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Sepse e Choque Séptico Ana Silvia Caldas Ferreira Liss DEFINIÇÃO Sepse é um quadro de disfunção orgânica aguda que ameaça a vida, desencadeado por uma resposta desregulada do hospedeiro a uma infecção. ● A presença de SIRS não é mais um pré-requisito obrigatório para o diagnóstico de sepse. ● Define-se disfunção orgânica aguda simplesmente como um escore SOFA ≥ 2. ● O termo “sepse grave” deve ser abandonado, pois toda sepse, por definição, é grave. ● Choque séptico é um subtipo especial de sepse caracterizado por profundas alterações circulatórias, celulares e metabólicas, acarretando risco de óbito superior ao da sepse (≥ 10% versus ≥ 40%). Seus critérios demandam que o paciente tenha sepse e… 1. Necessidade de vasopressores para manter a PAM ≥ 65 mmHg; 2. Lactato sérico > 2 mmol/L (> 18 mg/dl) a despeito de ressuscitação volêmica adequada . ● Fora das unidades de terapia intensiva (p. ex.: num serviço de emergência, na enfermaria), podemos rastrear pacientes adultos com “sepse inicial” através da presença de pelo menos dois dos seguintes achados (este critério está sendo chamado de “quick SOFA” ou qSOFA): 1. FR ≥ 22 irpm; 2. PA sistólica ≤ 100 mmHg; 3. Alteração do estado mental sepse = infecção + SOFA ≥ 2. A SIRS é definida pela presença de dois ou mais dos seguintes critérios O SOFA é um escore validado para predizer mortalidade em pacientes com infecção. Ele pode ser avaliado na admissão e recalculado a cada 48h. Seus componentes estão representados Para que ocorra sepse, é preciso que a secreção de citocinas próinflamatórias ultrapasse os limites de uma resposta estritamente LOCAL tornando-se uma resposta SISTÊMICA à infecção, quer dizer, os fenômenos de ativação vascular e leucocitária observados nas imediações do processo infeccioso inicial passam a ser observados em órgãos e tecidos à distância, mesmo na ausência de infecção direta destes. Alguns autores chamam isso de inflamação intravascular maligna. Os mecanismos que explicam a “transição” de uma resposta local para uma resposta sistêmica desregulada ainda não são totalmente compreendidos, mas acredita-se que o processo seja multifatorial... As principais hipóteses (não mutuamente exclusivas) são: (1) certos constituintes dos micro-organismos possuiriam maior capacidade de estimulação da imunidade inata – são os chamados “superantígenos”, como toxinas específicas produzidas somente por cepas mais virulentas; (2) uma carga muito grande de antígenos invasores pode levar a uma secreção proporcionalmente mais alta de citocinas, de modo que as citocinas produzidas em nível local inevitavelmente “vazam” para a circulação sistêmica; (3) alguns indivíduos possuiriam polimorfismos genéticos que os tornariam mais propensos à sepse (ex.: síntese exagerada de citocinas pró-inflamatórias); (4) sabe-se que junto com a produção de citocinas pró-inflamatórias ocorre secreção concomitante de citocinas anti-inflamatórias. Se esta também for excessiva, o hospedeiro acaba ficando paradoxalmente mais propenso à invasão e disseminação dos patógenos invasores, de modo a favorecer a perpetuação do estímulo séptico, criando um ciclo vicioso… A disfunção orgânica que acompanha a sepse começa pelo mau funcionamento das células individuais, em nível molecular. Este fenômeno não é totalmente compreendido, e também se acredita que seja multifatorial… Seus mecanismos seriam: (1) hipóxia celular, devido à diminuição do aporte de O2 aos tecidos, secundária às alterações circulatórias generalizadas da sepse; (2) efeito citopático direto das citocinas pró-inflamatórias e/ou antígenos invasores; (3) disfunção das mitocôndrias (“envenenamento mitocondrial”), rompendo a complexa cadeia de reações da fosforilação oxidativa, que resulta na síntese de ATP, o que explica o bloqueio do metabolismo aeróbio celular mesmo quando o aporte de O2 aos tecidos ainda não se encontra muito diminuído; (4) aumento na taxa de apoptose (morte celular programada), provavelmente em decorrência de todos os fatores citados. AVALIAÇÃO CLÍNICA E TRATAMENTO A sepse é uma emergência médica, e seu tratamento deve ser imediato. As prioridades terapêuticas são: (1) proteger a via aérea; (2) assegurar a ventilação e as trocas gasosas; (3) obter acesso vascular e administrar fluidos para restaurar a volemia e a perfusão tecidual; (4) ministrar antibioticoterapia empírica direcionada contra os germes mais provavelmente envolvidos. Recomenda-se que nos primeiros 45 minutos do atendimento os seguintes exames sejam coletados (sem prejuízo às manobras de suporte anteriormente citadas): (1) exames de sangue “de rotina”; (2) lactato sérico; (3) gasometria arterial; (4) amostras de hemocultura obtidas de dois sítios periféricos distintos e de um cateter venoso profundo, se houver. Cada amostra deve ser dividida em frascos para aeróbios e anaeróbios (isto é, duas amostras produzem quatro “garrafinhas” de hemocultura: duas para aeróbios e duas para anaeróbios); (5) culturas de sítios facilmente acessíveis (ex.: escarro, urina), desde que haja suspeita clínica de infecção nesses locais; (6) exames de imagem da fonte suspeita (ex.: RX de tórax, USG/TC de abdome). A antibioticoterapia empírica (aquela que é iniciada antes do conhecimento do resultado das culturas e antibiograma) deve ser ministrada dentro da primeira hora do atendimento. O esquema deve ser de “amplo espectro”, isto é, deve prover cobertura contra múltiplos patógenos potencialmente envolvidos. A decisão acerca de que drogas prescrever depende da análise de vários fatores, como por exemplo: (1) sítio infeccioso suspeito; (2) idade do paciente; (3) presença de comorbidades/imunodepressão; (4) fatores de risco para germes MDR; (5) história de uso recente de ATB; (6) gravidade clínica; (7) presença de dispositivos invasivos; (8) resultado do Gram; (9) dados locais sobre a prevalência de patógenos e perfil de resistência aos antimicrobianos. De um modo geral, recomenda-se que na maioria das situações o esquema forneça cobertura contra bactérias Gram-positivas e Gram-negativas. Cobertura antifúngica empírica não é oferecida de rotina para pacientes não neutropênicos Em muitos casos é necessário também obter o “controle” do foco infeccioso, em associação à antibioticoterapia sistêmica. Na prática, este termo significa “drenagem de pus” e/ou “retirada de material exógeno infectado”. São exemplos frequentes: drenagem de abscessos, lavagem da cavidade articular, desobstrução urinária/biliar, retirada de cateter venoso profundo infectado… Recomenda-se que as medidas para controle do foco infeccioso sejam tomadas nas primeiras 6-12h do atendimento. Após conhecimento do resultado das culturas e antibiograma, o tratamento antimicrobiano deve ser reajustado. Neste momento, ele pode ser mantido, ampliado ou de-escalonado. O ideal é que se escolha a droga com menor espectro de ação possível, que de preferência tenha pouca toxicidade e baixo custo. Em média, a duração do tratamento antimicrobiano na sepse deve girar em torno de 7-10 dias, podendo ser prolongada em pacientes mais graves ou que evoluem com complicações, ou mesmo encurtada, em casos com culturas negativas que melhoram de forma rápida e expressiva. A ressuscitação volêmica precoce e agressiva, utilizando fluidos intravenosos, é outra etapa crucial da conduta. O fluido de escolha é a salina isotônica (ex.: SF 0,9%, Ringer lactato). Os amidos hiperoncóticos (coloides sintéticos) NÃO devem ser usados, pois aumentam a mortalidade… O esquema preferencial de administração consiste na infusão de bolus repetitivos de volume (um bolus = 500-1.000 ml IV rápido). Os bolus são feitos até que a pressão arterial e a perfusão tecidual sejam consideradas aceitáveis, ou então até que o paciente desenvolva edema agudo de pulmão… A meta de PAM (Pressão Arterial Média) é ≥ 65 mmHg. Uma das metas de perfusão tecidual é manter o débito urinário > 0,5 ml/kg/h. Outra é a normalização do lactato sérico (recomenda-se dosar o lactato de maneira seriada, a cada 6h). O ideal é que a ressuscitação volêmica atinja seusobjetivos nas primeiras três horas do atendimento. Se após administração de um volume cumulativo de 30-50 ml/kg nas primeiras 3h as metas hemodinâmicas não forem atingidas, recomenda-se o início de drogas vasopressoras. Assim, pacientes que não respondem à ressuscitação volêmica inicial devem receber vasopressores. A droga de escolha é a noradrenalina, podendo-se associar vasopressina nos casos refratários. Se não houver resposta à combinação de ressuscitação volêmica + vasopressores, devese ministrar – de forma individualizada – glicocorticoides (hidrocortisona), inotrópicos (dobutamina – p. ex.: se o ecocardiograma à beira do leito mostrar disfunção sistólica do VE) e/ou transfusões de sangue. De um modo geral, transfunde-se o paciente séptico somente quando Hb < 7 g/dl (< 10 g/dl nos cardio/pneumo/cerebropatas prévios). O objetivo é manter a Hb > 7 g/dl (~ 10 g/dl nos cardio/pneumo/cerebropatas prévios). antibiotico ceftriaxona
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