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1 O ENSINO DA DISCIPLINA MATEMÁTICA SEGUNDO A PERSPECTIVA DOCENTE DE MARIA LUCRÉCIA SIGNORELLI “NO GRUPO ESCOLAR E NO GINÁSIO ESTADUAL”, DE CASTRO, PARANÁ: UM ESTUDO DE CASO NA EDUCAÇÃO BRASILEIRA. 1940 A 1970 Cirlei Francisca Gomes Carneiro Universidade Estadual de Ponta Grossa-UEPG/HISTEDBR Introdução Este artigo refere-se a uma das pesquisas realizadas em 2004, na cidade paranaense de Castro. Assim, em “Biografias e Memória” (CARNEIRO,2004, 189 p.) livro, publicado pela Livraria Editora Chain, sobre os docentes do Grupo Escolar “Dr.Vicente Machado” buscou-se para esta análise o saber “saber fazer” ensino da Professora Maria Lucrécia Signorelli, no campo da Educação Matemática. As experiências quotidianas de um professor estão na dependência de uma massa documental, pois, não só no discurso oral se pode precisar melhor os esquemas de operações e manipulações técnicas a respeito das “maneiras de fazer” (CERTEAU,1994, p.41) ensino. Maneiras de balizar uma “tecnicidade” de tipo particular de ensinar estão associadas ao conjunto de fontes escritas como: os Diários de Classe, as Atas de Exames e os Materiais Didáticos. Então, a partir da comparação do discurso oral da Professora, Maria Lucrécia Signorelli, com a do da documentação escrita analisada, 02 (duas) questões foram observadas: _ os dados pessoais da entrevistada, os quais se referem à sua história de vida, cuja ênfase é dada sobre sua formação sócio-educacional; _ as bases teóricas da professora, cujo desempenho profissional estava fundamentado no currículo escolar e no ensino da matemática do Curso Primário e do Secundário centrado nas “relações entre cultura e trabalho”(DIDEROT, 1875, t.III). Situando estas 02 (duas) idéias num conjunto mais amplo (a educação primária e a secundária) no Brasil e num lugar onde foi o espaço que a professora trabalhou (o Grupo Escolar e o Ginásio Estadual) nos Campos Gerais do Paraná propô-se entender como a Disciplina Matemática dinamizou-se e legitimou-se na Escola Pública de Castro, entre as décadas de 40 a 70, do Século XX. 2 Além do mais, convém salientar que ambos os termos “micro poder” e “saber fazer” conceituados, respectivamente, por FOUCAULT, __ que apresenta a relação entre conhecimento e poder, no sentido das pessoas produzirem conhecimento com o objetivo de intervenção nas questões sociais (1979) __ e, por CERTEAU, __ que indica as “práticas pelas quais os usuários se apropriam do espaço organizado pelas técnicas da produção sócio-cultural” (1994. p.41) __ decorrem, conforme explica POPKEWITZ _ quando se refere sobre currículos como prática de governo _ que além da aprendizagem escolar “idéias e práticas diferentes associam-se para produzir meios que dirigem e moldam a conduta dos indivíduos” (2001, p.31). Neste entender, a professora Maria Lucrecia Signorelli ao transmitir os conhecimentos de matemática em classe de aula primária e secundária não se posicionou, apenas, como um lugar de aquisição de “saber poder” mas, sim, demonstrou “micro poder”, pois, socializou o educando a partir da educação matemática com vistas à cidadania em sociedade. 2.0- Maria Lucrécia Signorelli: tempo e memória intelectual A especificidade desta educadora tem como aporte o preparo intelectual e a formação de professor primário. O tempo vivido por Maria Lucrecia, desde o nascimento1 em Castro no ano de 1915 __ filha de José Signorelli e Theófila Espírito Santo2 __, imprimiu uma trajetória histórica marcada por duas Guerras Mundiais, a Ditadura de Vargas, a Redemocratização do País e a Revolução de 64. Marcas essas referenciais de uma formação conservadora, positivista e caracterizadora de uma moral cristã ilibada. Considerar estas diferentes fases propõe compreender a dimensão subjetiva e objetiva do preparo intelectual desta jovem castrense em busca de uma identidade profissional que, no Brasil da primeira metade do Século XX até meados da década de70, estava fundamentada na formação do professor normalista. Resgatar, assim, a memória profissional desta professora determinou abordar a identidade da cidade, na qual Maria Lucrécia nasceu e viveu a infância, a adolescência e a maturidade. 1 Maria Lucrécia Signorelli nasceu no dia 09 de agosto de 1915 e faleceu em 19 de maio de 2005. 2 Era de uma família de 06 (seis) irmãos, sendo 05 (cinco) mulheres e 01 (um) homem, dos quais chamavam- se Felipe José, Maria da Graça e Anita (falecidos), Julieta, Maria Lucrécia e Zilda, esta última casada e mãe de dois filhos, Inês e Estéfano. 3 Identidade urbana envolve várias dimensões que, neste caso, se refere à vida institucional familiar e educativa da cidade de Castro. Do ponto de vista, familiar Maria Lucrécia Signorelli era filha de imigrante, procedente de Belvedere Marítimo, Província de Concenza, região da Itália, o qual trazia em sua personalidade o peso das tradições européias, por isso, era comprometido com a formação escolar da família. O pai tinha como profissão o comércio de calçados, pois era sapateiro e fabricava inclusive botas para os militares, portanto, pertencia a classe média da população castrense. Para José Signorelli o maior legado que deveria deixar à família era a educação, razão pela qual sempre trabalhou e financiou o preparo intelectual dos filhos colocando-os em escolas de elite e de formação católica: o Colégio São José e o Colégio Diocesano de Castro. A cidade de Castro, por sua vez, constituía-se de uma sociedade campeira e elitística e detentora do poder, razão pela qual nos inícios do Século XX possuía: o Grupo Escolar “Dr. Vicente Machado”, o Instituto Castrense e o Colégio São José. Segundo Novaes Rosas o Colégio São José teve sua origem devido aos esforços de uma comissão, que era composta por pessoas da elite castrense, como: Olegário Rodrigues de Macedo, Afonso Marques de Souza, Otávio Novaes, Maria Josefa de Madureira, Indalécio Rodrigues de Macedo, Eugenio Gonçalves Martins, Aureliano Teixeira Batista, Sergio de Macedo, Sesinando de Albuquerque , Alberto Gastão Senges, Jonas Meira de Vasconcelos, João Bonato, José da Cruz Machado, Antonio José de Oliveira, João Anacleto da Fonseca, Manoel Antonio da Cunha, Joaquim de Souza Camargo, Luciano Gonçalves Martins, Dr. Francisco Xavier da Silva ( s/d., p. 119). Esta Comissão criou os Estatutos do Colégio São José, que continham 25 (vinte e cinco) itens, os quais indicavam as condições de funcionamento do estabelecimento de ensino, dentre eles: a fundação de um estabelecimento de educação e instrução para crianças do sexo feminino dirigido por irmãs de São José; o programa de estudos era o mesmo do Estado do Paraná, decompondo-se em curso primário e secundário; a cada irmã professora correspondia o número máximo de 30 (trinta) alunas; aulas de agulha e de outros trabalhos domésticos; estudo de piano e desenho; regime de internato para meninas; cobrança de mensalidades; e outros. 4 Assim, a 16 de janeiro de 1905, chegaram em Castro as Irmãs da Congregação de São José, cujo objetivo dessa escola confessional era a proficiência de ensino, a ordem e a moral cristã, cuja metodologia das irmãs francesas identificou o colégio como um estabelecimento de ensino modelar nos Campos Gerais do Paraná. Paralelamente, a este Colégio encontrava-se o Grupo Escolar “Dr. Vicente Machado”, localizado à Praça Rocha Pombo e fundado a 29 de novembro de 1904 pelo Presidente de Estado do Paraná, Dr. Vicente Machado da Silva Lima. Foram nestes 02 (dois) espaços institucionais, que os filhos da elite campeira e da população de maior poder aquisitivo de Castro, durante décadas, permearam o ensino primário. Estas instituições foram lugaresde ação social e, como tal, marcadas pelo tempo, espaço e pessoas, pois, Maria Lucrécia Signorelli lembrou, o ontem e o hoje, como parte de sua trajetória de vida escolar e profissional com muita agudeza de espírito intelectual. De um lado, estava a escola particular, de credo católico, cujo saber era o norte da separação do mundo adulto e definição de um estatuto de ensino à criança _ em cujo “ontem” rememorou a professora primária que marcou sua vida: Irmã Mitilde _ , a qual pela sistematização do saber docente era uma educadora muito formal “uma terrível! uma terrível! [...]”3 (SIGNORELLI,2004). Para a educadora, outras freiras marcaram porque eram “boas professoras”: a Irmã Maria Rosa (considerada linda e boa) e Irmã Maria de Jesus (deixou ótimas recordações), pois, antes de completar a 4ª (quarta) série as freiras indicaram as irmãs Signorelli, Maria Lucrecia e Julieta, para trabalharem no Curso Primário do Ginásio Santa Cruz, cuja instituição era de caráter confessional. 3 “Era uma irmã que tinha uma verruga na ponta do nariz. __ Sabe porque marcou ? __ Porque eu tinha loucura para ir à escola. Eu via as meninas passarem para ir ao Colégio e também queria ir para a escola: queria, queria [...]. Mamãe tinha nos ensinado em casa a ler, a Julieta e eu, mas não ensinou a escrever. Então nós chegamos no Colégio eu, a Julieta e, a outra minha irmã, Anita: era o primeiro dia de Colégio __ é por isso que eu digo que tinha horror dela __ porque, quando chegamos a Irmã Mitilde viu que nós sabíamos ler e perguntou para Anita: __ Elas escrevem a lápis ou a tinta? E, Anita disse: __ à lápis. Nós não sabíamos nem escrever a lápis e nem de jeito nenhum, e, a Irmã escreveu no caderno de caligrafia umas coisas e deu o caderno para mim. Eu peguei e pensei: ‘mas eu não posso, eu tenho que respeitar a linha da professora, agora eu vou escrever, mas, eu escrevi em baixo’, e, era caderno de linha dupla. Não sei o que eu fiz, porque não sabia fazer letras [...]. A freira chegou até mim e vindo perto da carteira viu aquilo que rabisquei, e, não gostando me deu um tapa na mão, sendo que o lápis voou longe. Sabe, era o primeiro dia, e, quando cheguei em casa: chorei, chorei e chorei muito. Então dizia: eu não vou mais para a escola, eu não sabia, eu não sabia mamãe, e, a professora me surrou mamãe, e, eu não sabia fazer”. (SIGNORELLI, 2004) 5 De outro, estava a escola de instrução pública, o Grupo Escolar Nº 04, posteriormente, chamado de “Dr. Vicente Machado”, o qual era um espaço envolvido com propostas formativas e de socialização _ quando referenciou o “hoje” comparando com o tempo de antigamente __ no sentido de uma escola obrigatória, universal e gratuita. Desta forma, segundo o discurso de Maria Lucrécia Signorelli, em ambas as instituições foram passíveis as aproximações entre “cultura e trabalho” porque no tempo de “ontem” ocorreu no Colégio São José os primeiros passos para o caminhar de sua intelectualidade e, no tempo de “hoje” alicerçou-se, no Grupo Escolar”Dr. Vicente Machado”, o amadurecimento profissional como professora primária que a levaria para lecionar no Curso Secundário. Entretanto, entre estas 02 (duas) fases de sua trajetória escolar os caminhos percorridos foram difíceis e longos pois, na década de 30, prestou “Exame de Admissão” para ingressar no Ginásio Santa Cruz de Castro, razão pela qual passou a trabalhar no Curso Primário, durante a parte matutina e vespertina, e, estudar no Curso Ginasial, no período noturno. Assim, na qualidade de professora e aluna cursou o ginásio4 em apenas 03 (três) anos fazendo o chamado “Curso de Madureza”, que, a cada ano realizava os Exames Finais no Colégio Iguaçu, localizado na cidade de Curitiba, capital do Estado do Paraná. A década de 40, do Século XX, foi um tempo memorável para Maria Lucrecia pela reafirmação de novas posições e a construção de novos caminhos, porquanto, passou a produzir sentidos de reflexão científica ganhando nova dimensão sócio-educacional. Estudou em Curitiba formando-se Normalista pela Escola Primária de Curitiba, atualmente, denominado de Instituto de Educação do Paraná, figura 01. Nessa oportunidade, a partir de debates com os professores Erasmo Piloto e Helena Kolody, Maria Lucrécia Signorelli defendeu com equilíbrio de idéias o pensamento de Diderot, que preconizava o predomínio do ensino científico sobre o ensino literário. 4 O Curso Ginasial, na década de 30 do Século XX, tinha a duração de 05 (cinco) anos. 6 Figura 01. Instituto de Educação do Paraná. 2004. Fonte: Projeto “Memória Visual”. Portadora do “Diploma de Normalista”, em 1942, foi nomeada para lecionar no Grupo Escolar “Telêmaco Borba”, de Tibagi, Paraná, onde lecionou, durante 06 (seis) meses, para alunos de 5º série. Posteriormente, recebeu transferência para lecionar na Escola Rural Olegário Macedo5, da cidade de Castro6. Por volta de 1948, Maria Lucrécia, foi transferida de local de trabalho para lecionar na Escola Isolada da “Vila Rio Branco”7, cuja sala era apertada e as aulas eram prelecionadas no período matutino. Nesta Escola, as 5 A Escola Olegário Macedo era também chamada de Remonta, fundada pelo Interventor Federal Manoel Ribas. O ensino era ministrado para meninos de rua, que eram mandados de Curitiba para estudar em forma de escola de “menores”. E, muitos perguntavam se a professora Lucrécia não tinha medo de lecionar para os meninos, todavia, nunca houve problema algum com os menores internos. 6 A Escola da Remonta ficava distante do centro da cidade, no espaço rural de Castro. Durante quatro anos e meio, Maria Lucrecia percorria a pé, todos os dias os campos da Ronda, atualmente Vila Rio Branco, a uma distância de 08 (oito) quilômetros de ida e volta, para lecionar. Neste estabelecimento de ensino faltou apenas um dia que era ponto facultativo, pois, teria desfile na cidade. Como a professora Julieta, que lecionava no Grupo Escolar “Dr. Vicente Machado” e as professoras do turno da manhã da Escola da Remonta não iriam trabalhar, somente as da tarde, houve reclamação e, por isso, o dia de trabalho da Professora Maria Lucrecia foi descontado. 7 Nesta Escola substituiu o Professor Octávio Torres Pereira, marido da professora Joana Torres Pereira. 7 condições financeiras foram difíceis, pois, dos vencimentos mensais a professora tinha que separar parte do ordenado para aluguel da sala. No mesmo ano, de 1948, foi transferida da Escola Isolada para o Grupo Escolar “Dr. Vicente Machado”, figura 02, que era dirigido pela Professora Djanira Ribas Taques. Assumiu as funções substituindo uma professora que, permanecendo pouco tempo no Grupo Escolar, retornou a Curitiba. À noite, na mesma escola, Maria Lucrécia e sua irmã Julieta Signorelli, professora de português, lecionavam para os soldados que freqüentavam o Curso Primário8, os quais aprendiam com as Professoras, respectivamente, as primeiras noções de aritmética e eram alfabetizados. Figura 02. Vista lateral do Grupo Escolar. Década de 40. Fonte: Museu do Tropeiro de Castro. Na década de 50, Maria Lucrecia passou a trabalhar em Piraí do Sul, no Ginásio Estadual “Jorge Queiroz Neto” e na Escola “Normal Regional” de Piraí do Sul. Nesse período, o Sistema Educacional de Ensino no Brasil permitia que, depois de 02 (dois) anos 8 A professora Lucrécia lembra-se do diálogo com o aluno soldado: Este disse __ “é muito sacrificioso aprender!!!” Então ela respondeu: __ “Tem que aprender, porque o que você vai fazer se alguém pedir para você leruma carta porque perdeu os óculos?” Ele, assim, respondeu __ Ah, eu digo que também perdi os meus!!!” (2004). 8 consecutivos de carreira profissional no ginásio, fosse concedido o “Registro”. Este documento dava ao Professor o direito de lecionar em todo o território nacional. A professora Lucrécia possuía dois padrões como Professora do Estado, obtidos por Concursos Públicos: __ primeiro, o de Matemática, que ministrou aulas durante toda a sua vida profissional; __ segundo, o de História e Geografia, quando trabalhava em Piraí do Sul, pois ao se inscrever para o Concurso não existia vaga para a disciplina de Matemática tendo, então, que optar para esta outra área9, que é a de conhecimento histórico e geográfico. Na Escola Normal Regional de Piraí do Sul ministrou aulas __ às professoras que já lecionavam __ de História e de Geografia, pois, a Instituição exigia professores nessa área e não na de Matemática, uma vez que já existiam professoras nomeadas nesse cargo. Em 1957 retornando a Castro passou a lecionar no Ginásio Estadual de Castro10 , a disciplina de Matemática, e, na Escola Normal “Amanda Carneiro de Mello” a de História e Geografia. . Maria Lucrecia Signorelli, de 1936 a 1978, atingiu 42 (quarenta e dois) anos de profícuo e laborioso trabalho educacional, pois, somente deixou de lecionar por apenas dois anos de 1940 a 1941, quando cursou a Escola Normal Primária de Curitiba. Aos finais da década de 70, já aposentada trabalhou por 4 (quatro) anos, na Escola Evangélica da Castrolanda11, pois o seu maior gosto era conviver com os alunos ensinando a matemática, porque, Maria Lucrécia considerava a “educação matemática uma mescla da disciplina matemática com o seu ensino” (ENTREVISTA, 2004). Ou seja, a matemática para esta professora deveria ser explicada no contexto sócio-cultural em que o ensino é ministrado. 9 Para estudar para o Concurso afirmou a Professora “afundei o colchão de uma cama do hotel para estudar toda a matéria para fazer o exame” e, acrescentou Julieta, “porque 24 horas antes do exame eles davam a relação dos 20 pontos, cada um dos pontos com 03 questões”. Lucrecia ainda contou que eram 02 provas, uma escrita e uma oral, sobre História do Brasil e História Geral (ENTREVISTA, 2004),. 10 O Ginásio Estadual de Castro funcionou, durante anos, no mesmo prédio do Grupo Escolar “Dr. Vicente Machado”. 11 A Escola Evangélica da Castrolanda encontra-se localiza na Colônia de Imigração Holandesa, há 07 (sete) quilômetros da cidade de Castro. 9 Assim, Maria Lucrécia de memória inquestionável12 e a par das transformações sociais e econômicas da sociedade atual, apesar de ser portadora de uma visão autoritária e hierarquizada que se refletia na defesa do ensino tradicional da matemática, não deixou jamais, durante a sua existência de estar em contato com a dinâmica da vida: leitura, lazer e dedicação às pessoas que necessitavam da operosidade de seus trabalhos manuais, pois, direcionava parte de seu tempo em favor de Entidades Assistenciais de Castro. 3.0- A fala da Professora Lucrécia e um lugar comum no quotidiano escolar: a linguagem matemática A partir de um vasto campo de fontes, articuladas a fala de Maria Lucrécia Signorelli, figura 03, na qual figuram contribuições de sua irmã, de alunos e professores tornou-se possível privilegiar uma abordagem a respeito da “linguagem matemática”. Figuras 03. Desfile 07 de setembro de 2004. Comemoração dos 100 anos do Grupo Escolar Vicente Machado. No carro, à frente Professora Julieta Signorelli e atrás sua irmã Maria Lucrecia. Fonte: Projeto: “Memória Visual”. 12 Foram colegas de profissão, não só no Grupo Escolar “Dr. Vicente Machado” mas, também, em outros estabelecimentos de ensino as professoras Zoé Rolim de Moura, Maria Aparecida Machado (Cidinha), Sodênia Camargo, Genoveva Vigieski e Rute Nocera, das quais lembrou com expressividade e carinho. 10 Em torno desta questão tomou-se por base o pensamento de D’Ambrósio de que existe “vários tipos de manifestações matemáticas, igualmente válidas, assim como há várias modalidades de inteligências igualmente respeitáveis e cultiváveis no sistema escolar” (1986, p.10) , pois, segundo o autor o educador matemático deve entender essas várias modalidades de “Matemática e de Inteligência”, no sentido de coordená-las adequadamente na sua ação pedagógica, porquanto os fatores sócio-culturais permeiam os trabalhos sobre Educação Matemática. Esta idéia ora colocada remete aos anos de 19 40, quando Maria Lucrécia ainda estudante da Escola Normal Primária de Curitiba defendia que a matemática era à base de toda a evolução científica e tecnológica, haja vista haver estudado o sentido político da educação matemática em Diderot13, o qual em sua “Enciclopédia” observou ser a educação o campo primeiro na vida do indivíduo e da sociedade, porém a instrução deveria ser oportuna a todos de acordo com seus méritos e capacidades. Vê-se, então, que ambas as idéias estavam implícitas no ensino matemático de Maria Lucrécia, pois, o exame da posição dessa educadora castrense revelou os modos de proceder da criatividade cotidiana na escola primária e secundária do ensino público na cidade paranaense de Castro. Embora o modelo de ensino da matemática fosse rígido, burocrático e cristalizado e, na maior parte das vezes, não mostrasse as concretas dificuldades no campo dos fatos lógicos - matemáticos em conseqüência do conteúdo programático imposto pela Escola, a Professora Maria Lucrécia Signorelli distinguia-se entre as demais pela crença de que o ensino-aprendizagem estava articulado com base em três pontos: o emissor, o meio de transmissão do conhecimento e a forma como o receptor devia aprender. A professora procurava sempre situações que dessem sentido aos conhecimentos que iam ser ensinados, porque se definiu por conduzir as aulas de matemática na tríade: emitir o ensino fundamentado numa atividade inerente ao ser humano; transmitir o conhecimento pautado na educação matemática; e, oportunizar o uso de conceitos 13 Denis Diderot nasceu em Langres em 05 de outubro de 1713 e faleceu em Paris em 30 de julho de 1784. Publicou a obra denominada Enciclopédia , escreveu ensaios, contos e críticas da arte pictórica . Em suas cartas a Sofia de Voiland apresentou um quadro da sociedade de seu tempo. É considerado no Século XVIII, ao lado de Voltaire e Rousseau, uma posição de destaque nas Letras. 11 quotidianos favorecendo o desenvolvimento de uma educação pertinente à realidade do aluno. Essas “maneiras de fazer” o ensino constituíram para Maria Lucrécia as diferentes práticas pelas quais os alunos se reapropriavam do espaço da escola, a partir da produção sócio-cultural estabelecida como tática no quotidiano escolar. Os objetivos, os conteúdos e os métodos do ensino da matemática apareciam coordenados num ponto do espaço, e não isolados, da imagem quotidiana do espaço social do aluno. Essa produção sócio-cultural envolvia a compreensão das relações entre “cultura e trabalho”, que no pensar de Diderot significava entre a “geometria das academias e a das oficinas” (1875, t .III), cuja idéia sempre foi colocada em prática pela Professora Maria Lucrécia Signorelli, com base na “linguagem matemática”. Por esta expressão entende-se o saber “saber fazer” leitura, o saber “saber fazer” escrita, o saber “saber fazer” a disposição dos caracteres da aritmética. Assim, entre o número (aprendizado social) e o espaço (quotidiano escolar) o aluno era considerado como alfabetizado na disciplina de matemática tendo porsuporte as oficinas de Educação Matemática14. Com esta filosofia de trabalho escolar a Professora tinha por objetivo a formação de cidadãos matematicamente alfabetizados (DIDEROT, 1875, t.III) , cuja parte substancial do ensino era estimular os alunos a viverem o “espaço escolar” como se fora o “espaço social” de uma forma tal que “soubessem como resolver seus problemas de comércio, economia, administração, engenharia, medicina e outros aspectos da vida quotidiana, pois, entendo que Disciplina Matemática e Educação Matemática são elementos caracterizadores de uma ação pedagógica de ensino” (SIGNORELLI, entrevista, 2004). Neste sentido, nas experiências quotidianas o indivíduo tem necessidade dos conhecimentos de aritmética, álgebra e geometria porque tanto na prática comum como na reflexão crítica “tudo se conta e tudo se mede”. No campo da prática a contagem aritmética tem sua finalidade, o seu valor numérico e a sua medida própria em decorrência de necessidades da vida social do homem, conforme coloca DIDEROT que é, principalmente, “nas matemáticas que todas as verdades são idênticas; toda ciência do cálculo não é senão a repetição deste axioma __ um e um 14 Os sofistas gregos foram os primeiros a reconhecer o grande valor educacional da Matemática e os primeiros a incorporá-la num sistema de ensino, que se consolidou com as reflexões de Platão como um dos pontos fundamentais do sistema educacional através da História. 12 são dois __ e toda a geometria não é mais do que a repetição deste __ o todo é maior que sua parte” (1875,t.III, p.454). Na perspectiva epistemológica a aritmética é a quantidade abstrata enumerável (números) com duas subdivisões: a aritmética numérica ou por algarismos e a álgebra ou aritmética universal por letras, enquanto, a geometria significa a quantidade abstrata extensa (espaço), pois, desenvolve as idéias de perspectiva, distância e de propriedade, sendo subdividida em geometria elementar (propriedades do círculo e da linha reta) e geometria transcendente (propriedades de qualquer tipo de curvas). À luz desses conhecimentos a Professora, Maria Lucrécia Signorelli, ao longo de sua carreira de magistério primário e secundário, aplicou o método e a linguagem matemática segundo os parâmetros teóricos de Denis Diderot. Da memória da professora ocorreu a lembrança de como procedia para colocar para a criança e para o adolescente a arte de pensar corretamente. Para apreender a formalidade das práticas de saber “saber fazer” aprender utilizava-se de situações concretas do quotidiano escolar e da vida social com ênfase em materiais didáticos como: gravuras representativas da quantidade de objetos (frutas, bolas, casas e outros); jogos de bola (brincadeiras de bola de gude); práticas de espaços urbanos (casa de moradia, trajeto da escola, praças, locais de lazer); e, outros. Em seguida, teoricamente, passava às práticas da leitura dos números e ao cálculo sobre problemas, porquanto sempre articulava o ensino da matemática com a educação matemática partindo, assim, das operações concretas à abstração com vistas à formação educativa do cidadão num processo de interações quotidianas relativas às atividades sociais muito específicas. O ensino, então, era praticado espontaneamente e baseado na realidade material em que o aluno estava inserido. Isto não quer dizer que o ensino-aprendizagem ocorresse de forma homogênea, pois, a linguagem matemática não era recebida da mesma maneira por todos os alunos. Na escola primária as crianças com “problemas de aprendizagem” não ficavam à margem dos ensinamentos, porque os conhecimentos matemáticos eram reforçados e o ensino era autoritário e rígido. No curso secundário, o procedimento não era diferente e o adolescente com “dificuldades de aprendizado” somente passava para a série seguinte quando aprovado em “exames de segunda época”. 13 Esta questão era centrada no saber “saber fazer” ensino e no saber “saber fazer” estudar, haja vista a Professora Maria Lucrécia ter capacidade intelectual para nas relações “professor-aluno” impor o “saber poder”, cuja tática do ensino da matemática foi apreendida e absorvida durante o curso de 02 (dois) anos na Escola Normal Primária de Curitiba e nas experiências quotidianas em Escolas Isoladas e nos Grupos Escolares, respectivamente, das cidades paranaenses de Castro e de Tibagi . Evidenciou-se, portanto, que o “micro poder” se socializou quando a Professora passou a lecionar no Grupo Escolar “Dr. Vicente Machado”, localizado à Praça Manoel Ribas e, quando simultaneamente, instalou-se no mesmo espaço escolar o Ginásio Estadual de Castro. Possuidora de um perfil inovador e centralizador de conhecimentos foi convidada para assumir a disciplina de matemática, momento em que faz opção por seus ideais pedagógicos, ou seja, a conquista de um lugar comum: a linguagem e a educação matemática. No ensino da Matemática, a professora Lucrécia utilizava vários livros, que com esmero e dedicação sempre guardou entre seus pertences, mas, os de sua preferência eram “A conquista da matemática”15 e “Matemática para a 7ª Série”16. Para a emérita educadora17, a base do 3º (terceiro) ano é a divisão, pois, se o aluno não aprender dividir por vários números não vai conseguir resolver o máximo divisor comum, o mínimo múltiplo comum, o fatorar, as divisões decimais e outros exercícios fundamentais da Matemática. No 3º (terceiro) ano a Professora ensinava fatorar por números até 11 (onze) em forma de pirâmide, e, também a resolver a raiz quadrada de determinado número. Lucrécia exigia do aluno a raiz quadrada decorada dos números até 30 (trinta), pois citou como exemplo, a seguinte pergunta: __ “Quanto é a raiz de 144? O aluno sabia de cabeça que era 12” (SIGNORELLI, entrevista, 2004). Já no 5º (quinto) ano, do Curso Primário, o aluno tinha que saber fração, raiz quadrada, regra de três simples e composta, juros e capital, entre outras coisas, pois, com 15 GIOVANI & CASTRUCI. A conquista da matemática: 5ª série. São Paulo: FTD, 1960. 16 SARDELLA & MATTA. Matemática para a 7ª Série. São Paulo: Ática, 1962. 17 Lucrécia recorda-se de ser questionada pelo Secretário da Educação, que visitou o Grupo Escolar “Vicente Machado”, pois, segundo o Diretor de Ensino, Professor Fontoura, a professora estaria atrasada com o programa da 3º série, porque ainda estava ensinando divisão por vários algarismos, e ela então afirmou que não estava e explica ser a divisão a base do programa do 3º ano. Apesar da explicação, as colegas e demais pessoas começaram a dizer que a professora Lucrécia “havia tido uma questão com o Diretor”. 14 estes conhecimentos necessários às atividades humanas - de tipos as mais variadas - a linguagem matemática coloca-se como um saber, cuja diretriz da Disciplina matemática constitui o princípio de utilidade para o cidadão e o princípio de ligação entre as ciências (DIDEROT, 1875,t. III). A par disso, constatou-se na fala da Professora Maria Lucrécia Signorelli que o ensino segundo o modelo da década de 20 a 60, do Século XX, era mais rígido porque seguia uma seqüência lógica (aritmética, álgebra e geometria), além do que, o aluno do 1º (primeiro) ano aprendia e sabia dividir até o número 09 (nove), escrevia o ditado, sabia onde colocava os assentos ortográficos, transformava dinheiro em outras moedas e sabia fazer troco em compras (SIGNORELLI, entrevista,2004). Em seguida complementou a Professora, que o ensino concreto, intuitivo e objetivo repassado no Curso Primário estendeu-se ao Secundário, cujo conteúdo programático da Disciplina de Matemática estava fundamentadona Lei Orgânica do Ensino, de abril, de 1942, conhecida como Reforma Capanema, a qual preconizava a busca de uma cultura geral com sentido de elevar a consciência patriótica. Considerando o estado de espírito da educadora, Maria Lucrécia Signorelli, fundamentada nas questões metodológicas do ensino em educação matemática constatou- se que o perfil desta professora neste campo estava centrado no eixo da potencialidade prático-instrumental da matemática. Considerações Finais À primeira vista, pareceu sem importância as colocações de Maria Lucrécia Signorelli a respeito da disciplina Matemática ensinadas nas escolas primária e secundária de Castro. Para encaminhar esta questão buscou-se pensar em dois pontos: a construção da memória de uma educadora e a importância da linguagem matemática no sentido de saber como o ensino de matemática ocorreu no ensino público castrense. Do ponto de vista da memória escolar, além de prolongar o passado no presente, que se abre à dialética da lembrança e da amnésia ocorreu o posicionamento sobre o perfil de Maria Lucrécia Signorelli por se tratar de uma educadora autêntica, que viveu para 15 aprimorar quotidianamente o intelecto e ensinar várias gerações de crianças e adolescentes da sociedade de Castro. Na perspectiva, da disciplina matemática porque a educação preconizava a importância da aritmética, da álgebra e da geometria em todas as necessidades da vida, haja vista o somar, o subtrair e o medir fazer parte do quotidiano do cidadão. Ao lado dessas evidências a proposta ora apresentada teve por objetivo a discussão dos caminhos tomados por uma professora que com, apenas, formação de normalista atingiu amplo conhecimento da matemática com aplicação no ensino secundário devido às reflexões críticas obtidas na Escola Primária de Curitiba sobre o Enciclopedismo de Denis Diderot. Para esta educadora, que se colocou numa dimensão de subjetividade intelectual mas, concomitantemente, portadora de objetividade cientifica na prática docente de ensino, a transmissão do conhecimento matemático só poderia ser realizar no sentido da Educação Matemática. Assim, Maria Lucrécia Signorelli foi avançada para o tempo vivido por ela, portanto, acompanhava em termos nacionais os debates sobre o “Plano Nacional de Educação”, em relação do ensino da matemática, cujas reformas foram interrompidas com a constituição de 1946, porém, retomados as discussões até culminar com a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), de 20 de dezembro de 1961. Neste entender, por seu talento intelectual crítico e por seu ensino autoritário como professora e educadora, Maria Lucrécia Signorelli alcançou um patamar de destaque na formação educacional de crianças da elite castrense, que a consignou como uma “Diva do Ensino de Matemática” em Castro. Fontes Consultadas ORAIS CARNEIRO, Maria Trindade Prestes. Depoimento oral. Castro: Residência, 2004. (2:00 horas) SIGNORELLI, Julieta. Depoimento oral. Castro: Residência, 2004. (2:00 horas) 16 SIGNORELLI, Maria Lucrécia. Entrevista oral gravada. Castro: Residência, 2004. (2:00 horas) VINHAS, Maria Aparecida Machado. Entrevista oral gravada. Castro: Residência, 2004. (2:00 horas) ESCRITAS CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: 1. artes de fazer. Rio de Janeiro: Vozes, 1994 351 p. CARNEIRO, Cirlei Francisca Gomes. Biografias e memória em cem anos do Grupo Escolar “Dr. Vicente Machado”. 1904-2004. Curitiba: Livraria do Chain Editora, 1904. 189 p. __________. Maria Lucrécia Signorelli. IN: _ Biografias e memória em cem anos do Grupo Escolar “Dr. Vicente Machado”. 1904-2004. Curitiba: Livraria do Chain Editora, 1904. p. 83-86. D’Ambrósio, Ubiratan. Da realidade à ação: reflexões sobre a Educação e a Matemática. 2. ed. São Paulo: Summus, 1986. p. 10-11. DIAS, Isabel Cristina A. L. Felipe C. O ensino e aprendizagem da Matemática nas Décadas de 40, 50 e 60 no Brasil e em Portugal: preâmbulo de um estudo comparativo. IN__ VI Congresso Luso-Brasileiro de História da Educação. Uberlândia - Minas Gerais - Brasil: 6ª sessão Coordenada,20/04/2006. 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