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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE SOCIOLOGIA E CIÊNCIA POLÍTICA CURSO DE CIÊNCIAS SOCIAIS Disciplina: Psicologia Social Professora: Tatiana Minchoni Discente: Ana Lívia de Lima Camargo (20103554) Representações sociais e a formação da subjetividade no capitalismo neoliberal Na psicologia social existem diversas abordagens e perspectivas diferentes, tanto no campo da psicologia social sociológica, quanto da psicologia social psicológica. Partindo de uma abordagem da psicologia social crítica, a teoria das representações sociais localiza-se na encruzilhada de conceitos sociológicos e psicológicos, mesmo sendo considerada mais próxima do campo social, abarcando elementos da realidade social e os processos cognitivos que a isso respondem. Os conceitos de subjetividade e identidade são fundamentais dentro da psicologia crítica e, a partir deles, nota-se de grande importância problematizar a maneira com que as subjetividades e as identidades são construídas dentro de diferentes contextos, bem como no capitalismo neoliberal que se faz predominante no mundo. A Teoria das Representações Sociais é uma teoria científica social desenvolvida pelo psicólogo social Serge Moscovici que investigou as representações sociais por meio do estudo da psicanálise. A teoria de Moscovici rompeu com a tese de que o senso comum configura uma forma inferior de conhecimento em comparação ao pensamento científico que ocupa um lugar superior e mais adequado na linha de progresso dos conhecimentos. Em oposição a essa ideia, a teoria das representações sociais presume a transformação de um tipo de conhecimento em outro pertinente às condições sócio-históricas e culturais específicas. Ou seja, para Moscovici (Marková, 2017), não existe uma hierarquia de conhecimentos, o conhecimento científico transforma-se em conhecimento popular ao sair do meio científico e chegar à realidade popular. Seu interesse aqui está em entender como as pessoas que estão fora da academia se apropriam da ciência e a inserem em seu cotidiano e de que modo as teorias científicas são apropriadas, transformadas e utilizadas pelas pessoas comuns em seu dia a dia. Assim, ele estuda o processo mental de tornar familiar o não familiar, ao transformar uma realidade estranha em algo comum, não necessariamente comum a todas as pessoas, mas comum a uma pessoa dentro da sua subjetividade e/ou do grupo que ela faz parte. Representações sociais refletem a maneira com que percebemos o mundo, como cada indivíduo dentro das suas particularidades históricas, culturais e sociais atribui sentido aos estímulos e acontecimentos externos a ele, sendo elas um produto das interações sociais cotidianas do sujeito ou grupo em que este se encontra inserido. A linguagem e a comunicação são dois fenômenos essenciais para o conceito de representações sociais. As representações sociais possuem aspectos culturais, cognitivos e valorativos (ideológicos), além de uma dimensão histórica e transformadora, uma vez que produzem subjetividades e por elas são produzidas. Cognitivamente, são elas que explicam a realidade, guiam e justificam os comportamentos e práticas sociais dos indivíduos, afetando suas capacidades de fazer escolhas éticas, além de favorecerem e protegerem as identidades grupais. Durante o processo de conhecer uma nova ideia, ocorre uma internalização desta ideia, uma reorganização do conhecimento anterior e posteriormente a construção de novos conhecimentos, tudo isso sempre em interação com o outro. Segundo Marková (2017), a principal contribuição teórica dos estudos de Moscovici e Jodelet, outro importante nome no campo da teoria das representações sociais, foi a noção de interdependência das pessoas e seus contextos socioculturais. Cada sujeito se constrói na pluralidade do contexto social em que está inserido, por meio das relações que vivencia e, a partir disso, produz significações e sentidos para os estímulos que recebe do mundo. As representações sociais são a maneira com que significamos o mundo, a maneira com que atribuímos sentido tanto às experiências privadas, particulares e afetivas, quanto a sistemas de pensamento mais amplos. Esse sujeito, que é produtor de sua própria história, afeta também a vida de cada uma das pessoas com que acaba por interagir ao longo do tempo. Se o sujeito é produzido socialmente, cada pessoa se torna produtora de sua própria história e da história dos outros que encontra e afeta, quanto produto dessas mesmas interações que acabam por afetá-lo. Portanto, na psicologia, a subjetividade se trata do que o sujeito é, considerando-o afetado pelas experiências vividas, relações e o contexto em que ele está inserido, visto que cada pessoa enxerga o mundo de forma subjetiva e singular. Por outro lado, há também a objetividade que refere-se às ações do indivíduo que, dentro de sua subjetividade, afeta o mundo. A subjetividade somada à objetividade formam a identidade do sujeito por meio de um processo aberto e constante, assumindo assim um caráter completamente mutável, jamais estático ou algo pronto e definitivo, devido à sua constante construção e o constante movimento da vida. Segundo Sousa Santos, citado por Maheirie (2002), a identidade é, antes de tudo uma categoria política, uma espécie de escudo de defesa de si perante a ameaça do outro. A partir do momento que ela envolve questões de poder passa a ser política. A identidade se refere tanto ao que aproxima quanto ao que diferencia dos outros, podendo formar uma noção de pertencimento a certos grupos ou coletivos, mas sem perder seu aspecto primeiro de caracterização individual. Michel Foucault, em sua obra Vigiar e Punir (1975), fala a respeito da docilização dos corpos através da disciplina e suas diversas ferramentas e técnicas para tornar o corpo útil economicamente e dócil politicamente. O corpo se torna objeto e alvo de poder passível ao controle disciplinar por meio de técnicas minuciosas que sustentam a dominação, a microfísica do poder. Ao considerarmos que as subjetividades e identidades se formam no contexto dessas relações poder-disciplina visando uma utilidade, como aponta Foucault, podemos traçar um paralelo com o artigo Subjetividad y psicología en el capitalismo neoliberal de David Pavón-Cuéllar (2017) que trata da posição que a psicologia ocupa e a função que ela desempenha dentro do capitalismo liberal e neoliberal. Segundo Pavón-Cuéllar (2017), Foucault foi o precursor e segue sendo uma grande referência nas reflexões acerca dos efeitos do neoliberalismo na subjetividade. “Estas reflexiones, que se han multiplicado en la última década, suelen partir de la concepción foucaultiana del sujeto neoliberal como un homo œconomicus intrínsecamente competitivo que se desempeñaría como empresario de sí mismo (Foucault, 2007)”. Essa noção individualista neoliberal, com a ajuda da psicologia, molda a subjetividade dos indivíduos sob o sistema capitalista, fazendo com que o indivíduo se torne “el egoísta interesado, posesivo y competitivo, insaciable y sin escrúpulos, que tiende a desentenderse de la política y a vivir sólo para sí mismo al negociar y especular, opinar y votar, gobernar y gobernarse, trabajar y trabajarse, vender y venderse, explotar al otro y explotarse a sí mismo, consumir y consumirse”. (PAVÓN-CUÉLLAR, 2017, p. 595) Essa tese contraria, ainda segundo Foucault, comentado por Pavón-Cuéllar (2017), as diversas expressões culturais e históricas que comprovam que essa subjetividade neoliberal não faz parte da natureza humana (cf. Foucault, 2007). Pavón-Cuéllar defende, então, em seu artigo, que a psicologia desempenhou e desempenha um papel fundamental na produção e manutenção desse ideal de sujeito neoliberal que hoje existe e se reproduz. Um homo psychologicus individualista e disciplinado que serve aos interesses do capital, não somente através de coerção externa, mas também por meio de um condicionamentomental que o coloca na posição que mais o fará útil para a manutenção do sistema capitalista. Há uma subjetividade específica criada no neoliberalismo que a psicologia ajuda a produzir. Essa subjetividade passa pela docilização através de ferramentas individualizantes para reproduzir o capitalismo e mantê-lo vivo. Se as representações sociais tratam-se da maneira com que as pessoas, em suas subjetividades, significam e dão sentido ao mundo à sua volta, em uma realidade capitalista neoliberal caracterizada pela coisificação de subjetividades, as representações dos sujeitos se darão de forma distorcida em favor do capital, para que estes não se vejam em sua potência real, mas internalizem e acreditem nessa imagem a eles colocada. Para que se tornem apenas corpos dóceis e úteis como engrenagens de máquinas descolados de qualquer senso de coletividade, reproduzindo sem questionamentos o sistema que os transforma em meras mercadorias e deles tira o direito de viver a própria vida. “Este sistema sigue siendo, ahora como en siglos pasados, lo que debe destruirse para salvar a sus víctimas”. (PAVÓN-CUÉLLAR, 2017, p. 604) Referências Foucault, M. (2007). Nacimiento de la biopolítica. Buenos Aires: FCE. (Original publicado en 1979). Foucault, Michel – 1975[1987]. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Petrópolis: Vozes. Marková, I. (2017). A fabricação da teoria de representações sociais. Cadernos de Pesquisa. Maheirie, K. (2002). Constituição do sujeito, subjetividade e identidade. Interações. Pavón-Cuéllar, D. (2017). Subjetividad y psicología en el capitalismo neoliberal. Revista Psicologia Política.
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