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Choque hipovolêmico e reações transfusionais

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1- Caracterizar o choque hipovolêmico 
Introdução 
O choque é uma condição de falência circulatória onde há 
um desequilíbrio entre a oferta e a demanda de oxigênio, 
produzindo uma hipoperfusão tecidual. 
 
Princípios da circulação, da oferta e consumo de 
oxigênio: 
O volume de sangue ejetado pelo coração (volume 
sistólico) varia de acordo com a pré- carga, a contratilidade 
e a pós- carga. 
 
Pré- carga: é a pressão no ventrículo esquerdo ao final da 
diástole (quantidade de sangue que chega ao coração), 
sendo influenciada pelo: retorno venoso, volemia e 
complacência do músculo cardíaco. 
 
Contratilidade: é a capacidade de contração das fibras 
miocárdicas, sendo influenciada por: efeito simpático 
(descargas adrenérgicas), alterações metabólicas 
(distúrbios do potássio) e pela utilização de substâncias 
inotrópicas, como a dobutamina. 
 
Pós- carga: é a pressão no ventrículo esquerdo ao final da 
sístole (a pressão contra a qual os ventrículos precisam 
“vencer” para o bombeamento do sangue), sendo 
influenciada por: resistência vascular periférica e 
resistência vascular pulmonar. 
 
Débito cardíaco 
É a quantidade de sangue bombeada pelo coração para a 
aorta a cada minuto. A capacidade de bombeamento do 
coração (DC) é definida pelos batimentos por minuto 
(frequência cardíaca) e do volume de sangue ejetado por 
batimento (volume sistólico). 
DC = VS X FC 
 
Resistência vascular periférica 
A resistência vascular é a pressão exercida pelas paredes 
dos vasos contra o fluxo sanguíneo, consequência do 
comprimento, do diâmetro e do tônus do vaso, além da 
viscosidade sanguínea. 
Em alguns casos de choque têm queda da pressão arterial, 
que é o produto do débito cardíaco e da resistência 
vascular periférica. 
 
1.1 Definição 
Caracterizado pela diminuição do volume sanguíneo, de 
modo que o enchimento do compartimento vascular se dá 
de maneira inadequada. 
 
1.2 Etiologia 
Essa condição ocorre diante de uma perda aguda de 15 a 
20% do volume sanguíneo circulante, causada por uma: 
 
Hemorrágico: A perda de sangue resulta em uma redução 
no volume intravascular o que pode resultar em choque. 
✓ Hemorragias externas: Traumas 
 
✓ Hemorragias internas ou de perdas do terceiro 
espaço, quando o líquido extracelular é desviado 
do compartimento vascular para o espaço ou 
compartimento intersticial. 
 
Não hemorrágico: Ocorre pela diminuição do volume 
intravascular por perda de algum fluido que não seja 
sangue. 
✓ Perdas de plasma (queimaduras graves), líquido 
extracelular (desidratação grave ou perda de 
líquidos gastrintestinais com vômito ou diarreia) e 
perdas renais (uso excessivo de diuréticos, 
nefropatias). 
 
1.3 Fisiopatologia 
Ao chegar menos sangue ao coração → temos redução da 
pré- carga → as fibras miocárdicas estirarão pouco → o 
débito cardíaco ficará reduzido. 
Como o débito cardíaco é reduzido, há um aumento 
compensatório na resistência vascular periférica. 
 
Hipovolemia → Redução de pré-carga → Redução de 
enchimento diástólico ventricular → Redução do DC → 
redução da resistência vascular periférica (RVP) → 
redução da Pressão Arterial Média → hipoperfusão 
tecidual. 
 
Mecanismos compensatórios: 
A fim de recuperar a perfusão tecidual o organismo lança 
mão de mecanismos compensatórios para manter o débito 
cardíaco e a pressão arterial, a perda do volume vascular. 
 
1. Ativação do sistema nervoso simpático 
É o mais imediato dos mecanismos compensatórios, cujo 
objetivo é manter o débito cardíaco e a pressão arterial. 
 
Essa ativação desencadeia 2 respostas principais: 
1) Contração das arteríolas e veias, que aumenta a 
resistência vascular periférica (RVP) (aumenta o 
retorno venoso), pela ativação dos receptores Alfa- 
adrenérgicos. 
 
2) Efeitos cardíacos diretos: o aumento da frequência 
cardíaca (efeito cronotrópico positivo) e o 
aumento da força de contração do coração (efeito 
inotrópico positivo), pela ativação dos receptores 
Beta 1- adrenérgicos. 
 
Obs: A estimulação simpática inicialmente não causa 
constrição dos vasos cerebrais e coronarianos, e o fluxo 
sanguíneo para o coração e o cérebro é mantido em níveis 
essencialmente normais, desde que a pressão arterial 
média permaneça superior a 70 mmHg. 
 
* Explicando porque em segundos após o início da perda 
de volume sanguíneo, surgem taquicardia, aumento da 
contratilidade cardíaca, vasoconstrição. 
 
2. Retenção de água e sódio 
São mecanismos compensatórios destinados a restaurar o 
volume sanguíneo a partir da absorção de líquido dos 
espaços intersticiais, a conservação de sódio e água pelos 
rins e a estimulação da sede. 
 
2.1 Água do interstício para o vaso 
Quando ocorre uma perda de volume vascular, as pressões 
nos capilares diminuem e a água dos espaços intersticiais 
é desviada para o compartimento vascular. 
 
2.2 Ativação do sistema renina- aldosterona 
A diminuição no fluxo sanguíneo renal e na taxa de 
filtração glomerular resulta na ativação do mecanismo 
renina- angiotensina-aldosterona, que produz um aumento 
na reabsorção de sódio e água pelos rins e vasoconstrição. 
 
2.3 Secreção de ADH 
A diminuição no volume sanguíneo também estimula os 
centros hipotalâmicos que regulam a secreção de ADH e 
da sede. 
 
O ADH, também conhecido como vasopressina, contrai as 
artérias e as veias periféricas, e aumenta significativamente 
a retenção de água pelos rins. 
 
Obs: Uma diminuição de 10 a 15% no volume sanguíneo 
atua como um potente estímulo para a sede. 
 
Vasoconstrição exessiva 
Conforme o choque hipovolêmico progride, a constrição 
dos vasos sanguíneos que suprem a pele, os músculos 
esqueléticos, os rins e os órgãos abdominais se torna mais 
grave. 
 
Sem suprimento suficiente de oxigênio, a célula não é mais 
capaz de sustentar o metabolismo aeróbio → forçada ao 
metabolismo anaeróbio → no qual o piruvato é 
metabolizado em lactato com muito menor geração de 
ATP. 
 
Os sistemas de bomba de íons dependentes de ATP, como 
a Na+/K+ ATPase, param de funcionar → retenção de 
sódio intracelular → edema celular → morte celular. 
Além da morte celular direta, a hipoxia celular pode causar 
dano em nível de sistema orgânico por meio de vazamento 
do conteúdo intracelular para o espaço extracelular → 
ativando cascatas inflamatórias → alterando a circulação 
microvascular. 
 
Obs: No choque hemorrágico, sobretudo quando 
relacionado ao trauma, vários mecanismos adicionais 
podem influenciar as manifestações fisiopatológicas, 
como: 
➢ Lesão tecidual e/ou fraturas ósseas, com liberação 
de várias substâncias tóxicas na circulação, 
levando à ativação inflamatória sistêmica, o que 
acrescenta um componente distributivo ao choque 
hemorrágico. 
 
➢ Pneumotórax e /ou tamponamento cardíaco 
causados pelo próprio trauma, o que acrescenta 
um componente obstrutivo. 
 
1.4 Quadro Clínico 
Estágios do choque 
O choque apresenta três estágios: 
1) Choque compensado (pré-choque) 
2) Choque descompensado 
3) Choque irreversível 
 
Pré- choque: É caracterizado por rápida compensação da 
diminuição da perfusão tecidual pelos diversos 
mecanismos homeostáticos. 
Taquicardia, vasoconstrição periférica e uma modesta 
redução ou aumento na pressão arterial pode ser o único 
sinal clínico do choque. 
 
Choque descompensado: Os mecanismos compensatórios 
encontram-se suprimidos e os sinais e sintomas da 
disfunção de órgãos surgem, como taquicardia, dispneia, 
agitação, diaforese, acidose metabólica, oligúria e pele fria. 
Correspondem a uma alteração fisiológica significante, 
redução de 15 a 20% do volume sanguíneo. 
 
Choque irreversível: Progressiva disfunção de órgão-alvo 
conduz a dano orgânico irreversível e morte do paciente. 
A produção de urina pode diminuir acentuadamente, 
culminando em anúria e IRA, acidose, diminuição da 
frequência cardíaca, e alterações no metabolismocelular, 
agitação, obnubilação e coma. 
Clinica 
Os sinais e os sintomas do choque hipovolêmico incluem: 
✓ Sede 
✓ Pele fria, pegajosa e cianótica 
✓ Alterações mentais (inquietação, agitação e 
apreensão) 
✓ Hipotensão 
✓ Taquicardia > 100bpm 
✓ Oligúria de 20 mℓ/h ou menos indica perfusão 
renal inadequada 
✓ Taquipnéia > 20 irpm 
✓ Aumento do tempo de enchimento capilar (TEC) 
✓ Acidose metabólica 
✓ Hiperlactatemia 
 
Pode ser dividido em quatro classes com base na 
gravidade da perda volêmica: 
 
1.5 Diagnóstico 
Quadro clinico e laboratório: 
1) Lactato sérico (> 2mmol/L ou > 18mg/dL) 
2) Função renal (ureia e creatinina) 
3) Função hepática (bilirrubinas, TGO, TGP, GGT e 
FA) 
4) Hemograma completo 
5) TAP / PTT 
6) Sumário de urina (EAS ou urina tipo I) 
7) Gasometria arterial 
8) Eletrocardiograma 
9) Radiografia de tórax 
 
1.6 Tratamento 
O objetivo do tratamento do choque hemorrágico é cessar 
o sangramento, restaurar o volume intravascular, 
normalizar o metabolismo oxidativo e a perfusão tissular. 
 
Guia terapêutica do ATLS: 
 
❖ Obtenção de um acesso vascular 
O ATLS preconiza que o acesso preferencial em adultos 
seja feito por meio de punção periférica com dois cateteres 
calibrosos (diâmetro igual ou mais que 18 gauge). 
Caso um acesso periférico não esteja disponível, as 
alternativas são: 
✓ Punção intraóssea 
✓ Acesso venoso central: jugular, subclávio ou 
femoral. 
✓ Dissecção venosa: veia safena magna, em sua 
porção anterior ao maléolo medial. 
 
❖ Reposição volêmica inicial 
Pacientes com diagnóstico de choque devem receber uma 
reposição volêmica inicial com solução isotônica 
(cristaloides, preferencialmente ringer lactato), em bolus 
de 1000mL. 
 
Obs: Ringer lactato- solução mais balanceada que o soro 
fisiológico, tem capacidade tampão (lactato + hidrogênio é 
convertido em CO2 e H2O no fígado), não causa 
coagulopatia e não causa acidose hiperclorêmica. 
 
Posologia: 
A regra “3 para 1” – 3 ml de cristaloide para 1 ml de sangue 
perdido – tem sido aplicada para a classificação de 
hemorragia para estabelecer uma linha de base para guiar 
a terapia. 
_________________________________________________ 
Após essa medida, devemos observar o tipo de resposta 
apresentada pelo paciente pelos parâmetros 
hemodinâmicos. 
 
São elas: 
 
❖ Reposição de hemoderivados 
O principal objetivo da transfusão de sangue é restaurar a 
capacidade de transporte de oxigênio do volume 
intravascular. 
 
A reposição de hemoderivados deve ser baseada na 
classificação da hemorragia, assim como na resposta à 
reposição volêmica inicial. 
 
A reposição volêmica com hemoderivados em 
caráter precoce está indicada para: 
✓ Pacientes com hemorragia classe III; 
✓ Pacientes com hemorragia classe IV; 
✓ Respondedores transitórios à reposição volêmica; 
✓ Não respondedores à reposição volêmica. 
 
Protocolo de transfusão maciça (PTM) 
Segundo o ATLS, considera-se transfusão maciça a 
administração de mais de 10 concentrados de hemácias 
nas primeiras 24 horas subsequentes ao trauma ou 4 
concentrados de hemácias em uma hora. 
 
Vale lembrar que, na transfusão maciça, é recomendada a 
administração de concentrados de hemácias juntamente a 
plasma e plaquetas na proporção de 1:1:1. 
 
2- Compreender a transfusão sanguínea quanto a: 
 
2.1 Hemocomponentes 
❖ Concentrado de hemácias 
O concentrado de hemácias (CH) é obtido por meio da 
retirada do plasma do sangue total, após a centrifugação. 
 
Armazenadas a cerca de -4 °C, estas bolsas têm validade 
de 21 a 42 dias, a depender do aditivo usado para preservá-
las. Seu volume varia entre 220 e 280 mL, com hematócrito 
em torno de 80%. 
 
Cuidados: 
Em adultos de porte médio, a transfusão de um CH eleva, 
em média, a Hb em 1 g/dL e o hematócrito (HT) em 3%. 
A bolsa deve ser infundida durante 1 a 2 horas, não 
devendo exceder as 4 horas devido ao aumento do risco 
infeccioso em temperatura ambiente. 
 
❖ Concentrados de plaquetas 
O concentrado de plaquetas (CP) é outro 
hemocomponente, conservado a temperatura ambiente 
(em torno de 22 °C), sob agitação contínua e com validade 
de 3 a 5 dias. 
 
❖ Concentrado de plasma 
O plasma é o único componente sanguíneo que apresenta 
duas utilidades. Serve de hemocomponente e matéria-
prima para os hemoderivados, aqueles produtos 
transfusionais obtidos por métodos industriais de 
fracionamento do plasma. 
 
Para ser usado como hemocomponente: 
Devemos congelar o plasma em até 8 horas da coleta, 
chamado plasma fresco congelado (PFC), produto em que 
os fatores de coagulação, principalmente os termolábeis, 
foram devidamente preservados para manter sua 
capacidade hemostática. 
 
2.2 Indicações 
✓ Hemoglobina for menor que 7 g/dL 
✓ Anemia sintomática (com sinais de hipóxia) 
✓ Hb < 8 g/dL no paciente coronariopata crítico 
✓ Hb < 10 g/dL em pré-operatório de cirurgias de 
grande porte. 
 
Teste pré- Transfusionais 
1) Testes infecciosos: sífilis, doença de Chagas, 
hepatites B e C, HIV e HTLV I/II. 
 
2) Testes no hemocomponente: tipagem ABO, 
tipagem Rh e pesquisa de anticorpos 
antieritrocitários irregulares (PAI ou Coombs 
indireto) 
*Refazer tipagem ABO e Rh no momento da 
transfusão. 
 
3) Testes no receptor: tipagem ABO, tipagem Rh e, 
se transfusão de hemácias, pesquisa de anticorpos 
antieritrocitários irregulares e prova de 
compatibilidade. 
 
2.3 Reações Transfusionais 
Elas são classificadas como: 
✓ Imediatas/ agudas: quando ocorrem até 24 horas 
do evento transfusional. 
✓ Tardias: quando surgem após 24 horas da 
transfusão. 
✓ Imunológicas 
✓ Não imunológicas 
 
 
Como tratar? 
Nos primeiros 10 minutos de uma transfusão sanguínea, o 
paciente deve ser observado por um profissional apto a 
identificar quaisquer reações transfusionais imediatas. 
 
❖ Reação febril não hemolítica (RFNH) 
Mais comum das reações transfusionais agudas. Ocorre 
principalmente com concentrado de plaquetas. 
 
Fisiopatologia: presença de anticorpos anti-HLA no 
receptor, destruindo os leucócitos do doador e levando à 
liberação de citocinas inflamatórias. 
 
Quadro: febre ≥ 38 °C durante ou após infusão, 
acompanhada ou não de calafrios, náuseas e vômitos. 
 
Tratamento: sintomáticos, como dipirona, 
anti-inflamatórios e cessar a transfusão. 
 
Prevenção: uso de hemocomponentes desleucocitados. 
 
❖ Insuficiência pulmonar aguda associada a 
transfusão (TRALI) 
Reação transfusional rara, caracterizada por insuficiência 
respiratória aguda em até 6 h da transfusão. 
 
Fisiopatologia: anticorpos anti-HLA e anti-HNA contra 
determinados antígenos de neutrófilos e precipitam 
quadro pulmonar inflamatório importante; 
 
Quadro: edema pulmonar não cardiogênico, ocasionando 
dispneia, hipoxemia e infiltrados pulmonares bilaterais, 
culminando em insuficiência respiratória; 
 
Tratamento: suporte ventilatório e hemodinâmico; 
 
❖ Sobrecarga circulatória associada a 
transfusão (TACO) 
Sobrecarga volêmica associada à transfusão. 
 
Fisiopatologia: hipervolemia, levando à insuficiência 
cardíaca congestiva. 
 
Quadro: dispneia, insuficiência respiratória, estase jugular, 
edema periférico e pulmonar. 
 
Tratamento: suporte ventilatório e diuréticos. 
 
Prevenção: uso de hemocomponentes aliquotados e 
diuréticos pré- transfusionais. 
 
❖ Reações alérgicas 
Reações de hipersensibilidade aos hemocomponentes e 
hemoderivados. 
 
Fisiopatologia: reações de hipersensibilidade precipitadas 
por alérgenos presentes no hemocomponente. 
 
Quadro: rash cutâneo, urticária, broncoespasmo, 
angioedema. 
 
Tratamento: anti-histamínicos, adrenalina. 
 
Prevenção: uso de hemocomponentes lavado. 
 
3- Compreender os aspectos éticos e legais de 
hemotransfusão. 
RESOLUÇÃO CFM nº 1.021/80 
Em caso de haver recusa em permitir a transfusão de 
sangue, o médico, obedecendo a seu Código deÉtica 
Médica, deverá observar a seguinte conduta: 
 
1º - Se não houver iminente perigo de vida, o médico 
respeitará a vontade do paciente ou de seus responsáveis. 
 
2º - Se houver iminente perigo de vida, o médico praticará 
a transfusão de sangue, independentemente de 
consentimento do paciente ou de seus responsáveis.

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