Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
VIII Colóquio Internacional Marx Engels – Cemarx / Unicamp GT 5 - Relações de classe e lutas sociais no capitalismo contemporâneo O MST e a Frente de Esquerda: (neo)desenvolvimentismo em tempos de crise Ana Elisa Cruz Corrêa1 1- A integração à ordem: da ocupação do latifúndio à produção agroecológica Desde a chegada do PT ao planalto federal em 2003 obervamos substancial mudança na relação entre movimentos sociais e Estado. Dentre as perspectivas críticas nos setores de esquerda alguns intelectuais e militantes denunciaram, mais ou menos abertamente, a cooptação, traição, institucionalização, apassivamento e/ou domesticação das lutas sociais. Partimos da premissa de que essa aproximaçao dos movimentos das estruturas institucionais não é uma problema de desvio moral ou de perda de conviccção política, mas sim o fechamento de um ciclo histórico, marcado pela esperança de realizar as tais reformas estruturais pelas quais a esquerda brasileira lutou nas últimas três décadas. É também fruto de um processo histórico marcado por determinações estruturais, econômicas, políticas e sociais que limitaram as escolhas, os debates e a capacidade de decisão dessas organizações. No âmbito desse artigo pretendemos analisar as transformações passadas especficamente pelo movimentos social que é objeto de nossa pesquisa de doutorado e que consideramos ser um caso muito significativo desse processo: o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. O MST passou por acentuadas transformações nas últimas duas décadas, sendo que há uma notável distância qualitativa entre seus objetivos e características fundantes, que marcaram as décadas de 1980 e 1990, e os expressos nos anos posteriores à chegada de Lula ao planalto em 2003. As transformações do MST tem inquietado intelectuais e militantes que, “por dentro” ou “por fora” da organização, apostaram no seu potencial anti-sistêmico: que acreditaram e lutaram para que a prática política desse organismo da classe trabalhadora fosse norteada pela crítica social radical. Não há dúvidas sobre as origens reformistas do MST. O movimento sempre foi, e segue sendo, afinal de contas, um movimento de luta pela REFORMA agrária. Contudo, durante certo período de nossa história foi possível defender que, no Brasil, um movimento por reforma poderia não ser um mero movimento por reforma. Defendendo a tese de que conquistas parciais dentro do capitalismo levariam a “consequências socializadoras de importância estratégica” para a luta contra o capitalismo, Florestan Fernandes (2005) afirmou que a luta por reformas em um país de burguesia “frágil e dependente” como o Brasil, ao se deparar com um Estado impermeável a qualquer benesse de caráter estrutural às classes subalternas, poderia levar a processos radicalizados. Essa herança miserável da sociabilidade capitalista no Brasil qualificaria, assim, a luta por reforma agrária como 1 Doutoranda no Programa de Serviço Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Mestre em Ciência Política e bacharel em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas. uma luta dotada de potencial explosivo, na medida em que sua própria demanda limitada, restrita e defensiva por terra, já seria por si só inalcançável nos limites da ordem burguesa no Brasil. A dinâmica histórica entre reforma e revolução na esquerda brasileira apresenta delineamentos muito mais complexos e contraditórios do que a leitura de que o MST sempre foi e sempre será reformista. Desde suas origens havia no movimento e nas formulações teóricas da esquerda brasileira uma compreensão articulada da relação reforma/revolução: a reforma seria um momento de acúmulo de forças para potencialmente se reverter em processo revolucionário. Isto está bem amarrado no Programa Democrático e Popular (PDP), programa estratégico elaborado pelo PT e que norteou todas as organizações de esquerda das ultimas décadas no Brasil. (IASI, 2006) Ao se articular a esse projeto estratégico capitaneado pelo PT, as formas de luta do MST foram marcadas por duros enfrentamentos com setores do capital e do Estado, fruto de seu principal método de luta, a ocupação de terras. A enorme repressão contra o movimento e a necessidade de se desenvolver um radicalismo que ia além da luta reformista teve como uma de suas expressões mais marcantes a incursão do MST nas periferias urbanas do estado de São Paulo em fins da década de 1990, o que acabou por dar origem ao MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto). (GOULART, 2011) Esta é, contudo, uma trajetória interrompida, que pode ser vista como uma “potencialidade perdida” que foi derrotada como projeto no interior do próprio MST, o qual hoje reforça sua re-limitação ao espaço rural e à figura mítica do camponês2. A essas questões somamos a chegada do PT ao governo federal. As políticas agrárias dos governos Lula e Dilma tem se concentrado em precários projetos de produção/distribuição, somados a programas de assistência social para o campo. Estes seriam realizados em detrimento de uma política ampliada de reforma agrária, isto é, foi praticamente abandonada a possibilidade de realização de novos assentamentos e se conformou uma postura de conivência ou impotência do INCRA face ao agronegócio. Ariovaldo Umbelino (2008) afirma explicitamente: “Surge, assim, um novo tipo de lógica entre o governo do PT e os movimentos sociais e sindicais: um finge que faz a reforma agrária, os outros fingem que acreditam.” Eliel Machado (2009) afirma que a política agrária do governo Lula seria marcada pela redução de assentamentos, o não alcance das metas do II PNRA e o benefício direto ao agronegócio, em especial ao setor sucroalcooleiro. Como cereja do bolo temos a recente nomeação de Kátia Abreu, um ícone do agronegócio, para o Ministério da Agricultura. Apesar de tantos dados contraditórios, com a eleição de Lula, inicialmente, acreditava-se que o governo realizaria a reforma agrária, o que desembocou em uma massificação dos acampamentos e o aumento das ocupações em 42% em 2003. Esta ampliação, contudo, seria seguida de uma caída drástica em 2005 devido ao temor de que a pressão social desgastasse o governo Lula, e Alckmin vencesse as eleições de 2006. (GONÇALVES, 2 Essas questões tem sido exploradas na pesquisa através de entrevistas, ainda em fase de realização e análise, com militantes que participaram desse processo. 2006:188) O anos subsequentes foram marcados por quedas consecutivas e progressivamente maiores nos números de ocupações de terra no Brasil. (DATALUTA, 2011) Como poderíamos explicar, portanto, o aparente imobilismo deste que ainda é considerado o maior movimento social da América Latina perante o governo petista que, após uma década no poder, não realiza a principal bandeira do movimento, a reforma agrária, e que lança subsequentes medidas de beneficiamento ao agronegócio? Para compreendermos melhor esse quadro é preciso atentarmos para o fato de que a principal tática do MST na luta por reforma agrária, a ocupação de terras e a constituição de acampamentos, tem sido progressivamente substituída pelo enfoque no desenvolvimento econômico e social dos assentamentos já existentes via convênios e parcerias com o governo3, e mesmo com parcelas do empresariado rural4. A redução drástica das ocupações de terra ocorreu simultaneamente ao estabelecimento de parcerias com órgãos públicos e privados focadas na produção e distribuição de alimentos. Não há portanto um mero abandono da principal reivindicação da organização, mas sim uma inversão de prioridades entre o acampamento (ocupação) e o assentamento (produção). Essas mudanças foram expressas pela direção do movimento no Programa Agrário do VI Congresso Nacional do MST de fevereiro de 2014 em afirmações de que serianecessário abandonar a bandeira da Reforma Agrária Clássica e se instituir uma reforma de novo tipo, a Reforma Agrária Popular5. O foco principal da organização passou à produção agroecológica e cooperativada como forma de viabilização dos assentamentos. Mas por que afinal, o MST teria passado por tais transformações? Buscamos explicações que vão para além das teses da cooptação política, seja esta de dirigentes, militantes ou da própria base social. A crítica moral quanto ao preenchimento de cargos governamentais, à cessão de poder político ou mesmo à concessão de precárias bolsas assistenciais nos parece limitada para compreensão de tamanha transformação histórica. A determinação histórica mais aparente no caso do MST está no âmbito da política: a chegada do Partido dos Trabalhadores ao governo federal em 2003 e a constituição do projeto neodesenvolvimentista. Este é o elemento que desejamos explorar neste artigo, porém não podemos nos furtar de mencionar outras duas determinações fundamentais que identificamos: a mudança da 3 Sobre os convênios públicos e o desenvolvimento da agroindustria no MST ver: Com agricultura familiar, MST adere a estratégias capitalistas, por Vasconcelos Quadros, IG São Paulo, 14/10/2013. Disponível em: http://ultimosegundo.ig.com.br/brasil/2013-10-14/com-agricultura-familiar-mst-adere-a-estrategias-capitalistas.html 4 O MST estabeleceu nos últimos anos parcerias com grandes empresas multinacionais, como o caso da venda de arroz orgânico via Grupo Pão de Açucar, e mesmo convênios com empresas do setor do agronegócio, como o caso da parceria com a Fibria (empresa resultado da fusão entre a Votorantim e a Aracruz Celulose). Sobre essas parcerias ver o artigo: MST S/A do Coletivo Passa Palavra, disponível em www.passapalavra.info. Ver também: Rio+20: Pão de Açúcar irá vender arroz sem agrotóxico do MST , UOL Notícias, Cotidiano, 20/06/2012. 5 Essa mudança foi também anunciada pelo dirigente nacional do MST João Paulo Rodrigues em entrevista concedida ao site Reporter Brasil em 11/02/2014. Disponível em: http://reporterbrasil.org.br/2014/02/mst-30-anos-estamos-no- canto-do-ringue/#parteI http://www.passapalavra.info/ http://ultimosegundo.ig.com.br/brasil/2013-10-14/com-agricultura-familiar-mst-adere-a-estrategias-capitalistas.html base social do MST de majoritariamente acampada para assentada; e o avanço do capital no campo brasileiro com a consolidação do agronegócio e do mercado de commodities. Essas são questões que estão em processo de análise na pesquisa, mas que optamos não desenvolver neste texto. 2 – A adesão ao projeto de desenvolvimento nacional Para compreendermos como o MST se relaciona com a política governamental petista, é necessário que combinemos o progressivo abandono da ocupação de terras com a busca de políticas de desenvolvimento para o campo. Esse processo foi construído por setores do MST, assim como o debate sobre a reforma agrária esteve presente nos programas políticos do partido. A estratégia em curso, a luta por reformas que gerariam um acúmulo de forças - o programa democrático popular - bem como a tática da pinça - combinação entre o braço da pressão popular (MST e CUT) e o braço da ação institucional (PT) -, estavam articulados em torno da histórica aliança MST/PT/CUT. (SILVA, 2012) Assim, ainda que o MST tenha vivenciado um certo afastamento do partido ao longo da década de 1990, com a chegada de Lula ao planalto em 2003 se consolidou a crença no interior do movimento de que este seria um governo em disputa e não um governo inimigo. Apesar de um temporário aumento das ocupações de terra logo após a eleição, a campanha pela reeleição de Lula que se inicia em 2005 foi crucial para a paralisação das ocupações, bem como o progressivo abandono de outras ações radicalizadas como a ocupação de prédios públicos. Esse processo culminou na tentativa de composição de uma frente que reuniria o governo, os movimentos populares e sindiciais e setores do empresariado nacional. (BOITO JR, 2012) Esta frente seria impulsionadora de um novo projeto de desenvolvimento economico e social promovido pelo PT, seria o “projeto neodesenvolvimentista”. Este projeto combinaria o desenvolvimento econômico com uma política social assistencialista que levaria, através da intervenção do Estado na economia e na “questão social”, ao desenvolvimento do capital industrial produtivo e a uma melhoria substancial dos padrões de vida dos trabalhadores. (CASTELO, 2011: 194) Este projeto se fundaria em uma retomada da política econômica desenvolvimentista promulgada nos países latinoamericanos antes das ditaduras militares e da “onda neoliberal”. Segundo Fiori, a mudança do governo petista em relação aos governos neoliberais se expressaria no segundo mandato do governo Lula no lema do “desenvolvimentismo com inclusão social”: (…) suas primeiras medidas e propostas são muito claras: seu objetivo estratégico não é construir o socialismo, é “destravar o capitalismo” brasileiro, para que ele alcance altas taxas de crescimento capazes de criar empregos e aumentar os salários de forma sustentada, fortalecendo a capacidade fiscal de investimento e proteção social do Estado brasileiro. Com esse objetivo, o governo Lula está retomando o velho projeto desenvolvimentista que remonta à década de 1930 e que só foi interrompido nos anos 90. Mas, ao mesmo tempo, está querendo criar uma vontade política por meio de uma grande coalizão social e econômica, que reúna as várias vertentes do desenvolvimentismo brasileiro, conservadoras e progressistas, que estiveram separadas durante a ditadura militar. (FIORI, 2007:58) Nesse sentido, Boito Jr. (2012) afirma que o governo petista articularia uma Frente Neodesenvolvimentista reunindo setores da burguesia interna vinculados ao capital industrial produtivo, representados principalmente pela FIESP, setores sindicais como a CUT e a Força Sindical, e movimentos sociais populares, em especial o MST. Ainda que o autor considere que existam divergências internas na composição dessa frente e uma série de contradições que colocariam os movimentos popular e sindical em uma condição de desvantagem perante os setores burgueses, para Boito Jr. esses três polos, em momentos críticos, se uniriam formando uma blindagem em torno do governo petista com o objetivo de garantir sua continuidade e viabilidade, opondo-se a um setor conservador e direitista defensor das políticas neoliberais e amparado pelo capital financeiro internacional. O que temos constatado na mídia recentemente são afirmações de que o neodesenvolvimentismo estaria em crise6 e, esta Frente parece estar sendo progressivamente substituída pela Frente de Esquerda Pelas Reformas. Desde a última eleição de Dilma à presidência, em fins de 2014 observamos através das mídias, tanto da esquerda progressista7 quanto da direita tradicional8, notícias sobre a conformação de uma nova “Frente de Esquerda”, também denominada “Frente pelas Reformas Populares”. Esta Frente teria como objetivo “concretizar uma ampla unidade para construir mobilizações que façam avançar a conquista de direitos sociais e bandeiras históricas da classe trabalhadora”, além de buscar “fazer a disputa de consciência e opinião na sociedade”9. Ainda que essa Declaração das organizações que compõem a Frente tenha anunciado sua autonomia dem relação ao governo federal, o ex-presidente Lula tem se pronunciado explicitamente a favor dessa construção de unidade dos movimentos sociais, sendo um de seus mais importantes incentivadores, chegando a se posicionar inclusive como interlocutor entre os movimentos em questão e o governo Dilma10. Duas ações expressaram recentemente essa disposição de Lula: seu 6 “Stédile: 'o neodesenvolvimentismochegou ao seu limite'", Pagina da Carta Maior, 16/04/2014. Disponível em: http://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/Stedile-o-neodesenvolvimentismo-chegou-ao-seu-limite-/4/30740 7 “Frente de esquerda quer ir às ruas para defender reformas populares e direitos”, Revista Fórum, 22/01/2015. Disponível em: http://www.revistaforum.com.br/blog/2015/01/frente-de-esquerda-ira-ruas-pressionar-por-reformas- populares-e-direitos-trabalhistas/ 8 “Lula e a ‘Frente de Esquerda’”, Estado de São Paulo, Opinião, 02/01/2015. Disponível em: http://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,lula-e-a-frente-de-esquerda-imp-,1614499 9 “Declaração da frente de esquerda pelas reformas populares”, site do MTST, 22/01/2015. Disponível em:http://www.mtst.org/index.php/noticias-do-site/1240-declaracao-da-frente-pelas-reformas-populares 10 “Lula e movimentos sociais se unem para pressionar Dilma”, Folha de São Paulo, 27/12/2014. Disponivel em: http://tools.folha.com.br/print?site=emcimadahora&url=http://www1.folha.uol.com.br/poder/2014/12/1567635-lula- e-movimentos-sociais-se-unem-para-pressionar-dilma.shtml http://tools.folha.com.br/print?site=emcimadahora&url=http://www1.folha.uol.com.br/poder/2014/12/1567635-lula-e-movimentos-sociais-se-unem-para-pressionar-dilma.shtml http://tools.folha.com.br/print?site=emcimadahora&url=http://www1.folha.uol.com.br/poder/2014/12/1567635-lula-e-movimentos-sociais-se-unem-para-pressionar-dilma.shtml http://www.mtst.org/index.php/noticias-do-site/1240-declaracao-da-frente-pelas-reformas-populares http://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,lula-e-a-frente-de-esquerda-imp-,1614499 http://www.revistaforum.com.br/blog/2015/01/frente-de-esquerda-ira-ruas-pressionar-por-reformas-populares-e-direitos-trabalhistas/ http://www.revistaforum.com.br/blog/2015/01/frente-de-esquerda-ira-ruas-pressionar-por-reformas-populares-e-direitos-trabalhistas/ http://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/Stedile-o-neodesenvolvimentismo-chegou-ao-seu-limite-/4/30740 comparecimento na inauguração dos conjuntos habitacionais do “Minha Casa, Minha Vida” concedidos ao acampamento João Candido do MTST em Taboão da Serra11 e a visita de Lula ao centro de formação do MST, a Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF)12. A principal diferença deste Frente em relação a anteriormente anunciada Frente Neodesenvolvimentista é que na luta por reformas estão presentes apenas as organizações populares e sindicais, sem a participação direta de entidades patronais ou de setores burgueses. Segundo Stédile, dirigente nacional do MST: “Os principais limites do neodesenvolvimentismo é que ele era um programa para que todos ganhassem. Mas os bancos, as construtoras e o agronegócio foram os que mais ganharam.”13 Assim, a hipótese que levantamos é a de que seria necessário, na concepção da direção dessas organizações, e em especial do MST, fortalecer as disputas quanto às políticas distributivas e de assistência social dentro ainda do projeto de desenvolvimento petista, mas com autonomia em relação à burguesia. Em um chamado de luta em defesa da Petrobrás, afirmam os movimentos sociais: “Um dos maiores desafios dos movimentos sindical e social hoje é defender, de forma unificada e organizada, o projeto de desenvolvimento econômico com distribuição de renda, justiça e inclusão social. É defender uma Nação mais justa para todos.14” A adesão a esse projeto se expressa no caso do MST no abandono da “reforma agrária clássica” e sua substituição pela “reforma agrária popular”. Assim, é consolidada a busca por inclusão através de políticas públicas e parcerias, inclusive privadas, das famílias assentadas ainda não incluídas no mercado. A crítica ao sistema capitalista parece ter se transformado em uma irremediável luta por inclusão social e econômica. Sua expressão particular é o projeto da reforma agrária popular que compõe o projeto nacional de desenvolvimento economico e social que perspassaria a realização das reformas estruturais defendidas pela nova Frente de Esquerda. Por fim, a viabilização da agricultura familiar através desse modelo, isto é, a consolidação da reforma agrária popular, seria, a bem da verdade, a possibilidade de uma inserção subordinada ao capital no campo, o que parece progressivamente se mostrar inviável em tempos de crise estrutural. 3. A impossibilidade da “medida do possível”: desenvolvimento em tempos de crise Muitos são os teóricos e militantes da esquerda progressista que passaram a defender a necessidade de composição com o governo, e o que agora se camufla na adesão a uma nova “frente de esquerda”, mas sem perder seu conteúdo inicial. Um dos principais argumentos levantados pelos 11 “Lula para MTST: ‘A luta de vocês valeu a pena’", site do Instituto Lula, 20/12/2014. Disponível em: http://www.institutolula.org/lula-para-mtst-a-luta-de-voces-valeu-a-pena 12 “Lula visita ENFF e defende atuação dos movimentos sociais no Brasil”, site do MST, 21/01/2015. Disponível em: http://www.mst.org.br/2015/01/21/lula-visita-escola-florestan-fernandes-e-defende-atuacao-dos-movimentos-sociais- no-brasil.html 13 “João Pedro Stedile: 'O povo quer mudanças para melhorar de vida'”, Pagina do MST, 20/10/2014. Disponível em: http://www.mst.org.br/2014/10/20/joao-pedro-stedile-o-povo-quer-mudancas-para-melhorar-de-vida.html 14 “Movimentos sociais convocam ato em defesa da Petrobras e pela Constituinte”, Página do MST, 05/03/2015. Disponível em: http://www.mst.org.br/2015/03/05/movimentos-sociais-convocam-ato-em-defesa-da-petrobras-e-pela- constituinte-no-dia-13.html http://www.mst.org.br/2015/03/05/movimentos-sociais-convocam-ato-em-defesa-da-petrobras-e-pela-constituinte-no-dia-13.html http://www.mst.org.br/2015/03/05/movimentos-sociais-convocam-ato-em-defesa-da-petrobras-e-pela-constituinte-no-dia-13.html http://www.mst.org.br/2014/10/20/joao-pedro-stedile-o-povo-quer-mudancas-para-melhorar-de-vida.html http://www.mst.org.br/2015/01/21/lula-visita-escola-florestan-fernandes-e-defende-atuacao-dos-movimentos-sociais-no-brasil.html http://www.mst.org.br/2015/01/21/lula-visita-escola-florestan-fernandes-e-defende-atuacao-dos-movimentos-sociais-no-brasil.html http://www.institutolula.org/lula-para-mtst-a-luta-de-voces-valeu-a-pena defensores dessa adesão é que esse seria o único caminho viável, dentro dos limites do possível, do realizável, evitando, assim, o total isolamento dessas organizações. O papel do MST e de outras organizações populares seria pressionar o governo, tanto em mesas de reunião quanto nas ruas das grandes cidades. As lutas com métodos radicias, como grandes marchas e protestos que levam milhares às ruas, seriam também parte deste mesmo projeto. A radicalidade tática não subverte nesses casos o conteúdo político estratégico que carregam. Porém, tudo se daria acompanhado de diálogo permanente e o estabelecimento de parcerias, para que, afinal, se realizassem as reformas estruturais necessárias, melhorando as condições de vida das classes trabalhadoras. Segundo essa concepção, optar por uma crítica radical que causasse animosidades ao projeto petista relegaria as organizações a uma condição de isolamento e progressivo definhamento político. Por fim, nosso questionamento está centrado na (in)viabilidade de uma política de desenvolvimento para o campo. Falar em desenvolvimento, seja no campo seja na cidade, a nosso ver é um enorme contra-senso, sendo que temos vivenciado uma crise permanente, que migra ao redor do globo e que nos assola desde fins da década de 1970. Para aprofundar essas questões nos debruçamos nos estudos dos Grundrisse, os rascunhos em que Marx desenvolve os fundamentos de sua análise do sistema capitalista. A partir de um estudo dessa obra que aqui enunciamos de forma muito sucinta, chegamos a alguns limites estruturais desse sistema gerados pelasautocontradições do capital. Estas contradições impossibilitariam por si só o estabelecermos hoje uma política econômica que promovesse desenvolvimento econômico e social. Não pretendemos apresentar uma crítica ao projeto neodesenvolvimentista que o denunciaria como insuficientemente radical ou revolucionário, afinal não é a isso que se propõe. Desejamos levantar a possibilidade de que o sistema do capital tenha por si só encontrado limites que não poderiam ser ultrapassados e que o levaria a vivenciar uma crise estrutural. Essa condição impediria políticas de reforma social e distribuição de renda nos marcos do capitalismo. As determinações impostas por um sistema alienante, fundado na bsuca incontrolável pela valorização do valor conformam um sistema que cria suas próprias contradições. O progresso e a civilização daí decorrentes servem ao capitalista, enquanto o trabalhador sofre cada vez mais com o poder que se multiplica sobre ele. O papel histórico do capital é a a produção de valor. “Por isso o capital é produtivo, i. e., uma relação essencial para o desenvolvimento das forças produtivas sociais. Só deixa de sê-lo quando o desenvolvimento dessas próprias forças produtivas encontra um limite no próprio capital.” (MARX, 2011: 256) A questão essencial é que o trabalho excedente não cresce na mesma medida em que se desenvolvem as forças produtivas, isto é, em que aumenta a produtividade do trabalho. (idem: 245) Aqui temos a identificação de uma contradição estrutural pois a única maneira de se gerar mais valor é por meio do trabalho vivo, da exploração da força de trabalho. E quanto mais o capital se desenvolve na busca de ampliar o valor excedente, menor é a fração em que esse aumento se dá. Temos um aumento da maquinaria (capital fixo) que resulta no aumento da produtividade; e uma redução do número de trabalhadores (capital variável), o que resulta na progressiva redução da taxa de lucro. Há portanto uma tendência do capital, à medida que se desenvolve, de expulsar mão de obra e portanto reduzir o número de jornadas simultâneas ao buscar ampliar o trabalho excedente referente à taxa de mais valia. Este seria o limite objetivo do desenvolvimento do sistema capitalista que se tornaria cada vez maior e mais difícil de transpor. Em um determinado momento do desenvolvimento das forças produtivas, o desenvolvimento do capital criaria o entrave para seu próprio desenvolvimento. (MARX, 2011: 281) Segundo Menegat (2013) após a chamada Terceira Revolução Tecnocientífica, teria ocorrido uma irreversível transformação na composição orgânica do capital, em que o trabalho vivo (capital variável) passaria a ser um “resíduo fantasmagórico” mediante a gigantesca quantidade de trabalho morto (capital fixo). Nessas condições, criar mais valor ou novo valor seria uma tarefa cada vez mais árdua, sendo que o aparato técnico e as máquinas robotizadas não criam, mas apenas transferem valor. Só o que pode criar valor é o trabalho vivo e este estaria sendo progressivamente expulso do processo produtivo. Essa seria a principal e mais temível consequência dessa revolução técnico científica, também expressa na reestruturação produtiva, isto é, na lean production, marcada pela robotização e pela microeletrônica, que promoveu uma eliminação de etapas do processo produtivo. István Mészáros (2011) definiu este momento em que o capital não conseguiria mais superar seus próprios limites como “crise estrutural”, isto é, uma crise que não poderá ser solucionada ou superada nos marcos do capitalismo e que se tornou sua característica permanente. Seria uma enorme crise social e ecológica, que se expressaria essencialmente na sua tendência destrutiva, marcada por um caráter insuperável e, portanto, estrutural. Ainda que possamos afirmar que o capitalismo seja intrinsecamente destrutivo, não podemos descartar sua faceta histórica “potencialmente” civilizatória. O caráter estrutural da crise é justamente o apontamento do esgotamento de qualquer forma de desenvolvimento e progresso dentro do sistema do capital que possua um caráter civilizador, estando este substituído pela generalização da barbárie. Ao nosso ver a fase neoliberal seria um conjunto de mecanismos econômicos e políticos que buscaram garantir o investimento de capital para produção de valor. David Harvey (2004) desenvolveu elementos que complexificam a leitura do momento neoliberal para além de um processo de financeirização e, portanto, ficcionalização do valor, relacionando-o com medidas concretas de produção de valor, o que denominou “acumulação por espoliação”. Esta seria uma “acumulação primitiva em processo”, que sempre estaria presente na história da civilização capitalista, mas que, a partir da década de 1970, teria se tornado sua tônica, como tentativa de saída da crise. Poderíamos explicá-la como um processo de despossessão contínuo via: privatizações de serviços públicos e indústrias nacionais; pilhagem, privatização e destruição de recursos naturais; mercantilização de formas culturais e históricas; biopirataria e pilhagem de recursos genéticos; etc. Segundo Harvey (2004:124): “O que a acumulação por espoliação faz é liberar um conjunto de ativos (incluindo força de trabalho) a custo muito baixo (e, em alguns casos, zero). O capital sobreacumulado pode apossar-se desses ativos e dar-lhes imediatamente um uso lucrativo.” E, a essa liberação de ativos, se conectariam o capital financeiro e as instituições de crédito com o apoio crucial dos poderes de Estado. Aqui podemos situar a terra como bem natural espoliado que teve um papel central desde o período de “desenvolvimento” nacional marcado pela modernização conservadora do campo. Esta levou à expulsão de enormes massas de trabalhadores rurais nas décadas de 1970 e 1980 até os dias atuais, em que observamos uma economia rural altamente industrializada e mecanizada, o chamado agrobusiness, que se sustenta pela exportação de commodities e suas bolhas especulativas. Esse contexto, que levou ao surgimento de uma organização social de massas, parece ter produzido também sua derrocada, pois as reformas estruturais que tanto conpuseram sua lutas reivindicaticas são inviáveis neste contexto prolongado de crise. Direitos sociais só podem ser garantidos a partir de uma base material de produção de valor que possa ser socializada. Entraríamos em um processo irreversível de luta aberta por uma produção de valor que impediria ganhos sociais de alta relevância, viabilizando apenas uma minguada política de redução de danos. A outra ponta da ironia é que as normas constituintes de direitos em uma democracia precisam ser ancoradas pelas formas do valor. Direitos sociais devem ter uma base material que os sustentem. Na história do capitalismo, estas conquistas nos países ricos ocorreram em contextos de longas ondas expansivas, em que as classes trabalhadoras mantinham possibilidades de pressão sindical, por meio de greves e outras lutas reivindicativas, e força política, por meio de partidos influentes eleitoralmente. Estas condições lhes permitiam resistir e impor limites à exploração do capital em uma época em que necessitava incorporar grandes quantidades de trabalho em sua expansão. (MENEGAT, 2013:92) O que observamos no Brasil a partir da década de 1980 é a constituição de um Estado Democrático de Direito frágil que busca recompor a legitimidade da lei do valor e estabelecer uma ordem social nos marcos da democracia. Seria “uma época de crise aguda e planetária desta forma social em que as oportunidades de investimento e ganho são procuradas com a avidez de aves de rapina. Sem lucros ascendentes e crescimento prolongado (sustentado), a tensão distributiva é inviável no capitalismo.” (idem: 93) O MST parece apresentar cadavez mais uma adesão ao neodesenvolvimentismo, o que à primeira vista pareceria extremamente contraditório sendo que este foi um movimento muito importante na organização dessa base social de permanentes excluídos do sistema, frutos da crise estrutural. Esta base social, devido às suas condições objetivas, teria um papel explosivo, papel que cumpriu nas décadas anteriores permeadas de crítica radical ao sistema do capital. Contudo, a crítica ao sistema parece ter se transformado em uma avidez por inclusão em uma estrutura falida, que nada ou quase nada tem a oferecer dentro de seus marcos em ruínas. Bibliografia BOITO JR, Armando. As bases políticas do neodesenvolvimentismo, Fórum Econômico da FGV/São Paulo, 2012. Disponível em: http://www.eesp.fgv.br/ CARTA de saída das nossas organizações (MST, MTD, Consulta Popular e Via Campesina) e do projeto estratégico defendido por elas. Novembro de 2011, disponível em: www.passapalavra.org FERNANDES, Florestan. A revolução burguesa no Brasil. São Paulo: Globo, 2005. FIORI, José Luís. As vitórias da esquerda na América do Sul. Margem Esquerda, n. 9, Dossiê: América Latina: continuísmo ou rupturas?, 2007. GONÇALVES, Renata. Assentamentos como pactos de (des)interesses nos governos democráticos. Revista espaço acadêmico, n. 65, 2006. GOULART, Debora. O ANTICAPITALISMO DO MOVIMENTO DOS TRABALHADORES SEM- TETO – MTST. Tese de doutorado, Unesp, Marilia, 2011. HARVEY, David. O novo imperialismo. São Paulo: Loyola, 2004. IASI, Mauro Luis. As Metamorfoses da Consciência de Classes – o PT entre a negação e o consentimento, São Paulo: Expressão Popular, 2006. MACHADO, Eliel. Governo Lula, neoliberalismo e lutas sociais, Lutas Sociais, n.21/22, 2009. MARX, Karl. Grundrisse, São Paulo: Boitempo; Rio de Janeiro: UFRJ, 2011. MENEGAT, Marildo. Estudos sobre ruínas. RJ: Revan / Instituto Carioca de Criminologia, 2012. _______________. “Unidos por catástrofes permanentes: o que há de novo nos movimentos sociais na América Latina” IN: PAULA, Dilma Andrade de & MENDONCA, Sonia Regina (orgs.). Sociedade civil: ensaios teóricos. Jundiaí: Paco Editorial, 2013. SILVA, Luciana Henrique da, A Trajetória do MST nos anos 2000: avanços e recuos na luta pela reforma agrária no Brasil, 2012. UMBELINO, Ariovaldo. Lula dá adeus à Reforma Agrária, Jornal Brasil de Fato, 22-12-2008. http://www.passapalavra.org/
Compartilhar