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Doenças Fúngicas em Amêndoas de Cacau

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[AVALIAÇÃO DO EFEITO DE DOENÇAS FÚNGICAS (VASSOURA-DE-BRUXA E
PODRIDÃO PARDA) SOBRE A QUALIDADE DAS AMÊNDOAS DE CACAU]
Palavras-Chave: [Cacau], [Vassoura-de-bruxa], [Podridão parda]
Autores/ as:
Mariane Guidetti Andrietta [UNICAMP]
Msc. Geisa Priscilla Araújo Gomes Maia (co-autora) [UFMG]
Prof.ª Drª. Priscilla Efraim (orientadora) [UNICAMP]
INTRODUÇÃO:
O cacau (Theobroma cacao L.) é formado pela casca, por uma polpa mucilaginosa e por
sementes, sendo estas, a principal matéria-prima para o processamento de chocolate (RIBAS et
al., 2018).
O impacto econômico causado pela queda na produção do cacau nos últimos anos
começou no final de 1980 e é explicado, em parte, pela introdução do fungo causador da
vassoura-de-bruxa (Moniliophthora perniciosa) (CARVALHO
et al., 2020). Ele ataca os frutos (Figura 1), brotos e almofadas
florais, resultando na má formação do fruto e morte do tecido
vegetal ou desenvolvimento inadequado (LANDAU et al.,
2020).
Figura 1 - Cacau
atacado por vassoura-de-bruxa
Fonte: MAIA (2021)
Figura 2 - Cacau atacado por podridão parda
Fonte: MAIA (2021)
Também há uma forte ocorrência de outra doença causada por outro fungo, a podridão
parda (Phytophthora palmivora), a qual pode comprometer até 100% do fruto e é responsável
por causar a podridão dos mesmos. Ela manifesta-se sob condições de alta umidade através do
aparecimento de pequenas manchas/ lesões na casca que, com o avanço da doença, alastra-se
pelo fruto (Figura 2) alterando sua coloração e apresentando um odor característico de peixe. No
Brasil, com destaque para o estado da Bahia, a podridão parda e outras doenças relacionadas à
mesma espécie causam perdas de até 80% da plantação (SANTOS et al., 2009).
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A principal alternativa utilizada pelos agricultores e pelas processadoras de cacau é fazer
um blend entre esses frutos com danos leves e com frutos saudáveis. Contudo, tal prática leva à
diminuição da qualidade dos produtos e subprodutos derivados de cacau, sendo que a realidade
dessas doenças e ampla variedade com a qual se manifestam, geram diferenças químicas
significativas na composição dos frutos, dificultando a padronização do processo por parte da
indústria cacaueira (BARBIN et al., 2018; OLIVEIRA, 2005).
METODOLOGIA:
Os frutos, fornecidos pela Fazenda Luz do Vale (pertencente ao Grupo Agrícola
Conduru, localizada na região Sul da Bahia) foram colhidos no estágio ótimo de maturação e
pesados. Foram coletados 5 lotes contendo 50 frutos saudáveis, danificados por
vassoura-de-bruxa e danificados por podridão parda, separadamente. Após a quebra dos frutos,
as cascas e sementes foram separadas por nível de dano (leve, moderado e alto) e, dentro de
cada nível em 3 grupos, onde foram realizadas as determinações seguintes em triplicata. Após
separar as cascas das amêndoas, as sementes foram secas (±7% de umidade), trituradas e
separadas por granulometria (peneiras) (entre 0,2mm). Seguindo metodologias oficiais
(AOAC, 2006), foram realizadas as seguintes determinações analíticas: teor de umidade, por
método gravimétrico (método 913.04); pH, por método potenciométrico (método 970.21),
acidez total (método 942.15) e teor de lipídios (método de Goldfish). As determinações
analíticas foram feitas, pelo menos, em triplicata. Os resultados foram analisados por Análise de
Variância (ANOVA) e submetidos ao teste de Tukey a 5% de significância por meio do
software R.
RESULTADOS E DISCUSSÃO:
A Tabela 1 apresenta os resultados da coleta biométrica realizada em cima de 300 frutos
coletados (100 para cada doença) e analisados individualmente quanto a valores de
comprimento, largura, massa do fruto e sementes e o rendimento percentual de sementes.
Embora essas características sejam determinadas genotipicamente pela espécie, fatores
extrínsecos influenciam o desenvolvimento da planta, tais como, o manejo da cultura, a
temperatura, umidade, iluminação, a presença ou não de fungos e até mesmo a colheita.
Tabela 1 - Dados biométricos de 300 frutos de cacau (sadios, com vassoura-de-bruxa e com
podridão parda)
Material Comprimento
(cm)
Largura
(cm)
Massa do fruto
(Kg)
Massa de
sementes
(Kg)
Massa
sementes/
Massa
frutos (%)
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Sadio (S) 134,6 ± 12,4a 91,11 ± 6,6a 0,488 ± 0,100a 0,113 ±
0,023a
23,55a
Podridão-parda
(PP) 137,72 ± 21,67
a 83,12 ± 8,04b 0,383 ± 0,162b 0,097 ± 0,032b 27,75b
Vassoura-de-
bruxa (VB)
137,56 ±
14,51a
84,37 ±
7,65b
0,421 ± 0,140b 0,113 ±
0,029a
28,49b
DMS 5,55 2,20 45,50 9,60 2,78
* Resultados expressos como média (desvio padrão).
DMS: Diferença mínima significativa (teste de Tukey).
Valores seguidos de letras iguais em uma mesma coluna não diferem estatisticamente entre si ao nível
de erro de 5%.
Em relação ao comprimento do fruto, não houve diferenças significativas, diferentemente
da largura, onde os frutos saudáveis apresentaram maior média, quando comparados com o
material acometido por podridão-parda e vassoura-de-bruxa. Já a massa dos frutos apresentou
uma maior discrepância dos dados: sendo os frutos saudáveis o de maior valor e isso,
possivelmente, justifica o fato do rendimento dessas sementes terem apresentado um valor
menor em relação aos frutos infectados por podridão-parda e vassoura-de-bruxa, que
apresentaram 27,75 e 28,49% de rendimento, respectivamente.
Após caracterização preliminar, foram realizadas as determinações físico-químicas das
amêndoas de cacau, em relação à umidade, pH, acidez total e teor de lipídeos, separando-as por
grau de dano e acometimento do fruto (Tabela 2).
Tabela 2 - Caracterização físico-químicas das amêndoas de cacau com podridão parda e
vassoura-de-bruxa em diferentes níveis de dano em comparação às saudáveis
Material
Determinação Analítica
Umidade
(%)
pH Acidez
(meq NaOH/100g)
Lipídeos
(g /100 g)
S 5,96 ±017b 5,37 ±0,28cd 7,02 ±0,96ab 55,95 ±1,37b
PPL 6,31 ±0,73b 5,82 ±0,44b 5,77 ±1,10b 52,04 ±1,38b
PPM 7,72 (±0,83a 5,54 ±0,14bc 5,67 ±1,60b 53,26 ±1,81b
PPA 7,20 ±0,56a 5,19 ±0,17d 8,12 ±0,85a 57,00 ±1,61a
VBL 7,70 ±0,29a 6,48 ±0,16a 3,56 ±0,76c 51,23 ±0,73b
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VBM 7,22 ±0,27a 6,54 ±0,15a 3,77 ±0,47c 52,12 ±0,83b
VBA 7,33 ±0,34a 6,62 ±0,08a 3,78 ±0,55c 52,13 ±1,16b
DMS 0,74 0,33 1,39 2,38
S = sadios, PPL = podridão parda leve, PPM = podridão parda moderada, PPA = PPM = podridão parda
alta, VBL = vassoura-de-bruxa leve, VBM = vassoura-de-bruxa moderada, VBA = vassoura-de-bruxa alta.
* Resultados expressos como média (desvio padrão).
DMS: Diferença mínima significativa (teste de Tukey)
Valores seguidos de letras iguais em uma mesma coluna, a um mesmo nível de dano, não diferem
estatisticamente entre si ao nível de erro de 5%.
Para produção de chocolate, as amêndoas de cacau devem ter umidade em torno de 7%,
sendo o limite máximo de 7,5%, tal como preconizado pela ISO2451:2014. Valores acima de
8% aumentam o risco de contaminação microbiana (MORENO et al., 2015). Tendo isso em
vista e com base nos resultados apresentados na Tabela 2, com exceção das amêndoas PPL, os
valores de umidade diferiram significamente dos frutos saudáveis, embora, PPL, PPA, VBM,
VBA apresentem valores de umidade dentro do limite estabelecido pela norma.
Em relação ao pH, sabe-se que durante a etapa de secagem das amêndoas ocorre a
volatilização de ácidos, tais como o acético, ocasionando o aumento do pH até valores entre
5,0-6,0 (Efraim, 2009) , tal qual foi demonstrado em estudos onde os valores foram próximos a
5,18 (Efraim et al., 2010). Quanto a essa análise, observa-se que em todos os níveis de danos, o
pH das amêndoas com VB foi maior em relação às outras. Ao analisar esses resultados por
doença fúngica nota-se, porém, que frutos PP mostram uma redução do pH com o aumento de
danos, em oposição aos frutos VB, que apresentaram aumento progressivo de seus valores.
Por sua vez, espera-se que os valores de acidez titulável, parâmetro que tem impacto na
formação de compostosde sabor e aroma característico de chocolate, aumentem durante a etapa
de fermentação, já que na semente de cacau não fermentada, os valores são inicialmente baixos
(Efraim et al., 2010). Notadamente os valores observados para as amostras com
vassoura-de-bruxa foram menores que os valores observados para as amostras com podridão
parda. Nota-se também que os maiores valores encontrados foram para o material sadio (S) e
para as amostras com alto grau de dano por podridão parda (PPA). No material sadio, o valor
mais alto pode ser explicado pela possível migração de ácido cítrico da polpa de cacau para o
cotilédone ao longo do processo de secagem. Para o material PPA, a acidez pode ser resultado de
processo fermentativo ocorrido no fruto em função dos danos observados. Para compreender
melhor os resultados, análises para identificação e quantificação dos ácidos orgânicos presentes
nas amostras deverão ser realizadas.
Por fim, na determinação de lipídeos, não houve diferença entre as amostras, a não ser
para as amêndoas do grupo PPA , que apresentaram maior valor. A manteiga ou gordura do
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cacau é um dos produtos derivados do cacau mais estudados e desafiadores dentro da indústria
de processamento de cacau e chocolate, devido às suas particularidades e alto valor comercial. É
um lipídio, muito utilizado na produção de chocolate, pois apresenta ponto de fusão próximo a
temperatura corporal (36°C), influenciando as percepções sensoriais (PORTE, 1999;
FERREIRA, 2013). Estudos relativos à composição da manteiga (ácidos graxos e
triacilgliceróis) poderão auxiliar na compreensão das diferenças de valores observados entre
PPA e as demais amostras.
CONCLUSÕES:
Esse estudo revela que, apesar da degradação dos tecidos vegetais, alteração da cor e do
odor observados, e da redução da massa e da largura verificados no presente estudo, nota-se um
maior rendimento de sementes do cacau, possivelmente pela perda de massa das cascas. Os
dados apresentados mostram que a subvalorização desses materiais e o atual destino dado aos
frutos acometidos por essas doenças podem gerar uma perda de qualidade significativa nos
produtos da cadeia de processamento. Por outro lado, os resultados obtidos demonstram
diferenças significativas nos valores de pH, umidade e acidez total, mas não quanto ao teor total
de lipídeos, reforçando a necessidade de estudos futuros para compreender as diferenças em
relação ao perfil de ácidos e lipídios para um direcionamento distinto e apropriado desses
materiais.
BIBLIOGRAFIA:
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