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APG 18 - Insuficiência renal crônica

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APG 18 - Insuficiência renal crônica
1. Compreender a fisiopatologia (mecanismos de progressão),
manifestações clínicas, etiologia, fatores de risco, epidemiologia e
diagnóstico da insuficiência renal crônica
2. Conhecer as consequências da automedicação
A doença renal crônica (DRC) é definida pela presença de lesão renal ou diminuição
da taxa de filtração glomerular (TFG) por três ou mais meses, independente da
causa. Essa duração de três meses distingue a doença renal crônica da aguda
A lesão renal aguda (LRA) é definida por um aumento no nível de creatinina sérica
que se desenvolveu dentro de horas a dias. A lesão renal subaguda (também
chamada de doença renal aguda) refere-se informalmente a qualquer declínio na
função renal que evolua em mais de 48 horas, mas em menos de três meses
Além da óbvia função de eliminar os produtos indesejáveis do metabolismo, os rins
são essenciais à manutenção, dentro de limites estreitos, das dimensões e da
composição físico-química do organismo: mantêm constantes o volume extracelular
(VEC), a concentração de eletrólitos, o pH e a pressão osmótica do meio interno,
contribuindo, ainda, decisivamente para o controle da pressão arterial. Os rins
também exercem funções típicas de uma glândula endócrina, produzindo
eritropoetina e a forma ativa da vitamina D.
A capacidade de manter níveis funcionais apropriados em face de uma redução
considerável da massa renal decorre também de outra propriedade básica: os
néfrons remanescentes conseguem se adaptar a essa condição, multiplicando em
várias vezes seu ritmo de trabalho.
Ainda, a função tubular sofre adaptação intensa em indivíduos com DRC
progressiva
Fisiopatologia
A taxa de filtração glomerular por néfron (FPN) aumenta nos modelos
experimentais de insuficiência renal crônica, como a ablação de 5/6 do parênquima
renal. Esse aumento ocorre à custa de uma elevação simultânea do fluxo
plasmático glomerular e da diferença de pressão hidráulica transglomerular (ΔP).
Ambas as alterações dependem de adaptações, como a dilatação das arteríolas
glomerulares, devendo predominar a vasodilatação aferente. É evidente que a
dilatação da arteríola aferente tem um limite máximo. Isso significa que tanto ΔP
quanto QA tendem a um valor máximo. Em outras palavras, o valor da FPN tem um
teto, correspondente (no rato, em que tais medidas são possíveis) a cerca de três
vezes o valor normal.
E quanto à função tubular? Tome-se como exemplo a excreção de amônio. Como se
sabe, o íon amônio (NH4+) é formado no túbulo proximal como parte do processo
de acidificação de urina. A excreção de NH4+ deve necessariamente corresponder
às necessidades do organismo, que gera ácido fixo continuamente e precisa
eliminá-lo. A produção de ácido fixo pelo organismo não se reduz nas DRC.
Portanto, para que o organismo continue a eliminar a mesma quantidade de ácido
dispondo de um número reduzido de néfrons, é necessário que, em cada néfron
remanescente, os mecanismos de acidificação urinária, muito especialmente a
secreção de amônia, funcionem em ritmo superior ao normal. A taxa de excreção
urinária de NH4+ por néfron aumenta na proporção necessária para que o tecido
renal (o conjunto de néfrons sobreviventes) compense exatamente a produção de
ácido fixo pelo organismo. Em outras palavras, é a necessidade deste último,
determinada por sua taxa metabólica, que ditará o ritmo de excreção urinária de
NH4+. Portanto, enquanto a FPN aumenta até onde é fisicamente possível, a
secreção de NH4+ por néfron remanescente aumentará na medida do necessário.
Obviamente, aqui também existe um limite. Se a destruição de parênquima renal for
suficientemente extensa, chegar-se-á a um ponto em que não mais será possível
aumentar a produção de NH4+, e o indivíduo passará a acumular H+. É por essa
razão que, nas fases mais avançadas da DRC, os pacientes apresentam-se em
acidose metabólica.
Ao contrário da FPN, a TFG cai progressivamente na DRC, de tal modo que, com
uma redução dessa taxa a 50% do normal, a fração excretada do soluto dobra; para
uma redução a 10% do normal, a fração excretada eleva-se em 10 vezes, e assim
por diante. Como o decréscimo da TFG corresponde a uma queda do número de
néfrons, é evidente que, à medida que a doença avança, a quantidade de soluto
excretada por néfron aumenta, desde que, como é habitual, a taxa de ingestão
desse soluto permanece constante.
Mecanismo de trade-off
Se o processo de DRC estiver muito avançado, torna-se necessário elevar ainda
mais a fração de excreção de sódio. Isso exige que o túbulo coletor rejeite quase
todo o seu aporte de sódio e começa a requerer que a reabsorção de sódio seja
deprimida também em outros segmentos do néfron. Para que tal adaptação se
processe, é necessário que haja certo grau de expansão (que já pode ser
clinicamente perceptível) do volume extra celular (VEC). Quando a TFG se reduz
ainda mais, o ajuste da taxa de excreção de sódio exclusivamente através do túbulo
coletor torna-se evidentemente impossível, tornando obrigatória uma expansão cada
vez mais acentuada do VEC, para forçar uma rejeição de sódio cada vez maior nas
porções mais proximais do néfron. Na verdade, a expansão de VEC, com
desenvolvimento de hipertensão e, às vezes, com formação de edema, é um preço
que o organismo paga para manter o balanço de sódio em face de uma massa renal
diminuída. ). O trade-off é um dos mecanismos básicos de adaptação às nefropatias
crônicas, aplicando-se não apenas ao processamento de sódio, mas também ao de
água e de vários outros íons
Balanço da água
A mesma disfunção que tanto dificulta a adaptação do rins a variações na ingestão
de sódio também leva a uma limitação importante na capacidade de concentrar a
urina e de manter a tonicidade do meio interno. Para manter-se em funcionamento,
o sistema de contracorrente medular, essencial à geração de urina hipertônica,
exige um fluxo intratubular adequado, nem muito alto nem muito baixo. Em
consequência dessa limitada capacidade de concentrar a urina, o paciente com
DRC pode sofrer uma desidratação hipertônica em situações que seriam
perfeitamente toleradas por um indivíduo normal, como uma privação temporária de
água em um dia muito quente.
Na ausência de alternativas, o excesso de ácido fixo acaba sendo tamponado pelo
tecido ósseo, que se descalcifica progressivamente. Esse processo de
desmineralização óssea, denominado osteomalacia, leva a um enfraquecimento do
esqueleto, com consequente predisposição a fraturas. A osteomalacia é, também,
um preço imposto ao organismo para a manutenção da homeostase na DRC
Infelizmente, a osteomalacia não é o único processo de agressão ao tecido ósseo
que pode ocorrer na DRC. Conforme já observado aqui, os rins exercem algumas
funções endócrinas, uma das quais a biossíntese da forma ativa da vitamina D [ou
calcitriol], a partir de um precursor sintetizado no fígado. Na DRC, a perda
progressiva de massa renal resulta em uma queda dos níveis circulantes de
calcitriol e, portanto, em uma drástica redução da absorção intestinal de cálcio. A
consequente tendência à hipocalcemia leva ao estabelecimento de um quadro de
hiperparatireoidismo secundário, que possibilita manter o cálcio plasmático em
níveis normais, ou pouco reduzidos, à custa de uma mobilização das reservas
ósseas e do estabelecimento de um balanço negativo de cálcio.11 Portanto, o preço
dessa adaptação é uma progressiva descalcificação óssea, uma vez que o
paratormônio (PTH) buscará no reservatório ósseo o cálcio que deveria provir da
absorção intestinal.
A ação combinada desses mecanismos – a carência de vitamina D, o
hiperparatireoidismo secundário, a acidose e a hiperfosfatemia –, associada a
alguns mecanismos intrínsecos ao próprio tecido ósseo, leva a uma osteopatia
característica, denominada distúrbio mineral e ósseo da doença renal crônica
Outra consequência do distúrbio do metabolismo de cálcio na DRC avançada ou
terminal é a precipitação de fosfato de cálcio em tecidos não ósseos quando o
produto cálcio × fosfato no plasma se torna excessivamentealto. Esse processo
pode ter consequências especialmente graves quando essa deposição se dá nas
paredes vasculares, facilitando a obstrução coronariana, um dos principais fatores
de mortalidade em pacientes com DRC avançada. Quando a precipitação de fosfato
de cálcio ocorre no próprio tecido renal, desenvolve-se um processo de
nefrocalcinose, no qual a deposição de sais de cálcio associa-se a um processo
inflamatório, que leva à destruição de parênquima e agrava ainda mais o próprio
quadro de DRC.
Etiologia
As causas mais comuns de DRC são diabetes mellitus mal controlada e
hipertensão. Estas e outras possíveis etiologias são discutidas em detalhes abaixo.
As causas de lesão renal são classicamente divididas em três categorias: pré-renal;
renal intrínseco; ou pós-renal. No entanto, qualquer causa de lesão renal, se
suficientemente grave ou de longa duração, pode levar a uma função renal
persistentemente anormal e, portanto, à DRC.
Manifestações clínicas
Pacientes com DRC podem apresentar sintomas e sinais resultantes diretamente da
função renal diminuída, como edema ou hipertensão. No entanto, muitos não
apresentam sintomas clínicos, e a doença renal é frequentemente detectada nesses
pacientes quando uma creatinina sérica elevada, taxa de filtração glomerular
estimada (eGFR) reduzida ou uma urinálise anormal é descoberta incidentalmente
(quando esses exames são obtidos como parte da avaliação de rotina ou para um
distúrbio possivelmente não relacionado). Além disso, achados radiográficos
Dependendo da duração e gravidade da DRC, os pacientes também podem
apresentar sintomas e/ou sinais de insuficiência renal prolongada, incluindo
fraqueza e fadiga fácil, anorexia, vômitos, prurido e, em estágios muito avançados,
encefalopatia ou convulsões.
Um débito urinário anormalmente reduzido (ou seja, oligúria ou anúria) raramente é
observado com DRC isolada e sempre indica pelo menos algum componente de
lesão renal aguda (LRA). Oligúria ou anúria podem estar presentes em pacientes
com LRA sobreposta à DRC
Diagnóstico
Os achados laboratoriais mais comuns em pacientes com DRC incluem aumento da
creatinina sérica e do nitrogênio ureico no sangue. Os estudos de urina podem
mostrar proteinúria (ou albuminúria) e/ou glóbulos vermelhos ou brancos anormais
na microscopia de urina.
Outras anormalidades laboratoriais comuns que podem fazer parte do quadro clínico
incluem anemia, hiperfosfatemia, hipercalemia, acidose metabólica, hipocalcemia e
elevação do paratormônio (PTH).
Exame físico direcionado — Realizamos um exame físico para detectar os
seguintes sinais que podem sugerir uma etiologia específica de doença renal:
● Sinais de sobrecarga de volume podem indicar a presença de insuficiência
cardíaca ou cirrose, que estão associadas à DRC.
● Sinais de depleção de volume, como pode ocorrer com uma síndrome
diarreica crônica ou um estoma intestinal de alto débito, podem sugerir um
estado prolongado de azotemia pré-renal com risco de IRA recorrente,
levando à DRC.
● A presença de corte arteriovenoso ou retinopatia no exame fundoscópico
pode ser observada na doença microvascular hipertensiva crônica, que
também pode envolver o rim.
● Um sopro abdominal ou pulsos distais anormais podem ser detectados em
pacientes com estenose da artéria renal.
● Rins aumentados que são palpáveis ao exame podem sugerir doença renal
policística.
● A neuropatia periférica pode estar associada à doença microvascular
diabética ou a outro distúrbio que cause disautonomia (como a
paraproteinemia).
● Erupções e lesões cutâneas, como podem ocorrer com vasculite
leucocitoclástica ou púrpura, sugere que a vasculite de pequenos vasos pode
ser a causa da DRC
● Espessamento e endurecimento da pele como pode ser visto na esclerose
sistêmica (esclerodermia), uma causa incomum de DRC
Avaliação laboratorial direcionada — O teste inicial para todos os pacientes deve
incluir:
● Painel metabólico básico que inclui creatinina sérica para cálculo da taxa de
filtração glomerular estimada (eGFR).
● Hemograma completo com diferencial de leucócitos ("CBC com diff").
● Urinálise usando tiras reagentes (dipstick) e microscopia de urina
automatizada.
● Exame detalhado da urina pode orientar ainda mais a avaliação. A
microscopia de urina é especialmente útil se houver elementos celulares
(glóbulos vermelhos e/ou glóbulos brancos), cilindros celulares ou granulares
ou cristais na urina.
● Quantificação de proteína e albumina na urina por razão aleatória (ou "spot")
proteína-creatinina (UPCR) e razão albumina-creatinina (UACR);
● Além disso, em pacientes com mais de 40 anos de idade que apresentam
hipercalcemia, anemia grave, lesões ósseas sugestivas de mieloma múltiplo
ou agravamento progressivo da TFGe sem causa óbvia, também obtemos
uma eletroforese de proteínas séricas e urinárias com imunofixação e soro
livre ensaio de cadeia leve.
Avaliação radiológica direcionada — A menos que imagens abdominais recentes
estejam disponíveis, obtemos uma ultrassonografia renal em todos os pacientes no
momento de sua avaliação inicial para DRC. Anormalidades na imagem renal
podem justificar avaliação urológica e estudos urodinâmicos.
Indicações para uma avaliação nefrológica – Com base na história direcionada,
exame físico, exames laboratoriais e exames de imagem discutidos acima, pode ser
necessária uma avaliação adicional com testes adicionais e biópsia renal.

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