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ANTROPOLOGIA 
DA RELIGIÃO 
 
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
 > Sintetizar o processo evolutivo do ser humano e das sociedades.
 > Reconhecer a presença e a ausência da noção da transcendência no pensa-
mento religioso e no pensamento científico.
 > Identificar as diversas fases da evolução: da colheita de frutas ao mundo 
moderno.
Introdução
A passos lentos, mas contínuos, o ser humano e as sociedades caminham em 
direção à dessacralização e à laicização, respectivamente. Os encontros e desen-
contros desses polos opostos, primitivos e modernos, não significa, exatamente, 
uma ruptura, pois o processo ocorre pela assimilação do homo religiosus, que, 
por meio de experimentos, vai se reconstruindo e adaptando aos novos tempos, 
dessacralizados.
A evolução do 
ser humano: do 
pensamento religioso 
ao pensamento 
científico
Valter Borges dos Santos
Como todo processo, ele não ocorre de forma abrupta, cartesiana: há vestígios 
antigos na modernidade que, na intersecção de mudanças, vão se preservando 
sob novas interpretações. Por isso, apesar do advento das novas tecnologias e 
da tentativa de substituir a divindade, o homem moderno ainda carrega aspectos 
do homo religiosus, que, latente, encontra dificuldades de se manifestar, pois há 
carência do impulso externo, das hierofanias, que é a ausência da percepção da 
divindade no cosmos, agora dessacralizado, opaco, vazio.
Neste capítulo, falaremos do processo evolutivo do ser humano e das so-
ciedades a partir do enfoque antropológico. Especificamente, explicaremos a 
presença e a ausência da noção de transcendência no pensamento religioso e no 
pensamento científico, bem como analisaremos as diversas fases da evolução: 
da colheita de frutas ao mundo moderno, em períodos étnicos.
Da religião à ciência: caminhada evolutiva
O pensamento evolucionista, que trata da evolução como explicação para a 
diversidade cultural, não está ancorado na célebre obra de Charles Darwin 
(1809–1882), A origem das espécies por meio da seleção natural, isto é, na 
evolução biológica. Essa ideia de Darwin, grandemente disseminada entre os 
europeus cultos, era, na verdade, pouco compreendida. A ideia de progresso 
evolutivo que pululava entre eles tinha como “[...] imagem mais comum uma 
‘escada’ cujos degraus estão dispostos numa hierarquia linear” (CASTRO, 
2005, p. 12).
Esse pensamento linear progressivo era a ideia corrente, em meados 
de 1870, e, somado às descobertas arqueológicas na Inglaterra e na França, 
levou ao “[...] enorme alargamento do tempo histórico da espécie humana, 
para muito além dos cerca de cinco mil anos apontados pela tradição bíblica” 
(CASTRO, 2005, p. 12), e fez pensar que os seres humanos descendiam de uma 
espécie inferior, extinta há muito tempo.
Evidentemente, Darwin influenciou teólogos, filósofos, políticos e antro-
pólogos; porém, foi Herbert Spencer (1820–1903), filósofo inglês, que pro-
vocou mais impacto entre os autores que estudavam o progresso humano, 
como Lewis Henry Morgan e Edward Burnett Tylor. Foi Spencer, de fato, quem 
popularizou o termo evolução, que Darwin somente usaria na 6ª edição de 
sua obra. Dessa forma, foi sob a influência de Spencer que uma única escala 
evolutiva ascendente, por meio de vários estágios, tornou-se a ideia central 
do evolucionismo na antropologia (ao contrário de Darwin, que não propu-
nha qualquer direção em sua teoria, muito menos “progressos unilineares”) 
(CASTRO, 2005).
A evolução do ser humano: do pensamento religioso ao pensamento científico2
Longe de servir de base para ideias hierarquizadas, nas quais os 
antigos eram considerados inferiores, e os modernos, superiores, 
o evolucionismo não transforma a gigantesca diversidade cultural humana em 
uma lógica permeada pela sobrevivência dos mais fortes, mas na ideia de “[...] 
reduzir as diferenças culturais a estágios históricos de um mesmo caminho 
evolutivo” (CASTRO, 2005, p. 13).
A ideia evolucionista, na antropologia, baseava-se no entendimento de 
que o desenvolvimento das sociedades humanas ocorreu em estágios su-
cessivos. Segundo Castro, “[...] o postulado básico do evolucionismo em sua 
fase clássica era, portanto, que, em todas as partes do mundo, a sociedade 
humana teria se desenvolvido em estágios sucessivos e obrigatórios, numa 
trajetória basicamente unilinear e ascendente” (CASTRO, 2005, p. 14). Assim, 
a humanidade toda, obrigatoriamente, passava pelos mesmos estágios, se-
guindo uma direção do mais simples ao mais complexo, do mais indiferenciado 
ao mais diferenciado.
Morgan afirmava que a evolução era natural e necessária, argumentando 
que a humanidade teve um único início, que seus caminhos também foram 
únicos, por meios diferentes, mas uniformes, em todos os continentes, e muito 
semelhantes em todas as tribos e nações da humanidade, que se encontram 
no mesmo status de desenvolvimento (CASTRO, 2005). Nas palavras de Castro, 
uma “[...] unidade psíquica de toda a espécie humana, a uniformidade de seu 
pensamento” (CASTRO, 2005, p. 14). Essa definição era um contraponto a uma 
ideia anterior da antropologia, a de que havia origens diferentes e, portanto, 
uma hierarquia entre os humanos.
Tylor refutava a ideia poligenista das múltiplas origens e a hierarquização 
entre as sociedades humanas e entendia ser “[...] tanto possível, quanto dese-
jável, eliminar considerações de variedades hereditárias, ou raças humanas, 
e tratar a humanidade como homogênea em natureza, embora situada em 
diferentes graus de civilização” (CASTRO, 2005, p. 14). Apesar disso, quanto 
ao monogenismo, os autores tinham dificuldades de tratar sobre questões 
das múltiplas diferenças entre os humanos, e acabavam se contradizendo.
Poligenismo é a concepção antropológica que entende que o ser 
humano tem sua origem em várias linhagens. Monogenismo, por sua 
vez, defende a ideia de que a origem do ser humano descende de um ancestral 
comum. Houve debates intensos sobre esses conceitos entre os antropólogos 
clássicos. 
A evolução do ser humano: do pensamento religioso ao pensamento científico 3
O caminho evolutivo adotado pela antropologia clássica de Morgan, Tylor 
e Frazer oferecia uma visão museológica dos povos considerados exóticos, 
ou não ocidentais. Eles seriam “[...] representantes de etapas anteriores da 
trajetória universal do homem rumo à condição dos povos mais ‘avançados’; 
como exemplos vivos daquilo ‘que já fomos um dia’” (CASTRO, 2005, p. 14). 
Frazer, metaforicamente, entendia o selvagem como um tipo de “documento 
humano”, enquanto Morgan entendia que o cerne dos comportamentos hu-
manos dos selvagens, especialmente da família humana, ainda se encontrava 
nos humanos considerados evoluídos, apesar dos estágios de evolução pelas 
quais a humanidade atravessou (CASTRO, 2005).
Com a carência do desenvolvimento da arqueologia para elucidar dúvidas 
ou confirmar pressupostos, nessa época os estudos das sociedades avan-
çavam de modo a permitir reconstruir a trajetória evolutiva da humanidade, 
por etapas, com base no estudo das sociedades menos desenvolvidas, como 
a dos aborígenes australianos. Isso permitia associar o comportamento 
dessas sociedades exóticas com as antigas, de modo a complementar os 
relatos greco-romanos.
Frazer sintetizou esse pensamento quando relacionou as sociedades 
primitivas às contemporâneas, como em uma comparação entre crianças e 
adultos. Assim, nas palavras de Frazer, “[...] exatamente como o crescimento 
gradual da inteligência de uma criança corresponde ao crescimento gradual 
da inteligência da espécie [...] assim também um estudo da sociedade sel-
vagem em vários estágios de evolução” (CASTRO, 2005, p. 15). Frazer admite 
a possibilidade de compreender o homem primitivo ao analisar o homem 
exótico de hoje. Dessa forma, para Frazer, a selvageria é a condição primitiva 
da humanidade (CASTRO, 2005).
A antropologia evolucionista, portanto, apropria-se do método compara-
tivo (já empregado na anatomia e na linguística) para contrastar as sociedades 
exóticas atuaise preencher as lacunas evolutivas da cultura humana, a fim 
de compreender as sociedades primitivas. Usando o método comparativo, 
portanto, foi possível considerar a variedade dos grupos humanos a partir 
das condições externas que fizeram o ritmo de evolução dos grupos humanos 
ser diferente (CASTRO, 2005).
Para Tylor, nessa análise comparativa, primeiramente é necessário de-
talhar e classificar as civilizações estudadas e estabelecer sua distribuição 
geográfica e histórica, verificando a relação entre elas. A ideia de progresso 
está profundamente enraizada em nossas mentes, a ponto de Tylor considerar 
A evolução do ser humano: do pensamento religioso ao pensamento científico4
que “[...] reconstruímos, sem escrúpulos, a história perdida, confiando no 
conhecimento geral dos princípios do pensamento e da ação humana como 
um guia para pôr os fatos em sua ordem apropriada” (CASTRO, 2005, p. 15).
Castro nos informa que há, ainda, outro elemento importante na concepção 
do evolucionismo das culturas: trata-se do conceito de sobrevivência. Tylor 
entende esse conceito como aspectos mentais que sobrevivem em novos 
formatos nas sociedades atuais em relação às sociedades antigas, ou seja, 
aspectos que evoluíram. São “[...] processos, costumes, opiniões, e assim 
por diante, que, por força do hábito, continuaram a existir” (CASTRO, 2005, p. 
15). Frazer diz que são lembranças de práticas materiais e mentais que ficam 
como fósseis nas culturas atuais:
O estudo científico das “sobrevivências” autorizava o antropólogo a recorrer, 
portanto, não apenas às sociedades “selvagens”, como também à sua própria 
sociedade. Tal procedimento ampliava enormemente o campo de investigação, 
permitindo que se incorporasse à antropologia aquilo que se costumava designar 
como “folclore” (CASTRO, 2005, p. 16).
De forma universalista, a antropologia evolucionista se pautava no 
chamado teste de recorrência, no qual, segundo Tylor, não se poderia 
atribuir ao acaso diversos relatos encontrados em várias sociedades geográfica 
e historicamente diferentes (CASTRO, 2005).
Academicamente, havia críticas sobre as pesquisas feitas, quase exclusi-
vamente em gabinetes, embora Morgan fizesse viagens etnográficas. A an-
tropologia evolucionista acabou estigmatizada como armchair anthropology. 
Sem o mesmo prestígio que alcançou na segunda metade do século XVII, a 
antropologia evolucionista, nas letras de Morgan, ainda aparece, embora 
reformulada e adotando interpretações multilineares, com base das ideias 
de Marx, Engels, Leslie White, Julian Steward e do brasileiro Darcy Ribeiro.
Embora reconhecendo sua importância para a compreensão da evolução 
do pensamento, tratando-se de uma natureza psicológica (portanto, também 
do imaginário), para Morgan, a religião traz dificuldades imensas. Para ele, 
“[...] as religiões primitivas são grotescas e, numa certa medida, ininteligíveis” 
(CASTRO, 2005, p. 24). Eliade fornece elementos esclarecedores sobre isso no 
livro O sagrado e o profano: a essência das religiões.
A evolução do ser humano: do pensamento religioso ao pensamento científico 5
Segundo Mircea Eliade, para o homem moderno, é difícil compreender o 
pensamento do homo religiosus, por conta de sua limitada compreensão das 
religiões exóticas, primitivas, mitológicas, antigas. A compreensão religiosa do 
homem moderno se restringe ao cristianismo, às conhecidas religiões mun-
diais como hinduísmo, judaísmo, budismo e islamismo, em suas concepções 
contemporâneas. Essa restrição o impede de compreender as recorrências 
e sobrevivências do universo mental do homo religiosus. 
Embora a percepção existencial do homo religiosus não se restrinja 
aos livros sagrados, a pesquisa etnográfica permite conhecer o folclore de 
comportamentos de situações variadas de regiões europeias diferentes, 
recuperando a compreensão, ainda hoje, que denotaria “[...] um estado de 
cultura mais arcaico do que aquele testemunhado pela mitologia da Grécia 
clássica” (ELIADE, 1992, p. 79). É necessário compreender a situação existencial 
do mundo primitivo “[...] dos caçadores totemistas, das populações ainda no 
estágio da caça miúda e da colheita” (ELIADE, 1992, p. 80), ou seja, do homem 
imerso na sociedade primitiva, que caracteriza o homo religiosus.
Vejamos, portanto, como Eliade percebe as sobrevivências e recorrências 
entre o homem primitivo e o homem contemporâneo, a partir da evolução 
do pensamento religioso ao pensamento científico. Eliade (1992) demonstra 
que essas duas cosmovisões estão presentes no homem contemporâneo, 
em que sagrado e profano se articulam como elemento psíquico que traz 
lembranças transcendentais, mesmo na modernidade da sociedade laica e 
do pensamento dessacralizado.
As recorrências e sobrevivências entre o ser humano primitivo (reli-
gioso) e o ser humano moderno (a-religioso) se entrecruzam, tendo o 
pensamento religioso como característica marcante das sociedades primitivas 
e como o pensamento inicial, que evolui para o pensamento científico. Essa 
evolução não substitui o pensamento religioso, mas o adapta conforme avança 
o processo de dessacralização na história. Assim, o caráter do pensamento 
científico está repleto de sugestões que revelam princípios, pistas, éticas e 
lógicas religiosas, em uma combinação não excludente, mas complementar, 
adaptativa. Embora se entenda que, no homem contemporâneo, haja choque 
entre as duas formas de pensar, há mais aproximações do que distanciamentos.
Na próxima seção, veremos como a experiência religiosa demarcou o 
pensamento e o comportamento dos primitivos, imersos na cosmovisão 
do sagrado, isto é, na sacralização, a fim de entender sua evolução e sua 
adequação ao homem contemporâneo, dessacralizado. Nosso fio condutor 
serão os conceitos de recorrências e sobrevivências.
A evolução do ser humano: do pensamento religioso ao pensamento científico6
Transcendência: entre o religioso 
e o científico
A experiência religiosa, tema tratado por Rudolf Otto na obra Das Heilige 
(1917), é o escopo da análise de Mircea Eliade, da qual emprestamos o debate 
sobre a presença e a ausência da noção de transcendência no pensamento 
religioso e no pensamento científico. 
Eliade esclarece que o sagrado “[...] não era o Deus dos filósofos, o Deus 
de Erasmo, por exemplo; não era uma ideia, uma noção abstrata, uma simples 
alegoria moral. Era, pelo contrário, um poder terrível, manifestado na ‘cólera’ 
divina” (ELIADE, 1992, p. 12). O mysterium tremendum gera um sentimento 
de pavor e de temor diante do mysterium fascinans. Essas experiências são 
consideradas numinosas, porque são provocadas pela revelação de um as-
pecto do poder divino. Diante do “totalmente outro”, o ser humano vê sua 
limitação, ao ponto da nulidade, em razão da grandiosidade da experiência 
da relação com o sagrado. Eliade identifica que a “[...] primeira definição que 
se pode dar ao sagrado é que ele se opõe ao profano” (ELIADE, 1992, p. 13). 
Dessa forma, a ideia de sagrado será sempre apresentada, como fez Eliade, 
em dualidade oposta com o profano.
Para ilustrar a ideia de como o sagrado se mostra e manifesta, Eliade (1992) 
propõe o termo hierofania, que exprime que algo de sagrado se revela. Os 
múltiplos fenômenos religiosos, portanto, revelam as múltiplas hierofanias que 
ocorreram, e ocorrem, na história humana. Essas hierofanias, segundo Eliade 
(1992), podem ser interpretadas, pelos seres humanos primitivos, diferente-
mente de como o ser humano moderno as interpreta, e de modo distinto, ainda, 
entre os primitivos e modernos de regiões diferentes de uma mesma época. 
Dessa forma, “[...] a manifestação do sagrado num objeto qualquer, uma 
pedra ou uma árvore — e até a hierofania suprema, que é, para um cristão, 
a encarnação de Deus em Jesus Cristo, não existe solução de continuidade” 
(ELIADE, 1992, p. 13). Quando os primitivos percebiam a manifestação do 
sagrado em pedras, por exemplo, não significava uma adoração/veneração 
à pedra: “[...] são hierofanias, porque‘revelam’ algo que já não é nem pedra, 
nem árvore, mas o sagrado, o ganz andere” (ELIADE, 1992, p. 13). 
Eliade (1992) esclarece que a manifestação do sagrado em objetos 
os sacraliza, de forma que se tornam um meio de contato com o 
sagrado, não o próprio, sem, contudo, mudar sua substância. Assim, para quem 
tem uma experiência religiosa, toda a natureza é suscetível de revelar-se como 
sacralidade cósmica.
A evolução do ser humano: do pensamento religioso ao pensamento científico 7
Nesse sentido, diante do desejo de estar no cosmos em oposição ao 
caos, os primitivos buscavam viver o mais próximo possível do sagrado e 
dos objetos sagrados. Assim, sagrado e profano podem ser identificados 
como real e irreal para o primitivo, respectivamente. A busca, portanto, do 
primitivo está em “[...] participar da realidade, saturar-se de poder” (ELIADE, 
1992, p. 14). Para ele, a realidade é transcendental.
Analisar o pensamento do homem primitivo (homo religiosus) é compre-
ender como ele se esforça para se manter o máximo de tempo possível em 
um universo sagrado. Mas não só. A comparação com seu contrário, o homem 
dessacralizado, permite identificar “[...] como se apresenta sua experiência 
total da vida em relação à experiência do homem privado de sentimento 
religioso, do homem que vive, ou deseja viver, num mundo dessacralizado” 
(ELIADE, 1992, p. 14). Dessa forma, é possível reconhecer a presença e a ausên-
cia da noção da transcendência no pensamento religioso e no pensamento 
científico.
Mircea Eliade (1992) apresenta dois mundos de pensamentos distintos: 
1. o pensamento religioso, que se pauta naquele mundo cujo princípio 
se circunscreve na completude, na perfeição, conduzindo o homo 
religiosus a comportamentos que suprem a necessidade de voltar 
àquele tempo mítico; 
2. o pensamento científico, que considera que a perfeição não está nos 
mitos, nas arquês, mas no futuro, e que a evolução se encontra nessa 
direção específica.
A relação do ser humano com o cosmo, em sua totalidade, sempre foi o 
espaço privilegiado do sagrado, na maior parte da história humana, enquanto 
“[...] o mundo profano na sua totalidade, o cosmos totalmente dessacralizado, 
é uma descoberta recente na história do espírito humano” (ELIADE, 1992, 
p. 14, grifo nosso). Assim, no contraste, percebemos como o pensamento 
religioso evolui para o pensamento científico: a partir da dessacralização, ou 
afastamento do sagrado do cotidiano e do pensamento humano.
Eliade (1992) caracteriza que o “fosso” oposto entre as dimensões do 
sagrado e do profano é enorme. Isso é perceptível em várias dimensões: no 
espaço sagrado, na construção ritual das casas, nas experiências no templo, 
nas relações do homem primitivo com a natureza, no universo dos utensílios, 
na consagração da vida e na própria sacralidade, que se desdobra em atribui-
ções da própria vida como o trabalho, a alimentação e a sexualidade. Tudo 
isso, para o homem religioso, reveste-se de sacralidade, um sacramento, uma 
A evolução do ser humano: do pensamento religioso ao pensamento científico8
forma de comunhão com o sagrado. Para o homem contemporâneo, trata-se 
de “um ato fisiológico — a alimentação, a sexualidade etc. — não é, em suma, 
mais do que um fenômeno orgânico, qualquer que seja o número de tabus 
que ainda o envolva” (ELIADE, 1992, p. 14).
Percebe-se, sensivelmente, que há dois “centros” que denunciam 
formas diferentes de se relacionar com a realidade. O conhecimento 
de cada um deles capacita o ser humano, conectado nessa trama, a lidar com a 
realidade, de modo que gravitam, em torno desses centros, modos específicos 
de pensar, agir, falar, etc., com todos os aspectos da vida que interagem com 
o ambiente envolvente. Nas palavras de Eliade (1992, p. 15), “[...] o sagrado e 
o profano constituem duas modalidades de ser no mundo, duas situações 
existenciais assumidas pelo homem ao longo da sua história”. Dessa forma, 
as dimensões existenciais do ser humano, isto é, o modo de pensar, o modo 
de ser — seja sagrado ou profano — dependem das diferentes posições que o 
homem conquistou no cosmos.
Embora o homo religiosus tenha, como centro, o sagrado, seus compor-
tamentos estão na mesma base do homem contemporâneo dessacralizado 
— ou seja, há um padrão de comportamento do ser humano que se aproxima, 
independentemente do tempo e do espaço em que vivem/viveram. Mesmo 
diante de suas condicionantes culturais, de obstáculos e de tabus, criam-se 
os pensamentos que lhe são verdadeiros: sagrado ou profano (ELIADE, 1992).
Objetivando diferenciar a dimensão religiosa da profana, Eliade (1992) pro-
põe renunciar, momentaneamente, às condicionantes culturais, econômicas 
e de organização social, para focar em uma dimensão de aproximações entre 
essas duas cosmovisões. “[E]ntre os caçadores nômades e os agricultores 
sedentários, há uma similitude de comportamento que nos parece infinita-
mente mais importante do que suas diferenças” (ELIADE, 1992, p. 16), uma vez 
que vivem em uma mesma dimensão: o mundo sacralizado. Assim, segundo 
Eliade (1992, p. 16), “[...] do mesmo modo, damo-nos conta da validade das 
comparações entre fatos religiosos pertencentes a diferentes culturas: todos 
esses fatos partem de um mesmo comportamento, que é o do homo religiosus”.
O entendimento dos primitivos era de que o mundo fora criado pelos 
deuses e de que “[...] a própria vida do cosmos é uma prova de sua santidade, 
pois ele foi criado pelos deuses e os deuses mostram-se aos homens por 
meio da vida cósmica” (ELIADE, 1992, p. 80). O homem, ao se ver como micro-
cosmos, reencontra, em si, a santidade que reconhece no cosmos, e sua vida 
se pauta por essa realidade cósmica. Eliade (1992) denota essa experiência 
como transumana, portanto, cósmica, ou, ainda, “existência aberta”. O homo 
A evolução do ser humano: do pensamento religioso ao pensamento científico 9
religiosus, então, tem sua existência “aberta” ao mundo, que percebe parte 
do cosmo vivendo nele, em seu interior. Essa vida aberta não se dá de forma 
inconsciente, mas “[...] permite ao homem religioso conhecer-se, conhecendo o 
mundo — e esse conhecimento é precioso para ele porque é um conhecimento 
religioso, refere se ao ser” (ELIADE, 1992, p. 81).
Uma vez que a vida, para o primitivo, é uma vida santificada, ela se des-
dobra de forma dupla: “[...] como existência humana e, ao mesmo tempo, 
participa de uma vida transumana, a do cosmos ou dos deuses” (ELIADE, 
1992, p. 81). Dessa forma, tudo que o homem faz tem conotação religiosa, 
inclusive as principais funções fisiológicas. Ao homem dessacralizado, por 
sua vez, “[...] todas as experiências vitais — tanto a sexualidade como a ali-
mentação, o trabalho como o jogo — foram [...] desprovidas de significado 
espiritual” (ELIADE, 1992, p. 81). Para o homo religiosus, porém, não só aos atos 
fisiológicos, mas também a regiões e a fenômenos cósmicos são atribuídos 
significados religiosos. O ato de comer se torna um sacramento e a prática 
sexual é ritualizada, assimilada aos fenômenos cósmicos (chuvas, semeadura) 
e aos atos divinos (hierogamia, Céu, Terra).
Essas correspondências antropocósmicas são encontradas, também, 
nas religiões mais evoluídas, demonstrando a sacramentalização da vida 
fisiológica. Viver em dois planos, para o homo religiosus, significa transpor 
a vida da experiência humana para o transcendente, cósmico, transumano. 
Igualmente, a habitação, para o homo religiosus, é um microcosmos, mas não 
só: seu corpo é um microcosmos.
Essas ideias são reinterpretadas pelas religiões e pelas filosofias evoluídas 
no decorrer da história, chegando à modernidade, a exemplo do pensamento 
religioso indiano, cujo religioso “cosmiza” o universo, bem como sua casa, 
que são tratados como corpo humano. Nessa compreensão, há um canal 
de trânsito para o outro mundo, o dos deuses, na parte superior, onde, por 
ocasião da morte, há correspondências de que a “[...] a alma do morto sai pela 
chaminé” (ELIADE, 1992, p. 84). Essas ideiasreligiosas são inconcebíveis ao 
homem dessacralizado por dois motivos: não vive em um mundo sacralizado, 
e, portanto, a morte foi dessacralizada. Ele já não se dá conta de que ter um 
corpo e instalar-se em uma casa equivale a assumir uma situação existencial.
Para o homem a-religioso, nada disso tem significado. Seus valores não 
correspondem àqueles da cultura primitiva no que concerne “[...] a seu corpo, sua 
casa e seu universo” (ELIADE, 1992, p. 86). A casa e o corpo do homem moderno 
perderam os valores religiosos, cosmológicos. Eliade (1992, p. 86) é taxativo: 
“[...] para os modernos desprovidos de religiosidade, o cosmos se tornou opaco, 
inerte, mudo: não transmite nenhuma mensagem, não carrega nenhuma ‘cifra’”.
A evolução do ser humano: do pensamento religioso ao pensamento científico10
Na Contemporaneidade, há, entretanto, sentimentos religiosos, no ho-
mem a-religioso, que ainda persistem, exclusivamente na zona rural. Ali, 
as populações ainda “respiram” uma religiosidade pautada no sentimento 
de santidade. Na sociedade urbana, industrializada, o cristianismo perdeu 
seus valores cósmicos. Sua experiência religiosa agora aflora no âmbito es-
tritamente privado, não mais acessível ao cosmos. O mundo já não é sentido 
como obra de Deus. Ao contrário, ele é o caos, não deve ser habitado por não 
ser mais cosmizado.
A relação corpo-casa, vista como imago mundi, tem papel importante nas 
mitologias e nos ritos arcaicos. Os formatos das urnas funerárias de cultu-
ras arcaicas se assemelham a casas e possuem uma abertura superior que 
permite, à alma, entrar e sair. Esse pensamento encontra correspondência 
na estrutura cósmica, na ideia de passagem: das trevas para a luz, da vida 
para a morte. Assim, torna-se, por correspondência, a passagem para outro 
mundo, do devir, da renovação, e repetição da cosmogonia. 
Essa ideia de passagem se antropocosmiza fisiologicamente na exis-
tência humana. Exprime que, uma vez nascido, deve renascer, dessa vez 
espiritualmente. Nesse processo, chega à plenitude, pelos ritos de passagem, 
ou iniciações consecutivas. O simbolismo de passagem também é visto na 
configuração dos caminhos das casas e dos locais de trabalho, nos caminhos, 
nas pontes, nas ruas estreitas, na passagem perigosa e de difícil travessia. A 
dificuldade dessas passagens assume, na mitologia e nos rituais, a ideia de 
dificuldade de transição e, portanto, o rito de passagem se reveste de uma 
importância religiosa de grande significância para o homo religiosus. Seja a 
“porta estreita” de acesso ao Pai, no cristianismo, seja nas lendas medievais 
ou, ainda, nos escritos místicos árabes, a dificuldade de transição se acentua. 
Nessa mesma lógica, elementos, que, no mundo dessacralizados, revestem-se 
de pouca significância, para o homo religiosus, têm caráter cósmico, religioso.
Sendo uma representação antropocósmica, os ritos de passagem possibi-
litam a integração do recém-nascido à comunidade e ajudam o jovem, quando 
da puberdade, a superar a fase infantil e o solteiro (celibatário) a passar para 
o grupo dos casados (chefes de famílias). Essas passagens são difíceis, geram 
crise e, portanto, exigem ritos. Na morte, os ritos são ainda mais complexos, 
pois sua passagem exige abandono do corpo e aceitação de sua alma no 
mundo dos mortos. Por sua vez, no mundo profano, há uma dessacralização 
completa, tanto da morte quanto do nascimento e do casamento. Mas, em 
tudo isso, o homo religiosus identifica sua incompletude, sendo necessário 
morrer e renascer em outro nível, religioso e cultural (ELIADE, 1992).
A evolução do ser humano: do pensamento religioso ao pensamento científico 11
Nesse sentido, os conceitos de completude e de ritos estabelecem o ideal 
de humanidade em seu nível mais elevado, cósmico, religioso: “O homem 
primitivo esforça-se por atingir um ideal religioso de humanidade, e nesse 
esforço encontram-se já os germes de todas as éticas elaboradas mais tarde 
nas sociedades evoluídas” (ELIADE, 1992, p. 90).
Eliade (1992) observa que, dessacralizados, os padrões de iniciação e de 
passagem permanecem sendo a raiz da ideia oriunda da cosmovisão do 
homo religiosus, que se reproduz, de forma dessacralizada, pelo homem a-religioso, 
no mundo contemporâneo. A vida existencial dos primitivos, envelhecidos pela 
história, com sua correspondente dessacralização, não desaparece por completo, 
sem deixar rastros. Ao contrário, está presente, em formatos e interpretações 
diferenciadas, e foi aperfeiçoada ao padrão do mundo a-religioso. Somos seres 
humanos religiosos cuja dessacralização foi incompleta, por isso há vestígios do 
pensamento religioso no pensamento científico. Do transcendente no imanente.
O homem a-religioso nega a transcendência, aceita a relatividade da “re-
alidade” e chega, até, a duvidar do sentido da existência. O dessacralizado se 
torna autossuficiente, reconhece-se como único sujeito e agente da história 
e rejeita todo apelo à transcendência, toda forma de vida fora da existência 
histórica. Ao contrário do homo religiosus, “[...] o homem faz-se a si próprio, 
e só consegue fazer-se completamente na medida em que se dessacraliza e 
dessacraliza o mundo” (ELIADE, 1992, p. 98). Ao se desmitificar, ele se torna 
ele próprio, liberto dos deuses, em última instância quando matar Deus, que 
é visto como obstáculo por excelência à sua liberdade.
O homem profano, segundo Eliade (1992), conserva os vestígios do com-
portamento do homem religioso, mas esvaziado dos significados religiosos. 
Sendo produto do passado, não o pode abolir, pois é herdeiro do homo 
religiosus primitivo, tem natureza religiosa, mesmo esvaziado de sentido 
cósmico. No esforço de dessacralizar, os impulsos religiosos permanecem 
e buscam reatualizar ao estado religioso: “[...] a maioria dos ‘semrreligião’ 
ainda se comporta religiosamente” (ELIADE, 1992, p. 98). Comemorações re-
ligiosas, como a passagem de ano novo, mesmo dessacralizada, são um 
ritual de iniciação; os casamentos continuam. Nos espetáculos, nos livros, 
nos cinemas, há a reprodução dos mitos, das mitologias e das religiosidades, 
que promovem êxtase.
É certo que os “semrreligião” ainda reproduzem comportamentos religio-
sos, tanto dos mitos quanto das teologias, e “[...] estão às vezes entulhados 
por todo um amontoado mágico religioso, mas degradado até a caricatura e, 
A evolução do ser humano: do pensamento religioso ao pensamento científico12
por esta razão, dificilmente reconhecível” (ELIADE, 1992, p. 99). Exemplos são 
abundantes. A estrutura da constituição da concepção do comunismo cientí-
fico tem-na em uma base mitológica e escatológica. O homem a-religioso, de 
acordo com Marx, faz valer “[...] um dos grandes mitos escatológicos do mundo 
asiático mediterrânico, a saber, o papel redentor do justo [...] cujos sofrimentos 
são chamados a mudar o estatuto ontológico do mundo” (ELIADE, 1992, p. 99). 
Marx, ao resgatar a esperança escatológica, a vincula ao proletariado, que 
é chamado para sua própria salvação, mudando as estruturas do mundo, e 
esse político-econômico vê-se, no desejo, de volta ao estado puro do paraíso 
edênico, manifestado nos movimentos de nudismo e de liberdade sexual.
A própria ciência da antropologia da religião, por sua base científica, 
é dessacralizada. Mesmo objetivando conhecer o fenômeno religioso, usa 
termos e utiliza teorias científicas para explicar o cosmos sacralizado. Será 
que dá conta? 
Comportamentos religiosos são verificados nas ações e nos gestos do 
homem dessacralizado, como na iniciação do soldado com “provas” para o 
combate. No trato do paciente, pela psicologia, quando da reflexão sobre si 
na volta às origens, temos reflexos às descidas iniciáticas aos locais habitados 
por seres espirituais. Termos como “luta pela vida”, “sofrimentos” e “torturas 
morais” são associados aos ritos de passagem para a vida adulta.
“É por isso que, num horizonte religioso, a existência é fundada pela 
iniciação; quase se poderia dizer que, na medida emque se realiza, a pró-
pria existência humana é uma iniciação” (ELIADE, 1992, p. 100). Dessa forma, 
entende-se que o homem profano, sendo descendente do homo religiosus, 
traz, em seu bojo, elementos comportamentais de seus antepassados reli-
giosos, que o constituíram como ele é hoje. As crises existenciais acionam a 
aura religiosa do inconsciente, indagam sobre o sentido da vida, do passado, 
do futuro e da existência, pois esta, vazia de sacralidade, da percepção do 
cosmos e de si, cria um vácuo existencial, que, ao final, é uma crise religiosa. 
Nas palavras de Eliade (1992, p. 101):
[...] na medida em que o inconsciente é o resultado de inúmeras experiências 
existenciais, não pode deixar de assemelhar-se aos diversos universos religiosos. 
Pois a religião é a solução exemplar de toda crise existencial, não apenas porque 
é indefinidamente repetível, mas também porque é considerada de origem trans-
cendental e, portanto, valorizada como revelação recebida de um outro mundo, 
trans humano. A solução religiosa não somente resolve a crise, mas, ao mesmo 
tempo, torna a existência “aberta” a valores que já não são contingentes nem 
particulares, permitindo assim ao homem ultrapassar as situações pessoais e, 
no fim das contas, alcançar o mundo do espírito.
A evolução do ser humano: do pensamento religioso ao pensamento científico 13
A tentativa de demonstrar como o homem dessacralizado ainda possui 
comportamento religioso, porém, está na psiquê mais profunda, que se 
perde na miscelânea própria do cosmos dessacralizado e industrial, pois o 
homem contemporâneo dissocia essa pulsão do comportamento sacralizado, 
visto que não vive mais no mundo pautado pela sacralidade, como o faziam 
os primitivos. Porém, está latente, pulsante, como que aguardando para se 
manifestar. Percebe-se isso quando a “[...] atividade inconsciente do homem 
moderno não cessa de lhe apresentar inúmeros símbolos, e cada um tem uma 
certa mensagem a transmitir, uma certa missão a desempenhar, tendo em 
vista assegurar o equilíbrio da psique ou restabelecê-lo” (ELIADE, 1992, p. 102). 
Por meio dos símbolos, o ser humano a-religioso se conecta ao uni-
versal, tornando-se acessível, aberto, de forma que uma experiência 
pessoal, a despeito da dessacralização do cosmo de sua época vivida, transmuda-
-se em ato espiritual, em compreensão metafísica do mundo. É na compreensão 
dos símbolos mitológicos que o homem primitivo consegue viver o universal, 
seja esse símbolo uma pedra ou uma árvore. O homem a-religioso moderno, da 
mesma forma, guarda arquivos do passado em sua mente, de forma que, diante 
das crises, recorre a esses arquivos de memória, inconscientes, mas que povoam 
o imaginário, que lhe despertam para a conexão com o universal. Porém, quando, 
diante da simbologia, essa não lhe desperta os arquivos de conexão ao sagrado, o 
símbolo não faz efervescer à elevação a espiritualidade; “[...] ou seja, não conseguiu 
revelar-lhe uma das estruturas do real” (ELIADE, 1992, p. 102).
Em suma, mesmo sem auxílio do cosmo, sacralizado, que inexiste nas 
sociedades modernas laicizadas, o homem a-religioso é auxiliado por seus 
arquivos inconscientes, e por isso tem possibilidade de abrir-se ao cosmos, 
mesmo que parcialmente. Assim, “[...] o inconsciente oferece-lhe soluções 
para as dificuldades de sua própria existência e, neste sentido, desempenha 
o papel da religião, pois, antes de tornar uma existência criadora de valores, 
a religião assegura-lhe a integridade” (ELIADE, 1992, p. 102). Desse modo, a 
latência da religião encontra-se em seu inconsciente, pronta a despertar diante 
das crises que lhe afligirem, o “[...] que significa também que as possibilidades 
de reintegrar uma experiência religiosa da vida jazem, nesses seres, muito 
profundamente neles próprios” (ELIADE, 1992, p. 102). 
Partindo do pressuposto de que, no século XXI, o mundo se encontra, há 
tempos, em constante crise, a busca pelo sagrado, mesmo que parcial, é de 
cunho particularista, manifestada em conceito de espiritualidade, e promove, 
no mundo dessacralizado, a busca pelo sagrado em vários nuances e formas, 
mundo afora. O crescimento das inúmeras religiões mundiais demonstra essa 
A evolução do ser humano: do pensamento religioso ao pensamento científico14
forma rascunhada de tentativas de voltar às origens, à criação, ao tempo 
sagrado. É o homo religiosus que pulsa no interior do homem a-religioso. 
Essas são as aproximações propostas aqui: do primitivo ao primitivo reinter-
pretado, ou seja, a-religioso, mas nunca em um estado puro, mas sincretizado 
na relação religião-ciência.
Fases do desenvolvimento do pensamento 
científico
Uma vez demonstradas as ausências e as permanências da transcendência 
no pensamento religioso e no pensamento a-religioso, avancemos para as 
fases que permitiram o desenvolvimento do pensamento científico. 
Para Morgan (CASTRO, 2005), a humanidade existe desde épocas imemo-
riais, às quais o homem contemporâneo não tem acesso; estende-se pelo 
passado imensurável e se perde em uma vasta e profunda antiguidade. Assim, 
segundo Morgan, na compreensão da evolução da humanidade, pode-se 
afirmar que “[...] a selvageria precedeu a barbárie em todas as tribos da huma-
nidade, assim como se sabe que a barbárie precedeu a civilização” (CASTRO, 
2005, p. 21). Esse processo se deu de forma lenta, progressiva e evolutiva, 
em estágios sucessivos, e permitiu acumular conhecimento experimental 
(ainda que algumas tribos e nações, por conta das limitações geográficas, 
não tenham se desenvolvido como as demais).
Mesmo que as invenções e as descobertas evoluam progressivamente, 
para Castro (2005, p. 21), “[...] as instituições sociais e civis, em virtude de 
sua conexão com perpétuos desejos humanos, desenvolvem-se a partir de 
uns poucos germes primários de pensamento”, o que demonstra, segundo 
Morgan, uma origem única para o ser humano. Considera-se que, “[...] ao longo 
da última parte do período de selvageria e por todo o período de barbárie, a 
humanidade estava organizada, em geral, em gens, fratrias e tribos” (CASTRO, 
2005, p. 21). Essa organização social era encontrada na Antiguidade, em todos os 
continentes. Para Castro, “[...] sua estrutura e suas relações como membros de 
uma série orgânica bem como os direitos, privilégios e obrigações [...] ilustram 
o crescimento da ideia de governo na mente humana” (CASTRO, 2005, p. 21).
A família também passou pelo processo evolutivo na mesma lógica pro-
gressiva e evolutiva selvageria-barbárie-civilização. Segundo Morgan (CASTRO, 
2005, p. 21), “[...] a família passou por formas sucessivas, e criou grandes 
sistemas de consanguinidade e afinidade que duram até os dias de hoje”. 
Acompanhando Morgan, encontra-se essa mesma lógica evolucionista no que 
A evolução do ser humano: do pensamento religioso ao pensamento científico 15
diz respeito à propriedade: “[...] começando do zero, na selvageria, a paixão 
pela propriedade, como representando a subsistência acumulada, tornou-se 
agora dominante na mente humana nas raças civilizadas” (CASTRO, 2005, p. 22).
Assim, a organização social e a ideia de governo de família e de propriedade 
atravessaram eras e demarcam, de maneira peremptória, certa regularidade 
desde os tempos imemoriais de selvageria até a civilização. Portanto, a ex-
periência e a luta contra obstáculos emergem como fatores determinantes 
no processo evolutivo, que denuncia as razões pelas quais uma sociedade 
evoluiu ininterruptamente e outras sofreram interrupções no processo. Para 
Morgan, diferentemente das invenções e das descobertas, “[...] as instituições 
se desenvolveram a partir de uns poucos germes primários de pensamento 
[...] Os fatos indicam a formação gradual e o desenvolvimento subsequente 
de certas ideias, paixões e aspirações” (CASTRO, 2005, p. 23, grifo nosso). As 
ideias são:
 � subsistência; 
 � governo; 
 � linguagem; 
 � família; 
 � religião; 
 � vida doméstica e arquitetura; 
 � propriedade. 
Especificando, Morgandetalha que a subsistência “[...] foi aumentada e 
aperfeiçoada por uma série de artes sucessivas, introduzidas no decorrer de 
longos intervalos de tempo e conectadas mais ou menos diretamente com 
invenções e descobertas” (CASTRO, 2005, p. 24). Sobre governo, Morgan afirma 
que o germe dessa ideia “[...] deve ser buscado na organização por gentes no 
status de selvageria, e seguido, através de formas cada vez mais avançadas, 
até o estabelecimento da sociedade política” (CASTRO, 2005, p. 24).
No que diz respeito à linguagem, Morgan informa que ela foi desenvolvida 
“[...] a partir das formas mais rudes e simples de expressão” (CASTRO, 2005, p. 
24), e concorda com Lucrécio em relação ao fato de a comunicação ter se dado, 
primeiramente, pelos gestos, depois pela fala articulada. Segundo ele, “[...] 
a inteligência humana, inconsciente de propósito, desenvolveu a linguagem 
articulada utilizando os sons vocais” (CASTRO, 2005, p. 24).
Consanguinidade, costumes comuns e casamento foram os aspectos que, 
segundo Morgan, predominaram na evolução das famílias, e por meio dos 
A evolução do ser humano: do pensamento religioso ao pensamento científico16
quais a história da família pode ser, seguramente, traçada pelas diversas 
formas sucessivamente assumidas (CASTRO, 2005).
Da cabana à casa da família contemporânea, o tema sobre arquiteturas 
das habitações humanas “[...] está ligado à forma da família e ao plano de vida 
doméstica, [e] permite uma ilustração razoavelmente completa do progresso 
desde a selvageria até a civilização” (CASTRO, 2005, p. 24, grifo nosso).
Sobre a ideia de propriedade, Morgan afirma que, de forma lenta, ela 
foi sendo construída na mentalidade humana da selvageria, passando por 
adaptações até sua dominância: “[...] como uma paixão acima de todas as 
outras, marca o começo da civilização” (CASTRO, 2005, p. 24).
As ideias de governo, família e propriedade foram elementos pelos quais 
Morgan apresentou as evidências do progresso humano em sucessivos perí-
odos étnicos. Sobre o governo, ele detalha os dois seguintes planos.
1. Societas (sociedade), que passou de gens para fratria, depois, de forma 
crescente e abrangente, para tribo, confederação de tribos, povo e 
nação. Essa forma de organização antiga “[...] perdurou entre os gregos 
e romanos após o surgimento da civilização” (CASTRO, 2005, p. 25). 
2. Civitas (estado), baseado no território e na propriedade, com estágios 
de integração entre as propriedades em vilas e em condados cujo povo 
está organizado em um corpo político (CASTRO, 2005).
Há preservação dos progressos humanos nas famílias, em que sexo, 
parentesco e território formam a base de sua organização. Assim, 
casamento, consanguinidade, cotidiano, arquitetura e herança promoveram a 
evolução e permanências nas sociedades contemporâneas.
As próprias demandas da vida humana também demonstram evidências 
de progresso evolutivo. Segundo Morgan (CASTRO, 2005, p. 26), “[...] pode 
ser observado, finalmente, que a experiência da humanidade tem seguido 
por canais quase uniformes; que as necessidades humanas, em condições 
similares, têm sido substancialmente as mesmas”.
Morgan, apresenta, ainda, outra divisão dos períodos para facilitar a 
compreensão evolutiva do progresso do conhecimento, que denomina pe-
ríodos étnicos (CASTRO, 2005), superando a demarcação proposta pelos 
arqueólogos dinamarqueses, que instituíram os conhecidos períodos como 
Períodos da Pedra, do Bronze e do Ouro. Os períodos étnicos propostos são 
A evolução do ser humano: do pensamento religioso ao pensamento científico 17
da selvageria e da barbárie, ambos subdivididos em subperíodos inicial, 
intermediário e final, e cada um desses períodos pode ser considerado com 
status inferior, intermediário e superior da evolução humana. Assim, temos, 
progressivamente:
1. da fase da infância da humanidade até a fase da dieta de subsistência 
(selvageria inferior); 
2. da dieta de subsistência até a invenção de arco e flecha (selvageria 
intermediária); 
3. da invenção de arco e flecha até a invenção das artes cerâmicas (sel-
vageria superior). 
A invenção das artes cerâmicas demarca a divisão entre selvagens e 
bárbaros:
1. até a domesticação de animais no hemisfério oriental e, no ocidental, 
com a agricultura de irrigação (barbárie inferior); 
2. da domesticação de animais, no hemisfério oriental, e, no ocidental, 
com a agricultura de irrigação, até a invenção do processo de forjar o 
minério de ferro (barbárie intermediária);
3. da invenção do processo de forjar o minério de ferro até a invenção 
do alfabeto (barbárie superior). 
A partir daqui, inicia-se a civilização.
Cada um desses períodos tem características peculiares, e os períodos 
étnicos permitem identificar tribos isoladas, que mantiveram sua forma de 
vida e não sofreram influências externas. Esses períodos ajudam a compre-
ender que a evolução do conhecimento se deu “[...] a partir de uns poucos 
germes primários de pensamento” (CASTRO, 2005, p. 30).
Referências
CASTRO, C. Evolucionismo cultural. Rio de Janeiro: Zahar, 2005.
ELIADE, M. O sagrado e o profano: a essência das Religiões. São Paulo: Martins Fontes, 
1992.
A evolução do ser humano: do pensamento religioso ao pensamento científico18
Leituras recomendadas
CASTRO, C. Textos básicos de antropologia: cem anos de tradição. Editora Zahar, 2016.
FRAZER, J. O ramo de ouro. Rio de Janeiro: Editora Guanabara, 1982.
MARCONI, M. A; PRESOTTO, Z. M. N. Antropologia: uma introdução. 8. ed. São Paulo: 
Atlas, 2019.
A evolução do ser humano: do pensamento religioso ao pensamento científico 19
ANTROPOLOGIA 
DA RELIGIÃO
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
 > Definir mito, rito, magia e sacrifício no contexto religioso.
 > Reconhecer a contribuição dos antropólogos Durkheim, Mauss e Evans-
-Pritchard na definição de sacrifício, magia e rito.
 > Identificar o papel do rito na preservação da religião e das relações comu-
nitárias. 
Introdução
O mito, o rito, a magia e o sacrifício são componentes da religião que apresen-
tam importantes distinções entre si. Por exemplo, o mito e o rito podem ser 
complementares, ou mesmo excludentes, e nem sempre os rituais mágicos e de 
sacrifício recorrem a uma mitologia para se justificarem. Ainda, o mito carrega 
quase sempre um aspecto explicativo do mundo, e os rituais às vezes encontram 
justificativas nos mitos.
Esses e outros entendimentos relacionados aos conceitos de mito, rito, magia 
e sacrifício permitem uma melhor compreensão do fenômeno religioso. Assim, 
neste capítulo, você vai estudar esses conceitos e compreender as diferenças 
entre eles. Você também vai verificar as contribuições de alguns antropólogos e 
pensadores sobre o tema, notadamente os da escola funcionalista. Por fim, você 
vai compreender a importância dos ritos para a coesão social.
Mito, rito, magia, 
sacrifício e narrativa
Bruno Uhlick D'ambros
Mitos: mentira, drama, ilusão e morte
Para iniciar o estudo dos fenômenos religiosos, é importante compreender o 
que se entende por mitos. Os mitos são narrativas orais populares fantásticas 
sobre personagens humanos, divinos ou animais. Tais narrativas retratam o 
passado e tentam explicar algum aspecto da realidade presente, estando 
conectados com um aspecto religioso do povo que as narra. O principal ele-
mento dos mitos é o elemento fantástico. Certamente há elementos religiosos 
nos mitos, bem como morais e epistêmicos, mas eles não são exclusivos.
Burkert (1979, p. 1, tradução nossa) adota a definição de que o mito é “[...] 
pertencente a uma classe mais geral de contos tradicionais”. Assim, para 
Burkert (1979), o mito é um fenômeno linguístico como outros e é uma criação 
literária como outras. E, como ele é uma criação, surgem sempre as questões 
sobre quem criou e como, quando e por que foi criado. Em parte, essa é a 
função do estudioso dos mitos: descobrir quem, como, quando e por que se 
criou determinado mito. 
O sofista Aelius Theon, em sua obra Progymnasmata, diferenciavamito e 
narração dizendo que o mito é “[...] uma exposição falsa retratando a verdade” 
e que narração é “[...] uma exposição sobre eventos que aconteceram ou que 
poderiam ter ocorrido” (ELIADE, 2019, p. 111). Lang (1887), por sua vez, sustenta 
que há um conflito entre religião e mito. Para ele, “[...] religião é a crença em 
um ser original, um criador, imortal, sem negar a crença em seres espirituais, 
ainda que imorais” e que esse conflito está presente “nas crenças de antigos 
povos civilizados” (LANG, 1887, p. 3, tradução nossa).
A mitologia é apenas um aspecto da religião. As histórias fantásticas dos 
mitos se conectam e, por vezes, fundam um sistema religioso, como é o caso 
do judaísmo, do cristianismo e do islamismo. Contudo, nem todas as religiões 
se reduzem à mitologia. A mitologia frequentemente fornece os elementos 
teóricos para a religião, o seu conjunto de conceitos, a sua teologia, a sua 
moral, mas nem toda a religião se reduz à mitologia. Por exemplo, a mitologia 
grega fornecia as histórias populares dos gregos, cantadas pelos rapsodos 
e narradas por Homero. Contudo, a religião grega não dependia apenas 
dessas mitologias, porque ela continha aspectos práticos e mágicos, que 
não dependiam das narrativas.
Nas religiões ditas “do livro”, como as monoteístas, as mitologias quase 
sempre são a base da religião, e suas práticas são ritualísticas. Por exemplo, 
as histórias fantásticas narradas nos evangelhos são a base para muitas prá-
ticas ritualísticas cristãs, como a cerimônia do lava-pés no Natal, a eucaristia 
Mito, rito, magia, sacrifício e narrativa2
nas missas ou o próprio batismo por imersão ou aspersão. Já no paganismo 
grego, não há registros de práticas fundadas na mitologia grega, por exemplo, 
e nenhum grego tinha um rol de rituais a fazer com base nas ações míticas 
de Aquiles ou Odisseu, por exemplo. Havia, antes, uma moral heroica a se 
seguir, mas nem ela mesma dependia totalmente da fidelidade à narração 
mítica da Ilíada ou da Odisseia.
A mitologia, além de fornecer em alguns casos uma ritualística, oferece 
também uma moral, por meio dos exemplos nas histórias narradas. Nos mitos, 
não importa tanto a veracidade ou não do acontecimento, mas sua lição, sua 
essência, por assim dizer. Nos mitos, suspende-se o juízo sobre verdade ou 
falsidade, e liga-se o juízo sobre o bom e o belo. A mitologia fornece aspectos 
estéticos e éticos muito mais do que aspectos epistêmicos. Ou seja, quando 
alguém ou um povo conta um mito, está muito mais preocupado em transmitir 
uma tradição, em entreter com uma história, em passar algum ensinamento 
arquetípico moral ou estético, do que falar a verdade cientificamente para 
alguém. 
É certo que há, segundo muitos teóricos, um aspecto explicativo dos mitos. 
As histórias fantásticas em geral tentavam explicar a origem de algum cos-
tume, moral, valor, coisa, acontecimento, tradição etc. Eram, assim, tentativas 
pré-científicas de fornecer respostas para muitas dúvidas humanas. Porém, 
pergunta-se frequentemente no estudo dos mitos se eles são anteriores ou 
posteriores à coisa explicada. Por exemplo, no mito da ressurreição de Cristo: 
teria sido ele o criador da crença na ressurreição e, portanto, anterior a ela, 
ou teria sido ele decorrência da crença na ressurreição e veio para explicá-la? 
Ou, ainda, o mito da criação do homem a partir da argila foi a causa da crença 
da criação do homem a partir do barro ou foi uma tentativa de explicar essa 
crença? Em todos os casos, o mito sempre tenta explicar algo, ou a coisa em 
si, ou a crença nessa coisa.
O estudo acadêmico dos mitos, ou mitologia, iniciou-se com os estudos 
filológicos na Alemanha do fim do século XVIII e início do século XIX. Assim, 
ele se desenvolveu dentro da área da linguística e posteriormente foi dissemi-
nado para outras áreas das ciências humanas, como história, antropologia e 
ciências da religião. O interesse nesse estudo teve início junto com o interesse 
no estudo das línguas antigas, como grego, latim, hebraico e sânscrito, e está 
profundamente ligado também aos estudos do folclore. Por esse motivo, o 
estudo da mitologia floresceu concomitantemente com o estudo das línguas 
indo-europeias e das teorias ligadas a elas.
Mito, rito, magia, sacrifício e narrativa 3
Uma das teorias ligadas às línguas indo-europeias é a da existência 
de uma raça ariana. Essa teoria sustenta que uma leva migratória 
de falantes de línguas proto-indo-iranianas, os arianos (do sânscrito ārya, 
, nobre; etimologia sobrevivente no termo “irã” moderno), em direção ao 
ocidente, teria formado os povos caucasianos, as suas línguas e, consequen-
temente, os seus mitos. Esses mitos teriam elementos comuns entre eles e, 
decantadas as devidas diferenças mútuas, suas estruturas podem ser traçadas 
até hoje. Tal fato originou a disciplina da mitologia comparativa, em que vários 
mitos de vários lugares são comparados para encontrar uma estrutura narrativa 
comum.
Uma prova da origem comum dos mitos e das línguas europeias com os povos 
falantes de línguas arianas é a expressão “Zeus pai”: em grego, Zeus Pater, em 
latim, Jupiter Pater, em védico, Dyáuṣ Pitṛ́ . Essa semelhança sugere que gregos, 
romanos e indianos se originaram de uma mesma cultura ancestral e seria uma 
prova para a teoria da raça ariana e sua migração para o ocidente. A línguas e 
os mitos, assim, são objetos de estudos genealógicos para se traçar as origens 
comuns de línguas, culturas e mitos.
Na mitologia, é possível encontrar muitos temas recorrentes entre vários 
mitos de vários lugares. Por exemplo, a criação do homem da argila é um 
tema comum em inúmeras mitologias:
 � na epopeia suméria de Gilgamesh, a deusa Aruru molda Enkidu a partir 
da argila;
 � na mitologia grega, Prometeu molda os homens a partir da argila;
 � na mitologia hebraica, o deus Elohim molda o homem da argila;
 � na mitologia hindu, Parvati molda Ganesh na argila;
 � na mitologia chinesa, Nüwa molda humanos a partir da argila amarela.
Outro exemplo de um tema recorrente em vários mitos de vários lugares 
é o tema do domínio do fogo:
 � na mitologia grega, Prometeu rouba o fogo dos deuses para dá-lo aos 
homens e levá-los à civilização;
 � na mitologia semítica, no livro de Enoque, os anjos caídos e Azazel 
ensinam os homens a usar o fogo;
 � na mitologia védica, Rigveda fala de um herói chamado Matarisvan que 
descobriu o fogo, que havia sido escondido da humanidade. 
Mito, rito, magia, sacrifício e narrativa4
Um último exemplo: a titanomaquia. Muitas culturas têm um mito de cria-
ção, em que deuses mais jovens e civilizados combatem e derrotam deuses 
mais velhos e selvagens, que representam as forças do caos. Por exemplo:
 � na mitologia hindu, os devas guerreiam com os asuras;
 � na mitologia grega, os deuses olímpicos guerreiam com os titãs;
 � na mitologia celta, os deuses da vida e da luz guerreiam com os fomo-
rianos, deuses da morte e das trevas.
Alguns especialistas interpretam esses mitos comuns como um reflexo das 
conquistas dos povos indo-arianos em sua expansão para o ocidente, onde 
eles se viam como nobres e portadores da civilização. Esses são somente 
alguns exemplos de inúmeros temas mitológicos comuns espalhados por 
várias culturas. Existem muitos outros, como os temas dos gigantes, dos 
dragões e das serpentes, da luta contra o caos, do ouroboros, do herói, das 
metamorfoses, dos deuses que visitam os homens, dos homens que visitam 
os deuses, da virgem que concebe, das aparições celestes etc. Em todos eles, 
temos a narração de uma história fantástica.
Essa primeira abordagem das mitologias era essencialmente diacrônica, 
ou seja, focava no estudo dos mitos e em seu desenvolvimento no tempo e no 
espaço. Portanto, utilizava largamente as teorias evolucionistas e difusionis-
tas para elaborar as suas próprias teorias sobre a mitologia. Nessa primeira 
fase do estudo dos mitos, surgiram alguns nomes muito importantes, como 
Jacob Ludwig Karl Grimm (1785-1863), Andrew Lang (1844-1912),Franz Bopp 
(1791-1867), Friedrich Max Müller (1823-1900) e James George Frazer (1854-1941).
Os trabalhos dessa primeira leva de mitólogos eram profundamente 
históricos e filológicos, tentando traçar hipóteses evolutivas dos mitos e 
encontrar origens comuns e processos migratórios comuns pelos quais os 
mitos tenham passado e se desenvolvido juntamente com a língua e o povo. 
Contudo, o excessivo foco no aspecto diacrônico pecava em explicar muitas 
coisas sobre os mitos, como sua função social, seu significado particular, 
seu aspecto prático e seu caráter religioso ou político dentro do sistema e 
da cultura em questão, bem como sua utilidade.
Houve também uma abordagem estrutural-funcionalista da religião. Nessa 
perspectiva, deixava-se de considerar tão preponderantes os aspectos dia-
crônicos nos mitos e levava-se em consideração seus aspectos sincrônicos, 
ou seja, sua função aqui e agora dentro da cultura e do sistema religioso 
em questão. São expoentes dessa abordagem: Émile Durkheim (1858-1917), 
Mito, rito, magia, sacrifício e narrativa 5
Marcel Mauss (1872-1950), E. E. Evans-Pritchard (1902-1973), Claude Lévi-Strauss 
(1908-2009), Georges Dumézil (1898-1986) e Joseph John Campbell (1904-1987). 
Uma interpretação frequente dos mitos é o chamado evemerismo. O 
evemerismo é uma teoria hermenêutica de interpretação dos mitos criada no 
século IV a.C. por Evêmero (330-220 a.C.), mas defendida já muito antes pelo 
sofista Pródico de Ceos (465-395 a.C.). Evêmero dizia que todos os persona-
gens mitológicos, heróis ou deuses, teriam tido uma existência real e comum 
no passado, mas, ao longo do tempo, foram divinizados. Assim, histórias 
fantásticas foram sendo inventadas, e seus feitos foram amplificados por 
medo, ignorância ou admiração dos povos. Ou seja, não há nenhum sentido 
oculto nos mitos — apenas hipérboles e exageros de pessoas comuns reais 
do passado. David Hume e Voltaire, na modernidade, adotaram essa posição 
sobre os mitos cristãos.
Já para Platão, os mitos tinham uma importante função política na pólis. 
Como o rei-filósofo é o único habilitado a mentir, então é importante criar 
bons mitos para o bom funcionamento da pólis. Assim, a função do filósofo 
não se oporia à do poeta: ambos criam e disseminam mitos, mas o primeiro 
cria mitos bons para o funcionamento social, e o segundo, não. Na sua obra 
A república, Platão censura os mitos tradicionais, contudo, não condena os 
mitos em si, mas sua função, porque seriam prejudiciais para a educação dos 
jovens na pólis. O mito deve estar à serviço da verdade, e não o contrário. As 
histórias fantásticas devem ser usadas de modo a incutir bons valores nos 
jovens. Isso se dá porque “[...] Platão, através dos mitos, trata de estruturas 
complexas constitutivas desse homem” (BOCAYUVA, 2014, p. 13).
Bultmann (2000) também trouxe considerações importantes sobre os mitos 
com o seu conceito hermenêutico de demitologização. Ele argumenta que não 
é mais viável no mundo moderno crer nos mitos do novo testamento, porque 
a ciência moderna é irreconciliável com a mitologia cristã antiga. Portanto, é 
preciso desmitologizar o mito, o que significa que se deve ver a mensagem 
central por trás do mito, seu sentido simbólico. Assim, é importante depurar o 
cristianismo mítico da essência do próprio cristianismo, o chamado kerigma.
O kerigma é a essência do cristianismo, a moral cristã nas palavras de 
Jesus no Sermão da Montanha, a mensagem por trás dos mitos cristãos. Assim, 
os milagres, a morte e a ressurreição, os exorcismos, as curas e as histórias 
fantásticas no Evangelho não são histórias reais, mas encobrem simbolica-
mente o sentido real. Por exemplo, a história mitológica da ressurreição de 
Jesus esconde seu verdadeiro sentido — a saber, que a morte não é o fim, que 
há continuidade da vida, que o espírito prossegue sua jornada etc.
Mito, rito, magia, sacrifício e narrativa6
Mito, para Bultmannn (2000), é o que era para o antropólogo britânico 
Edward Tylor (1832-1917): uma explicação primitiva e fantástica do mundo, 
incompatível com a explicação científica, e sua interpretação literal deve ser 
rejeitada para dar lugar a uma interpretação simbólica. A real intenção do 
mito é contar sobre o entendimento do próprio homem — por isso, o mito 
deve ser interpretado não cosmologicamente, mas antropologicamente e 
existencialmente. Bultmann (2000, p. 13-14) afirma que:
Toda a concepção do mundo que pressupõe tanto a pregação de Jesus como a 
do Novo Testamento, é, em linhas gerais, mitológica, por exemplo, a concepção 
do mundo como estruturado em três planos: céu, terra e inferno; o conceito da 
intervenção de poderes sobrenaturais no curso dos acontecimentos; e a concepção 
dos milagres, especialmente a ideia da intervenção de poderes sobrenaturais na 
vida interior da alma, a ideia de que os homens podem ser tentados e corrompi-
dos pelo demônio e possuídos por maus espíritos. A esta concepção de mundo 
qualificamos de mitológica porque difere da que tem sido formada e desenvolvida 
pela ciência, desde que esta se iniciou na antiga Grécia, e que logo foi aceita por 
todos os homens modernos. Nesta concepção moderna do mundo, é fundamental 
a relação entre causa e efeito.
Eliade (2019) não interpreta os mitos simbolicamente nem muda sua função 
aparente. Para ele, o mito é uma explicação sobre a origem de um fenômeno, 
e não apenas uma explicação de seu acontecimento pontual. Eliade (2019) 
crê que a ciência moderna também tem seus mitos, e os mitos, assim como a 
ciência, têm função explicativa do mundo. O mito fala sobre como em épocas 
longínquas os deuses criaram coisas, sociais ou naturais, que ainda existem. O 
mito, assim, tenta justificar o presente com histórias genealógicas passadas.
Além desse aspecto “histórico-teórico” do mito, ele tem um aspecto prático 
— a saber, convencer o povo presente a aceitar dada tradição, reencená-la, 
teatralizá-la, para atualizá-la e voltar magicamente nesse tempo mítico de 
quando ela ocorreu, por meio de um rito acessório. Assim, o prêmio do mito 
é o reencontro com a própria divindade, com seu tempo primordial, e disso 
advém uma regeneração presente, em que se confirma que as ações presentes 
de dado povo estão corretas. O mito serve para não ser contestado, para 
ser obedecido, para servir de ligação com esse passado mítico da história.
A ciência, ao contrário, não tem essa função. A ciência só explica; o mito 
explica e regenera. A ciência funciona por contestação constante de si mesma, 
o que leva a uma dúvida eterna sobre ela mesma e a um constante ruir de suas 
próprias bases. O mito, ao contrário, não admite revisão, ceticismo, dúvida — é 
essa certeza mítica que é a sua força. Os modernos creem na ciência, contudo, 
ela mesma precisa de seus próprios mitos constantemente — caso contrário, 
Mito, rito, magia, sacrifício e narrativa 7
deve justificar-se. Tylor, Frazer e Max Weber (1864–1920) argumentavam que o 
mito é vítima da secularização moderna. Eliade (2019) argumenta que o mito 
não morreu, mas permanece camuflado no meio da ciência.
Eliade (2019, p. 122) crê que alguns "comportamentos míticos" sobrevivem 
no mundo moderno, como o mito do retorno às origens. O autor aponta que: 
[...] quando se empreendia uma inovação, esta era concebida, ou apresentada, 
como um retorno à origem. A Reforma inaugurou o retêm à Bíblia e ambicionava 
reviver a experiência da Igreja primitiva, ou mesmo das primeiras comunidades 
cristãs. A Revolução Francesa tomou como paradigmas os romanos e os espartanos. 
Os inspiradores e os chefes da primeira revolução europeia radical e vitoriosa, 
que assinalou não somente o fim de um regime, mas o fim de um ciclo histórico, 
consideravam-se os restauradores das antigas virtudes exaltadas por Tito Lívio e 
Plutarco. Na aurora do mundo moderno, a "origem" gozava de um prestígio quase 
mágico. Ter uma "origem" bem estabelecida significava, em suma, prevalecer-se 
de uma origem nobre. "Temos nossa origem em Roma!", repetiam comorgulho os 
intelectuais romenos dos séculos XVIII e XIX. A consciência de uma descendência 
latina era acompanhada, para eles, de uma espécie de participação mística na 
grandeza de Roma.
Tylor (1920) defende uma completa separação entre mito e ciência. Ele 
inclui o mito na religião e a religião e a ciência na filosofia, dividida, por sua 
vez, em primitiva e moderna. A filosofia primitiva é igual à religião. Não existe 
ciência primitiva. A filosofia moderna tem duas divisões: religião e ciência. A 
religião moderna é composta de metafísica e ética, que não estão presentes 
na religião primitiva. A metafísica lida com entidades não físicas, das quais 
os primitivos não possuem a noção, já que toda entidade é física; e a ética 
lida com entidades morais que também não existem para os primitivos. 
Para ele, o mito se originou da mente infantil dos homens primitivos. Tylor 
(1920, p. 282, tradução nossa) foi um dos primeiros a defender a mitologia 
comparativa como modo de descobrir padrões mentais culturais relevados 
nos mitos; ele diz que:
[...] tratar mitos semelhantes de regiões diferentes organizados em grandes grupos 
comparados torna possível rastrear na mitologia o funcionamento de processos 
imaginativos recorrentes com a regularidade evidente de um padrão mental; e, as-
sim, histórias das quais uma única instância teria sido uma mera curiosidade isolada 
tomam seu lugar entre estruturas bem marcadas e consistentes da mente humana.
Tylor (1920) entende a religião como animista, tanto a primitiva quanto a 
moderna, porque a crença em deuses é derivada da crença em almas, e as 
almas são entidades físicas nas religiões primitivas. A religião primitiva era 
análoga à ciência, porque tinha pretensões explicativas do mundo. A expli-
Mito, rito, magia, sacrifício e narrativa8
cação religiosa é personalista: as decisões arbitrárias dos deuses explicam 
as coisas. A explicação científica é impessoal: as leis naturais explicam as 
coisas. Como hoje a ciência explica mais e melhor do que a religião, os mitos 
perderam qualquer utilidade explicativa. Tylor interpreta os mitos literalmente 
e se opõe a qualquer hermenêutica mitológica alegórica, poética, metafórica, 
simbólica ou evemérica. 
O alemão Max Müller pensava que os próprios antigos haviam interpretado 
mal seus próprios mitos, considerando-os literais. Histórias originalmente 
simbólicas de fenômenos naturais passaram a ser lidas como descrições lite-
rais dos atributos dos deuses. Por exemplo, um mar “furioso” foi interpretado 
como uma pessoa realmente irada, e então o mito foi criado para explicar 
essa antropomorfização. Isso acontecia porque, segundo Müller, as línguas 
antigas não possuíam substantivos abstratos ou de gênero neutro. Sempre 
se pensava e se falava personalisticamente e antropomorfizadamente. Os 
mitos foram inventados devido a uma lacuna de expressão nessas línguas 
antigas proto-indo-arianas (MÜLLER, 1901).
Frazer (1982) considerava o mito parte da religião primitiva, e esta, por 
sua vez, parte da filosofia universal. A religião primitiva é contraparte da 
ciência natural. Mito e ciência ou verdade são exclusivos. A religião primitiva 
funciona como contraparte da tecnologia. O mito serve para criar eventos 
magicamente, como o bom rendimento da safra. O ritual é encenação do mito.
Um mito querido a Frazer era o de Adônis. Adônis era filho do rei Ciníras 
de Chipre com sua filha Mirra. Pérsefone e Afrodite eram apaixonadas por 
ele. Contudo, Adônis preferia Afrodite e passava mais tempo com ela. Ares, 
amante de Afrodite, enciumado, mandou um javali matar Adônis. O javali 
atingiu fatalmente Adônis na anca, que jorrou sangue. O sangue, ao cair na 
terra, fez nascer uma anêmona. Afrodite, que corria para salvá-lo, feriu-se 
em uma rosa — as rosas até então eram todas brancas — e a transformou 
em rosa vermelha com seu sangue. Adônis morto desceu ao submundo e lá 
encontrou Perséfone. Zeus, compadecido de Afrodite, decidiu que Adônis 
passaria quatro meses com Afrodite, quatro com Perséfone e quatro livre. 
Segundo Frazer, o mito explica as estações do ano, a safra e as colheitas. 
O antropólogo polonês Bronisław Malinowski (1884–1942) afirma que os 
primitivos procuram controlar a natureza pelos ritos, em vez de explicá-la 
pelos mitos. Malinowski (1988) argumenta que os primitivos estão muito 
ocupados correndo atrás da sobrevivência para se dar ao luxo de refletir 
sobre isso. Para Malinowski, os primitivos usam o mito como uma reserva 
para a ciência. Onde a ciência para, volta-se para a mágica. Outro aspecto 
do mito é que ele, por narrar eventos passados sobre a origem, diz que nada 
Mito, rito, magia, sacrifício e narrativa 9
pode ser feito, que as coisas são como são, e assim tende a justificar uma 
moral resignada sobre os fenômenos sociais e naturais presentes. Já o rito 
seria seu oposto: seria a crença na possibilidade de que alguma mudança é 
possível, de que é possível alterar o curso da realidade; assim, um de seus 
pressupostos é a crença em alguma liberdade humana.
A mitologia grega é muito rica e muito bem documentada. Ao longo do 
tempo, muitas coletâneas e versões dos mitos gregos apareceram. A 
Biblioteca Mitológica, de Pseudo-Apolodoro, os poemas épicos Ilíada e Odisseia, 
de Homero, a Teogonia, de Hesíodo, as tragédias gregas de Ésquilo, Sófocles e 
Eurípides, as Histórias, de Heródoto, a Biblioteca Histórica, de Diodoro Sículo, 
a Descrição da Grécia, de Pausânias, as Metamorfoses, de Ovídio, e a Eneida, de 
Virgílio, são algumas das obras que recontam os mitos gregos. 
Talvez um dos mitos mais famosos e populares na Antiguidade tenha sido 
o de Hércules. Hércules era filho de Zeus e Alcmena, filha do rei de Argos. Ele 
era odiado por Hera, esposa de Zeus e sua madrasta. Hércules ficou conhecido 
por sua extrema força, mas também por ter matado sua própria esposa Mégara 
e seus filhos em um acesso de raiva. Para obter a expiação desse erro, o rei 
Euristeu o incumbiu de 12 trabalhos, que fez com maestria. Contudo, ele morreu 
devido a uma poção mágica mortal, que sua esposa, enganada pelo centauro 
Nesso, passou em seu manto, que queimou sua carne. Zeus concedeu-lhe a 
imortalidade junto ao Olimpo. Em torno de Hércules desenvolveu-se um culto 
que foi muito popular na Península Ibérica. O estreito de Gibraltar era chamado 
na Antiguidade de Colunas de Hércules, e em Cádis haviam algumas torres em 
sua homenagem.
Lévi-Strauss (2007), por sua vez, resgata uma visão intelectualista dos 
mitos. O mito também é uma tentativa de compreender o mundo, uma ex-
plicação de algo, um procedimento intelectual. Lévi-Strauss considera que 
o pensamento primitivo é concreto, e o moderno, abstrato, e isso se reflete 
na mitologia. O pensamento primitivo é qualitativo, enquanto o moderno, 
quantitativo. O pensamento primitivo foca em aspectos sensíveis e visíveis da 
realidade — os minerais, as plantas, os barulhos, os sons, as cores, as texturas, 
os sabores, os odores e os mitos manipulam essas qualidades dos sentidos, 
enquanto o pensamento lógico moderno os exorciza da ciência. Lévi-Strauss 
(2007, p. 21) considera os mitos como parte da “[...] ciência do concreto”. Ainda, 
ele diz que todos os homens e povos pensam de modo classificatório, em 
pares de oposições, e as projetam no mundo. Os fenômenos culturais e os 
mitos, especialmente, mostram esses binarismos estruturantes da realidade 
e tenta solucioná-los. O próprio Lévi-Strauss nos diz qual era seu objetivo 
quanto aos mitos, quando escreve que:
Mito, rito, magia, sacrifício e narrativa10
As histórias de carácter mitológico são, ou parecem ser, arbitrárias, sem significado, 
absurdas, mas apesar de tudo dir-se-ia que reaparecem um pouco por toda a parte. 
Uma criação «fantasiosa» da mente num determinado lugar seria obrigatoriamente 
única — não se esperaria encontrar a mesma criação num lugar completamente 
diferente. O meu problema era tentar descobrir se havia algum tipo de ordem por 
detrás desta desordem aparente — e eratudo (LÉVI-STRAUSS, 2007, p. 23).
Para quem se interessar mais pelo tema do mito, existem algumas 
obras básicas, tanto coletâneas de mitos quanto teoria mitológica. 
Abaixo listamos os principais títulos e seus respectivos autores: 
 � Jacob Grimm — Mitologia alemã
 � Pierre Commelin — Mitologia grega e romana
 � Jenny March — Mitos clássicos
 � Andrew Lang — Mito, religião e ritual
 � James Frazer — O ramo de ouro
 � Robert Graves — Os mitos gregos
 � Reginaldo Prandi — Mitologia dos orixás
 � Junito de Souza Brandão — Dicionário mítico-etimológico
 � Thomas Bulfinch — O livro da mitologia
 � Ovídio — Metamorfoses
 � Claude Lévi-Strauss — Mitológicas; Mito e significado
 � Georges Dumézil — O festim da imortalidade: estudo de mitologia comparada 
indo-europeia
 � Joseph Campbell — O herói de mil faces
 � Rudolf Bultmann — Novo Testamento e Mitologia
 � Robert Segal — Mito: uma breve introdução
 � Jordan Peterson — Mapas do significado: arquitetura da crença
 � Ernst Cassirer — Linguagem e mito
 � Mircea Eliade — Mito e realidade
 � K. K. Ruthven — O mito
Rito: teatro e drama
O rito, junto com o mito, é um dos principais componentes da religião. 
É quase difícil, para não dizer impossível, achar uma religião sem um 
conjunto de mitologias próprias e de ritos específicos. Mesmo aquelas 
Mito, rito, magia, sacrifício e narrativa 11
vertentes mais “racionalizadas” do cristianismo e depuradas de aparatos 
ritualísticos barrocos, como o luteranismo e o presbiterianismo, têm sua 
ritualística mínima. Mas o que é o rito?
Um ritual é uma sequência de ações, pessoas, gestos, objetos e palavras 
específicas feitas em um local específico com uma finalidade específica, diri-
gidas a uma entidade específica, para modificar alguma realidade específica. 
Assim, um ritual se caracteriza como profundamente concreto, performático, 
prático e ordenado. Enquanto o mito é essencialmente oral e narrativo, o rito 
é essencialmente performático. Por vezes, os ritos podem ser a atualização de 
um evento mítico passado. É o caso do rito eucarístico católico, que pretende 
ser a constante reatualização da noite da santa ceia e da morte de Jesus. 
Nesse caso, mito e rito caminham juntos. Todo rito depende um mito, mas 
nem todo mito depende de um rito.
Nessa definição, estão incluídas toda a liturgia católica, ortodoxa e pro-
testante, as liturgias judaicas, islâmicas e pagãs, os cultos, os louvores, os 
sacramentos, os ritos de passagens, os batismos, os casamentos, as cerimô-
nias orientais e também os ritos não religiosos, como juramentos, coroações, 
posses presidenciais, inaugurações, casamentos, funerais, colações de grau, 
condecorações honoríficas, formaturas etc. Basicamente toda ação perfor-
mática pode ser um rito. Rito, em sentido restrito, é um conceito religioso. 
Contudo, em uma sociedade laicizada que tomou emprestadas ritualísticas 
religiosas do cristianismo, pode-se perfeitamente falar em rito no sentido 
amplo. Contudo, à título de delimitação, sempre que falarmos de rito aqui, 
falaremos no sentido religioso.
O termo “rito” vem do latim ritus, um conceito jurídico e religioso romano 
usado para significar a performance correta do direito, análoga ao nosso 
moderno direito processual — literalmente “o reto”, o jeito certo de fazer 
algo. Este, por sua vez, é derivado do sânscrito ṛtá, que significa “ordem 
visível” nos Vedas — ou seja, a ordem regular do normal, o modo apropriado, 
justo e natural da estrutura cósmica e das ações humanas. Nota-se, já na sua 
etimologia, que o termo “rito” tinha uma conotação ética, a saber, o modo 
correto de agir, que devia ser uma mimese da natureza. A natureza, para os 
antigos, tinha uma racionalidade intrínseca, uma lógica, um propósito — não 
era puro caos, mas essencialmente ordenada. Portanto, a vida humana tam-
bém deveria ser assim. Os ritos, portanto, mimetizavam essa ordem natural 
no mundo humano.
Existe um aspecto mágico nos ritos religiosos. A correta manipulação de 
objetos, o correto uso e proferimento de palavras secretas ou encantamentos, 
dada entonação de voz, o correto uso de ingredientes ou elementos, o correto 
Mito, rito, magia, sacrifício e narrativa12
uso de roupas específicas e gestos específicos — tudo isso aproxima os rituais 
de um aspecto mágico. A magia, como veremos a seguir, é a manipulação e 
a performance de coisas com vista a alterar uma realidade natural. Os ritos 
se aproximam desse aspecto mágico, na medida em que exigem uma correta 
manipulação ou performance.
William Robertson Smith (1846–1894), orientalista escocês, argumenta que 
a crença, ou o convencimento, só é importante para as religiões modernas, 
mas não era nas religiões antigas, que focavam muito mais nos rituais, ou seja, 
em aspectos práticos da religião. Em vez de as religiões antigas possuírem 
um credo, um rol de dogmas fixos, elas possuíam uma história mitológica 
que explicava ou justificava os ritos estabelecidos por alguma instituição 
direta dos deuses ou por seu exemplo. Mas esse mito explicativo não era 
obrigatório. Desse modo, o mito era secundário ao rito. O rito não dependia 
de um mito para ser performado (SMITH; SUTHERLAND, 1912). O problema da 
teoria de Smith é que ela somente explica o mito, mas não o rito, e, ademais, 
restringe o mito ao rito, de modo que só se pode compreender um mito 
posteriormente ao próprio rito. 
Para Tylor (1920), o mito é uma explicação do mundo físico, e não do ritual, 
e funciona independentemente do rito; é uma declaração, uma narrativa 
equivalente a um credo, mas na forma de uma história fantástica. O ritual 
pressupõe um mito para Tylor, diferentemente do que diz Smith, porque o mito 
é a explicação, a fundação do rito, a fonte de onde a performance se origina. 
Frazer dedica o cerne de seu clássico O ramo de ouro para tratar do estágio 
intermediário entre a religião e a ciência, um estágio em que magia e religião 
estão combinadas. É nessa fase do desenvolvimento evolutivo da religião que 
está o ritualismo mítico, porque nele o mito e o rito se fundem. Frazer (1982) 
mostra um exemplo de ritual mágico, em que o deus da vegetação morre e 
renasce. O ritual é feito quando se quer que o inverno acabe logo. O ritual 
funciona pela lei da similaridade, em que a imitação de um acontecimento 
natural faz com que ele realmente ocorra — como ocorre no vodu. Para Fra-
zer, a explicação mítica é só um meio de controle, e o ritual é sua aplicação; 
contudo, o mito ainda está subordinado ao rito. 
Burkert (1979) defende a completa separação e independência entre mito 
e rito — contudo, ambos se reforçam mutuamente. O mito confere ao rito 
justificativas: deve-se dramatizar o mito porque os deuses assim o fizeram. 
O rito reforça o mito, transformando uma simples história fantástica em um 
comportamento. Burkert (1979) funda o mito no sacrifício e na violência e 
agressão, que tem sua origem no sacrifício da caça, expressão primitiva da 
agressão. O ritual do sacrifício é a caça dramatizada.
Mito, rito, magia, sacrifício e narrativa 13
A Figura 1 exemplifica um ritual dos Karajás, no Tocantins, que marca a 
passagem da infância para a idade adulta.
Figura 1. Ritual Hetohoky, ou festa da casa grande, dos Karajás, no Tocantins, que marca a 
passagem da infância para a idade adulta.
Fonte: Araújo (2016, documento on-line).
Para Durkheim (1996), o rito, a aglomeração de indivíduos em torno da 
mesma crença, faz surgir uma efervescência social que leva, por sua vez, ao 
sentimento religioso. Sobre isso, ele escreve que “[...] só o fato da aglomeração 
já age como excitante excepcionalmente poderoso. Uma vez que os indivíduos 
estão reunidos, emana da sua aproximação uma espécie de eletricidade que 
os conduz rapidamente a grau extraordinário de exaltação” e “[...] portanto, é 
nesses meios sociais efervescentes e dessa própria efervescência que parece 
ter nascido a ideia religiosa” (DURKHEIM, 1996, p. 274).
Magia: ilusão e encantamento
Um aspecto indissociável do rito é a magia. É difícil separá-los,porque ge-
ralmente o rito é um processo mágico, e a magia é um ritual. Quase todos os 
ritos têm um aspecto mágico, e quase toda magia tem um aspecto ritual. A 
magia primitiva, dos povos selvagens, a magia de tradição ocultista, a magia 
nas religiões africanas, a magia na cabala, a magia nas religiões antigas de 
mistério gregas e até mesmo a magia nos ritos do cristianismo (batismo, 
Mito, rito, magia, sacrifício e narrativa14
eucaristia, crisma etc.) são indissociáveis de rituais. A magia quase sempre 
acontece dentro de um ritual, de um rito, de uma liturgia, de uma cerimônia, 
de uma ordem religiosa, porque sua eficácia depende de sua correta perfor-
mance: palavras corretas, gestos corretos, ingredientes corretos, sacerdote 
correto, tempo e espaços corretos, preparação correta etc. A falta de qualquer 
desses elementos pode acarretar sua ineficácia.
No entanto, há quem oponha magia e publicidade ritual, alegando que 
a magia é um ritual privado, secreto, misterioso, e não parte de um culto 
organizado, e que, geralmente, ela visa a algo proibido. Essa é a definição de 
Marcel Mauss (2000), por exemplo. Assim, a magia se opõe à religião. 
O que define a magia? É um conjunto de procedimentos, ingredientes, 
palavras, gestos, pessoas, sons, lugares e datas feitos para se alterar algum 
aspecto da realidade. A magia é essencialmente prática e utilitária e funda-se 
na crença de que o homem é capaz de alterar as coisas, se souber a magia 
correta. A própria etimologia da palavra nos revela isso. O termo “magia” vem 
o latim magia, que, por sua vez, veio do grego μάγος, que veio do proto-indo-
-europeu magh, que significa “ser capaz”. A raiz do termo gerou inúmeras 
palavras que, para os hermeneutas mais criativos, é rico em interpretações: 
imagem, imaginário, magistério etc.
Frazer (1982) diz que há dois tipos de magia: a homeopática e a simpática. 
A magia homeopática se baseia no princípio da similaridade, em que o mago 
imita atos que se deseja que ocorram: aspergir água na terra para fazer cho-
ver, espetar o braço de um boneco para infligir dor em alguém etc. A magia 
simpática se baseia no princípio da simpatia, em que o objeto e o contato 
com dado objeto afetam a própria pessoa por contágio: cabelo, sangue e pele 
seriam perigosos, pois têm ligação direta com o possuidor.
Por trás da crença mágica, há a crença na causalidade, o que faz com que 
Frazer a aproxime, nesse quesito, da ciência, visto que a ciência também opera 
por causalidade. Contudo, a magia, diferentemente da ciência, não pode ser 
guia de comportamento. A magia, para Frazer, é como uma ciência infantil — 
seria como uma protociência. Tanto a magia quanto a ciência também não se 
identificariam com a religião, porque em ambas há a crença na liberdade e 
no poder humanos de mudar coisas naturais. Para Frazer, a magia é anterior 
à religião, e a passagem daquela para esta ocorreu quando seus praticantes 
notaram que o rito mágico nem sempre funcionava e concluíram que havia 
forças maiores do que eles. 
Para Durkheim (1996), tanto a mágica quanto a religião pertencem ao 
sagrado — a diferença está na organização social. Magia descreve coisas 
inerentemente antissociais, contrastando com a religião, que é essencial-
Mito, rito, magia, sacrifício e narrativa 15
mente social. Na magia, existe uma espécie de antirreligião, porque a crença 
mágica não pretende juntar seus adeptos e uni-los em um grupo para uma 
vida comum. Durkheim afirma que: 
[...] a religião é coisa eminentemente social. As representações religiosas são repre-
sentações coletivas que exprimem realidades coletivas; os ritos são maneiras de agir 
que surgem unicamente no seio dos grupos reunidos e que se destinam a suscitar, a 
manter, ou a refazer certos estados mentais desses grupos” (DURKHEIM, 1996, p. 38).
Durkheim não parece, no entanto, distinguir claramente magia e religião. 
Parece, nesse caso, que a divisão importante é entre o sagrado e o profano, e 
não entre religião e magia. Onde há esse sistema classificatório entre coisas 
sagradas e coisas profanas, há religião e magia. Contudo, a religião parece 
estar muito mais ligada à sociedade e ao caráter público e social, enquanto a 
magia é uma técnica utilitária individual e, por isso mesmo, desinteressante 
como tema sociológico.
Malinowski (1988) rejeita a versão evolutiva de Frazer de que a magia se 
encontra no primeiro estágio evolutivo. Ele defende, ao contrário, que os três 
estágios estão presentes concomitantemente em cada sociedade. Segundo 
ele, tanto a magia quanto a religião emergem e funcionam em situações de 
tensão emocional; contudo, a religião é primeiramente expressiva, e a mágica 
é prática. Malinowski (1988) define magia como uma arte prática de atos que 
são somente meios para uma finalidade definida e esperada. Além do mais, 
na magia, as ações são feitas com vistas para um fim, enquanto, na religião, 
as ações são um fim em si mesmo. A magia não é irracional, mas racional 
dentro do sistema social onde é praticada, porque tem uma utilidade.
Mauss (2009) contesta dois critérios de magia de Frazer: o da simpatia e o 
da coação. Frazer aponta que toda magia é simpática, ou seja, opera por seme-
lhança: o semelhante produz semelhante. Contudo, para Mauss, há magias não 
simpáticas, há simpatia na religião, e a religião também tem força de coação. 
A magia é uma das muitas categorias de ritos: religiosos, solenes, públicos, 
obrigatórios, regulares e mágicos. Mauss traça uma distinção muito forte entre 
magia e religião: a religião é pública e aberta, e a magia, privada e fechada, de 
modo que a magia exprime uma irreligiosidade, porque não forma um culto or-
ganizado, rito privado, secreto, misterioso e que tende no limite ao rito proibido.
Mauss (2009) argumenta que a magia tem três elementos essenciais: o 
mágico, os rituais e as representações. O mágico deve ter qualidades distin-
tivas das demais pessoas e passa por uma iniciação. Os rituais podem ser 
mais manuais ou orais, e as representações podem ser impessoais abstratas 
ou concretas e pessoais. Mauss diz que: 
Mito, rito, magia, sacrifício e narrativa16
Para nós, devem ser ditas mágicas apenas as coisas que forem realmente 
tais para toda uma sociedade, e não as que foram assim qualificadas apenas 
para uma fração de sociedade. Mas sabemos que as sociedade nem sempre 
tiveram de sua magia uma consciência muito clara, e que, quando a tiveram, 
só chegaram a isso lentamente [...] A magia compreende agentes, atos e re-
presentações: chamamos mágico o indivíduo que efetua atos mágicos, mesmo 
quando não é um profissional; chamamos representações mágicas as ideias e 
as crenças que correspondem aos atos mágicos; quanto aos atos, em relação 
aos quais definimos os outros elementos da magia, chamamo-los ritos mágicos 
(MAUSS, 2009, p. 55).
Sacrifício: morte e vida
Assim como é difícil pensar em uma religião sem mito, rito e magia, é igual-
mente difícil pensar uma religião sem o sacrifício. O sacrifício é uma constante 
universal em quase todas as religiões, seja o sacrifício propriamente dito, 
seja o moral. O termo sacrifício vem do latim sacrificium e significa “ofício 
sagrado”. Ofício, por sua vez, vem de officium e significa “dever”, “obrigação 
moral”. Assim, sacrifício significa “obrigação sagrada”.
Há vários sinônimos para sacrifício: imolação, oferta, oblação etc. Em 
todos ele remete à morte de algo, ao assassinato de alguma coisa ou alguém. 
É a prática de oferecer aos deuses uma vítima (animal, pessoa, planta, 
colheita) como ato de propiciação e expiação. No judaísmo há o korban e 
o holocausto, no islã há o Udhiyah e o Dhabĥ, no candomblé, o Axogun, no 
catolicismo, a missa.
Os sacrif ícios religiosos começaram com sacrif ícios animais (Figura 
2). Existem inúmeros registros arqueológicos de sítios de sacrifícios ani-
mais espalhados pelo mundo, mas hoje temos registros mais seguros 
sobre Egito, Grécia, Jerusalém e Roma Antiga. Os animais próprios para o 
sacrifício eram bois, vacas,ovelhas, touros, porcos e aves, o que indica 
que o homem começou essa prática quando aprendeu a domesticá-los. 
Os sacrifícios de animais consistem basicamente na degola do animal, na 
separação de suas gorduras, na leitura da sorte pelo fígado, no banho de 
sangue, na repartição das outras partes entre os sacerdotes, na confecção 
de utensílios litúrgicos com suas partes restantes, como as peles, e na 
queima de suas partes para os deuses em altares. Os altares gregos mais 
famosos eram o de Hieron e o de Pérgamo. O sacrifício serve tanto como 
agradecimento como penitência.
Mito, rito, magia, sacrifício e narrativa 17
Figura 2. Sacrifício de um porco na Grécia Antiga. Técnica de pintura em cerâmica vermelha 
em tondo, atribuída a Apolodoro, hoje exposta no Louvre.
Fonte: Épidromos (2007, documento on-line).
Talvez o pensador que mais falou sobre o sacrifício foi René Girard (1923-
2015). Sua tese fundamental é a de que os desejos são cópias, e não originais. 
O desejo é mimético do desejo alheio. Desejamos porque o outro deseja. 
Queremos porque o outro quer. O bode expiatório, o sacrifício ritual, seria uma 
tentativa de pôr um fim nesse conflito entre o desejo original e o desejo imita-
ção. Essa violência mimética é a origem da cultura. O conflito de desejos gera 
uma violência direcionada para um bode expiatório. Quando muitas pessoas 
imitam o desejo umas das outras, elas entrarão em conflito mútuo pelo mesmo 
objeto de desejo. Agora, elas não desejam apenas a mesma coisa, mas desejam 
destruírem-se umas às outras para se apossar do mesmo objeto de desejo.
Toda essa violência e agressividade tende a ser direcionada para a mesma 
vítima, que, antes modelo de desejo, agora é modelo de antipatia geral. O 
sacrifício brutal e violento dessa vítima vai gerar uma sensação de satisfação 
e pacificar o grupo agressivo. A vítima morta deixa de ser fonte da violência, 
mas salvação da própria violência. Sacrificada essa vítima, há a pacificação 
Mito, rito, magia, sacrifício e narrativa18
e a reconciliação do grupo. Essa seria a origem da religião. O sacrifício ritual 
seria uma reconstituição inconsciente desse evento originário. Essa é a origem 
da religião e da sociedade para Girard: o sacrifício.
A perseguição e o sacrifício do bode expiatório é um processo social dolo-
roso, em que culpados aleatórios (mas não na perspectiva dos perseguidores 
e sacrificadores) são escolhidos para aplacar a ira dos deuses e saciar a sede 
de vingança da sociedade. Sobre isso, Girard (2004, p. 23) escreve que: 
Os perseguidores acabam sempre por se convencer de que um pequeno número de 
indivíduos ou até mesmo um só pode tornar-se extremamente nocivo para toda a 
sociedade, apesar de sua relativa fraqueza. É a acusação estereotipada que facilita 
e autoriza esta crença, desempenhando com toda evidência um papel mediador.
Mauss, em seu Ensaio sobre o sacrifício (1899), entende o sacrifício como 
um procedimento de comunicação com o mundo sagrado e o profano pela 
vítima. Os sacrifícios podem ser pessoais ou objetivos e contêm um sacrifi-
cante e um sacrifício. A vítima deve ser separada do mundo profano e levada 
ao mundo sagrado. Há dois tipos de sacrifícios: o de sacralização, como os 
ritos de entrada, e o de dessacralização, como os ritos de saída. Nos sacri-
fícios agrários, deve-se dessacralizar a vítima para liberar o espírito divino 
da planta e sacralizar os novos campos de cultivo. Nesse caso, a origem dos 
sacrifícios está no mundo agrário, e não no pecuário.
O mesmo ocorre com a noção de um sacrifício de deus, quando inicialmente 
só havia sacrifícios a deus. Os sacrifícios a deus são relações de trocas do 
mundo profano com o mundo sagrado por meio da vítima. O sacrifício de 
deus é a total abnegação sem barganhas. O exemplo de abnegação divina 
pede abnegação humana. O sacrifício mostra que os indivíduos podem se 
servir das forças sociais para seus objetivos. Demonstra-se que as noções 
religiosas existem, objetivamente, como fatos sociais.
Sobre o conflito entre sacrifícios agrários e sacrifícios pecuários, 
leia o mito bíblico de Caim e Abel (Gênesis 4:1-7), que explica, dentre 
outras coisas, porque Deus prefere animais sacrificados do que colheitas:
E conheceu Adão a Eva, sua mulher, e ela concebeu e deu à luz a Caim, e disse: Alcancei 
do Senhor um homem. E deu à luz mais a seu irmão Abel; e Abel foi pastor de ovelhas, 
e Caim foi lavrador da terra. E aconteceu ao cabo de dias que Caim trouxe do fruto da 
terra uma oferta ao Senhor. E Abel também trouxe dos primogênitos das suas ovelhas, 
e da sua gordura; e atentou o Senhor para Abel e para a sua oferta. Mas para Caim e 
para a sua oferta não atentou. E irou-se Caim fortemente, e descaiu-lhe o semblante. 
E o Senhor disse a Caim: Por que te iraste? E por que descaiu o teu semblante? Se bem 
fizeres, não é certo que serás aceito? E se não fizeres bem, o pecado jaz à porta, e 
Mito, rito, magia, sacrifício e narrativa 19
sobre ti será o seu desejo, mas sobre ele deves dominar. E falou Caim com o seu irmão 
Abel; e sucedeu que, estando eles no campo, se levantou Caim contra o seu irmão 
Abel, e o matou. E disse o Senhor a Caim: Onde está Abel, teu irmão? E ele disse: Não 
sei; sou eu guardador do meu irmão? E disse Deus: Que fizeste? A voz do sangue do 
teu irmão clama a mim desde a terra. E agora maldito és tu desde a terra, que abriu 
a sua boca para receber da tua mão o sangue do teu irmão. Quando lavrares a terra, 
não te dará mais a sua força; fugitivo e vagabundo serás na terra. Então disse Caim 
ao Senhor: É maior a minha maldade que a que possa ser perdoada. Eis que hoje me 
lanças da face da terra, e da tua face me esconderei; e serei fugitivo e vagabundo na 
terra, e será que todo aquele que me achar, me matará. O Senhor, porém, disse-lhe: 
Portanto qualquer que matar a Caim, sete vezes será castigado. E pôs o Senhor um 
sinal em Caim, para que o não ferisse qualquer que o achasse. E saiu Caim de diante 
da face do Senhor, e habitou na terra de Node, do lado oriental do Éden. E conheceu 
Caim a sua mulher, e ela concebeu, e deu à luz a Enoque; e ele edificou uma cidade, 
e chamou o nome da cidade conforme o nome de seu filho Enoque.
O funcionalismo e a religião
A escola funcionalista em ciências sociais foi uma reação às escolas de ten-
dência evolucionista e difusionistas. Seu “pai” foi Émile Durkheim. Em suas 
três principais obras, é possível ver a aplicação do seu funcionalismo: A 
divisão do trabalho social (1893), Regras do método sociológico (1895) e Formas 
elementares da vida religiosa (1912).
Na Divisão do trabalho social (DTS), há duas tipificações de sociedade 
possíveis, as simples e as complexas, cada qual com suas características e 
uma antitética à outra. As sociedades simples são sociedades com pouca 
diferenciação social, em que predomina a coletividade, há menos liberdade 
individual e, por isso, o direito deve ser repressivo. As sociedades complexas 
se caracterizam como sociedades com muita diferenciação social, em que 
predominam o indivíduo e os direitos individuais, e o direito é restitutivo.
Até aqui, na DTS, Durkheim (2010) somente repete algumas generalizações 
antropológicas de seu tempo sobre sociedades primitivas e modernas. No 
entanto, há uma inovação. Durkheim (2010) diz que o que mantém essas 
duas sociedades unidas em seu interior são, respectivamente, dois tipos de 
solidariedade: a mecânica e a orgânica. Em sociedades simples, a unidade e 
a coesão social são conseguidas por meio do direito repressivo e da baixa 
diferenciação entre os indivíduos, e não há espaço para a liberdade individual. 
Esse tipo de solidariedade entre os membros é chamada de solidariedade 
mecânica. Nelas, ainda não há divisão social do trabalho, e, justamente 
por isso, a solidariedade é mecânica. Já em sociedades complexas, há uma 
enorme divisão social do trabalho e é esta que faz seus membros se unirem 
em solidariedade orgânica. Assim, a primeira inovação, ao comparar socie-
Mito, rito, magia,sacrifício e narrativa20
dade primitivas e modernas, está no vínculo de solidariedade proporcionado 
pela divisão social do trabalho. A divisão social do trabalho, assim, não é 
necessariamente um mal do capitalismo, mas tem uma função específica no 
interior dessas sociedades. Aqui está a inovação metodológica de Durkheim: 
a ideia de função.
Em sua segunda obra, Regras do método sociológico (RMSs), a ideia de 
função já aparece bem formulada. Nessa obra, há cinco noções metodológicas 
importantes para as ciências sociais. A primeira é a noção de fato social. 
O objeto próprio da sociologia são os fatos sociais. Nisso, as RMSs estão 
acompanhando o naturalismo metodológico de Comte. O naturalismo diz que 
toda realidade é subsumida pela natureza e que, portanto, a natureza é a 
única fonte das explicações possíveis. A própria palavra “fato” é buscada na 
distinção naturalista entre fato e valor. Fato é aquilo que pertence à natureza, 
e não ao mundo humano (DURKHEIM, 2019). 
Portanto, ao dizer que a sociedade deve ser estudada com um fato, Durkheim 
(2019) está dizendo que a sociedade deve ser estudada como um objeto natural, 
mesmo sabendo que não o é. A primeira regra é considerar um fato social como 
uma coisa. Portanto, a noção de fato social durkheimiana decorre, antes, de 
seu naturalismo metodológico, herança claramente positivista. Um fato social, 
assim como um fenômeno natural, é exterior, geral e constringente.
Então, temos que o naturalismo metodológico desliza para a noção de fato 
social, e esta, por sua vez, implica que mesmo as exceções na natureza, as 
anomalias, as diferenças, estão englobadas e não são, propriamente, aber-
rações dentro do sistema, mas exercem uma função. Portanto, o naturalismo 
metodológico durkheimiano implica em seu funcionalismo metodológico. Em 
miúdos, isso quer dizer que, dentro da sociedade, as exceções e diferenças são 
abarcadas e englobadas, a fim de que o organismo chegue a uma homeostase 
social, um equilíbrio, uma resolução de conflitos. Ideia muito diferente, por 
exemplo, a título de comparação, daquela de Marx.
Outra noção metodológica presente nas RMSs é a de holismo metodo-
lógico. Na verdade, é uma consequência da noção de fato social. O holismo 
metodológico afirma que a sociedade precede o indivíduo, a sociedade é 
um todo orgânico. A generalidade do fato social implica que ela, a própria 
sociedade, é maior que o indivíduo. O todo precede as partes. Se as coisas 
que sucedem na sociedade devem ser encaradas como fato social, e se o fato 
social se caracteriza como exterior, geral e constringente, então o fato social 
é maior que o indivíduo e tem capacidade de englobá-lo. Portanto, o todo, a 
sociedade, é maior que suas partes, os indivíduos. Isso implica em um certo 
antivoluntarismo, por certo. Durkheim (2019) observa que, mesmo em uma 
Mito, rito, magia, sacrifício e narrativa 21
sociedade livre como a moderna capitalista França, ainda assim o indivíduo 
não pode se desvincular de inúmeras coisas ou fatos sociais: a linguagem, 
o direito, as instituições sociais, os padrões morais gerais. Há sempre algo 
maior que constringe os indivíduos.
A terceira noção metodológica é a da morfologização social: substituir a 
multiplicidade de indivíduos por um número restrito de tipos sociais. Visto 
que é impossível estudar todos os indivíduos e as relações entre eles, deve-
-se tipificar agrupamentos e criar morfologias sociais explicativas do mundo 
social. Por fim, o quarto princípio metodológico nas RMSs é o do método 
comparativo. O método comparativo é o único que convém à sociologia. 
Deve-se comparar variações seriadas, regulares, ligadas entre si, graduadas e 
contínuas. Por meio dessas comparações, pode-se chegar a alguma lei social. 
O que Durkheim (2019) está apontando aqui não é a comparação diacrônica 
entre fenômenos sociais iguais em sociedades diferentes, à moda dos evolu-
cionistas culturais ingleses. Trata-se de comparações sincrônicas entre fatos 
sociais iguais em sociedades contemporâneas, sem buscar a origem ou casa 
de tal fato social no passado. Assim, a noção do método comparativo pode 
ser expressa como sincronia, em vez de diacronia.
Outra obra evidente do funcionalismo de Durkheim é Formas Elementares 
de Vida Religiosa (FEVR). A ideia de função perpassa toda ela. Não é somente 
uma teoria social, mas um princípio metodológico: as diferenças, as anomalias, 
as clivagens e mesmo os próprios indivíduos devem ser vistos, por princípio 
metodológico, como funções neste organismo vivo chamado sociedade. Em 
FEVR, a noção de função está plenamente desenvolvida. A religião é definida 
como um sistema social, ou seja, uma funcionalidade social. Mesmo no auge 
do capitalismo do fin de siècle, quando a religião era vista com desprezo, 
sombra de um mundo passado primitivo, Durkheim (2001) afirma que ainda 
há funcionalidade da religião no interior da sociedade moderna.
Durkheim (2001), ao analisar o totemismo australiano, conclui que os 
componentes elementares da religião são as crenças e os ritos. As crenças 
são sistemas filosóficos explicativos, tão funcionais como a ciência para os 
modernos, e os ritos são sistemas práticos, igualmente tão funcionais como 
a medicina ou o direito. Há rituais positivos, que são os deveres, e negati-
vos, que são os tabus. A religião é um sistema cognitivo-classificatório. O 
conhecimento tem origem na vida social. Sem a vida social seria impossível 
conhecer o mundo. É em sociedade que as pessoas constroem suas ideias, 
seus conhecimentos, suas palavras classificatórias das coisas. Assim, a religião 
funciona como o primeiro sistema classificatório e cognitivo humano. Para 
Durkheim (1996, p. 344), as forças religiosas:
Mito, rito, magia, sacrifício e narrativa22
[...] são forças apenas coletivas hipostasiadas, isto é, forças morais; são feitas de 
ideias e dos sentimentos que o espetáculo da sociedade desperta em nós, não 
das sensações que nos vêm do mundo físico. Elas são, portando, heterogêneas às 
coisas sensíveis nas quais nos situamos. Podem perfeitamente tomar dessas coisas 
as formas exteriores e materiais sob as quais são representadas; mas nada lhes 
advém daquilo que faz sua eficácia. Elas não estão presas por laços internos aos 
suportes diversos sobre os quais vêm se colocar; não têm raízes neles; de acordo 
com uma expressão que já empregamos e que pode servir para caracterizá-las 
melhor, elas se acrescentam a eles. 
Marcel Mauss, ele também um funcionalista e sobrinho de Durkheim, aplica 
seu funcionalismo como uma chave de leitura social, em especial para os fenô-
menos religiosos, em seus ensaios Esboço para uma teoria geral da magia (1904) 
e Ensaio sobre a dádiva (1924). Mauss faz uma interpretação funcionalista da 
religião, em particular dos fenômenos da magia e do sacrifício. Quanto à magia, 
Mauss (2000) a insere em uma espécie de rito, no entanto, de caráter privado, 
fechado, misterioso, secreto, por tender a ações mal vistas socialmente. Esse 
tipo específico de ritual precisa de no mínimo três elementos essenciais, a saber:
 � o mágico, aquele que faz a magia, que deve ser um iniciado e saber 
lidar com essa técnica;
 � os rituais propriamente ditos, ou seja, a sequência de ações e palavras 
corretas para que a magia funcione; e
 � as representações impessoais ou pessoais.
Quanto ao sacrifício, Mauss (2008) o tratou sob a forma de dádiva. Dife-
rentemente do sacrifício animal, a dádiva é outra forma de sacrifício. Mauss 
começa seu famoso ensaio tratando de um poema escandinavo sobre a 
obrigação de dar e receber presentes. O texto é uma grande reflexão sobre 
formas arcaicas de contrato e trocas protoeconômicas, comparando-as entre 
sociedades da Polinésia, da Melanésia e do noroeste americano. Nessas 
formas arcaicas, nota-se a obrigação de dar, receber e retribuir, que existem 
também nas sociedades ocidentais.
Nas sociedades primitivas, os contratos são feitos entre clãs e tribos por 
meio de trocas coletivas de presentes, de modoa formar um sistema de 
dádivas. Esse sistema é não apenas econômico, mas moral; são prestações e 
contraprestações de presentes, alianças e amizades. Ele os chama de sistemas 
de prestações totais. Neles, circulam amabilidades, banquetes, ritos, serviços, 
mulheres, crianças, festas, danças e objetos também. Tudo é objeto de troca. 
A finalidade é a comunhão entre as partes. As coisas trocadas têm uma alma 
própria ligada ao doador, o chamado hau. Assim, dar um objeto é dar-se.
Mito, rito, magia, sacrifício e narrativa 23
As noções de honra, prestígio e vaidade estão presentes nessas trocas. 
Quando alguém doa, doa-se e estabelece uma dívida com que recebe. A dádiva 
é sempre uma dívida. Para pagá-la, ele também deve doar. O donatário deve 
oferecer uma dádiva à altura da que recebeu. Quanto mais grandiosas as 
doações, maior prestígio concedido a seus doadores. Um exemplo notável 
é o ritual do Potlatch norte-ameríndio, em que há uma forma agonística da 
troca, marcada pelo sacrifício. 
Outro funcionalista importante no tema foi Evans-Pritchard. Ele fez um 
trabalho de campo entre os Azande, um povo selvagem primitivo africano. A 
noção de bruxaria entre esse povo é como uma filosofia natural, ou ao menos 
tem tal função análoga. Por ela se explicam acontecimentos cotidianos e tam-
bém aqueles considerados sobrenaturais. Além de aspectos protoepistêmicos, 
a bruxaria tem aspectos morais, pois regula o comportamento desse povo. A 
hipótese de bruxaria nos eventos lúgubres é rejeitada quando há possibilida-
des outras, como o oráculo e a quebra de um tabu (EVANS-PRITCHARD, 1965). 
Nesse sistema, qualquer um pode ser considerado bruxo ou alvo de bru-
xarias. Entre eles, a magia e os oráculos são usados como modo de identificar 
os bruxos. As relações de causalidade feitas entre os Azandes não admitem 
a coincidência ou o acaso — tudo tem uma causa, por mais remota que seja, 
e a bruxaria tenta suprir as lacunas causais quando não se sabe ou não 
se tem outra possibilidade. Contudo, mesmo tendo outras hipóteses, eles 
sempre recorrem à bruxaria como explicação de infortúnios, chamando-a de 
umbaga, ou “segunda lança”. A primeira lança é a primeira causa de morte de 
um animal, a segunda lança contribui para a morte. Assim, analogamente, ao 
usar a palavra umbaga, segunda lança, para se referir à bruxaria, os Azande 
creem que, de um modo ou de outro, a bruxaria sempre está presente nos 
infortúnios (EVANS-PRITCHARD, 1965).
Evans-Pritchard é um grande crítico tanto das teorias psicológicas sobre a 
religião como das sociológicas de viés evolucionista e difusionista. Ele critica 
a pretensão dos antropólogos dessas duas correntes em comparar culturas 
diferentes. Em sua opinião, essas correntes tendem a ver o mundo dividido 
entre “nós” e “eles”, em que:
[...] nós somos racionais, eles são povos pré-lógicos vivendo em um mundo de 
sonhos, de mistérios e temor; nós somos capitalistas, eles comunistas; nós somos 
monogâmicos, eles promíscuos; nós monoteístas, eles fetichistas e animistas, pré-
-animistas ou coisa do gênero e etc. O homem selvagem assim era representado 
como infantil, rude, comparável a animais e imbecis (EVANS-PRITCHARD, 1965, p. 
105, tradução nossa).
Mito, rito, magia, sacrifício e narrativa24
O caráter conservador do rito
Na manutenção da religião, o rito tem um papel fundamental. Como o rito tem um 
caráter, quase sempre, de dramatização do mito, e como o mito é uma narrativa 
fantástica sobre as origens de uma tradição, um costume, uma moral, uma pessoa, 
um herói, um deus ou um fenômeno natural, então o rito preserva as tradições. 
Por meio do rito, o passado é constantemente reatualizado no presente. Esse é o 
caso da missa cristã, por exemplo. Um ritual de sacrifício se perpetua no tempo 
ininterruptamente, por meio da memória de uma história fantástica. 
O rito, além de preservar a religião e as tradições morais, preserva as 
relações comunitárias. É importante ter em mente que a maior parte das 
religiões surgiu e se desenvolveu intimamente ligada à política, ao governo, 
aos reis, aos governantes, de modo que a separação entre os conceitos mo-
dernos de Estado e de religião é muitíssimo recente, remontando à Revolução 
Francesa. Na grande maioria das religiões primitivas de que a antropologia 
trata, a religião ainda é intimamente ligada à vida social e política. Desse 
modo, é quase impossível separar ritos religiosos de ritos políticos, porque 
toda a vida social dos primitivos é profundamente imersa em ritos.
As antigas cerimônias de coroação dos reis eram ritos políticos, mas 
também religiosos. As cerimônias rituais de sacrifício no antigo templo 
judaico de Salomão eram ritos religiosos, mas profundamente políticos. E, mesmo 
na Roma Antiga, onde nasceu a ideia de república, os rituais oblativos e as cerimô-
nias de preparação à guerra eram ritos tanto religiosos como políticos. A religião 
permeava toda a vida social na Antiguidade e ainda permeia nos povos arcaicos.
Alguns pensadores refletiram muito sobre o papel da religião e de seus 
elementos míticos e ritualísticos no mundo moderno, como Max Weber e Jean-
-Marie Guyau (1854-1888). Cassirer (1946, p. 44, tradução nossa) aponta que “[...] 
consciência teórica, prática e estética, o mundo da linguagem e da moralidade, 
as formas básicas de comunidade e estado estão todas originalmente ligadas 
com concepções mítico-religiosas”. Se assim for, todos os aspectos sociais 
estão intimamente ligados com aspectos profundamente religiosos e míticos, 
mesmo em um mundo supostamente racional e tecnológico como o nosso. 
Weber (2013) falou que o mundo moderno do século XIX estava passando 
por um grande desencantamento do mundo — literalmente, em alemão, 
uma entzauberung der welt —, uma “desmagicalização”. Nele, o mundo, em 
um crescente de racionalidade, pragmatismo, utilitarismo e capitalismo, 
vai perdendo suas origens religiosas, esquecendo sua herança religiosa, 
Mito, rito, magia, sacrifício e narrativa 25
perdendo o encanto e o mistério sobre as coisas da vida, de modo a levar a 
consequências trágicas do ponto de vista social e psicológico. 
Guyau (2014) falava que o futuro da religião não seria propriamente seu 
desaparecimento, como advogavam os positivistas, em que a religião seria 
apenas um estágio passado na evolução humana, mas, sim, que a religião 
seria transmutada em uma espécie de irreligião, uma mistura sincrética 
de credos, de tradições religiosas conflitantes e de ciência, de modo a ser 
mais palatável para o público. Guyau influenciou muitos pensadores como 
Nietzsche, Bergson, Jankelévitch e Kropotkin.
Já Durkheim (2001) viu nas religiões primitivas a expressão de uma coesão 
social perdida na modernidade. Nas sociedades simples, onde há pouca 
diferenciação social e pouco valor à liberdade individual, com predomínio da 
coletividade e do direito repressivo, a coesão social se obtém por solidariedade 
mecânica. Ou seja, mecanicamente, como em uma engrenagem fabril, tudo 
nessas sociedades simples é feito para funcionar bem, sem percalços, e os 
mínimos sinais de caos e liberdade individual são solapados para preservar a 
unidade. A religião e seus ritos nessas sociedades são fatos sociais funcionais 
para a manutenção da ordem, da homogeneidade e da coesão.
O rito, para Durkheim, é um dos componentes dos fatos religiosos, junto 
com as crenças, e exprime condutas chanceladas pelas crenças. Tanto os ritos 
como as crenças organizam o mundo entre coisas sagradas e coisas profanas. 
Os ritos coletivos têm as funções de pôr o povo que os pratica em movimento 
para sua celebração e, assim, aproximar os indivíduos, reforçar seus laços de 
proximidade e coesão, criar inimigos e amigos comuns e criar uma identidade 
comum. A sociedade molda e envolve os indivíduos nos fatos religiosos; por 
meio dos ritos, esses indivíduos praticam tais fatos mais despertos e ligados.
Deixamos uma questão: como o mundo republicano, democrático, liberal 
e laico moderno consegue criar coesão socialsem os ritos religiosos e sem 
uma mitologia comum? Essa pergunta ecoa desde a Revolução Francesa. 
Dado que hoje a religião e os seus ritos não são mais fundamentos para a 
unidade política, como a sociedade contemporânea consegue alguma uni-
dade e coesão social sem mitos fundacionais e sem ritos próprios? Pode o 
mundo social sobreviver sem uma mitologia e sem rituais? Pensemos sobre 
os símbolos nacionais, sobre o hino nacional, sobre a bandeira, sobre os 
processos de independência dos países latino-americanos durante o século 
XIX, sobre a tentativa de criação de uma identidade nacional nos primeiros 
anos de proclamação da República no Brasil. A república e a democracia 
modernas não criaram seus próprios mitos e ritos para ter unidade e coesão 
social? Seria a política moderna uma nova forma de religião? 
Mito, rito, magia, sacrifício e narrativa26
Referências
ARAÚJO, W. Festa Hetohoky da etnia Karajá representa identidade cultural do Estado. 
Portal Tocantins, 16 mar. 2018. Disponível em: https://portal.to.gov.br/noticia/2018/3/16/
festa-hetohoky-da-etnia-karaja-representa-identidade-cultural-do-estado/. Acesso 
em: 16 nov. 2020.
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Mito, rito, magia, sacrifício e narrativa 27
Leituras recomendadas
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VAN GENNEP, A. Os ritos de passagem. Petrópolis: Vozes, 2013.
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Mito, rito, magia, sacrifício e narrativa28
ANTROPOLOGIA 
DA RELIGIÃO
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
 > Problematizar a questão da antropologia urbana nos âmbitos individual e 
social com base no conceito de comportamentos desviantes.
 > Descrever os possíveis diálogos entre a antropologia urbana e as demais 
ciências humanas.
 > Identificar as novas identidades religiosas e as novas práticas ritualísticas 
no contexto urbano. 
Introdução
Neste capítulo, você vai aprender sobre o espaço urbano a partir de uma perspectiva 
das ciências sociais, mais especificamente, da antropologia, e sua inter-relação com 
os demais campos das ciências sociais. A antropologia urbana é um subcampo da an-
tropologia relativamente recente nas ciências sociais. Consolidou-se como disciplina 
entre o final da década de 1960 e o início de 1970. Sua contribuição perpassa estudos 
dos fenômenos urbanos, principalmente fenômenos manifestados nas grandes 
metrópoles, onde há maiores complexidades e diferenciações sociais e culturais.
Assim, neste capítulo, você vai estudar como surgiu a antropologia urbana, 
quais são seus métodos e suas técnicas e quais são as suas especificidades 
dentro da grande área que é a antropologia. Você também vai compreender como 
antropólogos urbanos compreendem o comportamento desviante no meio social, 
bem como o que é o comportamento desviante. Por fim, você vai aprender sobre 
as formas de manifestações religiosas no meio urbano.
Antropologia urbana
Ráisa Lammel Canfield
Introdução à antropologia urbana 
A antropologia, de forma geral, é um dos campos de conhecimento das ci-
ências sociais. Ela tem como objeto principal de análise os estudos cultu-
rais — dentro desse amplo campo de possibilidades que existe dentro das 
expressões culturais — e as formas como os seres humanos são constituídos 
socialmente e expressam suas identidades a partir do que foi internalizado 
culturalmente. Ela surgiu no contexto histórico de expansão das grandes 
navegações, quando diferentes civilizações passaram a interagir ao entrar 
em contato umas com as outras. 
As primeiras explicações para as diferenças culturais foram elaboradas com 
base nos determinismos biológico e/ou geográfico. O determinismo geográfico 
se mobilizava para explicar diferenciações culturais tendo como base o território 
de moradia dos grupos sociais considerados diferentes. Já o determinismo bioló-
gico buscava explicar tais diferenciações com base nos aspectos biológicos dos 
sujeitos. As explicações deterministas justificavam as diferenças, por exemplo, 
a partir do que era considerado como capacidades inatas aos seres humanos, 
dentro das diferenciações criadas a partir do critério racial. Nesse sentido, esse 
modelo explicativo reforçava a dominação sobre certas populações a partir de 
um viés carregado de preconceitos e sem sustentação científica (LARAIA, 2001).
Um exemplo de argumento determinista pode ser demonstrado a 
partir da justificativa dada para a escravização de povos africanos, 
quando diziam que se tratava de uma “raça submissa”. Outro exemplo pode ser 
identificado no fragmento contido no Tratado da Terra do Brasil, escrito por 
Pero de Magalhães Gândavo (2015), que diz que os índios se constituem como 
“povo sem fé, lei e rei”, além de preguiçoso. Tais afirmações consistiam em 
justificativas para desprezá-los, inferiorizá-los e dominá-los. 
Os estudos antropológicos surgiram para refutar esses determinismos. Ao 
estudar de forma minuciosa cada cultura, os antropólogos puderam constatar 
e afirmar que não existe povo mais ou menos evoluído, assim como não existe 
nenhum que possa ser considerado como melhor ou pior. O que existem são 
diferenças culturais, de significação para as ações e concepções de mundo, 
não sendo possível, portanto, justificar qualquer diferença a partir de aspectos 
biológicos ou geográficos. 
Foi a partir dos primeiros estudos antropológicos que aprendemos mais 
profundamente sobre hábitos e costumes dos povos primitivos. Ou seja, a 
partir de estudos antropológicos, podemos aprender como determinado 
Antropologiaurbana2
grupo social é formado e desenvolve sua cultura e como os costumes e valores 
constitutivos dessa cultura são produzidos, reproduzidos e internalizados por 
seus participantes. É um trabalho de imersão que busca compreender como 
cada ação e concepção de mundo é significada pelos indivíduos em análise.
Somos, portanto, seres produtores, mas também produto da cultura, e 
o principal fator disso é a linguagem, o que também nos faz diferenciar de 
outras espécies animais. Por exemplo, a arte rupestre foi uma das primeiras 
formas de representação artística, mas também de expressão da consciência 
simbólica humana. Foi a partir dela que a linguagem humana se desenvolveu e 
pôde ser expressa e significada de diferentes formas. É com base em narrativas 
emitidas por interlocutores que, a partir de estudos antropológicos, memórias 
são reconstruídas, por meio de processos de construção e expressão de 
identidades, sejam elas subjetivas, artísticas, religiosas, políticas etc., assim 
como de qualquer especificidade cultural de qualquer grupo populacional, 
comunidade, tribo etc. (LARAIA, 2001).
Para saber mais sobre antropologia, acesse o canal Leituras Obri-
gaHISTÓRIA no YouTube e assista aos vídeos “O que é ANTROPOLOGIA? 
- Antropológica” e “O que é ETNOGRAFIA e como fazer? - Antropológica”. No 
primeiro vídeo, a antropóloga Mariane Pisani explica o que é a antropologia, 
de forma mais abrangente do que é apresentado neste capítulo e, no segundo, 
o que é a etnografia, método próprio da antropologia.
Como campo de conhecimento, a antropologia parte de um método de 
investigação próprio, a etnografia. Este é um método que tem por base a 
chamada observação participante, em que os pesquisadores se inserem 
no campo a ser pesquisado e passam a acompanhar a rotina. O objetivo é 
coletar dados que auxiliem na compreensão das diferentes formas com que 
os sujeitos dão significado às suas ações e compreendem os espaços em que 
estão inseridos, sem deixar de contextualizá-los. De forma geral, a etnografia 
é um método que auxilia no processo de compreensão das representações e 
concepções de mundo de diferentes grupos sociais. Geertz (1978, p. 15) define 
a etnografia da seguinte forma: 
[…] segundo a opinião dos livros-textos, praticar a etnografia é estabelecer rela-
ções, selecionar informantes, transcrever textos, levantar genealogias, mapear 
campos, manter um diário de campo e assim por diante. Mas não são estas coisas, 
as técnicas e os processos determinados, que definem o empreendimento. O que 
define é um tipo de esforço intelectual que ele representa: um risco elaborado 
para uma descrição densa.
Antropologia urbana 3
É por meio dessa descrição densa e minuciosa, como diz Geertz (1978), que 
passamos a compreender aspectos que são específicos de cada cultura, de cada 
grupo social. Podemos entender também como, por exemplo, uma determinada 
concepção, comportamento ou categoria pode ser reproduzida e compreendida 
de forma diferente, de acordo com o meio em que os sujeitos estão inseridos. 
Para exemplificar de forma didática e simples essa ideia, há um 
relato clássico na antropologia que é o famoso “caso das piscadelas”, 
um exemplo de como uma simples piscadela pode ter diferentes significados. 
Direcionar uma piscadela a alguém pode significar um interesse (paquera) ou 
pode ser um sinal de alerta, de consentimento ou mesmo um “tique nervoso”, 
e é nesses pequenos significados que os antropólogos se detêm. O estudo 
minucioso, de observação em detalhes, permite explicar os rituais, os costumes 
e os significados das ações, das categorias sociais, das normas, enfim, das 
concepções de mundo e das estruturas de significação em geral.
A antropologia é, portanto, um campo geral de conhecimento, e, dentro 
dele, há diferentes subcampos, como antropologia da alimentação, antropo-
logia da educação, antropologia brasileira, antropologia econômica, antro-
pologia do direito, dentre outras que podem, inclusive, se sobrepor. Daremos 
ênfase neste capítulo à antropologia urbana. 
A antropologia urbana se consolidou como disciplina no final da década 
de 1960 e, de certa forma, rompeu com os estudos clássicos voltados às 
sociedades tradicionais (camponesas e indígenas, especialmente). As-
sim, voltou-se aos estudos em espaços urbanos, com foco nas chamadas 
sociedades complexas, em contraponto às sociedades tradicionais ou 
primitivas. O contraponto é no sentido de que, nos espaços urbanos, a 
configuração social é diferente e com maior complexidade do que nas 
comunidades tradicionais.
Nos espaços urbanos, há uma diversidade de grupos sociais, com es-
tilos de vida diversificados e normas diversas; os indivíduos podem se 
entrelaçar, de forma sobreposta ou não, construindo e reconstruindo 
suas identidades e concepções de mundo. Por isso, também não podemos 
afirmar a existência de uma cultura comum a todos. Sendo assim, cabe ao 
antropólogo social compreender as lógicas urbanas, as especificidades 
dos territórios, a forma como os indivíduos vivenciam esses espaços e 
dão sentidos a eles. No decorrer deste capítulo, essas especificidades 
ficarão melhor especificadas.
Antropologia urbana4
Comportamentos desviantes e a relação indivíduo 
versus sociedade
No campo das ciências sociais, a discussão sobre a relação indivíduo versus 
sociedade e/ou cultura é recorrente entre os teóricos clássicos, como Karl 
Marx, Émile Durkheim e Max Weber, e também entre os contemporâneos, como 
Norbert Elias e Pierre Bourdieu. De forma geral e resumida, as perspectivas 
variam conforme descrito a seguir (QUINTANEIRO; BARBOSA; OLIVEIRA, 2002).
1. Foco na influência da sociedade sobre o indivíduo, ou seja, na coerção 
social a partir das normas e instituições sobre os indivíduos — nesse 
caso, as formas de agir, pensar e sentir são propriedades que existem 
fora das consciências individuais, pois dependem das relações externas 
a eles para serem produzidas (Émile Durkheim).
2. Foco nas relações e ações sociais, com a identificação dos sentidos 
dados às ações e de como as ações coletivas impactam as estruturas 
coletivas, e não exclusivamente as estruturas no comportamento 
individual (Max Weber).
3. Foco de análise de acordo com o contexto das condições materiais 
e situações sociais, pois são os acessos materiais dos sujeitos que 
determinam suas condições e suas subjetividades (Karl Marx).
O modelo analítico varia conforme o autor e a intensidade com que os aspec-
tos subjetivos e/ou sociais impactam a construção das identidades e produções 
culturais. Mas, de forma geral, podemos compreender que a relação entre 
indivíduo e sociedade é construída como uma via de mão dupla: estruturas e 
instituições sociais influenciam e são também influenciadas pelas ações dos 
sujeitos, estando todos em transformações contínuas. Com isso, percebemos, 
de início, que esse é um tema complexo dentro das ciências sociais.
A seguir, vamos direcionar o foco para a forma como Velho (2013) constrói 
a noção de comportamento desviante a partir de diferentes concepções 
teóricas (descritas a seguir) que se apropriam da relação entre indivíduo e 
sociedade para indicar caminhos possíveis dentro da antropologia urbana. 
Historicamente, os comportamentos desviantes eram explicados por pers-
pectivas atualmente superadas dentro do campo das ciências sociais, como 
o positivismo e o determinismo biológico. Por um lado, havia explicações 
que indicavam que os desvios eram decorrentes de uma sociedade disfun-
cional, por outro, que eram características inatas aos indivíduos desviantes, 
caracterizando-os como criminosos natos. Tais concepções remontam ao 
Antropologia urbana 5
século XVIII, quando surgiu o chamado cientificismo, corrente de pensamento 
decorrente de diversas áreas de saberes que estavam em efervescência na 
Europa Ocidental. Entre esses saberes, destacavam-se a frenologia, a fisiono-
mia, o darwinismo, o positivismo, a craniologia, dentre outros (BANDERA, 2013).
Merton (1949) é um autor que seguea mesma linha de Durkheim ao estudar 
a relação do comportamento desviante, pois se apropria de uma explicação 
funcionalista, que indica que comportamentos desviantes são decorrentes do 
mau funcionamento das instituições sociais e da consequente fragilidade dos 
laços sociais. De acordo com esse autor, há pressões sociais que favorecem 
o desvio de comportamento, quando, por exemplo, determinados padrões 
sociais não podem ser seguidos ou quando socialmente também não são 
oferecidos os meios para alcançar esses padrões. Quando isso acontece, é 
gerada uma situação de anomia. Nesse momento, há o que Merton chama de 
comportamento aberrante, o qual “pode ser considerado sociologicamente 
como um sintoma de dissociação entre as aspirações culturalmente prescritas 
e as vias socialmente estruturadas para realizar essas aspirações” (MERTON, 
1949, p. 207). Ou seja, o conceito de anomia indica uma sociedade doente, e 
os sintomas são os comportamentos desviantes.
A teoria da anomia supera a posição lombrosiana e positivista em relação 
ao desvio, ao classificar a anormalidade como um fato social e presente no 
convívio social humano desde sempre. A conduta desviante, portanto, tem a 
função de permitir que a sociedade defina com maior clareza seus padrões 
de ordem moral, ou seja, sua consciência coletiva, sedimentando os valores 
da população. No entanto, para Velho (2013), essa perspectiva é ainda insufi-
ciente, pois remete a possíveis relações de causalidade com patologias para 
explicações dos comportamentos desviantes. Ou seja, segundo o autor, a 
partir do conceito de anomia, passa-se da ideia de uma patologia do indivíduo 
para uma patologia do social. 
Dentro dessa perspectiva, a anomia se refere à desorganização de normas 
e valores, à falta de acordos e de respeito às normas, gerando a sensação de 
insegurança e produzindo um ambiente social favorável ao aparecimento de 
indivíduos “anômicos”. 
O problema de desviantes é, no nível do senso comum, remetido a uma perspectiva 
de patologia. Os órgãos de comunicação de massa encarregam-se de divulgar e 
enfatizar esta perspectiva quer em termos estritamente psicologizantes, quer em 
termos de uma visão que pretende ser “culturalista” ou “sociológica”. A formulação 
deste tipo de orientação é feita a partir de trabalhos muitas vezes de orientação 
acadêmica, que não são capazes de superar a camisa de força de preconceitos e 
intolerância (VELHO, 2013, p. 36).
Antropologia urbana6
Partindo disso, Velho (2013) se propõe a analisar o desvio a partir de 
uma perspectiva que dê conta de explicar como determinados compor-
tamentos são classificados como desviantes, mas desde que de forma 
relativizada. Isso é considerado no sentido de que não há uma verdade 
absoluta quando se fala de fenômenos culturais, pois há valores que são 
relativos e precisam ser analisados dentro dos contextos sociais especí-
ficos em que ocorrem.
O autor chama a atenção para o fato de que os sujeitos agem como des-
viantes em determinadas situações, mas também como cidadãos “normais” 
em outras. Por isso, patologizar a questão é generalizar e condicionar os 
sujeitos a algo maior do que eles, criando, assim, um marcador permanente 
nas identidades. Para Velho (2013), por fim, a antropologia urbana deve ana-
lisar os comportamentos desviantes, buscando pontos de encontro entre as 
tradições “psicológicas” e também as “socioculturais”.
Comportamento desviante é todo ato efetuado contra normas em 
geral, o que pode variar conforme o contexto sócio-histórico. Por 
isso, esse é também um fenômeno que pode ser analisado pela antropologia 
urbana, pois pode ser compreendido como um aspecto cultural, se pensarmos 
que um mesmo ato pode ser entendido ou não como desviante dependendo 
de onde é praticado e em que período histórico é efetivado. Por exemplo, o 
consumo de determinadas substâncias psicoativas, especialmente a maconha, 
não é criminalizado em países como Holanda e Uruguai, mas no Brasil, sim. Desse 
modo, o ato de consumir droga é considerado desviante no Brasil, mas não na 
Holanda. Por isso, a categoria desviante está muito atrelada à ordem moral e 
à consciência coletiva de cada sociedade em específico.
Diálogos entre ciências humanas 
e antropologia urbana
Sinalizamos anteriormente que o campo de estudos culturais é amplo e he-
terogêneo. Agora, vamos enfatizar a importância dos estudos antropológicos 
urbanos frente aos demais campos do conhecimento das ciências sociais, 
como sociologia, economia, psicologia, história, entre outros. O objetivo é 
tentar mostrar como a antropologia urbana pode introduzir um olhar mais 
humano para as cidades, pois as experiências vividas e as sensibilidades 
coletivas se tornam dados para os antropólogos sociais durante a construção 
dos estudos urbanos.
Antropologia urbana 7
Dentro das ciências sociais, os estudos urbanos passaram a ganhar maior 
notoriedade a partir da década de 1970 entre sociólogos e antropólogos da 
Escola de Chicago. Esta, segundo Frúgoli Jr. (2005, p. 134), foi “a primeira [es-
cola] a tomar a cidade como laboratório privilegiado de análise da mudança 
social”, buscando entender, inicialmente, aspectos da “desorganização social” 
e abrindo espaço para uma série de investigações antropológicas. 
Na mesma época, o campo de pesquisa da antropologia urbana estava 
se consolidando no Rio de Janeiro e em São Paulo. As primeiras pesquisas 
urbanas perpassavam relações com a violência, principalmente com pesquisas 
realizadas nas periferias urbanas, e buscavam compreender os fatores sociais 
e culturais por trás dos crimes e os distintos papéis sociais desenvolvidos na 
atuação do mundo ilegal do tráfico de drogas. Pesquisas como a da antropó-
loga Alba Zaluar (2007) são referência até hoje nos estudos da antropologia 
e da sociologia da violência. Zaluar (2007) traz aspectos sobre as diferentes 
formas de sentir, vivenciar e efetivar violências, sem deixar de problematizar 
as distintas dimensões das violências, que podem possuir configurações 
decorrentes de violações nem sempre materiais ou físicas, mas também do 
campo simbólico, psicológico, institucional e moral (ZALUAR, 2007).
Outro viés analítico, no caso de São Paulo, é o construído a partir de movi-
mentos culturais com diferentes formas de manifestação, como os realizados 
por grupos de jovens ligados ao hip hop, ao grafite, aos slams etc. Trata-se de 
expressões muito atreladas às relações étnicas, aos territórios de moradia e 
a reivindicações sociais, podendo servir também como formas de resistência 
às diferentes situações. Esse campo é permeado por todo um contexto de 
representações compartilhadas e reproduzidas por meio das músicas, dos 
grafites e das ações promovidas por esses grupos. Muitas das representações, 
no entanto, trazem à tona questões étnicas, de gênero, geracionais, morais 
etc. sobre as violências existentes nos territórios de periferia, principalmente.
As pesquisas urbanas trazem à tona o que Velho (2013) chama de “nível 
consciente do morador”, ou seja, concepções que formam a base e determi-
nam a complexidade cultural contida no espaço urbano. O nível consciente 
do morador consiste, portanto, na forma como os sujeitos compreendem as 
suas vivências, os espaços em que transitam no âmbito público, para além de 
seus espaços de moradia, e como impactam, são impactados e dão sentidos a 
eles. Isso traz especificidades analíticas que só estudos socioantropológicos 
conseguem absorver por meio de seus métodos e suas técnicas qualitativas 
de pesquisa. Segundo Magnani (2003, p. 83), frente às demais áreas das 
ciências sociais, 
Antropologia urbana8
[…] a antropologia tem uma contribuição específica para a compreensão do fenô-
meno urbano, mais especificamente para a pesquisa da dinâmica cultural e das 
formas de sociabilidade nas grandes cidades contemporâneas. Para cumprir esse 
objetivo, tem à sua disposição um legado teórico-metodológico que, não obstante 
as inúmeras releituras e revisões, constitui um repertóriocapaz de dotá-la dos 
instrumentos necessários para enfrentar novos objetos de estudo e questões mais 
atuais. O método etnográfico faz parte desse legado, e um dos desafios é como 
aplicar essa abordagem à escala da metrópole sem cair na “tentação da aldeia”.
A “tentação da aldeia” a que o autor se refere consiste na tradição an-
tropológica de realizar pesquisas em comunidades tradicionais. Ao contrário 
das sociedades tradicionais, nas sociedades complexas, há uma variedade 
cultural muito grande. Quanto maior o espaço urbano, maior poderá ser 
a complexidade e a heterogeneidade das manifestações culturais. Dentro 
dessa complexidade, um único indivíduo pode construir diferentes teias de 
relações, tanto no âmbito público como no privado.
O desafio atual consiste no fato de que o urbano, ao contrário das aldeias, 
nos é familiar, e não é fácil desnaturalizar o que está naturalizado em nós 
— isto é, desconstruir padrões, normas e concepções já internalizadas por 
nós e acessar outras concepções de mundo, reconstruindo-as em pesquisas. 
Além disso, há uma variedade muito grande de possibilidades de análises 
das culturas urbanas. Dentro desse escopo de possibilidades, a antropologia 
urbana vai contribuir para o estudo das lógicas das trocas e relações sociais 
que ocorrem no meio urbano. 
No livro Um antropólogo na cidade, Velho (2013) levanta questões 
sobre a pesquisa no meio urbano, a relação entre as diferentes 
subjetividades e as influências sociais externas aos indivíduos. Inclusive, ele 
trata sobre a subjetividade do próprio pesquisador em um campo que é natural 
e comum para ele, pois é o espaço de sua convivência, mas sem deixar de 
reforçar que também há elementos que podem ser analisados para além do 
que nos é familiar. 
O espaço público, portanto, é o espaço de visibilidade, de comunicação, de 
produção e reprodução da cultura urbana. Já o espaço privado é o espaço de 
produção de outros tipos de subjetividades. Frúgoli Jr. (2005) traz um apanhado 
de estudos realizados por antropólogos como Macedo (1979), Magnani (1984) e 
Caldeira (1984), indicando-os como fontes potentes no campo da antropologia 
urbana. Segundo o autor, esses pesquisadores
Antropologia urbana 9
[...] tomaram as áreas periféricas como local de pesquisa, buscando compreender 
detidamente redes de parentesco e de vizinhança, modos de vida, estratégias de 
sobrevivência, formas de sociabilidades e representações políticas, com ênfase em 
dimensões cotidianas e em representações simbólicas, muito pouco contempladas 
nas perspectivas “macroestruturais”. (FRÚGOLI Jr., 2005, p. 141).
As pesquisas realizadas na área econômica, por exemplo, possuem uma 
perspectiva macrossocial sustentada principalmente por dados quantitativos, 
e as pesquisas da psicologia são restritas às subjetividades. Já o foco das 
pesquisas antropológicas e, em grande medida, das pesquisas sociológicas 
é voltado para interesses diferenciados nas ciências sociais, ao envolver, 
principalmente, os sistemas simbólicos marcados por múltiplas determina-
ções. Entretanto, apesar de serem campos diferentes, segundo Velho (2013, 
p. 43), em pesquisas antropológicas no espaço urbano, não se pode “negar a 
especificidade de fenômenos psicológicos, sociais, biológicos ou culturais, 
mas sim reafirmar a importância de não perder de vista seu caráter de inter-
-relacionamento complexo e permanente”. 
O que Velho (2013) parece nos indicar é que o comportamento humano 
deve ser analisado e compreendido de forma integrada, pois somos seres 
sociais, multifacetados, que interagimos de diferentes formas e com dife-
rentes estruturas e grupos sociais, ao mesmo tempo que também somos 
constituídos por uma carga genética. Por isso, é preciso tomar cuidado com 
análises generalizantes, construídas de forma arbitrária e que possam reforçar 
estigmas e marcadores sociais da diferença. Por conta disso, o autor propõe 
também acabar com a dicotomia indivíduo/sociedade ou cultura e integrar as 
possíveis dimensões de análise e campos do conhecimento, possibilitando 
um olhar mais ampliado da vida humana nas cidades, captando fatores de 
natureza física, mental e espiritual. No próximo tópico, vamos abordar como 
essas perspectivas são operacionalizadas em estudos sobre expressões 
religiosas no espaço público.
Se você gostou do tema sobre comportamento desviante, bem como 
sobre estudos realizados por antropólogos urbanos, indicamos o livro 
do antropólogo Gabriel Feltran (2018) intitulado Irmãos: uma história do PCC. 
Nesse livro, Feltran aborda a relação construída entre integrantes do Primeiro 
Comando da Capital, o PCC, uma facção criminosa dominante no estado de São 
Paulo, relatando as formas de sociabilidade, as prisões, o mercado do tráfico, 
dentre outros aspectos que compõem o “mundo do crime”.
Antropologia urbana10
Práticas religiosas no contexto urbano
Após o processo de secularização e racionalização moderno e ocidental, as 
normas religiosas deixaram de ser determinantes na vida pública e também 
política do Estado, ficando restritas ao âmbito privado dos seus seguidores, 
o que acarretou também o processo de laicidade dos Estados modernos. 
Além disso, a relação entre fiéis e Igreja, que antes ocorria de forma vertical 
e quase inacessível, passou por um processo de ampliação de acesso aos 
seguidores, reconfigurando o universo religioso ao ampliar a horizontalidade 
na relação entre a fé e seus adeptos. 
Nas raízes históricas do Brasil, há uma herança cultural religiosa plural 
advinda de matrizes indígenas, africanas e europeias. No entanto, por conta 
da colonização portuguesa, a religião dominante sempre foi o catolicismo, 
e, por muito tempo, muitas manifestações religiosas foram proibidas no 
nosso país. Foi com o processo de laicidade que houve também o processo 
de pluralismo religioso no Brasil, a partir do qual a diversidade de tradições 
e práticas religiosas passou a se manifestar livremente. Os princípios inclu-
ídos na Constituição de 1988 passaram a servir como parâmetro normativo, 
instituindo, assim, a livre manifestação das religiões como um princípio 
democrático.
Pensar as relações entre cidade e religião dentro do contexto do plura-
lismo religioso é pensar sobre as diferentes formas que existem atualmente 
de expressar a religiosidade. Os estudos antropológicos, desde seu início e 
ainda atualmente, sempre estiveram atentos às manifestações religiosas das 
sociedades primitivas. O interesse perpassa por mitos, ritos, magias e demais 
formas representativas, buscando compreender as relações dos sujeitos com 
a fé e os seus símbolos. Já os estudos da antropologia urbana, interpostos à 
antropologia da religião, buscam entender, a partir de exercícios etnográficos, 
as manifestações e expressões de fé no espaço público, ou mesmo a relação 
entre a cidade e as religiões. No Quadro 1, são especificados alguns conceitos 
relacionados às manifestações da religião no espaço urbano.
Quando falamos que o campo é amplo e heterogêneo é porque uma única 
categoria pode ter diferentes significados, como vimos no caso das piscadelas. 
Quando falamos de religião, há todo o contexto da pluralidade religiosa e a 
forma como cada ator entende o processo religioso em sua subjetividade. 
Segundo Magnani [200-?], em seu artigo “Religião na Metrópole”, o que se 
entende por “religião” é aplicado a um variado conjunto de experiências que 
estão diretamente relacionadas a diferentes doutrinas, ritos, experiências e 
Antropologia urbana 11
formas de entender e dar diferentes sentidos ao universo e à própria vida. 
E a cidade é um espaço que oferece condições de desenvolvimento e mani-
festação para as práticas religiosas.
Ao andar pela cidade, principalmente as grandes cidades, podemos 
observar a presença de templos, igrejas, sinagogas, santuários, oratórios, 
terreiros, casas espíritas, dentre outros. Todos eles são centros de mani-
festação e expressão de diferentes fés, cada um com formas representa-
tivas e concepções de mundopróprias, que são materializadas por meio 
de cultos, passes, ritos, cerimônias, festas públicas e devoções diversas. 
Eles representam também uma pluralidade de expressões identitárias por 
meio da fé, podendo inclusive um mesmo indivíduo circular por diferentes 
religiões ao mesmo tempo ou em diferentes fases da vida. Segundo Peter 
Berger (1997, p. 78):
O indivíduo moderno existe numa pluralidade de mundos migrando de um lado a 
outro entre estruturas de plausibilidade rivais e muitas vezes contraditórias, cada 
uma sendo enfraquecida pelo simples fato de sua coexistência involuntária com 
outras estruturas de plausibilidade. Além dos “outros significantes” que confirmam 
a realidade, há sempre e em toda parte “aqueles outros”, incômodos refutadores, 
descrentes — talvez o incômodo moderno por excelência. 
O que podemos compreender dessa citação é que as identidades dos 
sujeitos são construídas a partir de elementos diversos, heterogêneos e 
fragmentados, sendo as religiões um dos campos de possibilidades, dentro de 
outros elementos constitutivos, para a formação do ser. Esse é um aspecto do 
cosmopolitismo moderno e da pluralidade religiosa, que criam um campo de 
possibilidades de manifestação e expressão da fé no espaço público. Alguns 
exemplos podem ser verificados a partir de diferentes festejos em datas 
comemorativas, como a Festa dos Santos Reis, a Festa do Bonfim, a Festa 
de São Sebastião, a Semana Santa, as procissões religiosas em geral, bem 
como eventos e encontros promovidos por diferentes religiões, dentre outras 
possibilidades. Segundo Mafra e Almeida (2009, p. 139), “é na amplitude de 
significado que a cidade como espaço representa, que notamos proximidades 
dos universos urbanos e religiosos”.
Apresentamos apenas um quadro geral para identificarmos algumas 
relações possíveis e visualizarmos possibilidades dentro dos contextos 
em que estamos inseridos de forma exemplificada. Os estudos das formas 
de pensar o espaço da cidade e da religião devem ser especificados de 
forma minuciosa e precisa, considerando a diversidade de olhares de 
quem participa. Apesar de todo o processo de racionalização e laicidade, 
Antropologia urbana12
a religião é um aspecto muito forte no Brasil e é manifestada de diferentes 
formas. Um exemplo disso é a música “Andar com fé eu vou”, de Gilberto 
Gil, que diz o seguinte:
Andar com fé eu vou / Que a fé não costuma faiá / [...] Que a fé tá na mulher / A fé 
tá na cobra coral / oh oh / Num pedaço de pão / A fé tá na maré / Na lâmina de 
um punhal / Oh oh / Na luz e na escuridão / […] A fé tá viva e sã / A fé também tá 
pra morrer / Oh oh / Triste na solidão / Certo ou errado até / A fé vai onde quer 
que eu vá / Oh Oh / A pé ou de avião / Mesmo a quem não tem fé / A fé costuma 
acompanhar / Oh oh / Pelo sim pelo não.
A partir dessa letra, podemos compreender alguns aspectos represen-
tativos das manifestações de fé. Por exemplo, vamos considerar o possível 
significado de alguns trechos:
 � “a fé tá na mulher” — pode representar a figura de Maria;
 � “na cobra coral” — pode-se considerar que a cobra sempre esteve 
ligada a diferentes símbolos religiosos e míticos; há, por exemplo, um 
caboclo na umbanda que se chama Cobra Coral e representa a pureza 
e a magia, algo ligado à fé que habita em cada indivíduo;
 � “num pedaço de pão” — nas missas, o pão representa “o corpo de cristo”;
 � “a fé tá na maré” — pode representar as oferendas à Iemanjá, em que 
há o ideal de que as oferendas sejam transmutadas em prosperidades 
vindas com a maré.
Enfim, essas expressões se referem a diferentes religiões que possuem 
atividades em espaços públicos, e as possibilidades de análise sobre as 
representações são variadas. Um mesmo fragmento, prática ou categoria 
pode possuir diferentes significados e explicações de mundo. 
Nesse sentido, a antropologia amplia a relação com os espaços de fé e a ma-
nutenção da memória, pois se baseia em estruturas de discursos e significações 
que permitem intercambiar signos. Serve ainda como intermediação cultural, 
ao tratar da relação das pessoas com o espaço de significação que ocupam, 
abordando questões que vão além do que dados quantitativos podem oferecer.
A religião é ampla e possui inúmeras modalidades de relação com a cidade. 
Com isso, o foco de análise da antropologia urbana consiste na forma como 
os sujeitos compreendem, internalizam e dão sentido às suas ações baseadas 
em princípios da religião com que possuem vínculo. A inscrição religiosa é 
manifestada nos eventos públicos, mas também nos corpos, nas mentes e 
no espaço físico e político da cidade. 
Antropologia urbana 13
Quadro 1. Noções conceituais para ampliar a compreensão sobre a antro-
pologia urbana e a sua relação com as religiões
Pluralismo religioso
É um fenômeno moderno que corresponde à 
pluralidade de manifestações religiosas e crenças 
que possuímos hoje no Brasil. Há uma pluralidade 
de formas de conceber o mundo e dar explicações 
místicas a ele, e todos os sujeitos possuem 
liberdade para seguir a religião que desejarem, 
ou não seguir, se assim desejarem. Há princípios 
normativos na Constituição de 1988 que garantem o 
respeito, a liberdade de culto e a isonomia a todas 
as religiões.
Manifestação 
pública de fé
Também conhecida como Fé Pública, são atos de fé 
realizados no espaço público ou fora dos seus locais 
sagrados.
Identidades religiosas
O processo de construção identitária ocorre ao 
longo de toda a vida e está muito atrelado às 
experiências que possuímos, às relações, interações, 
regras, valores etc. É, portanto, um produto cultural. 
No que se refere às identidades religiosas, esse é 
um termo que tem sido usado também para estudar 
processos em que sujeitos trocam de religião. Nesse 
processo, há a desconstrução e a reconstrução 
de novas perspectivas religiosas que impactam 
diretamente as novas formas de expressar as 
identidades religiosas. Por exemplo, suponha um 
sujeito que nasceu e cresceu como judeu ortodoxo e, 
por isso, seguiu por um determinado tempo da vida 
seguindo normas de comportamento, de vestimenta 
e de relações subjetivas específicas. Se, por acaso, 
ele resolver trocar de religião e seguir a umbanda, 
por exemplo, aspectos identitários nele e relativos 
ao judaísmo serão desconstruídos, e novos serão 
criados. Isso impactará diretamente a forma de 
expressar sua identidade.
Um exemplo de estudo antropológico sobre uma manifestação pú-
blica de fé é a tese de doutorado de Daniel Bitter (2008) intitulada 
A bandeira e a máscara: estudo sobre a circulação de objetos rituais nas folias 
de reis. Em seu estudo, o pesquisador direciona a análise às representações 
e à circulação da bandeira e da máscara no contexto social e ritual das folias 
de reis, evento festivo que ocorre em grande parte do território brasileiro. O 
objetivo principal do estudo é entender como ocorre a construção de vínculos, 
relações e significados dados pelos participantes do empreendimento festivo. 
Antropologia urbana14
Referências
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Antropologia urbana 15
ANTROPOLOGIA 
DA RELIGIÃO
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
 > Analisar o caminho trilhado pelos antropólogos clássicos no contexto da 
análise da religião.
 > Descrever as teorias sobre as sociedades e as visões do mundo dos mais 
importantes antropólogos clássicos.
 > Relacionar as teorias dos antropólogos clássicos com as teorias de outros 
antropólogos de sua época. 
Introdução
A antropologia clássica, desde seu ensejo inicial, no século XIX, se defrontou 
com grandes problemáticas em torno da relação entre natureza e meio social. 
Nesse contexto, a corrente evolucionista se tornou predominante, uma vez que 
a história e a antropologia, de uma só vez, podiam ser pensadas de forma linear. 
Considerava-se que quanto mais conhecimento uma sociedade, uma comunidade 
ou uma tribo tinha, mais evoluída ela era. Mais tarde, Franz Boas e sua seguidora, 
Ruth Benedict, estabeleceram, a partir de estudos etnográficos, a relação entre 
determinismo mental e determinismo do meio, para pensar a anormalidade como 
resultado de uma sociedade.
Já no século XX, com Claude Lévi-Strauss, surgiu uma perspectiva multicul-
turalista. O antropólogo francês revolucionou a forma como a antropologia era 
pensada até então quando uniu o determinismo natural ao social e cultural, sob 
a alegação de que o sujeito é constituído de modo múltiplo. Posteriormente, após 
Antropólogos 
clássicos
Mayara Dionizio 
uma possível superação da antropologia modernista, surgiram correntes diversas 
que pensavam a figura do antropólogo, bem como a importância do relato das 
experiências dos estudados. 
Neste capítulo, você vai compreender a leitura antropológica da religião em 
relação à cultura e à natureza. Você também vai verificar como os antropólogos 
mais consagrados compreenderam as sociedades e quais eram as suas respectivas 
visões de mundo. Por fim, você vai estudar as diferenças entre a antropologia 
clássica moderna e as teorias antropológicas pós-moderna e contemporânea. 
A análise antropológica clássica sobre 
a religião
Quando pensamos as sociedades ocidentais em suas estruturas fundantes, 
inevitavelmente encontramos fronteiras que não só dividem os saberes e as 
instituições, mas também os unem. É nesse hiato correlacionado que a filosofia, 
a história e a religião se cruzam. Mais tarde, acrescidas dos saberes sociológi-
cos e antropológicos, as ciências humanas se voltaram para o indivíduo, não 
somente em sua individualidade, mas, antes, em sua manifestação coletiva.
Nesse contexto, antes de nos aprofundarmos nos aspectos mais transdisci-
plinares, cabe compreender com maior atenção a relação entre a antropologia 
e a história, para então delimitarmos a análise religiosa dos antropólogos clás-
sicos. Se podemos pensar as sociedades ocidentais por meio de uma cronologia 
marcada, que nos remete ao conceito de historicidade, isso se dá também pela 
possibilidade de uma etnografia singular das sociedades, dos povos.
Ao contrário de uma concepção evolutiva da história, a antropologia nos 
permite pensar a história não só como um sistema progressivo das ideias e 
dos sistemas filosóficos, mas antes a partir da essencialidade singular etno-
gráfica de cada povo. Assim, dignifica-se a experiência comum da passagem 
temporal e da passagem individual do tempo. O que nos leva àquilo que nos 
disse Émile Durkheim sobre a sociedade: todas as sociedades constroem 
uma noção de tempo, contudo, elas se realizam empiricamente de acordo 
com a sua cultura própria.
De acordo com Lévi-Strauss (1975), a diferença entre as sociedades se 
mostra a partir daquelas que têm história e daquelas que não tem. Isto é, há 
aquelas sociedades que reivindicam a mudança, e há aquelas que buscam 
a reiteração. Assim, essas distinções servem tão só para classificar as dife-
renças culturais, ressaltando a unidade da história em suas diferenciações, 
segundo o antropólogo. 
Antropólogos clássicos2
Voltando para a antropologia e seu amplo arcabouço contextual, podemos 
dizer que a antropologia clássica, a partir do evolucionismo, se volta ao pen-
samento diacrônico. Ou seja, nos primórdios do pensamento antropológico, 
encontrava-se uma busca fundante por apenas uma história. Nela, estariam 
compreendidas as distinções: na história entendida linearmente de modo 
comparativo, aquelas sociedades ainda ligadas ao passado ocidental em sua 
estruturação seriam pensadas como menos evoluídas, se comparadas às so-
ciedades que evoluíram dado o acúmulo de conhecimento e desenvolvimento 
tecnológico. Essas sociedades tidas como menos evoluídas passavam a ser 
classificadas como primitivas e infantis, logo, desinteressantes ao estudo 
das ciências humanas de modo geral.
Tal modo segregacionista de pensar a história dos povos primitivos a 
partir do evolucionismo passou a ser rejeitado por escolas antropológicas 
insurgentes. É nesse contexto que encontramos os primeiros embates acerca 
da disciplina de antropologia. Já no século XVIII, a partir da distinção acerca 
das noções de cultura — ou seja, aquela entendida como civilização, ligado 
ao iluminismo, ou aquela pensada de acordo com o romantismo alemão, 
kultur — surgiram as primeiras associações entre os conceitos de civilização 
e história. Se, de um lado, a cultura é aquilo que é progressivo, acumulativo 
e atribuído à essencialidade humana, ou ainda à sua especialidade, por 
outro lado, a civilização em sua abordagem também “cultural” é resultado 
de um processo racional atribuído somente ao ser humano. Em ambas as 
compreensões, encontramos o ser humano como um ser privilegiado em 
relação a outras espécies, e as sociedades modernas como superiores às 
sociedades “primitivas”.
Por esse motivo, a cultura passou a ser objeto da antropologia clássica 
como uma via de acesso à reconstituição das origens e dos níveis de evolu-
ção entre as sociedades “selvagens” e as sociedades “civilizadas”. Isso nos 
permite observar que a cultura pensada de forma evolucionista decorre em 
um etnocentrismo, em uma imposição universalista do que é o indivíduo e, 
por fim, lança as bases para o colonialismo. Essa retórica, ao final do século 
XIX, levou ao embate construtivista entre a corrente da kultur (aquela ligada à 
formação do espírito) e o evolucionismo, que ganhava uma enorme projeção 
no continente europeu. De um lado, o etnocentrismo/evolucionismo/univer-salismo, e de outro, o relativismo, que defendia o não universal.
Nesse contexto se deu o marco para o surgimento da antropologia estadu-
nidense, com a publicação do antropólogo Boas (2014): As limitações do método 
comparativo em antropologia social. No texto, Boas (2014) argumenta que a 
cultura deve ser pensada em sua particularidade, o que o liga diretamente 
Antropólogos clássicos 3
à corrente da kultur. Boas (2014) entende, a partir de seus estudos acerca da 
distribuição espacial dos mitos do povos ameríndios da América do Norte, que 
a cultura é composta por elementos que são frutos de um processo histórico 
em que se relaciona o intercâmbio entre os povos e, por isso, trata-se de um 
processo de constante transformação cultural.
Isso implica também na análise sobre o fenômeno religioso: uma vez que 
a cultura é composta também a partir da difusão cultural, ela não tem uma 
origem comum, como argumentavam os evolucionistas. As instituições, a 
organização social e espacial e, acentuadamente, a religião são resultados 
de diversos processos históricos. Para tanto, Boas exemplifica sua teoria a 
partir da reflexão sobre tribos primitivas organizadas em clãs totêmicos, 
que têm formulações totalmente distintas entre si, portanto, não advêm 
de uma origem idêntica psíquica de tribos distintas. Isto é, apesar de uma 
predisposição psíquica, cada tribo se desenvolve de forma singular, de acordo 
com o seu processo histórico. 
Nesse contexto, a partir da obra de Benedict (2013) — seguidora da 
antropologia boasiana — intitulada Padrões de cultura, publicada origi-
nalmente em 1934, sobre a cultura do Novo México, os Dobu da Nova Guiné 
e os Kwatiutl da Columbia Britânica, podemos compreender os padrões 
culturais em sua relação com a sociedade. Para Benedict (2013), é a socie-
dade mesma que acaba legitimando a integração social e a validade de 
suas instituições. É por esse motivo que Benedict (2013) argumenta que os 
desviantes são reprimidos socialmente e institucionalmente e usa como 
exemplo a experiência com o uso de entorpecentes. Em muitas sociedades, 
são aceitos rituais em que é feito o uso de substâncias entorpecentes, a 
fim de se atingir um estado transcendente; contudo, em grande parte da 
sociedade ocidental, o uso dessas substâncias não é aceito, mesmo em 
condições culturais e religiosas.
Em 1944, Benedict realizou um estudo antropológico, a pedido do 
governo norte-americano, sobre os padrões culturais japoneses es-
tabelecido após a Segunda Guerra Mundial. Isso se deu muito pelo 
interesse sobre a lógica do comportamento dos soldados japoneses 
durante a guerra: demonstravam orientação, determinação e disciplina 
mesmo quando se encontravam em desvantagem. Benedict concluiu que 
o comportamento dos japoneses estava ligado aos padrões culturais 
peneirados socialmente e reforçados institucionalmente. Curiosamente, 
nesse sentido, comparados culturalmente ao exército norte-americano, 
Antropólogos clássicos4
os japoneses estavam em busca da afirmar seu lugar como superiores 
aos demais, enquanto os norte-americanos lutavam por valores como 
liberdade e democracia. Por esse motivo, Benedict chegou à constatação 
de que há relação entre a cultura e a estrutura psíquica: “[...] esta relação 
é recíproca e tão íntima que não se pode tratar de padrões culturais 
sem considerar especificamente as relações destes com a psicologia do 
indivíduo [...]” (BENEDICT, 1988, p. 12).
Portanto, é a partir desses padrões culturais selecionados e reforçados 
institucionalmente que podemos compreender a cultura também pelo que 
dela difere. Assim, as condutas tidas como “desviantes” são o que possibilita 
o olhar sobre o que padroniza. Para Benedict (1988), essa padronização revela 
que a sociedade é tão predominante e busca se manter dentro de sua própria 
estrutura que aqueles que são considerados “anormais” não são admitidos.
É nesse hiato entre a cultura e a disposição psíquica que encontramos a 
noção de louco. Isto é, os conceitos de louco e normal, ou, no sentido foucaul-
tiano, razoado e desarrazoado, são pensados como uma construção cultural. 
Por exemplo, Benedict (1988) trata sobre a questão de como as sociedades 
ocidentais entendem a homossexualidade: nas sociedades capitalistas, os 
homossexuais são considerados como anormais; já em outras sociedades, a 
homossexualidade é valorizada. Nesse contexto, podemos citar a compreensão 
platônica acerca da sexualidade na República (PLATÃO, 2000), em que o amor 
sexual entre homens é valorizado, pois é entendido como o amor entre iguais 
superiores hierarquicamente. 
Conclui-se que as relações entre cultura e predisposição psíquica 
são inter-relacionadas. Assim, a sociedade, desde o surgimento da an-
tropologia, vem sendo pensada a partir dessas relações. Franz Boas foi 
o responsável por inaugurar essa forma “neoevolucionista” de pensar a 
antropologia, que, por conseguinte, foi aprofundada por Ruth Benedict, 
sua seguidora. Essas noções sobre a cultura e a psiquiatria que levaram 
ao reconhecimento de uma cultura dos desviantes possibilitou a reflexão 
acerca das questões de gênero e da cultura de forma ampla. Fruto desses 
estudos antropológicos e etnográficos, em 1960, surgiu o movimento 
pós-moderno, que também influenciou diversos movimentos insurgentes 
das minorias (Figura 1), considerados como rupturas culturais e psíquicas, 
nas quais se insere a crítica aos discursos religiosos considerados como 
conservadores da ordem até então vigente. 
Antropólogos clássicos 5
Figura 1. Jornadas estudantis em maio de 1968, na França — um movimento de contraluta, 
que lutava contra o conservadorismo e os padrões culturais da sociedade francesa. 
Fonte: Cros (2000? apud COGGIOLA, 2018, documento on-line).
As sociedades e as visões do mundo dos 
mais importantes antropólogos clássicos
A obra do antropólogo Claude Lévi-Strauss se tornou fundamentalmente 
norteadora na esfera antropológica. Entre os pensadores mais caros a essa 
tradição, Lévi-Strauss revolucionou a forma de pensar a sociedade a partir 
da relação entre natureza e cultura. Nesse sentido, mais do que uma sepa-
ração ou junção entre esses campos, a antropologia straussiana de dedicou 
a refl etir sobre o que vincula esses campos no contexto social e formativo.
Desde o final do século XIX, a antropologia se manteve às voltas com a 
pressuposição de uma unidade humana em que não se consideravam as teorias 
e diversidades culturais, muito menos os dados empíricos ou dialéticos ou 
ainda as identidades e diferenciações. A questão que se colocou à antropologia 
nesse sentido é: de que forma as diferenciações vinculantes ou irruptivas se 
transformam no campo da cultura e da psique? Lévi-Strauss (1973) entende que 
essa vinculação, além de fundamentar o problema estrutural da antropologia, 
também caracteriza e define o que ele entende como campo da etnologia. 
Segundo o filósofo contemporâneo Descola (2011, p. 35), “[...] ninguém 
duvida que o século XX, em antropologia, ficará como o século de Lévi-Strauss, 
a tal ponto suas ideias, mesmo quando rejeitadas, marcaram vigorosamente 
Antropólogos clássicos6
o conceito que se tem dessa ciência, de seu objeto e de seus métodos [...]”. 
Nesse contexto, convém ressaltar por quais vias a antropologia straussiana 
marcou fortemente o pensamento antropológico:
1. a relação entre continuidade e descontinuidade no que compete à 
natureza e à cultura;
2. as relações estruturais entre cultura e natureza, ou, ainda, entre espírito 
e determinações ecológicas.
Analisaremos o que nos diz Lévi-Strauss sobre essas estruturas a partir 
de sua conferência intitulada Structuralism and ecology, que ocorreu em 1972, 
nos Estados Unidos. Nessa conferência, o antropólogo explicitou o papel da 
junção entre o espírito e a ecologia na operação estrutural do sistema social 
e psíquico. Ou seja, Lévi-Strauss defendia que a seleção feita socialmente em 
torno de um significante não é um processo puramente natural.
A partir da obra O pensamentoselvagem, também de Lévi-Strauss (1989), 
podemos compreender como as culturas, tanto animais quanto vegetais, 
demonstram aleatoriedade simbólica entre si: trata-se, portanto, de carac-
terísticas distintas presentes nas mesmas espécies ou reinos em sua função 
simbólica. Assim, a arbitrariedade fundamental que define os traços dessas 
espécies se organiza em decorrência das transformações das regras que até 
outrora eram predominantes. Esse percurso percorrido pelo antropólogo tem 
em vista compreender como os mitos oriundos de tribos, em especial aquelas 
mais próximas, são utilizados e têm suas funções simbólicas distintas no que 
compete às suas relações com a natureza. Dito de outro modo, Lévi-Strauss 
(1989) compreende que, nas tribos, os mitos são os mesmos, por muitas vezes, 
mas se estruturam em relação à natureza de formas distintas entre as tribos. 
Tais afirmações de Lévi-Strauss (1989) geraram conflitos com os materia-
listas norte-americanos. No caso em questão, a controvérsia se deu com o 
professor de ecologia cultural Marvin Harris. Para Harris (1966), a antropologia 
estrutural se encontrava fundamentada em um naturalismo radical, isto é, 
em um determinismo geográfico. Ao pensar as transformações culturais, Lévi-
-Strauss (1989) teria vinculado a ecologia e a cultura a partir das disposições 
geográficas das tribos e das espécies. O que traz à luz o caráter condicionante 
da leitura straussiana: a cultura seria resultado também das relações empí-
ricas estabelecidas a partir de uma estrutura orgânica. Descola (2011, p. 37) 
vê nessa querela entre os estudiosos a disputa entre um programa científico 
de caráter dualista e uma epistemologia monista, dizendo respeito:
Antropólogos clássicos 7
[...] à etnografia, assistida pela história e pela tecnologia, o estudo da base material 
das sociedades; à antropologia estrutural, o estudo das ideologias — e uma teoria 
do conhecimento decididamente monista, visto que ela considera o espírito dando 
sentido ao mundo como parte e produto desse mesmo mundo. 
De acordo com Lévi-Strauss (1989), não poderíamos compreender o sujeito 
a partir de uma separação desvinculante entre cultura e psique, matéria e 
espírito, mas tão só a partir da vida social pensada por determinismos com-
plementares. O que nos leva a pensar a sociedade como uma junção entre o 
determinismo econômico — aquele que se coloca de forma coercitiva na vida 
do sujeito, exigindo dele uma ação tecnoeconômica — e o determinismo de 
funcionamento, que exige formas de ação inerentes ao sujeito. Esses deter-
minismos exigem do antropólogo o conhecimento tanto sobre propriedades 
objetivas em relação aos objetos naturais quanto sobre a ecologia de uma 
sociedade. Isso implica os seguintes aspectos:
 � primeiro, conhecendo os objetos naturais, pode-se compreender melhor 
a seleção social em torno de um significante (seja o mito, a religião, 
entre outros significantes);
 � em segundo lugar, conhecendo a ecologia social, pode-se compreender 
a produção ideológica de uma sociedade, ou seja, a forma como ela 
dispõe e organiza os seus pensamentos. 
Assim, segundo Lévi-Strauss (1989), existe uma simetria entre os deter-
minismos, o mental e o do meio. Contudo, o determinismo do meio é consi-
derado pelo antropólogo como inferior hierarquicamente; isso porque é no 
material da realidade que encontramos a matéria-prima para aquilo que vai 
se tornar miticamente um significante. O que significa que Lévi-Strauss não 
rejeita totalmente o materialismo, mas não o considera tão determinante 
para além de meramente produto da atividade simbólica. Trata-se, assim, 
de uma afinidade que é capaz de unir o mental e o meio. Portanto, os dados 
imediatos não são:
[...] uma espécie de cópia autêntica dos objetos apreendidos, mas consistem em 
propriedades distintivas, abstraídas do real por mecanismos de codificação e de 
decodificação inscritos no sistema nervoso e que funcionam por meio de oposições 
binárias: contraste entre movimento e imobilidade, presença ou ausência de cor, 
diferenças de contorno dos objetos (LÉVI-STRAUSS, 1976 apud DESCOLA, 2011, p. 39).
Antropólogos clássicos8
Para além da obra straussiana, outro pensador que se dedicou a pensar 
sobre a sociedade e a sua vinculação com a cultura e a natureza foi Marshall 
Sahlins, participante e fundador da Escola de Cultura e Personalidade, que 
surgiu em meados da década de 1940 e tinha como principal característica 
a oposição ao particularismo histórico alemão. Sahlins, nesse contexto, 
foi responsável por retomar o conceito de evolucionismo aliado à questão 
cultural, juntamente com Leslie White. A obra de Sahlins é dividida em dois 
grandes marcos: primeiramente, têm-se a fase de juventude de viés estrita-
mente neoevolucionista; posteriormente, tal noção é associada às relações 
de produção no contexto tecnológico insurgente (SAHLINS, 1976).
Entre os anos de 1954 e 1955, Sahlins realizou uma pesquisa de campo 
em algumas comunidades do Pacífico e pôde, a partir de então, analisar 
suas hipóteses evolucionistas de caráter marxista. Assim, a evolução das 
comunidades era analisada de acordo com as suas hierarquias, que, por sua 
vez, se dividiam em dois eixos de análise (SAHLINS, 1976):
 � a matéria da qual a sociedade/comunidade dispõe (incluindo o avanço 
tecnológico);
 � como o poder é distribuído entre os membros.
Portanto, a ênfase do estudo foi dada à questão econômica e à organização 
política. Sahlins chegou à conclusão de que o fator mais determinante nessa co-
munidade estava ligado à questão material. Ou seja, o desenvolvimento político 
se encontrava pautado, ritmado pelo progresso tecnológico. Ao se desenvolver 
uma tecnologia, a economia se desenvolvia com vistas a esse progresso, o que 
acabava por determinar a distribuição de poderes políticos (SAHLINS, 1976). 
Já em 1960, Sahlins reelaborou seus posicionamentos em razão do evo-
lucionismo e acabou por adotar uma visão mais perspectivista e, portanto, 
culturalista. Isso decorreu dos diálogos insurgentes no cenário acadêmico 
entre o estruturalismo francês e o materialismo histórico. Em 1976, Sahlins 
publicou Cultura e razão prática; nessa obra, o autor apresenta uma análise 
cultural do Ocidente e o processo de produção capitalista enquanto simbólico. 
Concluiu-se que os objetos produzidos pelas sociedades ocidentais não têm 
apenas uma utilidade prática, mas também uma função simbólica, o que levou 
Sahlins a entender que o esquema simbólico é a real finalidade dos objetos 
produzidos. De acordo com Gonçalves (2010), os produtos vendidos, antes de 
determinarem os seus valores em si, determinam o valor econômico daquele 
Antropólogos clássicos 9
que compra, daquela relação de compra. Por fim, Sahlins (1976) concluiu 
que a produção capitalista só se realiza a partir dos objetos produzidos por 
meio de uma mediação simbólica — trata-se, antes de tudo, de um projeto 
cultural determinante.
Os antropólogos clássicos e os antropólogos 
contemporâneos
Ao tratarmos das teorias antropológicas clássicas e das teorias contemporâ-
neas, tratamos também de uma série de tendências metodológicas e teóricas 
que marcam constantes mudanças na disciplina de antropologia desde seu 
surgimento, no século XX. Contudo, foi a crítica americana sobre os modelos 
de pesquisa e abordagem antropológica que acarretou um deslocamento no 
modo como se pensava a disciplina até então. Existem duas abordagens mais 
referidas a esse período: a abordagem interpretativa, representada forte-
mente por Clifford Geertz nos anos 1970, e as perspectivas pós-modernas, 
que partem da abordagem etnográfica. Ambas as formas de pensar e aplicar 
a antropologia, em um sentido metodológico, se desenvolveram e possibili-
taram a antropologia tal como vemos hoje, por um viés mais perspectivista. 
A abordagem de Geertz (1989) argumentava em função da interpretação 
das culturas como um conjunto de textos. Para tanto, a metodologia se 
fundamentava em um modelo de leitura contextual, o quetrazia para a 
antropologia uma possibilidade diferente daquela da vivência sob argu-
mento de autoridade. Ou seja, sendo a antropologia um estudo científico, 
era necessário que os estudos apresentassem mais dados do que aqueles 
somente autorreferenciados pela experiência — o que se traduz na contem-
poraneidade (a partir do identitarismo) como a autoridade do “lugar de fala”. 
A antropologia interpretativa conseguia, assim, analisar as culturas como 
texto em detrimento da autoridade etnográfica, o que tornou possível a 
desmistificação e o questionamento acerca das descrições etnográficas e, 
por outro lado, o estabelecimento de um rigor maior. Dessa forma, ao mesmo 
tempo que Geertz (1989) rompe com o modelo clássico, também questiona o 
processo de interpretação, pois entende que a cultura observada é separada 
do antropólogo que a interpreta. 
Nos anos 1980, influenciadas pela antropologia interpretativa, várias 
perspectivas pós-modernas surgiram e passaram a apresentar formas me-
todológicas de pesquisa e texto. Metodologias baseadas na produção de 
textos dialógicos, testemunhais e polifônicos ganharam espaço nas discus-
Antropólogos clássicos10
sões acadêmicas. Ao mesmo tempo, os críticos ao positivismo científico, ao 
empirismo e ao reducionismo passaram a insinuar que a antropologia deveria 
abandonar essas abordagens e assumir uma postura humanista e parcial no 
que se refere às análises culturais. 
Nesse contexto, a antropologia se abriu totalmente ao empreendimento 
geertziano de uma análise que considera a cultura como texto e começou a 
reconhecer a autoridade científica e etnográfica a partir da crise da repre-
sentação. Cabe ressaltar que esse movimento de crise da representação 
consiste no reconhecimento dos limites da linguagem, no sentido de uma 
apreensão do ser pela palavra. Essa foi a temática central para os movimentos 
estruturalistas e pós-estruturalistas franceses.
Assim, os teóricos da segunda metade do século XX passaram a analisar 
o texto a partir de seu contexto estrutural, o que compreende o importante 
conceito derridiano de desconstrução. Ou seja, decompõe-se a estrutura para 
melhor compreendê-la. Tal movimento filosófico estabeleceu relações com 
todas as áreas das ciências humanas, em especial a antropologia. Isso levou 
a antropologia a experimentar estilos distintos que passavam por dialetos 
e, até mesmo, interpretações idiossincráticas. 
Você sabe o que significa o termo “desconstrução”, cunhado primeira-
mente pelo filósofo franco-argelino Jacques Derrida? Trata-se de um 
conceito elaborado como uma crítica aos conceitos filosóficos que apresentam 
uma pressuposição sem levar em consideração a estrutura. Dito de outro modo, 
Derrida era associado ao movimento francês pós-estruturalista, o que significa 
que o seu pensamento filosófico se debruçava sobre a investigação das estruturas. 
Nesse sentido, o conceito de desconstrução leva em consideração a estrutura 
que compõe o objeto de análise. Assim, mais do que uma crítica expressa à ideia 
de objetos não analisados em sua estrutura, a desconstrução derridiana busca 
desmontar, decompor, desconstruir os elementos de um texto, da escrita. 
Podemos dizer que a crise da representação possibilitou a abertura in-
clusive para abordagens tidas como mais moderadas e que buscavam uma 
“verdade etnográfica”, ou aquelas que estipulavam a impossibilidade de 
estabelecer uma objetividade a partir de um contato subjetivo. Tais tendências 
transparecem como a antropologia assumiu, a partir de Geertz (1989), uma 
abordagem mais crítica, dialógica e polissêmica, uma vez que foi com o pós-
-modernismo que a desconstrução dos textos etnográficos se fez possível, 
contrariando a abordagem mais clássica, em que as etnografias dos cânones 
da antropologia eram indiscutíveis. 
Antropólogos clássicos 11
Resta-nos delimitar mais precisamente o modernismo antropológico, 
para, de fato, entendermos com maior propriedade a ressignificação da 
disciplina. Ao contrário de outras disciplinas das ciências humanas — a título 
de ilustração, as ciências sociais em que faz parte da análise a ausência do 
pesquisador da “cena”, no sentido freudiano do termo —, na antropologia, 
é fundamental a presença do antropólogo no trabalho de campo — ou seja, 
também no texto etnográfico. Portanto, o antropólogo é aquele que mede 
os universos culturais, fazendo-os se conhecerem, ainda que seja por meio 
de seus olhos.
De acordo com Caldeira (1988), o antropólogo em cena exige uma ambi-
guidade, pois ele é tanto quem revela uma realidade quanto aquele que se 
ausenta, tentando garantir a objetividade do estudo. Para Geertz (1989, p. 94), 
a presença do antropólogo, sobretudo nos textos, deve ser compreendida a 
partir das “[...] peculiaridades de uma curiosa estratégia de construção textual 
[...]”, o que pode ser verificado, segundo Geertz (1989), nas heterogeneidades 
presentes nas discursividades de Bronisław Malinowski, E. E. Evans-Pritchard 
e Claude Lévi-Strauss, por exemplo.
Nesse contexto, podemos identificar em Malinowski, ilustrativamente, a 
legitimação da figura profissional do antropólogo, que se dá por meio de uma 
abordagem antropológica que propõe a observação participante. Cabe res-
saltar que foi essa abordagem que garantiu à antropologia o status científico 
e causou a ruptura com o pensamento preponderantemente evolucionista 
do século XIX. Até esta feita, os antropólogos eram aqueles que, fechados em 
suas salas, colecionavam tesouros etnográficos do mundo todo e, com isso, 
construíam narrativas acerca da história da humanidade. Foi com Malinowski 
que a etnografia se fez presente na antropologia enquanto metodologia que 
possibilitava a descrição e a tradução dos costumes de um povo. A produção 
de conhecimento antropológico passou a ter como objeto de estudo, se 
podemos assim dizer, o estudo dos povos coloniais. De acordo com Geertz 
(1989), tratava-se de um processo em que se colocava tudo para dentro, e a 
etnografia possibilitava que o antropólogo colocasse para fora, para a prosa. 
Contudo, o século XX trouxe outras contextualizações do mundo ocidental. 
Ocorreu de forma mais aprofundada o processo de descolonização dos paí-
ses colonizados, muito pela mundialização da cultura e da economia e pela 
ascensão de campos de estudos das ciências humanas, que possibilitaram 
outras condições de produção do conhecimento. Assim, o antropólogo não 
era mais aquele que tinha um acesso exclusivo às comunidades, às tribos 
e aos povos “distintos”. Nesse sentido, Marcus e Fisher (1986) cunharam o 
termo “visão do mundo de ourives” para descrever a crise da representação 
Antropólogos clássicos12
e os efeitos que ela causou na antropologia, uma vez que, agora, a disciplina 
necessitava mais do que nunca entender os processos culturais de perto.
Foi aí que a antropologia, que até então tinha seu foco estritamente no 
estudo das sociedades primitivas, voltou-se às sociedades mais complexas 
e às nações-Estado. Isso resultou em inovações no texto etnográfico e na 
forma como a diversidade cultural passou a ser pensada e tratada. Assim, 
as mudanças consideradas contemporâneas na etnografia consistem em 
aplicar uma metodologia que seja capaz de ter uma função estratégica nesse 
contexto; detalhadamente, elas abrangem repensar a figura do antropólogo/
autor, a produção de conhecimento textual, o objeto, o leitor, a legibilidade 
e a legitimidade do texto. Isso ocorre principalmente por se considerar 
o processo de autocrítica antropológica (atual na disciplina), assim como 
outros aspectos da prática metodológica, o que recentemente vem sendo 
questionado e descontruído das mais diversas formas. 
Conclui-se que a mudança gradual no campo metodológico da antropo-
logia acabou, na contemporaneidade, por colocar paralelamente o nativo e 
os cidadãos, ao passo que os nativos revelam a diversidade irredutível entre 
ambos. Por outro lado, ao contrário da antropologia moderna, que recons-
truía o todo para dar sentidoà heterogeneidade cultural, a antropologia 
contemporânea coloca para si a tarefa de considerar o ponto de vista dos 
nativos e as suas experiências, a fim de o antropólogo poder representá-los. 
É nesse ponto que os modos de vida trocam influências, encontram suas 
semelhanças e também as criam, lutam por superioridade, por dominação, 
traduzem-se e subvertem-se. 
Referências
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de cultura. Petrópolis: Vozes, 2013. Originalmente publicado em 1934.
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Antropólogos clássicos 13
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Leituras recomendadas
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LÉVI-STRAUSS, C. Les structures élementaires de la parenté. Paris: Mouton et Co., 1967.
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Antropólogos clássicos14
ANTROPOLOGIA 
DA RELIGIÃO
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
 > Sintetizar o desenvolvimento da antropologia no Brasil.
 > Reconhecer os principais antropólogos brasileiros e suas contribuições na 
construção da identidade brasileira.
 > Explicar como se construiu a identidade brasileira na imensa diversidade 
cultural e geográfica do País.
Introdução
O objeto de investigação da antropologia é o ser humano e, por isso, ela se cons-
titui como a área na qual investigador e objeto investigado coincidem. Por sua 
especificidade e metodologia, a antropologia possibilita a compreensão de nós 
mesmos pelo olhar do outro e que nos situemos diante dos diferentes mundos 
culturais e sociais, compreendendo-os melhor.
A antropologia surgiu com o objetivo de resolver os problemas e encontrar 
soluções para a urbanização, a industrialização e a expansão europeia. Ao contrário 
da sociologia, por exemplo, desenvolvida no séc. XVIII para compreender melhor 
as sociedades europeias, com o objetivo de um “olhar interno”, para dentro de sua 
sociedade, a antropologia foi desenvolvida com foco no “olhar externo”, visando 
a melhor compreender os povos colonizados na África, na Ásia e na Américas. 
Assim, floresceu por meio de pesquisas financiadas pelas elites europeias, pela 
Antropologia no 
Brasil: construção da 
identidade brasileira
Adriane da Silva Machado Möbbs
necessidade de conhecer para dominar. Por outro lado, a antropologia brasileira 
surgiu e se desenvolveu com o objetivo de compreender sua própria diversidade 
social e cultural, com o foco em suas múltiplas culturas.
Neste capítulo, você vai descobrir como se deu o desenvolvimento da 
antropologia no Brasil, o que permitirá a compreensão de nossa diversidade 
cultural e, consequentemente, um melhor entendimento da coletividade 
como povo.
O desenvolvimento da antropologia 
no Brasil
No Brasil, a antropologia surgiu entre as décadas 1930 e 1940. Muitos aspectos 
favoreceram seu surgimento e desenvolvimento no Brasil, e acabaram por 
caracterizar o pensamento antropológico brasileiro por um longo período.
Podemos considerar o alemão Curt Nimuendajú (1883–1945), nascido 
Curt Unckel, o “pai da Antropologia brasileira”. Tido como um expoente 
em estudos indígenas no País, o etnólogo dedicou mais de 40 anos de sua 
vida ao estudo dos povos indígenas brasileiros. Sem formação acadêmica, 
mudou-se para o Brasil aos 20 anos e, dois anos depois, juntou-se aos 
Apapokuva, povo guarani do interior de São Paulo (atualmente conhecido 
como Nhandeva). A partir dessa imersão, que deu origem à obra As len-
das da criação e destruição do mundo como fundamentos da religião dos 
Apapocúva-Guarani, publicada em 1915, começa o desenvolvimento da 
etnologia brasileira. Incialmente, a antropologia era reconhecida por sua 
prática e, assim, considerada uma etnologia.
Desde seus primórdios, a antropologia brasileira esteve presa a seus 
objetos reais de investigação, como afirma Cardoso de Oliveira (1988, p. 230):
Isso significa que o que se poderia chamar de modo de conhecimento — que 
deveria marcar a natureza do saber antropológico — ficou historicamente su-
bordinado à natureza dos objetos reais (quer seja o índio, o negro ou o branco) 
com todos os "equívocos que posições deste teor geram no desenvolvimento 
da disciplina. E, em razão dessa mesma preponderância do objeto real sobre 
objetos teoricamente construídos, surgiram duas tradições no campo da An-
tropologia Brasileira, ordenando a divisão de trabalho, seja na academia, seja 
nas atividades profissionais não universitárias. A primeira tradição que aparece 
com mais vigor é a da Etnologia Indígena, sendo a segunda a da Antropologia 
da Sociedade Nacional.
Antropologia no Brasil: construção da identidade brasileira2
Podemos, portanto, considerar que, inicialmente, a antropologia se de-
senvolveu a partir de duas tradições: 
1. a etnologia indígena, na qual o nome de Curt Nimuendajú é, sem dú-
vida, referência;
2. a Antropologia da Sociedade Nacional, cujo expoente é Gilberto Freyre. 
Isso ocorreu entre as décadas de 1920 e 1930, quando a profissão de 
antropólogo e o campo da antropologia ainda não estavam bem definidos 
no Brasil. 
Embora, nos anos 1930 e 1940, Lévi-Strauss e Radcliffe-Brown tenham 
lecionado no Brasil, eles não são tidos como atores do desenvolvimento da 
antropologia. Sabe-se, porém, que suas obras tiveram impacto nas décadas 
seguintes, como afirma Cardoso de Oliveira (1988, p. 230–231): “[...] o certo é 
que a absorção de suas ideias se daria nas gerações seguintes pela leitura 
de seus livros. Nesse caso, destaca-se a influência de Lévi-Strauss a partir 
dos anos 1960, enquanto a de Radcliffe-Brown (salvo engano) restringiu-se 
aos anos 1940 e 1950”.
Desde os primórdios da antropologia no Brasil, vários pesquisadores 
utilizaram o termo ‘etnologia’ como parte da antropologia cultural ou 
social, o qual “[...] abrange os estudos em que o pesquisador entra em contato 
direto, face a face, com os membros da sociedade, ou segmento social estu-
dado, contrastando-a com a arqueologia, que abarca as pesquisas apoiadas em 
vestígios deixados por sociedades desaparecidas ou por períodos passados de 
sociedades que continuam a existir” (MELATTI, 1983, p. 4). Contudo, confundem-se 
os termos “etnologia” e “etnografia”; por isso é sempre importante observar a 
época em que o termo é empregado. 
Segundo Kottak (2013), antropólogo contemporâneo, há dois tipos de ati-
vidades realizadas pelos antropólogos: a etnografia (com base no trabalho 
de campo) e a etnologia (com base na comparação intercultural). De acordo 
com Kottak (2013,p. 33), “A etnografia fornece uma descrição de determinada 
comunidade, sociedade ou cultura. [...] A etnologia examina, interpreta, analisa 
e compara os resultados da etnografia — os dados coletados em diferentes 
sociedades — e os usa para comparar, contrastar e fazer generalizações sobre 
a sociedade e a cultura”.
No artigo Traficante do excêntrico: os antropólogos no Brasil dos anos 30 
aos anos 60 (1988), Mariza Corrêa (1988, p. 79) destaca um aspecto importante 
acerca do desenvolvimento da antropologia: 
Antropologia no Brasil: construção da identidade brasileira 3
Talvez seja uma ironia adequada a esta disciplina que se quer uma ciência do outro 
que ela tenha criado, em quase toda a parte, tradições antropológicas nacionais 
fundadas por estrangeiros: Franz Boas nos Estados Unidos, Curt Nimuendajú no 
Brasil, Bronislaw Malinowiski na Inglaterra.
A pesquisadora destaca, ainda, um certo descompasso em meio ao inter-
câmbio entre os pesquisadores nacionais e estrangeiros, e, sobretudo, acerca 
de “como nos pensamos” e “como nos pensam” (1988, p. 79–80):
No caso brasileiro, se acrescenta ainda a esta ambiguidade, às vezes uma harmonia, 
às vezes um descompasso, entre “como pensamos” e “como nos pensam”. A traje-
tória brasileira da disciplina é, mais do que costumamos registrar explicitamente, 
parte tanto de seu percurso internacional, quanto do imaginário dos antropólogos 
em geral: lembrando de novo o exemplo de Geertz, é de Lévi-Strauss que ele está 
falando quando escreve “mito brasileiro” ao invés de seu nome (1983, p. 150).
Ao fazermos uma genealogia da antropologia no Brasil, deparamo-nos com 
tradições também inventadas. Esse é um fato importante a ser considerado, 
uma vez que o distanciamento do pesquisador nem sempre foi possível. 
Percebe-se, muitas vezes, considerações um tanto distantes de nossa re-
alidade. Nesse sentido, podemos citar a percepção de nossos índios como 
“selvagens”, de acordo com a interpretação de Lévi-Strauss. Acerca dessas 
tradições-invenções, afirma Corrêa (1988, p. 80):
As tradições aqui inventadas, se não o foram apenas por estrangeiros, tiveram uma 
forte participação deles nessa invenção: se olharmos atentamente o mapa etno-
lógico de Curt Nimuendaju, quase poderemos ver as sombras dos pesquisadores 
que as estudaram projetando-se sobre os contornos das comunidades indígenas 
por eles estudadas até a década de 40, projeção que nos ajudaria mais, entretanto, 
a entender a distribuição deles, pesquisadores, num território disciplinar comum, 
do que a de seus objetos de interesse.
Como sabemos, o trabalho etnográfico do antropólogo consiste em inserir-se 
na comunidade e, com certo distanciamento, observar os hábitos e costumes 
de determinada cultura. Observar e interpretar sem adjetivar, porém, talvez 
seja bastante difícil depois de muitos anos inserido na mesma comunidade.
O início da caminhada da antropologia no Brasil
Até a década de 1930, aqueles que faziam antropologia no Brasil não eram 
formados na área e, por isso, são referidos como cronistas, pois não realizavam 
o trabalho etnográfico. Contudo, por meio de suas crônicas, forneceram-nos 
Antropologia no Brasil: construção da identidade brasileira4
bons registros de observações, ainda que sem controle ou orientação me-
todológica, pois não havia cientistas sociais na época. Nesse período, como 
afirma Melatti (1983, p. 5): 
[...] não existe a formação acadêmica de etnólogo no Brasil. Os estudiosos brasilei-
ros que dão contribuições nessa área são médicos, juristas, engenheiros, militares 
ou de outras profissões. Mesmo os etnólogos que vêm do exterior são formados 
em centros de pesquisa de criação recente, pois a Antropologia era então ramo 
novo das ciências, mesmo na Europa. Alguns deles são também de outras áreas 
acadêmicas e que, tendo-se interessado pela Etnologia, procuraram aperfeiçoar-se 
nos centros que a cultivavam.
Como ainda não tínhamos a presença de cientistas sociais, alguns ter-
mos foram utilizados de forma diferente daquela compreendida hoje, como 
acontece com a etnologia, por exemplo, cuja definição e classificação atuais 
podem ser observadas no Quadro 1. Contudo, por um longo período no Brasil, 
chamou-se de etnólogo aquele pesquisador que estudava as tribos indígenas. 
Acerca dessa etnologia praticada na época, Melatti (1983, p. 5) afirma:
A partir de meados do século passado, alguns brasileiros se incumbem de tarefas 
de caráter etnológico. Esses pesquisadores, quase todos autodidatas em Antro-
pologia, a par de seus levantamentos a respeito de índios, negros, sertanejos, 
mostravam na maior parte dos casos um certo interesse no destino das popula-
ções que estudavam e seu lugar na formação do povo brasileiro, cujo futuro era 
objeto de suas preocupações. Boa parte desses autores vivem um conflito entre a 
simpatia que devotavam às minorias que estudavam e a situação de inferioridade 
em que as colocavam na hierarquia biológica que supunham existir. Sobre as 
idéias conflituosas a respeito da população nacional, mantidas pelos intelectuais 
brasileiros no final do Império e da Primeira República, é muito útil a leitura de 
Thomas Skidmore (1976). Por outro lado, esses autores já estavam atentos para o 
problema do contato interétnico, tratado daí por diante por todas as gerações de 
etnólogos brasileiros, naturalmente segundo os recursos teóricos de cada época.
Quadro 1. Etnografia e etnologia: duas dimensões da antropologia cultural
Etnografia Etnologia
Exige trabalho de campo para coletar 
dados
Utiliza os dados coletados por uma 
série de pesquisadores
Muitas vezes, descritiva Normalmente, sintética
Específica de um grupo ou de uma 
comunidade
Comparativa/intercultural
Fonte: Adaptado de Kottak (2013).
Antropologia no Brasil: construção da identidade brasileira 5
A história do surgimento da antropologia no Brasil pode ser dividida em 
três momentos, compreendidos entre as décadas de 1930 e 1960, segundo 
Corrêa (1988, p. 80):
Os três momentos são, eles mesmos, exemplares: nas décadas de trinta e quaren-
ta, com a chegada do cinema falado (como lembra Almir de Castro, 1977), entrou 
também no país a modernidade da língua inglesa — belas cartas de amigos de 
Eduardo Galvão, dos Estados Unidos durante a Segunda Guerra, sugerem o impacto 
do modo de vida norte-americano sobre os brasileiros, assim como o registram 
os cronistas da época; na década de cinqüenta, o espírito de desenvolvimento 
vigente no país se expressou também na institucionalização dás ciências sociais 
e, na década seguinte, muitas das iniciativas dos anos anteriores amadureceram, 
não obstante os obstáculos políticos conhecidos.
A seguir, abordaremos esses momentos a partir da história da antro-
pologia e com foco nas contribuições de alguns antropólogos, utilizando, 
como exemplo, o trabalho de Melatti. Certamente, não poderemos abarcar 
toda a história da antropologia brasileira. Então, destacaremos a etnologia, 
pois há mais trabalhos e registros nessa área. Assim, cabe ressaltar que 
começaremos pelo período anterior ao identificado como inicial por Corrêa 
(1988), pois vamos considerar os cronistas e o período dedicado à etnologia 
(como a compreendiam àquela época). Após, abordaremos a antropologia e 
os antropólogos até os anos 1930, dos anos 1930 aos anos 1960 e, por fim, 
dos anos 1960 em diante.
Os principais antropólogos brasileiros 
e suas contribuições 
A antropologia no Brasil, como comentamos, começa com pesquisadores 
autodidatas, sem formação na área, uma vez que ainda não existia a pro-
fissão no Brasil. Contudo, mesmo sem formação acadêmica na área, esses 
pesquisadores fizeram descobertas bastante relevantes, e seus registros nos 
permitem compreender melhor os índios, os negros e os sertanejos.
Antigamente, os pesquisadores se mantinham atentos ao problema inte-
rétnico, que acabou sendo abordado por todas as gerações de antropólogos 
brasileiros, considerando os recursos disponíveis em cada época (MELATTI, 
1983). Entre esses pesquisadores,podemos citar, por exemplo, Antônio Gon-
çalves Dias.
Antropologia no Brasil: construção da identidade brasileira6
Antônio Gonçalves Dias integrou a Comissão das Borboletas, comissão 
científica que participou de uma expedição exploradora às províncias do 
Brasil setentrional projetada pelo Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro 
(IHGB). A expedição, que partiu em 1859, ficou mais tempo no Ceará, mas 
Gonçalves Dias foi para a Amazônia, onde se dedicou aos estudos linguísticos 
e a coleções etnográficas.
Embora tenha feito parte dessa comissão, Gonçalves Dias não possui 
registros históricos nem publicações acerca de levantamentos da expedição. 
Possui escritos que datam desse período, mas se trata de pesquisas de base 
bibliográfica, entre as quais se destacam: “Amazonas”, trabalho publicado 
na Revista do IHGB em que apresenta e discute o problema das mulheres 
guerreiras que dão nome ao Rio Amazonas, e “Brasil e Oceania”, no qual 
faz referência aos cronistas, apresenta uma descrição dos índios do litoral 
brasileiro e das populações da Oceania e discute o problema da civilização 
cristã. Sobre esse estudo, Melatti (1983, p. 6) afirma o seguinte:
“Brasil e Oceania”, longo texto em que, baseado nos cronistas, ainda que de modo 
não exaustivo, apresenta uma descrição dos índios do litoral brasileiro, seguida 
de uma descrição resumida das populações da Oceania, para finalmente discutir o 
problema de qual das duas populações estava mais apta para receber a civilização 
cristã. No fim do trabalho Gonçalves Dias propõe que, ao lado do incentivo à colo-
nização estrangeira, haja uma retomada da catequese dos índios. Gonçalves Dias 
não estava à frente das idéias de seu tempo: aceitava uma hierarquia das raças e 
admitia, como Martius, que os índios estavam em decadência, não motivada, mas 
apenas acentuada pelo contato com os brancos.
Além de Gonçalves Dias, merece destaque José Vieira Couto de Magalhães, 
militar e presidente das províncias de Goiás e de Mato Grosso. O político se 
interessou pelo estudo dos indígenas durante sua empreitada acerca da 
navegação regular a vapor do Araguaia ao Tocantins. Entre seus estudos, os 
mais conhecidos são Viagem ao Araguaia (1863) e O selvagem (1876). Sobre 
eles, Melatti (1983, p. 6) afirma, respectivamente:
O primeiro se refere a uma viagem que realizou em 1863 e contém dados sobre 
índios das vizinhanças do Araguaia e Tocantins. No segundo apresenta esboços 
de classificação das raças, que hierarquiza, e das línguas indígenas; lendas indí-
genas, sem dizer exatamente quem narrou cada uma, mas indicando que obteve 
uma delas em Belém e que coligou outras entre soldados indígenas do Exército. 
Defende a ideia de assimilar os índios, aprendendo-lhes a língua para se poder 
ensinar-lhes o português, de modo a evitar seu extermínio futuro. Esse cuidado 
estaria relacionado à sua previsão de que a seleção natural iria eliminar os índios, 
mas aconselhava a se tomar o cuidado de misturá-los com os brancos antes que 
isso acontecesse, a fim de que estes criassem resistências ao ambiente físico 
do Brasil. O melhor mestiço seria o branco com um quinto de sangue indígena. 
Antropologia no Brasil: construção da identidade brasileira 7
Além das figuras já mencionadas, cabe destacar João Barbosa Rodrigues, 
botânico e responsável pelas informações de diversos grupos indígenas 
da Amazônia e pelo primeiro contato amistoso com os Krixaná, no ano de 
1884. Rodrigues tinha interesse pelo curare, além de pelas lendas e cantigas 
amazônicas em língua geral (língua Tupi que fora modificada e usada pelos 
colonizadores) e pelos muiraquitãs. 
Outra figura de destaque foi o engenheiro Antônio Manoel Gonçalves 
Tocantins, que publicou, em 1877, Estudos sobre a tribo “Mundurucú”, pequena 
monografia acerca dos vários aspectos do modo de vida dos Munduruku 
(família, agricultura, guerra, conservação das cabeças dos inimigos, pintura 
de corpo, feitiçaria, mitos etc.). Gonçalves Tocantins visitou essa tribo em 
1875, o que o motivou a abordar também “[...] importantes problemas do 
contato interétnico, como relações dos índios com os missionários, destes 
com a população civilizada, o comércio com os regatões” (MELATTI, 1983, p. 6).
Destaca-se, também, o engenheiro, militar e jornalista Euclides da Cunha, 
que relatou os sertanejos de Canudos e os do Sudoeste da Amazônia, uma 
vez que os conheceu pessoalmente. Obviamente, sua obra não ficou isenta 
de comentários e críticas. Entre seus críticos, estão Gilberto Freyre, Clovis 
Moura, Dante Moreira Leite e Thomas Skidmore.
Além dos autores já mencionados, cabe acrescentar dois autores res-
ponsáveis pelos primeiros estudos sobre o negro no Brasil: o desenhista e 
arquiteto Manuel Raimundo Querino e o médico Raimundo Nina Rodrigues. 
Manuel Raimundo Querino, descendente de africanos, foi responsável por 
minuciosas descrições das tradições de origem africana, enquanto Nina 
Rodrigues deixou, em seu legado, contribuições acerca da diversidade de 
culturas trazidas pelos escravos e seus locais de origem na África. Contudo, 
aderiu às noções (comuns na época) de inferioridade e superioridade racial.
No período inicial da antropologia no Brasil, havia grande interesse de 
pesquisadores alemães na população indígena. Houve vários, mas o primeiro 
e mais famoso foi Karl von den Steinen, que deixou a psiquiatria para se 
dedicar à etnologia por influência de Bastian. Karl von den Steinen, como 
destaca Melatti (1983, p. 8): “[...] em sua expedição de 1884 descobriu os 
grupos indígenas xinguanos e foi o primeiro a descer o rio Xingu desde seus 
formadores até a foz. Numa segunda expedição, de 1887 a 1888, voltou a visitar 
os xinguanos”. Há vários outros pesquisadores alemães, mas optamos por 
mencionar apenas Steinen, por ser o primeiro e o mais famoso. 
As preocupações evolucionistas e difusionistas foram abandonadas so-
mente nas décadas de 1920 e 1930, no que se refere às pesquisas com índios. 
O número de pesquisadores alemães também vai diminuindo, mas a maioria 
Antropologia no Brasil: construção da identidade brasileira8
dos pesquisadores continua sendo estrangeira, embora alguns acabem se 
estabelecendo no Brasil ou em países vizinhos. Entre esses pesquisadores de 
origem alemã e que se radicaram no Brasil, destaca-se Curt Nimuendajú, como 
mencionamos anteriormente, considerado o “pai da antropologia no Brasil”.
Nimuendajú se destaca no estudo das sociedades indígenas devido à 
extensão de seu trabalho e, também, pela dedicação com que o realizou. 
Sua produção vai desde obras mais extensas sobre os Guarani, os Xerênte, 
os Canelas, os Apinayé e os Tukúna, até outros trabalhos acerca da língua, 
da mitologia, da história, de diversos grupos indígenas, além de um mapa 
etno-histórico dos índios do Brasil, com uma enorme lista de referências aos 
materiais consultados.
A contribuição de Nimuendajú não ficou restrita à teoria. Quando era 
funcionário do Serviço de Proteção aos Índios (então recentemente 
criado), garantiu a fixação dos Guarani em reservas, no estado de São Paulo. Sua 
atuação como funcionário do Serviço lhe permitiu, ainda, atuar junto à atração 
dos índios Parintintin, sobre os quais elaborou um importante relatório — que, 
inclusive, foi tema do romance de Ferreira de Castro intitulado O instinto supremo.
Nimuendajú se correspondia com o antropólogo Robert Lowie, nascido 
em Viena, mas radicado nos Estados Unidos. O diálogo com Lowie preencheu, 
em parte, as lacunas de sua formação acadêmica, mas a contribuição não 
foi apenas por meio da correspondência: Lowie traduziu e providenciou tra-
duções para o inglês das principais monografias de Nimuendajú, chamando 
a atenção para a importância do estudo das sociedades Jê. Em sua autobio-
grafia, mencionou a correspondência e intitulou o capítulo 9º de “Trabalho 
de campo realizado A distância”, o que talvez demostre sua influência no 
trabalho realizado por Nimuendajú.
Além disso, é importante salientar a contribuição do trabalho etnográ-fico dos missionários salesianos nesse período: Antônio Colbacchini, César 
Albisetti e Ângelo Jayme Venturelli. Guardadas as devidas proporções, os 
trabalhos dos salesianos se aproximam daquele realizado por Nimuendajú, 
uma vez que demostram certo cuidado na descrição, preocupam-se com a 
organização social e evitam os antigos temas evolucionistas e difusionistas, 
ainda que não tivessem orientação teórica. Contudo, diferentemente de 
Nimuendajú, eles se concentraram no estudo dos Borôro e, por conta de 
seu trabalho confessional, por meio da catequese, eram atores de mudança 
social, intervindo e alterando crenças e costumes. 
Antropologia no Brasil: construção da identidade brasileira 9
Antropologia no Brasil: dos anos 1930 aos anos 1960
Esse período tem seu início marcado pela criação da primeira Faculdade de 
Filosofia, Ciências e Letras do Brasil, na também recém-criada Universidade 
de São Paulo (1934). Na mesma época, nasce a primeira Escola de Sociologia 
e Política. A partir da criação da Universidade, houve a necessidade de con-
tratação de professores da área, até então não existente no Brasil, motivo 
pelo qual foram contratados professores estrangeiros. Nesse sentido, Melatti 
(1983, p. 11) afirma:
Para fazer frente à necessidade de professores, foram contratados vários mestres 
estrangeiros. Desse modo, Roger Bastide, Emílio Willems, Claude Lévi-Strauss 
passaram a trabalhar na primeira, enquanto Herbert Baldus, Donald Pierson, 
na segunda, onde esteve como professor visitante, por breve período durante a 
Segunda Guerra Mundial, Radcliffe-Brown. Também no Rio de Janeiro criava-se a 
Universidade do Distrito Federal, onde Gilberto Freyre assumiu em 1935, como seu 
primeiro professor, a cátedra de Antropologia Social e Cultural; ocupou também a 
cátedra de Sociologia, enquanto Arthur Ramos ficava com a de Psicologia Social. 
Segundo Mariza Corrêa (2013, p. 43), é importante considerar que: 
Fora do eixo central do país, em regiões onde as Faculdades de Filosofia se instala-
riam mais tarde, seguindo aqueles modelos, e dependendo da região, a concentração 
daqueles que seriam depois definidos ou reconhecidos como antropólogos estava 
em torno de um museu (caso do Museu Paraense Emilio Goeldi, por exemplo, de 
tradição antiga), de um personagem (como Gilberto Freyre, já nessa época perso-
nagem nacional em Pernambuco), ou de um “movimento” (o da defesa do folclore, 
de Câmara Cascudo, em Natal, ou os Congressos Afro-Brasileiros, no Recife, em 
1934, organizado por Gilberto Freyre, e na Bahia, em 1937, organizado por Édison 
Carneiro). Que essas instituições, pessoas ou grupos eram os pontos de referência 
de uma território antropológico implicitamente reconhecido são testemunhos os 
depoimentos daqueles que vinham de fora dele, como os antropólogos estrangeiros, 
ou os antropólogos nativos em sua circulação interna: esses pontos, mencionados 
por todos, vão assim desenhando o perfil de um grupo que se reconhecia, ainda 
que não se definisse explicitamente como tal, nos anos trinta e quarenta.
A maioria dos professores de São Paulo vinha da Europa, mas a maior 
influência nas pesquisas e nos estudos era norte-americana. Nesse período, 
havia um profundo interesse norte-americano pelos países da América Latina, 
entre eles o Brasil. Tal influência se dava não apenas pelos docentes que 
aqui ministravam, mas também pela presença dos primeiros pesquisadores 
Antropologia no Brasil: construção da identidade brasileira10
norte-americanos, cujo objeto de estudo eram as sociedades indígenas, as 
religiões afro-brasileiras ou pequenas comunidades, e por conta dos jovens 
brasileiros que iam estudar nos Estados Unidos. 
Em 1941, foi fundada a Sociedade Brasileira de Antropologia e Etno-
logia, cujo primeiro presidente foi Arthur Ramos. Em 1942, publicou um 
Manifesto contra o racismo. Em 1955, a Sociedade deu lugar à Associação 
Brasileira de Antropologia (ABA). Florestan Fernandes (1956) nos apresenta 
uma excelente avaliação acerca do desenvolvimento da etnologia durante 
este período.
Para conhecer a obra e a contribuição de Florestan Fernandes, 
sociólogo e educador brasileiro, autor de duas excelentes mono-
grafias sobre os Tupinambás, povo indígena extinto no século XVII, e de um 
relato sobre a importância social dos relatos dos cronistas, acesse o volume 
da Coleção Educadores cujo título leva seu nome e está disponível no site 
Domínio Público. 
Segundo Cardoso de Oliveira (1988), Nimuendajú (na etnologia indígena) 
e Gilberto Freyre (na Antropologia da Sociedade Nacional) desempenharam 
seus papéis como “heróis civilizadores”:
Tanto um quanto o outro se utilizaram amplamente do conceito de Cultura: Curt 
Nimuendajú pela importância que teve, em seu trabalho, Robert Lowie; Gilberto 
Freyre por seus estudos de pós-graduação na Columbia University. Embora exis-
tam, com certeza, outros nomes nesses períodos, nenhum deixou uma obra com o 
impacto das obras de Nimuendajú e Freyre. O impacto deixado pelas obras destes 
autores, nos permite dizer que "a partir delas a disciplina antropológica entre 
nós, nas duas tradições que me referi, teria se firmado de maneira irreversível 
(CARDOSO DE OLIVEIRA, 1988, p. 112).
Contudo, se o período no qual se inserem Nimuendajú e Freyre, segundo 
Cardoso de Oliveira (1988) pode ser considerado o que ele chama de “Período 
Heroico”, o período em que se insere Darcy Ribeiro é chamado de “Período 
Carismático”. É importante esclarecer que a divisão e a classificação da his-
tória da antropologia do Brasil são realizadas por Cardoso de Oliveira (1988), 
segundo as categorias de cultura e estrutura (Quadro 2).
Antropologia no Brasil: construção da identidade brasileira 11
Quadro 2. Fases históricas da disciplina (1920–1950)
Categorias/
tradições Etnologia indígena
Antropologia da 
Sociedade Nacional
Cultura � Período Heroico: 
Nimuendajú
 � Período Carismático: 
Darcy Ribeiro
(Cultural funcionalismo)
 � Período Heroico: Gilberto 
Freyre
 � Período Carismático: 
Charles Wagley
(Cultural histórico)
Estrutura Período Carismático: 
Florestan Fernandes
(Estrutural funcionalismo)
Período Carismático: D. 
Pierson
(Sociologismo funcionalista)
Fonte: Adaptado de Cardoso de Oliveira (1988).
Foi entre os anos 1930 e 1960 que se desenvolveram os estudos acerca das 
interpretações gerais do Brasil e os estudos de mudança social, cultural e/ou 
aculturação, e quando houve a predominância do funcionalismo no estudo 
das culturas e sociedades indígenas. Durante as décadas de 1940 e 1950, 
foram realizados os chamados estudos de comunidade, nos quais se realiza 
a observação direta de pequenas cidades ou vilas, utilizando as técnicas 
desenvolvidas pela etnologia no estudo das sociedades tribais.
Houve, ainda, a abordagem funcionalista do folclore. Entre os vários 
trabalhos, destacam-se aqueles realizados por Florestan Fernandes e a pes-
quisa de Cristina Argenton Colonelli, cuja bibliografia arrolou cerca de 4.919 
trabalhos sobre o folclore brasileiro (MELATTI, 1983).
Salienta-se a importância de Gilberto Freyre, Florestan Fernandes, Sérgio 
Buarque de Holanda e Roberto DaMatta para a antropologia no Brasil, mas 
suas contribuições serão abordadas na seção seguinte, em que vamos falar 
da identidade brasileira e da antropologia a partir dos anos 1960.
A construção da identidade brasileira na 
imensa diversidade cultural e geográfica 
do País
Anteriormente, a cultura foi mencionada como uma das categorias inves-
tigadas pelos antropólogos, ou seja, como um dos objetos de estudo da 
antropologia. Antes de falarmos da identidade brasileira e de sua diversidade 
cultural, cabe aclarar o conceito de cultura. 
Antropologia no Brasil: construção da identidade brasileira12
A cultura engloba o comportamento habitual e as crenças que são passadas 
por meio da enculturação. É baseada na capacidade humana de aprendiza-
gem cultural e inclui regras de conduta internalizadas pelos seres humanos. 
Outros animais aprendem, mas somente os sereshumanos têm aprendizagem 
cultural, que depende de símbolos. Ela possui aspectos tangíveis (objetos 
e símbolos) e intangíveis (ideias e normas), e é uma das principais, se não a 
principal, característica da identidade de um povo (KOTTAK, 2013).
Pode haver diferença entre as culturas? Sim, a diferença entre culturas se 
dá pelos elementos que a constituem e compõem o conceito de identidade 
cultural.
A enculturação é o processo pelo qual uma criança aprende sua 
cultura. A enculturação informal vem da família e de amigos, en-
quanto a enculturação formal vem da escola. A cultura é apreendida por meio 
dos processos de socialização, com agentes de socialização, e os processos 
primários são realizados pelas instituições: família, escola e instituição religiosa.
Por sua vez, a endoculturação é um processo de aprendizagem no meio 
da cultura em que se vive, de modo que, consciente ou inconscientemente, 
o indivíduo (ou grupo social) apreende e incorpora os elementos culturais 
pertinentes (MARCONI, 2010).
Compreendido o conceito de cultura e sua importância, cabe definir iden-
tidade. Acerca da identidade, Barroso (2017a, p. 70–71, grifo nosso) afirma o 
seguinte:
A identidade se refere a como você é identificado em uma determinada cultura, ou 
seja, apresenta suas características em termos do seu relacionamento no mundo. 
Deste modo, você é percebido pelos outros a partir dos elementos culturais que 
manifesta ao mundo, e, por isso, você é reconhecido. Assim, não é sempre que 
temos o controle sobre como as pessoas nos rotulam. Podemos dizer que esses 
rótulos são dados a partir de características as quais os outros reconhecem em nós.
Muitos antropólogos brasileiros contribuíram para a compreensão e a 
caracterização da identidade brasileira, tanto para a forma como é compre-
endida no Brasil quanto para a forma como é vista por estrangeiros. Seus 
estudos acabam, muitas vezes, por abordar a nossa identidade. Nesse sentido, 
destaca-se o estudo de Roberto DaMatta intitulado “O que faz o brasil, Brasil?” 
(1986). Nessa obra, DaMatta nos apresenta a nós mesmos e aos outros por 
meio de nossas festas populares, nossas manifestações religiosas, nossa 
literatura e arte, enfim: tudo aquilo que nos é próprio e capaz de definir 
nossa identidade nacional, apesar da absurda diversidade cultural do Brasil. 
Antropologia no Brasil: construção da identidade brasileira 13
Vejamos um pequeno excerto de sua obra, em que menciona como sabe que é 
brasileiro, reunindo várias características de nosso povo e retratando nossa 
diversidade cultural (DAMATTA, 1986, p. 16):
Sei, então, que sou brasileiro e não norte-americano, porque gosto de comer 
feijoada e não hamburguer; porque sou menos receptivo a coisas de outros pa-
íses, sobretudo costumes e ideias; porque tenho um agudo sentido de ridículo 
para roupas, gestos e relações sociais; porque vivo no Rio de Janeiro e não em 
Nova York; porque falo português e não inglês; porque, ouvindo música popular, 
sei distinguir imediatamente um frevo de um samba; porque futebol para mim é 
um jogo que se pratica com os pés e não com as mãos; porque vou à praia para 
ver e conversar com os amigos, ver as mulheres e tomar sol, jamais para praticar 
um esporte; porque sei que no carnaval trago à tona minhas fantasias sociais e 
sexuais; porque sei que não existe jamais um “não” diante de situações formais 
e que todas admitem um “jeitinho” pela relação pessoal e pela amizade; porque 
entendo que ficar malandramente “em cima do muro” é algo honesto, necessário 
e prático no caso do meu sistema; porque acredito em santos católicos e também 
nos orixás africanos; porque sei que existe destino e, no entanto, tenho fé no 
estudo, na instrução e no futuro do Brasil; porque sou leal a meus amigos e nada 
posso negar a minha família; porque, finalmente, sei que tenho relações que não 
me deixam caminhar sozinho neste mundo, como fazem meus amigos americanos, 
que sempre se veem e existem como indivíduos! 
Quando um índio utiliza elementos linguísticos e culturais de outra 
cultura para se expressar, por qual processo cultural podemos dizer 
que ele passou? Sem dúvida, é possível afirmar que ele passou por um processo 
de mudança cultural, que ocorre a partir da difusão (empréstimo) de traços entre 
culturas. Ela pode ser direta (espontânea) ou forçada, dependendo da situação. 
Esse processo é chamado, pelos antropólogos, de aculturação, e se trata do 
intercâmbio permanente de traços culturais entre grupos em contato contínuo.
Cabe observar, porém, que os olhares dos antropólogos se voltaram para 
a sociedade brasileira muito antes de DaMatta. Uma das mais famosas obras 
de interpretação do Brasil é Casa grande e senzala, de Gilberto Freyre (embora 
tenha sido responsável por disseminar a falsa ideia de que havia democracia 
racial no Brasil). Além desse livro, outras importantes obras publicadas foram 
Sobrados e mocambos (1936) e Ordem e progresso (1959), fora uma série de 
trabalhos paralelos. Entre os temas abordados em suas obras, estão a família 
patriarcal e o Nordeste. 
Sobre Casa grande e senzala e o mito da democracia racial, cabe ressaltar 
que:
Antropologia no Brasil: construção da identidade brasileira14
Como o povo brasileiro era composto por povos oriundos de três origens distintas 
— indígenas, europeus e africanos —, muitos estrangeiros acessavam informações 
da relação entre esses povos a partir da produção da literatura brasileira sobre 
o assunto. E um dos livros de referência foi a obra Casa Grande e senzala, do 
sociólogo Gilberto Freyre. Ali, ele apresentou o negro escravizado desfrutando de 
certo conforto material, beneficiando-se de regalias e até sendo visto como pessoa 
de confiança dos senhores e das sinhás. Portanto, esse livro deixou de lado os 
horrores do trabalho compulsório e da relação de submissão dos escravizados, 
fazendo crer que houvesse uma miscigenação generalizada, tranquila e natural 
entre os índios, brancos e negros. Assim, foi interpretado que, no Brasil, havia uma 
democracia racial. ainda que o autor não tenha dito com essas palavras, como se 
as pessoas de diferentes origens fossem tratadas e percebidas da mesma forma 
(BARROSO, 2017a, p. 82).
Segundo Melatti (1983, p. 12-13, grifo nosso), “[...] como interpretação do 
Brasil, também é de grande importância o pequeno livro de Sérgio Buarque 
de Holanda, Raízes do Brasil [...], de âmbito mais vasto e publicado original-
mente em francês em 1960”.
Ainda no que se refere à diversidade cultural do povo brasileiro, é ne-
cessário mencionar que os processos culturais são vivenciados em todos os 
âmbitos sociais, são dinâmicos, possibilitam trocas sociais e podem ocorrer 
de modo concomitante. Sobre isso:
O antropólogo Roberto Da Matta (1987) nos lembra que a sociedade brasileira é 
relacional, pois nela se concretiza a síntese de modelos advindos de diferentes 
sociedades. A tríade majoritária que compôs a base da sociedade brasileira — os 
indígenas, os europeus e os africanos — compartilhou, de forma mais tensa ou me-
nos tensa, crenças, valores, hábitos, gostos, sentidos, pensamentos que resultaram 
em novas manifestações culturais. Um deles é o candomblé. Essa é uma religião 
que foi trazida com os negros escravizados no Brasil, e, sendo o país colonizado 
por portugueses católicos, as práticas religiosas do Candomblé eram reprimidas. 
Assim, seus praticantes, em seus ritos religiosos, disfarçavam a devoção aos seus 
deuses se direcionando aos santos da religião católica. Com o tempo, essa reli-
gião foi contraindo características próprias e seus elementos rituais englobaram 
aspectos da cultura caipira e da cultura indígena (BARROSO et al., 2017b, p. 64).
 Portanto, no Brasil, a fé também ocupa um importante papel identitário. 
Assim, o processo descrito por Barroso et al. (2017b) é um processo cultural 
bastante comum em nosso País e que, em certa medida, acaba por nos definir 
como sociedade brasileira: o sincretismo, ou seja, a reunião de doutrinas 
diferentes,com a manutenção de traços perceptíveis das doutrinas origi-
nais. Esse processo cultural se dá a partir do imbricamento de diferentes 
elementos culturais no âmbito religioso e se torna característico no Brasil, 
por sua diversidade cultural.
Antropologia no Brasil: construção da identidade brasileira 15
Referências
BARROSO, P. F. Cultura e identidade brasileira. In: BARROSO, P. F.; BONETE, W. J.; QUEIROZ, 
R. Q. de M. Antropologia e cultura. Porto Alegre: Sagah, 2017a. p. 69–78. 
BARROSO, P. F.; BONETE, W. J.; QUEIROZ, R. Q. de M. Antropologia e cultura. Porto Alegre: 
Sagah, 2017b.
CARDOSO DE OLIVEIRA, R. O que é isso que chamamos de antropologia brasileira? In: 
________________. Sobre o pensamento antropológico. Rio de Janeiro/Brasília: Tempo 
Brasileiro/CNPQ, 1988. p. 109–129. (Biblioteca Tempo Universidade, 83). 
CORRÊA, M. Traficantes do excêntrico. In: ___________. Traficantes do simbólico & 
outros ensaios sobre a história da antropologia. Campinas: Unicamp, 2013. p. 15–34. 
DAMATTA, R. O que faz o brasil, Brasil? Rio de Janeiro: Rocco, 1986.
KOTTAK, C. P. Um espelho para a humanidade: uma introdução à antropologia cultural. 
8. ed. Porto Alegre: AMGH, 2013.
MARCONI, M. de A.; PRESOTTO, Z. M. N. Antropologia: uma introdução. 7. ed. São Paulo: 
Atlas, 2010.
MELATTI, J. C. A antropologia no Brasil: um roteiro. Brasília: UNB, 1983. (Série 
Antropologia). 
Leitura recomendada
OLIVEIRA, M. M. de. Florestan Fernandes. Recife: Massangana, 2010. (Coleção Educadores).
Os links para sites da web fornecidos neste capítulo foram todos 
testados, e seu funcionamento foi comprovado no momento da 
publicação do material. No entanto, a rede é extremamente dinâmica; suas 
páginas estão constantemente mudando de local e conteúdo. Assim, os editores 
declaram não ter qualquer responsabilidade sobre qualidade, precisão ou 
integralidade das informações referidas em tais links.
Antropologia no Brasil: construção da identidade brasileira16
ELLER, Jack David. Introdução à 
Antropologia da Religião. 
Mailson Fernandes Cabral de Souza 
Introdução 
Jack David Eller é professor adjunto de 
Antropologia na University of 
Northern Colorado. Doutorou-se em 
antropologia pela Universidade de Boston, 
tendo como seu trabalho de campo as 
mudanças religiosas e processos culturais 
entre o povo Warlpiri da Austrália Central. 
Seus estudos se concentram nas áreas de 
religião, violência e antropologia 
psicológica. Publicado originalmente em 
inglês em 2007, pela editora Routledge, o 
livro Uma introdução à antropologia da 
religião (Introducing anthropology of 
religion: culture to the ultimate), trata-se da 
primeira obra do autor traduzida para o 
português. O livro se encontra em sua 
segunda edição, revista e ampliada, 
publicada pela mesma editora em 2015, 
sendo esta a versão traduzida para o 
português. A obra é fruto do ensino e 
experiências de pesquisa de Eller e de sua 
busca por desenvolver uma série de temas 
determinantes não só para compreender a 
religião, mas também a abordagem 
antropológica do Fenômeno. 
A obra está organizada em seis temas: a) a 
diversidade das religiões, isto é, como elas 
variam entre elas ao redor do mundo sob 
múltiplas formas; b) a diversidade no 
interior das religiões, ou seja, como dentro 
de uma religião existe uma variedade de 
crenças e práticas distribuídas no tempo e 
espaço; c) a integração da religião com sua 
cultura circundante. Posto que todas as 
partes de uma cultura estejam 
interconectadas e se influenciam 
mutuamente, a religião tenderia a 
reproduzir um ethos de cada cultura e 
sociedade em que está inscrita. d) a 
Modularidade da religião, uma vez que 
esta última não é entendida como 
monolítica e única, mas um composto de 
muitos elementos, podendo ela ter seus 
cognatos não religiosos (política, economia 
gênero, etc.); e) a relatividade da 
linguagem. Os termos utilizados na análise 
antropológica da religião por vezes 
Podem estar carregados de uma concepção 
sobre a religião que tenha como o seu 
Horizonte o cristianismo, estabelecendo 
categorias que, quando aplicadas para 
Outras religiões, são incompatíveis para 
analisá-las; f) o caráter local e prático da 
Cultura e da religião. Visto que as religiões 
são multiformes internamente, uma 
Mesma religião poderá variar a depender 
do seu contexto. 
São esses temas que orientam o eixo 
expositivo do livro, dividido em doze 
Capítulos, e suas respectivas análises. A 
proposta da obra é fazer uma antropologia 
da religião comprometida em investigar as 
manifestações sociais contemporâneas e 
as formas com que elas se associam com a 
religião. 
Escopo da obra 
O primeiro capítulo apresenta as principais 
definições e teorias do campo 
antropológico. Para Eller, a melhor maneira 
de entender a antropologia seria 
concebendo-a como a ciência da 
diversidade dos seres humanos, em seus 
corpos e comportamentos. A antropologia 
da religião seria, portanto, a investigação 
científica da diversidade das religiões 
humanas. Nesse contexto, o conceito de 
cultura é central, posto que o estudo 
antropológico implica em olhar algo como 
comportamento humano aprendido e 
compartilhado. 
Essa orientação básica da antropologia 
levaria em consideração três aspectos 
da perspectiva antropológica. 
a) A antropologia procede através da 
descrição comparativa ou intercultural. 
Uma vez que o processo é seu o trabalho de 
campo, o método principal da antropologia 
é a observação participante. Seu produto é 
o estudo de caso ou etnografia e sua 
peculiaridade seria usar o particular para 
dizer algo sobre o geral; 
b) A antropologia adota uma posição de 
holismo. Parte-se da 
premissa que qualquer cultura é um todo 
mais ou menos integrado com partes que 
operam de maneiras específicas uma em 
relação à outra e que contribuem para o 
funcionamento do todo. As quatro áreas 
de atividade de todas as culturas 
(economia, parentesco, política e religião) 
se articulam nessa perspectiva, ligando se 
também às questões mais difusas de 
linguagem e gênero, refletindo-as e 
afetando-as mutuamente; 
 c) A antropologia defende o princípio do 
relativismo cultural, posto que ela reflete o 
entendimento que cada cultura tem seus 
próprios padrões de compreensão e 
julgamento. Nesse sentido, o relativismo 
cultural seria um resultado do estudo 
intercultural e holístico. 
O segundo capítulo trata da crença 
religiosa e das entidades e conceitos a 
ela subjacentes. O autor afirma que 
qualquer religião contém certas ideias e 
concepções sobre tipos de coisas que 
existem no mundo, com que elas se 
parecem e o que elas fizeram. Isso poderia 
ser classificado como a ontologia que cada 
religião encarna, os existentes que ela 
postula: seres, forças e fatos da realidade 
religiosa. 
Esses elementos são chamados de crenças 
da religião. 
As crenças religiosas são um subconjunto 
das crenças em geral. Enquanto 
questão subjetiva ou psicológica, as 
crenças são adicional e necessariamente 
interpretadas como estados mentais dos 
indivíduos. Ou seja, se dissermos que uma 
pessoa crê em algo, fazemos uma afirmação 
a respeito das representações mentais 
dessa pessoa. Elas seriam o conjunto de 
ideias religiosas sobre seres e forças que 
fundamentariam um determinado sistema 
cultural. Esses seres podem ser seres 
religiosos, espíritos humanos e espíritos não 
humanos, ao passo que as forças religiosas 
podem designar um tipo de energia, destino 
ou sorte. A presença e a ênfase desses 
elementos irão depender de cada religião e 
seu respectivo contexto 
cultural. O terceiro capítulo trata do sentido 
e poder espiritual no mundo físico e social, 
isto é, os símbolos e os especialistas 
religiosos. Os símbolos não são meras 
representações de coisas, mas são coisas 
repletas de poder, inclusive podendo esse 
poder ser o seu sentido. O mesmo vale para 
os especialistas religiosos: apesar de não 
representarem seres e forças religiosas, eles 
podem substituir essas entidades, atuando 
como seus representantes ouintermediários no mundo humano. A 
religião, no olhar da antropologia, poderia 
ser considerada como um conjunto de 
símbolos, sendo a própria cultura um 
sistema simbólico, dos quais a religião é um 
filão, embora particularmente relevante. 
Seria tarefa da antropologia interpretar ou 
decodificar esses símbolos. 
A função dos símbolos consistiria em 
controlar o comportamento. Os símbolos 
religiosos significam algo, mas também são 
algo (objetos, palavras ou ações). Os 
símbolos podem, inclusive, ser coisas ou 
forças: espaços sagrados, ícones, talismãs, 
amuletos, relíquias, máscaras, textos; ou 
pessoas que eles representam, o corpo 
humano, textos, especialistas religiosos 
(xamã, sacerdote, oráculo, profeta, 
médium, asteca, monge, mendicante, 
feiticeiro, bruxo). 
O quarto capítulo examina a linguagem 
religiosa que, muitas vezes, é entendida 
como mito. Este último, na verdade, é uma 
forma extremamente comum e importante 
de discurso religioso, mas de modo algum 
seria a sua única forma, ao passo que a 
linguagem religiosa seria um espectro mais 
amplo em que se situam as diferentes 
formas do discurso religioso (oração, 
encantamentos, cantos, provérbios, 
literaturas sapiencial e litúrgica, etc.). 
O mito, dessa forma, é compreendido como 
uma linguagem religiosa “um tipo de 
história, especificamente uma história que 
envolve os feitos dos espíritos ou ancestrais 
humanos. Numa palavra, os mitos são 
narrativas a respeito das atividades e 
aventuras destes seres” (ELLER, 2018, p. 
137). Ele representa uma aparição do 
sagrado no meio do profano. Alguns tipos e 
temas de mitos recorrentes nas culturas são 
os mitos de criação, dilúvio, matar um 
monstro, caso de incesto, rivalidade entre 
irmãos, castração e divindade andrógina. 
Em síntese, os mitos são repositórios de 
ideias culturais sobre temas como 
cosmologia e cosmogonia. 
O quinto capítulo tem por finalidade 
observar e examinar o sentido, a função, 
origem e variedade do ritual. Os rituais são 
compostos de diferentes atividades: 
oração, música, exercícios fisiológicos 
(automutilação, jejum, uso de drogas, etc.), 
exortação, mito, simulação, poder, tabus, 
festas, sacrifícios, congregação, inspiração, 
simbolismo e objetos religiosos. Eles têm 
funções técnicas e terapêuticas, assim 
como podem possuir caráter ideológico, 
acarretando muitos gêneros de ação, indo 
da linguagem a itens materiais, comidas e 
outros elementos. 
Mesmo sendo um fenômeno 
primariamente religioso, o ritual não exige a 
priori nenhuma crença sobrenatural. A 
tendência em ver o ritual como algo 
estritamente religioso, adverte Eller, 
distorce tanto a religião quanto o ritual. 
Em síntese, os rituais são entendidos como 
componente chave da religião. 
Toda interação social humana acontece sob 
um código de convívio que comenta, 
representa e leva a cabo essas interações. 
Em razão disso, as interações religiosas 
devem ser compreendidas como instâncias 
de um código comportamental e simbólico. 
Por conseguinte, o comportamento 
religioso também deve ser considerado ao 
menos parcialmente real, posto que os 
rituais não são meramente informativos, 
mas transformadores dessas interações. 
O sexto capítulo analisa a relação entre 
religião e moralidade, sendo esta última 
concebida como códigos ou padrões de 
comportamento individual atuando em 
conjunto com a ordem e as instituições da 
sociedade. O interesse é descobrir como 
esses sistemas contribuem para a sociedade 
e para a construção e 
transformação dos indivíduos. Embora a 
religião não seja a única fonte de sansões e 
normas, ela é potencialmente a mais 
segura. 
A antropologia analisa a moralidade 
levando em conta a diversidade, a 
construção social e a relatividade da 
linguagem. A moralidade é entendia como o 
acúmulo muito variado de moralidades – 
assim como a compreensão do conceito de 
religião segue o mesmo raciocínio. O autor 
constata que em muitos casos “os estudos 
da moralidade têm sido tentativas não 
tanto de descrever e explicar a moralidade 
quanto de propor uma – ou a – moralidade 
verdadeira ou melhor” (ELLER, 2018, p. 
208). A moralidade seria uma consequência 
de viver num grupo social e ser sensível a 
ele, configurando-se como uma prática 
social. 
O sétimo capítulo examina a permanente 
construção da religião. O autor ressalta que 
mesmo as religiões mais tradicionais já 
foram dinâmicas e nenhuma fase específica 
delas foi a verdadeira ou a tradicional. 
Embora muitas tradições reivindiquem que 
se ocupam do passado, disso não se pode 
deduzir que esse passado seja 
necessariamente antigo ou sequer real. O 
autor ressalta que esse processo não é tão 
moderno quanto possa parecer: “a 
invenção da tradição não é exclusiva do 
mundo moderno. A tradicionalização de 
sociedades tradicionais tem sido mais difícil 
de ver e de aceitar” (ELLER, 2018, p. 247). 
Esses movimentos de mudança religiosa, 
por seu turno, também criam novos 
movimentos religiosos que “surgem como 
respostas, acomodações ou protestos 
contra circunstâncias sociais novas e 
insatisfatórias. Por isso, [...] explicá los é 
examinar as relações dinâmicas entre estes 
movimentos religiosos e a sociedade 
emergente na qual eles ocorrem” (ELLER, 
2018, p. 251). Ou seja, eles surgem quando 
os indivíduos se encontram em 
circunstâncias de tensão social crônica, 
decorrente da combinação mal sucedida 
entre suas crenças e 
comportamentos atuais e o funcionamento 
do seu novo mundo social. 
O oitavo capítulo enfoca o fenômeno das 
religiões translocais (o islã e o cristianismo). 
O capítulo explora as categorias, 
desenvolvidas por Robert Redfield, de 
religiões locais e religiões translocais, isto é, 
pequenas e grandes tradições. O primeiro 
termo se refere às pequenas religiões que 
foram produtos de experiências de um tipo 
de sociedade pequena que, ao menos no 
seu início, eram autônomas e 
autossuficientes, sendo socialmente 
homogêneas e com forte senso 
desolidariedade de grupo. O segundo termo 
se refere às religiões que, situadas 
emcircunstâncias sociais e políticas em 
expansão, tiveram seu ethos de religião 
redefinido. As religiões translocais são 
desenraizadas de seu contexto 
socialprimário para se tornarem religiões 
itinerantes e, em muitos 
casos,missionárias/proselitistas. Elas 
também se caracterizam por serem 
movimentos de associação voluntária, 
tendem a ser individualistas e possuem uma 
elaboração da sua ortodoxia por escrito (um 
cânone), sendo o cristianismo e o islamismo 
as religiões translocais mais bem sucedidas 
em sua expansão. Ao pensar a antropologia 
do cristianismo, o autor ressalta que ela foi 
a última grande área da antropologia 
religiosa a ser examinada pela literatura 
etnográfica. Algumas das razões apontadas 
para isso são: os antropólogos avaliarem o 
cristianismo como uma presença intrusa em 
cosmologias locais; os significados do 
cristianismo serem óbvios para os 
antropólogos pelo fato de que quase a 
totalidade dos pesquisadores serem 
pertences a uma cultura cristianizada. Eller 
também destaca a importância da 
antropologia estudar o cristianismo oriental 
(ortodoxo e copta), ainda pouco 
investigado, sobretudo por ter diferenças 
muito pontuais em relação ao cristianismo 
ocidental. O nono capítulo examina como o 
fenômeno da religião centralizada, 
profissionalizada e padronizada leva a 
variações entre o que a religião oficial diz e 
o que as pessoas realmente praticam. A 
expressão religião vernácula designa a 
religião como ela é vivida, isto é, como as 
pessoas se encontram com ela, a entendem, 
interpretam e praticam. Em razão disso, as 
fronteiras entre religião oficial e vernácula 
são sempre borradas, da mesma forma 
como ficam borradas as fronteiras entre as 
diferentes religiões e entre religião e não 
religião. Na atualidade, uma das 
importantes formas de atualização da 
religião vernácula se dá por meio da TV e do 
cinema, assim como pelas novas 
tecnologias (internet, redes sociais, etc.). 
Outra forma de atualizaçãoocorre por meio 
da relação com os negócios e a economia. 
Num contexto de contra identificação ao 
capitalismo, há os movimentos de 
economias ocultas, que se caracterizam 
como respostas religiosas à conjuntura 
capitalista, contra suas formas de 
espoliação e injustiças e suas misteriosas 
normas e operações. O décimo capítulo faz 
uma análise das relações entre religião e 
violência. O autor argumenta que as 
compreensões sobre a relação entre 
religião e violência sofrem de três 
problemas: examinam um número muito 
limitado de religiões, em geral o 
cristianismo e o islamismo; consideram uma 
quantidade limitada de casos, terrorismo e 
guerra santa; tendem a culpar ou isentar a 
religião da violência. Uma compreensão 
mais precisa da violência da religião exigiria 
um exame de maior abrangência das 
religiões e considerar que a violência não é 
inerente ou inimiga da religião, mas um 
comportamento construído culturalmente, 
consequente de condições sociais 
específicas, que não são exclusivas da 
religião, mas que são comuns a ela. O autor 
lembra que existem diferentes formas de 
violência, e que tendemos a pensar 
somente grandes explosões de violência 
física (como ataques terroristas e guerras), 
mas também há violência estrutural, 
política, simbólica. Nesse sentido, a religião 
pode funcionar como explicação e 
justificação da violência. “A religião faz 
parte da cultura e a violência faz parte da 
cultura. É quase inevitável, portanto, que 
religião e violência acabem entrelaçadas. 
[...] a religião deve ajudar as pessoas a 
entender a violência empírica e inegável no 
mundo natural e social e pode também 
servir, ela própria, como razão da violência 
em certas situações contra certos alvos” 
(ELLER, 2018, p. 364-365). O décimo 
primeiro capítulo investiga as relações entre 
secularismo e irreligião. Umas das 
dificuldades, para os antropólogos, de se 
estudar o secularismo se deve ao fato de 
que ele não possui um topos, isto, é uma 
comunidade, não está delimitado em 
determinados locais para que se possa fazer 
um trabalho de campo. Por isso, o 
secularismo tende a ser interpretado, em 
muitos casos, como inexistente ou 
antinatural e antissocial em determinados 
grupos humanos. A teoria da secularização 
tem sido uma marca no campo da sociologia 
e da antropologia por mais de um século. 
Ela defende que com o advento da 
modernidade a religião tenderia a ser 
reduzida à esfera privada e que a sua força 
e representatividade no espaço público 
perderia força e representatividade. O 
conjunto desses processos produziu à 
progressiva automização dos setores sociais 
em relação ao domínio do sentido religioso 
e das instituições. Eller argumenta que uma 
antropologia do secularismo deve analisar o 
secularismo como uma doutrina social e 
política, e o secular como um conceito ou 
categoria social. O secularismo e 
o secular, da forma como são concebidos 
hoje, são produtos do pensar europeu 
ocidental, sendo toda essa discussão fruto 
da experiência ocidental na qual o 
cristianismo traçou a linha divisória entre 
religião e mundo, sagrado e profano, 
tendo as ciências sociais absorvido essas 
categorias. O uso de terminologias como 
secular, secularismo, irreligião ou ateísmo 
também estariam atravessados pelo 
mesmo problema. 
O décimo segundo capítulo analisa o 
fundamentalismo religioso. O 
fundamentalismo não é exclusivo da 
religião, mas é um estilo de civilização que 
pode ocorrer em qualquer área da cultura. 
Embora ele possa ser um fenômeno 
moderno, ou pelo menos certa forma de 
resposta aos desafios postos pela 
modernidade, é possível identificá-los 
também em contextos pré-modernos. 
O autor argumenta que dois pontos 
precisam ser considerados. 
 a) O fundamentalismo religioso é para 
alguma coisa, isto é, promove aquilo que 
constitui a cosmovisão e a verdade para os 
seus praticantes; 
b) O fundamentalismo religioso é contra 
alguma coisa, estabelecendo uma atitude 
exclusivista, tensa e até militante. Da 
mesma forma que existem múltiplos modos 
de religiosidade, também existem 
diferentes modos de fundamentalismo, 
nem todos políticos e nem todos violentos. 
Portanto, o fundamentalismo não seria um 
fenômeno monolítico e a relação entre 
fundamentalistas e a sociedade circundante 
não assumiria uma única forma 
(conflituosa). Os fundamentalismos não são 
programas puramente negativos 
(oposicionistas de uma ordem), mas 
também a favor de determinadas causas. Os 
fundamentalismos são movimentos de 
revitalização religiosa que surgem em todas 
as sociedades durante períodos de 
perturbação e declínio social. Eles não 
representam a boa ou a má religião, mas 
uma das muitas variações que a religião 
pode assumir em determinadas 
circunstâncias históricas e sociais . 
 
Considerações finais 
 
A obra introduz o leitor em temas-chave do 
campo da antropologia, além de aplicar 
uma abordagem antropológica ao estudo 
da religião no mundo contemporâneo, 
trazendo diferentes relatos etnográficos ao 
longo dos capítulos. O autor examina 
também questões importantes como 
moralidade, violência, fundamentalismo, 
secularização e novos movimentos 
religiosos. 
No entanto, a obra carece de uma 
apresentação sobre o autor e lança o leitor 
direto ao texto. Não haveria problema 
nisso, não fosse o caso deste ser o primeiro 
livro de Jack David Eller traduzido para o 
português e o fato de seus trabalhos ainda 
serem pouco difundidos nos ciclos de 
estudos de religião no país. O que não se 
configura propriamente como um demérito 
do livro, mas talvez um descuido na 
apresentação da obra para a nossa língua. 
No que se refere ao conteúdo do livro, 
deve-se reconhecer o esforço do autor 
em produzir tamanha sistematização de 
temas da antropologia da religião e a 
bibliografia atualizada da qual ele se serve. 
Nesse sentido, a obra pode ser considerada 
um verdadeiro manual, introduzindo o 
leitor aos atuais debates que se travam no 
âmbito da antropologia, além de possuir 
uma linguagem acessível para quem está 
minimamente familiarizado com os 
conceitos e vocabulário antropológicos. 
O ponto negativo que pode ser apontado é 
a falta de um capítulo final que sintetizasse 
o percurso feito na obra. Embora ao 
término de cada capítulo sejam levantadas 
questões sobre os tópicos abordados, faltou 
ao autor levar a cabo algum tipo de 
encaminhamento geral das discussões 
suscitadas ao longo do seu trabalho, dada a 
extensão da obra e do conteúdo nela 
abordado, dificultando a produção de uma 
síntese do texto por parte do leitor. 
ANTROPOLOGIA 
DA RELIGIÃO
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
 > Analisar a diáspora africana no Brasil e a adaptação dos africanos ao con-
texto brasileiro.
 > Identificar o processo da passagem da cosmovisão africana para a cosmo-
visão afro-brasileira.
 > Explicar de que forma a matriz africana dialoga com a matriz cristã ao ponto 
de criar uma tradição: candomblé.
Introdução
Neste capítulo, veremos como aconteceu a adaptação dos africanos no Brasil. 
Sobretudo, contextualizaremos a diáspora africana no País, conceito que consiste 
no movimento de dispersão de um povo e de uma cultura em âmbito mundial. 
Amplamente utilizado para se referir ao povo judaico, nem sempre o conceito de 
diáspora está relacionado ao movimento migratório forçado.
No que se refere ao povo africano e a sua diáspora, sabe-se, graças a uma 
atualização da história, que houve os dois aspectos do movimento. Houve tempos 
em que os africanos se estabeleceram fora da África em condições de soberania 
e liberdade, e tempos em que a diáspora ocorreu de forma forçada, sobretudo 
pelo processo de escravidão. Alguns autores consideram a diáspora a partir do 
período de comércio escravo e, depois, nos movimentos de emigração. Contudo, 
Estudo da cultura afro-
-brasileira: religiões 
afro-brasileiras
Adriane da Silva Machado Möbbs
há aqueles que defendem que o momento primordial da diáspora ocorreu antes 
mesmo do início do calendário cristão. 
De qualquer forma, o período deescravidão e de exploração dos africanos não 
deve ser esquecido: merece análise, compreensão e aprofundado debate, para 
que possamos compreender as marcas que ainda acompanham seus descentes. 
Portanto, aqui, abordaremos a história do povo africano de forma ampla, desde 
os primórdios da humanidade, para que possamos compreender sua riqueza e sua 
contribuição à humanidade, por meio de sua cultura, que é muito rica e não deve 
ser reduzida ao período de exploração e de genocídio do povo negro.
A diáspora africana no Brasil e a adaptação 
dos africanos ao contexto brasileiro
O legado do povo africano começa muito antes do período de escravidão e 
de sua chegada no Brasil. Alguns estudos constataram que a origem de toda 
a humanidade está na origem do povo africano. Descobriu-se que a África 
é, na verdade, o berço de toda a humanidade. De fato, a África é o ponto de 
partida das populações de pele negra que povoaram o mundo, e tudo isso 
começou muito antes do período do comércio de escravos, por meio de várias 
ondas migratórias, iniciadas por diferentes motivos e contextos.
É na África que encontramos a origem de alguns dos maiores avanços 
tecnológicos da humanidade, como a prática agrícola, a criação de gado, o 
comércio, a organização social e política, a mineração e a metalurgia (cobre, 
bronze, ferro, aço). Pode-se citar desde a agricultura do Saara até o se desen-
volvimento do plantio, do saber, da sociedade e da criatividade em regiões 
próximas aos rios Nilo, Niger e Congo (NASCIMENTO, 2007). Infelizmente, porém, 
durante um longo período, toda a riqueza e a contribuição do povo africano 
foram abafadas pelo preconceito e pela própria história de escravidão e de 
exploração. No entanto, já há alguns anos, vem crescendo um movimento de 
“redescoberta” da África:
Hoje, renovado interesse por parte dos descendentes de africanos nas Américas 
e inédita colaboração entre africanistas e especialistas nas populações negras 
nas Américas e em outros continentes apontam para uma “redescoberta” da 
África espalhada pelo mundo. O Brasil, tendo recebido aproximadamente um 
terço de todos os escravos trazidos para as Américas durante os três séculos 
de duração do tráfico atlântico, é terreno importante desta busca. (MAMIGO-
NIAN, 2004, p. 33). 
Estudo da cultura afro-brasileira: religiões afro-brasileiras2
A mudança de perspectiva e de interesse na África a partir de novos 
olhares começou na década de 1990 se estende até hoje. Nesse contexto, 
compreender a experiência dos africanos na diáspora é o objeto central da 
investigação dos diferentes pesquisadores.
Os primeiros estudos acerca dos africanos do Brasil são do campo da an-
tropologia. O médico Raimundo Nina Rodrigues detalhou, no livro Os Africanos 
no Brasil (1932), publicado postumamente, sua experiência e sua pesquisa 
com os povos remanescentes da Bahia, realizadas no final do século XIX. 
Contudo, a obra traz a marca das teorias racistas da época, atribuindo à 
importação de escravos a responsabilidade pelos males e entraves do desen-
volvimento. O médico elencou, ainda, os costumes indesejáveis dos africanos, 
pois acreditava-se que a partir dele fosse possível avaliar por quanto tempo 
sua influência marcaria negativamente a cultura brasileira (MAMIGONIAN, 
2004). A esse respeito, Mamigonian (2004, p. 34) afirma o seguinte:
O médico também abordou a presença de muçulmanos entre os escravos baianos e 
seu engajamento na resistência à escravidão nas célebres revoltas que culminaram 
em 1835 com o levante dos malês em Salvador. Nina Rodrigues atribuía aos africanos 
da Costa Ocidental — iorubás, jejes, tapas, haussás — superioridade cultural em 
relação aos bantos, provenientes da África Centro-Ocidental, que eram maioria 
no centro-sul do Brasil.
Se os primeiros estudos pioneiros acerca da presença dos africanos no 
Brasil são da área da antropologia, a segunda geração de estudos é do campo 
das ciências sociais, que rejeitaram a visão da miscigenação apresentada 
pelos primeiros estudos e passaram a vê-la como elemento importante da 
identidade brasileira.
Ao trazer, para o Brasil, o relativismo cultural americano, Gilberto Freyre 
colaborou para uma mudança de perspectiva acerca dos africanos e de sua 
contribuição no desenvolvimento do Brasil. Foi a partir de Gilberto Freyre que 
se passou a valorizar a “herança” africana e que criou-se, nos anos 1940–50, 
uma linha de pesquisa: estudos afro-brasileiros. Porém, a obra de Freyre 
acabou por deixar um legado equivocado a respeito das relações raciais no 
Brasil, difundindo, mesmo que não fosse esse seu propósito, a ideia de que 
havia “democracia racial” no País:
Nas décadas de 1950 e 1960, pesquisa e intenso debate acerca das relações raciais 
no Brasil marcaram o ramo dos estudos afro-brasileiros: tratava-se de contestar a 
ideia difundida a partir da obra de Gilberto Freyre, de que o Brasil constituía uma 
“democracia racial”, porque a miscigenação teria prevenido o racismo à americana. 
Estudo da cultura afro-brasileira: religiões afro-brasileiras 3
Pesquisa sociológica rigorosa demonstrou os mecanismos sutis da discriminação 
racial no País e alimentou pesquisas históricas que procuravam dissipar as imagens 
de uma escravidão benevolente ao mostrar a violência envolvida na relação senhor-
-escravo e na manutenção do sistema escravista. Foi através desta preocupação 
com as relações raciais e com o objetivo de explicar o funcionamento do sistema 
escravista que a experiência das populações de origem africana passou a ser 
explorada por historiadores no Brasil (MAMIGONIAN, 2004, p. 35).
O principal eixo da segunda geração de estudos acerca dos povos africanos 
eram as práticas afro-brasileiras, das quais trataremos mais adiante neste 
capítulo. Após esse período, visando desmontar o mito da “democracia racial”, 
criado pela obra de Freyre, e mostrando a violência do sistema e a resistência 
escrava, o interesse se volta para o cotidiano dos escravos e suas relações den-
tro do sistema escravista. Por meio de pesquisas empíricas, houve uma intensa 
busca em materiais antes inexplorados. Conforme Mamigonian (2004, p. 35):
A nova perspectiva da escravidão se abre com pesquisa empírica intensiva em 
materiais manuscritos antes inexplorados, como inventários post-mortem, pro-
cessos-crime, ações de liberdade, correspondência policial, além de uma leitura 
“a contrapelo” de relatos de viajantes e de documentos oficiais.
Feitos esses esclarecimentos a respeito dos estudos dos povos africanos 
no Brasil e de suas abordagens, é fundamental observar que qualquer estudo 
acerca da diáspora brasileira requer um ponto de partida comum, que é a 
abordagem das rotas do tráfico escravo no Brasil. Cabe identificar de onde 
vinham os escravos que eram trazidos para cá nos séculos XVIII e XIX, e quais 
eram as condições de sua escravização, além de suas experiências e vivências 
durante a travessia do Atlântico e depois de estabelecidos no Brasil. Como não 
é possível abordar plenamente esse conteúdo em poucas páginas, faremos 
alguns recortes históricos da tentativa de captar o essencial sem reduzir o 
papel histórico do povo afro-brasileiro. 
Primeiramente, é preciso tratar do termo diáspora, que, como vimos 
na introdução deste capítulo, trata-se do movimento de dispersão de um 
povo e de uma cultura em âmbito mundial. Tony Martin (apud ALPERS, 2001, 
p. 3-4) defende que o termo seja rejeitado por completo, no que se refere à 
experiência africana. Nesse sentido, ele argumenta:
[...] Porque o termo diáspora africana reforça uma tendência entre aqueles que 
escrevem nossa história para ver a história dos povos africanos sempre em termos 
de paralelos na história branca. Devemos acabar com a expressão da diáspora 
africana porque não somos judeus. Vamos usar outra terminologia. Falemos sobre 
a dispersão africana [...].
Estudo da cultura afro-brasileira: religiões afro-brasileiras4
A diáspora (ou, melhor, dispersão) não consiste, como vimos, apenas 
na imigração forçada;porém, no Brasil, ao se tratar dos povos negros, não 
é possível vê-la de forma diferente. Sabe-se que os povos africanos que 
aqui se estabeleceram chegaram por meio do comércio escravo nas cidades 
portuárias. Vamos ver isso em detalhes na seção a seguir.
Os africanos no Brasil
Os primeiros registros da chegada dos africanos no Brasil por meio do co-
mércio escravo remontam a meados do século XVI. Os primeiros negros a 
chegarem no Brasil vieram de Angola e da Costa do Marfim (Figura 1).
Figura 1. Gráfico do desembarque estimado dos escravos africanos no Brasil por procedência 
regional.
Fonte: Adaptada de Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2007).
Estudos como os de Pierre Verger apresentam uma relação comercial entre os 
portos de Salvador e os do Golfo do Benin, na Costa Ocidental africana, entre os 
séculos XVII e XIX. Sabe-se que, nesses portos, havia intenso tráfico de escravos e de 
mercadorias, e, por consequência, intercâmbio cultural, graças ao que Verger chamou 
de “refluxo” (MAMIGONIAN, 2004, p. 38). De acordo com Mamigonian (2004, p. 38):
Tal relação comercial privilegiada foi favorecida pela proximidade geográfica das 
duas regiões e alimentada pelo estabelecimento de sociedades entre comerciantes 
e traficantes dos dois lados do Atlântico. A peculiaridade deste ramo do tráfico de 
Estudo da cultura afro-brasileira: religiões afro-brasileiras 5
escravos determinou a superioridade numérica dos africanos da Costa Ocidental 
— iorubás, tapas, haussás, jejes — na composição étnica da população africana 
da Bahia, principalmente no século XIX.
Segundo estudos brasileiros e dados levantados pelo Instituto Brasileiro 
de Geografia e Estatística (IBGE): 
[...] os chefes políticos e mercadores da África Centro-Ocidental (hoje região ocu-
pada por Angola), forneceram a maior parte dos escravos utilizados em toda a 
América portuguesa. No século XVIII, o comércio do Rio de Janeiro, Recife e São 
Paulo era suprido por escravos que vinham da costa leste africana (oceano Índico), 
particularmente Moçambique. No comércio baiano, a partir de meados do século 
XVII, e até o fim do tráfico, os escravos eram oriundos da região do Golfo de Benin 
(sudoeste da atual Nigéria) (IBGE, 2007, p. 82).
Acerca da diáspora africana no Brasil, Silva (2018, p. 63) afirma:
[...] Estamos diante de uma comunidade que, na maioria das vezes, escolhia mu-
lheres escravizadas como madrinhas, recriando laços e constituindo redes de 
reciprocidade entre semelhantes. Entendemos que a escravização não aniquilou 
povos e culturas, assim como entendemos que a diáspora não criou uma única 
identidade, mas identidades múltiplas que, como já foi dito, apropriaram-se desse 
contexto para unirem-se no que tinham em comum: a África.
As diferentes classificações das regiões da África e das diferentes etnias 
africanas dificultam, sobremaneira, os estudos acerca da identidade e da 
cultura africanas. Os mercadores de escravos, muitas vezes por desconhe-
cimento ou preconceito, desconsideravam as etnias desses povos, fazendo 
suas próprias classificações. Achille Mbembe (2014, p. 31) sugere a influência 
do capital sobre essas classificações, “[...] o princípio de raça e o tema com 
o mesmo nome foram instaurados sob o signo do capital [...]”.
A necessidade da mão de obra escrava se deu a partir de 1534, segundo 
Paiva (2015), com a divisão do território nas capitanias hereditárias. Con-
tudo, foi durante o século XVIII que aumentou consideravelmente a entrada 
de africanos escravizados no Brasil. Com o crescente número de escravos 
africanos, cresceram, também, os cativos nativos, frutos daqueles que já se 
encontravam no Brasil, e, com isso, as classificações aumentaram. Sobre 
essa questão, Mbembe (2014, p. 67) afirma que “Aquele a quem é atribuída 
uma raça não é passivo. Preso a uma silhueta, é separado de sua essência e, 
segundo Fanon, uma das razões de desgosto de sua vida será habitar essa 
separação como se fosse o seu verdadeiro ser [...]”.
Estudo da cultura afro-brasileira: religiões afro-brasileiras6
O problema com relação às classificações é que elas também eram 
uma forma de dominação, uma forma de negar, aos africanos, suas ori-
gens, negando-os sua etnia. Além disso, Silva (2018) destaca que houve 
uma tentativa de enquadrar os cativos e as cativas em um ambiente de 
limitações nas sociedades escravocratas. Nesse sentido, a autora (2018, 
p. 75) argumenta:
A descaracterização étnica não gerou seres inativos e incapazes de criar laços 
familiares, pelo contrário, a partir daí surgiu a necessidade de buscar outras 
formas de conexão com outras pessoas, com outros costumes, outras crenças, 
outro idioma. Escravizados e escravizadas, ainda que de origens distintas, com 
diferenças culturais e linguísticas, buscaram uma unidade a partir daquilo que 
tinham em comum: sua condição.
A partir desses novos vínculos e de novas significações, os africanos se 
estabeleceram no Brasil. Ainda que cativos, conseguiram, não sem certa 
resistência, manter algumas de suas práticas culturais e religiosas.
A passagem da cosmovisão africana para 
a cosmovisão afro-brasileira
Os povos africanos, como dito anteriormente, conseguiram manter algumas 
de suas práticas culturais e religiosas. Contudo, para preservar, em certa 
medida, suas crenças, foram necessárias uma ressignificação e uma adaptação 
ao contexto brasileiro. Assim, a cosmovisão africana passou pelo processo 
de ressignificação (ou sincretismo). 
Cosmovisão é uma interpretação do mundo cujo intuito é dar uma 
resposta às questões últimas do ser humano: sua origem e seu obje-
tivo final. Fundamenta e revela, assim, a compreensão de um eu, de um sujeito 
individual e coletivo. Uma cosmovisão abrange o conjunto de valores, de ideias e 
de escolhas práticas, por meio dos quais uma pessoa ou coletividade se firmam, 
não necessariamente de modo consciente (ADÃO, 2002).
A cosmovisão africana veio para o Brasil com os povos africanos e, ape-
sar da dominação, resistiu, em certa medida, às contingências históricas e 
contextuais por meio do culto aos orixás, o qual fundamenta e estrutura as 
religiões afro-brasileiras (ADÃO, 2002). Também conhecida como cosmovisão 
Estudo da cultura afro-brasileira: religiões afro-brasileiras 7
africano-tradicional, a cosmovisão africana, ainda presente nas culturas Banto 
e Nagô, pode ser compreendida como a comunicação por meio dos cultos e 
das religiões afro-brasileiras. Como afirma Adão (2011, p. 57-58): 
Através desta ressignificação da cosmovisão africana, surgem novas religiões de 
matriz africana, mas agora ressignificadas. Hoje, no Brasil, existem fundamental-
mente três tipos dessas Religiões. A primeira, em ordem histórica, é a que cultua os 
orixás e, mesmo recebendo nomes diferentes de região para região, tendo algumas 
especificidades, trata-se do mesmo culto: Batuque ou Nação, no Rio Grande do 
Sul; Candomblé, na Bahia e centro do País; Xangô de Mina, em Pernambuco, entre 
outros. O culto aos orixás é a única religião propriamente africana: seus orixás, 
rezas e fundamentos, possuem referência só na África.
A família, a vida comunitária e a religiosidade são características das 
culturas e das cosmovisões africanas (Banto e Yorùbá). Para o povo Banto, a 
centralidade está na sacralidade, e a família, por sua vez, é o centro de todas 
as coisas. O homem e a mulher, para os Yorùbá, foram criados ao mesmo 
tempo por Olorun (considerado o Senhor do Céu e da Terra).
Nas culturas africanas, assim como na maioria das culturas, o mito e o 
símbolo ocupam papeis fundamentais. Segundo afirma Rehbein (1985, p. 25 
apud ADÃO, 2002, p. 39):
Existe toda uma simbologia que embasa e dá sentido aos ritos e cultos que constituem 
grande parte da vida religiosa africana. Toda oferenda, todo sacrifício, os ritos de inicia-
ção e consagração implicam a transmissão, revitalização, restituição do axé, da força 
vital. Nesta cosmovisão há uma unidade fundamental de todas as coisas. O todo está 
dentro de cadaparte, assim como cada parte está no todo. É uma conjuntura existencial 
que liga todos os seres e os tornam interdependentes, em todos os níveis do cosmos.
É importante ressaltar que, como destaca Favero (2010, p. 4), “[...] o caso 
das religiões africanas no Brasil oferece uma gama de modelos, valores, 
ideais ou ideias, uma rica simbologia segundo certa visão mística do mundo 
em correlação com o universo mítico e ritualístico”. 
Embora os povos africanos tenham encontrado formas de resistência 
e de manutenção de alguns traços de sua cultura e de suas práticas 
religiosas, sabe-se que, por meio dos processos de aculturação (processo 
pelo qual os sujeitos adquirem traços ou se adaptam a outras culturas com as 
quais têm contato), houve o que poderíamos chamar de imbricamento entre 
as diferentes culturas e religiões. Em alguns casos, o sincretismo ocorreu de 
forma espontânea; em outros casos, por conta da dominação e da imposição 
dos colonizadores e dos senhores de escravos.
Estudo da cultura afro-brasileira: religiões afro-brasileiras8
Ainda sobre a cosmovisão africana, Adão (2011, p. 58) afirma que: 
A cosmovisão africano-tradicional, presente nas culturas banto e nagô, foi pre-
servada, comunicada, em especial, através dos Cultos e Religiões Afro-Brasileiras. 
Hoje, no Brasil, existem fundamentalmente três tipos dessas Religiões. A primeira, 
em ordem histórica, é a que cultua os orixás e, mesmo recebendo nomes dife-
rentes de região para região, tendo algumas especificidades, trata-se do mesmo 
culto: Batuque ou Nação, no Rio Grande do Sul; Candomblé, na Bahia e centro do 
País; Xangô de Mina, em Pernambuco, entre outros. O culto aos orixás é a única 
religião propriamente africana: seus orixás, rezas e fundamentos, possuem re-
ferência só na África. Em segundo lugar, está a Umbanda, que surge no Brasil no 
início do século XX, reunindo elementos do cristianismo, pajeísmo, kardecismo 
e africanismo. A Quimbanda ou Macumba constitui-se no terceiro tipo de reli-
gião de matriz africana. Não obstante, muitos pesquisadores a colocaram como 
parte da Umbanda, que pratica o mal. Atualmente, ela está sempre mais sendo 
praticada como um culto separado, independente da Umbanda. A Quimbanda 
ou Macumba cultua os Exus e Pomba-Giras (Exu feminino), classificados como 
Exus Pagãos pelos umbandistas.
Assim, também houve a aculturação religiosa, por meio da qual as reli-
giões de matriz indígena e africana adquiriram traços das outras religiões. 
Sabe-se que, no processo de colonização do Brasil, também ocorreu o 
etnocentrismo.
A história dos povos africanos é marcada pela resistência, que se 
deu de várias formas, a exemplo dos vissungos, cantos com funções 
sociais entoados pelos escravos mineradores de Minas Gerais do século XVII. 
Digite “Vissungo, fragmentos da tradição oral” em seu motor de busca preferido 
para ter acesso a documentário de mesmo nome, que conta a história desses 
cantos e desse povo anônimo que, com sua cultura, escreveu uma história do 
Brasil que permanece esquecida.
Como a matriz africana dialoga 
com a matriz cristã
Durante o período escravocrata no Brasil, não apenas a liberdade e a dignidade 
dos povos africanos lhes foram negadas, mas também sua identidade e suas 
raízes. Como se sabe, muitas foram as formas de resistência encontradas por 
esses povos. A cultura portuguesa, dos colonizadores e dos senhores, lhes 
foi imposta, assim como suas crenças e práticas religiosas. Do imbricamento 
entre as matrizes africana e cristã, nasceu uma nova tradição, muito mais 
Estudo da cultura afro-brasileira: religiões afro-brasileiras 9
devido à imposição da religião cristã e à intolerância com as religiões e as 
práticas religiosas de matriz africana do que por qualquer outro motivo. Essa 
nova tradição foi chamada de candomblé.
Embora muitos atribuam o nascimento do candomblé ao sincretismo, há 
estudos recentes que tentam refutar essa tese. Nesse sentido, destaca-se 
a obra A formação do candomblé: história e ritual da nação jeje na Bahia 
(2006), de autoria de Luis Nicolau Parés. Acerca da tese de Parés, Bonciani 
(2008, p. 313) afirma:
Parés retoma a tese que rompe com a ideia de invenção local do candomblé e 
entende que os cultos de vodum na África deram origem ao modelo organizacional 
que foi replicado para os outros grupos étnicos e suas divindades particulares. 
Segundo o autor, a justaposição de várias divindades num mesmo templo e a or-
ganização seriada do ritual, que caracterizam o candomblé contemporâneo, vêm 
da tradição vodum da área gbe desde pelo menos o século XVIII. Ao mesmo tempo, 
a diversidade local das divindades, de seus atributos, gênero e funções levam ao 
questionamento da própria ideia de um panteão, ou panteões jejes.
Acerca dessa variação e da liturgia presente no candomblé, Parés (2006, 
p. 355) afirma:
[...] A diferente origem étnica e a afiliação religiosa dos agentes sociais responsáveis 
pela transferência transatlântica estaria na base de certas variações regionais 
brasileiras. Esse fato vem salientar que, mesmo dentro da tradição jeje, havia já 
uma heterogeneidade de práticas religiosas, até agora pouco conhecida.
 Sabe-se que o candomblé foi fundado por Francisca da Silva, como afirma 
Parés (2006):
Um aspecto fundamental dessa pesquisa foi identificar, de forma inequívoca, 
Francisca da Silva com a lendária Iyá Nassô ou mãe Nassô, título honorífico, na 
corte de Oyó, da sacerdotisa do orixá do trovão Xangô. Ela foi uma das fundadoras 
do candomblé Ilê Iyá Nassô, também conhecido como terreiro do Engenho Velho 
ou Casa Branca, o primeiro no Brasil a ser tombado pelo Instituto do Patrimônio 
Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Outro aspecto inovador da pesquisa foi a 
confirmação do mito de fundação desse candomblé, cuja memória oral evoca 
uma viagem à África de Iyá Nassô, junto com sua filha de santo Marcelina da Silva 
(Obatossi), que iria lhe suceder na liderança da comunidade religiosa.
Segundo Parés (2019), a descoberta de uma carta de 1841, na época con-
fiscada por oficiais ingleses, mostra que a missiva à África não teve como 
único objetivo a fundação do candomblé no Brasil. Acerca da missiva à África, 
Parés (2019, p. 31) afirma:
Estudo da cultura afro-brasileira: religiões afro-brasileiras10
A provável reunião com sua madrinha Roza e a reorganização do grupo religioso 
que viria a ser o candomblé da Casa Branca sinalizariam uma estratégia de coo-
peração mais ampla que não podia renunciar aos que ficaram para trás. Por outro 
lado, o potencial da troca comercial atlântica, de dendê, cola e outras mercadorias 
foi o complemento material da colaboração religiosa e teria entrado nos cálculos 
de José Pedro e Francisca, prévios à sua viagem de retorno. Em definitivo, nos 
anos posteriores à Independência do Brasil, a minoria negra mais próspera da 
Bahia, já arraigada havia décadas, após conseguir ascender econômica, mas não 
politicamente, experimentava sua frágil liberdade com novos projetos e desafios 
atlânticos, em que a autoridade religiosa, o sucesso comercial e o controle social 
da comunidade negra se emaranhavam de forma indissociável.
Porém, mesmo que o candomblé não fosse o único motivo da missiva à 
África e que dúvidas fossem levantadas sobre o fato de ele ser ou não fruto 
do sincretismo religioso ou do contato entre as duas matrizes religiosas, 
cristã e africana, certamente o candomblé brasileiro, ou à brasileira, possui 
relações com divindades e litúrgicas.
Independentemente da vertente teórica, o candomblé pode ser interpre-
tado como um processo cultural que se dá a partir do imbricamento de 
diferentes elementos culturais no âmbito religioso. Como exemplo disso, podemos 
citar o fato de a celebração de Oxum ser no mesmo dia que se celebra Nossa Senhora 
do Carmo, e do dia da Nossa Senhora dos Navegantes ser o mesmo de Iemanjá. 
Como afirma Hofbauer (2011, p. 50-51, grifo nosso):
Não há dúvida de que a origem do fenômeno sociocultural do candomblé está 
diretamente ligadaàs complexas relações, bem como à convivência conflituosa, 
dos escravos e de seus descendentes com o mundo dos senhores e, particular-
mente, com o catolicismo. A história do candomblé é profundamente marcada 
por processos ligados à exploração escrava e à discriminação racial que, de certa 
maneira, impunham o quadro de condições e relações sociais dentro do qual o 
jogo dos posicionamentos se desenrolou. As disputas em torno do incluir e do 
excluir, sobretudo em torno daquilo que adeptos e não adeptos entendem como ne-
gro e branco (como raça, cultura, religião e/ou identidade negra e branca — ou, 
ainda, como “misturado”/“sincrético”), podem ser vistas como parte intrínseca da 
formação e da transformação do fenômeno do candomblé. [...] Ao mesmo tempo, 
é inegável que no candomblé articulam-se signos e significados que podem ser 
relacionados com uma proveniência africana. Estudos históricos e antropológicos, 
como a importante obra de Luis Nicolau Parés (A formação do candomblé, 2006), 
vinculam a fundação das primeiras casas de candomblé na Bahia ao calundu [...], 
que, por sua vez, é relacionado com práticas culturais da África Centro-Ocidental. 
E há também quem defenda a ideia de que existe uma espécie de substrato de 
religiosidade/cultura afro-(luso)-brasileira que teria começado a se formar já no 
início da colonização ou até já na própria África.
Estudo da cultura afro-brasileira: religiões afro-brasileiras 11
Sabe-se que, houve, em certa medida, uma fusão entre as duas matrizes, 
embora não se saiba exatamente se forçada ou espontânea e se foi realizada 
no Brasil ou na África. Acerca disso, afirma Hofbauer (2011, p. 51):
[...] Com a introdução do termo “catolicismo africano”, Thornton (2002) salientou, 
de forma semelhante, processos de fusão que teriam ocorrido no reino do Congo. 
Ele mostra como a elite congolesa se empenhou pessoalmente na divulgação da 
fé cristã, motivada pelo anseio em se aproximar da Coroa portuguesa e da Igreja 
Católica, buscando estabelecer uma poderosa aliança que permitisse fortalecer a 
sua posição na região. [...] Thornton entende que, em pouco tempo, grande parte 
dos congoleses começava a se ver, de fato, como cristã, e o Congo se tornava um 
centro de expansão da fé cristã na região.
Documentos históricos apresentados por Parés (2006 apud HOFBAUER, 
2011, p. 59-60) denotam que:
A irmandade negra era vista pelos senhores e pela Igreja como um prático instru-
mento de catequese que deveria, inclusive, contribuir para o disciplinamento social 
dos africanos e de seus descendentes no Brasil. Ao mesmo tempo, constituía a 
única instituição legalizada na qual a população negra podia — mesmo sob a tutela 
da Igreja — organizar-se, (re)criando e fortalecendo sentimentos de comunalismo.
Destaca-se, ainda, o fato de que, de acordo com Parés (2006, p. 272), como 
cita Hofbauer (2011, p. 60), há, sem dúvida:
[...] uma tendência particular dos jejes (desconhecida entre outros grupos, como 
p. ex. os iorubas), que seria a de incluir, assimilar e agregar novas divindades e, 
dessa forma, criar um panteão de deuses, uma das características mais notáveis 
do candomblé. 
Assim, Hofbauer (2011) nos fornece importantes elementos para com-
preender a relação entre cristianismo e candomblé ao citar os estudos de 
J. Lorandy Matory, sobretudo a obra Religião do Atlântico Negro: tradição, 
transnacionalismo e matriarcado no candomblé afro-brasileiro (2005).
Nesse contexto, Matory chama a atenção para o fluxo de viajantes negros que existiu 
entre a Bahia e o litoral ocidental da África (Nigéria e Benin atuais). Não somente 
objetos religiosos e notícias circulavam. Matory cita vários líderes religiosos im-
portantes que viajavam. Assim, p. ex., Martiniano Eliseu do Bonfim, filho de libertos 
africanos, passou onze anos (1875–1886) em Lagos, onde não somente frequentou 
uma escola presbiteriana, mas foi também iniciado no sacerdócio de Ifá. De volta à 
Bahia, introduziu elementos ritualísticos que conheceu na África (12 obás de Xangô) 
no Ilê Axé Opô Afonjá, ao qual estava ligado. Teria, portanto, importante influência 
sobre as práticas religiosas nessa prestigiosa casa e tornar-se-ia ainda informante 
principal do “pai” dos estudos afro-brasileiros, Nina Rodrigues. (HOFBAUER, 2011, p. 61).
Estudo da cultura afro-brasileira: religiões afro-brasileiras12
Diante de tantas diferentes perspectivas, destacam-se, portanto, três 
teses, entre antropólogos e sociólogos, sobre a origem do candomblé e suas 
relações com a matriz cristã:
1. as religiões africanas são formas de resistência e de sobrevivência 
dos povos africanos, e o sincretismo encontrado no candomblé foi a 
forma de manter as práticas religiosas africanas; 
2. há uma “pureza nagô” nessas religiões, ou seja, o sincretismo en-
contrado no candomblé, por exemplo, é fruto de uma característica 
puramente jeje, que diz respeito à inclusão de outras divindades e 
liturgias às suas; 
3. o candomblé é fruto do sincretismo ou do imbricamento das duas 
matrizes: africana e cristã. Contudo, é fato que, no candomblé, há 
um panteão; nele, é possível encontrar divindades e/ou santos de 
matriz cristã.
Acerca das práticas religiosas dos candomblés, Hofbauer (2011, p. 63) 
afirma:
No centro das práticas religiosas dos candomblés se encontrava a invocação das 
divindades africanas. Dependendo das “nações” (ketu, jeje, angola), cultiva(va)
m-se orixás, voduns ou inquices. Ao mesmo tempo, ocorreram adaptações de 
diferentes ordens, como, p. ex., a adaptação ao calendário católico. Há diversos 
orixás que são até hoje celebrados em dias em que a Igreja Católica festeja um 
“santo correspondente”. Ocorreram “aproximações” tanto entre histórias míticas 
cristãs e africanas quanto entre santos católicos e orixás, como, p. ex., entre São 
Jorge e Ogum, sendo o primeiro lembrado na tradição ocidental como soldado 
romano e, ainda mais frequentemente, como matador de dragões e padroeiro 
dos ferreiros, enquanto o segundo, Ogum, é lembrado como divindade do ferro 
e da guerra. Além disso, tornou-se costume em vários terreiros levar o/a recém-
-iniciado/a (iaô) a uma igreja para assistir a missa e entregar os mortos à religião 
hegemônica, o catolicismo.
Contudo, Hofbauer (2011, p. 64) faz questão de frisar que, à luz do que 
afirma Palmié (1995):
Até que ponto a relação entre santos católicos e orixás representa uma corres-
pondência analógica, uma sobreposição (disfarce) ou mesmo uma fusão é uma 
questão que faz parte intrínseca dos processos de construção e desconstrução 
de diferenças e significados. Palmié, p. ex., tem argumentado (nas suas análises 
sobre a regla ocha/santería) que, mesmo que haja semelhanças entre orixás e 
santos católicos, nenhum “santero” sacrificaria um animal para a imagem do santo. 
É o “assentamento” que propicia o acesso ao orixá, enquanto a imagem do santo 
católico simbolizaria “somente” seus atributos.
Estudo da cultura afro-brasileira: religiões afro-brasileiras 13
Em resumo e por fim, vemos que o candomblé se constitui a partir do 
imbricamento das duas matrizes: a africana e a cristã. O entrecruzamento 
dessas matrizes, aqui no Brasil ou na África, de forma espontânea ou como 
forma de resistência, está, portanto, presente no candomblé, motivo pelo 
qual nele se encontram divindades e liturgias de matriz cristã.
Referências
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REHBEIN, F. C. Camdomblé e salvação: a salvação na religião nagô à luz da teologia 
cristã. São Paulo: Edições Loyola, 1985.
SILVA, T. S. A Colônia de Sacramento na rota da diáspora africana: parentesco fictício e 
agência cativa nos documentos paroquiais de batismo (1732-1777). 2018. 120 f. Disserta-
ção (Mestrado em História) — Programa de Pós-Graduação em História, Universidade 
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Leituras recomendadas
LOPES, N. Enciclopédia brasileira da diáspora africana. 4. ed. São Paulo: Selo Negro, 2011.
SOARES, M. C. Os "mina” em Minas: tráfico Atlântico, redes de comércio e etnicidade. In: 
SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA, 20., 1999, Florianópolis. História: fronteiras. Anais do 
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Estudo da cultura afro-brasileira: religiões afro-brasileiras 15
ANTROPOLOGIA 
DA RELIGIÃO
Alisson de Souza
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
 > Definir antropologia da religião e como ocorreu seu desenvolvimento.
 > Reconhecer a íntima relação entre antropologia e religião.
 > Descrever o processo de construção das características específicas da 
antropologia e da religião.
Introdução
A antropologia da religião é uma ciência que busca compreender o ser humano 
a partir dos fenômenos religiosos por ele produzidos ou a ele relacionados. 
Para isso, o estudo antropológico da religião utiliza as mais diferentes óticas 
para compreender os fatos e a pessoa em sua plenitude. Levantamentos e 
dados históricos e científicos sobre o desenvolvimento do humano em meio 
à religiosidade possibilitam observar questões étnico-raciais, regionais e 
culturais, por exemplo.
Neste capítulo, falaremos sobre o percurso histórico percorrido por essa ciência. 
Além disso, analisaremos a íntima relação entre a antropologia e a religião, e delas 
com outras ciências, a fim de compreender como a antropologia desenvolveu sua 
própria linha de pensamento.
Introdução à 
antropologia 
da religião
Alisson de Souza
Religião e antropologia
O intuito da antropologia da religião é compreender e (re)definir de que forma 
as instituições religiosas se relacionam com as diversas culturas presentes na 
sociedade. Para obter dados e informações verossímeis e relevantes, ela utiliza 
as práticas e as crenças religiosas como objeto de estudo. A seguir, definiremos 
e distinguiremos antropologia e religião, analisando como elas se fundiram em 
uma única ciência, a qual se diferencia dos demais estudos sobre a religiosidade.
Religião
A religião é um sistema formado por práticas e por crenças. Essas práticas e 
crenças sempre olham para um sagrado, em uma busca constante por uma 
aprovação, uma benção, uma ação ou um olhar divino. Ela seria um sistema 
solidário, ou seja, formado pela concordância e pela harmonia entre seus 
membros e adeptos. Quando se frequenta, adere-se e participa de uma 
religião, busca-se conviver de maneira harmoniosa com os demais fiéis da 
mesma crença. Assim, é mantida a fé conjunta, a qual caminha em uma mesma 
direção, sem que existam conflitos que venham a denegrir essa comunidade 
religiosa, denominada Igreja. Ou seja, quem adere à essa fé não prejudica 
nem afeta a presença dos demais (DURKHEIM, 1996).
Toda essa fé comunitária, como dissemos, é ligada a um sagrado. Segundo 
Croatto (2010), o sagrado é o ato ou o símbolo humano que busca encontrar 
o divino. Ou seja, quando se fala em sagrado, não se fala de Deus, mas da 
expressão que se usa para Dele lembrar ou a Ele chegar ou atingir. Por exemplo, 
o sagrado não seria Deus, mas o ato de orar, de rezar, de acender uma vela. 
Com isso, “[...] pode-se afirmar que o sagrado não é a meta da atitude ou 
da experiência religiosa. Esse fim seria o próprio transcendente” (CROATTO, 
2010, p. 61).
Quando se fala do próprio Deus, o termo a ser utilizado, segundo Croatto 
(2010), é transcendente, representando que é um Ser acima da Criação. Ele 
pertence ao plano transcendental, não ao terreno. Portanto, o sagrado é o 
ato, enquanto o transcendente é o Ser final. Quando o sentido humano de 
um ato é ultrapassado, o sagrado é evidenciado (MENDONÇA, 1999).
Utiliza-se, portanto, um sagrado repleto de simbolismo para se atingir o 
transcendente. E o contrário? Enquanto o sagrado define uma comunicação do 
ser humano com Deus, a hierofania define a caminhada contrária. A hierofania 
trata do “Deus que fala com o homem”: é a manifestação do transcendente 
para com o profano, o humano (ELIADE, 1992, p. 13).
Introdução à antropologia da religião2
Antropologia
Para entender a antropologia religiosa, é fundamental compreender, antes de 
mais nada, o que é, de fato, a antropologia por si só. A antropologia é estudo 
que busca compreender o ser humano a partir de sua totalidade, utilizando 
observações e levantamentos de cunho científico. Para isso, ela utiliza três 
ciências (MARCONI; PRESOTTO, 2015):
1. asocial, que é o fato de conhecer o homem como integrante de algum 
grupo ou de uma sociedade; 
2. a humana, a qual é voltada para a compreensão do que forma a totalidade 
de um ser humano, como sua história, suas crenças e sua linguagem; 
3. a natural, que se interessa pela evolução e pelo conhecimento psicossomá-
tico, uma percepção daquilo que é simultaneamente orgânico e psicológico.
Portanto, a antropologia aborda o ser humano e sua cultura, tendo por 
objeto de estudo aspectos como questões presentes nas mais diversas 
expressões a partir de seu comportamento, seu corpo e sua formação como 
pessoa. Com vista a todas essas questões que podem ser estudadas, a discus-
são antropológica pode ser dimensionada em física, sociocultural, filosófica 
e religiosa, por exemplo (MARCONI; PRESOTTO, 2015).
A abordagem antropológica exige que se rompa com os conhecimen-
tos abstratos e especulativos. Sua missão é estudar diretamente os 
comportamentos sociais a partir das relações humanas destacadas em âmbito 
social, a partir de evidências e de relatos sinceros e espontâneos daqueles que 
são alvo desse estudo (LAPLANTINE, 2007).
Por fim, é importante evidenciar que a investigação antropológica utiliza 
métodos comparativos para que se obtenham dados e informações impor-
tantes e relevantes e descubram-se semelhanças ou diferenças a partir de 
aspectos físicos, psíquicos, sociais, culturais e religiosos. Tem por objetivo, 
assim, compreender a humanidade como um todo, a partir de uma observação 
global (MARCONI; PRESOTTO, 2015).
Percurso histórico da antropologia
A história da antropologia teria se iniciado na antiga Grécia, a partir de Heró-
doto (485–425 a.C.). Ele observava as diferenças culturais existentes entre os 
Introdução à antropologia da religião 3
gregos e os estrangeiros com quem eles tinham contato, fosse por questões 
bélicas ou comerciais. O romano Tácito (56–120 d.C.) descrevia os costumes, 
o ambiente e o caráter dos povos germânicos, visando alertar Roma sobre a 
força física e espiritual deles. Não os considerava corruptos, ao contrário de 
outros povos bárbaros com que Roma tinha contato. Lembrando que esse 
mesmo povo esteve fortemente envolvido com a queda do Império Romano 
do Ocidente, em 476 d.C.
Santo Agostinho (354–430 d.C.) também tratou sobre questões lógicas 
e metafísicas da vida a partir do comportamento humano (PELTO, 1975). A 
metafísica é “[...] é o estudo ou o conhecimento da essência das coisas ou 
do Ser real e verdadeiro das coisas, daquilo que elas são em si mesmas, 
apesar das aparências que possam ter e das mudanças que possam sofrer” 
(CHAUÍ, 2015, p. 230).
Na Idade Média, a partir do século XIII, a compreensão sobre o ser humano 
passou a ser realizada de maneira mais ampla, auxiliando na busca por conhe-
cimentos sobre os povos e seus respectivos costumes. Marco Polo (1254–1324 ) 
desbravou territórios asiáticos, especialmente a China, e pesquisou sobre seus 
conhecimentos e culturas. O viajante árabe Ibn Batuta (1304–1378) percorreu, 
ao todo, 120 mil quilômetros e trouxe a realidade sobre povos do Ocidente 
africano, da Rússia, da China, do Camboja e da Sumatra, a partir de aspectos 
políticos, culturais e religiosos (PELTO, 1975).
No século XIX, houve uma virada científica no que diz respeito aos estudos 
sobre o ser humano, contribuindo de maneira decisiva para o surgimento da 
antropologia: passou-se a analisar, a identificar e a catalogar características 
e padrões humanos. Émile Durkheim (1858–1917) e Marcel Mauss (1872–1950) 
foram dois dos grandes nomes da Antropologia que guiaram o início da orga-
nização e da metodologia do pensamento antropológico (LAPLANTINE, 2007).
Durkheim propõe que os fatos humanos sejam analisados de maneira 
separada de outras ciências. Para ele, as abordagens socioantropológicas não 
competem a estudos que analisam questões afetivas e psicológicas desses 
fatos. Portanto, os fatos sociais são objetos de estudo específicos de uma 
ciência própria, uma vez esses fatos geram reflexos, que também podem ser 
fatos. Ou seja, a ação gera uma reação, a qual não pode ser analisada por 
outra ciência que não seja a abordagem socioantropológica. É importante 
lembrar que Durkheim não emancipava, separava, a antropologia da sociologia 
(LAPLANTINE, 2007).
Mauss, por sua vez, buscava a emancipação da antropologia, a fim 
de que fosse reconhecida como uma ciência autônoma, separada da 
sociologia. Ele entendia que, para se compreender um fato social, é 
Introdução à antropologia da religião4
preciso observá-lo de maneira ampla, a partir de aspectos antropoló-
gicos, sociológicos, fisiológicos e psicológicos. Para ele, os eventos da 
humanidade precisam ser observados em todas as dimensões possíveis, 
em especial a sociológica, a histórica e a psicofisiológica. Ele entende 
que a totalidade humana possui diversos aspectos e planos que são 
estudados de maneira isolada, mas que exigem a compreensão do todo. 
É o geral que se entende a partir do particular. O fenômeno social se 
entende de dentro para fora e de fora para dentro. Ou seja, em toda sua 
complexidade, observa-se a realidade de fora dela, mas se colocando 
na própria realidade (LAPLANTINE, 2007).
A relação entre religião e antropologia: 
entendendo a antropologia da religião
Tratando-se da antropologia da religião, pode-se afirmar que ela é um estudo 
próprio da visão antropológica, a qual considera o ser humano a partir de 
conceitos religiosos. Seu surgimento ocorreu no século XIX, assim com a 
própria antropologia, ligado diretamente às questões ideológicas e a uma 
valorização das religiões (PEREIRA, 2016).
Com o fortalecimento do pensamento e dos efeitos causados pela laici-
dade, provenientes da Revolução Francesa, em 1789, e do crescimento dos 
movimentos iluministas, houve um grande movimento ligado à negação 
das religiões. Surgiram vários novos pensamentos, como os de Ludwig 
Feuerbach, que discutia a consciência de Deus como sendo a própria cons-
ciência humana, e os de Friedrich Nietzsche, que argumentava que Deus já 
estava morto. Eles vão ao encontro de um distanciamento de Deus e, por 
consequência, de um afastamento das instituições religiosa dominantes 
(PEREIRA, 2016, p. 265):
Contudo, no século XIX, o cristianismo continuou a ser dominante na Europa e, 
frequentemente, à boleia dos impérios coloniais desenvolveram-se movimentos 
de revitalização que expandiram o cristianismo para além das fronteiras deste 
continente. Neste século, associando burocracias eficazes e um elevado finan-
ciamento, as sociedades missionárias protestantes estenderam o cristianismo 
protestante à maior parte do mundo não ocidental.
Assim, forma-se a antropologia da religião, que se posiciona de modo a 
estudar as religiões e tudo aquilo que as envolve. Parte-se da premissa de que 
a fé e a espiritualidade guiam as experiências humanas. Enquanto a religião se 
baseia em uma ação coletiva, a espiritualidade possui um caráter individual, 
Introdução à antropologia da religião 5
podendo, inclusive, afastar-se de formatos, de organizações coletivas e de 
instituições tradicionais. Ambas são indicadores para compreender e tipificar 
essa experiência (HAVILAND et al., 2011, p. 382):
Uma vez que nenhuma cultura conhecida, incluindo as das sociedades industriais 
modernas, conseguiu controlar de modo absoluto as condições e as circunstân-
cias existentes ou futuras a espiritualidade e/ou a religião são importantes para 
todas as culturas conhecidas. Apresentam, contudo, uma considerável variedade.
As diferentes vivências de fé intrínsecas dos diferentes povos e períodos 
históricos formam uma característica importante, a qual sempre deve ser 
considerada. Por exemplo, povos coletores, ligados diretamente ao contato 
e à extração de recursos naturais, possuíam uma visão de mundo naturalista, 
a qual se conecta diretamente a uma religião presente em seu cotidiano. Em 
contrapartida, a civilização ocidental possui uma religiosidade conectada 
a momentos específicose próprios, uma vez que a complexidade social e a 
sofisticação tecnológica não fazem, da religião, algo presente em seu cotidiano 
(HAVILAND et al., 2011).
Além disso, é importante lembrar que as religiões são constituídas por 
uma crença, que é formada por narrativas próprias. Essas crenças são cons-
tituídas por diversos aspectos específicos dentro de cada religiosidade. Por 
exemplo, os membros de uma religião compartilham narrativas sagradas, as 
quais explicam fundamentos da existência humana. A isso, dá-se o nome de 
mito. O mito também é capaz de fornecer bases racionais para as crenças e as 
práticas religiosas, estabelecendo padrões de comportamento e orientações 
de fé. Desses mitos, podem surgir narrativas literárias, textos e livros que 
abordam essa temática mitológica (HAVILAND et al., 2011).
Outro fator relevante a ser destacado quanto à constituição das crenças 
é a existência e a presença de seres e de poderes sobrenaturais. “Para tentar 
controlar por meios religiosos o que não pode ser controlado de outras formas, 
os seres humanos fazem orações, sacrifícios e outros rituais religiosos ou 
espirituais [recorde-se dos conceitos de sagrado e transcendência, propos-
tos anteriormente]” (HAVILAND et al., 2011, p. 385, acréscimo nosso). Assim, 
pressupõe-se a existência de seres que se relacionam com o ser humano a 
partir de atos que reavivem e glorifiquem sua memória. É preciso ressaltar 
que a presença de seres sobrenaturais também pode ser sentida por meio 
de objetos naturais considerados sagrados, como um monte, um lago ou uma 
rocha extraordinária (HAVILAND et al., 2011).
Segundo Pereira (2016), as análises antropológicas realizadas a respeito desses 
objetos de estudo, apresentados anteriormente, e de tantos outros possíveis, 
Introdução à antropologia da religião6
permitem dar um caráter científico a uma ciência tão complexa. Por mais que se-
jam teóricos ou ilusórios, como afirma o autor, a antropologia religiosa é baseada 
nos dados criados e apresentados pelos fenômenos religiosos. Explicar a religião 
não é o objetivo dessa abordagem, mas, sim, entender as relações humanas com 
as religiosidades com que o homem permeia. Para isso, a antropologia precisa 
de percepções provenientes de outras ciências, de forma que possa analisar e 
compreender os mais diversos fatos religiosos presentes na atualidade como 
as novas religiosidades, a secularização e a mobilidade religiosa.
A antropologia é uma ciência que estuda o ser humano a partir dos 
mais diversos aspectos que envolvem a fenomenologia. Por isso, 
a antropologia da religião apresenta respostas frente aos comportamentos 
humanos que possuem caráter religioso. Assim, pode-se produzir conteúdo de 
cunho religioso para questões puramente humana. Por exemplo, há vida após a 
morte? Se Deus é bom, por que existem pessoas más? Se o ser humano possui 
o pecado original em si, como ele pode ir para o céu?
Antropologia da religião versus outras 
ciências religiosas
A antropologia da religião busca compreender a humanidade a partir de 
aspectos puramente religiosos. Contudo, para atingir seus objetivos, não é 
incomum que os estudos antropológicos façam o uso de observações próprias 
de outras ciências. Enquanto abordagens científicas como história, psicologia 
ou sociologia possuem uma visão que se limita à sua área de estudo, a an-
tropologia é capaz de buscar aspectos de cada uma delas para destrinchar 
a complexidade proposta pela existência e pela convivência humanas.
Sendo a antropologia uma das ciências mais jovens a serem formadas, 
sabe-se que seu desenvolvimento foi priorizado apenas após o surgimento 
da geologia, da genética, da biologia e da própria sociologia. “Pode-se afirmar 
que, somente após os conhecimentos da célula e da evolução terem sido 
formulados e aplicados ao homem, é que a Antropologia se sistematizou e 
progrediu como ciência do homem” (MARCONI; PRESOTTO, 2015, p. 8). 
Quando se trata do surgimento da antropologia da religião, entende-se que 
sua distância teórica e cronológica de nascimento não é tardia, em comparação 
com os estudos antropológicos. Contudo, assim como ocorreu com a antropo-
logia propriamente dita, ela surge tardiamente, apenas no século XIX. Outras 
abordagens científicas sobre a religião já haviam se formado e amadurecido.
Introdução à antropologia da religião 7
Lembre-se de que a antropologia da religião é uma ciência que busca es-
tudar o ser humano a partir de sua relação com a fé. Para isso, ela observa os 
fenômenos religiosos a fim de compreender característica humanas que são 
evidenciadas. Qual é a relação entre o ser humano a fé? Como a fé cria fenô-
menos sociais e religiosos em meio a sociedade? Como a fé se fez presente em 
fatos históricos? Para cada uma dessas perguntas, a antropologia da religião 
busca respostas, podendo, inclusive, utilizar argumentos de outras ciências. 
Mas quais são as diferenças entre a antropologia e outros estudos científicos?
A filosofia da religião
Segundo Sweetman (2013, p. 16), "[...] a filosofia da religião pode ser definida 
como a tentativa feita por filósofos de investigar a racionalidade das afir-
mações religiosas básicas”. Observe as diferenças entre os pensamentos 
antropológico e filosófico sobre a religião. A filosofia da religião é um exem-
plo de estudo que busca discutir sobre questões que envolvem o ambiente 
religioso. Para Sweetman (2013, p. 16), “[...] a Filosofia da Religião pode ser 
definida como a tentativa feita por filósofos de investigar a racionalidade das 
afirmações religiosas básicas”. Ela não prevê que aquele que pensa a respeito 
de uma religiosidade seja um crente. O filósofo da religião não necessita de 
determinada crença, nem precisa ter uma crença. 
Dessa forma, para se compreender esse ramo da Filosofia, é necessário 
que se afastar de um estudo de uma crença pura, a qual deposita total con-
fiança na existência e na ação de Deus. Para se entender a religiosidade a 
partir dessa ciência, parte-se de experimentos e fenômenos sensíveis aos 
sentidos. Assim, permite-se a discussão e o encontro de provas racionais 
que sustentam essa ciência (SWEETMAN, 2013).
Com isso, ela se diferencia da antropologia da religião, uma vez que sua 
busca se dá por conceituações racionais sobre os fenômenos, não necessa-
riamente considerando os aspectos humanos. Sua função é discutir racio-
nalmente os fenômenos religiosos, enquanto o estudo antropológico visa 
observar de maneira ampla a humanidade presente em cada fato.
A sociologia da religião
A sociologia da religião, como disciplina científica, desenvolveu-se como um 
meio de abordar teórica e empiricamente os fenômenos religiosos. É preciso 
lembrar que Durkheim defendeu que a antropologia da religião permane-
Introdução à antropologia da religião8
cesse um ramo dos estudos sociológicos, enquanto Marcel Mauss propôs a 
emancipação da abordagem antropológica da sociológica. Portanto, ambas 
se encontram próximas histórica e teoricamente. Na atualidade, a sociologia 
da religião busca compreender de maneira aprofundada fenômenos como o 
embate entre secularização e dessecularização, a mercantilização e a privati-
zação da religião frente a uma “revanche divina” contra esses movimentos, e o 
fenômeno da explosão de movimentos religiosos que nascem mundialmente. 
Portanto, ela busca explicar as relações entre a religião e a sociedade a partir 
de evidências empíricas, observando e dimensionando aspectos sociais da 
religião e religiosos da sociedade (CIPRIANI, 2007).
É possível perceber que a sociologia e a antropologia trabalham conjunta-
mente em vista de um mesmo objeto: o ser humano. Contudo, considerando 
a separação proposta por Mauss, percebe-se que o estudo sociológico da 
religião se preocupa com as questões coletivas a respeito das religiões. 
Enquanto isso, a abordagem antropológica da religião busca compreender a 
comunidade a partir de uma pessoa, e uma pessoa a partir de sua comunidade, 
conforme propõe o próprio Mauss.
Com baseno que foi discutido neste capítulo, podemos ver que a an-
tropologia da religião é um estudo amplo, que aborda toda a complexidade 
comportada no ser humano. Por isso, ela utiliza estudos diversos sobre o ser 
humano, como a filosofia e a sociologia da religião, elucidadas anteriormente, 
e, também, a história da religião (que busca compreender os fatos histórico 
que envolvem a formação e a consolidação das crenças, dos rituais e das 
religiões) e a psicologia da religião (que traz uma abordagem psicológica 
sobre as crenças e as experiências religiosas de um indivíduo). Além disso, seu 
estudo também se distancia de uma explicação propriamente religiosa, como 
propõem a teologia (que busca observar criticamente a formação, a estrutura 
e as práticas próprias de uma religiosidade) e a ciência da religião (que busca 
compreender a história das religiões, investigando-as de maneira sistemática).
Referências
CHAUÍ, M. Convite à filosofia. São Paulo: Ed. Ática, 2000.
CIPRIANI, R. Manual de sociologia da religião. Tradução Ivo Storniolo. São Paulo: Paulus, 
2007.
CROATTO, J. S. As linguagens da experiência religiosa: uma introdução à fenomenologia 
da religião. 3. ed. São Paulo: Paulinas, 2010.
DURKHEIM, É. As formas elementares da vida religiosa. Tradução Paulo Neves. São 
Paulo: Martins Fontes, 1996.
Introdução à antropologia da religião 9
ELIADE, M. O sagrado e o profano. São Paulo: Martins Fontes, 1992.
HAVILAND, W. et al. Princípios de antropologia. Tradução Elisete Paes e Lima. São Paulo: 
Cengage Learning, 2011.
LAPLANTINE, F. Aprender antropologia. Tradução Marie-Agnès Chauvel. São Paulo: 
Brasiliense, 2007.
MARCONI, M. A.; PRESOTTO, Z. M. N. Antropologia: uma introdução. 7. ed. São Paulo: 
Atlas, 2015.
MENDONÇA, A. G. Fenomenologia da experiência religiosa. Numen, Juiz de Fora, v. 2, nº 
2, 1999. Disponível em: https://periodicos.ufjf.br/index.php/numen/article/view/21737. 
Acesso em: 24 out. 2020.
PELTO, P. J. Iniciação ao estudo da antropologia. 3. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1975.
PEREIRA, P. Uma viagem retrospectiva à antropologia da religião. Antropología Ex-
perimental, Jaén, nº 16, p. 263-284, 2016. Disponível em: https://revistaselectronicas.
ujaen.es/index.php/rae/article/view/2441. Acesso em: 24 out. 2020.
SWEETMAN, B. Religião: conceitos-chave em filosofia. Tradução Roberto Cataldo Costa. 
Porto Alegre: Penso, 2013.
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Introdução à antropologia da religião10
 
 
 
Resenha 
 DOI – 10.5752/P.2175-5841.2019v17n52p543 
 
Horizonte, Belo Horizonte, v. 7, n. 52, p. 543-552, jan./abr. 2019 – ISSN 2175-5841 543 
 
ELLER, Jack David. Introdução à Antropologia da Religião. 
Petrópolis, RJ: Vozes, 2018. 544p. ISBN: 978-85-326-5680-3 
 
Mailson Fernandes Cabral de Souza  
Introdução 
 Jack David Eller é professor adjunto de Antropologia na University of 
Northern Colorado. Doutorou-se em antropologia pela Universidade de Boston, 
tendo como seu trabalho de campo as mudanças religiosas e processos culturais 
entre o povo Warlpiri da Austrália Central. Seus estudos se concentram nas áreas 
de religião, violência e antropologia psicológica. Publicado originalmente em inglês 
em 2007, pela editora Routledge, o livro Uma introdução à antropologia da 
religião (Introducing anthropology of religion: culture to the ultimate), trata-se 
da primeira obra do autor traduzida para o português. O livro se encontra em sua 
segunda edição, revista e ampliada, publicada pela mesma editora em 2015, sendo 
esta a versão traduzida para o português. A obra é fruto do ensino e experiências de 
pesquisa de Eller e de sua busca por desenvolver uma série de temas determinantes 
não só para compreender a religião, mas também a abordagem antropológica do 
fenômeno. 
A obra está organizada em seis temas: a) a diversidade das religiões, isto é, 
como elas variam entre elas ao redor do mundo sob múltiplas formas; b) a 
diversidade no interior das religiões, ou seja, como dentro de uma religião existe 
 
Resenha recebida em 21 de janeiro de 2019 e aprovada em 26 de abril de 2019. 
 Mestre e Doutorando em Ciências da Religião pela Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP). País de origem: Brasil. 
 E-mail: mailsoncabral@yahoo.com.br 
Mailson Fernandes Cabral de Souza 
Horizonte, Belo Horizonte, v. 7, n. 52, p. 543-552, jan./abr. 2019 – ISSN 2175-5841 544 
uma variedade de crenças e práticas distribuídas no tempo e espaço; c) a integração 
da religião com sua cultura circundante. Posto que todas as partes de uma cultura 
estejam interconectadas e se influenciam mutuamente, a religião tenderia a 
reproduzir um ethos de cada cultura e sociedade em que está inscrita. d) a 
modularidade da religião, uma vez que esta última não é entendida como 
monolítica e única, mas um composto de muitos elementos, podendo ela ter seus 
cognatos não religiosos (política, economia gênero, etc.); e) a relatividade da 
linguagem. Os termos utilizados na análise antropológica da religião por vezes 
podem estar carregados de uma concepção sobre a religião que tenha como o seu 
horizonte o cristianismo, estabelecendo categorias que, quando aplicadas para 
outras religiões, são incompatíveis para analisá-las; f) o caráter local e prático da 
cultura e da religião. Visto que as religiões são multiformes internamente, uma 
mesma religião poderá variar a depender do seu contexto. 
São esses temas que orientam o eixo expositivo do livro, dividido em doze 
capítulos, e suas respectivas análises. A proposta da obra é fazer uma antropologia 
da religião comprometida em investigar as manifestações sociais contemporâneas e 
as formas com que elas se associam com a religião. 
Escopo da obra 
O primeiro capítulo apresenta as principais definições e teorias do campo 
antropológico. Para Eller, a melhor maneira de entender a antropologia seria 
concebendo-a como a ciência da diversidade dos seres humanos, em seus corpos e 
comportamentos. A antropologia da religião seria, portanto, a investigação 
científica da diversidade das religiões humanas. Nesse contexto, o conceito de 
cultura é central, posto que o estudo antropológico implica em olhar algo como 
comportamento humano aprendido e compartilhado. 
 Essa orientação básica da antropologia levaria em consideração três aspectos 
da perspectiva antropológica. a) A antropologia procede através da descrição 
comparativa ou intercultural. Uma vez que o processo é seu o trabalho de campo, o 
Resenha: Introdução à Antropologia da Religião 
Horizonte, Belo Horizonte, v. 7, n. 52, p. 543-552, jan./abr. 2019 – ISSN 2175-5841 545 
método principal da antropologia é a observação participante. Seu produto é o 
estudo de caso ou etnografia e sua peculiaridade seria usar o particular para dizer 
algo sobre o geral; b) A antropologia adota uma posição de holismo. Parte-se da 
premissa que qualquer cultura é um todo mais ou menos integrado com partes que 
operam de maneiras específicas uma em relação à outra e que contribuem para o 
funcionamento do todo. As quatro áreas de atividade de todas as culturas 
(economia, parentesco, política e religião) se articulam nessa perspectiva, ligando-
se também às questões mais difusas de linguagem e gênero, refletindo-as e 
afetando-as mutuamente; c) A antropologia defende o princípio do relativismo 
cultural, posto que ela reflete o entendimento que cada cultura tem seus próprios 
padrões de compreensão e julgamento. Nesse sentido,o relativismo cultural seria 
um resultado do estudo intercultural e holístico. 
 O segundo capítulo trata da crença religiosa e das entidades e conceitos a 
ela subjacentes. O autor afirma que qualquer religião contém certas ideias e 
concepções sobre tipos de coisas que existem no mundo, com que elas se parecem e 
o que elas fizeram. Isso poderia ser classificado como a ontologia que cada religião 
encarna, os existentes que ela postula: seres, forças e fatos da realidade religiosa. 
Esses elementos são chamados de crenças da religião. 
As crenças religiosas são um subconjunto das crenças em geral. Enquanto 
questão subjetiva ou psicológica, as crenças são adicional e necessariamente 
interpretadas como estados mentais dos indivíduos. Ou seja, se dissermos que uma 
pessoa crê em algo, fazemos uma afirmação a respeito das representações mentais 
dessa pessoa. Elas seriam o conjunto de ideias religiosas sobre seres e forças que 
fundamentariam um determinado sistema cultural. Esses seres podem ser seres 
religiosos, espíritos humanos e espíritos não humanos, ao passo que as forças 
religiosas podem designar um tipo de energia, destino ou sorte. A presença e a 
ênfase desses elementos irão depender de cada religião e seu respectivo contexto 
cultural. 
Mailson Fernandes Cabral de Souza 
Horizonte, Belo Horizonte, v. 7, n. 52, p. 543-552, jan./abr. 2019 – ISSN 2175-5841 546 
O terceiro capítulo trata do sentido e poder espiritual no mundo físico e 
social, isto é, os símbolos e os especialistas religiosos. Os símbolos não são meras 
representações de coisas, mas são coisas repletas de poder, inclusive podendo esse 
poder ser o seu sentido. O mesmo vale para os especialistas religiosos: apesar de 
não representarem seres e forças religiosas, eles podem substituir essas entidades, 
atuando como seus representantes ou intermediários no mundo humano. A 
religião, no olhar da antropologia, poderia ser considerada como um conjunto de 
símbolos, sendo a própria cultura um sistema simbólico, dos quais a religião é um 
filão, embora particularmente relevante. Seria tarefa da antropologia interpretar ou 
decodificar esses símbolos. 
A função dos símbolos consistiria em controlar o comportamento. Os 
símbolos religiosos significam algo, mas também são algo (objetos, palavras ou 
ações). Os símbolos podem, inclusive, ser coisas ou forças: espaços sagrados, 
ícones, talismãs, amuletos, relíquias, máscaras, textos; ou pessoas que eles 
representam, o corpo humano, textos, especialistas religiosos (xamã, sacerdote, 
oráculo, profeta, médium, asteca, monge, mendicante, feiticeiro, bruxo). 
O quarto capítulo examina a linguagem religiosa que, muitas vezes, é 
entendida como mito. Este último, na verdade, é uma forma extremamente comum 
e importante de discurso religioso, mas de modo algum seria a sua única forma, ao 
passo que a linguagem religiosa seria um espectro mais amplo em que se situam as 
diferentes formas do discurso religioso (oração, encantamentos, cantos, provérbios, 
literaturas sapiencial e litúrgica, etc.). 
 O mito, dessa forma, é compreendido como uma linguagem religiosa “um 
tipo de história, especificamente uma história que envolve os feitos dos espíritos ou 
ancestrais humanos. Numa palavra, os mitos são narrativas a respeito das 
atividades e aventuras destes seres” (ELLER, 2018, p. 137). Ele representa uma 
aparição do sagrado no meio do profano. Alguns tipos e temas de mitos recorrentes 
nas culturas são os mitos de criação, dilúvio, matar um monstro, caso de incesto, 
rivalidade entre irmãos, castração e divindade andrógina. Em síntese, os mitos são 
repositórios de ideias culturais sobre temas como cosmologia e cosmogonia. 
Resenha: Introdução à Antropologia da Religião 
Horizonte, Belo Horizonte, v. 7, n. 52, p. 543-552, jan./abr. 2019 – ISSN 2175-5841 547 
O quinto capítulo tem por finalidade observar e examinar o sentido, a 
função, origem e variedade do ritual. Os rituais são compostos de diferentes 
atividades: oração, música, exercícios fisiológicos (automutilação, jejum, uso de 
drogas, etc.), exortação, mito, simulação, poder, tabus, festas, sacrifícios, 
congregação, inspiração, simbolismo e objetos religiosos. Eles têm funções técnicas 
e terapêuticas, assim como podem possuir caráter ideológico, acarretando muitos 
gêneros de ação, indo da linguagem a itens materiais, comidas e outros elementos. 
Mesmo sendo um fenômeno primariamente religioso, o ritual não exige a priori 
nenhuma crença sobrenatural. A tendência em ver o ritual como algo estritamente 
religioso, adverte Eller, distorce tanto a religião quanto o ritual. 
Em síntese, os rituais são entendidos como componente chave da religião. 
Toda interação social humana acontece sob um código de convívio que comenta, 
representa e leva a cabo essas interações. Em razão disso, as interações religiosas 
devem ser compreendidas como instâncias de um código comportamental e 
simbólico. Por conseguinte, o comportamento religioso também deve ser 
considerado ao menos parcialmente real, posto que os rituais não são meramente 
informativos, mas transformadores dessas interações. 
 O sexto capítulo analisa a relação entre religião e moralidade, sendo esta 
última concebida como códigos ou padrões de comportamento individual atuando 
em conjunto com a ordem e as instituições da sociedade. O interesse é descobrir 
como esses sistemas contribuem para a sociedade e para a construção e 
transformação dos indivíduos. Embora a religião não seja a única fonte de sansões 
e normas, ela é potencialmente a mais segura. 
 A antropologia analisa a moralidade levando em conta a diversidade, a 
construção social e a relatividade da linguagem. A moralidade é entendia como o 
acúmulo muito variado de moralidades – assim como a compreensão do conceito 
de religião segue o mesmo raciocínio. O autor constata que em muitos casos “os 
estudos da moralidade têm sido tentativas não tanto de descrever e explicar a 
moralidade quanto de propor uma – ou a – moralidade verdadeira ou melhor” 
Mailson Fernandes Cabral de Souza 
Horizonte, Belo Horizonte, v. 7, n. 52, p. 543-552, jan./abr. 2019 – ISSN 2175-5841 548 
(ELLER, 2018, p. 208). A moralidade seria uma consequência de viver num grupo 
social e ser sensível a ele, configurando-se como uma prática social. 
 O sétimo capítulo examina a permanente construção da religião. O autor 
ressalta que mesmo as religiões mais tradicionais já foram dinâmicas e nenhuma 
fase específica delas foi a verdadeira ou a tradicional. Embora muitas tradições 
reivindiquem que se ocupam do passado, disso não se pode deduzir que esse 
passado seja necessariamente antigo ou sequer real. O autor ressalta que esse 
processo não é tão moderno quanto possa parecer: “a invenção da tradição não é 
exclusiva do mundo moderno. A tradicionalização de sociedades tradicionais tem 
sido mais difícil de ver e de aceitar” (ELLER, 2018, p. 247). 
 Esses movimentos de mudança religiosa, por seu turno, também criam 
novos movimentos religiosos que “surgem como respostas, acomodações ou 
protestos contra circunstâncias sociais novas e insatisfatórias. Por isso, [...] explicá-
los é examinar as relações dinâmicas entre estes movimentos religiosos e a 
sociedade emergente na qual eles ocorrem” (ELLER, 2018, p. 251). Ou seja, eles 
surgem quando os indivíduos se encontram em circunstâncias de tensão social 
crônica, decorrente da combinação mal sucedida entre suas crenças e 
comportamentos atuais e o funcionamento do seu novo mundo social. 
 O oitavo capítulo enfoca o fenômeno das religiões translocais (o islã e o 
cristianismo). O capítulo explora as categorias, desenvolvidas por Robert Redfield, 
de religiões locais e religiões translocais, isto é, pequenas e grandes tradições. O 
primeiro termo se refere às pequenas religiões que foram produtos de experiências 
de um tipo de sociedade pequena que, ao menos no seu início,eram autônomas e 
autossuficientes, sendo socialmente homogêneas e com forte senso de 
solidariedade de grupo. O segundo termo se refere às religiões que, situadas em 
circunstâncias sociais e políticas em expansão, tiveram seu ethos de religião 
redefinido. As religiões translocais são desenraizadas de seu contexto social 
primário para se tornarem religiões itinerantes e, em muitos casos, 
missionárias/proselitistas. Elas também se caracterizam por serem movimentos de 
Resenha: Introdução à Antropologia da Religião 
Horizonte, Belo Horizonte, v. 7, n. 52, p. 543-552, jan./abr. 2019 – ISSN 2175-5841 549 
associação voluntária, tendem a ser individualistas e possuem uma elaboração da 
sua ortodoxia por escrito (um cânone), sendo o cristianismo e o islamismo as 
religiões translocais mais bem sucedidas em sua expansão. 
 Ao pensar a antropologia do cristianismo, o autor ressalta que ela foi a 
última grande área da antropologia religiosa a ser examinada pela literatura 
etnográfica. Algumas das razões apontadas para isso são: os antropólogos 
avaliarem o cristianismo como uma presença intrusa em cosmologias locais; os 
significados do cristianismo serem óbvios para os antropólogos pelo fato de que 
quase a totalidade dos pesquisadores serem pertences a uma cultura cristianizada. 
Eller também destaca a importância da antropologia estudar o cristianismo 
oriental (ortodoxo e copta), ainda pouco investigado, sobretudo por ter diferenças 
muito pontuais em relação ao cristianismo ocidental. 
 O nono capítulo examina como o fenômeno da religião centralizada, 
profissionalizada e padronizada leva a variações entre o que a religião oficial diz e o 
que as pessoas realmente praticam. A expressão religião vernácula designa a 
religião como ela é vivida, isto é, como as pessoas se encontram com ela, a 
entendem, interpretam e praticam. Em razão disso, as fronteiras entre religião 
oficial e vernácula são sempre borradas, da mesma forma como ficam borradas as 
fronteiras entre as diferentes religiões e entre religião e não religião. 
 Na atualidade, uma das importantes formas de atualização da religião 
vernácula se dá por meio da TV e do cinema, assim como pelas novas tecnologias 
(internet, redes sociais, etc.). Outra forma de atualização ocorre por meio da 
relação com os negócios e a economia. Num contexto de contra identificação ao 
capitalismo, há os movimentos de economias ocultas, que se caracterizam como 
respostas religiosas à conjuntura capitalista, contra suas formas de espoliação e 
injustiças e suas misteriosas normas e operações. 
 O décimo capítulo faz uma análise das relações entre religião e violência. 
O autor argumenta que as compreensões sobre a relação entre religião e violência 
sofrem de três problemas: examinam um número muito limitado de religiões, em 
Mailson Fernandes Cabral de Souza 
Horizonte, Belo Horizonte, v. 7, n. 52, p. 543-552, jan./abr. 2019 – ISSN 2175-5841 550 
geral o cristianismo e o islamismo; consideram uma quantidade limitada de casos, 
terrorismo e guerra santa; tendem a culpar ou isentar a religião da violência. Uma 
compreensão mais precisa da violência da religião exigiria um exame de maior 
abrangência das religiões e considerar que a violência não é inerente ou inimiga da 
religião, mas um comportamento construído culturalmente, consequente de 
condições sociais específicas, que não são exclusivas da religião, mas que são 
comuns a ela. 
O autor lembra que existem diferentes formas de violência, e que tendemos 
a pensar somente grandes explosões de violência física (como ataques terroristas e 
guerras), mas também há violência estrutural, política, simbólica. Nesse sentido, a 
religião pode funcionar como explicação e justificação da violência. “A religião faz 
parte da cultura e a violência faz parte da cultura. É quase inevitável, portanto, que 
religião e violência acabem entrelaçadas. [...] a religião deve ajudar as pessoas a 
entender a violência empírica e inegável no mundo natural e social e pode também 
servir, ela própria, como razão da violência em certas situações contra certos alvos” 
(ELLER, 2018, p. 364-365). 
 O décimo primeiro capítulo investiga as relações entre secularismo e 
irreligião. Umas das dificuldades, para os antropólogos, de se estudar o secularismo 
se deve ao fato de que ele não possui um topos, isto, é uma comunidade, não está 
delimitado em determinados locais para que se possa fazer um trabalho de campo. 
Por isso, o secularismo tende a ser interpretado, em muitos casos, como inexistente 
ou antinatural e antissocial em determinados grupos humanos. 
 A teoria da secularização tem sido uma marca no campo da sociologia e da 
antropologia por mais de um século. Ela defende que com o advento da 
modernidade a religião tenderia a ser reduzida à esfera privada e que a sua força e 
representatividade no espaço público perderia força e representatividade. O 
conjunto desses processos produziu à progressiva automização dos setores sociais 
em relação ao domínio do sentido religioso e das instituições. Eller argumenta que 
uma antropologia do secularismo deve analisar o secularismo como uma doutrina 
Resenha: Introdução à Antropologia da Religião 
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social e política, e o secular como um conceito ou categoria social. O secularismo e 
o secular, da forma como são concebidos hoje, são produtos do pensar europeu 
ocidental, sendo toda essa discussão fruto da experiência ocidental na qual o 
cristianismo traçou a linha divisória entre religião e mundo, sagrado e profano, 
tendo as ciências sociais absorvido essas categorias. O uso de terminologias como 
secular, secularismo, irreligião ou ateísmo também estariam atravessados pelo 
mesmo problema. 
 O décimo segundo capítulo analisa o fundamentalismo religioso. O 
fundamentalismo não é exclusivo da religião, mas é um estilo de civilização que 
pode ocorrer em qualquer área da cultura. Embora ele possa ser um fenômeno 
moderno, ou pelo menos certa forma de resposta aos desafios postos pela 
modernidade, é possível identificá-los também em contextos pré-modernos. 
 O autor argumenta que dois pontos precisam ser considerados. a) O 
fundamentalismo religioso é para alguma coisa, isto é, promove aquilo que 
constitui a cosmovisão e a verdade para os seus praticantes; b) O fundamentalismo 
religioso é contra alguma coisa, estabelecendo uma atitude exclusivista, tensa e até 
militante. Da mesma forma que existem múltiplos modos de religiosidade, também 
existem diferentes modos de fundamentalismo, nem todos políticos e nem todos 
violentos. Portanto, o fundamentalismo não seria um fenômeno monolítico e a 
relação entre fundamentalistas e a sociedade circundante não assumiria uma única 
forma (conflituosa). Os fundamentalismos não são programas puramente negativos 
(oposicionistas de uma ordem), mas também a favor de determinadas causas. Os 
fundamentalismos são movimentos de revitalização religiosa que surgem em todas 
as sociedades durante períodos de perturbação e declínio social. Eles não 
representam a boa ou a má religião, mas uma das muitas variações que a religião 
pode assumir em determinadas circunstâncias históricas e sociais. 
 
Mailson Fernandes Cabral de Souza 
Horizonte, Belo Horizonte, v. 7, n. 52, p. 543-552, jan./abr. 2019 – ISSN 2175-5841 552 
Considerações finais 
A obra introduz o leitor em temas-chave do campo da antropologia, além de 
aplicar uma abordagem antropológica ao estudo da religião no mundo 
contemporâneo, trazendo diferentes relatos etnográficos ao longo dos capítulos. O 
autor examina também questões importantes como moralidade, violência, 
fundamentalismo, secularização e novos movimentos religiosos. 
No entanto, a obra carece de uma apresentação sobre o autor e lança o leitor 
direto ao texto. Não haveria problema nisso, não fosse o caso desteser o primeiro 
livro de Jack David Eller traduzido para o português e o fato de seus trabalhos 
ainda serem pouco difundidos nos ciclos de estudos de religião no país. O que não 
se configura propriamente como um demérito do livro, mas talvez um descuido na 
apresentação da obra para a nossa língua. 
No que se refere ao conteúdo do livro, deve-se reconhecer o esforço do autor 
em produzir tamanha sistematização de temas da antropologia da religião e a 
bibliografia atualizada da qual ele se serve. Nesse sentido, a obra pode ser 
considerada um verdadeiro manual, introduzindo o leitor aos atuais debates que se 
travam no âmbito da antropologia, além de possuir uma linguagem acessível para 
quem está minimamente familiarizado com os conceitos e vocabulário 
antropológicos. 
O ponto negativo que pode ser apontado é a falta de um capítulo final que 
sintetizasse o percurso feito na obra. Embora ao término de cada capítulo sejam 
levantadas questões sobre os tópicos abordados, faltou ao autor levar a cabo algum 
tipo de encaminhamento geral das discussões suscitadas ao longo do seu trabalho, 
dada a extensão da obra e do conteúdo nela abordado, dificultando a produção de 
uma síntese do texto por parte do leitor. 
 
 
 
O EVOLUCIONISMO ANTROPOLÓGICO NA OBRA DE DARCY RIBE IRO 
 
Anizio José do Carmo Júnior (UFG, Mestrando em História, 
aniziojose2@yahoo.com.br) 
 
Resumo: procuramos fazer uma análise comparativa de autores do 
“evolucionismo antropológico clássico”, Lewis Henry Morgan (1877), Edward 
Burnett Tylor (1871) e James George Frazer (1908), bem como fazer possíveis 
aproximações desses autores com a obra antropológica de Darcy Ribeiro, 
representada por seu O processo civilizatório. 
Palavras-chave: evolucionismo antropológico clássico, Darcy Ribeiro, O 
processo civilizatório. 
 
INTRODUÇÃO 
 
O alicerce do pensamento antropológico de Darcy está presente em 
seus Estudos de Antropologia da Civilização1, cujo objetivo central é analisar a 
configuração das sociedades humanas de acordo com suas habilidades de 
prover e explicar suas existências no tempo e no espaço. Por meio desta série 
analítica, Darcy centraliza sua abordagem na formação latino-americana – 
incluindo a brasileira –, comparando-a com diversas sociedades e suas 
constituições culturais, econômicas, sociais e políticas, buscando elaborar uma 
explicação sensível às características históricas próprias de cada formação 
sociocultural, referentes a sequências de revoluções tecnológicas e processos 
civilizatórios. Na perspectiva teórico-antropológica darciana, destacam-se duas 
de suas matrizes principais: o “evolucionismo antropológico clássico” e a 
“dialética marxista”, articulando-as como campos do conhecimento científico. 
Pretendemos discutir, neste breve trabalho, certos aspectos 
presentes no que Celso Castro (2005) nomeou de “estudos clássicos de 
antropologia”, que, apesar de apresentarem distinções analíticas, são estudos 
 
1 Série publicada em todo o período de seu exílio (1964-1976), é composta de O Processo 
civilizatório: etapas da evolução sociocultural (1968, 1ª edição brasileira), As Américas e a 
civilização: processo de formação e causas do desenvolvimento desigual dos povos 
americanos (1969, edição argentina; 1970, 1ª edição brasileira), Os Brasileiros: Teoria do Brasil 
(1969, edição uruguaia; 1972, 1ª edição brasileira), Os Índios e a Civilização: a integração das 
populações indígenas no Brasil moderno (1970, 1ª edição brasileira) e O Dilema da América 
Latina: estruturas de poder e forças insurgentes (1971, edição mexicana; 1978, 1ª edição 
brasileira). 
 
 
que trazem uma visão de evolução sociocultural das sociedades humanas, 
baseada em observação comparativa de diversas sociedades em determinado 
contexto de tempo e espaço, bem como na trajetória cronológica percorrida por 
cada povo em sua existência. Deste ramo da antropologia clássica, Castro 
(2005) apresenta e discute as obras de Lewis Henry Morgan (1877), Edward 
Burnett Tylor (1871) e James George Frazer (1908), que revisitaremos 
pontualmente, com a finalidade de estabelecer e demarcar de forma breve as 
recepções e interpretações, aproximações e distanciamentos de suas 
propostas relativas ao que denominamos de “evolucionismo antropológico na 
obra de Darcy Ribeiro”. 
Castro afirma que é necessário ressaltar primeiro os matizes 
teóricos de cada autor, antes de “reduzir as obras desses autores ao rótulo 
[estéril e pouco explicativo] de ‘evolucionista’, embora os três tenham de fato 
sido expoentes dessa corrente de idéias” (CASTRO, 2005: 7). Isso vale para 
evitamos deixar escapar as contribuições antropológicas em suas 
especificidades, como também para o trabalho de análise da perspectiva de 
Darcy desde seus fundamentos teóricos, sem, entretanto, assinalar quaisquer 
conexões do pensamento darciano com este ou aquele autor do 
“evolucionismo antropológico clássico”. 
O objetivo principal de nosso trabalho é destacar certos elementos 
da perspectiva evolucionista de Darcy Ribeiro, presente em O Processo 
Civilizatório: etapas da evolução sociocultural (1975a), seguindo os 
apontamentos de Celso Castro (2005), que assinalando os prováveis 
desdobramentos do evolucionismo antropológico como matriz de pensamento, 
coloca a obra de Darcy Ribeiro pari passu às de Leslie White e Julian Steward, 
observando que Darcy, “em O Processo Civilizatório (1968), retraça sua 
linhagem intelectual, passando por esses autores, até Morgan.” (CASTRO, 
2005: 38). 
Assim, procuramos trazer, como autores clássicos, Morgan, Tylor e 
Frazer, ponderando sobre pontos de suas propostas que, de certa forma, foram 
reinterpretadas por Darcy Ribeiro (1975a), como por exemplo: (1) a conexão 
entre escalas de tempo e percepções acerca da história humana; (2) a 
utilização de um método comparativo de análise que almeja mapear a trajetória 
evolutiva das sociedades; e (3) a articulação – ou tensão – entre “cultura” e 
 
 
“civilização”, ou “cultura” como “civilização”, como um processo de 
aprimoramento dos conteúdos culturais por meio de um ideal de progresso 
humano. Estes aspectos permeiam tanto as perspectivas clássicas da 
antropologia, quanto o debate sobre a evolução cultural humana em Darcy 
Ribeiro. 
Outro objetivo nosso é justamente combater certos mal-entendidos, 
como o de reduzir os autores dos “estudos clássicos de antropologia” ao 
simples rótulo de “evolucionistas”, desconsiderando suas contribuições à 
antropologia, bem como analisar a obra de Darcy Ribeiro em suas 
especificidades, sem fazer uma conexão com este ou aquele autor. 
 
1. Os estudos clássicos de antropologia e sua perspec tiva evolucionista 
 
Ao analisarmos os estudos clássicos de antropologia, devemos 
situar nossa análise no âmbito da constituição da antropologia como uma 
disciplina científica específica, num processo de definição temática e de 
distinção do objeto de investigação em relação à sociologia. Vale destacar o 
diálogo intenso e até mesmo o cruzamento da nascente perspectiva 
antropológica com os campos da filosofia, da história, ou da biologia.2 Segundo 
Castro (2005), os “pais fundadores da antropologia” buscaram realizar o 
diálogo entre diferentes campos do saber, em empreendimentos que 
distinguiam o esforço de ajustamento da antropologia como ciência, da 
separação do conhecimento científico3. 
O objetivo que une as perspectivas de Morgan, Tylor e Frazer é a 
busca por esclarecer a forma que as sociedades humanas promovem e 
explicam suas existências no tempo e no espaço, preocupação fundamental 
que tematiza o desenvolvimento das sociedades, a partir do processo pelo qual 
elas passaram a existir. O estudo sobre a humanidade, formulado pelo 
pensamento científico dos autores acima, lança para o “passado” o lugar das 
respostas do “presente”, e das idéias que direcionam o “futuro”. Aqui está o2 Sobre o “equívoco bastante comum” que associa “evolução biológica” a “evolução cultural”, 
cf. CASTRO, 2005: 26. 
3 Cf. ERIKSEN; NIELSEN, 2007: 27-39 
 
 
primeiro ponto: há, nas análises de Morgan, Tylor e Frazer, de diferentes 
modos e graus, uma relação entre: (1) a história da humanidade, entendida 
como única; e (2) representações analíticas sobre o tempo, por estágios, 
períodos ou etapas da evolução humana, que se sucedem e se explicam4. 
Em seu estudo sobre o processo de desenvolvimento da 
humanidade, Morgan busca abandonar qualquer medida limitada de tempo, 
pois “como a provável extensão da carreira da humanidade está ligada a 
períodos geológicos (...) cem ou duzentos mil anos não seriam uma estimativa 
excessiva do tempo transcorrido desde o desaparecimento das geleiras no 
hemisfério norte até o presente.” (MORGAN, 2005: 43). Tal concepção de 
Morgan expande, analiticamente, as escalas de tempo, mediante classificações 
de períodos ou etapas da humanidade referentes à sua história, em termos de 
seqüências ou séries do progresso humano5. 
A conexão que Morgan realiza entre “tempo” e “história”, parte da 
noção de uma filosofia da história como devir, como uma fonte de significação 
concreta e objetiva – “única” – dos processos e desenvolvimentos da 
humanidade. “A história da raça humana é uma só – na fonte, na experiência, 
no progresso.” (MORGAN, 2005: 44). Morgan apresenta sua perspectiva 
evolucionista como uma concepção unilinear da história, identificando um 
caminho ascendente do estágio humano “desde a selvageria, através da 
barbárie, até a civilização”, esta como a última etapa da história humana. 
Mesmo lançando mão de um esquema, um recurso analítico com aspirações 
de totalizações explicativas, Morgan não descarta a existência de diferentes 
graus de desenvolvimento humano correspondente a uma mesma escala de 
tempo. “Como a humanidade foi uma só na origem, sua trajetória tem sido 
essencialmente uma, seguindo por canais diferentes, mas uniformes” 
(MORGAN, 2005: 46). 
A conexão “tempo-história” também aparece em Tylor, em seu 
estudo sobre a origem e o desenvolvimento primitivo da civilização, na qual há 
a existência de uma filosofia da história “como um todo, explicando o passado 
e predizendo os futuros fenômenos da vida do homem com referências a leis 
gerais” (TYLOR, 2005: 74). Tylor pretende delinear, com base em 
 
4 Cf. CASTRO, 2005: 27-28. 
5 Cf. MORGAN, 2005: 43-44. 
 
 
classificações do tempo, os fenômenos da cultura de acordo com seus estágios 
ou etapas de desenvolvimento, relativos à história humana. Há, na perspectiva 
evolucionista tyloriana, a idéia da “compreensão do presente e a modelagem 
do futuro” (TYLOR, 2005: 97), como uma forma de investigação antropológica 
essencial na observação de diversos estágios de evolução humana 
experimentados por diversas sociedades no mesmo percurso histórico. Assim, 
Tylor admite um provável esquema de evolução multilinear da civilização 
humana, “ao longo de suas muitas linhas” (TYLOR, 2005: 93). 
Para James Frazer (1908), a tarefa da antropologia apresenta 
semelhanças com as propostas de Morgan e Tylor, pois “visa descobrir as leis 
gerais que regulavam a história humana no passado e que, se a natureza for 
realmente uniforme, é de se esperar que a regulem no futuro” (FRAZER, 2005: 
104). A perspectiva evolucionista de Frazer se baseia no “método comparativo” 
(FRAZER, 2005: 120), numa análise comparada no tempo, que verifica a 
relação de causalidade entre os estágios passados e os estágios presentes da 
vida humana, entre “o que era” e o “que é”, dos chamados “primórdios” até “os 
dias atuais” (FRAZER, 2005: 103), sendo que a semelhança com Morgan está 
na indicação da evolução da civilização a partir do estágio de selvageria: “está 
implícito que os ancestrais das nações civilizadas um dia foram selvagens” 
(FRAZER, 2005: 107). Semelhante a Tylor, a proposta de Frazer, sua 
perspectiva evolucionista, possui caráter multilinear: “A humanidade (...) 
avança em escalões, isto é, as colunas marcham não uma ao lado da outra, 
mas em linhas dispersas, cada uma num grau diferente de atraso com relação 
ao líder.” (FRAZER, 2005: 116) 
Para os três autores, o estágio de “avanço” ou “atraso” de uma certa 
sociedade em seus percursos evolutivos, configura um problema essencial. A 
análise comparada estabelece o grau “avançado” ou “atrasado” de uma 
sociedade, ou seja, uma sociedade é “avançada” ou “atrasada” em relação a 
uma outra sociedade, à “líder”, nas palavras de Frazer. Este é o segundo ponto 
essencial das perspectivas dos autores: a utilização do método comparativo de 
análise6. A comparação entre sociedades é justificada pela noção de que 
certas causas e condicionantes operam uniformemente por toda a humanidade: 
 
6 Cf. CASTRO, 2005: 30. 
 
 
por exemplo, a necessidade humana de subsistência material mediante 
adaptação a determinadas “condições externas (isolamento geográfico e 
influências ambientais)” (CASTRO, 2005: 30-31); ou a idéia de “unidade 
psíquica [ou moral] de toda a espécie humana, a uniformidade de seu 
pensamento” (CASTRO, 2005: 28). 
Morgan, em sua perspectiva, ressalta que o progresso humano 
ocorre mediante um caminho seqüencial; um sucessivo aprimoramento das 
sociedades existentes em vários meios, através de “invenções” e 
“descobertas”7, nos quais os resultados de uma experiência de subsistência 
acumulada e aperfeiçoada colaboram para o conseqüente desenvolvimento 
humano adaptado. É importante observar que, para o autor, “invenções” e 
“descobertas” fazem parte de sua linha de investigação científica, permitindo o 
estudo das instituições primitivas da vida social. 
Assim, o problema essencial para Morgan é a análise das causas do 
desenvolvimento desigual dos povos, que partiram de condições gerais, 
relativas a toda a humanidade: o autor questiona sobre as razões do “atraso” 
de algumas sociedades em relação a outras, ou “por que outras tribos e nações 
foram deixadas para trás na corrida para o progresso – algumas na civilização, 
algumas na barbárie e outras na selvageria.” (MORGAN, 2005: 44). 
Tylor, em sua preocupação analítica, também focaliza o 
descompasso entre configurações culturais “avançadas” e “atrasadas”, que 
convivem numa mesma sociedade, dentro de uma linha de continuidade do 
processo de civilização. O autor apresenta esse descompasso como 
“sobrevivências”, antigos conteúdos culturais que continuam a existir num 
estágio temporal avançado em relação a sua origem. Tylor explica o conceito 
de “sobrevivências”: 
Trata-se de processos, costumes, opiniões, e assim por diante, que por 
força do hábito, continuavam a existir num novo estado de sociedade 
diferente daquele no qual tiveram a sua origem, e então permanecem 
como e exemplos de uma condição mais antiga de cultura que evoluiu em 
uma mais recente. (TYLOR, 2005: 87) 
Para Tylor, essas “sobrevivências” são resíduos histórico-culturais 
de um tempo já vivido por uma sociedade, que por motivos desconhecidos para 
o autor, aparecem como algo deslocado, referentes à própria multiplicidade de 
 
7 Sobre as “invenções” e “descobertas”, cf. MORGAN, 2005: 60. 
 
 
modos possíveis para o desenvolvimento das sociedades. São provas 
históricas de um estágio humano que não existiria de forma homogênea, 
possibilitando ao pesquisador ou “etnógrafo” “(...) traçar o curso do 
desenvolvimento histórico.” (TYLOR, 2005: 88). Para explicar as continuidades 
e descontinuidades, mudanças e permanências no processo de evolução 
cultural humana, Tylor adota uma análise comparativa composta por: (1) uma 
visão sincrônica que considera os distanciamentos relativos a cada sociedade 
em seus percursos, numa mesma escala de tempo; e (2) uma visão diacrônica 
que consideraas diferenciações evolutivas de uma mesma sociedade numa 
seqüência cronológica (Cf. TYLOR, 2005: 91-93). 
Frazer (1908), ao considerar a história do pensamento e as 
instituições humanas como esferas interdependentes, indica o método 
comparativo como um mecanismo de estudo de tais esferas. Frazer, assim 
como Tylor, examina o que denomina de “vida selvagem”, de modo comparado 
no tempo, demonstrando os aspectos evolutivos que mostrariam que “um 
selvagem está para um homem civilizado assim como uma criança está para 
um adulto (...)” (FRAZER, 2005: 107). 
Próxima à intenção de Tylor, a intenção de Frazer é realizar um 
estudo comparativo que considere duas fases: (1) “estudo da selvageria”, que 
examina “os costumes e crenças dos selvagens”; e (2) “estudo do folclore”, que 
abrange “aquelas relíquias e crenças tal como sobreviveram no pensamento e 
nas instituições de povos cultos”, ou “as sobrevivências de idéias e práticas 
mais primitivas entre povos que, em outros aspectos, ascenderam a planos 
mais elevados da cultura” (FRAZER, 2005: 112). Para Frazer, as “superstições” 
são elementos da cultura que criam obstáculos ao processo de civilização em 
sua uniformidade, contudo admite que tais permanências se justificam por uma 
“natural, universal e inerradicável desigualdade dos homens” (FRAZER, 2005: 
113). 
Para Frazer essas desigualdades são, no entanto, quantitativas e 
não qualitativas, o que fundamenta o princípio metodológico comparativo para 
o autor, de acordo com a “bem estabelecida similaridade do funcionamento da 
mente humana em todas as raças de homens” (FRAZER, 2005: 120). Assim, 
chegamos ao terceiro ponto que aproxima as perspectivas dos três autores 
citados, que é o enfoque sobre o conceito de “cultura” como elemento derivado 
 
 
de uma homogeneidade qualitativa, histórica, mental, e moral da humanidade, 
que pode variar em diversos estágios, mas, ao que parece, se configura de 
modo universal para estes autores.8 
O que reúne as concepções de “cultura” em Morgan, Tylor e Frazer, 
é a idéia que liga a produção de “cultura” de uma determinada sociedade às 
suas condições históricas, mentais, geográficas (Cf. CASTRO, 2005: 30-31, 
35). “Cultura” aparece em Morgan, num sentido estrito e não sistematizado, 
como uma noção vinculada com a primeira idéia de subsistência, pela qual os 
povos sobrevivem, num dado contexto de tempo e espaço, a determinadas 
condições. Para o autor, a noção de “cultura” se refere à forma pela qual as 
sociedades provêm e explicam suas existências, na “prolongada luta com os 
obstáculos que encontrava em sua marcha a caminho da civilização” 
(MORGAN, 2005: 50). 
O conceito de “cultura” ou “civilização” é definido por Tylor como 
“aquele todo complexo que inclui conhecimento, crença, arte, moral, lei, 
costume e quaisquer outras capacidades e hábitos adquiridos pelo homem na 
condição de membro da sociedade” (TYLOR, 2005: 69). Celso Castro mostra 
que Tylor definiu pela primeira vez o conceito de “cultura” como sinônimo de 
“civilização”, comportando um sentido de processo, de um construto em vias de 
aperfeiçoamento: “Tylor fala de cultura ou civilização (...) [de forma] 
essencialmente hierarquizada em ‘estágios’” (CASTRO, 2005, 17). Já em 
Frazer (1908), o conceito de “cultura” não apresenta sistematização, mas 
fornece subsídios para o estudo das “crenças e costumes dos selvagens (...) e 
as relíquias dessas crenças e costumes que sobreviveram como fósseis entre 
povos de cultura mais elevada”. (FRAZER, 2005: 106). 
Estes aspectos que aproximam e distanciam as obras de Morgan, 
Tylor e Frazer indicam elementos teórico-metodológicos para o estudo da 
perspectiva evolucionista em Darcy Ribeiro, como uma contribuição que parte 
dos estudos clássicos de antropologia, com pretensões de revisão e 
 
8 Segundo Castro (2005), esse ponto constitui a crítica de Franz Boas (1896) ao método 
comparativo. “Para ele, antes de supor, sem provas cabais, como fazem os evolucionistas, que 
fenômenos aparentemente semelhantes pudessem ser atribuídos às mesmas causas, era 
preciso perguntar, para cada caso, se eles não teriam sido transmitidos por difusão de um povo 
a outro. Ao contrário dos autores evolucionistas, que usavam as palavras cultura e sociedade 
humana no singular, Boas passou a usar cultura no plural.” (CASTRO, 2005: 35. Grifos do 
autor). 
 
 
sistematização das teorias da evolução sócio-cultural em busca de uma teoria 
geral da evolução humana, que aqui será revisitada através de O Processo 
Civilizatório: etapas da evolução sociocultural (1975a), que discuto a seguir. 
 
2. A perspectiva evolucionista em O Processo Civilizatório de Darcy 
Ribeiro 
 
Betty J. Meggers, no prefácio à edição norte-americana (1968) de O 
Processo Civilizatório (1975a), considera a crítica recorrente ao evolucionismo 
cultural no que concerne a uma postura eurocêntrica de análise, que projetaria 
um ideal de sociedade como etapa final do percurso evolutivo humano, 
baseado na experiência civilizatória européia.9 A autora afirma que apesar de 
representar a escola evolucionista de antropologia, e oferecer uma abordagem 
sobre o processo civilizatório, Darcy Ribeiro seria “um cidadão do chamado 
‘Terceiro Mundo’. Como tal, encara o desenvolvimento cultural sob um prisma 
distinto e percebe nuances que não [no caso de Meggers, os norte-americanos] 
permanecem encobertas” (MEGGERS, 1975a: 11). 
Darcy Ribeiro (1975a) pretende usar o esquema conceitual disposto 
pelos “estudos clássicos de antropologia” mediante uma revisão crítica das 
teorias de alto alcance histórico10, a fim de propor um novo esquema sobre o 
desenvolvimento humano. Este é o objetivo geral de O Processo Civilizatório 
(1975a), que sendo o primeiro dos Estudos de Antropologia da Civilização, é a 
obra de maior densidade analítica, onde o autor busca retomar a perspectiva 
evolucionista de modo a reformulá-la para a explicação posterior das 
particularidades histórico-culturais dos povos americanos.11 
 
9 Meggers demonstra a tradição de pensamento de seu país, indicando que: “Nos Estados 
Unidos, herdamos a tradição da civilização ocidental européia por nós considerada como a 
corrente principal ou central da evolução humana. Em conseqüência, medimos todos os 
demais povos segundo nossa medida e os consideramos carentes (...) Acresce ainda que os 
melhores estudos sobre a evolução cultural foram elaborados por estudiosos europeus ou 
norte-americanos e, em virtude disso, corroboram, implícita ou explicitamente, esse ponto de 
vista.” (MEGGERS, 1975a: 11) 
10 Dessas teorias, Darcy indica os estudos clássicos de antropologia de Morgan (1877) e Tylor 
(1871), as obras de Augusto Comte (1840) e Herbert Spencer (1897), e os estudos modernos 
de antropologia de perspectiva evolucionista como os de Gordon Childe (1934, 1937, 1944, 
1946 e 1951), Leslie White (1949 e 1959) e Julian Steward (1955). Cf. RIBEIRO, 2000: 220-
221. 
11 O esquema conceitual trabalhado por Darcy em O Processo Civilizatório servirá de base 
 
 
O empreendimento darciano, em O Processo Civilizatório, almeja 
uma definição precisa de “conceitos faseológicos”, como “civilização” ou 
“revolução”, que segundo Darcy aparecem não só na antropologia, mas 
também em estudos históricos, como um arcabouço teórico-conceitual 
pressuposto e não tematizado. O autor, pensando a partir dos cânones do 
evolucionismo cultural, ou seja, transitando no mesmo horizonte teórico 
clássico, procura contribuir para a ampliação do quadro de categorias que, 
segundo ele, só explicaria a história européia, fazendo-o repensar a própria 
perspectiva de evolução das sociedades, como presente em Morgan, por 
exemplo, à luz da experiência dos povos extra-europeus. O que Darcy explicita 
é a dificuldade de transplantar idéias e conceitos que têm como base a 
realidade de umadeterminada história, a européia, para outra conjuntura que 
se relaciona a ela em seu percurso, mas que contém características formativas 
como configuração histórico-cultural singular referente ao seu desenvolvimento: 
a latino-americana. 
Para Darcy Ribeiro, conceito de “evolução sociocultural” 
corresponde ao 
(...) movimento histórico de mudança dos modos de ser e de viver dos 
grupos humanos, desencadeado pelo impacto de sucessivas revoluções 
tecnológicas (...) sobre sociedades concretas, tendentes a conduzi-las à 
transição de uma etapa a outra, ou de uma a outra formação sociocultural 
(RIBEIRO, 1975a: 15). 
Ao se aproximar de Morgan, que a seu ver teria estabelecido o 
“primeiro esquema geral da evolução humana” (RIBEIRO, 1975a: 220), Darcy 
toma a história como encadeamentos sucessivos de etapas evolutivas, as 
quais representam o processo histórico da formação sociocultural de cada 
sociedade, em termos do desenvolvimento acumulado de suas potencialidades 
produtivas, no provimento material de suas existências. 
Mesmo ressaltando a validade explicativa e a atualidade 
antropológica da proposta de Morgan, Darcy não enxerga um único modelo 
civilizatório no que diz respeito a uma relativa experiência histórica concreta, 
como um movimento ascendente cadenciado por condições objetivas, as quais 
operam como fatores exógenos em cada momento histórico. Darcy analisa a 
 
para seu estudo da formação sociocultural das Américas, fundamentalmente em As Américas e 
a Civilização (1969) e em O Dilema da América Latina (1971). 
 
 
perspectiva unilinear de Morgan, antes como um recurso de abstração da 
realidade, e que pode ser trabalhado nas suas aproximações com diversas 
experiências. Segundo Darcy: 
Só em condições excepcionais as sociedades têm oportunidade de 
experimentar processos evolutivos contínuos puramente ascendentes que 
as conduzam a viver sucessivamente diversas etapas da evolução. Via de 
regra, são interrompidas por várias causas conducentes à estagnação e à 
regressão cultural ou a desenvolvimentos cíclicos de ascensão e 
decadência. (RIBEIRO, 1975a: 33). 
Por observar e partilhar com Morgan a noção de uma “filosofia da 
história” que sustenta o significado das modificações em cada sociedade, é que 
Darcy considera o movimento de evolução sociocultural como um processo 
complexo de civilização, marcado por “mudanças” e “permanências” no que se 
aproxima de Edward Sapir12 (1924), por progressos e regressos, no que se 
aproxima de Gordon Childe (1966). Darcy recebe os conceitos de “progressos” 
e “regressos” de Childe, como dois mecanismos de configuração histórica que 
representam o avanço ou retrocesso dos aspectos produtivos, sociais e 
culturais de uma determinada sociedade em seu percurso evolutivo relativo a 
outras sociedades. 
Darcy demonstra que o desenvolvimento das sociedades humanas 
no tempo e no espaço é produto de um desenrolar contraditório da constituição 
interna de uma formação sociocultural, como modo de adaptação a seu meio, 
em relação a sua interação com outras formações. É neste sentido que Darcy 
busca na análise comparativa, na acepção substantivada pelos “estudos 
clássicos de antropologia”, o recurso metodológico utilizável no estudo do 
processo civilizatório geral que concebe as modificações estruturais em cada 
sociedade, visto que “não é a invenção original ou reiterada de uma inovação 
que gera conseqüências, mas sua propagação sobre diversos contextos 
socioculturais e sua aplicação a diferentes setores produtivos” (RIBEIRO, 
1975a: 36). 
Próximo a uma perspectiva multilinear da evolução sociocultural, que 
o próprio declara para sua obra (Cf. RIBEIRO, 1975a: 13), Darcy apresenta 
uma concepção do método comparativo semelhante àquela exposta por Tylor e 
Frazer – embora não se remeta a este último em sua proposta –, em virtude de 
 
12 Cf. SAPIR, 1924. In: PIERSON, 1970. 
 
 
que o “atraso” ou “avanço” de uma sociedade é sempre relativo a uma outra 
fase ou grau e não ao tipo de desenvolvimento alcançado por uma sociedade 
em relação à outra, e para Darcy, devido ao modo pelo qual cada uma se 
apresenta, numa conjuntura de interação externa. 
Darcy adverte que o grau de autonomia de um povo, de acordo com 
sua formação sociocultural, influencia o modo pelo qual ocorre, ou não, a 
transição de uma etapa a outra da evolução humana. Para tanto, o autor 
conceitua duas vias pelas quais operam o processo civilizatório, num 
movimento simultâneo de homogeneização e diversificação das características 
formativas das sociedades: são os processos de “aceleração evolutiva” e 
“atualização histórica”. Por “aceleração evolutiva”, Darcy entende “os 
processos de desenvolvimento de sociedades que renovam autonomamente 
seu sistema produtivo e reformam suas instituições sociais no sentido da 
transição de um a outro modelo de formação sociocultural, como povos que 
existem para si mesmo” (RIBEIRO, 1975a: 44). Já o conceito de “atualização 
histórica” é referenciado pelos “procedimentos pelos quais esses povos 
atrasados na história são engajados compulsoriamente em sistemas mais 
evoluídos tecnologicamente, com perda de sua autonomia ou mesmo com sua 
destruição como entidade étnica” (RIBEIRO, 1975a: 45). 
Sem querer sistematizar o conceito de “cultura” nesta obra, esforço 
empreendido em Os Brasileiros: Teoria do Brasil (1975b), Darcy Ribeiro 
destaca que a cultura de uma sociedade, moldada pela interdependência de 
ordens tecnológicas, sociais e ideológicas, se transforma, mesmo sem a 
transição de uma formação a outra, no contato com outras culturas, revelado 
em um processo de traumatização cultural, o qual atua como um condicionante 
que interliga fatores endógenos e fatores exógenos, na explicação de quadros 
de autonomia simbolizados pela via da “aceleração evolutiva”, e dependência e 
atraso históricos cristalizados na via da “atualização histórica”. 
Vale assinalar que é desta maneira que Darcy parece articular o 
conceito de “cultura” ao próprio “processo civilizatório” em estudo, observando 
que o plano da cultura se molda, sobretudo, pelo fato de que é referenciado 
pela dimensão processual-seqüencial da evolução sociocultural; na medida em 
que a cultura absorve os impactos do processo em questão, na interação que o 
contato intercultural promove, que pode ser marcado por uma atmosfera de 
 
 
dominação ou não, dependendo do grau de autonomia de uma sociedade face 
às outras, ao mesmo tempo em que é no domínio da cultura que cada 
sociedade pode explicar e facultar novos caminhos de sua experiência, se 
diferenciando das demais. Darcy concebe “cultura” no próprio seio do processo 
de civilização (RIBEIRO, 1975a: 41), aproximando-se da tensão entre “cultura” 
e “civilização” indicada por Tylor (TYLOR, 2005: 69). 
Darcy interpreta o conceito de “civilização” pelo sentido oferecido por 
Sapir (1924), que a ressalta, de fato, enquanto resultado de um processo lento, 
e que Darcy explica como “cristalizações de processos civilizatórios singulares 
que nelas se realizam como um complexo sociocultural historicamente 
individualizável” (RIBEIRO, 1975a: 41). Darcy se distancia, neste ponto, da 
abordagem sobre o conceito de “civilização”, do esquema proposto por 
Morgan, visto que para este autor, a dimensão da “civilização” corresponde a 
uma etapa final da evolução humana, enquanto para Darcy tal conceito nada 
mais representa do que resultados de um processo em vigor que podem ser 
desdobrados de acordo com determinadas especificidades históricas. 
Darcy Ribeiro, em sua descrição e análise das etapas da evolução 
sociocultural13, utiliza uma perspectiva sobre os tempos passados, pelos quais 
as sociedades humanas realizaram percursos evolutivos que seencontram e 
se afastam, que progridem e que regridem, devido às suas condições 
formativas marcadas por fatores endógenos e exógenos. Este recurso se 
apresenta como uma reinterpretação do modo de análise cronológica que 
funda de maneira geral os “estudos clássicos de antropologia”, e que segundo 
o autor: 
(...) permite apreciar como diversas tradições culturais particulares, 
desenvolvidas por diferentes povos em épocas e lugares distintos, se 
concatenaram umas com as outras, interfecundando-se ou destruindo-se 
reciprocamente, mas conduzindo sempre adiante uma grande tradição 
cultural e contribuindo, assim, para conformar a civilização humana comum 
que começa a plasmar-se no mundo de nossos dias (RIBEIRO, 1975a: 
40). 
Assim, Darcy reúne dois elementos essenciais encontrados na 
“perspectiva evolucionista clássica” aqui abordada, sejam eles: (1) a noção e 
classificação de escalas de tempo, através de conceitos faseológicos, que 
pretendem reconstituir analiticamente a história da humanidade; e (2) a 
 
13 Cf. RIBEIRO, 1975a: 38. 
 
 
concepção de uma filosofia da história que prescreve as condições do próprio 
desenvolvimento das sociedades. Segundo Darcy Ribeiro, as etapas da 
evolução sociocultural representam, em última instância, o esforço científico 
antropológico de conhecimento e ordenamento da realidade histórica de acordo 
com critérios com pretensões de objetividade e generalidade, justificando assim 
para o autor, “o apelo a estudos clássicos sobre a evolução sociocultural que 
abordam o problema globalmente, muitos dos quais têm, ainda hoje, um 
flagrante valor de atualidade” (RIBEIRO, 1975a: 14). 
Semelhante a Tylor, Darcy projeta uma visão sincrônica da evolução 
sociocultural, representada nos “processos civilizatórios singulares”, como uma 
análise de diversas sociedades em suas formações relativas num dado período 
de tempo, como “movimentos históricos concretos de expansão, que vitalizam 
amplas áreas, cristalizando-se em diversas civilizações” (RIBEIRO, 1975a: 42). 
Por outro lado, Darcy empreende uma visão diacrônica que procura situar 
todas as sociedades humanas no continuum de seus percursos evolutivos, 
através de “processos civilizatórios gerais” que significa a própria evolução 
sociocultural “que tem um caráter progressivo que se evidencia no movimento 
que conduziu o homem da condição tribal às macro-sociedades nacionais 
modernas” (RIBEIRO, 1975a: 42). 
A chave explicativa “tempo-história” é um dos aspectos mais 
pertinazes da recepção e interpretação de Darcy Ribeiro sobre a “perspectiva 
evolucionista clássica”, objetivando realizar a ponte entre o plano contra-
factual, imbricado nas representações e classificações sobre tempos distintos – 
passado, presente e futuro –, mas interconectados, e o plano factual, histórico, 
da investigação antropológica que consiste na tentativa de esboçar 
posteriormente uma “antropologia dialética”14. 
 
CONCLUSÃO 
 
Nos empenhamos em analisar possíveis desdobramentos do 
evolucionismo antropológico, enquanto matriz de pensamento, presente na 
obra de Darcy Ribeiro, bem como suas conexões com os autores dos “estudos 
 
14 Sobre a proposta de “Antropologia Dialética” de Darcy Ribeiro, cf. RIBEIRO, 1975b: 18. 
 
 
clássicos de antropologia”, Tylor, Morgan e Frazer. Em relação aos “estudos 
clássicos de antropologia”, Darcy Ribeiro apresenta tanto afinidades teórico-
metodológicas quanto discrepâncias analíticas, que só podem ser observadas 
por meio de uma tentativa de comparação de suas perspectivas, no que se 
refere à atenção sobre a recepção e interpretação de Darcy sobre as obras de 
Morgan, Tylor e Frazer. Essa tentativa de comparação revela suas 
proximidades e distanciamentos, ressalta as sutilezas e detalhes que muitas 
vezes são obscurecidas pelos rótulos de “evolucionistas”. A comparação entre 
o “pensamento antropológico clássico” e o pensamento darciano permite 
verificar a dificuldade de simplesmente rotularmos Darcy Ribeiro de “neo-
evolucionista”, como se este autor correspondesse num contexto posterior de 
produção intelectual, à mesma tradição de pensamento dos evolucionistas. 
Discutimos que as perspectivas de Morgan, Tylor e Frazer possuem 
semelhanças referentes à vinculação entre escalas de tempo representadas e 
classificadas como estágios e a noção de uma filosofia da história, a adoção de 
um método comparativo de análise, e a interpretação da “cultura” como um 
fenômeno universal e ligado substantivamente ao processo civilizatório. Mas 
também apresentam diferenciações analíticas quanto ao escopo de suas 
propostas, na argumentação sobre os percursos evolutivos da história humana 
como um movimento mais ou menos uniforme, ou mesmo na própria 
sistematização de conceitos e noções acerca da evolução sociocultural. 
Ao analisar estas obras, Darcy Ribeiro parece problematizar a 
história da humanidade em seus tempos passados, que explicariam o presente, 
e contribuiria na projeção de um futuro, de uma “civilização humana”, que 
compreenda formações socioculturais específicas em seus percursos 
evolutivos relativos a constituição de suas culturas, como caminhos possíveis, 
que se aceleram ou se retardam, que vão e vêm, segundo as particularidades 
históricas de cada povo, como um ente que exista para si mesmo. 
 
BIBLIOGRAFIA 
 
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Jorge Zahar, 2005, pp.67-99. 
 
ANTROPOLOGIA 
DA RELIGIÃO
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
 > Reconhecer o fenômeno religioso como universal, intrínseco a toda cultura 
e a todo povo.
 > Descrever como os fenômenos religiosos são investigados pelas ciências, 
especificamente pela antropologia.
 > Identificar as divergências e a complementaridade do fenômeno religioso 
entre as religiões desérticas e agrárias.
Introdução
A crença em poderes sobrenaturais é intrínseca à humanidade. Os seres humanos 
são seres religiosos — independentemente dos porquês, a busca para além de si 
manifesta-se nas inúmeras expressões religiosas do mundo todo. Tanto no passado 
remoto quanto no presente futurista, existem características que demonstram o 
caráter da busca transcendental (ou imanente) e de suas complexas manifesta-
ções religiosas. Essa complexidade é vista tanto nos rituais antropofágicos e nos 
sacrifícios de animais quanto nas cerimônias religiosas simbólicas. 
O fenômeno 
religioso e o 
surgimento da 
vida religiosa
Valter Borges dos Santos
Na obra O ramo de ouro, Sir James George Frazer, autor clássico daantropologia 
da religião, demonstrou as múltiplas manifestações religiosas e as caracterizou de 
forma a enfatizar o fio condutor que interliga, no tempo e no espaço, um fenômeno 
permanente e constante (FRAZER, 1982). Independentemente da forma manifesta 
e da evolução das manifestações desse fenômeno, essas múltiplas expressões 
religiosas revelam a atualidade das lendas e dos mitos antigos, bem como a bru-
talidade atual de rituais arcaicos, sugerindo que religião e magia acompanham a 
humanidade em seu trajeto histórico, desde suas origens, quando os homens se 
distanciaram dos animais na busca pela consciência de si mesmos.
Neste capítulo, falaremos sobre a universalidade do fenômeno religioso, expli-
cando como se dá a investigação do fenômeno religioso. Além disso, trataremos 
do fenômeno religioso nas religiões desérticas e agrárias.
A universalidade do fenômeno religioso
Logo no início da obra Magia, ciência e religião, Bronislaw Kasper Malinowski 
afirma que “[...] não existem povos, por mais primitivos que sejam, sem religião 
nem magia” (1984, p. 19). Ao seu encontro, segundo Jorge (1998, p. 11), o filósofo 
Henri Bergson afirmava que “[...] nunca existiu sociedade sem religião”. Seja 
nas sociedades primitivas, seja na contemporaneidade, as manifestações 
religiosas são permanentes. “No decorrer dos séculos, desde as épocas líticas 
até a presente era da informática, o homem pôde conhecer e vivenciar, há um 
que, por sua universalidade e permanência histórica, se sobrepõe: fenômeno 
religioso” (JORGE, 1998, p. 7).
O fenômeno religioso se mostra, “[...] marca sua presença, de modo uni-
versal e constante” (JORGE, 1998, p. 11). Há estudos e pesquisas sobre o fenô-
meno religioso em Frazer, Durkheim, Marrett, Hubert, Mauss, Spencer, Lowie, 
Malinowski, Radcliffe-Brown, Lévi-Strauss, Firth, Evans-Pritchard, para citar 
apenas alguns. Em suma, “[...] os antropólogos, em geral, concordam que a 
religião é formada por um sistema de crenças e práticas e que todas as socie-
dades possuem a sua ‘visão do universo’” (MARCONI; PRESOTTO, 2001, p. 151).
Para compreender as possíveis causas do fenômeno religioso, Malinowski 
(1984) argumenta que, nas sociedades primitivas, existiam dois componentes 
inseparáveis, mas perfeitamente distintos, como possíveis explicações que 
conduzem ao fenômeno religioso: o sagrado e o profano, ou o domínio da 
magia e da religião e o da ciência. Há uma associação intrínseca entre o 
fenômeno social que mobilizava as sociedades primitivas para o fenômeno 
religioso. Segundo, Malinowski (1984, p. 19, acréscimo nosso), é no domínio 
do sagrado que se encontra o fenômeno religioso: “[d]e um lado, encontram-
O fenômeno religioso e o surgimento da vida religiosa2
-se os atos e as práticas tradicionais, que os nativos consideram sagrados... 
associados a crenças em formas sobrenaturais”; de outro lado, está a ciência 
rudimentar, ou o profano.
No domínio do sagrado, encontramos o fenômeno religioso. Marconi 
e Presotto (2001, p. 151, acréscimo nosso) ressaltam que:
[...] são dois os elementos constitutivos da religião: crença e ritual [...] somente a 
crença não basta para formar uma religião, deve estar associada à prática. [...] [O 
entendimento de crença, ou fé,] consiste em um sentimento de respeito, submissão, 
reverência, confiança e até de medo em relação ao sobrenatural, ao desconhecido. 
[...] [Sobre o ritual, ou a prática,] trata-se da manifestação dos sentimentos por um ou 
vários indivíduos, em qualquer meio, através da ação [...] de caráter religioso ou mágico.
De fato, o que move as manifestações religiosas é o sobrenatural. Ele é 
o princípio ativo que mobiliza os seres humanos como reação a “[...] tudo 
aquilo que escapa aos sentidos do homem, que foge à compreensão humana, 
a observação e ao entendimento” (MARCONI; PRESOTTO, 2001, p. 152). Está 
além da dimensão humana e é “[...] considerado o cerne da religião, a base 
dos sistemas religiosos” (MARCONI; PRESOTTO, 2001, p. 152). Eles podem 
ser imaginados pelo ser humano como seres, entidades, forças e alma dos 
mortos na forma de anjos, santos, demônios, fadas, espíritos, almas, mana 
ou espectros. Os seres residem em lugares diferentes; as forças, no universo, 
e as almas dos mortos ou espectros continuam membros da sociedade.
Em todas as expressões religiosas, encontramos os cultos com variações 
estruturais, organizacionais e de realização em todas as épocas e os lugares. 
De acordo com Marconi e Presotto (2001, p. 153), os objetos sagrados que 
compõem o culto são “[...] adorados, venerados ou utilizados nos rituais... 
compreende imagens, objetos rituais, máscaras etc.”. A representação dos 
deuses egípcios ou dos orixás do candomblé são exemplos de imagens usados 
no culto. Já os atabaques e colares nas religiões africanas são exemplos de 
objetos rituais. As máscaras “[...] simbolizam autoridade, prestígio ou tem 
efeitos medicinais” e são “usadas como disfarce nos mais diversos rituais” 
como a Diablada no Peru e as máscaras tradicionais em algumas religiões 
africanas (MARCONI; PRESOTTO, 2001, p. 153).
No geral, as formas de ritual possuem variações conforme a organização 
e o tipo de culto, “[...] consistem em atos religiosos como rezar, cantar, dançar 
aos deuses, ofertar coisas, fazer sacrifícios” (MARCONI; PRESOTTO, 2001, p. 153). 
O autores realçam três formas principais de ritual: as orações, as oferendas 
O fenômeno religioso e o surgimento da vida religiosa 3
e as manifestações. Há rituais com cânticos e danças nos rituais para chover, 
para plantio, colheita, contra epidemias, etc. Nos rituais, também há, pan-
tomimas, rogações e atos de magia. Outro tipo de rito comum entre muitas 
manifestações do fenômeno religioso são os ritos de passagem (ou transição). 
Esses ritos aparecem “[...] quando ocorrem importantes modificações no status 
social” (MARCONI; PRESOTTO, 2001, p. 153), como por ocasião do nascimento, 
da puberdade, do matrimônio e da morte.
Nas religiões, nenhum ritual, culto, rito e cerimônia pode ser realizado 
sem levar em conta os oficiantes, pessoas preparadas e consagradas, muitas 
vezes, desde tenra idade para ocupar esses cargos. Podem ser sacerdotes, 
como os sacerdotes brâmanes, na Índia; reis divinos, como o Dalai-Lama, que 
é rei-sacerdote do Tibete; chefes ou ministros religiosos, como ou pajé e o pai 
de santo no Candomblé; especialistas, como os xamãs entre os Trobriandeses; 
e Oráculos, como Oráculo de Delphos.
Os locais de realização das celebrações cúlticas, ritualísticas e cerimonias 
são chamados de santuário. Consideradas sagradas, essas construções é onde 
se queimam incensos, acendem velas e são realizadas orações. De acordo 
com Marconi, Presotto (2001, p. 158, acréscimo nosso):
[P]odem estar vazios, abrigar objetos de culto ou se constituir na morada fixa ou 
temporária de deuses e espíritos. Templos, casas, cidades, sepulturas, estábulos, 
árvores, objetos, pedras, animais e até cacos de cerâmica podem ser considerados 
santuários. [...] [Além do santuário, existem] locais e acidentes geográficos que 
constituem a morada definitiva ou temporária de espíritos ou deuses. [...] [São 
os lugares sagrados.] Montes, picos de montanhas, rochas, bosques, árvores, 
rios, lagos podem ser considerados sagrados, e, às vezes, até o caminho por onde 
passou um rei divino (Tibete).
Entre os dois domínios que habitam as sociedades primitivas, o sagrado 
e o profano, Marconi e Presotto (2001, p. 164, grifos e acréscimos nossos) 
alertam que não pode haver confusão entre religião e magia, uma vez que 
“[...] a religião implica a crença em seres espirituais, deuses, o sobrenatural, 
sendo a oração a técnica usada pelos adeptos para relacionar-se com eles [...] 
[enquanto] a magia não recorre aos seres espirituais, [mas vale-se] de técnicas 
para controlar os poderes sobrenaturais”. Outra diferenciação é o caráter 
das atitudes, enquanto “[...] a atitude religiosa é de humildade, submissão, 
reverência e adoração [...] [a atitude do mestre da magia]é de arrogância e 
autoconfiança, de compulsão, ou seja, coação sobre as forças da natureza 
(animismo, animatismo)” (MARCONI; PRESOTTO, 2001, p. 164, acréscimo nosso).
O fenômeno religioso e o surgimento da vida religiosa4
Para Marconi e Presotto (2001, p. 162) “[...] a magia, da mesma forma que 
a religião, deriva da crença na existência de poderes sobrenaturais, só que 
faz apelos aos espíritos”. As ideias de métodos e influência, em Kessing, 
de controle do sobrenatural, em Hoebel e Frost, e de conjunto, em Mauss, 
caracterizam a magia como “[...] tipo de técnica para controlar a natureza, a 
fim de obter coisas ou precaver-se contra forças misteriosas [...] praticada 
por alguns indivíduos, com objetivo específico” (MARCONI; PRESOTTO, 2001, 
p. 162). As manipulações do feiticeiro, ou mago, sobre os poderes sobrena-
turais são feitas por meio de “[...] ações, objetos mágicos e fórmulas verbais 
apropriadas (encantamentos), os quais têm poderes intrínsecos ou estes lhes 
são atribuídos pelo mágico” (MARCONI; PRESOTTO, 2001, p. 162).
Existem vários tipos de magia: a magia analógica (ou imitativa), a 
magia contagiosa e a magia simpática. Essas três formas são as mais 
comuns. Seja na crença em produzir um efeito sobre o ser humano ao simular, 
em um objeto, o que se queira que ocorra com a pessoa (magia analógica); seja 
na crença de contágio no ser humano quando em contato com as coisas, em que 
o dono é atingido pelo objeto (magia contagiosa); seja no exercício de influência 
sobre o outro por meio do poder mágico (simpatia), a magia está presente em 
vários fenômenos religiosos no mundo.
Outra característica importante da magia é a possibilidade de “[...] ser 
empregada com a finalidade de proteger o indivíduo ou grupo, em determi-
nadas circunstâncias: na guerra, na caça, em viagem, nas plantações, nos 
negócios, no amor etc.” (MARCONI; PRESOTTO, 2001, p. 163). Com relação às 
designações de magia branca e negra associando-as aos adjetivos benéficas 
e maléficas, respectivamente, para além dos preconceitos associadas à cor, 
é importante observar que “[...] nem sempre há muita diferença entre elas” 
(MARCONI; PRESOTTO, 2001, p. 163), podendo ser simultaneamente maléficas 
e benéficas.
O reconhecimento da universalidade do fenômeno religioso no tempo e 
no espaço denota o quão importante são as formas de olhar para a diver-
sidades das múltiplas manifestações religiosas. Todas elas têm mais em 
comum entre si do que se supunha. Portanto, distanciar-se de concepções 
com pretensões à hierarquização dos fenômenos religiosos contribui para a 
superação da intolerância religiosa e para o desenvolvimento de uma cultura 
de diálogo inter-religioso, principalmente em uma sociedade com a presença 
do pluralismo de religiões.
O fenômeno religioso e o surgimento da vida religiosa 5
Investigação antropológica do fenômeno 
religioso
Agora, vamos nos aprofundar nas teorias que abordam o fenômeno religioso 
a partir de um fio condutor: as causas de suas origens. As teorias psicológicas 
e sociológicas foram largamente utilizadas para explicar o surgimento da vida 
religiosa. Porém, há várias outras teorias formuladas pelos antropólogos e 
cientistas de outras áreas do conhecimento que também se debruçaram no 
estudo do fenômeno religioso. 
Há, segundo Ribeiro (2019), cinco campos de interesse dos estudos da 
religião. As teorias são de orientações humanistas, psicológicas, sociológicas, 
político-econômicas e antropológicas. Elas também podem ser classificadas 
como teorias reducionistas e teorias não reducionistas. As teorias reducio-
nistas são divididas em (RIBEIRO, 2019): 
 � a religião como projeção subjetiva, em Feuerbach; 
 � a religião como alienação, em Karl Marx; 
 � a religião como neurose, em Freud; 
 � a religião como sistema de controle social, em Voltaire; 
 � a religião como projeção social, em Durkheim; 
 � a religião como sistema sociocultural, em Weber (sistema cultural) e 
em Geertz (funções social e psicológica); 
 � a religião como violência; 
 � a religião como texto.
Por sua vez, as teorias não reducionistas da religião são classificadas, por 
Mircea Eliade, em duas categorias: a primeira como “a obsessão das origens”, 
ligada às ideias de origem e de constituição da religião; e, a segunda, como 
“eliadiana” (RIBEIRO, 2019). 
As teorias que investigam o fenômeno religioso a partir de suas origens são 
as teorias psicológicas e teorias sociológicas. As teorias psicológicas tentam 
“[...] explicar a religião tomando por base os sentimentos, uma vez que ela 
impregna o pensamento e as emoções das pessoas” (MARCONI; PRESOTTO, 
2001, p. 160). Entre as teorias psicológicas, temos: 
 � mito natural; 
 � animismo (alma); 
 � animatismo; 
O fenômeno religioso e o surgimento da vida religiosa6
 � manismo; 
 � magia; 
 � totemismo.
Diferentes e divergentes das teorias psicológicas, as teorias sociológicas 
da religião entendem a religião como fenômeno social, coletivo. Dukheim, 
Fustel de Coulange, R. Smith, Marcel Mauss e Radcliffe-Brown são seus prin-
cipais teóricos. A teoria sobre o sagrado e profano, elaboradas por R. Smith 
e Durkheim, é a principal teoria sociológica da religião.
O sagrado e o profano
Segundo Malinowski (1984, p. 19), no estudo das sociedades primitivas, foram 
identificados “[...] dois domínios perfeitamente distintos, o sagrado e profano; 
por outras palavras, o domínio da magia e da religião e o da ciência”. Tudo 
aquilo, na vida prática, ligado ao sagrado era feito com “[...] reverência e temor, 
rodeados de proibições e normas especiais de comportamento” (MALINOWSKI, 
1984, p. 19). Era o campo da vida ligado ao sobrenatural, com destaque para 
a magia. Por outro lado, no campo do profano, há a observação sistemática, 
que conduziu, mesmo entre os primitivos, à produção de conhecimento, ainda 
que rudimentar e arcaico, de arte ou ofício, em que a capacidade racional 
e o discernimento promoveram acúmulo de saberes cuja regularidade nos 
ajudou no suprimento da vida. 
Na busca por uma teoria central no estudo do fenômeno religioso, há, 
atualmente, entre os antropólogos, a utilização das teorias psicológi-
cas e sociológicas, como Malinowski demonstra na obra Magia, ciência e religião 
(1984). Nessa obra, o antropólogo apresenta como se deu, cronologicamente, 
o desenvolvimento das bases teóricas do estudo antropológico da religião.
Animismo
Quando fundamenta que o começo da vida religiosa tem uma estrutura 
fundada no animismo, Malinowski (1984, p. 20) cita que foi Edward Tylor quem 
estabeleceu “[...] as bases do estudo antropológico da religião”. Nessa crença, 
os homens primitivos tiveram de se deter em temas importantes, como a 
O fenômeno religioso e o surgimento da vida religiosa 7
separação entre corpo e alma e a imortalidade da alma e seu poder sobre os 
seres vivos após a morte. Além disso, associavam a existência da alma aos 
seres e objetos animados.
Essa teoria foi criticada por estudos etnográficos que demonstraram que 
“[...] o selvagem estava mais interessado no que pescava e no que cultivava 
[...] do que matutar em sonhos e visões” (MALINOWSKI, 1984, p. 20). Foi de Sir 
James Frazer (1982) a formulação de uma concepção mais ampla no estudo 
antropológico do começo da vida religiosa. Ele formulou três problemas 
principais: 
1. a magia e sua relação com a religião e a ciência; 
2. o totemismo e o aspecto sociológico da fé primitiva; 
3. os cultos de fertilidade e vegetação.
Animatismo
Em O ramo de ouro, Frazer (1982) assevera que o homem primitivo, percebendo 
a impossibilidade do uso da mágica no controle direto sobre os fenômenos 
da natureza, passou a pedir ajuda para seres sobrenaturais, diferenciando 
magia (controle direto da natureza) de religião (controle indireto da natureza), 
por meio dos seres superiores (MALINOWSKI, 1984).
A diferenciação entre magia e ciência foi a teoria na qual se assentaram os 
estudos antropológicos modernos da religião, cujos expoentes foram Preuss, 
Marret e Hubert e Mauss,que, na formulação de suas teorias, ora refutavam 
Frazer, ora concordavam com suas proposituras na aproximação que fez entre 
magia e ciência. Ao demonstrar as divergências conceituais entre magia e 
ciência, os pensadores mencionados demonstraram que a ciência: 
[...] nasce da experiência [...] é norteada pela razão e corrigida pela observação [e 
se] assenta na de forças naturais [...] [ao passo que a magia] é construída através 
da tradição [...] é oculta, ensinada através de misteriosas iniciações [...] transmi-
tidas hereditariamente [...] desponta na ideia de um determinado poder místico 
e impessoal, em que a maior parte dos povos crê (MALINOWSKI, 1984, p. 21–22, 
acréscimo nosso).
Malinowski (1984, p. 22) afirma que tanto entre os aungquiltha quanto 
entre os wakan, orenda manitu, esse poder é denominado mana. Essa ideia 
é tratada por eles como “[...] quase universal, detectável onde quer que a 
magia prospere [...] uma crença numa força sobrenatural e impessoal [...] 
originam toda a série de acontecimentos realmente importantes no domínio 
O fenômeno religioso e o surgimento da vida religiosa8
do sagrado”. Assim, a essência da religião pré-anímica foi o mana. A explicação 
do conceito de mana se dá a partir do enfoque das teorias sociológicas, em 
que Durkheim (1965) associa mana com o totemismo.
Totemismo
A relação entre pessoas aparentadas e que fazem parte de um mesmo grupo 
com objetos naturais ou artificiais foi uma teoria construída por Frazer para 
demonstrar as práticas realizadas por determinados grupos e seus respec-
tivos e específicos sistemas de sentidos religiosos. O totemismo associa o 
interesse pela natureza e o desejo de controlá-la, de maneira menos intensa, 
o desejo de controlar objetos inanimados e aqueles fabricados pelos homens. 
Eles queriam exercer controle, especificamente, segundo Malinowski (1984, 
p. 22–23, acréscimo nosso), sobre:
[...] espécies de animais e plantas utilizadas como principal alimento ou de qualquer 
modo comestíveis ou como animais ornamentais, é atribuída uma forma especial 
de “reverência totémica”. [...] [Socialmente, o totemismo] consiste na subdivisão 
da tribo em unidades menores, que em antropologia se designam por clãs, tribos, 
sibs ou fratrias.
Dessa forma, não se trata do filosofar sobre sonhos e alucinações, mas, 
sim, do “[...] misto de ansiedade de caráter utilitário em relação aos objetos 
mais necessários” (MALINOWSKI, 1984, p. 23) à sua sobrevivência enquanto 
grupo. Nessa atitude totêmica, compreende-se que “[...] a religião primitiva 
estaria mais próxima da realidade e dos interesses imediatos da vida prática 
dos selvagens do que parecia na faceta ‘anímica’” (MALINOWSKI, 1984, p. 23). 
Assim, os primitivos, ao se associarem em clãs, revelaram a notabilidade 
do “[...] aspecto sociológico em todas as formas primitivas de culto [...] o 
selvagem encontra-se na dependência do grupo [...] tanto no que se refere 
à cooperação prática como à solidariedade mental” (MALINOWSKI, 1984, p. 
23). Com isso, Malinowski (1984) demonstra a relação próxima entre cultos e 
rituais primitivos com os anseios práticos da manutenção da sobrevivência, 
bem como com a satisfação de necessidades mentais.
Religioso e social
Essa linha de pensamento era a mesma que Robertson Smith, pioneiro da 
antropologia da religião, já desenvolvia na elaboração de suas teorias. Mali-
nowski (1984, p. 23) informa que o princípio que R. Smith seguia era o de “[...] 
O fenômeno religioso e o surgimento da vida religiosa 9
que a religião primitiva ‘era essencialmente uma questão da comunidade 
e não dos indivíduos’ e se tornou um Leitmotiv da investigação moderna”. 
Durkheim (1965) constata que o religioso é convergente (igual) ao social. Da 
mesma forma, entende que o princípio totêmico é convergente com o mana 
e as divindades do clã. Esse pensamento teve influência nos teóricos Jane 
Harrison e Cornford.
Cultos de vegetação e fertilidade
Nos estudos da religião, ainda nos falta abordar os cultos de vegetação e 
fertilidade na contribuição de Frazer. Conforme Malinowski (1984, p. 24), a 
partir do ritual do bosque de Nemi na obra O ramo de ouro, Frazer demonstra 
a variedade de cultos mágicos e religiosos idealizado pelos homens com a 
finalidade de:
[...] controlar o trabalho de fertilização dos céus e da terra; do sol e da chuva, 
deixando-nos a impressão de que a religião primitiva pulula de forças da vida 
selvagem, com a sua beleza e crueza, com sua exuberância e um vigor tão violentos 
que de vez em quando originam atos suicidas de autoimolação.
Experiências da morte nas sociedades primitivas
A morte tem uma importância especial entre os primitivos, uma vez que é “[...] 
um passo para a ressurreição” (MALINOWSKI, 1984, p. 24). Essa relação morte-
-ressurreição, decadência-renascimento, é denominada perspectiva vitalista 
da religião. Crawley, Van Gennep e Jane Harrison evidenciaram que “[...] a fé e 
o culto emergem das crises da existência humana” (MALINOWSKI, 1984, p. 24). 
A vida, em sua especificidade, que compreende concepção, nascimento, 
adolescência, casamento e morte, tem reverberação na religião, uma vez 
que a religião se ocupa da sacralização desses aspectos da vida. A aflição 
da escassez involuntária e as fortes experiências afetivas movimentam-se 
em direção ao culto e à crença. É o desejo irrealizado que está na origem da 
arte e da religião, segundo Harrison (apud MALINOWSKI, 1984). 
Conhecimento e magia primitivos
Ao tratar do problema do conhecimento primitivo, conforme indica Mali-
nowski (1984), há inúmeros autores, com destaque para as inferências de 
Lévy-Bruhl, que afirmaram que os nativos primitivos estavam integralmente 
mergulhados em um estado de espírito místico, sem capacidade de abstração 
O fenômeno religioso e o surgimento da vida religiosa10
nem de raciocínio. Discordando radicalmente deles, aparece J. L. Myres, que 
apresenta o aspecto racional aplicado pelo primitivo ao seu cotidiano como 
independente do sagrado. Exemplo disso seriam as “[...] tribos melanésias 
e papua-melanésias da Nova Guiné Oriental e arquipélagos circundantes” 
(MALINOWSKI, 1984, p. 29), que demonstram que há atividades econômicas 
e de produção. Os melanésios não são dominados pela magia, mas detêm e 
utilizam conhecimento empírico e racional. Eles conseguem produzir colheitas 
suficientes e, ainda, armazenar reservas. Junto a isso, temos a magia: “[...] uma 
série de ritos executados anualmente nas hortas, em estreita observância 
da sequência e da ordem” (MALINOWSKI, 1984, p. 29). A liderança do trabalho 
hortícola está nas mãos do feiticeiro.
A magia é indispensável para o êxito nas atividades agrícolas. O nativo sabe 
da importância do conhecimento racional e previsível, mas também conhece 
os agentes e as forças que são imprevisíveis e fora de sua governabilidade, 
causas externas incontroláveis pela ação humana. Para controlá-los, recorre à 
magia. Os primitivos se viam, ao mesmo tempo, em duas situações inusitadas 
e cartesianamente delineadas: a possibilidade do controle (pela via racional) 
e a incapacidade sobre o incontrolável (apelo à magia). Daí encontramos as 
conotações sociais do trabalho e as conotações sociais do ritual, ambas na 
função do feiticeiro. Tanto os sujeitos pré-lógicos quanto os lógicos não se 
despojam de seu conhecimento ou de sua razão para se apegar à segurança 
e ao conforto da magia. Porém, a magia está presente, mesmo que haja co-
nhecimento e domínio das técnicas do trabalho, nos locais ou nas situações 
que representem perigos e incertezas, justamente para garantir segurança 
e bons resultados. Tudo a “[...] fim de dominarem os elementos do acaso e 
da sorte” (MALINOWSKI, 1984, p. 32), cujas fronteiras da dualidade de causas 
(naturais e sobrenaturais) é tênue.
Saúde e patologias
A saúde é o estado natural para os melanésios, conforme Malinowski (1984), 
e a morte natural faz parte da vida; porém, entendem que as mortes não 
naturais se devem à feitiçaria, e o destino dasalmas dos falecidos percorrem 
direções diferentes. Para eles, as doenças podem ser tratadas, mas a morte 
é considerada um fenômeno incontrolável, então sujeito à destruição do 
corpo, como a morte por velhice, por exemplo. 
Estamos, de novo, na esfera do controlável e do incontrolável como ori-
gem do fenômeno religioso. Além da causa natural do padecimento menor e 
maior, “[...] há o domínio da feitiçaria na qual é-lhe atribuída a maior parte dos 
O fenômeno religioso e o surgimento da vida religiosa 11
casos de doença e morte” (MALINOWSKI, 1984, p. 33). Porém, havia um filtro 
segundo o qual os primitivos designavam o que era feitiçaria ou causa natural 
(a perspectiva pessoal) como tendência afetiva daquele que é diretamente 
afetado pela saúde e morte.
De qualquer forma, dos “selvagens” primitivos ao mais racional dos homens 
civilizados, “[...] a saúde, a doença, a ameaça de morte pairam numa neblina 
emocional incerta” (MALINOWSKI, 1984, p. 34), e todos se beneficiam ora do 
conhecimento, ora da magia. Agarram-se, porém, a última sempre que têm 
de reconhecer a impotência de seu conhecimento e de sua técnica racional, 
caracterizando uma validade universal. A lógica dos primitivos pode ser 
assentada nas dualidades substância e atributo, causa e efeito, fundamental 
e secundário. “Tudo isso levaria exatamente à mesma conclusão: o homem 
primitivo é capaz de observar e pensar, e possui, integrados na sua linguagem, 
sistemas de conhecimento metódicos, só que rudimentares” (MALINOWSKI, 
1984, p. 35). Malinowski (1984) conclui que existem, nas comunidades primitivas, 
os princípios da ciência, mesmo que rudimentares.
Fenômeno religioso no domínio do sagrado
Ao tratar do domínio do sagrado, Malinowski (1984) afirma que ele não é exclu-
sivamente “veneração do espírito” nem “culto dos antepassado”, nem “culto da 
natureza”. Embora possua elementos do animismo, animatismo, totemismo e 
fetichismo, de acordo com Malinowski (1984, p. 39), não é exclusivamente nenhum 
desses ismos: “A religião não se prende a qualquer objeto ou classe de objetos, 
embora ocasionalmente possa tocar ou venerar todos”. Malinowski (1984), ao 
tratar dos atos criadores da religião, demonstra que ela está relacionada com 
fases fisiológicas da vida humana. Mas, não só isso, inclui também “[...] suas 
crises, como a concepção, a gravidez, o casamento e a morte, [que] constituem o 
núcleo de inúmeros ritos e crenças” (MALINOWSKI, 1984, p. 40, acréscimo nosso). 
O formalismo e o ritualismo são estabelecidos no início da vida a partir de 
complicados entrelaçamentos entre crenças e ritos. Na concepção, há ritos 
cuja finalidade é em favor da vida no parto, evitando a morte. Já na cerimônia 
sobre o nascimento, o ato da apresentação não tem finalidade específica, 
apenas o ato em si, o fim em si, então a comemoração, apenas, uma espécie 
de ação de graças. O rito na concepção e a celebração no nascimento permite-
-nos distinguir magia de religião: “[...] enquanto no ato mágico a ideia e o 
objetivo subjacentes são sempre claros, evidentes e definidos, na cerimônia 
religiosa não existe qualquer objetivo vocacionado para um determinado 
acontecimento subjacente” (MALINOWSKI, 1984, p. 41).
O fenômeno religioso e o surgimento da vida religiosa12
Cerimônias de iniciação
As cerimônias de iniciação permitem compreender a lógica na religião pri-
mitiva. Após passar por um período logo de (1) reclusão para a preparação, 
inicia-se (2) a iniciação propriamente dita, com várias provas; em seguida, 
passa pelo processo do (3) ato de mutilação do corpo. Segundo Malinowski 
(1984, p. 41), “A prova está normalmente associada à ideia de morte e renas-
cimento do iniciado, que por vezes tem de desempenhar uma representação 
mimética”. No segundo momento, há “[...] a instrução do jovem no mito e 
tradição sagrados” (MALINOWSKI, 1984, p. 41). Conforme o autor, para além 
da prova e do ensino da tradição, esse é um rito de passagem para o estado 
adulto, no qual:
[...] o jovem toma conhecimento das tradições sagradas sob condições de preparação 
e provação extraordinariamente impressionantes, e, à mercê do poder sancionatório 
de seres sobrenaturais — a luz da revelação tribal projeta-se sobre ele, afastando 
as sombras do medo, da privação e da dor física (MALINOWSKI, 1984, p. 42).
A naturalização desses procedimentos na tradição fortalece a coesão do 
grupo, afastando o risco de desagregação e desaparecimento existencial. Para 
Malinowski (1984, p. 43), “[...] a fidelização à tradição é a mais importante, e 
uma sociedade que torna sagrada a sua tradição conseguiu uma incalculável 
superioridade de poder e continuidade”. A sacralização das crenças e práticas 
e sua consequente rotulação sob a insígnia do sobrenatural se tornam “[...] 
um ‘valor de sobrevivência’ para o tipo de civilização em que se tenham de-
senvolvido [...] serve para imprimir nas mentes de cada geração esse poder 
e esse valor” (MALINOWSKI, 1984, p. 43), mantendo a tradição que permite a 
coesão social da tribo.
A religião faz a “sagração de uma crise da vida” e, mais que isso, ao 
associar um dos aspectos naturais de maturidade de um indivíduo, 
demarcando no tempo, à transposição da transição de um fato fisiológico 
individual para uma transição social:
[...] acrescenta à maturidade física a vasta concepção de entrada na idade adulta, 
com seus deveres, privilégios, responsabilidades, acima de tudo, com o seu conhe-
cimento da tradição e a comunhão com coisas e seres sagrados. [...] [Há, nesses ritos 
religiosos, um processo criativo, que] determina não só um acontecimento social 
na vida do indivíduo, mas também uma metamorfose espiritual, ambos associa-
dos ao fenômeno biológico, mas transcendendo-o em importância e significado 
(MALINOWSKI, 1984, p. 43, acréscimo nosso).
O fenômeno religioso e o surgimento da vida religiosa 13
Propagação e nutrição
Malinowski (1984) elenca, ainda, a propagação e a nutrição entre as preocu-
pações vitais do homem. O ato sexual é considerado uma das principais fonte 
da religião, pois a continuidade desse ato, uma vez sacralizado, proporciona 
continuidade e preservação do grupo. Dessa forma, as celebrações cúlticas 
sexuais “[...] exprimem uma atitude de reverência para com as forças da 
geração e da fertilidade no homem e na natureza” (MALINOWSKI, 1984, p. 
44–45). Além disso, permite o ideal de castidade e a santificação da ascese. 
A nutrição, por sua vez é um “[...] ato rodeado de etiqueta, de prescrições e 
proibições especiais e de uma tensão emocional geral” (MALINOWSKI, 1984, p. 45). 
O aspecto religioso em torno dos alimentos, que ultrapassa a aquisição, a mul-
tiplicação e o armazenamento deles, é repleto de cerimônias. As comunidades 
expressam alegria na Providência, e, pela religião, estabelecem reverência ao valor 
do alimento, que ultrapassa suas características alimentares. É pelos alimentos 
que o homem primitivo percebe o ambiente que lhe rodeia e que lhe fornece, 
providencialmente, condições de sobrevivência. É o germe que, nas religiões mais 
evoluídas, “[...] dará origem à sensação de dependência da Providência, de gratidão 
e de confiança nela” (MALINOWSKI, 1984, p. 45). As atitudes de reverência feitas 
por meio do sacrifício e da comunhão providenciam a distribuição de alimentos.
Totemismo como coesão
Em continuidade ao tema da nutrição, a seletividade na escolha de alimentos 
pelo selvagem demonstra os interesses, os impulsos e as emoções de uma 
tribo, que se desdobram em um sentimento de natureza social (MALINOWSKI, 
1984). O anseio para controlar as espécies perigosas levam à fé no poder sobre 
elas. É “[...] na espécie, na afinidade com ela, numa essência comum entre 
homem e animal ou planta” (MALINOWSKI, 1984, p. 48–49).
Para Malinowski (1984, p. 49), o totemismo “[...] consiste num sistema de 
cooperação mágica, numa série de cultos práticos, cada qual com a sua base 
social, mas tendo todos um fim comum: proporcionar abundância à tribo”. O 
caráter compensatório do totemismo

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