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Figura: As ações de produtos químicos podem ser divididas em dois grandes domínios. O primeiro (lado esquerdo) é o da farmacologia e toxicologia médicas, que visa compreender as ações de fármacos como produtos químicos em organismos individuais, em especial seres humanos e animais domésticos. Tanto efeitos benéficos como tóxicos estão incluídos. A farmacocinética lida com a absorção, a distribuição e a eliminação de fármacos. A farmacodinâmica preocupa- se com as ações do produto químico no organismo. O segundo domínio (lado direito) é o da toxicologia ambiental, que se preocupa com os efeitos de produtos químicos sobre todos os organismos e sua sobrevivência em grupos e como espécies. A natureza dos fármacos Fármaco pode ser definido como qualquer substância que altera a função biológica por meio de suas ações químicas. Na maioria dos casos, a molécula do fármaco interage como um agonista (ativador) ou antagonista (inibidor) com uma molécula específica no sistema biológico que desempenha uma função reguladora. Essa molécula-alvo é chamada de receptor. Em um número muito pequeno de casos, fármacos conhecidos como antagonistas químicos interagem diretamente com outros fármacos, ao passo que poucos fármacos (agentes osmóticos) interagem quase exclusivamente com moléculas de água. Fármacos podem ser sintetizados dentro do corpo (p. ex., hormônios) ou ser produtos químicos não sintetizados no corpo (p. ex., xenobióticos). Venenos são fármacos com efeitos quase que exclusivamente maléficos. Toxinas costumam ser definidas como venenos de origem biológica, sintetizados por plantas ou animais, em contraste com os venenos inorgânicos, como o chumbo e o arsênico. Para interagir quimicamente com seu receptor, uma molécula de fármaco deve ter o tamanho, a carga elétrica, o formato e a composição atômica apropriados. Além disso, um fármaco, com frequência, é administrado em uma localização distante de seu sítio de ação pretendido (p. ex., uma pílula ingerida por via oral para aliviar uma dor de cabeça). Finalmente, um fármaco prático deve ser inativado ou excretado do corpo em uma velocidade razoável, de modo que suas ações tenham a duração apropriada. A natureza física dos fármacos Os fármacos podem ser sólidos em temperatura ambiente (p. ex., ácido acetilsalicílico, atropina), líquidos (p. ex., nicotina, etanol) ou gasosos (p. ex., óxido nitroso). Esses fatores geralmente determinam a melhor via de administração. Tamanho do fármaco Para ter um bom “encaixe” a um só tipo de receptor, uma molécula de fármaco deve ser suficientemente peculiar em forma, carga e outras propriedades, para impedir que ele se ligue a outros receptores. Para conseguir essa ligação seletiva, na maioria dos casos, uma molécula deve ter, no mínimo, PM de 100 unidades em tamanho. O limite superior do peso molecular é determinado sobretudo pelo seguinte requisito: os fármacos devem ser capazes de se mover dentro do corpo (p. ex., do sítio de administração ao de ação). Fármacos muito maiores que PM 1.000 não se difundem de imediato entre compartimentos do corpo (ver “Permeação”, adiante). Por isso, fármacos muito grandes (geralmente proteínas) com frequência devem ser administrados diretamente no compartimento onde têm seu efeito. No caso da alteplase, uma enzima que dissolve coágulos, o fármaco é administrado no próprio compartimento vascular por infusão intravenosa ou intra-arterial. Reatividade de fármacos e ligações fármaco- receptor Introdução a Farmacologia Os fármacos interagem com receptores por meio de forças químicas ou ligações. Os três tipos principais são: covalentes, eletrostáticas e hidrofóbicas. As ligações covalentes são muito fortes e, em vários casos, irreversíveis em condições biológicas. Assim, a ligação covalente formada entre o grupo acetila do ácido acetilsalicílico e a cicloxigenase, seu alvo enzimático nas plaquetas, não é facilmente desfeita. O efeito bloqueador de plaquetas do ácido acetilsalicílico dura por muito tempo, bem depois de o ácido acetilsalicílico livre ter desaparecido da corrente sanguínea (cerca de 15 minutos) e só é revertido pela síntese de nova enzima em novas plaquetas, processo que leva vários dias. Outros exemplos de fármacos altamente reativos, formadores de ligações covalentes, são os agentes alquilantes do DNA usados na quimioterapia do câncer para interromper a divisão celular no tumor. A ligação eletrostática é muito mais comum do que a covalente nas interações entre fármacos e receptores. As ligações eletrostáticas variam desde laços considerados fortes entre moléculas iônicas com carga permanente a ligações de hidrogênio mais fracas e interações de dipolo induzido muito fracas, como forças de van der Waals e fenômenos semelhantes. As ligações eletrostáticas são mais fracas do que as ligações covalentes. As ligações hidrofóbicas em geral são muito fracas e, provavelmente, importantes nas interações entre fármacos com alta lipossolubilidade e lipídeos das membranas celulares, bem como, talvez, na interação de fármacos com as paredes internas de “bolsas” de receptores. A natureza específica de uma ligação particular do receptor de fármaco tem menor importância prática do que o fato de fármacos que se prendem por meio de ligações fracas a seus receptores em geral serem mais seletivos do que os fármacos que se prendem por meio de ligações muito fortes. Isso ocorre, porque ligações fracas requerem um encaixe muito preciso do fármaco a seu receptor para que aconteça uma interação. Apenas poucos tipos de receptores têm probabilidade de prover um encaixe tão preciso para uma estrutura de fármaco em particular. Assim, caso se desejasse desenhar um fármaco de ação curta altamente seletivo para um receptor específico, seriam evitadas as moléculas muito reativas que constituíssem ligações covalentes e, em vez disso, escolhidas as que formassem ligações mais fracas. Formato do fármaco O formato da molécula de um fármaco deve permitir a aglutinação a seu sítio receptor por meio das ligações. Em uma condição ideal, o formato do fármaco é complementar ao do sítio receptor. Mais da metade dos fármacos úteis são moléculas quirais, ou seja, podem existir como pares enantioméricos. Fármacos com dois centros assimétricos têm quatro diastereômeros (p. ex., efedrina, um fármaco simpatomimético). Na maioria dos casos, um desses enantiômeros é muito mais potente do que seu enantiômero de imagem no espelho, refletindo um melhor encaixe à molécula do receptor. O enantiômero mais ativo em um tipo de sítio receptor pode não ser o mais ativo em outro, que pode, por exemplo, ser responsável por algum outro efeito. Por exemplo, o carvedilol, um fármaco que interage com adrenoceptores, tem um centro quiral isolado e, assim, dois enantiômeros. Um desses enantiômeros, o isômero (S)(−), é um potente bloqueador de β-receptor. O isômero (R)(+) é 100 vezes mais fraco no receptor β. Entretanto, os isômeros são aproximadamente equipotentes como bloqueadores de receptor α. A cetamina é um anestésico intravenoso. O enantiômero (+) é um anestésico mais potente e menos tóxico do que o enantiômero (−). Interações fármaco-corpo As interações entre um fármaco e o corpo são divididas convenientemente em duas classes. As ações do fármaco no corpo são denominadas processos farmacodinâmicos. Essas propriedades determinam o grupo em que o fármaco é classificado e desempenham uma função importante na escolha de determinado grupo, como a terapia apropriada para um sintoma ou doença em particular. As ações do corpo sobre o fármaco são denominadas processos farmacocinéticos. Os processos farmacocinéticos governam a absorção, a distribuição e a eliminação de fármacos, e são de grande importância prática na escolhae administração de determinados medicamentos para um paciente em particular, por exemplo alguém com função renal dificultada. Princípios farmacodinâmicos A maioria dos fármacos precisa se ligar a um receptor para provocar um efeito. Entretanto, ao nível celular, a ligação do fármaco é apenas o primeiro em uma sequência de passos: Note-se que a mudança de função final é alcançada por um mecanismo efetor. O efetor pode ser parte da molécula do receptor, ou pode ser uma molécula separada. Um número muito grande de receptores comunica-se com seus efetores por meio de moléculas de acoplamento. Tipos de interações fármaco-receptor Fármacos agonistas ligam-se ao receptor e o ativam de maneira a provocar o efeito direta ou indiretamente. A ativação do receptor envolve uma mudança de conformação, nos casos que têm sido estudados no nível da estrutura molecular. Alguns receptores incorporam maquinaria do efetor na mesma molécula, de modo que a ligação com o fármaco traz o efeito diretamente, por exemplo, abrindo um canal iônico ou causando atividade enzimática. Outros receptores são ligados por meio de uma ou mais moléculas de acoplamento intervenientes a uma molécula efetora separada. Os antagonistas farmacológicos, ao se ligarem a um receptor, competem e previnem a ligação por outras moléculas. Por exemplo, bloqueadores do receptor de acetilcolina, como a atropina, são antagonistas porque impedem o acesso da acetilcolina e fármacos agonistas similares ao sítio receptor de acetilcolina, e estabilizam o receptor em seu estado inativo (ou algum outro estado que não o estado ativado de acetilcolina). Esses agentes reduzem os efeitos da acetilcolina e moléculas semelhantes no corpo, mas sua ação pode ser superada pelo aumento da dose do agonista. Alguns antagonistas ligam-se fortemente ao sítio receptor, de modo irreversível ou pseudoirreversível, e não podem ser deslocados pelo aumento da concentração do agonista. Diz-se que os fármacos que se ligam à mesma molécula do receptor, mas não impedem a ligação do agonista, atuam de forma alostérica e podem ampliar ou inibir a ação da molécula agonista. A inibição alostérica não é superada pelo aumento da dose do agonista. Agonistas que inibem suas moléculas de ligação Alguns fármacos mimetizam fármacos agonistas inibindo as moléculas responsáveis pelo término da ação de um agonista endógeno. Inibidores da acetilcolinesterase, por exemplo, ao tornarem mais lenta a destruição da acetilcolina endógena, causam efeitos colinomiméticos, que se assemelham às ações de moléculas agonistas colinorreceptoras, embora os inibidores da colinesterase não se liguem ou só se liguem incidentalmente, aos colinorreceptores. Como ampliam os efeitos de ligantes agonistas liberados fisiologicamente, seus efeitos às vezes são mais seletivos e menos tóxicos do que os dos agonistas exógenos. Agonistas, agonistas parciais e agonistas inversos Muitos fármacos agonistas, quando administrados em concentrações suficientes para saturar o pool de receptores, podem ativar seus sistemas receptor-efetor ao máximo de sua capacidade; isto é, eles causam um desvio de quase todo o pool de receptores para o pool Ra-F. Esses fármacos são denominados agonistas totais. Outros fármacos, chamados de agonistas parciais, ligam-se aos mesmos receptores e os ativam do mesmo modo, mas não evocam uma resposta tão grande, não importa quão alta seja a concentração. Duração da ação do fármaco O término da ação de um fármaco resulta de um de vários processos. Em alguns casos, o efeito dura somente o tempo pelo qual o fármaco ocupa o receptor, e a dissociação de ambos elimina o efeito automaticamente. Em muitos casos, entretanto, a ação persiste depois de o fármaco haver se dissociado, porque, por exemplo, alguma molécula de acoplamento ainda está presente na forma ativada. Receptores e sítios de ligação inertes Para funcionar como um receptor, uma molécula endógena deve, em primeiro lugar, ser seletiva na escolha dos ligantes (moléculas de fármacos) aos quais pretende se associar; em segundo lugar, deve mudar sua função ao se ligar, de maneira que a função do sistema biológico (célula, tecido, etc.) seja alterada. A característica de seletividade é necessária para evitar a ativação constante do receptor por ligação indiscriminada a muitos ligantes diferentes. A capacidade de mudar de função é necessária para que o ligante cause um efeito farmacológico, entretanto, o corpo contém um vasto arsenal de moléculas capazes de se ligarem a fármacos, e nem todas essas moléculas endógenas são reguladoras. Princípios farmacocinéticos O mais comum é a administração do fármaco em um compartimento corporal, como o intestino, do qual se move para seu sítio de ação, em outro compartimento, como o cérebro, no caso de medicação anticonvulsivante. Isso requer que o fármaco seja absorvido no sangue a partir de seu sítio de administração e distribuído para seu sítio de ação, permeando várias barreiras que separam esses compartimentos. Para que um medicamento administrado por via oral produza um efeito no sistema nervoso central, deve permear os tecidos que compõem a parede do intestino, as paredes dos capilares que fazem a perfusão do órgão, e a barreira hematencefálica, as paredes dos capilares que irrigam o cérebro. Finalmente, depois de provocar seu efeito, o fármaco deve ser eliminado a uma velocidade razoável por inativação metabólica, por excreção do corpo ou por uma combinação desses processos. Permeação A permeação do fármaco ocorre por vários mecanismos. A difusão passiva em um meio aquoso ou lipídico é comum, mas há processos ativos no movimento de muitos fármacos, em especial daqueles cujas moléculas são grandes demais para se difundirem de imediato. Difusão aquosa – A difusão aquosa ocorre dentro dos maiores compartimentos aquosos do corpo (espaço intersticial, citosol, etc.) e por meio de junções apertadas da membrana epitelial e do revestimento endotelial de vasos sanguíneos, por poros aquosos que – em alguns tecidos – permitem a passagem de moléculas. Difusão lipídica – A difusão lipídica é o fator limitante mais importante para permeação do fármaco por causa do grande número de barreiras lipídicas que separam os compartimentos do corpo. Como essas barreiras lipídicas separam compartimentos aquosos, o coeficiente de partição lipídica: aquosa de um fármaco determina quão rapidamente a molécula se move entre os meios aquoso e lipídico. Endocitose e exocitose – Algumas substâncias são tão grandes ou impermeáveis que só podem entrar nas células por meio de endocitose, processo pelo qual a substância liga-se a um receptor da superfície celular, é engolfada pela membrana da célula e carreada para dentro dela por compressão da vesícula recém-formada dentro da membrana. A substância pode então ser liberada dentro do citosol por ruptura da membrana da vesícula.
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