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Fisiologia do Sistema Endócrino 1 Fisiologia do Sistema Endócrino Professor Waldecir Paula Lima Fisiologia do Sistema Endócrino 2 Sumário Introdução á Endocrinologia 4 Classificação Hormonal 8 Controle da Síntese Hormonal 8 Mecanismo de Ação Hormonal 8 Receptores hormonais 9 Hipotálamo e Hipófise 10 Localização Anatômica do Eixo 10 Hormônios Liberados Pela Neuro-Hipófise 10 Hormônio Antidiurético (ADH) ou Arginina Vasopressina (A-VP) 11 Relação com o Exercício e o Treinamento 11 Hormônios Secretados Pela Adeno-hipófise 12 Hormônio do Crescimento 12 Relação com o Exercício e o Treinamento 14 Suprarrenais ou Adrenais: Córtex e Medula 15 Córtex da Adrenal 16 Síntese de Hormônios no Córtex da Adrenal 17 Glicocorticoides - Cortisol 17 Efeitos Biológicos 17 Relação com o Exercício e o Treinamento 18 Mineralocorticoides 20 Efeitos Biológicos 20 Relação com o Exercício e o Treinamento 21 Andrógenos 22 Medula da Adrenal 22 Síntese de Hormônios na Medula da Adrenal 22 Efeitos Biológicos 23 Relação com o Exercício e o Treinamento 24 Pâncreas 25 Insulina 25 Efeitos Biológicos 27 Relação com o Exercício e Treinamento 27 Glucagon 28 Efeitos Biológicos 28 Relação com o Exercício e Treinamento 29 Tireoide 29 Efeitos Biológicos 31 Relação com o Exercício e Treinamento 33 Fisiologia do Sistema Endócrino 3 Glândulas Sexuais: Testículos e Ovários 34 Via Biossintética dos Hormônios Esteroidais 34 Abordagem Anatômica dos Testículos 35 Efeitos Biológicos da Testosterona 35 Abordagem Anatômica dos Ovários 36 Hormônios Esteroidais Ovarianos 36 Relação dos Hormônios Sexuais com o Exercício e Treinamento 37 Tecido Adiposo Como Órgão Endócrino 38 Leptina 38 Resistina 39 Adiponectina 39 Apelina 40 Visfatina 41 Vaspina 41 Omentina 41 Proteína Estimuladora de Acilação (ASP) 41 Relação com o Exercício e o Treinamento 41 Referências 43 Fisiologia do Sistema Endócrino 4 Introdução á Endocrinologia A endocrinologia é uma área da ciência que estuda os hormônios, liberados na corrente sanguínea por células especializadas e que têm como função atuar em células-alvo distantes. Algumas células (epiteliais de secreção) que secretam hormônios formam as glândulas endócrinas. As principais glândulas endócrinas são a hipófise, a tireoide, a adrenal, as gônadas, a paratireoide e as ilhotas pancreáticas. Cada uma delas é responsável pela liberação de um ou mais hormônios que irão atuar no organismo fisiologicamente, controlando a sua homeostasia sobre o fluxo de nutrientes, minerais e água, bem como em relação às alterações causadas pelo ambiente. Entretanto, existem certos tecidos e órgãos que secretam substâncias que irão atuar em outras células de forma parácrina e que são lançadas na corrente sanguínea. Dentre elas, estão as células renais, que secretam eritropoietina; as cardíacas, tanto atriais quanto ventriculares, que secretam hormônios natriuréticos; as gastrintestinais, responsáveis pela secreção de hormônios como a secretina, os peptídeos semelhantes ao glucagon, a colecistocinina (CCK); as endoteliais, secretoras de endotelina e óxido nítrico; as do sistema imunológico, como os monócitos, os linfócitos e os macrófagos, que secretam interleucinas, interferons e fatores de necrose tumoral; as plaquetas e as células mesenquimais, secretoras de fatores de crescimento, anexinas e integrinas; e as células adiposas, que são responsáveis pela secreção de leptina e resitina (figura 1.1) (BERNE et al, 2004; AIRES et al, 1999; SILVERTHORN, 2003; GUYTON; HALL, 2006). Esses hormônios liberados na corrente sanguínea ligam-se a receptores específicos na célula-alvo, gerando assim seu efeito biológico final. Para que isso aconteça, alguns devem sofrer modificações químicas, processo que ocorre entre a glândula endócrina pela qual o hormônio foi secretado e a célula-alvo, para que dessa maneira fique na sua forma ativa. Os receptores hormonais que forem ativados pelo hormônio específico desencadeiam uma série de reações em cascata, que envolvem mensageiros intracelulares e que também desencadeiam um mecanismo conhecido como feedback ou retroalimentação (Alford et al, 1973; JamesoN, 2001). As principais funções hormonais do sistema endócrino, além das acima citadas, estão ligadas à reprodução, ao desenvolvimento e crescimento, à manutenção do meio interno e à síntese, armazenamento e utilização de substratos ou metabólitos resultantes do metabolismo energético (AIRES et al, 1999). Figura 1.1 – Localização anatômica das principais glândulas endócrinas (Adaptado de GUYTON; HALL, 2006). Fisiologia do Sistema Endócrino 5 Um exemplo de substância parácrina e autócrina (sintetisada pela célula, lançada para fora e receptada pela própria célula secretora), mediando ações musculares, é a miostatina. A miostatina foi identificada em 1997, a partir de pesquisas relacionadas a novos membros da superfamília TGF-β de fa tores de diferenciação e crescimento celular (McPherron et al., 1997; McPherron, Lee, 1997). Ela apresenta diferenças, em relação às outras proteínas da superfamília TGF-β, por ser express a, predominantemente, na musculatura esquelética, embora outros tecidos, como o adiposo, também tem capacidade de sintetiza-la (LEE, 2004). Estudos experimentais mostraram que todos os músculos tem capacidade de expressa-la, embora ela seja, preferencialmente, mais encontrada naqueles com predomínio de fibras rápidas (LEE, 2004; Whittemore et al, 2003). A miostatina está envolvida, principalmente, na inibição do crescimento e da regeneração de músculos esqueléticos. Existe relação entre esta proteína e a redução de massa magra em doenças crônicas (Guizoni et al., 2010). Além dos efeitos sobre a musculatura, foi observado, em cultura de células-tronco mesenquimais, que a miostatina pode também atuar como reguladora da adipogênese (Rebbapragada et al, 2003). Além disto, ARGILES e colaboradores (2012) sugeriram modelo no qual a miostatina, por ação endócrina, promove adipogênese e lipogênese, levando as consequentes: diminuição de adiponectina e aumento da resistência periférica a insulina (RPI), conforme observado na figura 1.2. Figura 1.2 Miostatina, adipogênese e lipogênese. Adaptado de ARGILÊS e colaboradores, 2012. Fisiologia do Sistema Endócrino 6 Durante os períodos de crescimento e/ ou regeneração muscular, células precursoras miogênicas quiescentes, entre as quais, as células satélites, são ativadas. Es tas apresentam a função de proliferação e diferenciação. Seus núcleos podem diferenciar-se em novos mionúcle os e incorporar- se à fibra pré-existente ou reparar lesões da fibra muscular (Chargé; Rudnicki, 2004). O processo de ativação, prolifera ção e diferenciação das células satélites é regulado, em parte, pelos fatores de regulação miogênica MyoD, miogenina, myogenic factor 5 (Myf5) e myogenic regula tory factor 4 (MRF4) (Langley et al., 2002). A deficiência na proliferação e diferenciação das células satélites dificulta a regene ração e promove hipotrofiatrofia muscular. Estudos sugerem que a miostatina inibe a expressão dos fatores regulatórios músculos- específicos, principalmente MyoD e miogeni na (Langley et al., 2002; McFarlane et al., 2006), além de levar à deficiência na proliferação e dife renciação de células satélites com consequente hipotro fia muscular (McFarlane et al., 2006). A redução no crescimento celular causada pela miostatina não parece ser dependente de indução de apoptose (morte programada da célula) na fibra muscular (Joulia-Ekaza; Cabello, 2006). A sinalização intracelular decorrente da estimulação pela miostatina ainda não está completamente elucidada. Es tudos sugerem que a miostatina interage com os recep tores de membrana activina tipo II B (ActRIIB) (Elkina et al., 2011, LEE, 2004; Lee, McPherron, 2001, LEE et al., 2005). Em cultura de mioblastos, a adição de miostatina promove bloqueio da miogênese pela regulaçãonegativa na expres são do fator transcricional paired box 3 (pax3) e conse- quente inibição na expressão da MyoD (McFarlane et al., 2006). Além disso, a miostatina promove aumento na degradação de proteínas musculares por meio de ativação do sistema proteolítico da ubiquitina e de outros sistemas proteolíticos. A degra dação protéica é mediada, em parte, por hipofosforilação da forkhead box O1 (FoxO1), por inibição da sinalização pela via fosfoinositol-3-quinase (PI3K)/proteína quinase serina/treonina (AKT), e por estimulação da atrogin-1, MURF-1 e outros genes relacionados à atrofia muscular. Importante ressaltar que a miostatina ativa a via dos SMADs, que além de inibir diretamente a expressão nuclear de genes miogênicos, auxilia na ativação da via FoxO1 (Figura 1.3) (Elkina et al., 2011), Finalmente, há evidências de que a indução da perda de massa muscular ocorre independentemente da via do fa tor nuclear kappa B (NF-b) (McFarlane et al., 2006). Fisiologia do Sistema Endócrino 7 Figura 1.3. A miostatina e a degradação proteica. Adaptado de ELKINA et al., 2011. A atividade da miostatina pode ser inibida por diferentes proteínas como a folistatina, os genes relacionados à folis tatina (FLRG), os fatores de crescimento e diferenciação associados à proteína-I plasmática (GASP-I), e o próprio propeptídeo com o qual forma complexo circulante (LEE, 2004; Hill et al, 2002; Hill et al, 2003). Há evidências de que a folistatina seja um dos principais antagonistas da miostatina (Lee, McPherron, 2001). A folistatina é expressa em vá rios tecidos e atua como antagonista de diferentes membros da família TGF-β (Amthor et al., 2004). Quando sua expressão encontra-se au mentada, ocorre inibição do processo de atrofia muscular ativado pela miostatina (Nakatan et al., 2008). Para promover inibição da miostatina, em humanos, um dos principais fármacos disponíveis é o anticorpo anti-miostatina, deno minado MYO-029 (Wagner et al., 2008; Krivickas et al., 2009). Em estudo duplo- cego, controlado por placebo, a administração de MYO-029 para pacientes com distrofias musculares foi segura e apresentou razoável tolerabilidade (Wagner et al., 2008). Os resultados preliminares incentivaram estudos clínicos utilizando este e outros inibidores da miostatina em condições clínicas asso ciadas à perda de massa muscular. Em situações fisiológicas, observou-se que o treinamento físico em ratos promove redução na expres são gênica da miostatina (Heinemeier et al., 2007; Matsakas et al., 2006). Fisiologia do Sistema Endócrino 8 Em homens com síndrome da imunodeficiência adquirida (SIDA) e perda de peso, Gonzalez-Cadavid e colaboradores (1998) cons tataram aumento das concentrações sérica e muscular de miostatina, mostrando correlação inversamente proporcional entre concentração de mios tatina e massa magra corporal. Classificação Hormonal Os hormônios são classificados em três grandes classes: os proteicos, os esteroides e os amínicos (GUYTON; HALL, 2006). Os hormônios amínicos são secretados pela glândula tireoidiana (tri- iodotironina – T3 e tiroxina – T4) e pela medula da adrenal (epinefrina e noropinefrina). Os hormônios proteicos representam uma classe hormonal que tem sua síntese e secreção em diversas glândulas endócrinas, dentre as quais podemos citar a hipófise, o pâncreas e a paratireoide (BERNE et al, 2004). A terceira classe hormonal é formada a partir do colesterol. Os hormônios esteroides são sintetizados e secretados pelo córtex da adrenal (cortisol e aldosterona), pelos ovários (estrogênio e progesterona), pelos testículos (testosterona) e pela placenta (estrogênio e progesterona) (HabeneR, 1998). Controle da Síntese Hormonal A regulação da secreção hormonal é controlada por alguns mecanismos, que incluem o controle por feedback ou alça de retroalimentação, o neuronal e o cronotrópico (CZEISLER, 1999; GILLETTE; TISCHKAU, 1999; YOUNG, 1999). O controle por feedback, ou alça de retroalimentação, é subdividido em negativo e positivo. No feedback negativo, a secreção de determinado hormônio gera um efeito biológico que inibe a si mesma. Já no feedback positivo, o efeito biológico aumenta-a, até que seja atingida uma cinética biológica suficiente para cessar a secreção hormonal (GUYTON; HALL, 2006; BERNE et al, 2004). Outra forma de controle ocorre por meio do controle neuronal, que, por sua vez, pode agir em duas frentes, ou estimulando, ou inibindo a secreção hormonal, em respostas a estímulos internos ou externos. A liberação de hormônios pelas glândulas endócrinas pelo controle neuronal pode ocorrer por meio de estímulos visuais, auditivos, olfativos, gustativos e táteis ou pelo aumento da pressão sanguínea, que por sua vez podem ou não ser percebidos conscientemente (Czeisler, 1999; Young, 1999). Já a terceira forma é feita pelo controle cronotrópico, que inclui certos padrões como o ciclo circadiano (período de 24 a 25 horas), os ritmos diários (dia-noite) e os ritmos ultradianos (estímulo secretório que ocorre várias vezes ao dia). O controle exercido por esses ritmos pode sofrer influência genética ou ser adquirido. Um exemplo de liberação hormonal por essa forma pode ser demonstrado pela secreção da melatonina pela glândula pineal, que ocorre a cada 24 horas durante o ciclo claro-escuro e cuja síntese é inibida pela luz (WittenderbY, 2000; Klein et al, 1997). Mecanismo de Ação Hormonal As respostas hormonais em células-alvo dependem do tipo de hormônio secretado e da sua interação com o receptor, mas, basicamente, todo hormônio deve executar três ações (BERNE et al, 2004): 1. Interação do hormônio com seu receptor específico. 2. O complexo hormônio e receptor acopla-se a um mecanismo de geração de sinal, ou ele próprio gera um sinal intracelular. 3. Com o sinal gerado, forma-se um segundo mensageiro intracelular, que gera uma resposta biológica. No caso dos hormônios proteicos, peptídicos e catecolaminérgicos, eles ligam-se a receptores de Fisiologia do Sistema Endócrino 9 membrana que ativam uma cascata de sinalização intracelular por meio da ativação de um segundo mensageiro, que por fim gera seu efeito biológico, sendo o hormônio apenas um mensageiro extracelular. Esse mecanismo de sinalização é desencadeado em segundos ou minutos. Entretanto, no caso dos hormônios esteroides e tireoidianos, pela sua estrutura lipofílica, eles conseguem difundir-se através da membrana celular e ligar-se a receptores no citosol, formando o complexo hormônio e receptor, que migra para o núcleo da célula, ligando-se a uma região promotora do gene e alterando a expressão gênica. Nesse caso, o DNA é quem atua como segundo mensageiro. Em relação aos proteicos e peptídicos, a ação dos hormônios esteroides e tireoidianos é bem mais lenta, podendo levar de minutos a horas ou até mesmo dias para a geração do seu efeito biológico final. Receptores hormonais Diversos hormônios possuem seus receptores associados a proteínas G (conjunto de receptores de membrana formado por proteínas multipasso que atravessam a bicamada lipídica sete vezes). Após ativação, geram um mensageiro intracelular (segundo mensageiro) que desencadeia uma série de reações amplificadas até produzir o efeito biológico do hormônio (ALBERTS, 2004). Esses mensageiros intracelulares classificam-se em três principais sistemas efetores: o sistema adenilato ciclase-AMP cíclico (estimulado pelo GH e outros), o sistema cálcio-calmodulina (estimulado pela adrenalina e outros) e o sistema da fosfolipase-fosfolipídios de membrana/IP3K (estimulado pela insulina e outros) (BERNE et al, 2004; AIRES et al, 1999). Alem dos receptores hormonais associados a proteínas G, existem hormônios que se ligam a receptores de membrana que possuem a capacidade cinase. Esses receptores são proteínas unipasso que possuem uma porção N-terminal extracelular de ligação ao hormônio e uma porção C-terminalintracelular. Além disso, podem ser formados por subunidades unidas por pontes de dissulfeto. Esses receptores são compostos por cinco classes distintas (ALBERTS, 2004; Himpe; Kooijman, 2009): 1. Receptores guanilil ciclase, responsáveis pela formação de GMP cíclico no citosol. 2. Receptores tirosina cinase, que fosforilam proteínas nos aminoácidos tirosina. 3. Receptores associados à tirosina cinase, que se ligam a proteínas com atividade tirosina cinase. 4. Receptores tirosina fosfatases, responsáveis por remover o fosfato do aminoácido tirosina das proteínas sinalizadoras. 5. Receptores serina/treonina cinase, que fosforilam as proteínas nos aminoácidos serina ou treonina. Dessa família de receptores, os que estão em maior número são os tirosina cinase e os associados a tirosina cinase, que são responsáveis pela interação da maioria dos fatores de crescimento, entre eles o IGF-1 (fator de crescimento similar a insulina 1) e a insulina (ALBERTS, 2004). Ao contrário dos hormônios proteicos, peptídicos e catecolaminérgicos, que, por sua característica hidrofílica, necessitam de receptores na membrana para gerarem seu efeito biológico na célula-alvo, os hormônios esteroides e tireoidianos conseguem se difundir através da membrana celular, isso graças a sua característica lipofílica. Dessa forma, os hormônios esteroides e tireoidianos e também a vitamina D ligam-se a receptores no citoplasma da célula e, com maior frequência, no núcleo. O complexo hormônio e receptor, portanto, liga- se a uma região promotora do gene denominada de elementos regulatórios hormonais (HRS), que consistem em seis pares de bases, dispostos geralmente na região 5’ do gene e que estão próximos da caixa TATA no centro do promotor. As Fisiologia do Sistema Endócrino 10 sequências que possuem maior afinidade de ligação para receptores esteroidais são AGAACA e AGGTCA. Com a ligação do complexo hormônio e receptor à região promotora do DNA, ele pode gerar transativação ou transrepressão do gene, resultando em maior ou menor transcrição do DNA em RNA mensageiro. Hipotálamo e Hipófise O eixo hipotálamo-hipófise é a mais complexa e dominante unidade funcional do sistema endócrino. O hipotálamo exerce uma conexão entre os sistemas nervoso e endócrino. Hormônios sintetizados pelo hipotálamo são direcionados para a eminência mediana, região que fica entre ele e a hipófise (também conhecida como pituitária), para que sejam levados a uma das duas regiões distintas desta, a adeno-hipófise, ou hipófise anterior, e a neuro- hipófise, ou hipófise posterior. A neuro-hipófise serve como depósito de dois hormônios sintetizados pelos neurônios hipotalâmicos, o antidiurético (ADH) ou arginina vasopressina (A-VP) e a ocitocina, secretando-os posteriormente para a corrente sanguínea. Não obstante, a adeno-hipófise é regulada pela secreção hipotalâmica de um grupo de hormônios liberadores ou inibidores dos hormônios trópicos que são sintetizados e secretados por ela. Esses hormônios incluem o adenocorticotrópico (ACTH), o estimulante da tireoide (TSH), o luteinizante (LH), o folículo-estimulante (FSH), o do crescimento (GH) e a prolactina (PRL). Dessa forma, os hormônios sintetizados e secretados pelo eixo hipotálamo-hipófise regulam diversas outras glândulas endócrinas do corpo, dentre elas a tireoide, a adrenal e as gônadas, alem de manter a homeostase corpórea. Localização Anatômica do Eixo A glândula hipofisária totalmente desenvolvida é formada por um conjunto de células glandulares produtoras de hormônios na porção da adeno- hipófise, que perfaz 80% da glândula, e também por um conjunto de células neurais que possuem a função de armazenar e secretar hormônios produzidos pelo hipotálamo na porção da neuro-hipófise. Essa glândula está localizada em uma fenda do osso esfenoide conhecida como sela túrcica. A estrutura óssea da dura-máter chamada de diafragma estende-se em direção ao topo da hipófise, separando-a em grande parte do encéfalo (BERNE et al, 2004). Entretanto, a eminência mediana penetra no diafragma, criando uma interligação entre o hipotálamo e a hipófise (figura 2.1). Figura 2.1 – Eixo hipotálamo-hipófise. Hormônios Liberados Pela Neuro-Hipófise A neuro-hipófise libera dois hormônios peptídeos, o antidiurético (ADH) ou arginina vasopressina(A-VP) e a ocitocina (OCT). Como visto anteriormente, a neuro-hipófise é apenas uma região que armazena e libera os hormônios sintetizados pelo hipotálamo, mais especificamente nos corpos celulares dos neurônios magnocelulares. Cada um dos dois hormônios tem sua síntese em regiões hipotalâmicas distintas. O ADH é sintetizado principalmente no núcleo supraóptico, enquanto que a OCT é sintetizado principalmente no núcleo paraventricular. Fisiologia do Sistema Endócrino 11 Em função da maior relação com a atividade física, será elencado, para elucidação, o hormônio antidiurético (ADH). Hormônio Antidiurético (ADH) ou Arginina Vasopressina (A-VP) O ADH é um hormônio proteico sintetizado principalmente a partir de um pré-pró-hormônio que é constituído por 145 aminoácidos. Seu efeito biológico ocorre após interação com o seu receptor de membrana, que está ligado à proteína G de classe 1, podendo ativar o AMPc, o fosfatidilinositol e o cálcio intracelular como segundos mensageiros. Com isso, as ações do ADH no organismo podem ser divididas de duas formas: a ação renal, por meio da reabsorção de água pelos dutos coletores dos rins, e a ação na musculatura lisa dos vasos sanguíneos, pela contração da parede arteriolar e aumento da resistência periférica total (AIRES et al, 1999). As células que são responsivas ao ADH estão por todo o tubo distal, assim como pelos dutos coletores da medula renal, fazendo com que, ao se ligar ao seu receptor de membrana, o hormônio aumente a permeabilidade à água. O receptor do ADH nos dutos renais é denominado de V2. Após a interação do hormônio com o receptor, ele gera a formação do AMPc no lado capilar da célula. Este ativa uma proteína cinase no lado luminal da célula; esta, por sua vez, fosforila os aminoácidos serina da proteína de canal aquaporina-2 na sua porção C-terminal, que consequentemente se transloca para a membrana do lúmen do duto coletor, sendo responsável pela reabsorção de água por intermédio do seu gradiente osmótico. A outra ação fisiológica do ADH é o aumento do tônus vascular, em que, ao se ligar ao seu receptor nos músculos lisos arteriolares (V1a), gera a contração dessa musculatura. Essa resposta é gerada pela ativação do Ca2+ intracelular como segundo mensageiro, além da ativação da fosfolipase-C. O controle da contração dos vasos sanguíneos é feito pela ativação do receptor V2 do ADH, impedindo que a pressão sanguínea aumente mais que os níveis fisiológicos (BERNE et al, 2004). Relação com o Exercício e o Treinamento Durante o repouso, a secreção de ADH é essencialmente regulada por mudanças na regulação osmótica. Entretanto, durante o exercício, ela pode ser aumentada por fatores não osmóticos que promovem a conservação de água. Dessa forma, a maior retenção hídrica, associada com o aumento da ingestão de líquidos, é uma das hipóteses do aumento da incidência de hiponatremia associada ao exercício. O exercício físico possui uma relação linear entre o ADH e a capacidade de regular a osmolalidade, independentemente do estado de hidratação, que pode variar de acordo com alterações na temperatura corpórea (Montain et al, 1997), substituição de fluidos do meio intra e extracelular em exercícios físicos prolongados (maior que duas horas) (McConell et al, 1997) ou desidratação (Melin et al, 2001). O aumento do ADH está relacionado com a intensidade do exercício e a concentração de solutos nos espaços intra e extracelular, sendo que a concentração desse hormônio tende a ser maior durante o exercício físico pela capacidade do organismo de regular a osmolalidade (Takamata et al,2000). Diversos trabalhos analisaram as concentrações de ADH e a capacidade do corpo de regular a osmolalidade com fatores osmóticos e não osmóticos, de acordo com o tempo e a intensidade do exercício. Dessa forma, foram estudados exercícios com três intensidades, de acordo com o seu VO2 max. Os exercícios de alta intensidade, com VO2 acima de 90% do consumo de oxigênio, estão Fisiologia do Sistema Endócrino 12 relacionados com um aumento significativo de ADH, ultrapassando a capacidade do organismo em regular a osmolalidade, levado por uma maior atividade do eixo hipotálamo-hipófise (Hew-Butler, NOAKES et al, 2008; Inder et al, 1998; Hew-Butler et al, 2010). Em exercícios físicos com VO2 entre 40% e 65% do máximo, ocorre um aumento estatisticamente significativo na concentração de ADH, causado pelo aumento da osmolalidade do plasma, levando ao aumento no fluxo da água intracelular em direção à corrente sanguínea (Takamata, 2000; Convertino et al, 1981). Trabalhos relatam que a ingestão de 300 ml de água 60 minutos antes desse tipo de exercício suprime o aumento do ADH causado pela hiperosmolalidade plasmática. A ingestão de bebidas contendo carboidratos gera o mesmo efeito (Wade et al, 1980; Deuster et al, 1992). Já os exercícios de endurance estão relacionados com o aumento significativo de ADH com ou sem aumento na concentração de sódio ou na osmolalidade (Rocker et al, 1989; Mudambo; coutie; rennie, 1997; Freund et al, 1990; Nelson et al, 1989). Assim como nos exercícios com VO2 entre 40% e 65% do máximo, a ingestão de água durante o exercício, bem como a de bebidas contendo carboidratos, reduz o aumento dos níveis de ADH (Viinamaki et al, 1989; Mudambo, coutie; rennie 1997). Hormônios Secretados Pela Adeno-hipófise Diferentemente da neuro-hipófise, que é apenas um local de armazenamento e liberação de hormônios hipotalâmicos, a adeno-hipófise é controlada pelos hormônios trópicos secretados por núcleos hipotalâmicos que caem na circulação porta- hipofisária. Esses hormônios são responsáveis por estimular ou inibir tanto a síntese quanto a secreção hormonal pela glândula. Dessa maneira, cada hormônio trópico hipotalâmico influência a síntese e a secreção de um ou mais hormônios adeno-hipofisários. O hormônio liberador de tireotrofo (TRH) estimula a síntese do hormônio tireotrófico (TSH) e da prolactina (Prl); o liberador de gonadotrofina (GnRH), a dos hormônios gonadotróficos (hormônio folículo-estimulante – FSH e hormônio luteinizante – LH); a somatostatina ou hormônio inibidor do hormônio de crescimento (GHRIH) é responsável por inibir a síntese e secreção do hormônio do crescimento (GH) e do hormônio tireotrófico; o liberador de corticotrófina (CRH) responde pela síntese do hormônio adrenocorticotrófico (ACTH); o liberador do hormônio de crescimento (GHRH), pela do hormônio do crescimento (GH); e, por último, a dopamina é responsável por inibir a síntese e a liberação da prolactina. A tabela 2.1 lista os hormônios trópicos hipotalâmicos e sua ação na adeno-hipófise. Ação dos hormônios hipotalâmicos na adeno-hipófise Hormônio hipotalâmico Ação na hipófise TRH Síntese de TSH e prolactina GnRH Síntese de FSH e LH CRH Síntese de ACTH GHRH Síntese de GH Somatostatina ou GHIH Inibição do GH e TSH Dopamina Inibição da prolactina Tabela 2.1 – Ação dos hormônios hipotalâmicos na adeno-hipófise. Em função da maior relação com a atividade física e da ampla quantidade de hormônios do eixo hipotálamo/adeno-hipófise, será elencado, para elucidação, o hormônio de crescimento (GH). Hormônio do Crescimento O hormônio do crescimento (GH) exerce função no crescimento somático e no desenvolvimento pós-natal, auxiliando na manutenção da massa corporal magra e da massa óssea, além de atuar no metabolismo de proteínas, carboidratos e lipídios. Fisiologia do Sistema Endócrino 13 O GH é um polipeptídio formado por uma única cadeia e com peso molecular de 22 kDa. Sua estrutura é formada por 191 aminoácidos e duas pontes de dissulfeto. A secreção do GH ocorre na adeno-hipófise por um grupo de células denominadas de somatotrofos, que perfazem em torno de 40-50% da glândula em adultos (Davidson, 1987). A secreção do GH é controlada por fatores neurais, endócrinos e metabólicos. Dentre eles, o estímulo primário para a secreção dele pela adeno-hipófise é exercido pelo hormônio liberador do hormônio do crescimento (GHRH), que estimula a sua secreção, e pelo hormônio inibidor do hormônio do crescimento (GHIH), que, assim como a somatostatina, inibe essa secreção (AIRES et al, 1999). O GH, também, sofre influencia sobre da retroalimentação negativa. Entretanto está ação não é exercida pela glândula alvo em que atua e sim pelo aumento da secreção de IGF-1. Por meio da ação deste fator sobre o hipotálamo e por sua estimulação na secreção de somatostatina, o aumento de IGF1 inibe a secreção de GHRH e, concomitantemente, de GH. Além disso, a secreção do GH pode ser modulada por fatores metabólicos, como a hipoglicemia causada pelo jejum que é um estimulo para a secreção de GH, já minimiza a liberação de somatostatina, aumentando assim a secreção de GHRH. Em contra partida, durante a hiperglicemia causada pela ingestão de carboidratos, ocorre uma menor secreção de GH devido a maior liberação de somatostatina e inibição do GHRH. O aumento no consumo de proteínas também pode ser considerado um estimulo para a síntese de GH, sobretudo pelo efeito inibitório que o aminoácido arginina promove na somatostatina. Entretanto, a restrição crônica na ingestão tanto de proteínas, quanto de calorias leva a um aumento na secreção de GH, uma vez que a síntese de IGF-1, nestas condições, seria reduzida, prejudicando o feedback negativo deste fator sobre o GHRH. Além do exposto, a síntese e secreção do GH pode sofrer influência pelo exercício físico e pelo sono (figura 2.13). Quanto ao sono, entende- se que existe uma relação entre o aumento da liberação de serotonina (estágios 3 e 4 - sono profundo) e aumento na síntese/secreção de GH (AIRES et al., 1999). Figura 2.2 – Secreção do GH durante um período de 24 horas, sofrendo influência do exercício e do sono (Adaptado de GUYTON; HALL, 2006). Os efeitos biológicos finais do GH no tecido-alvo são lentos, levando várias horas para que ocorram. Muitos deles necessitam da formação de intermediários, como as somatomedinas/IGFs (Mathews; NORSTEDT; PALMITER, 1986; Chen et al, 2001). O GH/IGF exerce um papel extremamente anabólico nos tecidos em que atua. Dentre esses tecidos, destacam-se as cartilagens e os ossos. No tecido cartilaginoso, as ações do GH/IGF incluem a incorporação do aminoácido prolina no colágeno, com a subsequente conversão para hidroxiprolina, além da incorporação do sulfato no proteoglicano condroitina, que, juntamente com a hidroxiprolina, irá formar a matriz extracelular da cartilagem (BERNE et al, 2004). No tecido ósseo, estimula a proliferação e a hipertrofia, além de aumentar os níveis plasmáticos de osteocalcina, o que intensifica a resposta osteoplástica, refletindo na remodelação da massa óssea. Fisiologia do Sistema Endócrino 14 Outros tecidos sofrem ação do GH/IGF, como: • Rins: é responsável por aumentar o fluxo plasmático renal e a filtração glomerular. • Coração: é responsável por aumentar o tamanho do músculo cardíaco e o débito cardíaco. • Fígado: está ligado à gliconeogênese, à glicolise e à glicogenólise. • Tecido adiposo: é responsável por diminuir a captação de glicose e aumentar a lipólise. Pode estimular o grupo de enzimas LHS, diminuindo a adiposidade. • Músculo esquelético: atua diminuindo a captação de glicose, aumentando a de aminoácidos e a síntese proteica. O GH também estimula as gônadas à ação do FSH e do LH, promovendo o amadurecimento sexual durante a puberdade. Relação com o Exercício e o Treinamento O GH é o principal regulador hepático da síntese de IGF-1 e de IGFBP-1(principal transportador de IGF-1 no plasma) (Frystyk, 2010). Da mesma forma, o IGF-1 é formado primariamente pela ação do GH no hepatócito e exerce controle sobre a síntese de GH por feedback negativo (Frystyk, 2010). O IGF-1 tem ação no músculo esquelético durante o exercício, facilitando a captação de glicose pelos tecidos periféricos (BERG; BANG, 2004), efeito antagônico ao do GH (Moller; JORGENSEN, 2009). Também é bem estabelecido que o exercício físico representa um estímulo significativo para o aumento da secreção de GH e IGF-1 e que o treinamento de endurance induz o aumento plasmático de GH, IGF- 1 e IGFBP-3. Todavia, pouco é estabelecido sobre a relação entre as diferentes intensidades e volumes do de exercício com a secreção de GH e IGF-1 (Berg; BANG, 2004; Wahl et al, 2010). Em estudo recente, foi analizado o efeito de protocolos de treinamento em cicloergômetro. O estudo incluiu um grupo de alta intensidade, que consistia em um sprint de 30 segundos em esforço máximo, denominado grupo HIT (P) - high-intensity training, treino de alta intensidade e baixo volume, e placebo; outro com as mesmas características de treinamento, só que com suplementação de bicarbonato, chamado de HIT (B); e o terceiro realizando exercício durante uma hora a 50% do VO2 max., denominado de HVT - high volume low-intensity training - alto volume, porém baixa intensidade de treino. Como exposto na figura 2.3, nota-se que os grupos HIT-P e HIT-B aumentaram significativamente as concentrações plasmáticas de GH após 10 minutos do exercício, enquanto que o grupo HVT não apresentou alteração significativa após esse tempo. Contudo, o grupo HIT-P apresentou o maior resultado absoluto na concentração de GH plasmático em relação aos outros grupos (Wahl et al, 2010). Figura 2.3 – Relação entre duas intensidades de treino associado aos níveis plasamáticos de GH. HIT (high-intensity training – treinamento de alta intensidade), dividido em grupo placebo – HIT (P) - e grupo suplementado com bicarbonato – HIT (B), e HVT (high volume low- intensity training – alto volume, porém baixa intensidade de treino). Adaptado de Wahl et al, 2010. Já em um estudo realizado com pacientes com diabetes tipo 1, mostrou-se que o exercício físico de baixa intensidade (55% a 60% do VO2 max) realizado em cicloergômetro durante 120 minutos, Fisiologia do Sistema Endócrino 15 associado a um clamp euglicêmico ou hiperglicêmico, aumenta significativamente as concentrações plasmáticas de GH. Entretanto, durante a hiperglicemia, o nível de GH é menor do que durante a glicemia controlada, conforme figura 2.4 (Jenni; CHRIST; STETTLER, 2010). Figura 2.4 – Níveis plasmáticos de pacientes com diabetes mellitus do tipo 1 durante exercício de baixa intensidade e com clamp euglicêmico e hiperglicêmico. Adaptado de Jenni, 2010. Dentre os diversos mecanismos de sinalização intracelular que controlam a síntese proteica, a via sinalizada pela serina/ treonina quinase - Akt (também conhecida como proteína quinase B - PKB) apresenta um papel chave neste processo (FUJITA et al., 2007; LÉGER et al., 2006). A família da Akt é composta alguns membros, contudo, as isoformas Akt1 e Akt2 são predominantemente expressas no músculo-esquelético (COFFER & WOODGETT, 1991). A fosforilação e ativação da Akt são conhecidas por serem estimuladas de diversas formas, entre as quais os estímulos hormonais por meio dos esteróides e IGF1. No músculo esquelético, o aumento da expressão gênica de Akt1 ativa, implica na hipertrofia de miotúbulos in vitro (ROMMEL et al., 2001). Bodine e colaboradores (2001), em estudo com ratos, viram o mesmo fenômeno (in vivo),além de apontarem uma possível prevenção à hipotrofia de músculos denervados. Legér e colaboradores (2006) afirmam que o treinamento físico resistido, tanto agudo quanto crônico, é capaz de ativar a Akt, embora McMullen e colaboradores (2003), apontem que o treinamento de natação, com característica mais oxidativa, foi suficiente para estimular esta via, o que resultou em hipertrofia muscular nos camundongos. Atherson e colaboradores (2005) citam que ocorre aumento na síntese de IGF-1 durante o treinamento resistido, implicando no início de uma cascata de ativação sequencial, passando por PI3K e Akt. Em seguida, Akt promove ativação de duas vias independentes, para: aumento da atividade de mTOR (mammalian target of rapamycin) e inibição da atividade de GSK-3ß (glicogênio sintase quinase-3 ß), situações direcionadas para a hipertrofia muscular esquelética. Portanto, uma vez ativada, Akt fosforila uma seqüência de substratos, incluindo mTOR e GSK-3ß, que medeiam síntese proteica, transcrição gênica e proliferação celular - células satélites (GLASS, 2003) (ver figura 1.3, lado direito). Suprarrenais ou Adrenais: Córtex e Medula As glândulas suprarrenais, ou adrenais, estão localizadas no retroperitônio, acima do polo superior dos rins, e pesam em torno de 6 a 10 gramas (Migliorini; KETTELHUT, 1999; BERNE et al, 2004; GUYTON; HALL, 2003). Cada uma das duas glândulas é composta basicamente de duas partes funcionais distintas: o córtex, que perfaz em torno de 80% a 90%, responsável pela síntese de hormônios esteroides, e a medula, que perfaz em torno de 10% a 20%, formada por células neuroectodérmicas Fisiologia do Sistema Endócrino 16 dos gânglios simpáticos e responsável pela síntese de hormônios catecolaminérgicos. Córtex da Adrenal O córtex da adrenal deriva de células mesenquimais associadas ao revestimento da cavidade celomática adjacente à crista urogenital (Mesiano; JAFFE, 1997; Jaffe; mesiano; smith, 1998). Em um ser humano adulto, ele é constituído por três zonas distintas (figura 3.1): a. A zona glomerulosa é a mais externa e também a mais fina. É responsável pela síntese e secreção da classe dos hormônios mineralocorticoides, destacando-se a aldosterona. b. A zona fasciculada está localizada na porção medial do córtex da adrenal. É responsável pela síntese e secreção da classe dos hormônios glicocorticoides, dentre eles o cortisol e a corticosterona. c. A zona reticular está presente na porção interna do córtex da adrenal. É responsável pela síntese e secreção da classe dos androgênios, hormônio esteroide sexual masculino, além de seus precursores, com destaque para o dehidroepiandrosterina - DHEA. Importante ressaltar que o DHEA pode ser convertido em outros tipos de androgênios e de estrogênios (classe dos hormônios sexuais femininos) (Migliorini; KETTELHUT, 1999). Figura 3.1 - Representação esquemática das zonas da glândula adrenal e seus principais produtos secretórios. Imagem: http://pt-br.infomedica. wikia.com/wiki/Conhecendo_as_supra-renais. Fisiologia do Sistema Endócrino 17 Síntese de Hormônios no Córtex da Adrenal Glicocorticoides - Cortisol Os hormônios glicocorticoides são secretados em níveis elevados pelas glândulas adrenais em situações de estresse, e essa resposta está intimamente relacionada com mecanismos adaptativos biológicos em vertebrados que vão de peixes a humanos (Munck; Guyre; Holbrook, 1984; Yudt; Cidlowski, 2002). Quando usados na prática clínica, particularmente em sua forma sintética, eles são capazes de induzir efeitos terapêuticos, e sua ação anti-inflamatória imita uma de suas respostas adaptativas endógenas (Munck; Guyre; Holbrook, 1984). Apesar de ter sido inicialmente nomeados com base no seu papel no metabolismo da glicose, os glicocorticoides também são importantes na regulação de processos fisiológicos que envolvem o desenvolvimento, o metabolismo, a neurobiologia, a morte celular programada e várias outras funções (Yudt; Cidlowski, 2002). A síntese de glicocorticoides acontece, prioritariamente, na zona fasciculada e é ativada pelo hormônio hipofisário AcTH, que, primeiramente, foi estimulado pelo hormônio hipotalâmico CRH. O principal glicocorticoide produzido em humanos é o cortisol (Migliorini; KETTELHUT,1999). Efeitos Biológicos Os efeitos biológicos dos glicocorticoides estão relacionados a um importante papel fisiológico no metabolismo, já que o cortisol atua na mobilização de substratos para a produção de energia. Os maiores picos de cortisol são durante o período noturno, em estado de jejum, assim como durante exercícios de endurance. Dentre essas funções, destacam-se o aumento na mobilização de aminoácidos, chamado proteólise (possibilitando maior gliconeogênese) e o aumento na mobilização dos ácidos graxos, chamado lipólise. Outra ação metabólica causada pelos glicocorticoides relaciona-se ao antagonismo à ação da insulina, dificultando a captação da glicose periférica. Ver figura 3.2 (Giorgino et al, 1993). Figura 3.2 – Estudo realizado com ratos mostrando a fosforilação do receptor de insulina em aminoácidos Tyr e no IRS-1, em grupo controle (C) e tratado com glicocorticoides (GTx), demonstrou que os glicocorticoides inibem a ação da insulina no músculo esquelético. Adaptado de Giorgino et al, 1993. Os glicocorticoides também agem na massa óssea reduzindo a expressão do fator transcricional NFk-b, que regula citocinas pró-inflamatórias, estimulando assim a formação de osteoclastos e a reabsorção óssea. Aumenta também a expressão da enzima colagenase, responsável pela degradação da matriz óssea. Diminui a formação de colágeno e de osteoblastos maduros, aumentando a taxa de apoptose de osteoblastos e osteócitos, células responsáveis pela formação óssea. No tecido conectivo, os glicocorticoides inibem a síntese do colágeno, resultando em fragilidade e ruptura dos capilares, o que pode causar hemorragia intracutânea (Berne et al, 2004). Nos rins, os glicocorticoides exercem sua ação aumentando a taxa de filtração glomerular, diminuindo a resistência pré-glomerular e elevando o fluxo plasmático glomerular. Fisiologia do Sistema Endócrino 18 Esses mecanismos envolvem a diminuição da síntese e secreção do ADH pelo eixo hipotálamo- hipófise, aumentando a taxa de depuração de água livre na urina. Em adição, os glicocorticoides são responsáveis pela formação de amônio a partir do glutamato, pela excreção do cálcio e do fosfato, diminuindo a reabsorção dessas moléculas pelos túbulos proximais (Berne et al, 2004). Além desses fatores, eles exercem ação sobre o sistema nervoso central, modulando a excitabilidade, o comportamento e o humor ao influenciar a atividade elétrica neuronal. Também diminuem o sono de movimentos oculares rápidos (REM), aumentam o de ondas lentas e o tempo de permanência acordado. Altos níveis de glicocorticoides podem causar insônia, diminuição do humor, diminuição da memória, além de gerar atrofia neuronal. As ações fisiológicas geradas pelos glicocorticoides no sistema imune estão envolvidas com as respostas inflamatórias e imunológicas. Eles agem sobre os leucócitos, as prostaglandinas, as tromboxanas, os leucotrienos, o óxido nítrico e o fator ativador de plaquetas, inibindo a sua ação e promovendo imunossupressão. Essa inibição é gerada por meio da diminuição na síntese e secreção de ácido araquidônico, precursor lipídico de muitas das respostas imunes (Berne et al, 2004; Liberman et al, 2009). Relação com o Exercício e o Treinamento Como citado anteriormente, os glicocorticoides na sua forma sintética são amplamente prescritos na prática clinica graças a seus efeitos anti-inflamatórios. Eles também exercem função sobre o metabolismo energético, induzindo resistência à ação da insulina e intolerância à glicose (Qi et al, 2004; Schneiter; Tappy, 1998). Dessa forma, o uso prolongado do fármaco pode induzir no indivíduo estados patológicos como diabetes mellitus do tipo II, dislipidemia e hipertensão, resultantes da hiperinsulinemia e da hiperglicemia (Weinstein et al, 1995; Qi et al 2004; Rhee et al, 2004; Brotman et al, 2005; Patel et al, 2006; Coderre et al, 2007). Em adição a esses efeitos, nota-se redução na massa corporal, hipotrofia muscular causada por severa redução na síntese proteica e concomitante aumento na taxa de degradação proteica, comprometendo as capacidades físicas e funcionais do músculo esquelético (De Vries et al, 2002; Komamura et al, 2003; Ahtikoski et al, 2004; Rhee et al, 2004; Coderre et al, 2007; Kaasik et al, 2007; Menezes et al, 2007; Lumbers et al, 2005; Gilson et al, 2007). Não obstante, o exercício físico é largamente estudado devido a seus efeitos sobre a melhora na sensibilidade da insulina, o aumento na captação de glicose e na síntese proteica, além, é claro, do seu efeito compensatório na regulação do metabolismo como tratamento de diversas doenças (Ryder; CHIBALIN; zIeratH et al, 2001; Thompson, 2003; Kelley; KELLEY; VU TRAN, 2005; Guedes, Gonçalves, 2007). Em estudos realizados com ratos tratados com dexametasona (um glicocorticoide sintético) que foram submetidos a protocolos de treinos aeróbios a 60% da sua capacidade máxima pré-estabelecida, mostrou-se melhora na sensibilidade da insulina e na captação de glicose, diminuição de marcadores bioquímicos como VLDL e LDL, assim como no colesterol total, além do aumento nos níveis plasmáticos de HDL (figura 3.3) (Barel et al, 2010). Fisiologia do Sistema Endócrino 19 Figura 3.3 – Comparação entre ratos tratados com dexametasona sedentários e tratados com dexametasona e treinados em relação aos grupos controle, treinados e sedentários. Mostra a) melhor captação de glicose; b) diminuição de colesterol total, VLDL e LDL e c) aumento de HDL, nos ratos tratados com dexametasona e treinados em relação ao grupo somente tratado com dexametasona. Adaptado de Barel et al, 2010. Fisiologia do Sistema Endócrino 20 Estudos realizados com humanos praticantes de corridas mostram que o exercício físico (aeróbio) é capaz de aumentar a globulina alvo de corticosterona (CBG, sigla em inglês de corticosterone-binding globulin), importante inibidor da ação biológica dos hormônios glicocorticoides (Stranahan et al, 2009; Droste et al, 2003). Estudos com humanos mostram que exercícios de alta intensidade são responsáveis por aumentar a concentração plasmática de cortisol, enquanto que os de baixa intensidade, porém prolongados, diminuem as concentrações séricas desse hormônio (Hackney, 2006; MCmurray; Hackney, 2005; Duclos; gouarne; bonnemaison, 2003). Em um recente trabalho realizado com humanos, mostrou-se que, em exercícios de endurance, a síntese do receptor de glicocorticoides é reduzida, diminuindo a sensibilidade a esses hormônios em relação a esse tipo de exercício (Silva et al, 2010). Mineralocorticoides O principal mineralocorticoide sintetizado endogenamente na zona glomerulosa do córtex da glândula suprarrenal é a aldosterona. Esse hormônio foi isolado e caracterizado quimicamente em 1953 por Simpson. A aldosterona sintetizada está presente no plasma de duas formas: 50% na forma livre e os outros 50% ligados a proteínas transportadoras específicas, como a transcortina e a albumina (Migliorini, 1999). Efeitos Biológicos O principal efeito biológico da aldosterona é a manutenção do volume do líquido extracelular e a conservação do sódio no organismo. Dessa forma, quando o volume de líquidos corporais se altera, os rins emitem sinais que fazem com que ela seja secretada (Davis; Hartroft, 1962; Mangelsdorf; THUMMEL; BEATO, 1995). Esse mecanismo é ativado pelos rins no momento em que há alterações como queda no volume de líquido extracelular e no volume plasmático, que diminuem o fluxo e a pressão sanguínea. Secretada pelas células justaglomerulares, uma proteína enzimática denominada de renina é lançada na circulação periférica. A renina, por sua vez, tem ação sobre o angiotensinogênio, que é secretado pelos hepatócitos, formando a angiotensina I, que por sua vez será convertida em angiotensina II por uma enzima conversora secretada pelos pulmões. A angiotensina II exerce função nas células da zona glomerulosa do córtex daadrenal, ligando-se ao seu receptor associado à proteína G, utilizando o cálcio e o fosfatidilinositol como segundos mensageiros intracelulares, para que o colesterol seja captado e direcionado para a mitocôndria, onde é convertido em aldosterona (Funder, 2005) por meio dos mecanismos elucidados na figura 3.4. A secreção da aldosterona é inibida não somente pelo feedback negativo exercido pelo eixo renina- angiotensina-aldosterona, mas também pelo peptídeo natriurético atrial (ANP). Este se liga a seus receptores associado à proteína G na zona glomerulosa da adrenal, diminuindo as concentrações de AMPc e aumentando as de GMPc intracelulares, diminuindo a secreção de aldosterona. Outra ação do ANP nesse sentido é de forma indireta, por meio da inibição de renina pelas células justaglomerulares dos rins (Funder et al, 1988; Edwards et al, 1988). Fisiologia do Sistema Endócrino 21 Figura 3.4 - Eixo renina-angiotensina-aldosterona. Adaptado de BERNE et al, 2004. A ação exercida pela aldosterona nos rins é por meio da reabsorção de sódio do filtrado tubular de volta para os capilares proximais, por intermédio das células do duto coletor e das dos tubos contorcidos distais. Esse efeito diminui a excreção de sódio e, portanto, aumenta a concentração de água nos líquidos corporais, já que o sódio é higroscópico (arrasta água). Isso promove um aumento de potássio dentro das células renais (causado pela bomba de sódio e potássio). Sendo assim, outra ação desse hormônio é a eliminação do potássio do meio intracelular em direção à urina tubular para consequente excreção (Okubo et al, 1997). A aldosterona pode gerar, de forma indireta, aumento na pressão sanguínea pelo aumento nas concentrações plasmáticas de sódio, aumento no volume do líquido extracelular e aumento no débito cardíaco. Relação com o Exercício e o Treinamento Diversos trabalhos relatam o aumento da aldosterona em exercícios de alta intensidade, sendo essa uma das respostas fisiológicas geradas por esse tipo de exercício (Hew-Butler et al, 2008; Grant et al, 1996; Shoemaker et al, 1998). Os mecanismos que envolvem esse aumento estão relacionados com diminuição no volume plasmático, maior atividade do sistema nervoso simpático com menor atividade do parassimpático, secreção de renina e angiotensina, além do estado de hidratação, a temperatura ambiente e as concentrações de sódio e potássio durante o exercício (Melin et al, 2001; Maresh et al, 2004; Kosunen et al, 1976; Takamata et al, 1994; Holst et al, 2004). O aumento da aldosterona em exercícios de alta intensidade está relacionado com a sua ação, que influencia a abertura dos Fisiologia do Sistema Endócrino 22 canais de sódio em torno de dois minutos (Boldyreff; Wehling, 2004). Dessa forma, o especula-se que o estímulo gerado durante exercícios de alta intensidade para a secreção de aldosterona esteja relacionado com o aumento da pressão sanguínea da ativação do sistema renina-angiotensina, além do aumento na secreção de ACTH pela adeno-hipófise em resposta ao estresse (Fitzsimons, 1998; Holst et al, 2007; Yamauchi et al, 1998). Um recente estudo realizado com pacientes hipertensos que realizaram um protocolo de treinamento aeróbio durante 16 semanas, três vezes por semana e com intensidade de 60% a 80% do VO2 max. demonstrou que, apesar de haver redução no peso corporal e diminuição na pressão sanguínea, não houve redução nas concentrações plasmáticas de renina. Mostrou-se assim uma possível atividade do eixo renina-angiotensina-aldosterona nesses pacientes (Martinelli et al, 2010). O mesmo foi mostrado em um estudo anterior, também com pacientes hipertensos que realizaram exercício aeróbio em cicloergômetro, mostrando correlação entre o exercício e o aumento de angiotensina II (Shim et al, 2008). Outros estudos mostram que, em exercícios de endurance com duração de 2 a 27 horas, os níveis plasmáticos de aldosterona demonstram aumento de três a oito vezes (Rocker et al, 1989; Freund et al, 1990; Fellmann et al, 1989). Essa variação possui uma grande correlação com pressão sanguínea, exposição térmica, grau de desidratação antes e durante o exercício, tonicidade das bebidas ingeridas durante o exercício, além da intensidade deste (Hew-Butler et al, 2008; Melin et al, 2001; Maresh et al, 2004; Kosunen et al, 1976; Takamata et al, 1994; Holst et al, 2004). Andrógenos Serão abordados no capítulo relacionado às gônadas (glândulas sexuais). Medula da Adrenal A medula das adrenais é responsável por sintetizar e secretar os hormônios catecolaminérgicos, adrenalina e noradrenalina. As catecolaminas exercem função pleiotrópica, agindo em diferentes células do organismo. Em um adulto, a medula das adrenais pesa em torno de 1 grama e é formada por um grupo de células denominadas de cromafins (por sua afinidade para corantes de cromo) (Berne et al, 2004). Esse grupo celular é formado por grânulos que possuem similaridade com os terminais nervosos simpáticos pós-ganglionares. Os grânulos são compostos por hormônios catecolaminérgicos, adenosina, encefalina, peptídeos resultantes da metabolização da POMC, como β-endorfinas, neuropeptídeo Y, cromogranina, assim como por proteínas e lipídios. Síntese de Hormônios na Medula da Adrenal O processo de síntese dos hormônios catecolaminérgicos pela medula das adrenais ocorre por meio de uma série de reações enzimáticas, que se iniciam com a conversão do aminoácido tirosina a di-hidroxifenilalanina (DOPA) Em seguida, a DOPA é convertida a dopamina por ação enzimática de uma descarboxilase de L-aminoácidos aromáticos que utiliza piridoxal fosfato como um cofator. O próximo passo na síntese dos hormônios catecolaminérgicos ocorre dentro dos grânulos cromafins, onde a enzima dopamina β-hidroxilase converte dopamina em noradrenalina, utilizando o oxigênio molecular e um hirdrogênio (Dienstbier, 1991). Fisiologia do Sistema Endócrino 23 Dos hormônios catecolaminérgicos sintetizados pelas células adrenomedulares, 15% estão na forma de noradrenalina. A síntese desse hormônio cessa nesse passo, e ele fica armazenado dentro dos grânulos das cromafins até que seja secretado para exercer seus efeitos biológicos. Entretanto, os outros 75% da síntese de hormônios catecolaminérgicos estão como adrenalina. Dessa forma, a noradrenalina, anteriormente sintetizada nos grânulos, é direcionada para o citoplasma, onde será N-metilada pela enzima feniletanolamina N-metiltrasferase, utilizando S-adenosilmetionina como doador de metil para a formação de adrenalina. Após a síntese da adrenalina, ela é captada pelos grânulos cromafins, sendo o principal hormônio catecolaminérgico (Berne, 2004). O sistema nervoso simpático controla a secreção dos hormônios catecolaminérgicos. Esse estímulo é denominado de “luta ou fuga”, em que o sistema simpático reage a diversos tipos de estresse aumentando a síntese desses hormônios, em especial a adrenalina. Esses estímulos estressantes podem ser provenientes de sensações de perigo, traumas ou lesões, ansiedade, hipovolemia, hemorragia ou perda de líquidos corpóreos, anorexia, jejum prolongado, temperaturas extremas e exercícios tanto prolongados quanto agudos de alta intensidade (Esler et al, 1981). As fibras pré-ganglionares colinérgicas do nervo esplâncnico representam a via efetora comum entre o SNC e a medula das adrenais. Essas fibras sofrem estímulo da acetilcolina, que é liberada pelos terminais nervosos e que despolariza a membrana das células cromafins, responsáveis pela entrada do sódio para o citoplasma. Essa entrada gera um fluxo de íons de cálcio, responsáveis pela exocitose dos grânulos secretórios contendo os hormônios catecolaminérgicos. Efeitos Biológicos A meia-vida dos hormônios catecolaminérgicos na circulação é relativamente curta, variando entre um e três minutos. Essa característica permite uma ação rápida. Casoas sínteses de adrenalina e noradrenalina sejam maiores do que a capacidade das células cromafinsde armazená-las, esses hormônios serão metabolizados pelo fígado e pelos rins para que sejam excretados. Entretanto, antes de ser excretadas, a adrenalina e a noradrenalina exercem seus efeitos biológicos ligando-se a receptores de membrana citoplasmáticos denominados de β1, β2, β3, α1 e α2. O efeito biológico intracelular é modulado de acordo com o tipo de receptor a que elas se ligam. Tendenciosamente, a adrenalina tem maior afinidade com os receptores β, enquanto que a noradrenalina possui maior afinidade com os receptores α. Esses receptores são proteínas transmembrana unipasso e estruturalmente similares. Os receptores β possuem atividade associada com a proteína Gs, que estimula a adenil-ciclase e ativa o AMPc como segundo mensageiro intracelular para gerar seus efeitos biológicos por intermédio PKA. Antagonicamente, os receptores α possuem atividade associada à proteína Gi, que por sua vez diminui a atividade do AMPc intracelular, bem como a da PKA. Os efeitos dos receptores α são mediados pela fosfatidilinositol, juntamente com o Ca2+ e a PKC como segundos mensageiros. Ambos os hormônios catecolaminérgicos geram diversas ações metabólicas. Dentre elas, o aumento da glicemia é um fator comum. Fisiologia do Sistema Endócrino 24 Quando a recepção dos hormônios é feita pelos receptores β adrenérgicos, destacam-se algumas funções, como: 1. Aumento na glicogenólise (fígado). 2. Aumento na gliconeogênese (fígado). 3. Aumento na lipólise (tecido adiposo e músculos). 4. Aumento na calorigênese. 5. Diminuição da utilização da glicose (músculos e tecido adiposo). 6. Diminuição na secreção de insulina (pâncreas). 7. Aumento na secreção de glucagon (pâncreas). 8. Aumento na captação de potássio. 9. Aumento da contratilidade cardíaca. 10. Aumento da frequência cardíaca. 11. Aumento da dilatação arteriolar, com diminuição da pressão arterial no músculo. Os efeitos hepáticos de glicogenólise e da gliconeogênese são intensificados nos casos de baixos níveis de glicemia. Caracteriza-se por um mecanismo de controle na manutenção para o SNC da glicemia e da oferta de glicose, principal substrato a ser utilizado por esse território corporal. Importante ressaltar que o hormônio adrenalina estimula a diminuição da secreção de insulina pelo fato de as células beta das ilhotas de Langerhans expressarem mais receptores α-adrenérgicos, enquanto o mesmo hormônio estimula o aumento na secreção de glucagon pelas células alfas das ilhotas de Langerhans em função de elas expressarem mais receptores β-adrenérgicos. Concomitantemente, as catecolaminas aumentam a lipólise para maior disponibilidade de ácidos graxos às células musculares e hepáticas. As ações da adrenalina no sistema cardiovascular estão envolvidas com o aumento da frequência cardíaca, da força contrátil e do débito cardíaco, assim como da constrição dos vasos renais, esplâncnico e cutâneo. Em adição, os hormônios catecolaminérgicos exercem outros efeitos, dependendo do tecido em que atuam: 1. No intestino, inibindo a atividade motora. 2. Nos bronquíolos, relaxando a musculatura lisa, a fim de prevenir a obstrução das vias aéreas, bem como de melhorar a troca gasosa. 3. Nas pupilas, dilatando e melhorando o campo de visão. 4. Na neuro-hipófise, modulando a liberação de ADH. Receptores β estimulam, enquanto que os receptores α inibem. 5. Nos rins, quando receptados pelos receptores β, aumentam a secreção de renina, aumentando dessa forma o eixo renina-angiotensina- aldosterona. 6. Na glândula tireoide, quando receptado pelos receptores β, aumentam a conversão de T4 para T3, melhorando a atividade dela. Relação com o Exercício e o Treinamento O exercício físico é um importante estimulador da síntese e secreção dos hormônios catecolaminérgicos, em função do estresse fisiológico e metabólico gerado. Além disso, o exercício físico aumenta a atividade do eixo CRH-ACTH-adrenais, estimulando a secreção não somente das catecolaminas, mas também do cortisol, que é um importante estimulador da síntese e secreção dos hormônios catecolaminérgicos. French et al (2007) mostraram correlação entre os exercícios de força e o aumento da secreção dos hormônios catecolaminérgicos e também entre os níveis destes e a testosterona. Diversos trabalhos mostram que, durante o exercício físico, ocorre um aumento no SN simpático, em resposta à mobilização de lipídios, sendo as catecolaminas o principal regulador da lipólise no tecido adiposo (Hodgetts et al, 1991; Lafontan; Berlan, 1993). Durante exercícios de endurance, o SN simpático induz a lipólise por diminuição da secreção Fisiologia do Sistema Endócrino 25 de insulina e aumento de GH, cortisol e hormônios catecolaminérgicos, em especial a adrenalina (Stich et al, 1999). Pâncreas O pâncreas é uma glândula mista acessória do sistema digestório, localizada junto ao duodeno e inferiormente ao estômago, estendendo-se até o baço retroperitonealmente, ou seja, colado à parede abdominal posterior (figura 4.1) (Dangelo; Fattini, 2007). Figura 4.1 – Localização anatômica do pâncreas. Adaptado de Netter, 2008. Apresenta uma forma prismática, denominada em faces (ântero-superior, ântero-inferior e posterior) e três margens (superior, anterior e inferior). O pâncreas é constituído de três partes, denominadas de cabeça, corpo e cauda (figura 4.2). Figura 4.2 – Regiões pancreáticas. Adaptado de Netter, 2008. O pâncreas é constituído por dois principais grupos celulares, os ácinos pancreáticos (parte exócrina), que secretam enzimas digestivas no duodeno, e as ilhotas de Langerhans (parte endócrina), responsáveis pela secreção dos dois principais hormônios pancreáticos, a insulina e o glucagon. As ilhotas de Langerhans perfazem aproximadamente 1% a 1,5% da massa total do pâncreas, que é formado por aproximadamente 1 milhão de ilhotas (Berne et al, 2004; Guyton; Hall, 2003). As ilhotas são constituídas por quatro grupos celulares. As células α (alfa) secretam glucagon, as β (beta) secretam insulina, as δ (delta) secretam somatostatina e as PP secretam o polipeptídio pancreático (Machado et al, 2008). Neste capítulo, serão abordados aspectos relacionados aos hormônios insulina e glucagon, sobretudo pela grande relação deles com o exercício. Insulina A insulina é o principal hormônio anabólico do organismo, secretado pelas células β-pancreáticas em resposta ao aumento da glicemia e responsável pela captação da glicose e pela homeostase energética (CARVALHEIRA; ZECCHIN; SAAD, 2002; MAYER; BELSHAM, 2010). A insulina é formada por duas cadeias peptídicas retas, denominadas cadeia A e cadeia B, ligadas por pontes de dissulfeto. A cadeia A é constituída por 21 aminoácidos, e a cadeia B é formada por 30 aminoácidos. A síntese da insulina é feita por meio de uma família de genes que codificam também o fator de crescimento semelhante à insulina (IGF). Essa síntese é controlada pela glicemia. Dessa forma, quando a glicemia aumenta após as refeições, as células β-pancreáticas sintetizam e secretam mais insulina; já durante o jejum, em que a glicemia está baixa, a síntese e secreção são diminuídas. A secreção de insulina pelas células β-pancreáticas sofre algumas influências, dentre as quais o nível de glicemia é preponderante. Um transportador específico, GLUT- 2, é responsável por regular essa concentração, facilitando a rápida difusão da glicose do espaço extracelular para dentro das células β. Fisiologia do Sistema Endócrino 26 Quando os níveis de glicemia aumentam após as refeições, a glicose é transportada para dentro das células β, sendo rapidamente fosforilada pela glicocinase em glicose-6- fosfato, seguindo assim a via glicolítica. Com isso, o aumento de ATP intracelular altera a razão ATP/ADP e provoca mudança nas concentrações de NADH, NADPH e H+. O ATP geradoliga-se aos canais de potássio até então abertos, impedindo que esse íon se difunda pela membrana. Com o aumento do potássio intracelular, ocorre a despolarização desta, abrindo os canais de cálcio. O aumento do cálcio citoplasmático leva à translocação dos grânulos secretórios contendo a insulina e o peptídeo C para a membrana, que, por meio da exocitose, irá liberar a primeira em direção à corrente sanguínea sistêmica (Silverthorn, 2003) (figura 5.5). A secreção da insulina também pode sofrer influência de outros fatores, com ligação a receptores associados à proteína Gs, como o glucagon e a acetilcolina, e a receptores β-adrenérgicos, que aumentam as concentrações de AMPc e a razão GTP/GDP intracelular. Estes, por sua vez, são responsáveis pelo aumento na secreção de insulina. De forma inversa, a atuação da somatostatina e de receptores α-adrenérgicos leva a ativação da proteína Gi, que diminui as concentrações de AMPc, inibindo a secreção de insulina. Outro importante estimulador da secreção são os aminoácidos, em particular a arginina e a lisina. Fisiologia do Sistema Endócrino 27 A insulina não necessita de proteínas transportadoras para se difundir no plasma e tem uma meia-vida de aproximadamente cinco a oito minutos. Após as refeições, as concentrações de insulina podem aumentar em 10 vezes em relação aos níveis basais. Efeitos Biológicos As ações fisiológicas da insulina estão relacionadas com a homeostase da glicose, por meio de captação desta pelo fígado (GLUT2) e pelos tecidos periféricos (muscular e adiposo – ativação do GLUT4), a diminuição na síntese e liberação hepática dela, por meio das vias de gliconeogênese (inibindo enzimas gliconeogênicas) e glicogenólise (inibindo glicogênio fosforilase), além do aumento na síntese de glicogênio hepático e muscular (ativa glicogênio-sintase). No músculo, a insulina estimula a síntese e diminui a degradação proteica. Nos adipócitos, exerce função na ativação da lipogênese (estimula a enzima lípase lipoproteica – LPL) e na inibição da lipólise (estimula a enzima fosfodiesterase – PDE3B, diminuindo a concentração de AMPc) (CARVALHEIRA; ZECCHIN; SAAD, 2002). Ademais, a insulina promove diminuição da oxidação de ácidos graxos (ativa a enzima acetil- CoA-carboxilase – ACC, que vai converter a molécula de acetil-CoA e malonil-CoA, principal inibidor da carnitina palmitoil transferase 1 – CPT1, enzima-chave do complexo enzimático responsável pela entrada dos ácidos graxos de cadeia longa nas mitocôndrias). Além disso, exerce importantes funções em diversas regiões cerebrais, no controle de núcleos hipotalâmicos e em outras regiões, como amígdala, hipocampo e áreas autonômicas, como o núcleo do trato solitário (Unger; Betz, 1998; GENABAI; BRISKI, 2009; MAYER; BELSHAM, 2010). Os efeitos biológicos da insulina são exercidos pela ativação de seu receptor de membrana citoplasmática com atividade tirosina cinase. O receptor de insulina é uma proteína heterotetramérica composta por duas subunidades α e duas subunidades β. A ação exercida pelo receptor é por atividade enzimática, em que a subunidade α inibe a atividade da tirosina cinase da subunidade β. Com a ligação da insulina na subunidade α, a atividade cinase da subunidade β é ativada, promovendo sua autofosforilação. A subunidade β autofosforila-se em múltiplos resíduos de aminoácidos tirosina (Tyr), ativando uma cascata de sinalização intracelular a fim de gerar seu efeito biológico final. (Patti; Kahn, 1998; FREYTCHET; ROTH; NEVILLE, 1971; CUATRECASAS, 1972; KAHN, 1985). Relação com o Exercício e Treinamento Importante ressaltar que os mecanismos moleculares de translocação do GLUT-4 do sarcoplasma para a membrana celular são extremamente complexos (Bryant; Govers; James, 2002). Esses mecanismos sofrem duas ações básicas: uma por meio da interação da insulina com seu receptor tirosina cinase e outra por meio da contração muscular sem que haja a ação da insulina (Coderre et al, 1995; Douen et al, 1990). Durante a contração muscular gerada pelo exercício, ocorre a captação de glicose pelo músculo com extrema diminuição da participação da insulina (Holloszy, Narahara, 1965). No entanto, o exercício físico aumenta a sensibilidade à ação da insulina pós- exercício (Richter et al, 1982). Isso decorre de ele ser um importante estimulador da síntese e secreção dos hormônios contrarreguladores da glicemia, além de aumentar a atividade do eixo CRH-ACTH-adrenais. Esses mecanismos geram um aumento na secreção de hormônios glicocorticoides e catecolaminérgico, inibindo a síntese e secreção de insulina pelas células β-pancreáticas (French et al, 2007; Stich et al, 1999; Nesher; Karl; Kipnis, 1985). É fato que a diminuição da síntese e secreção de insulina em Fisiologia do Sistema Endócrino 28 exercício é vantajosa ao indivíduo, uma vez que seus efeitos biológicos voltados para o anabolismo nada combinam com as condições catabólicas que a atividade física impõe. Durante o exercício, há um aumento na superfície celular de transportadores de glicose GLUT-4 (músculo), aumentando a captação de glicose em relação à situação de repouso (Fueger et al, 2003; 2004). Assim como nos exercícios intensos, os de intensidade moderada também se utilizam de mecanismos de transporte de glicose via GLUT-4 do meio extracelular para o sarcoplasma, objetivando a síntese de ATP. Entretanto, esse transporte é limitado (Katz et al, 1986; Kristiansen et al, 2000) em função da diminuição da produção e da ação da insulina, o que representa a possibilidade de uma glicemia mais adequada durante a prática da atividade física. Estudos com ratos relatam o papel do Ca2+ na captação de glicose durante a contração muscular, aumentando a proteína cinase C (PKC), responsável por essa tarefa (Cleland et al, 1989; Nishizuka, 1995; Richter et al, 1987). Esse mecanismo decorre da ativação da calmudulina cinase II (CaMkII) durante a contração muscular tanto em humanos quanto em roedores (Rose; Hargreaves, 2003). Outra importante proteína envolvida na captação de glicose durante a contração muscular é a AMPK. Esta, por sua vez, é expressa de acordo com a intensidade do exercício, sendo um marcador de estresse metabólico pelo recrutamento de fibras, em particular as de contração rápida (Chen et al, 2000; 2003; Derave et al 2000; Ihlemann; Ploug; Galbo, 2001). Glucagon O glucagon é um hormônio peptídico constituído por 29 aminoácidos e que possui peso molecular de 35 kDa. Os aminoácidos N-terminal contidos nas posições de 1 a 6 exercem sua função biológica pela interação com o receptor de membrana (Berne et al, 2004). Sua síntese ocorre nas células α das ilhotas de Langerhans pancreáticas. O aumento da glicemia, com consequente aumento na secreção de insulina pelas células β-pancreáticas, são os principais estímulos inibitórios da síntese e secreção do glucagon. Assim, este é um hormônio que tem sua síntese e secreção aumentada em resposta à diminuição da glicemia, sendo um importante regulador dos níveis de glicose circulante, agindo de forma antagônica à insulina no controle glicêmico. Em casos de hipoglicemia, os níveis plasmáticos de glucagon aumentam de duas a quatro vezes. Contudo, durante a hiperglicemia, sua concentração plasmática sofre redução em cerca de 50% (Berne et al, 2004). Além da diminuição da glicemia, refeições com alto teor proteico (principalmente contendo os aminoácidos alanina e arginina), exercício físico e jejum prolongado são estímulos importantes para o aumento na síntese e secreção de glucagon. Contudo, o alto consumo de carboidratos, o aumento de ácidos graxos livres e o aumento na síntese e secreção da secretina inibem a secreção desse hormônio. Efeitos Biológicos Os principais efeitos biológicos do glucagon no organismo são antagônicos aos da insulina. A sua ação é exercida pela ligação com um receptor de membrana que está associado a uma proteínaGs, ativando a adenilil-ciclase com formação do AMP-C e posterior ativação da proteína cinase A (PKA), iniciando uma cascata de fosforilação intracelular, responsável pela ativação e repressão de uma série de enzimas. Uma das principais ações enzimáticas caracteriza- se pela ativação, no fígado, da enzima glicogênio fosforilase (ativando a glicogenólise), além de inibição da enzima glicogênio sintase (inibindo a glicogênese). Fisiologia do Sistema Endócrino 29 O principal sítio de atuação do glucagon é no fígado; no músculo e no tecido adiposo, ele exerce efeitos mais modestos. Além do efeito exercido na glicogenólise, o glucagon atua no fígado ativando a gliconeogênese, principalmente pelo substrato alanina (ciclo alanina-glicose) (Berne et al, 2004). Outras ações fisiológicas do glucagon: ativação de enzimas lípases, que atuam no tecido adiposo (lipólise); atuação nos túbulos renais, inibindo a reabsorção de sódio, aumentando a natriurese; atuação no sistema nervoso central, exercendo efeito no controle da fome e da saciedade. Relação com o Exercício e Treinamento Durante o exercício físico, a concentração plasmática de glucagon é regulada, entre outros, pela razão insulina/glucagon. Em condições normais, a concentração molar no plasma de insulina em relação ao glucagon é de 2. Não obstante, durante o exercício físico, essa razão cai para 0,5 ou menos. A diminuição facilita a ativação de vias metabólicas, como a glicogenólise e a gliconeogênese, mantendo os níveis de glicose próximos ao normal (Berne et al, 2004). Outra via importante na regulação da concentração aumentada de glucagon em exercício intenso é a catecolaminérgica. A adrenalina é preferencialmente receptada nas células α das ilhotas de Langerhans por receptores β-adrenérgicos. Portanto, com o aumento de adrenalina durante o exercício (principalmente o intenso), ocorre o aumento na síntese e secreção do glucagon. Durante os primeiros 15 minutos de exercício, o glucagon tem um aumento rápido, depois tende a se estabilizar. Entretanto, quanto maior a duração, maior é a liberação. Em indivíduos treinados, a secreção de glucagon é mais continua do que nos não treinados (Canali; Kruel, 2001; FErNÁndez-Pastor et al, 1992). Tireoide A glândula tireoide localiza-se na parte anterior do pescoço, dividindo-se em duas metades, ou lobos, que ficam posicionadas em cada um dos lados da traqueia (figura 5.1) (Berne et al, 2004; Sobotta, 2006). Cada um dos lobos mede cerca de 2 cm a 2,5 cm de largura por 4 cm de comprimento. No homem adulto, ela pesa em torno de 15 g a 25 g (Bianco; Kimura, 1999). A glândula tireoide é extremamente vascularizada, recebendo um grande suprimento sanguíneo que parte das artérias tireocervicais, além de ser inervada a partir do sistema nervoso autônomo (Thorpe-Beeston et al, 1991; Mansberger; Wei, 1993; Ericson, 1981). A glândula tireoide é constituída por uma única camada de células epiteliais cuboidais, responsáveis Fisiologia do Sistema Endócrino 30 pela síntese hormonal da glândula. Essas células formam um folículo circular com 200 μm a 300 μm de diâmetro. No interior do folículo, a matéria-prima para síntese do hormônio fica armazenada sob forma de um coloide (Glinoer; Delange, 2000; De Benoist et al, 2003; Dohan et al, 2003). Tanto o volume quanto o tamanho da glândula tireoidiana aumentam no ser humano durante a puberdade. No caso das mulheres, a glândula sofre um aumento acentuado após o inicio da menstruação (Wolff et al, 1998; Van Saden et al, 2003; Wolff, 1983). Além das células foliculares, a glândula tireoidiana é constituída por outras localizadas entre os folículos tireoideanos, denominadas células parafoliculares ou células C, cuja função é sintetizar um hormônio polipeptídico denominado calcitonina (Filetti et al, 1999; Spitzweg; heufelder; morris, 2000; Gilliam et al, 2004; Porra et al, 2002). Vinculadas imediatamente atrás de cada polo da glândula tireoide, localizam-se quatro glândulas paratireoides, cada uma com aproximadamente 6 mm de comprimento, 3 mm de largura e 2 mm de espessura. Elas sintetizam e secretam o paratormônio (PTH), que, em conjunto com o hormônio calcitonina, tem como principal função a regulação da calcemia. A glândula tireoidiana é responsável pela síntese e secreção de três compostos denominados de iodotironinas, que são resultantes da ligação de duas moléculas de tirosina iodadas. Dessa produção hormonal, 90% resulta na formação de 3,5,3´,5´-tetraiodotironina (tiroxina ou T4), 10%, na formação de 3,5,3´-triiodotironina (T3) e menos de 1% forma 3,3´,5´-triiodotironina reverso (T3 reverso ou rT3) (Berne et al, 2004). O T3 é responsável pelas ações fisiológicas da glândula no organismo (Lacroix et al, 2004; Gnidehou et al, 2004; Larsen, 1975; Yokoyama; TAUROG, 1988). A conversão de T4 em T3 ocorre em grande parte dos órgãos/tecidos que possuem grande fluxo sanguíneo, tendo como principais exemplos o fígado e os rins (Berne et al, 2004). Os hormônios tireoidianos T3 e T4 são transportados no plasma de formas distintas: cerca de 80% por meio da ligação com uma proteína transportadora denominada proteína ligadora de tiroxina (TBG); quase 20% por meio da ligação com a pré-albumina ligadora de tiroxina (TBPA) e com a transtirretina (TTR) (Berne et al, 2004; Bianco; Kimura, 1999); e cerca de 0,03% do total por circulação livre no plasma (responsável por toda a ação biológica desses hormônios nos tecidos periféricos por ser, também, a forma biologicamente ativa). O principal regulador da atividade da glândula tireoide é o eixo hipotálamo-hipófise, pela secreção do hormônio liberador de tireotrofina (TRH) e do hormônio estimulante da tireoide (TSH) (Berne et al, 2004; Robbins; Rall, 1957). Com o processo de envelhecimento, os níveis de T4 e, consequentemente, de T3 sofrem declínio, sobretudo em função da diminuição na secreção de TSH hipofisário (Tu et al, 1997; Guadano-Ferraz et al, 1999). Após a síntese dos hormônios tireoidianos T3 e T4, eles são responsáveis pelo controle da secreção hipofisária de TSH, mecanismo gerado pelo sistema de alça de retroalimentação negativa, feedback negativo. Além disso, mecanismos de controle adrenérgicos são importantes na estimulação da síntese de T4, aumentando as vias de AMP-c, adenilil ciclase e GMP-c. Efeitos no controle da glândula tireoide gerados pela leptina também são conhecidos. A leptina exerce ação direta em núcleos hipotalâmicos por meio do aumento na secreção de TRH, o que aumenta a atividade do eixo TRH-TSH-tireoide. Ela também exerce controle sobre o peptídeo relacionado ao agouti (AgRP), diminuindo a inibição gerada por ele sobre o TRH (Friesema et al, 2003; Heuer et al, 2005). Fisiologia do Sistema Endócrino 31 Efeitos Biológicos Para que os hormônios tireoidianos exerçam seus efeitos biológicos nas células-alvo, eles devem se ligar a um receptor localizado no núcleo delas. Tanto o T3 quanto o T4 utilizam transporte ativo para atravessar a membrana plasmática e ter acesso a esse receptor. O receptor tireoidiano é um receptor do tipo esteroide (Berne et al, 2004; Bianco; Kimura, 1999). Foram também identificados sítios de ligação dos hormônios tireoidianos em ribossomos, mitocôndrias e membrana plasmática, gerando possíveis ações tanto pré quanto pós-transcricionais (Berne et al, 2004; St. Germain; Galton, 1997). A ação hormonal tireoidiana é ampla, exercendo papel em diversos sistemas fisiológicos e tecidos. Entretanto, de forma geral, os hormônios tireoidianos exercem ação no núcleo das células estimulando a RNA polimerase, além de promover a síntese de proteínas nucleares. Esses efeitos são acompanhados pelo aumento na biogênese das mitocôndrias e da sua respectiva taxa de respiração. Promovem também aumento na síntese mitocondrial, nos transportadores de membrana plasmática e nos de proteínas (Berne et al, 2004). Os hormônios tireoidianos aumentam
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