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ANTROPOLOGIA DA RELIGIÃO

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ANTROPOLOGIA 
DA RELIGIÃO 
 
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
 > Sintetizar o processo evolutivo do ser humano e das sociedades.
 > Reconhecer a presença e a ausência da noção da transcendência no pensa-
mento religioso e no pensamento científico.
 > Identificar as diversas fases da evolução: da colheita de frutas ao mundo 
moderno.
Introdução
A passos lentos, mas contínuos, o ser humano e as sociedades caminham em 
direção à dessacralização e à laicização, respectivamente. Os encontros e desen-
contros desses polos opostos, primitivos e modernos, não significa, exatamente, 
uma ruptura, pois o processo ocorre pela assimilação do homo religiosus, que, 
por meio de experimentos, vai se reconstruindo e adaptando aos novos tempos, 
dessacralizados.
A evolução do 
ser humano: do 
pensamento religioso 
ao pensamento 
científico
Valter Borges dos Santos
Como todo processo, ele não ocorre de forma abrupta, cartesiana: há vestígios 
antigos na modernidade que, na intersecção de mudanças, vão se preservando 
sob novas interpretações. Por isso, apesar do advento das novas tecnologias e 
da tentativa de substituir a divindade, o homem moderno ainda carrega aspectos 
do homo religiosus, que, latente, encontra dificuldades de se manifestar, pois há 
carência do impulso externo, das hierofanias, que é a ausência da percepção da 
divindade no cosmos, agora dessacralizado, opaco, vazio.
Neste capítulo, falaremos do processo evolutivo do ser humano e das so-
ciedades a partir do enfoque antropológico. Especificamente, explicaremos a 
presença e a ausência da noção de transcendência no pensamento religioso e no 
pensamento científico, bem como analisaremos as diversas fases da evolução: 
da colheita de frutas ao mundo moderno, em períodos étnicos.
Da religião à ciência: caminhada evolutiva
O pensamento evolucionista, que trata da evolução como explicação para a 
diversidade cultural, não está ancorado na célebre obra de Charles Darwin 
(1809–1882), A origem das espécies por meio da seleção natural, isto é, na 
evolução biológica. Essa ideia de Darwin, grandemente disseminada entre os 
europeus cultos, era, na verdade, pouco compreendida. A ideia de progresso 
evolutivo que pululava entre eles tinha como “[...] imagem mais comum uma 
‘escada’ cujos degraus estão dispostos numa hierarquia linear” (CASTRO, 
2005, p. 12).
Esse pensamento linear progressivo era a ideia corrente, em meados 
de 1870, e, somado às descobertas arqueológicas na Inglaterra e na França, 
levou ao “[...] enorme alargamento do tempo histórico da espécie humana, 
para muito além dos cerca de cinco mil anos apontados pela tradição bíblica” 
(CASTRO, 2005, p. 12), e fez pensar que os seres humanos descendiam de uma 
espécie inferior, extinta há muito tempo.
Evidentemente, Darwin influenciou teólogos, filósofos, políticos e antro-
pólogos; porém, foi Herbert Spencer (1820–1903), filósofo inglês, que pro-
vocou mais impacto entre os autores que estudavam o progresso humano, 
como Lewis Henry Morgan e Edward Burnett Tylor. Foi Spencer, de fato, quem 
popularizou o termo evolução, que Darwin somente usaria na 6ª edição de 
sua obra. Dessa forma, foi sob a influência de Spencer que uma única escala 
evolutiva ascendente, por meio de vários estágios, tornou-se a ideia central 
do evolucionismo na antropologia (ao contrário de Darwin, que não propu-
nha qualquer direção em sua teoria, muito menos “progressos unilineares”) 
(CASTRO, 2005).
A evolução do ser humano: do pensamento religioso ao pensamento científico2
Longe de servir de base para ideias hierarquizadas, nas quais os 
antigos eram considerados inferiores, e os modernos, superiores, 
o evolucionismo não transforma a gigantesca diversidade cultural humana em 
uma lógica permeada pela sobrevivência dos mais fortes, mas na ideia de “[...] 
reduzir as diferenças culturais a estágios históricos de um mesmo caminho 
evolutivo” (CASTRO, 2005, p. 13).
A ideia evolucionista, na antropologia, baseava-se no entendimento de 
que o desenvolvimento das sociedades humanas ocorreu em estágios su-
cessivos. Segundo Castro, “[...] o postulado básico do evolucionismo em sua 
fase clássica era, portanto, que, em todas as partes do mundo, a sociedade 
humana teria se desenvolvido em estágios sucessivos e obrigatórios, numa 
trajetória basicamente unilinear e ascendente” (CASTRO, 2005, p. 14). Assim, 
a humanidade toda, obrigatoriamente, passava pelos mesmos estágios, se-
guindo uma direção do mais simples ao mais complexo, do mais indiferenciado 
ao mais diferenciado.
Morgan afirmava que a evolução era natural e necessária, argumentando 
que a humanidade teve um único início, que seus caminhos também foram 
únicos, por meios diferentes, mas uniformes, em todos os continentes, e muito 
semelhantes em todas as tribos e nações da humanidade, que se encontram 
no mesmo status de desenvolvimento (CASTRO, 2005). Nas palavras de Castro, 
uma “[...] unidade psíquica de toda a espécie humana, a uniformidade de seu 
pensamento” (CASTRO, 2005, p. 14). Essa definição era um contraponto a uma 
ideia anterior da antropologia, a de que havia origens diferentes e, portanto, 
uma hierarquia entre os humanos.
Tylor refutava a ideia poligenista das múltiplas origens e a hierarquização 
entre as sociedades humanas e entendia ser “[...] tanto possível, quanto dese-
jável, eliminar considerações de variedades hereditárias, ou raças humanas, 
e tratar a humanidade como homogênea em natureza, embora situada em 
diferentes graus de civilização” (CASTRO, 2005, p. 14). Apesar disso, quanto 
ao monogenismo, os autores tinham dificuldades de tratar sobre questões 
das múltiplas diferenças entre os humanos, e acabavam se contradizendo.
Poligenismo é a concepção antropológica que entende que o ser 
humano tem sua origem em várias linhagens. Monogenismo, por sua 
vez, defende a ideia de que a origem do ser humano descende de um ancestral 
comum. Houve debates intensos sobre esses conceitos entre os antropólogos 
clássicos. 
A evolução do ser humano: do pensamento religioso ao pensamento científico 3
O caminho evolutivo adotado pela antropologia clássica de Morgan, Tylor 
e Frazer oferecia uma visão museológica dos povos considerados exóticos, 
ou não ocidentais. Eles seriam “[...] representantes de etapas anteriores da 
trajetória universal do homem rumo à condição dos povos mais ‘avançados’; 
como exemplos vivos daquilo ‘que já fomos um dia’” (CASTRO, 2005, p. 14). 
Frazer, metaforicamente, entendia o selvagem como um tipo de “documento 
humano”, enquanto Morgan entendia que o cerne dos comportamentos hu-
manos dos selvagens, especialmente da família humana, ainda se encontrava 
nos humanos considerados evoluídos, apesar dos estágios de evolução pelas 
quais a humanidade atravessou (CASTRO, 2005).
Com a carência do desenvolvimento da arqueologia para elucidar dúvidas 
ou confirmar pressupostos, nessa época os estudos das sociedades avan-
çavam de modo a permitir reconstruir a trajetória evolutiva da humanidade, 
por etapas, com base no estudo das sociedades menos desenvolvidas, como 
a dos aborígenes australianos. Isso permitia associar o comportamento 
dessas sociedades exóticas com as antigas, de modo a complementar os 
relatos greco-romanos.
Frazer sintetizou esse pensamento quando relacionou as sociedades 
primitivas às contemporâneas, como em uma comparação entre crianças e 
adultos. Assim, nas palavras de Frazer, “[...] exatamente como o crescimento 
gradual da inteligência de uma criança corresponde ao crescimento gradual 
da inteligência da espécie [...] assim também um estudo da sociedade sel-
vagem em vários estágios de evolução” (CASTRO, 2005, p. 15). Frazer admite 
a possibilidade de compreender o homem primitivo ao analisar o homem 
exótico de hoje. Dessa forma, para Frazer, a selvageria é a condição primitiva 
da humanidade (CASTRO, 2005).
A antropologia evolucionista, portanto, apropria-se do método compara-
tivo (já empregado na anatomia e na linguística) para contrastar as sociedades 
exóticas atuaise preencher as lacunas evolutivas da cultura humana, a fim 
de compreender as sociedades primitivas. Usando o método comparativo, 
portanto, foi possível considerar a variedade dos grupos humanos a partir 
das condições externas que fizeram o ritmo de evolução dos grupos humanos 
ser diferente (CASTRO, 2005).
Para Tylor, nessa análise comparativa, primeiramente é necessário de-
talhar e classificar as civilizações estudadas e estabelecer sua distribuição 
geográfica e histórica, verificando a relação entre elas. A ideia de progresso 
está profundamente enraizada em nossas mentes, a ponto de Tylor considerar 
A evolução do ser humano: do pensamento religioso ao pensamento científico4
que “[...] reconstruímos, sem escrúpulos, a história perdida, confiando no 
conhecimento geral dos princípios do pensamento e da ação humana como 
um guia para pôr os fatos em sua ordem apropriada” (CASTRO, 2005, p. 15).
Castro nos informa que há, ainda, outro elemento importante na concepção 
do evolucionismo das culturas: trata-se do conceito de sobrevivência. Tylor 
entende esse conceito como aspectos mentais que sobrevivem em novos 
formatos nas sociedades atuais em relação às sociedades antigas, ou seja, 
aspectos que evoluíram. São “[...] processos, costumes, opiniões, e assim 
por diante, que, por força do hábito, continuaram a existir” (CASTRO, 2005, p. 
15). Frazer diz que são lembranças de práticas materiais e mentais que ficam 
como fósseis nas culturas atuais:
O estudo científico das “sobrevivências” autorizava o antropólogo a recorrer, 
portanto, não apenas às sociedades “selvagens”, como também à sua própria 
sociedade. Tal procedimento ampliava enormemente o campo de investigação, 
permitindo que se incorporasse à antropologia aquilo que se costumava designar 
como “folclore” (CASTRO, 2005, p. 16).
De forma universalista, a antropologia evolucionista se pautava no 
chamado teste de recorrência, no qual, segundo Tylor, não se poderia 
atribuir ao acaso diversos relatos encontrados em várias sociedades geográfica 
e historicamente diferentes (CASTRO, 2005).
Academicamente, havia críticas sobre as pesquisas feitas, quase exclusi-
vamente em gabinetes, embora Morgan fizesse viagens etnográficas. A an-
tropologia evolucionista acabou estigmatizada como armchair anthropology. 
Sem o mesmo prestígio que alcançou na segunda metade do século XVII, a 
antropologia evolucionista, nas letras de Morgan, ainda aparece, embora 
reformulada e adotando interpretações multilineares, com base das ideias 
de Marx, Engels, Leslie White, Julian Steward e do brasileiro Darcy Ribeiro.
Embora reconhecendo sua importância para a compreensão da evolução 
do pensamento, tratando-se de uma natureza psicológica (portanto, também 
do imaginário), para Morgan, a religião traz dificuldades imensas. Para ele, 
“[...] as religiões primitivas são grotescas e, numa certa medida, ininteligíveis” 
(CASTRO, 2005, p. 24). Eliade fornece elementos esclarecedores sobre isso no 
livro O sagrado e o profano: a essência das religiões.
A evolução do ser humano: do pensamento religioso ao pensamento científico 5
Segundo Mircea Eliade, para o homem moderno, é difícil compreender o 
pensamento do homo religiosus, por conta de sua limitada compreensão das 
religiões exóticas, primitivas, mitológicas, antigas. A compreensão religiosa do 
homem moderno se restringe ao cristianismo, às conhecidas religiões mun-
diais como hinduísmo, judaísmo, budismo e islamismo, em suas concepções 
contemporâneas. Essa restrição o impede de compreender as recorrências 
e sobrevivências do universo mental do homo religiosus. 
Embora a percepção existencial do homo religiosus não se restrinja 
aos livros sagrados, a pesquisa etnográfica permite conhecer o folclore de 
comportamentos de situações variadas de regiões europeias diferentes, 
recuperando a compreensão, ainda hoje, que denotaria “[...] um estado de 
cultura mais arcaico do que aquele testemunhado pela mitologia da Grécia 
clássica” (ELIADE, 1992, p. 79). É necessário compreender a situação existencial 
do mundo primitivo “[...] dos caçadores totemistas, das populações ainda no 
estágio da caça miúda e da colheita” (ELIADE, 1992, p. 80), ou seja, do homem 
imerso na sociedade primitiva, que caracteriza o homo religiosus.
Vejamos, portanto, como Eliade percebe as sobrevivências e recorrências 
entre o homem primitivo e o homem contemporâneo, a partir da evolução 
do pensamento religioso ao pensamento científico. Eliade (1992) demonstra 
que essas duas cosmovisões estão presentes no homem contemporâneo, 
em que sagrado e profano se articulam como elemento psíquico que traz 
lembranças transcendentais, mesmo na modernidade da sociedade laica e 
do pensamento dessacralizado.
As recorrências e sobrevivências entre o ser humano primitivo (reli-
gioso) e o ser humano moderno (a-religioso) se entrecruzam, tendo o 
pensamento religioso como característica marcante das sociedades primitivas 
e como o pensamento inicial, que evolui para o pensamento científico. Essa 
evolução não substitui o pensamento religioso, mas o adapta conforme avança 
o processo de dessacralização na história. Assim, o caráter do pensamento 
científico está repleto de sugestões que revelam princípios, pistas, éticas e 
lógicas religiosas, em uma combinação não excludente, mas complementar, 
adaptativa. Embora se entenda que, no homem contemporâneo, haja choque 
entre as duas formas de pensar, há mais aproximações do que distanciamentos.
Na próxima seção, veremos como a experiência religiosa demarcou o 
pensamento e o comportamento dos primitivos, imersos na cosmovisão 
do sagrado, isto é, na sacralização, a fim de entender sua evolução e sua 
adequação ao homem contemporâneo, dessacralizado. Nosso fio condutor 
serão os conceitos de recorrências e sobrevivências.
A evolução do ser humano: do pensamento religioso ao pensamento científico6
Transcendência: entre o religioso 
e o científico
A experiência religiosa, tema tratado por Rudolf Otto na obra Das Heilige 
(1917), é o escopo da análise de Mircea Eliade, da qual emprestamos o debate 
sobre a presença e a ausência da noção de transcendência no pensamento 
religioso e no pensamento científico. 
Eliade esclarece que o sagrado “[...] não era o Deus dos filósofos, o Deus 
de Erasmo, por exemplo; não era uma ideia, uma noção abstrata, uma simples 
alegoria moral. Era, pelo contrário, um poder terrível, manifestado na ‘cólera’ 
divina” (ELIADE, 1992, p. 12). O mysterium tremendum gera um sentimento 
de pavor e de temor diante do mysterium fascinans. Essas experiências são 
consideradas numinosas, porque são provocadas pela revelação de um as-
pecto do poder divino. Diante do “totalmente outro”, o ser humano vê sua 
limitação, ao ponto da nulidade, em razão da grandiosidade da experiência 
da relação com o sagrado. Eliade identifica que a “[...] primeira definição que 
se pode dar ao sagrado é que ele se opõe ao profano” (ELIADE, 1992, p. 13). 
Dessa forma, a ideia de sagrado será sempre apresentada, como fez Eliade, 
em dualidade oposta com o profano.
Para ilustrar a ideia de como o sagrado se mostra e manifesta, Eliade (1992) 
propõe o termo hierofania, que exprime que algo de sagrado se revela. Os 
múltiplos fenômenos religiosos, portanto, revelam as múltiplas hierofanias que 
ocorreram, e ocorrem, na história humana. Essas hierofanias, segundo Eliade 
(1992), podem ser interpretadas, pelos seres humanos primitivos, diferente-
mente de como o ser humano moderno as interpreta, e de modo distinto, ainda, 
entre os primitivos e modernos de regiões diferentes de uma mesma época. 
Dessa forma, “[...] a manifestação do sagrado num objeto qualquer, uma 
pedra ou uma árvore — e até a hierofania suprema, que é, para um cristão, 
a encarnação de Deus em Jesus Cristo, não existe solução de continuidade” 
(ELIADE, 1992, p. 13). Quando os primitivos percebiam a manifestação do 
sagrado em pedras, por exemplo, não significava uma adoração/veneração 
à pedra: “[...] são hierofanias, porque‘revelam’ algo que já não é nem pedra, 
nem árvore, mas o sagrado, o ganz andere” (ELIADE, 1992, p. 13). 
Eliade (1992) esclarece que a manifestação do sagrado em objetos 
os sacraliza, de forma que se tornam um meio de contato com o 
sagrado, não o próprio, sem, contudo, mudar sua substância. Assim, para quem 
tem uma experiência religiosa, toda a natureza é suscetível de revelar-se como 
sacralidade cósmica.
A evolução do ser humano: do pensamento religioso ao pensamento científico 7
Nesse sentido, diante do desejo de estar no cosmos em oposição ao 
caos, os primitivos buscavam viver o mais próximo possível do sagrado e 
dos objetos sagrados. Assim, sagrado e profano podem ser identificados 
como real e irreal para o primitivo, respectivamente. A busca, portanto, do 
primitivo está em “[...] participar da realidade, saturar-se de poder” (ELIADE, 
1992, p. 14). Para ele, a realidade é transcendental.
Analisar o pensamento do homem primitivo (homo religiosus) é compre-
ender como ele se esforça para se manter o máximo de tempo possível em 
um universo sagrado. Mas não só. A comparação com seu contrário, o homem 
dessacralizado, permite identificar “[...] como se apresenta sua experiência 
total da vida em relação à experiência do homem privado de sentimento 
religioso, do homem que vive, ou deseja viver, num mundo dessacralizado” 
(ELIADE, 1992, p. 14). Dessa forma, é possível reconhecer a presença e a ausên-
cia da noção da transcendência no pensamento religioso e no pensamento 
científico.
Mircea Eliade (1992) apresenta dois mundos de pensamentos distintos: 
1. o pensamento religioso, que se pauta naquele mundo cujo princípio 
se circunscreve na completude, na perfeição, conduzindo o homo 
religiosus a comportamentos que suprem a necessidade de voltar 
àquele tempo mítico; 
2. o pensamento científico, que considera que a perfeição não está nos 
mitos, nas arquês, mas no futuro, e que a evolução se encontra nessa 
direção específica.
A relação do ser humano com o cosmo, em sua totalidade, sempre foi o 
espaço privilegiado do sagrado, na maior parte da história humana, enquanto 
“[...] o mundo profano na sua totalidade, o cosmos totalmente dessacralizado, 
é uma descoberta recente na história do espírito humano” (ELIADE, 1992, 
p. 14, grifo nosso). Assim, no contraste, percebemos como o pensamento 
religioso evolui para o pensamento científico: a partir da dessacralização, ou 
afastamento do sagrado do cotidiano e do pensamento humano.
Eliade (1992) caracteriza que o “fosso” oposto entre as dimensões do 
sagrado e do profano é enorme. Isso é perceptível em várias dimensões: no 
espaço sagrado, na construção ritual das casas, nas experiências no templo, 
nas relações do homem primitivo com a natureza, no universo dos utensílios, 
na consagração da vida e na própria sacralidade, que se desdobra em atribui-
ções da própria vida como o trabalho, a alimentação e a sexualidade. Tudo 
isso, para o homem religioso, reveste-se de sacralidade, um sacramento, uma 
A evolução do ser humano: do pensamento religioso ao pensamento científico8
forma de comunhão com o sagrado. Para o homem contemporâneo, trata-se 
de “um ato fisiológico — a alimentação, a sexualidade etc. — não é, em suma, 
mais do que um fenômeno orgânico, qualquer que seja o número de tabus 
que ainda o envolva” (ELIADE, 1992, p. 14).
Percebe-se, sensivelmente, que há dois “centros” que denunciam 
formas diferentes de se relacionar com a realidade. O conhecimento 
de cada um deles capacita o ser humano, conectado nessa trama, a lidar com a 
realidade, de modo que gravitam, em torno desses centros, modos específicos 
de pensar, agir, falar, etc., com todos os aspectos da vida que interagem com 
o ambiente envolvente. Nas palavras de Eliade (1992, p. 15), “[...] o sagrado e 
o profano constituem duas modalidades de ser no mundo, duas situações 
existenciais assumidas pelo homem ao longo da sua história”. Dessa forma, 
as dimensões existenciais do ser humano, isto é, o modo de pensar, o modo 
de ser — seja sagrado ou profano — dependem das diferentes posições que o 
homem conquistou no cosmos.
Embora o homo religiosus tenha, como centro, o sagrado, seus compor-
tamentos estão na mesma base do homem contemporâneo dessacralizado 
— ou seja, há um padrão de comportamento do ser humano que se aproxima, 
independentemente do tempo e do espaço em que vivem/viveram. Mesmo 
diante de suas condicionantes culturais, de obstáculos e de tabus, criam-se 
os pensamentos que lhe são verdadeiros: sagrado ou profano (ELIADE, 1992).
Objetivando diferenciar a dimensão religiosa da profana, Eliade (1992) pro-
põe renunciar, momentaneamente, às condicionantes culturais, econômicas 
e de organização social, para focar em uma dimensão de aproximações entre 
essas duas cosmovisões. “[E]ntre os caçadores nômades e os agricultores 
sedentários, há uma similitude de comportamento que nos parece infinita-
mente mais importante do que suas diferenças” (ELIADE, 1992, p. 16), uma vez 
que vivem em uma mesma dimensão: o mundo sacralizado. Assim, segundo 
Eliade (1992, p. 16), “[...] do mesmo modo, damo-nos conta da validade das 
comparações entre fatos religiosos pertencentes a diferentes culturas: todos 
esses fatos partem de um mesmo comportamento, que é o do homo religiosus”.
O entendimento dos primitivos era de que o mundo fora criado pelos 
deuses e de que “[...] a própria vida do cosmos é uma prova de sua santidade, 
pois ele foi criado pelos deuses e os deuses mostram-se aos homens por 
meio da vida cósmica” (ELIADE, 1992, p. 80). O homem, ao se ver como micro-
cosmos, reencontra, em si, a santidade que reconhece no cosmos, e sua vida 
se pauta por essa realidade cósmica. Eliade (1992) denota essa experiência 
como transumana, portanto, cósmica, ou, ainda, “existência aberta”. O homo 
A evolução do ser humano: do pensamento religioso ao pensamento científico 9
religiosus, então, tem sua existência “aberta” ao mundo, que percebe parte 
do cosmo vivendo nele, em seu interior. Essa vida aberta não se dá de forma 
inconsciente, mas “[...] permite ao homem religioso conhecer-se, conhecendo o 
mundo — e esse conhecimento é precioso para ele porque é um conhecimento 
religioso, refere se ao ser” (ELIADE, 1992, p. 81).
Uma vez que a vida, para o primitivo, é uma vida santificada, ela se des-
dobra de forma dupla: “[...] como existência humana e, ao mesmo tempo, 
participa de uma vida transumana, a do cosmos ou dos deuses” (ELIADE, 
1992, p. 81). Dessa forma, tudo que o homem faz tem conotação religiosa, 
inclusive as principais funções fisiológicas. Ao homem dessacralizado, por 
sua vez, “[...] todas as experiências vitais — tanto a sexualidade como a ali-
mentação, o trabalho como o jogo — foram [...] desprovidas de significado 
espiritual” (ELIADE, 1992, p. 81). Para o homo religiosus, porém, não só aos atos 
fisiológicos, mas também a regiões e a fenômenos cósmicos são atribuídos 
significados religiosos. O ato de comer se torna um sacramento e a prática 
sexual é ritualizada, assimilada aos fenômenos cósmicos (chuvas, semeadura) 
e aos atos divinos (hierogamia, Céu, Terra).
Essas correspondências antropocósmicas são encontradas, também, 
nas religiões mais evoluídas, demonstrando a sacramentalização da vida 
fisiológica. Viver em dois planos, para o homo religiosus, significa transpor 
a vida da experiência humana para o transcendente, cósmico, transumano. 
Igualmente, a habitação, para o homo religiosus, é um microcosmos, mas não 
só: seu corpo é um microcosmos.
Essas ideias são reinterpretadas pelas religiões e pelas filosofias evoluídas 
no decorrer da história, chegando à modernidade, a exemplo do pensamento 
religioso indiano, cujo religioso “cosmiza” o universo, bem como sua casa, 
que são tratados como corpo humano. Nessa compreensão, há um canal 
de trânsito para o outro mundo, o dos deuses, na parte superior, onde, por 
ocasião da morte, há correspondências de que a “[...] a alma do morto sai pela 
chaminé” (ELIADE, 1992, p. 84). Essas ideiasreligiosas são inconcebíveis ao 
homem dessacralizado por dois motivos: não vive em um mundo sacralizado, 
e, portanto, a morte foi dessacralizada. Ele já não se dá conta de que ter um 
corpo e instalar-se em uma casa equivale a assumir uma situação existencial.
Para o homem a-religioso, nada disso tem significado. Seus valores não 
correspondem àqueles da cultura primitiva no que concerne “[...] a seu corpo, sua 
casa e seu universo” (ELIADE, 1992, p. 86). A casa e o corpo do homem moderno 
perderam os valores religiosos, cosmológicos. Eliade (1992, p. 86) é taxativo: 
“[...] para os modernos desprovidos de religiosidade, o cosmos se tornou opaco, 
inerte, mudo: não transmite nenhuma mensagem, não carrega nenhuma ‘cifra’”.
A evolução do ser humano: do pensamento religioso ao pensamento científico10
Na Contemporaneidade, há, entretanto, sentimentos religiosos, no ho-
mem a-religioso, que ainda persistem, exclusivamente na zona rural. Ali, 
as populações ainda “respiram” uma religiosidade pautada no sentimento 
de santidade. Na sociedade urbana, industrializada, o cristianismo perdeu 
seus valores cósmicos. Sua experiência religiosa agora aflora no âmbito es-
tritamente privado, não mais acessível ao cosmos. O mundo já não é sentido 
como obra de Deus. Ao contrário, ele é o caos, não deve ser habitado por não 
ser mais cosmizado.
A relação corpo-casa, vista como imago mundi, tem papel importante nas 
mitologias e nos ritos arcaicos. Os formatos das urnas funerárias de cultu-
ras arcaicas se assemelham a casas e possuem uma abertura superior que 
permite, à alma, entrar e sair. Esse pensamento encontra correspondência 
na estrutura cósmica, na ideia de passagem: das trevas para a luz, da vida 
para a morte. Assim, torna-se, por correspondência, a passagem para outro 
mundo, do devir, da renovação, e repetição da cosmogonia. 
Essa ideia de passagem se antropocosmiza fisiologicamente na exis-
tência humana. Exprime que, uma vez nascido, deve renascer, dessa vez 
espiritualmente. Nesse processo, chega à plenitude, pelos ritos de passagem, 
ou iniciações consecutivas. O simbolismo de passagem também é visto na 
configuração dos caminhos das casas e dos locais de trabalho, nos caminhos, 
nas pontes, nas ruas estreitas, na passagem perigosa e de difícil travessia. A 
dificuldade dessas passagens assume, na mitologia e nos rituais, a ideia de 
dificuldade de transição e, portanto, o rito de passagem se reveste de uma 
importância religiosa de grande significância para o homo religiosus. Seja a 
“porta estreita” de acesso ao Pai, no cristianismo, seja nas lendas medievais 
ou, ainda, nos escritos místicos árabes, a dificuldade de transição se acentua. 
Nessa mesma lógica, elementos, que, no mundo dessacralizados, revestem-se 
de pouca significância, para o homo religiosus, têm caráter cósmico, religioso.
Sendo uma representação antropocósmica, os ritos de passagem possibi-
litam a integração do recém-nascido à comunidade e ajudam o jovem, quando 
da puberdade, a superar a fase infantil e o solteiro (celibatário) a passar para 
o grupo dos casados (chefes de famílias). Essas passagens são difíceis, geram 
crise e, portanto, exigem ritos. Na morte, os ritos são ainda mais complexos, 
pois sua passagem exige abandono do corpo e aceitação de sua alma no 
mundo dos mortos. Por sua vez, no mundo profano, há uma dessacralização 
completa, tanto da morte quanto do nascimento e do casamento. Mas, em 
tudo isso, o homo religiosus identifica sua incompletude, sendo necessário 
morrer e renascer em outro nível, religioso e cultural (ELIADE, 1992).
A evolução do ser humano: do pensamento religioso ao pensamento científico 11
Nesse sentido, os conceitos de completude e de ritos estabelecem o ideal 
de humanidade em seu nível mais elevado, cósmico, religioso: “O homem 
primitivo esforça-se por atingir um ideal religioso de humanidade, e nesse 
esforço encontram-se já os germes de todas as éticas elaboradas mais tarde 
nas sociedades evoluídas” (ELIADE, 1992, p. 90).
Eliade (1992) observa que, dessacralizados, os padrões de iniciação e de 
passagem permanecem sendo a raiz da ideia oriunda da cosmovisão do 
homo religiosus, que se reproduz, de forma dessacralizada, pelo homem a-religioso, 
no mundo contemporâneo. A vida existencial dos primitivos, envelhecidos pela 
história, com sua correspondente dessacralização, não desaparece por completo, 
sem deixar rastros. Ao contrário, está presente, em formatos e interpretações 
diferenciadas, e foi aperfeiçoada ao padrão do mundo a-religioso. Somos seres 
humanos religiosos cuja dessacralização foi incompleta, por isso há vestígios do 
pensamento religioso no pensamento científico. Do transcendente no imanente.
O homem a-religioso nega a transcendência, aceita a relatividade da “re-
alidade” e chega, até, a duvidar do sentido da existência. O dessacralizado se 
torna autossuficiente, reconhece-se como único sujeito e agente da história 
e rejeita todo apelo à transcendência, toda forma de vida fora da existência 
histórica. Ao contrário do homo religiosus, “[...] o homem faz-se a si próprio, 
e só consegue fazer-se completamente na medida em que se dessacraliza e 
dessacraliza o mundo” (ELIADE, 1992, p. 98). Ao se desmitificar, ele se torna 
ele próprio, liberto dos deuses, em última instância quando matar Deus, que 
é visto como obstáculo por excelência à sua liberdade.
O homem profano, segundo Eliade (1992), conserva os vestígios do com-
portamento do homem religioso, mas esvaziado dos significados religiosos. 
Sendo produto do passado, não o pode abolir, pois é herdeiro do homo 
religiosus primitivo, tem natureza religiosa, mesmo esvaziado de sentido 
cósmico. No esforço de dessacralizar, os impulsos religiosos permanecem 
e buscam reatualizar ao estado religioso: “[...] a maioria dos ‘semrreligião’ 
ainda se comporta religiosamente” (ELIADE, 1992, p. 98). Comemorações re-
ligiosas, como a passagem de ano novo, mesmo dessacralizada, são um 
ritual de iniciação; os casamentos continuam. Nos espetáculos, nos livros, 
nos cinemas, há a reprodução dos mitos, das mitologias e das religiosidades, 
que promovem êxtase.
É certo que os “semrreligião” ainda reproduzem comportamentos religio-
sos, tanto dos mitos quanto das teologias, e “[...] estão às vezes entulhados 
por todo um amontoado mágico religioso, mas degradado até a caricatura e, 
A evolução do ser humano: do pensamento religioso ao pensamento científico12
por esta razão, dificilmente reconhecível” (ELIADE, 1992, p. 99). Exemplos são 
abundantes. A estrutura da constituição da concepção do comunismo cientí-
fico tem-na em uma base mitológica e escatológica. O homem a-religioso, de 
acordo com Marx, faz valer “[...] um dos grandes mitos escatológicos do mundo 
asiático mediterrânico, a saber, o papel redentor do justo [...] cujos sofrimentos 
são chamados a mudar o estatuto ontológico do mundo” (ELIADE, 1992, p. 99). 
Marx, ao resgatar a esperança escatológica, a vincula ao proletariado, que 
é chamado para sua própria salvação, mudando as estruturas do mundo, e 
esse político-econômico vê-se, no desejo, de volta ao estado puro do paraíso 
edênico, manifestado nos movimentos de nudismo e de liberdade sexual.
A própria ciência da antropologia da religião, por sua base científica, 
é dessacralizada. Mesmo objetivando conhecer o fenômeno religioso, usa 
termos e utiliza teorias científicas para explicar o cosmos sacralizado. Será 
que dá conta? 
Comportamentos religiosos são verificados nas ações e nos gestos do 
homem dessacralizado, como na iniciação do soldado com “provas” para o 
combate. No trato do paciente, pela psicologia, quando da reflexão sobre si 
na volta às origens, temos reflexos às descidas iniciáticas aos locais habitados 
por seres espirituais. Termos como “luta pela vida”, “sofrimentos” e “torturas 
morais” são associados aos ritos de passagem para a vida adulta.
“É por isso que, num horizonte religioso, a existência é fundada pela 
iniciação; quase se poderia dizer que, na medida emque se realiza, a pró-
pria existência humana é uma iniciação” (ELIADE, 1992, p. 100). Dessa forma, 
entende-se que o homem profano, sendo descendente do homo religiosus, 
traz, em seu bojo, elementos comportamentais de seus antepassados reli-
giosos, que o constituíram como ele é hoje. As crises existenciais acionam a 
aura religiosa do inconsciente, indagam sobre o sentido da vida, do passado, 
do futuro e da existência, pois esta, vazia de sacralidade, da percepção do 
cosmos e de si, cria um vácuo existencial, que, ao final, é uma crise religiosa. 
Nas palavras de Eliade (1992, p. 101):
[...] na medida em que o inconsciente é o resultado de inúmeras experiências 
existenciais, não pode deixar de assemelhar-se aos diversos universos religiosos. 
Pois a religião é a solução exemplar de toda crise existencial, não apenas porque 
é indefinidamente repetível, mas também porque é considerada de origem trans-
cendental e, portanto, valorizada como revelação recebida de um outro mundo, 
trans humano. A solução religiosa não somente resolve a crise, mas, ao mesmo 
tempo, torna a existência “aberta” a valores que já não são contingentes nem 
particulares, permitindo assim ao homem ultrapassar as situações pessoais e, 
no fim das contas, alcançar o mundo do espírito.
A evolução do ser humano: do pensamento religioso ao pensamento científico 13
A tentativa de demonstrar como o homem dessacralizado ainda possui 
comportamento religioso, porém, está na psiquê mais profunda, que se 
perde na miscelânea própria do cosmos dessacralizado e industrial, pois o 
homem contemporâneo dissocia essa pulsão do comportamento sacralizado, 
visto que não vive mais no mundo pautado pela sacralidade, como o faziam 
os primitivos. Porém, está latente, pulsante, como que aguardando para se 
manifestar. Percebe-se isso quando a “[...] atividade inconsciente do homem 
moderno não cessa de lhe apresentar inúmeros símbolos, e cada um tem uma 
certa mensagem a transmitir, uma certa missão a desempenhar, tendo em 
vista assegurar o equilíbrio da psique ou restabelecê-lo” (ELIADE, 1992, p. 102). 
Por meio dos símbolos, o ser humano a-religioso se conecta ao uni-
versal, tornando-se acessível, aberto, de forma que uma experiência 
pessoal, a despeito da dessacralização do cosmo de sua época vivida, transmuda-
-se em ato espiritual, em compreensão metafísica do mundo. É na compreensão 
dos símbolos mitológicos que o homem primitivo consegue viver o universal, 
seja esse símbolo uma pedra ou uma árvore. O homem a-religioso moderno, da 
mesma forma, guarda arquivos do passado em sua mente, de forma que, diante 
das crises, recorre a esses arquivos de memória, inconscientes, mas que povoam 
o imaginário, que lhe despertam para a conexão com o universal. Porém, quando, 
diante da simbologia, essa não lhe desperta os arquivos de conexão ao sagrado, o 
símbolo não faz efervescer à elevação a espiritualidade; “[...] ou seja, não conseguiu 
revelar-lhe uma das estruturas do real” (ELIADE, 1992, p. 102).
Em suma, mesmo sem auxílio do cosmo, sacralizado, que inexiste nas 
sociedades modernas laicizadas, o homem a-religioso é auxiliado por seus 
arquivos inconscientes, e por isso tem possibilidade de abrir-se ao cosmos, 
mesmo que parcialmente. Assim, “[...] o inconsciente oferece-lhe soluções 
para as dificuldades de sua própria existência e, neste sentido, desempenha 
o papel da religião, pois, antes de tornar uma existência criadora de valores, 
a religião assegura-lhe a integridade” (ELIADE, 1992, p. 102). Desse modo, a 
latência da religião encontra-se em seu inconsciente, pronta a despertar diante 
das crises que lhe afligirem, o “[...] que significa também que as possibilidades 
de reintegrar uma experiência religiosa da vida jazem, nesses seres, muito 
profundamente neles próprios” (ELIADE, 1992, p. 102). 
Partindo do pressuposto de que, no século XXI, o mundo se encontra, há 
tempos, em constante crise, a busca pelo sagrado, mesmo que parcial, é de 
cunho particularista, manifestada em conceito de espiritualidade, e promove, 
no mundo dessacralizado, a busca pelo sagrado em vários nuances e formas, 
mundo afora. O crescimento das inúmeras religiões mundiais demonstra essa 
A evolução do ser humano: do pensamento religioso ao pensamento científico14
forma rascunhada de tentativas de voltar às origens, à criação, ao tempo 
sagrado. É o homo religiosus que pulsa no interior do homem a-religioso. 
Essas são as aproximações propostas aqui: do primitivo ao primitivo reinter-
pretado, ou seja, a-religioso, mas nunca em um estado puro, mas sincretizado 
na relação religião-ciência.
Fases do desenvolvimento do pensamento 
científico
Uma vez demonstradas as ausências e as permanências da transcendência 
no pensamento religioso e no pensamento a-religioso, avancemos para as 
fases que permitiram o desenvolvimento do pensamento científico. 
Para Morgan (CASTRO, 2005), a humanidade existe desde épocas imemo-
riais, às quais o homem contemporâneo não tem acesso; estende-se pelo 
passado imensurável e se perde em uma vasta e profunda antiguidade. Assim, 
segundo Morgan, na compreensão da evolução da humanidade, pode-se 
afirmar que “[...] a selvageria precedeu a barbárie em todas as tribos da huma-
nidade, assim como se sabe que a barbárie precedeu a civilização” (CASTRO, 
2005, p. 21). Esse processo se deu de forma lenta, progressiva e evolutiva, 
em estágios sucessivos, e permitiu acumular conhecimento experimental 
(ainda que algumas tribos e nações, por conta das limitações geográficas, 
não tenham se desenvolvido como as demais).
Mesmo que as invenções e as descobertas evoluam progressivamente, 
para Castro (2005, p. 21), “[...] as instituições sociais e civis, em virtude de 
sua conexão com perpétuos desejos humanos, desenvolvem-se a partir de 
uns poucos germes primários de pensamento”, o que demonstra, segundo 
Morgan, uma origem única para o ser humano. Considera-se que, “[...] ao longo 
da última parte do período de selvageria e por todo o período de barbárie, a 
humanidade estava organizada, em geral, em gens, fratrias e tribos” (CASTRO, 
2005, p. 21). Essa organização social era encontrada na Antiguidade, em todos os 
continentes. Para Castro, “[...] sua estrutura e suas relações como membros de 
uma série orgânica bem como os direitos, privilégios e obrigações [...] ilustram 
o crescimento da ideia de governo na mente humana” (CASTRO, 2005, p. 21).
A família também passou pelo processo evolutivo na mesma lógica pro-
gressiva e evolutiva selvageria-barbárie-civilização. Segundo Morgan (CASTRO, 
2005, p. 21), “[...] a família passou por formas sucessivas, e criou grandes 
sistemas de consanguinidade e afinidade que duram até os dias de hoje”. 
Acompanhando Morgan, encontra-se essa mesma lógica evolucionista no que 
A evolução do ser humano: do pensamento religioso ao pensamento científico 15
diz respeito à propriedade: “[...] começando do zero, na selvageria, a paixão 
pela propriedade, como representando a subsistência acumulada, tornou-se 
agora dominante na mente humana nas raças civilizadas” (CASTRO, 2005, p. 22).
Assim, a organização social e a ideia de governo de família e de propriedade 
atravessaram eras e demarcam, de maneira peremptória, certa regularidade 
desde os tempos imemoriais de selvageria até a civilização. Portanto, a ex-
periência e a luta contra obstáculos emergem como fatores determinantes 
no processo evolutivo, que denuncia as razões pelas quais uma sociedade 
evoluiu ininterruptamente e outras sofreram interrupções no processo. Para 
Morgan, diferentemente das invenções e das descobertas, “[...] as instituições 
se desenvolveram a partir de uns poucos germes primários de pensamento 
[...] Os fatos indicam a formação gradual e o desenvolvimento subsequente 
de certas ideias, paixões e aspirações” (CASTRO, 2005, p. 23, grifo nosso). As 
ideias são:
 � subsistência; 
 � governo; 
 � linguagem; 
 � família; 
 � religião; 
 � vida doméstica e arquitetura; 
 � propriedade. 
Especificando, Morgandetalha que a subsistência “[...] foi aumentada e 
aperfeiçoada por uma série de artes sucessivas, introduzidas no decorrer de 
longos intervalos de tempo e conectadas mais ou menos diretamente com 
invenções e descobertas” (CASTRO, 2005, p. 24). Sobre governo, Morgan afirma 
que o germe dessa ideia “[...] deve ser buscado na organização por gentes no 
status de selvageria, e seguido, através de formas cada vez mais avançadas, 
até o estabelecimento da sociedade política” (CASTRO, 2005, p. 24).
No que diz respeito à linguagem, Morgan informa que ela foi desenvolvida 
“[...] a partir das formas mais rudes e simples de expressão” (CASTRO, 2005, p. 
24), e concorda com Lucrécio em relação ao fato de a comunicação ter se dado, 
primeiramente, pelos gestos, depois pela fala articulada. Segundo ele, “[...] 
a inteligência humana, inconsciente de propósito, desenvolveu a linguagem 
articulada utilizando os sons vocais” (CASTRO, 2005, p. 24).
Consanguinidade, costumes comuns e casamento foram os aspectos que, 
segundo Morgan, predominaram na evolução das famílias, e por meio dos 
A evolução do ser humano: do pensamento religioso ao pensamento científico16
quais a história da família pode ser, seguramente, traçada pelas diversas 
formas sucessivamente assumidas (CASTRO, 2005).
Da cabana à casa da família contemporânea, o tema sobre arquiteturas 
das habitações humanas “[...] está ligado à forma da família e ao plano de vida 
doméstica, [e] permite uma ilustração razoavelmente completa do progresso 
desde a selvageria até a civilização” (CASTRO, 2005, p. 24, grifo nosso).
Sobre a ideia de propriedade, Morgan afirma que, de forma lenta, ela 
foi sendo construída na mentalidade humana da selvageria, passando por 
adaptações até sua dominância: “[...] como uma paixão acima de todas as 
outras, marca o começo da civilização” (CASTRO, 2005, p. 24).
As ideias de governo, família e propriedade foram elementos pelos quais 
Morgan apresentou as evidências do progresso humano em sucessivos perí-
odos étnicos. Sobre o governo, ele detalha os dois seguintes planos.
1. Societas (sociedade), que passou de gens para fratria, depois, de forma 
crescente e abrangente, para tribo, confederação de tribos, povo e 
nação. Essa forma de organização antiga “[...] perdurou entre os gregos 
e romanos após o surgimento da civilização” (CASTRO, 2005, p. 25). 
2. Civitas (estado), baseado no território e na propriedade, com estágios 
de integração entre as propriedades em vilas e em condados cujo povo 
está organizado em um corpo político (CASTRO, 2005).
Há preservação dos progressos humanos nas famílias, em que sexo, 
parentesco e território formam a base de sua organização. Assim, 
casamento, consanguinidade, cotidiano, arquitetura e herança promoveram a 
evolução e permanências nas sociedades contemporâneas.
As próprias demandas da vida humana também demonstram evidências 
de progresso evolutivo. Segundo Morgan (CASTRO, 2005, p. 26), “[...] pode 
ser observado, finalmente, que a experiência da humanidade tem seguido 
por canais quase uniformes; que as necessidades humanas, em condições 
similares, têm sido substancialmente as mesmas”.
Morgan, apresenta, ainda, outra divisão dos períodos para facilitar a 
compreensão evolutiva do progresso do conhecimento, que denomina pe-
ríodos étnicos (CASTRO, 2005), superando a demarcação proposta pelos 
arqueólogos dinamarqueses, que instituíram os conhecidos períodos como 
Períodos da Pedra, do Bronze e do Ouro. Os períodos étnicos propostos são 
A evolução do ser humano: do pensamento religioso ao pensamento científico 17
da selvageria e da barbárie, ambos subdivididos em subperíodos inicial, 
intermediário e final, e cada um desses períodos pode ser considerado com 
status inferior, intermediário e superior da evolução humana. Assim, temos, 
progressivamente:
1. da fase da infância da humanidade até a fase da dieta de subsistência 
(selvageria inferior); 
2. da dieta de subsistência até a invenção de arco e flecha (selvageria 
intermediária); 
3. da invenção de arco e flecha até a invenção das artes cerâmicas (sel-
vageria superior). 
A invenção das artes cerâmicas demarca a divisão entre selvagens e 
bárbaros:
1. até a domesticação de animais no hemisfério oriental e, no ocidental, 
com a agricultura de irrigação (barbárie inferior); 
2. da domesticação de animais, no hemisfério oriental, e, no ocidental, 
com a agricultura de irrigação, até a invenção do processo de forjar o 
minério de ferro (barbárie intermediária);
3. da invenção do processo de forjar o minério de ferro até a invenção 
do alfabeto (barbárie superior). 
A partir daqui, inicia-se a civilização.
Cada um desses períodos tem características peculiares, e os períodos 
étnicos permitem identificar tribos isoladas, que mantiveram sua forma de 
vida e não sofreram influências externas. Esses períodos ajudam a compre-
ender que a evolução do conhecimento se deu “[...] a partir de uns poucos 
germes primários de pensamento” (CASTRO, 2005, p. 30).
Referências
CASTRO, C. Evolucionismo cultural. Rio de Janeiro: Zahar, 2005.
ELIADE, M. O sagrado e o profano: a essência das Religiões. São Paulo: Martins Fontes, 
1992.
A evolução do ser humano: do pensamento religioso ao pensamento científico18
Leituras recomendadas
CASTRO, C. Textos básicos de antropologia: cem anos de tradição. Editora Zahar, 2016.
FRAZER, J. O ramo de ouro. Rio de Janeiro: Editora Guanabara, 1982.
MARCONI, M. A; PRESOTTO, Z. M. N. Antropologia: uma introdução. 8. ed. São Paulo: 
Atlas, 2019.
A evolução do ser humano: do pensamento religioso ao pensamento científico 19

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