóidea, quando a causa não está clara. Adaptado de Lôbo et al., 2010.30 Vale ressaltar que o diagnóstico diferencial também é muito importante, pois as características do delirium se assemelham com diversas outras enfermidades que devem ser sempre consideradas, como os quadros demenciais, a depressão e as psicoses. Nesse sentido, a história clínica do paciente e o relato do acompanhante têm importância crucial, porém, na falta deles, é sensato considerar a afecção do paciente e tratá-la primariamente como delirium.33 Nesse sentido, o diagnóstico diferencial também deve focar na identificação das características mais comuns ao delirium, que se diferenciam de outras afecções. Por exemplo, no caso das demências, sabemos que o início é mais insidioso e não apresenta flutuação dos sintomas. Já a depressão pode ser confundida com o delirium hipoativo, porém, durante a anamnese muitas vezes conseguimos identificar condições de gatilho e sintomas prévios que podem sugerir transtorno de humor. O quadro abaixo apresenta de forma objetiva os principais aspectos a serem considerados nas doenças mais comuns que devem ser consideradas no diagnóstico diferencial do delirium. É necessário, então, considerar que o quadro clínico dessas doenças pode sofrer variações, principalmente entre os idosos, portanto o conhecimento fundamentado delas pelos profissionais é imprescindível. Quadro 2. Diagnóstico diferencial. Característica Delirium Demência Depressão Início Súbito. Insidioso. Coincide com alterações da vida; frequentemente recente. Curso nas 24h Flutuante com exacerbação noturna. Estável. Efeitos diurnos, tipicamente piora pela manhã; menos flutuações do que delirium. Consciência Reduzida. Clara. Clara. Atenção Globalmenteprejudicada. Normal, exceto em casos graves. Prejuízo mínimo; distrativo. Cognição Globalmenteprejudicada. Globalmente prejudicada. Memória prejudicada; ilhas de memórias intactas; pensamentos negativos. Orientação Frequentemente prejudicadas; flutua em gravidade. Frequentemente prejudicada. Seletivamente prejudicada. Alucinações Frequentemente visuais ou visuais e auditivas. Frequentemente ausentes. Ausentes, exceto em casos graves. Ideias delirantes Fugazes; pobremente sistematizado. Frequentemente ausentes. Ausentes, exceto em casos graves. Linguagem Frequentemente incoerente, lenta ou rápida. Dificuldade em encontrar palavras e perseverança. Normal. Adaptado de Moraes et al., 2010.37 PREVENÇÃO Tanto a prevenção quanto o tratamento do delirium são baseados nos seguintes princípios: 1) evitar fatores agravantes a exemplo da polifarmácia, desidratação, imobilização, comprometimento sensorial e interrupção do ciclo sono-vigília; 2) identificar e tratar a doença subjacente; 3) fornecer cuidados de suporte para prevenir piora do comprometimento cognitivo e físico; 4) na presença de agitação que pode levar a agravos ou risco de remoção de dispositivos, usar agentes farmacológicos de curta ação e em baixa dosagem. Portanto, as medidas preventivas se assemelham, dessa forma, ao tratamento não farmacológico, que será detalhado mais à frente no Quadro 3. As evidências atuais demonstraram que as medidas de prevenção não farmacológica multidisciplinar constituem o fator de maior impacto na redução da incidência de delirium, conforme será abordado mais adiante. Essas medidas preventivas parecem ser mais eficazes em um grupo selecionado de idosos hospitalizados com maior número de fatores predisponentes e precipitantes. Entre esses, se destacam pacientes com alterações metabólicas e infecciosas, cirúrgicos, pacientes admitidos por trauma e indivíduos internados em unidades de terapia intensiva.1 24 33 Em relação à prevenção farmacológica, as medicações antipsicóticas não são recomendadas, devido à ausência de benefícios e risco de efeitos colaterais.28 Alguns estudos apontam para a suplementação de agonistas de receptores da melatonina com essa finalidade, porém o tema ainda se mantém controverso, com uma sugestão para o uso de ralmeteona 8mg, na prevenção do delirium.10 21 52 Quanto à melatonina, existe uma maior heterogeneidade entre os estudos, com uma variação entre doses sugeridas.11 51 TRATAMENTO Manejo não farmacológico Até o momento, as evidências na literatura sugerem que as medidas não farmacológicas multicomponentes são os fatores de maior impacto no tratamento do delirium, sendo que o uso de medicamentos é restrito para controle de sintomas refratários, de forma individualizada. No Quadro 3 estão sugeridas as principais medidas não farmacológicas. Quadro 3. Abordagem multifatorial do delirium. Estímulos cognitivos: reorientação temporoespacial, fornecer relógios, calendários, janelas com vistas externas e reorientação verbal, estimulara cognição e memória. Evitar restrição ao leito Deambulação precoce Higiene do sono: evitar procedimentos médicos e de enfermagem, incluindo administração de medicamentos, durante as horas de sono. Reduzir o ruído noturno. Ambiente de internação calmo e iluminado Permitir acompanhante: promover uma familiarização com o ambiente em que está inserido e com as pessoas que estão ao seu redor. Prover órteses: permitir que possa permanecer com seus óculos e aparelho auditivo, se utilizados. Evitar dispositivos invasivos: evitar procedimentos que limitem alguma função, como a colocação de sondas e cateteres. Manejar dor: gerenciar a dor usando medicamentos não opioides, sempre que possível. Tratar condição médica subjacente Manter hidratação e nutrição Adaptado de Inouye SK et al., 1999.23 Algumas dessas medidas são bastante factíveis de serem implementadas, porém outras necessitam de um planejamento estratégico direcionado dentro das instituições. É muito importante que todos os serviços de saúde que atendem a idosos atuem de forma a implementar tais medidas, uma vez que a literatura já demonstra benefícios claros na redução de incidência, tempo e gravidade do delirium. Manejo farmacológico As evidências atuais sugerem que o uso da maioria dos fármacos não é eficaz em reduzir a incidência e tempo de delirium. Porém, em casos de sintomas hiperativos refratários a medidas não farmacológicas que tragam risco de danos, o tratamento farmacológico pode ser indicado. Entre as classes de medicamentos que têm sido estudados no tratamento do delirium hiperativo destacam-se: os neurolépticos, dexmedetomidina, benzodiazepínicos, agonistas dos receptores da melatonina, analgésicos e tiamina. Os neurolépticos constituem o grupo de medicamentos mais utilizados na prática clínica. Apesar disso, os estudos indicam que eles não têm efeito significativo na redução da duração do delirium, assim como na mortalidade.40 41 Além disso, seu uso tem sido associado a eventos adversos, como: prolongamento de intervalo QT, parkinsonismo e risco de morte súbita.6 34 Atualmente, nenhum deles está aprovado pela Food and Drug Association (FDA) para o tratamento do delirium, portanto o uso desses agentes nesse contexto deve ser individualizado, dando preferência ao uso de doses mais baixas, por período curto, quando possível.18 42 No Quadro 4 estão demonstradas as particularidades de cada antipsicótico, que auxiliam na tomada de decisões. Essa escolha deve levar em conta aspectos farmacocinéticos e farmacodinâmicos, via de administração e os possíveis efeitos adversos. Atualmente, o fármaco mais utilizado é o haloperidol, pois apresenta menos efeitos sedativos e tem experiência clínica mais longa. Quadro 4. Neurolépticos mais utilizados na prática clínica para o tratamento do delirium. Medicamento neuroléptico Dose inicial Dose diária máxima recomendada Vantagens Desvantagens Haloperidol 0,5 a 1 mgVO/IM/EV. 3 a 5 mg/dia VO/IM/EV Maior experiência clínica. Menor efeito sedativo. Maior risco de prolongamento de QT. Sintomas extrapiramidais. Quetiapina 12,5 a 25mg VO. 50 mg VO (alguns autores sugerem 100 a 200 para atingir efeito antipsicótico). Menos efeito extrapiramidal. Fácil titulação pela meia-vida de 6 horas. Efeito anticolinérgico. Olanzapina 2,5 a 5 mgVO. 20 mg VO. Melhora apetite e peso em pacientes com caquexia. Sedação, efeito anticolinérgico, difícil titulação pela meia-vida de 30 horas. Risperidona 0,5 a 0,5 mg VO. 3 mg VO. Menor efeito sedativo. Risco de sintomas extrapiramidais, porém ainda menor do que o haloperidol. Risco de hipotensão ortostática. Necessidade de ajuste para função renal. Adaptado de Marcantonio E., 2017.19 VO = via oral; IM = intramuscular; EV = endovenoso. A dexmedetomidina trata-se de um agonista alfa-2 adrenérgico que tem sido amplamente usada para o tratamento do delirium nas unidades de emergência de terapia intensiva. No entanto, a literatura tem trazido resultados conflitantes, sem que haja uma comprovação na diminuição da incidência de delirium.9 20 29 45 49 Seu uso tem sido preconizado principalmente para aqueles pacientes em ventilação mecânica, de forma a poupar o uso de benzodiazepínicos, uma vez que parece estar associado a uma redução na duração do delirium e tempo para extubação.45 No manejo do idoso é recomendado um maior cuidado, uma vez que doses altas têm sido associadas a eventos adversos como hipotensão e bradicardia. Por isso, é indicado que o paciente esteja monitorizado e que seja realizada titulação cautelosa, muitas vezes evitando dose de ataque. Os benzodiazepínicos têm uso bastante restrito no delirium, uma vez que estão associados a diversos eventos adversos no idoso que podem levar a piores desfechos.2 Atualmente sua principal indicação é para o uso no delirium tremens associado à abstinência do uso de álcool. Nesse caso, é preconizado o uso de lorazepam na dose de 0,5 a 1 mg, devendo-se estar atento ao risco de agitação paradoxal e sedação excessiva após o seu uso.31 Os benzodiazepínicos podem ser indicados também para os idosos em cuidados paliativos, em terminalidade, com sintomas refratários a medidas clínicas, quando nesse caso pode se indicar o uso do midazolam. Outra condição comum são aqueles idosos que fazem uso crônico de benzodiazepínicos em domicílio, e por isso é imprescindível uma atenção especial a fim de que seja realizado um desmame progressivo, reduzindo assim o risco de abstinência.33 Os agonistas dos receptores da melatonina — conforme já descrito — têm sido uma classe bastante promissora para o uso na prevenção e tratamento do delirium, com uma sugestão para a redução na incidência de delirium com o uso de ralmeteona 8 mg antes de dormir. Já para a melatonina, as evidências são mais heterogêneas, a fim de se indicar uma dose padrão. A grande vantagem dessa classe de medicações é a baixa incidência de eventos adversos, o que torna convidativo o seu uso na prática clínica.21 Seu uso é indicado principalmente para aqueles com alteração do ciclo sono-vigília. Dentro do contexto de delirium, um componente importante que precisa ser avaliado adequadamente é a dor. A suspeição de dor mascarada exacerbando o delirium deve ser ainda maior nos idosos com dificuldade de verbalização, admitidos por trauma, em pós- operatório ou com doença oncológica de base. Sinais como agitação, taquicardia, hipertensão, taquipneia e gemência devem fortalecer a suspeita. O tratamento da dor deve ser individualizado e quando possível é recomendado evitar opioides e anti-inflamatórios não hormonais.2 5 38 39 Outra condição que deve ser tratada é a deficiência de tiamina, que pode levar a uma síndrome de Wernicke (encefalopatia, ataxia de marcha e distúrbios oculomotores). Ela deve ser suspeitada nos pacientes etilistas, desnutridos e portadores de síndromes disabsortivas — e tal condição deve ser tratada antes mesmo da confirmação laboratorial.19 PROGNÓSTICO A ocorrência de delirium está associada a um pior prognóstico, uma vez que pode levar a um aumento do tempo de internação, risco de institucionalização, aumento da mortalidade durante a internação e no ano seguinte a ela.48 É importante salientar que os sintomas do delirium podem ter uma duração prolongada, estendendo-se por várias semanas no período pós-agudo, mesmo após correção dos fatores desencadeantes e patologia subjacente. Estudos atuais já sugerem que as alterações cognitivas podem se perpetuar por períodos maiores que um ano e, em alguns casos, o delirium pode levar a danos permanentes na autonomia, funcionalidade e perda da qualidade de vida.8 12 25 32 46 50 Isso demonstra a importância das estratégias de prevenção com o objetivo de reduzir o risco de delirium em idosos, assim como diagnóstico precoce e manejo adequado. Por isso, é essencial que esses conhecimentos sejam disseminados para todos os profissionais de saúde que prestam cuidados ao paciente idoso. A. Que fatores de risco para delirium podem ser identificados no caso acima?RESPOSTA: A combinação de algumas condições predisponentes e fatores precipitantes podem deixar a paciente mais suscetível ao desenvolvimento de delirium. Nesse caso, podemos observar condições como a própria idade da paciente, a presença de dor, o uso de benzodiazepínicos, múltiplas comorbidades, a realização de cirurgia complexa, o contexto de hospitalização e a contenção no leito. B. Quais medidas não farmacológicas poderiam ter sido adotadas em conjunto com as farmacológicas? RESPOSTA: Medidas não farmacológicas influenciaram de forma determinante na prevenção, porém mesmo com a doença instalada elas devem ser usadas como tratamento. Primeiramente deve ser retirada a contenção física. Além disso, é preciso revisar os medicamentos em uso e retirar os desnecessários, pesquisar a possibilidade de sintomas de abstinência pelo uso prévio de benzodiazepínicos, investigar alterações clínicas e realizar o tratamento adequado (dor, desidratação e infecção), regular os horários de sono, adequar a iluminação do quarto ao dia e noite, tornar o ambiente mais confortável e familiar a ela, reduzir a troca de acompanhantes e da equipe. Se a paciente usar óculos ou aparelho auditivo, incentivar que sejam usados durante a internação. O monitoramento dessa paciente deve ser priorizado pela equipe, pois o aparecimento de delirium é fator de risco para uma nova manifestação da doença. VERSÃO EM PORTUGUÊS DO CONFUSION ASSESSMENT METHOD (CAM)8 1. Início agudo Há evidência de uma mudança aguda do estado mental de base do paciente? 2. Distúrbio da atenção* A. O paciente teve dificuldade em focalizar sua atenção, por exemplo distraiu-se facilmente ou teve dificuldade em acompanhar o que estava sendo dito? • Ausente em todo o momento da entrevista. • Presente em algum momento da entrevista, porém de forma leve. • Presente em algum momento da entrevista, de forma marcante. • Incerto. B. Se presente ou anormal, este comportamento variou durante a entrevista, isto é, tendeu a surgir e desaparecer ou aumentar e diminuir de gravidade? • Sim. • Não. • Incerto. • Não aplicável. C. Se presente ou anormal, descreva o comportamento. 3. Pensamento desorganizado O pensamento do paciente era desorganizado ou incoerente, com a conversação dispersiva ou irrelevante, fluxo de ideias pouco claro ou ilógico, ou mudança imprevisível de assunto? 4. Alteração do nível de consciência Em geral, como você classificaria o nível de consciência do paciente? • Alerta — normal. • Vigilante — hiperalerta, hipersensível a estímulos ambientais, assustando-se facilmente. • Letárgico — sonolento, acordando com facilidade. • Estupor — dificuldade para despertar. • Coma. • Incerto. 5. Desorientação O paciente ficou desorientado durante a entrevista, por exemplo pensando que estava em outro lugar que não o hospital, que estava no leito errado, ou tendo noção errada da hora do dia? 6. Distúrbio (prejuízo) da memória O paciente apresentou problemas de memória durante a entrevista, como incapacidade de se lembrar de eventos do hospital, ou dificuldade para se lembrar de instruções? 7. Distúrbios de percepção O paciente apresentou sinais de distúrbio de percepção, por exemplo alucinações, ilusões ou interpretações errôneas (pensando que algum objeto fixo se movimentava)? 8. Agitação psicomotora Parte 1: durante a entrevista, o paciente apresentou aumento anormal da atividade motora, como agitação, beliscar de cobertas, tamborilar com os dedos ou mudança súbita e frequente de posição? Parte 2: durante a entrevista, o paciente apresentou diminuição anormal da atividade motora, como letargia, olhar fixo no vazio, permanência na mesma posição por longo tempo, ou lentidão exagerada de movimentos? 9. Alteração do ciclo sono-vigília O paciente apresentou sinais de alteração do ciclo sono-vigília, como sonolência diurna excessiva e insônia noturna? *As perguntas listadas abaixo deste tópico foram repetidas para cada item, quando aplicáveis. Fonte: retirada do artigo “Validity and reliability of the Portuguese version of the confusion assessment method (CAM) for the detection of delirium in the elderly”.15 Fonte: fluxograma adaptado de “Delirium e estados confusionais agudos: prevenção, tratamento e prognóstico”. UpToDate, 2020.18 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Abraha I, Rimland J, Trotta F, et al. Non-pharmacological interventions to prevent or treat delirium in older patients: Clinical practice recommendations the SENATOR-ONTOP series. The journal of nutrition, health & aging. 2016;20(9):927-936. 2. American Geriatrics Society Expert Panel on Postoperative Delirium in Older Adults. American Geriatrics Society abstracted clinical practice guideline for postoperative delirium in older adults.Journal of the American Geriatric Society 2015;63:142-50. 3. American Geriatrics Society Beers Criteria® Update Expert Panel. 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Paciente com antecedente de hipertensão, vem em consulta de rotina com seu cardiologista para ajuste de tratamento. Chega ao consultório acompanhado da esposa e neto. Durante a consulta o paciente demonstra pouco interesse em responder as perguntas do entrevistador, mantendo os olhos baixos e respondendo sempre de forma lenta. Sua esposa se incomoda com sua participação na consulta e se queixa que seu marido “não está normal”, pois não está comendo direito, está constantemente reclamando, “não sai da cama” e ultimamente tem pedido ajuda para realizar a auto-higiene pois alega estar “sempre cansado”; ela pergunta se isso não pode ser “efeito do remédio” que ele está tomando para hipertensão (losartana 50 mg). Quando perguntado sobre sua condição geral e bem-estar, o paciente revela uma profunda insatisfação com a vida, saudade de seu antigo emprego (trabalhava como barbeiro), tem dificuldade para dormir e que não sente mais prazer nas suas atividades diárias. Durante a entrevista, seu neto o interrompe e alega que isso é “normal para velhice” de seu avô, embora reconheça que ele tenha piorado nos últimos meses. A. Diante do caso apresentado, quais elementos podem indicar um comprometimento do estado de humor do paciente? B. De que forma podemos avaliar um quadro de possível depressão em pacientes idosos como este? C. O que devemos levar em consideração acerca da fala do neto do paciente? D. Qual a relação do caso apresentado a uma possível síndrome demencial? INTRODUÇÃO E EPIDEMIOLOGIA A depressão é um transtorno psiquiátrico da área afetiva, caracterizado como um estado de humor deprimido ou perda de prazer associado a outras alterações. Tratando-se de pessoas idosas, sabemos que essa parcela da população está exposta a diversos fatores de risco, como baixo nível socioeconômico, perdas, isolamento, baixo suporte social, institucionalização, multimorbidades, perda de capacidade funcional e de autonomia. Além disso, parte dos idosos com depressão não são adequadamente diagnosticados, uma vez que os sintomas podem ser encarados como “normais da velhice”.34 37 Esse tipo de concepção é muitas vezes aceita e perpetuada entre idosos, familiares e até entre alguns profissionais de saúde, o que certamente dificulta uma detecção precoce. Estudos epidemiológicos demonstram que, comparado aos jovens, pessoas idosas têm menor prevalência de transtorno depressivo maior confirmado por critérios estabelecidos, apesarde manifestarem com maior frequência sintomas depressivos.10 Estima-se, portanto, uma prevalência que varia entre 3% a 15% para o transtorno depressivo maior, e de 13% a 39% para sintomas depressivos em idosos da comunidade.10 Dados também apontam que entre os indivíduos acima de 65 anos, quanto maior a idade maior a frequência desses sintomas, que podem atingir até 50% dos pacientes acima dos 90 anos.9 44 Ao avaliar especificamente os idosos, também observamos que existe uma maior prevalência de depressão associada a doenças orgânicas, como neoplasias (33%), acidente vascular encefálico (47%), infarto agudo do miocárdio (45%), demências (31%) e doença de Parkinson 39%.14 Já em contextos hospitalares, sintomas depressivos podem estar presentes em até 56% dos pacientes, enquanto que nas instituições de longa permanência essa porcentagem varia de 25% a 49%.2 29 49 73 84 FISIOPATOLOGIA A fisiopatologia da depressão no idoso inclui fatores psicossociais, ambientais, hormonais, genéticos e disfunção de neurotransmissores que, em conjunto, contribuem para o desenvolvimento da doença.42 Conforme já discutido, diversas condições pré-existentes podem contribuir para quadros depressivos, a exemplo das endocrinopatias, neoplasias, doenças neurológicas, cardiovasculares, desordens metabólicas como deficiência de vitamina B12 e desnutrição. Alguns fármacos e substâncias podem também atuar como fatores de risco, a exemplo da metildopa, benzodiazepínicos, propranolol, reserpina, antiparkinsonianos, cimetidina, clonidina, hidralazina, tamoxifeno, álcool e outros.3 6 26 Atualmente, atribui-se com um dos principais componentes dessa fisiopatologia o complexo balanço entre as substâncias que compõem os sistemas monoaminérgicos, dentre elas a norepinefrina, serotonina, dopamina e acetilcolina. É creditado a esses neurotransmissores a regulação de atividades como apetite, sono, atividade psicomotoras e, por fim, o humor. A partir da observação da ação de fármacos inibidores da monoamina oxidase (MAO), aumentando as concentrações de noradrenalina e serotonina através da inibição da recaptura sináptica de monoaminas, pode-se embasar a “hipótese catecolaminérgica” que atribuía os sintomas depressivos a uma baixa dessas substâncias. Ainda assim, é sabido que os efeitos das drogas antidepressivas costumam se manifestar somente após algumas semanas — duas a três, dependendo da literatura —, embora os níveis de norepinefrina e serotonina sejam elevados após poucas horas de ação do fármaco. Diante disso, foi necessário formular hipóteses que justificassem esse fato. Atualmente, as pesquisas mais recentes apontam para a função dos receptores pré e pós-sinápticos como peça-chave para entender a fisiopatologia da depressão. A hipótese de dessensibilização dos receptores levanta uma proposta de que o atraso na resposta de medicações antidepressivas está associado a uma alteração da sensibilidade dos receptores monoaminérgicos. Essa linha de investigação propõe que exista uma superssensitividade de receptores beta-adrenérgicos. Ainda assim, não há provas concretas que possam demonstrar que a hiperssensibilização ou subssensibilização expliquem com exatidão a ação dos efeitos terapêuticos desses fármacos.42 QUADRO CLÍNICO As alterações presentes nos idosos com depressão podem ser semelhantes às encontradas em outras faixas etárias, no entanto, muitas vezes são observados quadros atípicos.34 Existem também diferentes tipos de apresentações, que são classificadas de acordo com características específicas, conforme demonstrado no Quadro 1. Quadro 1. Diferentes apresentações da depressão em idoso. Depressão vascular Associada a doenças cerebrovasculares, que tem como característica um maior comprometimento de funções cognitivas, como fluência verbal e nomeação de objetos.3 Disfunção executiva Caracterizada por retardo psicomotor, redução de interesse em atividades e comprometimento das atividades de vida diária.3 Depressão psicótica Presença de alucinações ou delírios, geralmente com temáticas de culpa, doença, morte e persecutórios.3 26 Estupor melancólico Quadro de grave comprometimento da psicomotricidade no qual o paciente tem grau de imobilidade.26 Depressão distímica Quadro tipicamente crônico, de intensidade inferior ao transtorno depressivo maior.26 Depressão bipolar Definida pela alternância de episódios de depressão e episódios de mania ou hipomania. O estado de mania é caracterizado por humor expansivo ou eufórico, diminuição da necessidade de sono, aumento da energia, aumento de atividades prazerosas, aumento da libido e agitação psicomotora. A hipomania possui as mesmas características, porém sua apresentação é mais leve.1 51 Em relação ao quadro clínico dos idosos com depressão, os sintomas psíquicos incluem tristeza, sentimento de culpa, autodesvalorização, sensação de “vazio” e apatia. É notável uma incapacidade de experimentar sensações de felicidade e prazer em atividades da vida.55 Outros sintomas que podem estar presentes são a sensação de fadiga, diminuição da capacidade de concentração, retraimento social, crises de choro, retardo psicomotor, lentificação generalizada ou agitação psicomotora e alterações cognitivas.26 59 Essas alterações cognitivas podem ser tão intensas a ponto de confundir o diagnóstico com algumas demências.32 65 Entre os domínios mais afetados estão a função executiva, atenção e memória episódica.63 Também é comum a ocorrência de sintomas “fisiológicos” como alterações do sono (insônia ou hipersonolência) e do apetite (perda ou aumento do apetite). Alguns pacientes ainda podem manifestar o quadro depressivo através de queixas somáticas, como dores crônicas.26 Por fim, em seus desfechos mais graves, a depressão pode levar o paciente a comportamentos letais como tentativas de suicídio. Por conta disso, é preciso estar atento para a severidade do quadro, assim como o histórico de tentativas de suicídio anteriores. Já é sabido que embora os idosos apresentem menos ideações suicidas do que pacientes mais jovens, eles possuem uma maior taxa de sucesso das suas tentativas, fazendo uso de mecanismos mais letais e geralmente dando menos sinais de uma intenção suicida.3 9 ABORDAGEM DIAGNÓSTICA O diagnóstico da depressão é eminentemente clínico, e por isso é preciso que, durante a anamnese, o entrevistador procure por sintomas sugestivos, conforme já descrito no parágrafo anterior.26 Também é crucial investigar o uso de medicações e outras substâncias, para que se afaste a possibilidade de depressão induzida por fármacos, a exemplo do propranolol, metildopa e drogas. Por fim, é necessário a realização de exames laboratoriais e, eventualmente de imagem, para afastar condições orgânicas que podem confundir o diagnóstico de transtornos de humor.3 6 Atualmente existem diversos critérios que podem ser utilizados para o auxílio diagnóstico. Neste capítulo será descrito o Manual de Diagnóstico e Estatístico de Doença Mental (DSM), atualmente em sua quinta edição, de autoria da Associação Americana de Psiquiatria (Quadro 2). Quadro 2. Critérios diagnósticos de depressão — Manual de Diagnóstico e Estatístico de Doença Mental (DSM 5). A. Cinco (ou mais) dos seguintes sintomas estiveram presentes durante o mesmo período de duas semanas e representam uma mudança em relação ao funcionamento anterior; pelo menos um dos sintomas é (1) humor deprimido ou (2) perda de interesse ou prazer. Não incluir sintomas nitidamente devidos a outra condição médica. 1. Humor deprimido na maior parte do dia, quase todos os dias, conforme indicado por relato subjetivo (p. ex., sente-se triste, vazio, sem esperança) ou por observação feita por outras pessoas (p. ex., parece choroso). 2. Acentuada diminuição do interesse ou prazer em todas ou quase todas as atividades na maior parte do dia, quase todos os dias (indicada por relato subjetivo ou observação feita por outras pessoas). 3. Perda ou ganho significativo de peso sem estar fazendo dieta (p. ex., uma alteração de maisde 5% do peso corporal em um mês), ou redução ou aumento do apetite quase todos os dias. 4. Insônia ou hipersonia quase todos os dias. 5. Agitação ou retardo psicomotor quase todos os dias (observáveis por outras pessoas, não meramente sensações subjetivas de inquietação ou de estar mais lento). 6. Fadiga ou perda de energia quase todos os dias. 7. Sentimentos de inutilidade ou culpa excessiva ou inapropriada (que podem ser delirantes) quase todos os dias (não meramente autorrecriminação ou culpa por estar doente). 8. Capacidade diminuída para pensar ou se concentrar, ou indecisão, quase todos os dias (por relato subjetivo ou observação feita por outras pessoas). 9. Pensamentos recorrentes de morte (não somente medo de morrer), ideação suicida recorrente sem um plano específico, uma tentativa de suicídio ou plano específico para cometer suicídio. B. Os sintomas causam sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social, profissional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo. C. O episódio não é atribuível aos efeitos fisiológicos de uma substância ou a outra condição médica. Fonte: American Psychiatric Association (APA), 2014.6 Após um diagnóstico adequado, os idosos com depressão podem ainda ser classificados de acordo com a gravidade do quadro clínico em: • Episódio depressivo leve, que é caracterizado por sintomas clássicos de humor deprimido, perda de interesse e aumento da sensação de cansaço. Indivíduos que vivenciam esse tipo de episódio podem ter dificuldades em manter sua rotina de trabalho e eventos sociais, mas não perdem totalmente seu envolvimento nessas atividades.86 • Episódio depressivo moderado, que é caracterizado por um maior comprometimento das funções individuais e maior dificuldade em engajar compromissos de trabalho, sociais ou até mesmo atividades domésticas.86 • Episódio depressivo grave, que é marcado pela presença de sintomas mais severos, como: forte angústia ou agitação, retardo psicomotor, comprometimento da autoestima, sentimentos de inutilidade, culpa e maior comprometimento de suas atividades sociais. Também pode estar associado à presença de sintomas psicóticos como delírios de culpa e alucinações. Além disso, pacientes dentro dessa categoria têm maior risco de suicídio.86 › PECULIARIDADES NO DIAGNÓSTICO DA DEPRESSÃO NO IDOSO É importante ressaltar que, nos idosos, os quadros de depressão podem não se apresentar de forma clara, com sintomas mascarados, que passam despercebidos durante o atendimento. Por exemplo, é comum a presença de sintomas como menor resposta afetiva, lentificação psicomotora, fadiga e outros sintomas somáticos, o que dificulta o diagnóstico de acordo com os critérios do DSM 5, em alguns casos. Além disso, é comum observarmos idosos em fase de luto patológico. Portanto, muitos podem ter sintomas depressivos clinicamente significativos, com impacto na saúde e qualidade de vida e, mesmo assim, serem subdiagnosticados.62 Atualmente, existem ferramentas que auxiliam o rastreio e acompanhamento da depressão nesse grupo, e dentre essas destaca-se a Escala de Depressão Geriátrica (EDG), elaborada por Yesavage e colegas, em 1983. A versão original do instrumento incluía 30 itens, sendo que, posteriormente, foram validadas versões mais curtas, como a de 15 itens, com ponto de corte a partir de 5 para definição de pacientes potencialmente depressivos, o que facilita a aplicação na prática clínica. Conforme demonstrado no Quadro 3, a EDG também contempla alguns sintomas mais específicos da população geriátrica, não abordados no DSM 5.59 72 87 Quadro 3. Escala de Depressão Geriátrica, versão de 15 itens. 1. Você está basicamente satisfeito com sua vida? (Sim/Não) 2. Você deixou muitos de seus interesses e atividades? (Sim/Não) 3. Você sente que sua vida está vazia? (Sim/Não) 4. Você se aborrece com frequência? (Sim/Não) 5. Você se sente de bom humor a maior parte do tempo? (Sim/Não) 6. Você tem medo de que algum mal vá lhe acontecer? (Sim/Não) 7. Você se sente feliz a maior parte do tempo? (Sim/Não) 8. Você sente que sua situação não tem saída? (Sim/Não) 9. Você prefere ficar em casa a sair e fazer coisas novas? (Sim/Não) 10. Você se sente com mais problemas de memória do que a maioria? (Sim/Não) 11. Você acha maravilhoso estar vivo? (Sim/Não) 12. Você se sente um inútil nas atuais circunstâncias? (Sim/Não) 13. Você se sente cheio de energia? (Sim/Não) 14. Você acha que sua situação é sem esperanças? (Sim/Não) 15. Você sente que a maioria das pessoas está melhor que você? (Sim/Não) Fonte: Almeida e Almeida. 1999.4 TRATAMENTO Recomendações gerais O perfil multifatorial dos transtornos depressivos no idoso requer do clínico uma abordagem ampla de seus sintomas, comorbidades, contextos sociais e familiares.78 Antes de iniciar qualquer tratamento é importante que sejam revistas algumas questões, como: a presença de ideação suicida, assim como histórico de tentativas;19 avaliar medicações que podem induzir depressão, assim como abuso de álcool;6 26 procurar por outras condições clínicas que possam justificar o desenvolvimento desse quadro depressivo, por exemplo, endocrinopatias, tireoidopatias e doenças cerebrovasculares;3 averiguar se o episódio é o primeiro que o paciente está experimentando, ou se é uma recorrência;6 enfim, investigar sintomas prévios que possam sugerir a presença de um transtorno bipolar, uma vez que um tratamento inadequado pode desencadear uma crise de mania.1 A escolha do tratamento é influenciada por diversos aspectos, como severidade dos sintomas, tipo de depressão, cronicidade do episódio, risco de eventos adversos, custo, adesão e preferências do paciente, uma vez que não existe uma grande diferença na resposta a diferentes classes de antidepressivos.53 61 Para casos leves, a psicoterapia pode ser usada de forma isolada, com a mesma evidência de benefício quando comparado ao tratamento medicamentoso. Já para casos moderados a severos, o tratamento medicamentoso é sempre recomendado.61 78 Durante todo esse processo é importante que familiares e pessoas próximas estejam envolvidas, uma vez que podem ajudar a melhorar a adesão, observar o andamento do tratamento e apontar sinais de melhora ou não resposta do paciente.3 57 76 Tratamento farmacológico Normalmente, medicações antidepressivas possuem um tempo de latência de duas a quatro semanas até que haja uma resposta significativa.85 Indivíduos idosos, por outro lado, podem apresentar uma latência ainda maior, chegando a até oito semanas.77 Ainda assim, pacientes que com quatro semanas de tratamento não demonstraram nenhum sinal de melhora possuem uma menor tendência de exibir melhoras significativas nas próximas semanas de tratamento.54 O tratamento com fármacos antidepressivos pode ser dividido em etapas de fase aguda (6 a 12 semanas), fase de continuação (4 a 9 meses) e fase preventiva (um ano ou mais). É importante que sempre seja buscada a remissão dos sintomas, portanto, mesmo que o paciente apresente alguma resposta ao tratamento, se ainda tiver sintomas residuais, deve ter seu tratamento otimizado. Após o desaparecimento dos sintomas, o paciente ainda está sujeito a recaídas. Depois de um período de quatro a seis meses após o fim dos sintomas, esse paciente pode ser considerado como “recuperado”, e a partir desse ponto a ocorrência de novos sintomas depressivos o colocará em estado de recorrência.30 Além disso, nos idosos, a fase de continuação pode durar por anos ou a vida toda, principalmente quando os fatores desencadeantes não puderem ser tratados, ou em caso de múltiplas recorrências.78 Outra questão relevante no manejo farmacológico da depressão em indivíduos com idade mais avançada é que, nesse grupo, comumente se inicia o tratamento com pequenas doses, seguido de titulação progressiva, com monitoramento constante de possíveis efeitos colaterais.57 A seguir serão discutidas peculiaridades de cada classe de antidepressivos mais utilizadas, que estão resumidas no Quadro 4. Inibidoresda monoamina oxidase (IMAO) Trata-se da primeira classe de antidepressivos a ser descoberta.15 Seu mecanismo de ação se dá pela inibição da monoamina oxidase, envolvida no metabolismo da serotonina, noradrenalina e dopamina, o que leva a uma aumento da atividade desses neurotransmissores.52 Exemplos dessa classe incluem a selegilina, tranilcipromina e moclobemida.78 Atualmente, essa classe tem sido menos utilizada, devido ao seu perfil de efeitos colaterais como hipotensão ortostática, diarreia, taquicardia e ansiedade, assim como o aumento dos níveis pressóricos.52 70 Antidepressivos tricíclicos (ADT) Têm como mecanismo de ação o bloqueio da bomba da recaptura de serotonina, norepinefrina e dopamina, exercendo, por isso, um ótimo efeito antidepressivo.52 70 No entanto, são medicamentos que devem ser evitados em idosos, pois estão associados a diversos efeitos colaterais, como: 1) efeitos anticolinérgicos por bloqueio de receptores colinérgicos muscarínicos, que incluem deficit cognitivo, delirium, visão turva, xerostomia, retenção urinária e obstipação; 2) efeitos anti- histamínicos por bloqueio dos receptores do tipo H1, que incluem sonolência, ganho ponderal, sedação, fadiga e hipotensão; 3) efeitos por bloqueio de receptores adrenérgicos alfa-1, que incluem taquicardia reflexa, tontura e hipotensão postural. Também são contraindicados em pacientes com glaucoma de ângulo fechado, assim como determinadas cardiopatias. O uso dessa classe está associado à disfunção sexual.23 52 70 Atualmente, os ADT disponíveis são: amitriptilina, imipramina, clomipramina e nortriptilina, sendo que esse último tem um perfil de efeitos colaterais um pouco mais tolerado no idoso, quando comparada aos outros representantes da classe.52 70 Inibidores seletivos da recaptação de serotonina (IRSS) Têm como mecanismo de ação o bloqueio seletivo da recaptação de serotonina, o que leva a uma maior tolerabilidade, com menos efeitos adversos. Por isso, são considerados primeira linha no tratamento de depressão na maioria dos idosos. Atualmente, estão disponíveis no Brasil: fluoxetina, paroxetina, sertralina, citalopram, escitalopram e fluvoxamina.52 70 77 Entre os efeitos colaterais mais frequentes destacam-se a disfunção sexual e ocorrência de hiponatremia, sendo por isso importante monitorar os níveis de sódio, principalmente no início do uso.23 24 27 70 Em doses excessivas também pode levar a quadros de síndrome serotoninérgica. Em especial, citalopram deve ser utilizado com cautela, pois estudos indicam que em doses acima de 40 mg pode causar prolongamento do intervalo QT, com risco de arritmias em idosos.28 Entre os IRSS, é recomendado evitar o uso de paroxetina, uma vez que tem forte efeito anticolinérgico e pode levar a eventos adversos.5 Outra medicação que deve ser usada com cautela neste grupo, principalmente nos pacientes mais frágeis com polifarmácia, é a fluoxetina. Isso se dá pela sua meia-vida longa, e interação com enzimas do sistema microssomal hepático, o que pode resultar na elevação dos níveis de outras medicações como ácido acetilsalicílico, carbamazepina, diazepam, diclofenaco, dipirona, fenitoína, zolpidem, entre outras.21 Além disso, em alguns casos, na fase inicial do tratamento, o uso de fluoxetina está associado à diminuição do apetite, o que pode levar à perda de peso.60 Inibidores seletivos da recaptação de serotonina e noradrenalina (IRSN) Têm como mecanismo de ação a inibição da recaptação de serotonina e noradrenalina, com ação seletiva. Seus principais representantes são a duloxetina, venlafaxina e desvenlafaxina.52,70 Trata-se de uma classe segura com poucos efeitos colaterais, o que torna atrativo seu uso no idoso. A duloxetina, particularmente, possui um efeito secundário adjuvante no tratamento da dor, podendo ser indicado no contexto de pacientes com depressão e dor por neuropatia diabética.56 Os principais efeitos adversos associados ao uso dos duais são: náusea, boca seca, sonolência, insônia, sudorese, obstipação e disfunção sexual. Outro efeito colateral mais relacionado com a venlafaxina é a elevação da pressão arterial, sendo, portanto recomendado monitorização dos níveis pressóricos.23,70 Assim como IRSS e outros fármacos que agem em vias serotoninérgicas, seu uso pode propiciar um quadro de síndrome serotoninérgica, quando utilizado de forma inapropriada.35,47,79 Antidepressivos atípicos Essa classe inclui a mirtazapina, bupropiona e agomelatina, que possuem diferentes mecanismos de ação. A mirtazapina é um antidepressivo que atua através de um aumento da atividade central noradrenérgica e serotoninérgica, por meio de antagonismo alfa-2 nos neurônios pré-sinápticos, antagonismo dos receptores de serotonina e histamina, sendo particularmente útil para o tratamento de idosos com depressão associada à perda de peso e transtornos do sono. Seus principais efeitos colaterais estão relacionados ao bloqueio de receptores histamínicos, podendo levar a quadros de sedação excessiva e ganho ponderal. É uma opção com boa resposta para o tratamento de pacientes com disfunção sexual induzida por antidepressivos.7 17 46 A bupropiona é um fármaco que age inibindo a recaptação da dopamina e serotonina, sendo uma alternativa para o tratamento de abstenção ao tabagismo. É também indicado em associação com outros antidepressivos, para aqueles idosos com episódios mais graves ou refratários. Como efeito colateral mais relevante destacam-se crises convulsivas, e por isso deve ser usado com mais cautela em indivíduos com epilepsia ou histórico de traumatismo cranioencefálico. Apresenta também a vantagem de estar menos relacionado à disfunção sexual.25 31 38 40 80 A agomelatina é um antidepressivo com ação agonista dos receptores de melatonina e tem como principal vantagem sua atuação na melhora da qualidade do sono, assim como na facilidade de iniciar o sono. Como efeito colateral mais relevante destaca-se o risco de hepatotoxicidade, sendo, portanto, contraindicada em indivíduos com doença hepática grave.36 81 88 Moduladores de serotonina A trazodona e nefazodona são os representantes dessa classe que atua por meio de antagonismo dos receptores de serotonina pós-sinápticos, além de inibir a recaptação da serotonina. Eles se diferem dos IRSS, pois inibem fracamente os receptores pré- sinápticos de serotonina. Atualmente, essa é uma classe pouco utilizada para o tratamento da depressão, uma vez que tem risco de hipotensão postural e interação medicamentosa. Tem sido muito usada em doses baixas para tratamento de distúrbios de sono, com indicação individualizada. Outra vantagem é que não causa disfunção sexual.20 45 79 Multimodais A vortioxetina é um fármaco mais recente, que atua por múltiplos mecanismos, através da inibição da recaptação de serotonina (5- HT), efeito agonista no receptor 5-HT1A, efeito antagonista no receptor 5-HT3. Seu uso tem sido associado a uma melhora do desempenho cognitivo de pacientes com depressão. Além disso, também não causa disfunção sexual.43 48 Quadro 4. Principais antidepressivos utilizados no idoso. Medicamento Dose Correção parafunção renal Tricíclicos Nortriptilina 10-150 mg/dia dividida em 1 a 3 doses. Não. Inibidores de recaptação da serotonina Fluoxetina 20-70 mg/dia. Não. Sertralina 25-200 mg/dia. Não. Escitalopram 10-20 mg/dia. Não. Citalopram 10-20 mg/dia. Usar com cautela se taxa de filtração glomerular < 30 mL/min. Paroxetina 10-40 mg/dia. Não. Duais Venlafaxina 37,5-225mg/dia. Usar com cautela se a taxa de filtração glomerular < 30 mL/min. Desvenlafaxina 50-100 mg/dia. Se taxa de filtração glomerular < 30 mL/min não passar de 50 mg ao dia. Duloxetina 30-120 mg/dia dividido em duas doses. Evitar se taxa de filtração glomerular < 30 mL/min. Atípicos Mirtazapina 15-45 mg/dia. Se taxa de filtração glomerular < 40 mL/min não passar de 30 mg/dia. Bupropiona 150mg duasvezes ao dia. Não. Agomelatina 25-50 mg/dia. Não. Modulador da serotonina Trazodona 50-200 mg/dia. Uso com cautela na insuficiência renal grave.Nefazodona 50-600 mg/dia duas vezes ao dia. Não. Drogas multimodais Vortioxetina 5-20 mg/dia. Uso com cautela na insuficiência renal grave. Fonte: Autor. MEDIDAS NÃO FARMACOLÓGICAS Psicoterapia Inclui uma variedade de métodos com diferentes abordagens para o manejo da depressão a exemplo da psicoterapia interpessoal, psicoterapia cognitiva e comportamental e psicoterapia psicodinâmica breve. Diversas evidências sustentam a indicação de psicoterapia como uma medida eficaz para o tratamento dessa condição com efeitos comparáveis ao uso de medicações antidepressivas, principalmente em casos leves. Em determinadas situações, evidências também apontam que o uso da psicoterapia associada ao tratamento farmacológico pode levar a melhores resultados quando comparado ao tratamento medicamentoso isolado em idosos.8 39 61 71 Procedimentos de neuromodulação Alguns pacientes com depressão não respondem ao tratamento farmacológico e psicoterapia. Nesses casos, podem ser oferecidos procedimentos de neuromodulação. Atualmente, existem diversas técnicas em estudo; no entanto, neste capítulo serão descritas algumas mais utilizadas na prática clínica. A eletroconvulsoterapia (ECT) é a forma mais antiga de neuromodulação indicada, especialmente em pacientes com quadros mais graves, refratários, assim como na presença de sintomas psicóticos ou alto risco de suicídio. Evidências demonstraram que trata-se do tratamento mais efetivo para a depressão unipolar e tem tolerância semelhantes entre jovens e idosos. No entanto, é importante ter conhecimento dos eventos adversos associados ao procedimento, a exemplo de complicações cardiovasculares e deficit cognitivo, que normalmente é transitório. Além disso, é um procedimento que necessita de anestesia, e por isso a indicação deve ser realizada de forma individualizada após avaliação de todos os potenciais riscos e benefícios.18 58 68 82 83 Além da ECT existem outras técnicas, como estimulação magnética transcraniana repetitiva — do inglês, repetitive transcranial magnetic stimulation (rTMS) e a estimulação transcraniana por corrente contínua — do inglês, transcranial direct current stimulation (tDCS).67 A TMS repetitiva é uma forma já conhecida de estimulação que ajuda a modular a atividade cortical. Sua técnica consiste no uso de um aparelho que gera uma corrente elétrica pulsante que passa por uma bobina, gerando um campo magnético alternado. Trata-se de uma opção para o tratamento de pacientes com depressão resistente, sendo considerada uma técnica segura e eficaz. Apesar de ser menos adversa, quando comparada à ECT, por não necessitar de anestesia, nem induzir convulsões, alguns pacientes podem apresentar cefaleia, parestesias em couro cabeludo e face, assim como lacrimação ipsilateral.41 66 67 Já a tDCS consiste no uso de dois eletrodos em esponjas imersas em uma solução salina que são posicionados na cabeça do paciente. Sua técnica utiliza correntes baixas (1 a 2 mA) em um fluxo constante entre um eletrodo e outro. Evidências sugerem sua eficácia no tratamento da depressão, apesar da necessidade de novos estudos. É uma técnica segura, que no entanto pode levar a alguns eventos adversos como lesões ou queimaduras na pele, cefaleia, parestesia, fadiga e náusea.12 13 67 Exercício físico A prática de exercícios físicos em idosos deve ser estimulada, uma vez que as evidências suportam que pode levar a uma redução dos sintomas depressivos, principalmente no curto prazo. Os efeitos no humor ao longo prazo ainda precisam ser melhor estabelecidos, no entanto, sabemos que a prática de exercícios físicos também está associada a diversos benefícios para a saúde, como uma redução do risco de doenças cardiovasculares, tratamento da obesidade, melhora da capacidade funcional e tratamento da sarcopenia. É importante que essa prática seja associada ao tratamento farmacológico e à psicoterapia, de forma a melhorar a adesão do paciente a uma rotina de exercícios mais regular.16 33 75 Prognóstico Sabemos que a depressão no idoso pode levar a condições como agravamento de condições patológicas com perda de autonomia e capacidade funcional, aumentando hospitalizações e custos pela utilização de serviços de saúde.59 Conforme já descrito, da mesma maneira que nos pacientes mais jovens, também existe um maior risco de suicídio. Quando comparado a esse grupo, as evidências demostram que, apesar da incidência de suicídio em idosos ser um pouco menor, eles são mais bem-sucedidos em suas tentativas.9 44 Além disso, a mortalidade em idosos com depressão é elevada não apenas pelos casos de suicídio decorrentes e sim pelas outras doenças concomitantes, que podem ser subdiagnosticadas e subtratadas.22 64 Levando em consideração a importância epidemiológica da depressão no idoso, assim como os impactos das complicações, é crucial que essa condição seja adequadamente rastreada e manejada. A. Diante do caso apresentado, quais elementos podem indicar um comprometimento do estado de humor do paciente? RESPOSTA: Diante de um paciente descrito como no caso clínico, devem ser observados os detalhes que são importantes para se determinar qualquer comprometimento de sua saúde mental, como síndromes afetivas — nesse caso, a depressão. Pacientes idosos com depressão nem sempre vão se queixar de sentimentos de tristeza ou culpa presentes, e isso requer do clínico uma investigação ativa sobre esses detalhes. Nosso paciente apresentou durante toda a entrevista uma postura passiva, com aparente lentificação do curso do seu pensamento. Sua esposa também proveu informações importantes para determinar seu estado. Outras queixas, como alteração na alimentação e lentificação psicomotora devem ser percebidas e são elementos que ajudam a identificar a depressão no paciente idoso. Quando questionado, o paciente alegou insatisfação com a vida e descreveu o que chamamos de “anedonia”, ou seja, a incapacidade de sentir prazer ou satisfação com atividades do seu dia a dia. B. De que forma podemos avaliar um quadro de possível depressão em pacientes idosos como este? RESPOSTA: O diagnóstico de um possível quadro depressivo é eminentemente clínico, e por conta disso a anamnese deve ser o elemento fundamental na hora de se realizar essa avaliação. Além disso, podemos aplicar instrumentos de rastreio como a escala de depressão geriátrica. C. O que devemos levar em consideração acerca da fala do neto do paciente? RESPOSTA: A ideia de que o processo de tristeza, isolamento e solidão são coisas “normais para a idade” é um preconceito bastante enraizado em diferentes camadas da sociedade, desde jovens, idosos e até mesmo profissionais da saúde. Essa concepção errada de que é “normal” para um idoso ser infeliz e insatisfeito é muito nociva, e muitas vezes o próprio paciente não consegue compreender a importância de seus sintomas e de sua “tristeza”, fazendo com que ele não leve essas queixas para seu médico. No contexto de vida desse tipo de paciente, ele próprio e todos ao seu redor repetem que ser “rabugento” assim é normal para sua idade. Esse tipo de fala deve ser desestimulada, e diante de posicionamentos desse tipo é importante que o clínico esteja capacitado a orientar pacientes e familiares sobre a importância do reconhecimento da saúde mental do idoso. Também é necessário, por parte do profissional de saúde, uma busca ativa por sintomas depressivos, uma vez que muitos idosos podem não apresentar essa queixa espontaneamente. D. Qual a relação do caso apresentado a uma possível síndrome demencial? RESPOSTA: O desenvolvimento de um quadro depressivo está associado às síndromes demenciais de diferentes maneiras. Já é comprovado que a depressão isoladamente é um fator de risco para o desenvolvimento de deficit cognitivo, assim como certas demências podem ocasionar em sintomas depressivos. Todos esses fatores são importantes elementos que agravam o prognóstico cognitivo de pacientes idosos, e diante dessas situações é recomendado que seja realizado um rastreio para detecçãoprecoce de uma síndrome demencial. 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O acompanhante relatou que o paciente apresenta tremor nas mãos há cerca de seis anos (em padrão contagem de moedas nos dedos) e que por volta de um ano acomete também os membros inferiores. No exame físico encontrava-se lúcido, orientado em tempo e espaço, perda de mímica facial, afebril, acianótico, anictérico, eupneico, frequência cardíaca, pressão arterial 120/82 mmHg deitado e 90/60 mmHg em pé. Exame cardiorrespiratório, abdominal e de extremidades sem alterações. Ao exame neurológico, observou- se tremor de repouso maior à direita, rigidez em roda denteada assimétrica e bradicinesia assimétrica também maior em membro superior direito. Marcha com passos alargados, com lentidão e com perda de balanço dos braços, postura com anteroflexão do tronco. A. O que o caso clínico sugere como potencial patologia? Como confirmar o diagnóstico? B. Quaissintomas podem ocorrer futuramente? C. Qual tratamento inicial? Quais efeitos adversos esse tratamento pode trazer? Os transtornos do movimento, como doença de Parkinson e tremor essencial, são condições muito prevalentes no idoso por possuírem quadro clínico complexo e variável, e acabam sendo de difícil diagnóstico. Portanto, é importante conhecer as manifestações da doença e peculiaridades da apresentação nesse grupo para que se possa acompanhar o paciente de forma adequada. O parkinsonismo é uma síndrome que consiste em bradicinesia acrescida de um ou mais sintomas, sendo eles: tremor, rigidez muscular, instabilidade postural (não sendo causada por disfunções visuais, vestibulares, cerebelares ou proprioceptivas).29 DOENÇA DE PARKINSON BREVE HISTÓRICO E EPIDEMIOLOGIA A doença de Parkinson, também conhecida como parkinsonismo primário ou como parkinsonismo idiopático, é uma afecção neurológica descrita primeiramente por James Parkinson em 1817. Porém, só foi melhor entendida no início do século XX, quando o patologista Friedrich Lewy observou inclusões citoplasmáticas neuronais em diversas regiões do cérebro e as descreveu como corpos de Lewy, que são inclusões citoplasmáticas neuronais com agregados anormais de proteínas distribuídas em diversas regiões do cérebro.29 34 A doença de Parkinson tem baixa incidência em pessoas com menos de 50 anos, sendo considerada rara nessa população. Porém, a incidência aumenta de 5 a 10 vezes entre os 60 e os 90 anos, evidenciando sua importância no paciente idoso.54 68 69 FISIOPATOLOGIA Ainda no século XX, outros pesquisadores descreveram uma associação com perda de neurônios na substância negra e depleção de dopamina nos gânglios da base com a doença de Parkinson.29 Atualmente, apesar da causa ainda não ser completamente elucidada, sabemos que parece existir uma interação entre diversos fatores ambientais e genéticos, a exemplo de afecções mitocondriais, estresse oxidativo, intoxicação por substâncias endógenas e exógenas, disfunção do sistema proteossomal e da ubiquitina, que levam à acumulação de proteínas tóxicas, resultando na morte desses neurônios dopaminérgicos da substância negra.65 Conforme citado anteriormente, a inclusão de corpos de Lewis é característica do parkinsonismo primário. Eles são corpúsculos arredondados, eosinofílicos, feitos majoritariamente de alfa- sinucleínas, ubiquitina, mas também contém calbindina, proteínas do complemento, subunidade de microfilamento, tubulina proteína associada a microtúbulos 1 e 2 e Pael-R.31 32 33 42 52 Com a despigmentação da substância negra, a perda de dopamina resulta em uma deficiência no controle do processamento das informações pelos gânglios da base — substância negra, estriado (caudado e putâmen), globo pálido, núcleos subtalâmicos e tálamo — dificultando a atividade das áreas motoras do córtex cerebral, prejudicando a regulação de movimentos voluntários. Além disso, ocorre perda de células do núcleo do pedúnculo-pontino e aumenta-se a inibição do mesmo, desinibição das vias retículo- espinhal e vestíbulo-espinhal, acarretando contrações excessivas dos músculos posturais, essa relacionada a um deficit colinérgico.59 Nos Quadro 1 e Figura 1 estão demonstradas as diversas estruturas afetadas na doença de Parkinson e sintomatologias referentes em cada situação. Por conta do comprometimento do número elevado de áreas do encéfalo e do tronco, podem ocorrer também manifestações não motoras, incluindo distúrbios do sono, alterações de olfato, de cognição e sintomas de humor.8 A fim de mascarar esses efeitos da depleção dopaminérgica, existem mecanismos compensatórios que ocorrem a partir do aumento da síntese de dopamina pelos neurônios restantes, além de um aumento das aferências para os dendritos dos neurônios dopaminérgicos. Entretanto, esses mecanismos são ineficazes com a progressão da doença. Quadro 1. Estágios da doença de Parkinson de acordo com as estruturas afetadas e a sintomatologia de cada uma. Estágio Estruturas afetadas Sintomatologia 1 • Núcleo motor dorsal • Constipação do nervo vago • Formação reticular • Núcleo olfatório anterior intestinal • Distúrbios do sono • Hiposmia 2 • Núcleo caudal da rafe • Formação reticular • N. coeruleus/subcoeruleus • Depressão • Distúrbios do sono • Dor central primária 3 • Substância negra • Núcleos basais do prosencéfalo • Sinais motores clássicos • Alterações cognitivas • Distúrbios do sono 4 • Mesocórtex temporal • Amígdala • Núcleos da Rafe • Bradifrenia • Apatia • Sonolência diurna excessiva • Depressão 5 • Áreas pré-frontais • Neocórtex sensitivo • Ínsula • Giro do cíngulo • Desatenção e hipomnésia • Agnosia e apraxia • Demência 6 • Áreas pré-motoras • Área motora primária • Áreas de associação sensitiva • Disfunções sensitivo- motoras • Demência grave Adaptado de Braak et al., 2003; e Wolter e Braak, 2006.12 72 Figura 1. Encéfalo marcado com os números de acordo com os respectivos estágios de comprometimento neuropatológico da doença de Parkinson. Adaptado de Braak et al., 2003.12 QUADRO CLÍNICO Entre as diversas manifestações clínicas da doença de Parkinson, destacam-se a bradicinesia, tremor e rigidez, inicialmente assimétricos. Alguns autores trazem também a instabilidade postural como um dos sinais cardinais da doença. Abaixo, será mostrado um quadro resumindo os sinais cardinais e logo a seguir serão descritas mais detalhadamente cada uma delas. Quadro 2. Sinais cardinais da doença de Parkinson. Bradicinesia: lentidão dos movimentos voluntários. Tremor: inicialmente de repouso, movimento de rolar pílula. Rigidez muscular: movimentação pausada, fragmentada. Instabilidade postural: alterações nos reflexos posturais. A bradicinesia, que é definida como lentidão de movimento associado à redução de amplitude, é percebida em cerca de 80% dos pacientes com parkinsonismo primário. Costuma iniciar distalmente, com perda na destreza das mãos, micrografia, evoluindo com hipomimia facial, hipofonia, marcha arrastada, passos curtos e sensação de instabilidade, que muitas vezes podem levar a uma dificuldade para realização de atividades da vida diária. Com o decorrer da doença, o paciente pode ainda apresentar sintomas mais intensos, como acinesia, com pobreza importante dos atos motores e freezing, que é caracterizado como uma impossibilidade súbita de iniciar ou continuar um movimento.46 Outro sintoma característico da doença de Parkinson é o tremor de baixa frequência 4/7 ciclos/segundos (hertz), de repouso, que melhora com a atividade.21 Progressivamente envolve outras partes do corpo, tornando-se perceptível inclusive com postura e ação.55 No início do quadro clínico, cerca de metade dos pacientes relata uma sensação de tremor interno, nos membros e em outras partes do corpo; tal sensação pode ser percebida pelo paciente até mesmo antes do tremor externo ser visualizado.57 A forma característica do tremor é semelhante ao ato de tentar rolar pílulas, estando presente em aproximadamente 70% a 80% dos pacientes e tende a se exacerbar com o estresse e desaparecer com o sono.46 A rigidez muscular costuma acometer membros, pescoço e tronco, ocorrendo de 75% a 90% dos pacientes. Assim como o tremor e a bradicinesia, costuma ocorrer, de início, unilateralmente, progredindo para o outro lado com o passar da doença, mas permanece em grau assimétrico. Essa rigidez é denominada como “roda denteada”, porque o movimento se torna fragmentado, não sendo mais contínuo, como se fosse em quadros de animação, diminuindo a manifestação pelo movimento dos braços ao andar.46 55 Já a instabilidade postural é notada quando se queixam de falta de equilíbrio, podendo ocasionar até mesmo quedas — que em idosos podem trazer consequências extremamente danosas. A instabilidade postural causada pelo Parkinson só é percebida em fases mais avançadas da doença; dessa forma, quando ocorre no início, sugere outro tipo de parkinsonismo, como atrofia de múltiplos sistemas ou paralisiasupranuclear progressiva. Com o curso da doença pode ocorrer que o idoso fique impossibilitado de levantar-se ou de manter-se em pé sem assistência de um cuidador, tornando-o cada vez mais dependente.44 Além disso, outras disfunções autonômicas são comuns no paciente com Parkinson, como constipação, disfagia, sudorese, dificuldades urinárias e disfunções sexuais.6 70 Além dos sintomas físicos, alterações neuropsiquiátricas têm grande importância na doença de Parkinson. Sabemos que a prevalência de sintomas de depressão e ansiedade pode chegar próximo de 30% a 40%.11 13 64 As desordens de sono afetam de 55% a 80% dos pacientes, verificando-se tanto em estágios iniciais quanto tardios da doença. Distúrbios do sono incluem insônia, síndrome das pernas inquietas, distúrbios do comportamento do sono REM e fragmentação do sono.44 47 63 Os distúrbios de comportamento do sono REM, ocorrem de 15% a 47% dos pacientes com Parkinson, causando vocalizações noturnas, agitação excessiva, chegando até a deferir golpes que podem machucar a si próprios ou a quem divide a cama.16 22 59 As causas potenciais para a fragmentação do sono estão relacionadas com a noctúria, dificuldade de se virar na cama, cãimbras, pesadelos e dor, principalmente no pescoço e nas costas. Além disso, acredita- se que o tremor também pode estar associado, já que desaparece somente no sono REM, mas não no sono leve.7 15 23 No paciente com Parkinson também podem ocorrer disfunções olfativas antes mesmo do aparecimento de sintomas motores. Tais deficit se manifestam na dificuldade de identificação, discriminação e detecção de odores.49 53 66 Diferentemente da doença de Alzheimer, na demência parkinsoniana os achados mais característicos incluem disfunção executiva, perda de atenção, alterações visuoespaciais e perda de memória verbal — enquanto outras funções cognitivas de memória verbal e linguagem costumam ser mais preservadas. Os pacientes com demência de Parkinson podem também apresentar alterações comportamentais como apatia, alucinações e delírios.2 19 36 43 Sabemos que as alucinações visuais são um dos sintomas mais frequentes, ocorrendo em cerca de 50% dos pacientes com Parkinson.71 Além disso, as próprias drogas antiparkinsonianas podem causar manifestações neuropsiquiátricas — como delírios e paranoias — que podem dificultar o diagnóstico.1 Tendo em vista essas diversas manifestações clínicas da doença de Parkinson no paciente idoso, a depender da fase da doença pode- se esperar, portanto, que muitas vezes esses pacientes apresentam síndromes geriátricas, como: instabilidade de marcha e quedas, incontinências, deficit cognitivos e de humor, polifarmácia e síndrome de fragilidade. Dessa forma, é importante que se tenha uma visão multidimensional de forma a prevenir ou identificar possíveis riscos. ABORDAGEM DIAGNÓSTICA O diagnóstico de doença de Parkinson deve ser baseado em uma anamnese e um exame físico minuciosos, associado a testes laboratoriais e estudos de imagem. Os testes laboratoriais e de imagem usualmente são utilizados para afastar outros diagnósticos, no entanto, ultimamente temos visto exames de medicina nuclear ganharem espaço no auxílio diagnóstico. Inicialmente é essencial identificar a presença de bradicinesia mais tremor ou rigidez, que são os sintomas cardinais mais frequentes na apresentação inicial da síndrome. O segundo passo é identificar possíveis condições que podem cursar com outras formas de parkinsonismo, conforme será discutido. Além disso, uma resposta positiva à terapia dopaminérgica é um importante sinal para o diagnóstico, enquanto a ausência de respostas ao tratamento em altas doses (levodopa > 1000 mg/dia) torna o diagnóstico improvável para parkinsonismo primário.50 Nos Quadro 3 e Figura 2 estão demonstrados os critérios da International Parkinson and Movement Disorder Society e fluxograma para diagnóstico: A. Bandeiras vermelhas — se referem a sinais que potencialmente podem indicar patologias alternativas. B. Critérios de sustentação — são características que dão maior confiança no diagnóstico da doença. C. Critérios de exclusão absolutos — são sinais completamente incompatíveis com a doença; na presença de qualquer um desses sinais pode ser excluído o diagnóstico de parkinsonismo primário. Para haver um diagnóstico estável e seguro para doença de Parkinson seguindo esses critérios, necessita-se que haja o diagnóstico da síndrome parkinsoniana, a ausência de critérios de exclusão absoluta, pelo menos dois critérios de suporte e nenhuma bandeira vermelha. Caso haja presença da síndrome parkinsoniana associada a nenhum critério de exclusão e a presença de bandeiras vermelhas com o mesmo número de critérios de suporte dessas (exceto acima de duas bandeiras vermelhas), há certa probabilidade de doença de Parkinson. Quadro 3. Critérios da International Parkinson and Movement Disorder Society. Bandeiras vermelhas Progressão rápida de comprometimento de marcha, a qual requer o uso constante de cadeira de rodas nos cinco primeiros anos de desenvolvimento do quadro clínico. Estabilização dos sinais ou sintomas por 5 ou mais anos, a não ser que esteja relacionada com o tratamento. Disfunção bulbar precoce: disfonia, disartria ou disfagia severas dentro dos cinco primeiros anos. Falha autonômica nos primeiros cinco anos, como hipotensão ortostática, retenção urinária ou incontinência urinária (em homens a retenção urinária não deve estar associada com doenças prostáticas e sim com disfunção erétil). Quedas recorrentes causadas por diminuição do equilíbrio nos três primeiros anos. Flexão involuntária do pescoço ou contraturas da mão ou dos pés nos dez primeiros anos. Ausência de comprometimentos não motores comuns da doença de Parkinson — como distúrbios do sono, disfunções autonômicas e disfunções psiquiátricas — mesmo com 5 anos de início da doença. Sinais piramidais sem explicação, definidos como fraqueza piramidal ou hiperreflexia patológica clara, exceto assimetria reflexa leve e resposta de reflexo plantar isolada. Critérios de sustentação Resposta excelente à levodopa, com melhora de 70% a 100% (em alguns pacientes não melhora do tremor de repouso, mas bradicinesia e rigidez muscular devem ter resposta positiva). Presença de deficiência olfativa ou denervação simpática na cintilografia com metaiodobenzilguanidina (MIBG, iobenguano I- 123) Tremor de repouso. Discinesia induzida pela terapia com levodopa. Critérios de exclusão absolutos Anormalidades cerebelares comprovadas. Paralisia supranuclear progressiva, paralisia vertical do olhar (dificuldade de olhar para cima ou para baixo). Diagnóstico de provável demência frontotemporal ou afasia primária progressiva nos primeiros cinco anos. Sintomas restritos aos membros inferiores após os primeiros cinco anos. Tratamento em andamento ou em até um ano atrás com bloqueadores de receptor de dopamina ou com agente redutor de dopamina, que seja suficiente para causar parkinsonismo medicamentoso. Ausência de resposta ao tratamento de levodopa. Perda sensorial cortical, apraxia ideativa límbica ou afasia progressiva. Função normal do sistema dopaminérgico por neuroimagem. Conhecimento de alguma condição alternativa que possa causar parkinsonismo. Adaptado de Postuma RB et al., 2015.49 Figura 2. Fluxograma para diagnóstico da doença de Parkinson. DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL Ao abordar um paciente com síndrome parkinsoniana é preciso estar atento às diversas condições que devem ser diferenciadas da doença de Parkinson. Inicialmente devem ser afastadas causas de parkinsonismo secundário, como medicamentoso, vascular, hipóxia, neuroinfecção, tumor, traumas, intoxicações, alterações metabólicas, doenças heredodegenerativas — como Huntington —, estágios tardios da doença de Alzheimer e outras alterações estruturais do sistema nervoso central. Dentre essas destacamos os medicamentos, que são trazidos como a segunda causa mais comum de parkinsonismo, principalmente no contexto do paciente ao idoso. Sabemos que, muitas vezes,esse tipo de parkinsonismo é reversível com a suspensão das medicações, podendo levar certo tempo até a completa recuperação.3 67 O Quadro 4 traz os medicamentos que estão mais comumente associados ao parkinsonismo medicamentoso. Quadro 4. Principais medicamentos associados ao parkinsonismo. Bloqueadores do canal de cálcio Flunarizina, cinarizina. Neurolépticos Butirofenonas (como haloperidol) e fenotiazinas (a exemplo da clorpromazina). Antieméticos Metoclopramida, bromoprida. Anti- hipertensivos Metildopa, reserpina, nifedipino, verapamil, diltiazem. Adaptado de Han S et al., 2019.26 Existem também diversas apresentações mais atípicas, que são classificadas como Parkinson-plus, sendo que algumas delas têm rápida progressão para o comprometimento cognitivo e funcional. No Quadro 5 estão descritas as principais características de cada uma delas. Quadro 5. Características dos diferentes tipos de Parkinson-plus. Demência com corpúsculos de Lewy40 • Demência ocorre concomitantemente ao aparecimento de sintomas motores, enquanto na doença de Parkinson a demência se desenvolve após mais de um ano da percepção dos sinais motores. • Parkinsonismo simétrico, alucinações visuais constantes. • Quadro flutuante. • Hipersensibilidade ao uso de antipsicóticos. • Resposta ao uso de inibidores da acetilcolinesterase. Degeneração corticobasal • Transtorno de movimento assimétrico raro. • Inicialmente acomete um membro com diversas combinações, que incluem: acinesia, rigidez, distonia, mioclonia, apraxia ideomotora, mão alienígena. • Alterações cognitivas são comuns (disfunção executiva, afasia, apraxia, alteração de comportamento, alteração visuoespacial, com memória episódica relativamente preservada). • Início assimétrico, como no parkinsonismo primário. • Há ausência de resposta à levodopa. Atrofia de múltiplos sistemas73 • Frequentemente apresentam parkinsonismos associados a afecções cerebelares, disautonomia e sintomas piramidais. • Sintomas iniciam simetricamente. • Baixa resposta à levodopa. • Função cognitiva não costuma ser tão afetada. Paralisia supranuclear progressiva73 • Síndrome parkinsoniana incomum que pode parecer com a doença de Parkinson nas fases iniciais. • Instabilidade postural e quedas logo no início do quadro clínico. • Oftalmoparesia ou oftalmoplegia supranuclear vertical. • Disartria e disfagia, redução do reflexo de piscar e perda da movimentação vertical dos olhos. • Em fases mais avançadas, manifesta-se demência. TRATAMENTO NÃO FARMACOLÓGICO Para o tratamento adequado da doença de Parkinson é importante uma abordagem multidimensional e interdisciplinar. Conforme discutido anteriormente, esses pacientes podem se apresentar com diversas síndromes geriátricas que se beneficiam de tratamentos individualizados, a depender da apresentação e da fase da doença. Já é conhecido que a prática regular de atividades físicas é essencial na promoção do bem-estar físico e mental. O fisioterapeuta ou o educador físico podem atuar de forma positiva no fortalecimento muscular, evitando quedas e melhorando a capacidade funcional. Na prevenção de quedas, deve-se atuar tanto nos fatores extrínsecos quanto intrínsecos, destacando-se o tratamento da hipotensão postural, principalmente na presença de disautonomia e polifarmácia.2 17 56 O terapeuta ocupacional é outro profissional que tem um papel importante, que visa encontrar estratégias que busquem vencer limitações motoras e cognitivas de forma a preservar a independência.61 No contexto de fragilidade e de sarcopenia, o nutricionista atua procurando balancear a dieta, de modo a preservar massa magra com aporte proteico adequado.41 Para aqueles pacientes com disfagia, sialorreia e dificuldade de comunicação, o fonoaudiólogo atua visando reabilitação de deglutição, fala e adequação da consciência da dieta.62 Sabemos também que existe uma alta prevalência de ansiedade e depressão secundária na doença de Parkinson, principalmente pelo contexto das limitações motoras. Nesses pacientes, a psicoterapia traz grande ganho associado ou não ao tratamento farmacológico.25 Para aqueles indivíduos com doença mais avançada em uso de gastrostomia, ou com imobilismo e úlceras de pressão, o enfermeiro deve atuar na orientação adequada de cuidados, curativos e ostomias. Por último, não podemos esquecer que muitas vezes iremos lidar com indivíduos que necessitam tratamentos complexos e que podem apresentar má adesão, seja por alteração cognitiva ou baixa escolaridade. Neste caso, o assistente social exerce um importante papel acionando a rede de apoio para que o paciente seja cuidado de forma adequada. TRATAMENTO FARMACOLÓGICO Até o momento, não existem tratamentos que evitem a progressão do processo neurodegenerativo da doença de Parkinson. Dessa forma, a abordagem terapêutica baseia-se no controle dos sintomas e deve ser iniciada quando essas manifestações interferirem negativamente nas atividades de vida diária. A seguir, serão discutidas as principais classes de medicamentos utilizados.14 • Levodopa: trata-se da primeira linha de tratamento em pacientes idosos, uma vez que tem boa eficácia no tratamento dos sintomas motores. Atualmente existem diversas apresentações da levodopa, conforme descrito no Quadro 6. A levodopa é o precursor da síntese de dopamina e deve ser usada em associação com um inibidor da enzima L- Aminoácido aromático descarboxilase (AADC), a fim de reduzir efeitos colaterais e melhorar sua efetividade clínica. Inicialmente deve-se começar o tratamento com uma dose mais baixa, titulando-se aos poucos a fim de monitorar resposta e efeitos colaterais. Com o passar dos anos, após uso de doses mais altas, os pacientes podem se tornar mais propensos a experimentar um efeito de deterioração de fim de dose (wearing-off), o que leva a uma necessidade de reduzir o intervalo entre as doses. Além disso, existe ainda muita discussão na literatura se no longo prazo o uso da levodopa pode levar a um aumento da incidência de discinesias. Por causa deste contexto, a maioria dos autores sugerem iniciar o tratamento quando já há algum tipo de repercussão das atividades de vida diária. Outros efeitos colaterais mais comuns incluem: alucinações, náuseas, vômitos, sonolência e hipotensão ortostática. Se descontinuada de forma repentina, pode causar um quadro de síndrome de descontinuação.5 24 37 • Agonistas dopaminérgicos: trata-se de uma outra classe de medicamentos amplamente utilizada para o tratamento da doença de Parkinson. Podem ser divididos em dois grupos: derivados do ergot (pergolida, bromocriptina, cabergolina) e não derivados do ergot (pramipexol e rupinol), sendo o pramipexol o representante mais utilizado em nosso meio. Trazem a vantagem de causar menos discinesia e wearing-off quando comparado com a levodopa. No entanto, aparenta que tem menor efeito antiparkinsoniano. Pode ser utilizado em monoterapia no início do desenvolvimento da doença ou associado à levodopa em estágios mais avançados. Essa classe costuma estar associada também a uma maior frequência de efeitos colaterais não motores, como sonolência súbita, tontura e comportamentos impulsivos, além de alucinações e confusão mental. Em virtude destes efeitos é sempre orientado iniciar o tratamento em baixas doses, com titulação lenta e evitar doses maiores que 1,5 gramas por dia em idosos.5 35 • Amantadina: é uma medicação com mecanismo de ação pouco esclarecido, parecendo atuar aumentando a liberação de dopamina, inibindo a recaptação e estimulando receptores de dopamina. Pode ser usada como monoterapia ou em associação para o tratamento de discinesia induzida pela levodopa. Pode causar efeitos colaterais como boca seca, hipotensão ortostática, tontura, alucinações, pesadelos, livedo reticular e edema.5 • Inibidores da COMT (entacapona e tolcapona): atuam inibindo a catecol-O-metiltransferase, enzima que metaboliza perifericamente a dopamina, o que leva a um aumento da meia vida plasmática e o tempo de ação da levodopa,reduzindo assim flutuações motoras. É utilizada como droga de segunda linha, sempre associada ao uso de levodopa. Entre os efeitos colaterais mais importantes destaca-se o risco de hepatotoxicidade, principalmente com tolcapona, e diarreia com entacapona.5 • Inibidores da MAO-B (selegilina e rasagilina): Atua inibindo a monoamina oxidase, enzima responsável pelo metabolismo intracerebral da levodopa. Podem ser usados como monoterapia em estágios iniciais da doença de Parkinson e em associação com levodopa em estágios avançados. Entre os efeitos colaterais mais comuns, destacam-se náusea, cefaleia, confusão mental, alucinações, insônia e quedas. Em associação com antidepressivos tricíclicos e inibidores de recaptação da serotonina pode causar reações graves também.18 • Anticolinérgicos: Apesar de ser a classe de medicação que atua de forma mais eficaz nos tremores, devem ser evitados em idosos, pois podem causar comprometimento cognitivo e alucinações.20 Quadro 6. Principais medicamentos utilizados no tratamento da doença de Parkinson no idoso. Classe Dose Levodopa Levodopa/benserazida 200/50 mg. Levodopa/benserazida BD 100/25 mg. Levodopa/benserazida dispersível 125/2 5mg: pacientes com dificuldades para engolir ou que necessitem de um início de efeito mais rápido. Levodopa/benserazida HBS 125/25 mg: efeito mais prolongado. Levodopa/benserazida DR 200/50 mg (liberação dupla): tem rápido início de ação até 40 minutos com uma duração de ação mais prolongada. Levodopa/carbidopa 250/25 mg. Iniciar com dose pequena de ½ comprimido BD 100/25 mg ou ¼ do levodopa/benserazida. 200/50 mg três a quatro vezes ao dia e titular em intervalos menores (até seis vezes ao dia) conforme evolução da doença (a resposta costuma ser observada nas doses de 300 a 600 mg/dia). Ingerir 30 minutos antes ou uma hora após as refeições, para que a proteína dos alimentos não interfira na absorção do medicamento. Posteriormente podem ser incluídas outras apresentações para otimização do efeito. Com o tempo, começa a ter deterioração no fim da dose. Com isso, é preciso aumentar o número de doses (atenção ao efeito colateral de discinesia). Alguns pacientes usam de 4/4h ou 3/3h. Geralmente não ultrapassa 1 g a 1,5 g/dia. IMAO Selegilina 5 mg uma a duas vezes ao dia. Rasagilina 0,5-1 mg uma vez ao dia. Amantadina 100 mg duas a três vezes ao dia. Agonistas dopaminérgicos Pramipexol iniciar 0,125mg três vezes ao dia; até 1,5-4,5 gramas por dia. Inibidores da COMT Tolcapona 100-200 mg três vezes ao dia. Entacapona 200 mg três vezes ao dia (dose máxima 2 gramas ao dia). TERAPIAS CIRÚRGICAS PARA DOENÇA DE PARKINSON Para os pacientes mais jovens que têm uma boa resposta ao uso de levodopa, mas que possuem efeitos colaterais ao medicamento exacerbados, uma opção terapêutica é o tratamento cirúrgico. Entre as opções destaca-se a estimulação cerebral profunda (DBS) do núcleo subtalâmico ou globo pálido interno. Já existem evidências de que esta estimulação de alta frequência tem efeito inibitório, a qual leva a uma melhora em quadros de flutuação motora e discinesia. No entanto, sintomas não motores que não são relacionados ao uso da levodopa, como freezing e instabilidade postural, não respondem à implementação da DBS. Além disso, como todo procedimento cirúrgico, há riscos de complicações, como crises convulsivas perioperatórias, hemorragias e infecções relacionadas com o dispositivo.5 39 Outros procedimentos, como talamotomia, palidotomia e subtalamotomia também podem ser indicados. No entanto, são mais reservados para situações em que os recursos financeiros não permitem o uso do DBS. PROGNÓSTICO O prognóstico da doença de Parkinson é muito variável, não havendo sinais da doença que possam indicar precisamente como será o curso da doença de cada indivíduo. No entanto, com a evolução do quadro clínico, uma parcela dos pacientes tende a evoluir com limitações funcionais e perda de autonomia. Em um estudo realizado com pacientes, entre 1949 até 1964, verificou-se que 25% desses desenvolveram sérios sintomas debilitantes ou morte. Com o aumento de 5 para 9 anos, essa porcentagem aumentou para 67%, enquanto de 10 a 14 anos, para 80%. Apenas um pequeno grupo de pacientes teve progressão lenta da doença, mantendo estabilidade postural por mais de dez anos e ausência de deficiências graves por mais de 20 anos.28 Em um outro estudo multicêntrico realizado em Sydney, 100 pacientes com doença de Parkinson foram acompanhados por 20 anos, sendo observado após o período de seguimento uma mortalidade de 74%, e dos que sobreviveram 83% evoluíram com demência.27 TREMOR ESSENCIAL Uma vez que se trata de um importante diagnóstico diferencial da doença de Parkinson, iremos discutir um pouco sobre o tremor essencial. Sabemos que é a principal causa de tremor de ação em adultos, acometendo cerca de 5% das pessoas com mais de 60 anos, sendo observada a presença de histórico familiar de 30% a 70% dos casos. Ele ocorre frequentemente nas extremidades, manifestando- se como um tremor de alta frequência, bilateralmente ocorrendo durante a movimentação ou sustentação de postura. Pode também afetar a voz e, raramente, os membros inferiores, tronco e face.9 38 O tremor dos pacientes costuma aumentar gradualmente com o tempo, além de poder ser exacerbado com ansiedade ou quaisquer outras situações de estimulação adrenérgica. Normalmente, os pacientes só apresentam o tremor de ação como sintoma, mas em alguns casos o quadro pode ser mais intenso, levando à dificuldade para realização de atividades de vida diária.10 Os critérios diagnósticos, de acordo com a International Parkinson and Movement Disorder Society (IMPDS), definem o tremor essencial de acordo com quatro fatores: tremor bilateral dos membros superiores (ação e postural) sem outras anormalidades motoras, pelo menos três meses de duração, com presença ou não em outros locais (cabeça, voz, membros inferiores, por exemplo), e ausência de outros sinais neurológicos, como distonia, ataxia ou parkinsonismo.10 A decisão do tratamento medicamentoso deverá levar em consideração o grau de interferência que os sintomas possam estar causando para a realização das tarefas cotidianas, uma vez que as medicações podem causar efeitos colaterais. Entretanto, alguns pacientes sentem necessidade de serem medicados por questões estéticas, mesmo que não tenham nenhum prejuízo funcional com a doença.51 Atualmente existem duas medicações que podem ser utilizadas no tratamento do tremor essencial. O propranolol, um betabloqueador que atua no controle dos sintomas; no entanto, é preciso ficar atento às contra indicações, como bradicardia, bloqueios atrioventriculares significativos, broncoespasmo e doença arterial periférica. Por atravessar a barreira hematoencefálica, também há uma associação do seu uso com sintomas neuropsiquiátricos como delirium e depressão. Uma outra opção de medicamento é a primidona, um anticonvulsivante que atua no controle dos sintomas de tremores. Para seu uso com segurança é preciso titular a dose lentamente, a fim de controlar efeitos colaterais como sedação e quedas. Neste contexto o tratamento deverá sem ser individualizado, pesando riscos e benefícios. A. O que o caso clínico sugere como potencial patologia? Como confirmar o diagnóstico? RESPOSTA: O paciente apresenta quadro clínico de síndrome parkinsoniana. A presença de bradicinesia, tremor de repouso com padrão de “contar de moedas”, rigidez com roda dentada, assimétricos, sugere um quadro clássico de síndrome parkinsoniana. Para confirmar o diagnóstico de doença de Parkinson, é necessário investigar se não existem outros tipos de parkinsonismos. Inicialmente deve-se verificar se o paciente faz uso de medicamentos antagonistas de dopamina, como os neurolépticos e bloqueadores de canais de cálcio, como a flunarizina. Outras condições que devem ser descartadas no diagnóstico diferencial são parkinsonismo vascular, degeneração corticobasal, demência com corpos de Lewy, atrofia de múltiplossistemas, paralisia supranuclear progressiva, doença de Huntington, doenças de depósito toxinas, lesões cerebrais que afetam circuito estriatonigral e quadros anteriores de encefalite. Ademais, a resposta positiva à administração de levodopa é um sinal importante que sugere doença de Parkinson. Outro diagnóstico diferencial, porém pouco provável, é o tremor essencial, que costuma se apresentar como tremor de alta frequência, notado majoritariamente durante ação e manutenção postural, raramente nos membros inferiores, sendo bilateral — além disso é fortemente associado a histórico familiar, o que facilita o diagnóstico. B. Quais sintomas podem ocorrer futuramente? RESPOSTA: Com o tempo, a medicação terá menor resultado, alguns pacientes podem apresentar o chamado “wearing-off”, deterioração de fim de dose, notando a diminuição da ação do efeito da levodopa. Além disso, podem aumentar os sintomas de deterioração motora, piora da marcha e dificuldade de fala. Também pode desenvolver-se suor excessivo, termorregulação ineficiente, disfunção urinária e constipação, apesar de que nos pacientes geriátricos grande parte desses sintomas já coexistem antes mesmo que as afecções neurológicas parkinsonianas possam afetá-las. Com a progressão da doença, podem surgir distúrbios do sono, demência, alucinações, quedas e instabilidade de marcha, incontinência, imobilismo e síndrome de fragilidade. C. Qual tratamento inicial? Quais efeitos adversos esse tratamento pode trazer? RESPOSTA: Como não há tratamento que evite a neurodegeneração da doença de Parkinson, o tratamento é baseado no controle da sintomatologia. O fármaco mais utilizado e mais eficaz é a levodopa, que é um precursor metabólico da dopamina. Agentes dopaminérgicos no geral podem produzir sintomas psiquiátricos, como paranoia e alucinações. Esses sintomas normalmente são reversíveis, entretanto, tendem a se acentuar nos últimos estágios da doença. Recomenda-se, também, a associação com métodos não farmacológicos, como a instrução ao paciente sobre a caracterização e desenvolvimento da doença de Parkinson, a fim de se evitar reações desproporcionais e danosas psicologicamente ao paciente, principalmente no que se concerne ao início do diagnóstico. Lidar da melhor e mais humanizada maneira possível com os sentimentos da pessoa e da família na hora da notícia, evitando danos iatrogênicos e, se necessário, encaminhar o paciente para auxílio psicológico e para grupos de apoio especializados. Ademais, a prescrição de fisioterapia, também é um importante aliada no tratamento. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Aarsland D, Bronnick K, Ehrt U, et al. Neuropsychiatric symptoms in patients with Parkinson’s disease and dementia: frequency, profile and associated caregiver stress. J Neurol Neurosurg Psychiatry 2007;78:36-42. 2. Aarsland D, Brønnick K, Larsen JP, et al. 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Observado também, no exame segmentar, hematoma em face lateral de quadril direito, encurtamento e rotação externa do mesmo membro. Durante avaliação paciente referia muita dor, não permitindo que o membro fosse mobilizado. A radiografia indicou fratura no colo do fêmur direito. Como você abordaria esse paciente? Quais fatores desse paciente podem ter relação com as quedas sofridas? Quais modificações você faria nesse caso clínico? Definição Queda pode ser definida como um deslocamento não intencional para um nível inferior à posição inicial, com incapacidade de correção em tempo hábil, determinado por circunstâncias multifatoriais, comprometendo a estabilidade.28 Elas são causadas por uma perturbação do equilíbrio, associada à falha na compensação pelo sistema de controle postural. O equilíbrio, por sua vez, é controlado pelo sistema nervoso central, que utiliza vários mecanismos aferentes, como visual, vestibular, proprioceptivo, assim como eferentes, a exemplo de força muscular, flexibilidade articular.4 28 Em todas as idades a queda pode trazer agravos, mas em pacientes mais idosos acaba por possuir maior relevância clínica, uma vez que nesse grupo de indivíduos a chance de gerar sequelas é maior, sendo considerada, portanto, uma síndrome geriátrica, que constitui um problema de saúde pública.14 33 Epidemiologia Atualmente, calcula-se que 30% a 40% dos idosos da comunidade acima de 65 anos caem anualmente — e essa prevalência tende a aumentar com a idade.38 De 65 a 80 anos estima-se uma frequência de 34%, entre 80 a 89 anos em torno de 45%, e acima de 90 anosultrapassa 50%, sendo maior principalmente naqueles que vivem em instituições de longa permanência. Além disso, sabemos que 60% dos indivíduos com quedas no último ano caem subsequentemente21, o que pode gerar danos físicos e psicológicos.8 31 33 37 Na prática clínica observamos que muitos dos idosos deixam de relatar a ocorrência desses eventos, acreditando que seja algo natural do envelhecimento, sem relevância, terminando por relatar somente na ocorrência de danos mais graves. Com isso, verifica-se a importância do rastreamento ativo por todos os profissionais que prestam cuidados aos pacientes da terceira idade.30 Classificação As quedas podem ser classificadas de acordo com a frequência de episódios anuais, assim como possíveis consequências, o que é essencial para reconhecer aqueles sob maior risco de sofrer novos eventos e aqueles com maior probabilidade de complicações (Quadro 1). Quadro 1. Classificação de quedas quanto à frequência, aos tipos de consequências e ao tempo de permanência no solo. Frequência Acidental Evento único que está relacionado mais com fatores extrínsecos, que dificilmente acarretará novas quedas. Recorrente Dois ou mais no último ano, está mais relacionadacom fatores de risco intrínsecos. Tipos de consequências Lesões graves Fratura, trauma cranioencefálico, luxação. Lesões leves Abrasões, cortes, escoriações, hematomas. Tempo de permanência no solo Prolongado 15 a 20 minutos. Adaptado de Perracini, 2005. 30 Fatores de Risco A análise de todos os fatores que possam contribuir para a ocorrência de quedas é essencial, a fim que seja planejado uma intervenção adequada no paciente idoso2 29; desse modo, eles são divididos em fatores intrínsecos e extrínsecos. Os fatores intrínsecos são aqueles relacionados a características do próprio indivíduo, como: 1) a idade avançada; 2) histórico prévio de quedas, já que pacientes que caíram mais de duas vezes no ano anterior têm mais chances de cair novamente; 3) sexo feminino; 4) condições clínicas como hipotensão ortostática, demência, depressão, doença de Parkinson, redução da acuidade visual e auditiva, além de distúrbios que podem afetar marcha e equilíbrio, como vertigem, alterações proprioceptivas, sarcopenia, osteoartrose, neuropatia e calosidades; 5) uso de medicamentos associados ao risco de quedas, como os diuréticos, antipsicóticos, benzodiazepínicos, anticonvulsivantes, hipnóticos não benzodiazepínicos, antidepressivos tricíclicos, inibidores de receptação da serotonina, inibidores de receptação da serotonina e noradrenalina e opioides.9 22 26 34 Os fatores extrínsecos, por outro lado, são aqueles relacionados ao ambiente. Dentre esses, destacamos o uso de calçados e roupas inadequados, iluminação insuficiente, tapetes dobrados ou escorregadios, pisos com facilidade de derrapagem, falta de equipamentos que facilitem a locomoção em escadas e banheiros, como corrimãos e barras, escadas com degraus altos e estreitos, obstáculos inesperados (móveis baixos e fios, por exemplo), vias públicas mal planejadas e mal conservadas.35 Abordagem Diagnóstica Primeiramente, é necessário interrogar o histórico de quedas no último ano, assim como investigar todo o contexto no qual ocorreu determinada queda, através de uma anamnese detalhada, conforme descrito no Quadro 2. Em seguida, é importante realizar uma avaliação geriátrica ampla, focando em capacidade funcional, cognição, humor, multimorbidades, deficiências sensoriais, polifarmácia e dificuldade de marcha, que leva a necessidade do uso de dispositivos auxiliares de marcha, como andadores e bengalas. Quadro 2. Principais perguntas que devem ser feitas ao paciente na investigação de queda. Número de quedas no último ano? Quando foi a última queda? Turno que ocorreu? Lugar? O que estava fazendo no momento da queda? Tipo de calçado? O que sentiu previamente à queda (tontura, fraqueza dos membros etc.)? Parte do corpo que colidiu primeiro? Se estava usando óculos ou aparelho auditivo? Se notou alguma mudança na sua saúde na última semana (fraqueza, dor no peito, febre, taquicardia, cansaço etc.)? Se houve mudança na medicação de uso contínuo (alteração de dose, inserção de novo fármaco ou automedicação)? Quais as consequências que a última queda trouxe (cortes, luxações, fraturas etc.)? Houve necessidade de busca de auxílio médico? Ocorreu perda de consciência? Houve alteração de alguma atividade corriqueira em decorrência da queda? Caso sim, perguntar o motivo. No exame físico existem algumas particularidades que precisam ser avaliadas. Inicialmente, devem ser aferidas a frequência cardíaca e pressão arterial com o paciente deitado, sentado e em pé, em um intervalo de 5 minutos entre cada medição, para que possa ser investigada hipotensão postural — queda de 20 mmHg ou mais na pressão arterial sistólica ou de 10 mmHg ou mais na pressão arterial diastólica. A presença de tontura e alteração do pulso, mesmo sem uma queda da pressão arterial após se levantar, também já é indicativo suficiente para diagnóstico de hipotensão postural. É importante lembrar que alguns idosos podem ter uma menor resposta de taquicardia reflexa, mesmo sem o uso de betabloqueador. Outro teste que pode ser realizado é o Romberg, no qual solicita-se que paciente fique em pé, parado, com os pés juntos, mãos do lado do corpo e olhos fechados, sendo considerado positivo caso o paciente balance ou movimente mais de um pé. A estabilidade do paciente pode ser avaliada através de outro teste simples, que consiste em empurrar levemente o paciente após aviso prévio, com toda segurança necessária para que não ocorra nenhum acidente. Uma avaliação adequada de membros inferiores e dos pés também é fundamental na procura de atrofia muscular, deformidades como geno valgo, varo, edema articular, joanetes e calosidades, assim como exame direcionado para investigação de neuropatias.24 30 Existem também diversos testes de desempenho físico que podem ser realizados com o objetivo de avaliar a função motora do paciente. O Teste do Equilíbrio de Marcha de Tinetti (Performance- Oriented Mobility Assessment) é certamente um dos mais completos. Ele consiste em duas seções, sendo a primeira destinada a avaliar equilíbrio (9 itens) e a segunda para avaliar marcha (7 itens). Cada item é pontuado em 0 (pior performance), 1 (performance intermediária), 2 (melhor performance) e, no final, o instrumento gera um escore contínuo, indicando menor risco de queda para pontuações maiores (> 25 é baixo risco; 19-24 é médio risco; < 19 é alto risco). Apesar da recomendação para o seu uso em diversas publicações, ainda é um teste que demanda um tempo maior para ser realizado, o que pode ser um obstáculo para sua utilização durante um atendimento de um paciente com multimorbidades, principalmente na ausência do apoio de uma equipe multidisciplinar. Nesse contexto, buscamos realizar testes de aplicabilidade mais simples.38 O Get Up and Go Test destina-se a avaliar a qualidade da marcha. Ele consiste em orientar o paciente que se levante de uma cadeira com os braços, caminhe por 3 metros, dê meia volta e volte a sentar na mesma cadeira novamente. Dessa forma, a qualidade da marcha pode ser classificada em um escore que varia de 1 (normal) a 5 (severamente anormal). Existe também uma variação na qual o teste é cronometrado e recebe o nome de Time Up and Go Test (TUG). Não existe um ponto de corte claro na literatura para indicar uma alteração no TUG; no entanto, alguns autores sugerem que um valor acima de 13 segundos indica um teste mais alterado.18 32 O teste do alcance funcional tem o objetivo de avaliar o controle postural dinâmico. Para sua realização é solicitado que o paciente descalço fique ereto, com os braços para frente, na altura do acrômio, punhos em posição neutra, cotovelos estendidos e ombro com flexão de 90°. Deve-se orientar então que ele se incline para frente sobre uma régua fixa, o máximo que conseguir. Após três tentativas, um alcance médio menor que 15cm indica alto risco para quedas (Figura 1)41 O Short Physical Performance Battery consiste em um teste que avalia: tempo de tandem, semi-tandem e lado a lado, conforme ilustrado na Figura 2; velocidade de marcha em 4 metros; tempo para levantar-se e se sentar cinco vezes de uma cadeira. A soma dos três componentes gera um escore que, quando abaixo de 9, prediz de forma independente de dificuldades em atividades instrumentais de vida diária e de mobilidade em um tempo de seguimento de um a seis anos. Além disso, cada um dos três componentes desse teste são preditores de quedas.7 12 13 A Escala de Equilíbrio de Berg avalia o equilíbrio em 14 itens da vida diária, sendo que cada item é pontuado por uma escala ordinal que varia de 0 a 4. Após a soma de todos os itens, escores abaixo de 45 indicam risco de múltiplas quedas em idosos.1 Figura 1. Teste do alcance funcional. fig02 Figura 2. Teste tandem, semi-tandem e lado a lado. fig01 Prevenção e tratamento Para aqueles idosos que sofreram alguma queda, a primeira medida deve ser a avaliação e tratamento de possíveis injúrias sofridas. Lembrando que nos idosos que não se comunicam adequadamente pode ser necessário a utilização de exames complementares para afastar fraturas e outras lesões. Em seguida, deve-se investigar todos os fatores envolvidos com o evento, a fim de que se evite reincidências.29 Durante a consulta de rotina é importante que o médico questione histórico de mais de uma queda no último ano e avalie sinais de instabilidade de marcha. Para aqueles pacientes da comunidade com risco de quedas, as diretrizes recomendam uma abordagem multifatorial/multicomponente, conforme descrito no Quadro 3.24 Dentro dessa intervenção, a equipe multidisciplinar tem papel essencial, de forma a minimizar riscos. Os componentes mais importantes incluem: redução de medicamentos que podem aumentar o risco de quedas, como anticonvulsivante, neurolépticos, hipnóticos, antidepressivos, opioides e hipotensores; orientar programa individualizado de atividade física incluindo treinamento de marcha e balanço, alongamento, exercícios aeróbicos e de equilíbrio, como o tai chi chuan.25 36 39 Deve-se também indicar dispositivos auxiliares de marcha quando necessário, e realizar tratamento direcionado de condições que levem à instabilidade de marcha como a sarcopenia, doença de Parkinson, assim como outras patologias ortopédicas e neurológicas; tratar adequadamente deficiência visual; tratamento de doenças cardiovasculares que podem levar à pré-sincope5 15; reposição de vitamina D na dose de 800 UI por dia3 19; Adequação do ambiente no domicílio, de forma a minimizar fatores de risco extrínsecos.11 Em um estudo de idosos da comunidade, a intervenção de um terapeuta ocupacional em visitas domiciliares levou a uma redução de quedas em 36% no período de seguimento de um ano.6 Uma condição que tem sido cada vez mais observada é a dos idosos que moram sozinhos. Nesse caso, é importante que exista alguma forma de monitorização. Diversas empresas já oferecem dispositivos de alarme que podem ser acionados caso o indivíduo sofra uma queda e não consiga se levantar. Tal ferramenta auxilia no atendimento rápido ao paciente, reduzindo complicações, uma vez que após sofrer uma queda muitos não conseguem se levantar sozinhos e permanecem no chão por um período prolongado. Quadro 3. Abordagem multifatorial/multicomponente preventiva no idoso com risco de quedas. Minimizar número de medicamentos. Programa individualizado de atividade física. Tratar alteração visual. Tratar hipotensão postural. Controle de arritmias cardíacas. Suplementar vitamina D. Tratamento de problemas com os pés. Modificação do ambiente em domicílio. Promover educação e informação. Adaptado de American Geriatrics Society e British Geriatrics Society, 2011.24 Consequências O conhecimento das consequências que as quedas geram no idoso é de suma importância, pois podem levar a danos físicos, psicológicos e sociais.30 Evidências já demonstram que são a principal causa de morte acidental em indivíduos acima de 65 anos.10 Além disso, sabemos que a incidência de injúria severa após uma queda é de 5% a 10% nos idosos da comunidade e 10% a 30% naqueles que vivem em instituições de longa permanência.22 23 Entre essas injúrias, destacamos as fraturas de quadril que ocorrem em até 1% dos episódios, sendo que 95% delas estão associadas a uma queda.16 40 As fraturas de colo e fêmur têm elevada mortalidade, chegando a 20% a 30% em um ano, mesmo após correção cirúrgica. Além disso, cerca de 20% a 75% desses indivíduos não conseguem recuperar a funcionalidade.16 34 Outra questão que merece destaque é que 32% daqueles que caem têm medo de cair novamente, o que pode gerar problemas importantes, já que esses indivíduos tendem a limitar mais suas atividades, se tornando mais dependentes, e que pode também servir de gatilho para isolamento social e transtornos de humor.17 30 Tal situação pode também acometer idosos que nunca sofreram uma queda, mas que apresentem fatores de risco para o evento.20 Por último, é importante ressaltar que as quedas trazem prejuízos do ponto de vista econômico, tanto com custos diretos (custos médicos e não médicos, relacionados ao tratamento, recuperação e reabilitação do paciente), quanto indiretos (perda de produtividade advinda do problema de saúde).17 Conclusões Queda é uma condição de grande relevância para o idoso, podendo gerar complicações físicas e psicológicas, perda de capacidade funcional e de qualidade de vida. Por isso, a prevenção trata-se de uma ferramenta importante, principalmente para aqueles idosos com fatores de risco. A equipe interdisciplinar é peça fundamental tanto na prevenção quanto no tratamento de danos gerados por quedas. Como você abordaria esse paciente? RESPOSTA: Inicialmente, deve-se buscar entender os fatores que levaram à queda, de forma a identificar situações de alarme, como síncopes e convulsões. Depois, deve ser seguido de exame físico minucioso na procura de injúrias graves como sinais de trauma craniano ou outras fraturas. Se necessário, podem ser realizados exames de imagem e laboratório para complemento diagnóstico. A fratura de quadril é uma urgência cirúrgica e o tratamento precoce estar associado a um melhor desfecho. Aqueles que não realizam correção cirúrgica da fratura de quadril tendem a evoluir com imobilismo e complicações como sarcopenia, úlceras de pressão, trombose e infecções. Idealmente ele deve ser acompanhado por uma equipe multidisciplinar durante a internação, visando medidas preventivas não farmacológicas de delirium. Lembrar também de prescrever profilaxia de trombose venosa profunda e analgesia. Como ele estava fazendo uso crônico de benzodiazepínicos, a retirada abrupta pode gerar abstinência, por isso é mais prudente um desmame progressivo da medicação. Após a cirurgia, deverá passar por um processo intenso de reabilitação e se possível deambular precocemente, visando um curto período de internação hospitalar. Após a alta, deverá ser mantido o processo de reabilitação, assim como abordagem multifatorial e multicomponente visando prevenção de futuras quedas, conforme descrito no texto. Uma vez que a fratura de colo de fêmur define osteoporose, após a alta deverá ser iniciado tratamento adequado. Quais fatores desse paciente podem ter relação com as quedas sofridas? RESPOSTA: A idade avançada, o histórico prévio de quedas frequentes, uso de benzodiazepínicos, bradicardia, descrição de “cabeça leve” (pode indicar uma pré-síncope ou vertigem) e catarata. Além disso, o fato de morar sozinho é um fator complicador em pacientes com maior risco de quedas. Quais modificações você faria nesse caso clínico? RESPOSTA: O uso de diuréticos pode causar síncope, por reduzir o volume plasmático. Ademais, aumentam a frequência e a urgência de urinar, o que pode aumentar o risco de queda. Se possível, recomenda-se a troca por outra classe de anti-hipertensivo que não os diuréticos,observando as necessidades do paciente. O paciente também está em uso de clonazepam; benzodiazepínicos aumentam o risco de quedas por reduzir sensório e reflexos. Recomenda-se, portanto, suspender o seu uso com desmame ou, pelo menos, usar a dose mínima. Como a catarata não apresenta grande dano na visão desse paciente, não é tão preocupante, porém é necessário reforçar a iluminação dos ambientes de sua casa, principalmente os locais de trânsito mais comuns durante a noite, como o caminho do banheiro. Também é recomendado verificar outros fatores extrínsecos, como tapetes escorregadios ou que dobram com facilidade, cordas, fios, móveis baixos etc. A instalação de barras e de tapetes emborrachados no banheiro são intervenções que podem ser benéficas. Além disso, deve ser recomendado o incentivo de atividades físicas apropriadas direcionadas de acordo com o processo de reabilitação do paciente. Por último, devemos lembrar que se trata de um idoso que mora sozinho, sendo, portanto, viável sugerir o uso de equipamentos que alertam serviços de emergência em casos de queda, a exemplo de colares ou pulseiras com botões que o idoso pode pressionar em caso de queda. Referências bibliográficas 1. Berg KO, Wood-Dauphinee SL, Williams JI et al. 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Síndrome da imobilização Caso clínico Paciente MJN do sexo feminino, 83 anos, branca, viúva, analfabeta, aposentada procedente e residente do distrito de Groaíras, no interior do Ceará, foi levada pela família ao hospital do distrito relatando quadro de tosse com secreção, redução da diurese e quadro de confusão mental, apresentando-se com sonolência, letargia diurna e insônia noturna há 15 dias, com piora gradual. Acompanhante também refere última evacuação há 5 dias. Tratava-se de uma paciente acamada há quatro anos em decorrência de um quadro de acidente vascular encefálico, portadora de diabetes mellitus há 30 anos e de hipertensão arterial sistêmica. Ao exame físico, estado geral regular, desorientada, flutuando entre vígil e sonolenta, acianótica, hipocorada, frequência cardíaca de 115 batimentos por minuto, pressão arterial 90 x 50 mmHg, eupneica, não verbalizava. Exame segmentar respiratório, cardíaco e abdominal, sem alterações. Observa-se perda de massa muscular com múltiplas contraturas, presença de lesão por pressão em região sacral grau II. Estava em uso de fraldas. Não foi possível aplicar o Mini Exame do Estado Mental, visto que a paciente tinha afasia. Conversando com acompanhante, foi relatado que se tratava de uma idosa completamente dependente para atividades básicas de vida diária, com dificuldade para se alimentar, engasgos frequentes e não expressava nenhum sinal de reconhecimento dos familiares. Diante do exposto, a paciente pode ser diagnosticada com síndrome de imobilidade? Quais as possíveis complicações que essa paciente pode apresentar? Introdução Com o envelhecimento populacional que vem ocorrendo em todo o mundo nas últimas décadas, tem sido observado um aumento no número de idosos com doenças que levam à perda de independência e autonomia. Nesse contexto de multimorbidades, muitos se tornam fragilizados, completamente restritos ao leito, em uma condição de prognóstico reservado que afeta a qualidade de vida.3 25 Definição Durante muito tempo, pensou-se que o repouso prolongado poderia trazer benefícios para o paciente, sendo uma modalidade terapêutica bastante utilizada. Porém, com o advento da Segunda Guerra Mundial esse panorama mudou, visto que os soldados feridos eram rapidamente liberados em virtude da superlotação das unidades. A partir de então, estudos foram realizados, percebendo- se os benefícios da saída precoce do leito e mostrando que ocorre uma recuperação mais rápida do paciente.11 15 19 Hoje, sabe-se que um maior tempo de permanência acamado está associado ao aparecimento de complicações clínicas, e por isso buscamos que os idosos sejam ativos, sempre que possível. No entanto, alguns pacientes que apresentam acúmulo de deficits em diversos sistemas podem se tornar restritos ao leito, em uma condição chamada de síndrome de imobilização (SI). Ela é definida como um complexo de sinais e sintomas resultantes da supressão de todos os movimentos articulares, que, por conseguinte, prejudica a mudança postural e leva à incapacidade.10 26 A imobilidade pode ser temporária, como no caso de fraturas e infecções, ou crônica, como nos casos de doenças neurodegenerativas em fase avançada, entre outras. Apesar dessa síndrome possuir etiologia multifatorial, tem como principais componentes a disfunção nos sistemas neurológicos e musculoesqueléticos.10 Epidemiologia A literatura atual é bastante escassa, no que diz respeito a dados de prevalência sobre a SI, uma vez que essa definição não é utilizada de maneira uniforme entre os profissionais de saúde que não atuam nas áreas de geriatria e gerontologia. Por vezes, conceitos como imobilidade, dependência e síndrome de fragilidade se misturam. No entanto, dados sugerem que a SI seja mais frequente em instituições de longa permanência, uma vez que nesses locais a prevalência de fragilidade situa-se em torno de 50%.2 Sabemos também que entre os idosos frágeis, cerca de 38% podem evoluir com alguma dependência para atividades básicas de vida diária em um período de 3 anos.17 Um estudo brasileiro avaliou 566 pacientes em atenção domiciliar e observou que 9,9% dos pacientes apresentaram critérios para a SI, sendo 13,1% mulheres e 6,1% homens.13 Outro estudo avaliou 47 idosos em uma enfermaria de geriatria em um hospital de São Paulo e observou, no período de um mês, uma frequência de 25,53% pacientes que preenchiam critérios para a SI.25 Etiologia Existem diversas patologias que podem levar ao comprometimento da mobilidade, com posterior evolução para a SI. Normalmente, em um mesmo indivíduo são encontrados vários componentes que se somam em uma condição de multimorbidades. Nesses pacientes, além de problemas físicos podem também existir outros fatores colaboradores de ordem psicológica, social e econômica.10 O Quadro 1 demonstra condições comuns que podem contribuir para o desenvolvimento da SI. Quadro 1. Condições que podem contribuir para o desenvolvimento da síndrome de imobilização. Sociais e ambientais: restrição física, isolamento social, condições sociais desfavoráveis, ambiente propício a quedas. Psíquicas: medo de quedas, depressão. Sistema musculoesquelético: osteoartrose com limitação de amplitude de movimento e dor, instabilidade de marcha e quedas, sarcopenia, fraturas, doenças reumáticas, amputações. Sistema cardiorrespiratório: doença pulmonar obstrutiva crônica e outras pneumopatias, insuficiência cardíaca congestiva, cardiopatia isquêmica e hipotensão postural. Sistema circulatório: insuficiência venosa profunda e úlcera varicosa, erisipela, trombose venosa, doença aterosclerótica periférica. Sistema neurológico: acidente vascular cerebral, demências, doença de Parkinson, neuropatias, tonturas, outras doenças neurodegenerativas. Sistema digestório: desnutrição proteico-calórica e disfagia. Alterações sensoriais Iatrogenias e medicamentos inapropriados Adaptado de Chaimowicz et al, 2013; Façanha et al, 2016.10 14 Quadro clínico e abordagem diagnóstica Ao avaliar um paciente acamado, inicialmente devemos entender se corresponde a um quadro de imobilização transitória de causa reversível ou não. Para isso, precisamos conhecer todo contexto clínico que levou à restrição ao leito. Algumas informações importantes incluem identificar a reserva funcional e prognóstico das patologias que estão acometendo o indivíduo. Outro dado relevante é a evolução temporal do imobilismo, uma vez que aqueles que permanecem acamados por mais de 15 dias têm mais chance de evoluir com SI (Quadro 2).11 15 Quadro 2. Classificação temporal do imobilismo. Repouso 7 a 10 dias. Imobilização 10 a 15 dias. Decúbito de longa duração Mais de 15 dias. Adaptado de Cintra et al, 2013; Fernandes et al, 2011.11 15 Além das informações já citadas, a fim de que seja realizado o diagnóstico da SI, é necessário que o paciente apresente os dois critérios maiores e pelo menos dois critérios menores21, conforme demonstrado no Quadro 3. Quadro 3. Critérios diagnósticos para síndrome de imobilização. Critérios maiores Critérios menores Deficit cognitivo moderado a grave. Sinais de sofrimento cutâneo