Prévia do material em texto
@medcomath Introdução ▪ Otosclerose é uma osteodistrofia, que, ao contrário de outras osteodistrofias, como a osteoporose, a osteogênese imperfeita e a doença de Paget, acomete exclusivamente o osso temporal, mais comumente a região da cápsula ótica e a platina do estribo. ▪ Caracteriza-se por um aumento da atividade osteoclástica e osteoblástica na cápsula ótica, havendo uma proliferação óssea anormal, com aumento da espessura óssea, da celularidade e da vascularização. ▪ Os locais mais acometidos pela otosclerose são em ordem decrescente: a porção anterior da platina do estribo, a porção posterior da platina, o giro basal da cóclea, janela redonda, podendo atingir, em alguns casos, toda a cóclea e até o conduto auditivo interno. Epidemiologia ▪ Acomete principalmente as mulheres, em uma prevalência de 2:1, sendo mais comum em pacientes brancos e bem menos frequente em negros e asiáticos. Fisiopatologia ▪ A otosclerose pode apresentar-se clinicamente com as mais diversas formas de perda auditiva, sendo a mais comum a perda auditiva do tipo condutiva, seguida da perda auditiva mista e, em raros casos, exclusivamente sensório-neural. ▪ Essa variedade de apresentações depende do local onde está localizado o foco otosclerótico. ▪ Na maioria das vezes, esse foco localiza-se na platina do estribo, causando sua fixação e, assim, gerando uma perda auditiva do tipo condutiva. ▪ No entanto, com a evolução natural da doença, o foco otosclerótico pode avançar para a cóclea e gerar uma perda auditiva do tipo mista. Existem também raros casos em que a perda é exclusivamente do tipo sensório-neural, ou seja, acometendo a cóclea e poupando a platina do estribo. Etiologia ▪ O que realmente desencadeia essa remodelação óssea anormal na otosclerose ainda é desconhecido, mas acredita-se que fatores genéticos e ambientais desempenhem um importante papel. Geneticamente, a otosclerose é uma herança autossômica dominante, com penetrância e expressão variável, o que quer dizer que não necessariamente está presente em todas as gerações da família. ▪ Entre os fatores ambientais, o vírus do sarampo (paramixovírus) é apontado como tendo um papel relevante na gênese da otosclerose. Diversos estudos evidenciaram presença do antígeno viral e do RNA (ácido ribonucleico) viral nos focos otoscleróticos, assim como um aumento de lgG (imunoglobulina G) específica para sarampo na perilinfa de pacientes portadores de otosclerose. Quadro clínico ▪ Clinicamente, a otosclerose se manifesta como uma perda auditiva de evolução lenta e gradual. ▪ A maioria dos pacientes inicia essa perda por volta dos 20 anos de idade, a qual geralmente evolui até os 30 ou 40 anos, quando ela se toma mais perceptível. ▪ Obviamente, existem casos de acometimento mais precoce e mais tardio. ▪ Na grande maioria dos pacientes, cerca de 70%, a perda é bilateral, e como costuma haver um componente condutivo, os pacientes se queixam de uma dificuldade de ouvir conversas quando estão mastigando e até mesmo uma melhor percepção sonora em ambientes ruidosos, fenômeno conhecido como paracusia de Willis (esse fenômeno é característico de perdas auditivas condutivas e ocorre porque as pessoas tendem a falar mais alto em ambientes ruidosos). ▪ Nos casos unilaterais, a detecção da perda é mais difícil e o diagnóstico é geralmente mais tardio. ▪ Nesses casos, muitas vezes os pacientes relatam dificuldade de localização do som, fenômeno característico de perdas unilaterais. Otosclerose @medcomath ▪ Um dado importante na história clínica desses pacientes é que eles em geral relatam histórias familiares de perdas auditivas, procedimentos cirúrgicos otológicos realizados em parentes e uso de aparelhos de amplificação sonora individual (AASl) em outros membros da família. Diagnóstico ▪ O diagnóstico da otosclerose é feito levando-se em consideração aspectos clínicos, audiológicos e de exames de imagem. ▪ O exame físico dos pacientes portadores de otosclerose deve ser feito de maneira bem cuidadosa e com uma boa otoscopia, de preferência com a utilização de microscópios ou endoscópios. ▪ Durante a otoscopia, o médico otorrinolaringologista deve excluir qualquer outra causa de perda auditiva condutiva, como tampões de cerúmen, microperfurações da membrana timpânica e presença de secreção serosa ou mucoide retrotimpânica. ▪ Alguns pacientes apresentam uma pequena mancha avermelhada retrotimpânica na região do promontório anterior à janela oval, conhecida como sinal de Schwartz, que corresponde a um aumento da atividade osteoclástica com formação de pequenos vasos sanguíneos nessa região. ▪ O uso de diapasões também é de grande importância para a avaliação clínica de perdas auditivas, pois eles podem confirmar ou descartar componentes condutivos. ▪ Deve- se utilizar o diapasão de 512 Hz e realizar as provas de Rinne e Weber. ▪ Na prova de Rinne, o paciente com otosclerose (caso apresente um gap aéreo-ósseo maior do que 15 dB na frequência de 512 Hz) terá uma melhor percepção pela via óssea do que pela via aérea, sendo assim o teste caracterizado como Rinne negativo. ▪ Caso esse gap seja menor do que 15 dB ou o paciente tenha uma perda sensório-neural, o Rinne será positivo, com uma percepção melhor pela via aérea. ▪ O teste de Weber também é muito importante e corresponde à colocação do diapasão na região frontal do crânio e, assim, será percebida, ou não, uma lateralização do som. ▪ Nos casos em que haja um gap aéreo-ósseo, o paciente vai relatar uma lateralização do som para o lado comprometido (definindo, assim, a perda como do tipo condutivo) ou para o lado são (definindo a perda como sensório-neural). ▪ O uso do diapasão deve ser sempre estimulado, pois, em diversas ocasiões, ele confirma e até identifica erros na audiometria. ▪ O diagnóstico audiométrico é realizado pela audiometria tonal (via aérea e via óssea), audiometria vocal e pela impedanciometria (timpanometria e pesquisa do reflexo estapédico) ▪ Na maioria das vezes, o paciente apresenta-se com uma perda do tipo condutiva, mais evidente nas frequências graves, e geralmente exibindo um pequeno entalhe na via óssea, na frequência de 2 kHz, conhecido como entalhe de Cahart. ▪ Na impedanciometria, a pesquisa do reflexo estapédico é de fundamental importância, pois, mesmo em estágios iniciais da otosclerose, esse reflexo vai estar ausente, representando, assim, uma ótima ferramenta para a diferenciação entre a otosclerose e a síndrome da deiscência do canal semicircular superior. ▪ Na timpanometria, em fases iniciais da doença, em geral são encontradas curvas do tipo "A" e, posteriormente, com a evolução da doença e a maior fixação da cadeia ossicular, essas curvas podem se tornar do tipo "As". ▪ Nos últimos anos, com a melhora evidente dos métodos de imagem, a tomografia computadorizada (TC) se tornou uma grande ferramenta para o diagnóstico da otosclerose. A TC é um ótimo método para se visualizar a anatomia dos ossículos, o nervo facial, as janelas labirínticas e a cápsula ótica. @medcomath ▪ Nos casos de otosclerose, a TC de alta resolução mostra áreas de desmineralização óssea que em geral se localizam anteriormente à janela oval, Diagnóstico diferencial 1. alterações da orelha externa que possam causar perda auditiva condutiva, como perfurações timpânicas, rolha de cerúmen, grandes exostoses, etc.; 2. síndromes de "terceira janela vibratória" que possam gerar perda auditiva do tipo condutiva, como a síndrome de deiscência de canal semicircular superior e a síndrome do aqueduto vestibular alargado; 3. outras osteodistrofias, como a doença de Paget, a ostogênese imperfeita e a anquilose reumática do estribo; 4. alterações na orelha média, como colesteatomas, otites secretoras,descontinuidade ossicular, fixação da cabeça do martelo e tumores de orelha média, como os paragangliomas. Tratamento ▪ Todas as opções terapêuticas para a otosclerose visam uma melhora da qualidade auditiva, porém não têm efeito sobre a evolução da doença em si. ▪ Entre as diversas opções, pode-se destacar: o simples acompanhamento clínico do paciente, passando pelas opções de tratamento clínico, cirúrgico e, por último, o uso de AASI. ▪ Pacientes com pequenas perdas auditivas unilaterais que sejam totalmente contra opções de tratamento cirúrgico e que também não queiram fazer uso de AASI podem ser apenas acompanhados periodicamente por avaliações clínicas e com audiometrias periódicas. Deve- se ter bastante cuidado com essa opção, pois, em alguns casos, a doença evolui, e a opção cirúrgica pode perder sua indicação. ▪ A maioria dos pacientes é candidata a realização do tratamento cirúrgico da otosclerose, a estapedotomia. ▪ Esse procedimento tem como princípio restaurar a mobilidade da cadeia ossicular, substituindo a supraestrutura do estribo por uma pequena prótese e fazendo uma microfenestra na região da platina do estribo para que essa prótese tenha mobilidade. Existem várias técnicas de estapedotomia e vários tipos de próteses, sendo a experiência do cirurgião um critério fundamental para a escolha. ▪ A indicação do procedimento cirúrgico se faz nos casos em que haja um gap aéreo-ósseo maior do que 25 dB (fazendo com que o Rinne seja negativo) uni ou bilateral e os limiares ósseos ainda preservados. Nos casos em que a perda auditiva é do tipo mista, com limiares ósseos comprometidos, a indicação cirúrgica deve ser feita com cuidados, pois, em muitos casos, o paciente ainda vai ter necessidade do uso de AASI mesmo após um procedimento cirúrgico bem-sucedido. ▪ Entre as principais complicações cirúrgicas da cirurgia da estapedotomia, pode-se destacar a vertigem no pós- operatório, lesão do nervo facial em sua porção timpânica, fístula perilinfática, perfurações persistentes de membrana timpânica e perda auditiva sensório-neural. No entanto, as estatísticas mostram que, em mãos experientes, o índice de sucesso da cirurgia é de 95% em média, com poucas complicações relatadas. ▪ O uso dos AASis também é uma opção que pode ser oferecida aos pacientes, ainda mais em casos em que haja uma contraindicação absoluta ao procedimento cirúrgico. ▪ As opções de tratamento clínico da otosclerose iniciaram com o fluoreto de sódio, que geralmente é utilizado na dose de 40 mg/dia, e que mais tarde foi substituído pelos bifosfonatos, devido à sua maior eficácia e menos efeitos colaterais. Os principais bifosfonatos utilizados são alendronato, 70 mg/semana, e o residronato, 35 mg/semana. Essas medicações podem ser utilizadas nessas doses, uma vez por semana, desde que sejam ingeridas longe dos horários de refeição (pela manhã, 30 minutos antes do café da manhã) e com bastante quantidade de água. ▪ O tratamento clínico pode ser feito por um período de cerca de 6 meses, e, em casos de melhora dos sintomas de zumbido, vertigem e da própria perda sensório-neural, pode ser mantido por períodos maiores. Vale ressaltar que ainda são escassos na literatura ensaios clínicos que mostrem benefícios do tratamento clínico para otosclerose.