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Os saberes matemáticos dos fabricantes e tocadores de rabecas da festividade de São Benedito em Bragança-Pa Reinaldo José Vidal de Lima1 Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências e Matemáticas - UFPA Introdução. A experiência de 10 anos que atuei como professor da Fundação Bradesco me fez desenvolver um olhar reflexivo sobre os problemas sociais que permeiam as escolas. O resultado conseguido, como Professor Orientador do Prêmio Jovem Cientista do Futuro, retrata essa postura de professor reflexivo que tenho assumido neste processo de construção de conhecimentos sempre atento para o fazer prático do cotidiano do aluno. Assim, me proponho a desenvolver este trabalho desafiador de contribuir com a compreensão do processo de aprendizagem matemática dos artesãos e tocadores de Rabecas e conhecer a realidade cultural no qual estão inseridos. Bragança, á 210Km de Belém, é um Município da região nordeste do Estado do Pará , também conhecida por região do salgado devido à proximidade geográfica da costa marítima.Tem limite ao Norte com o Oceano Atlântico e o município de Augusto Corrêa;ao Sul com a cidade de Santa Luzia do Pará; a leste com o município de Vizeu e a oeste com a cidade de Tracuateua. É uma das cidades mais antigas do estado do Pará, com 395 nos de história.Esta situada às margens do rio Caeté, por este motivo também é conhecida como pérola do caeté.Quanto ao turismo, se destaca por ainda ter prédios históricos e a festa da marujada .A Marujada é a mais importante das manifestações folclóricas da região bragantina.Essa manifestação cultural, tem inicio no dia 18 de dezembro e culmina no dia 26 do mesmo mês, quando é celebrado o dia de São Benedito.O culto ao santo é realizado em forma de dança e música, conhecida como Marujada de Bragança.O vocábulo Marujada é derivado da palavra marujo, homem do mar. Pode ter sido utilizada pelo povo de Bragança, talvez como 1 Mestrando do PPGECM/ NPADC/ UFPA. reividal@gmail.com lembrança da chegada dos Africanos ao Brasil em navios negreiros.A festa tem grande representatividade para a população e é organizada pela igreja católica. A Rabeca é um dos elementos musicais presentes desde 03 de Novembro de 1798. Quanto a origem, é provável que tenha vindo da tradição árabe uma vez que o instrumento fora bastante difundido na Europa durante a dominação dos Mouros na Idade Média .É um instrumento que integra os gêneros tradicionais da festa como:Roda, Retumbão,Chorado,Mazuca,Xote, e Contradança. A rabeca também se insere na composição Regional da Marujada tocada pelos músicos tradicionais da cidade. (MORAES,ALIVERTI,SILVA,2006). Em recente pesquisa2 organizada pelo Instituto de Artes do Estado do Pará- IAP (2006) em parceria com a Petrobrás , realizaram registros importantes sobre a memória das Rebecas de Bragança, no qual plantaram uma semente de resgate e preservação da cultura bragantina que está em iminente processo de extinção. Atualmente, o número de fabricantes de Rebecas é bem reduzido face ao falecimento natural da grande maioria dos artesãos e tocadores de Rabecas. O mais antigo fabricante de Rabecas, Srº José Brito, faleceu no período em que era feita a pesquisa pelo IAP. Mestre Zé Brito, como era conhecido, dominava as duas artes, tanto fazia instrumentos como tocava rabecas. Foi convidado pelo IAP para ministrar uma oficina de construção de Rabecas para moradores de Bragança interessados neste oficio. O modo de construção das Rabecas do Srº José Brito era artesanal com características rústicas com forte manutenção da tradição. Atualmente, o seu filho Manuel da Costa Raiol, mantém viva essa tradição com a fabricação de Rabecas no modo bem rústico. Aprendeu por meio da observação e convivência com o pai, sem um processo formal de ensino- aprendizagem. O Srº José Brito, ao iniciar o curso como instrutor, utilizou uma linguagem simples, pois não pôde freqüentar a escola e só sabia assinar o seu nome. Conforme relato de amigos, ele sabia fazer muito bem uma Rabeca, mas teve muita dificuldade em socializar seus conhecimentos e acabou desistindo de continuar o curso na condição de instrutor. No 2 Pesquisa realizada em Bragança : Tocando a Memória das Rabecas, 2003-2006 coordenada pelo IAP- Instituto de Artes do Pará com patrocínio da Petrobrás. momento da desistência do Srº José Brito, o seu companheiro Srº Aurimar Monteiro de Araújo que estava participando da oficina como colaborador/aluno, assumiu o lugar como instrutor. Mestre Ari, como é conhecido, é um aposentado muito curioso e criativo. Ele já dominava outros ofícios como: ourivesaria, serviços de pedreiro e marcenaria. Já tinha certa experiência, na fabricação de Rabecas , em decorrência da amizade e troca de experiências que sempre tinha com o Srº José Brito e outros artesãos da região. O Sr Ari, conseguiu concluir o curso como instrutor aproveitando conhecimentos que tinha de planta baixa, utilizada na construção civil e também como marceneiro. Fez moldes e desenhou as partes da Rabeca para facilitar o aprendizado dos alunos e aproveitou uma fôrma antiga de violino que também era utilizada pelo mestre Zé Brito, no qual serviu de molde para confecção das Rabecas. Hoje, suas rabecas são mais sofisticadas que as do Mestre Zé Brito, pois Srº o Ari já utiliza outros equipamentos da marcenaria. Em algumas fases da fabricação, adota métodos artesanais como o uso de faquinhas de cozinha para fazer cortes e acabamentos que as máquinas não conseguem fazer. Neste sistema, o tempo para concluir uma Rabeca demora em média 15 dias. Na primeira entrevista concedida por este mestre, percebi o quanto a matemática se faz presente em sua fala e no momento de fazer as Rabecas.Como exemplo, podemos considerar uma das partes da Rabeca, que corresponde ao tampo do instrumento. Existe um contorno que serve como elemento decorativo em sua face. A marcação desta linha curva é feita com uma faca dobrada que corresponde a uma bitola. Ajusta-se este instrumento com a mão e faz-se um movimento continuo até fazer uma volta completa. É um modo prático e fácil de desenhar a linha. Não há intenção de fazer um desenho perfeito de acordo com as medições de um paquímetro. Basta que visualmente o desenho não apresente discrepância de medidas perceptíveis. Essa prática é um fazer matemático que pode ser diferente e variar conforme se modificam as práticas artesanais. Quando é feito em grande escala utilizam-se vários instrumentos de precisão. Nota-se que diferentes formas de fabricação podem implicar em modos diferentes de fazer matemática e formas diferentes de difundir o conhecimento. São estratégias que se modificam com o tempo, quer seja pela adoção de novas tecnologias ou por aperfeiçoamento de técnicas utilizadas pelos artesãos. Esses conhecimentos são interagidos entre indivíduos num processo natural de troca de saberes. Por meio dessas interações, os saberes matemáticos vão sendo repassados de geração a geração. Para Alan Bishop esses conhecimentos podem ser socializados dentro de uma mesma cultura num processo de enculturação. “Enculturação é um processo interpessoal e, conseqüentemente, um processo interativo entre pessoas. Neste sentido, a Enculturação Matemática não é diferente de qualquer outra enculturação”(BISHOP, 1999, 160). Uma outra abordagem refere-se ao modo de socialização dos conhecimentos dos músicos que vão sendo transmitidos entre familiares ou entre amigos. São conhecimentos que estão de forma implícita ou explicitamente interligados com a matemática. As formas de socialização são feitas dentro de um processo natural sem os moldes de formalização escolar. As pessoas convivem uma com as outras e o saber flui, pelos atos de quem sabe-e-faz, para quem não-sabe-aprende. Mesmo quandoos adultos encorajam e guia os momentos e situações de aprender de acrianças e adolescentes são raros os tempos especialmente reservados apenas para o ato de ensinar. (BRANDÃO,1981,p.18) Tocar Rabecas é uma arte que dentro de um movimento cultural vai sendo transmitida e formando novos artesãos. “A maioria aprendeu a tocar ainda na infância com os pais ou parentes mais próximos”(MORAES, ALIVERTI, SILVA,2006,p.107). Muitos sabres matemáticos estão atrelados neste processo. Um dos músicos de Bragança , o Srº Abiezer de Melo Monteiro criou um método numérico de ensinar Rabecas que durante algum tempo atendeu suas necessidades. Devido a um dos tocadores de Rabeca não conseguir tocar da mesma forma algumas músicas, padronizou através de um sistema prático e objetivo como Abiezer explica. É o que chamo de digitação. Não sei se o termo está correto, mas procurei identificar as cordas pra eles, não com nome, a principio, apenas com numerações: 1º,2º,3º e 4º cordas. Numerei os dedos: 1º,,2º,3º dedos, não usamos o quarto dedo. Conforme eu lia a partitura do Retumbão transcrevia pra eles nesse código (MORAES, ALIVERTI, SILVA,2006,p.124) A tabela inventada é um sistema que segue princípios de combinações de números através de linhas e colunas. Entretanto, este método de ensino quase não existe mais. A socialização dos conhecimentos está sendo feita pelo ensino de partituras que tem substituído o método mecânico que induzia a memorização que funcionou durante certo tempo Objetivo da pesquisa: Tenho a intenção realizar essa pesquisa de caráter analítico tomando o passado, o presente e os aspectos relacionados ao futuro das Rabecas no Município de Bragança. Pretendo considerar aspectos cognitivos, sociológicos e antropológicos dessa cultura em constante transformação que é influenciada por diversos fatores que perpassam gerações. Assim, pretendo investigar como os músicos se constituíram músicos e como os artesãos se constituíram artesãos e os diferentes saberes matemáticos atrelados a este processo que se modificam num contexto de aculturação e enculturação. Justificativa Hoje, 5 anos após o início da pesquisa feita pelo IAP, mestre Ari e outros artesãos ainda conseguem manter viva essa cultura. Em parceria com a Prefeitura Municipal de Bragança coordenam o projeto denominado “Rabecas da Amazônia: Preservação e Ensino Associação Bragantina de Música (ABM)”. A iniciativa tem como foco manter viva a tradição musical por meio da formação de músicos e da fabricação de instrumentos musicais que estão em vias de desaparecer devido aos poucos músicos e artesãos que ainda vivem na cidade. Nos últimos 6 meses, tenho acompanhado a ação desse grupo que já incorporou sua marca nas programações culturais da cidade. A escola de música acolhe crianças e jovens que recebem ensino musical de qualidade, mantêm em caráter filantrópico a orquestra de Rabecas da Amazônia, com aproximadamente 25 instrumentistas. A iniciativa já obteve reconhecimento através do Prêmio Cultura Viva/ Dez de 2007- 3º lugar na categoria Organização da Sociedade Civil. A matemática, neste contexto, está presente nas mãos talentosas dos luthiers3 e músicos que fazem emocionar qualquer platéia. A estética das proporções na construção deste instrumento já foi objeto de preocupação de vários artistas. O violino, que tem característica semelhante a Rabeca, foi criado a partir do número denominado de “número de ouro” ou segmento áureo ou relação áurea, instrumento de beleza incontestável. Em visita feita recentemente no espaço de trabalho do, Mestre Ari, constatei o quanto é presente as noções de: representações, classificação, comparação, quantificação e contagem na fabricação das Rabecas. São vários conhecimentos intrinsecamente relacionados com a matemática. Dentre eles, podemos citar alguns como: a simetria, a proporcionalidade, formas geométricas e a acústica relacionada a física. A fabricação e o ato de tocar são conhecimentos que associam a beleza da matemática com harmonia dos sons das Rabecas. Em recente reportagem de um jornal de Belém destaca- se em manchete “Construir um instrumento musical é uma arte. Exige técnica e extrema precisão matemática para trabalhar os materiais, chegar à acústica certa, às notas exatas”(O Liberal, 23/12/07). Enfatiza assim, a importância dessa cultura e suas relações com a matemática. Acredito que essa pesquisa justifique-se pelo fato de ser uma proposta de caráter investigativa dentro do pensamento antropológico e da etnomatemática resgatando aspectos históricos que se modificam num processo de enculturação e aculturação matemática. Devido a pouca disponibilidade de materiais teóricos sobre o assunto, haverá necessidade de um permanente processo de construção de conhecimentos referente ao tema que será objeto de estudo e análise juntamente com luthiers e músicos da região. A iniciativa de pesquisa sobre os fabricantes e tocadores de Rabecas de Bragança é uma oportunidade de investigar como, intrinsecamente, muitos saberes matemáticos estão relacionados com essa cultura e o quanto esses saberes se transformam e se modificam considerando as diferentes áreas do conhecimento a serem respeitadas em todos os níveis e lugares. 3 Originalmente é um profissional que trabalha com a construção de instrumentos de cordas Metodologia Para alcançar os objetivos propostos nesta caminhada de descobertas, pretendo desenvolve uma investigação qualitativa permitindo um contato direto com artesãos e tocadores de Rabecas. A observação de campo será feita por meio de entrevistas e filmagens de cunho marcadamente etnográfico Utilizarei para coleta de dados os seguintes instrumentos de pesquisa:1)Registro fotográfico do processo de fabricação,2) Registro de áudio e vídeo do processo de fabricação, 3)Diário de campo através registro escrito e em áudio das entrevistas com os tocadores e fabricantes. O objetivo desses registros é identificar os conhecimentos matemáticos atrelados ao processo de fabricação verificar como a se comportaram na aprendizagem dos mesmos. Os meios de ensino e aprendizagem serão investigados através de entrevistas explorando explicações dos artesãos da forma como se processou e se processa a formação dos músicos e os fabricantes de Rabecas. A pesquisa sobre as Rabecas,com enfoque Etnomatemático, no Município de Bragança é uma oportunidade de conhecermos a riqueza cultural inerentes a este instrumento de imensurável beleza.Após os primeiros momentos de investigações, iniciado no primeiro semestre de 2008, já foi possível verificar as inúmeras possibilidades de aprofundamento sobre o tema e ampliação da fundamentação teórica.Muitos saberes ainda serão analisados nesta teia de conhecimento.Pretendo portanto, até o final de 2009,pesquisar a dinâmica do processo de enculturação e aculturação matemáticas que ocorrem com as Rabecas de Bragança-Pa. Referências D’AMBRÓSIO, U. Etnomatemática: Elo entre as tradições e a modernidade. Belo Horizonte: Autêntica, 2005. D’AMBRÓSIO, U.Etnomatemática,São Paulo:Ática,1993 BRANDÃO, C. R. O que é Educação, São Paulo:Brasiliense 49º reimpr da 1 ed de 1981 BISHOP, A.J. Enculturacion mtem´tica: La educación matemática desde uma pesrpectiva cultural. Buenos Aires: aidós,1999. OLIVEIRA, M. K. de. Vigotsky:aprendizado e desenvolvimento.Um processo histórico. São Paulo: Scipione., 1993. SILVA, F. L da. A Natureza me disse. ALMEIDA, M. da C. de ; CENCIG, P. V. (org). Natal: Flecha do Tempo,2007. MORAES, M.J.P.C; ALIVERTI,M.J.;SILVIA,R.M.M., Instituto de Artes do Pará – Tocando a Memória das Rabecas, Belém:IAP,2006 Instrumentos para a vida.O LIBERAL,Belém, 05 de dezembro de 2008. Notícias,Magazine. Disponível em WWW.oliberal/interna acesso em: 05/12/07
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