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EPISTEMOLOGIA 
DO FENÔMENO 
RELIGIOSO
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
 > Descrever o papel da transcendência e da imanência na experiência religiosa.
 > Diferenciar experiência religiosa de experiência mística na história das 
religiões.
 > Conceituar o sagrado a partir da cosmovisão de uma experiência religiosa, 
inter-religiosa e não religiosa.
Introdução 
Todo ser humano é um ser de e para a experiência que o conecta diretamente com 
a vida vivida. A experiência religiosa é parte dessa conexão e tende a compor a 
cosmovisão pela qual as pessoas orientam suas vidas, seja ela orientada para a 
transcendência ou para a imanência. Porque as pessoas vivem realidades dife-
rentes, também suas experiências são distintas, inclusive a religiosa, por isso o 
esforço para entendê-las em seu contexto vital e longe de uma uniformização que 
é enganosa. A experiência que pode ser aproximada em sua realização é a mística, 
mas ainda assim ela precisa ser reconhecida conforme os objetos e cosmovisões 
que a circundam, promovem e explicam. A complexidade da experiência religiosa é 
mais percebida quando observamos que diferentes cosmovisões podem promovê-
-la, sejam elas inter-religiosas e não religiosas.
Neste capítulo, você estudará sobre a experiência religiosa, o que ela é e 
de que modo pode se falar de experiência religiosa transcendente e imanente. 
Usando os recursos do estudo metodológico comparado, você perceberá que 
a experiência religiosa é representada de várias maneiras, sendo fundante de 
A experiência 
religiosa
Sidney de Moraes Sanches
qualquer cosmovisão religiosa. Diferenciar a experiência mística nesse ambiente 
é importante para entendermos o que ela propõe ao ser humano. Além disso, 
você estudará o sagrado conforme percebido em uma tipologia das cosmovisões 
religiosa, inter-religiosa e não religiosa.
Transcendência e imanência na experiência 
religiosa
Experimentar é o que nós, seres humanos, fazemos por meio do corpo no 
mundo onde vivemos. É o resultado de nossa ação, livre e voluntária. Por isso, 
dizemos que cada ser humano é um ser de e para a experiência. Portanto, é 
importante, para isso, a consciência do corpo existindo em um lugar e em um 
tempo e de como a percepção dessa existência no corpo permite conhecer 
o que quer que seja.
Experimentamos as coisas como parte de nossa condição humana marcada 
pela provisoriedade e mudança. Longe de ser acabado, pronto e definitivo, o 
ser humano é um ser de tentativa. Nas condições de tentativa, todo autoco-
nhecimento é, de fato e por experimentação, provisório, relativo ao processo 
mesmo da experimentação e passível de revisão e de correção em qualquer 
tempo. E as alternâncias de experiências mostram que o ser humano não 
se compreende como o mesmo e nem a experiência como mesma durante a 
sua existência inteira.
A experimentação das coisas e de si mesmo mostra que o ser humano 
está aberto e à procura de um encontro no qual ele se reconheça, seja capaz 
de se identificar, de dizer a si mesmo e para os demais quem ele é. Ele deseja 
se reconhecer como o sujeito que vê e sente as coisas que experimenta. A 
expressão do sujeito se dá por meio das coisas que lhe são próprias, seus 
interesses, metas, planos e gostos. A experiência do mundo diz respeito 
ao que o sujeito percebe, diz e se comporta, como exclusivamente sua. Na 
experiência do sujeito não importa o mundo em sua forma objetiva e factual, 
onde contam forma, volume, peso, as coisas. Importa, sim, a relação do sujeito 
com ele, e o meio para isso é a mente. Por meio dela, o mundo que está lá 
fora torna-se o mundo aqui dentro, e podem ser feitas várias coisas que são 
totalmente e exclusivamente do sujeito.
Assim é a experiência religiosa. A religião pode ser definida como uma 
entidade concreta, objetiva e claramente delimitada, como se fosse um objeto 
de estudo. Você pode apontar seu credo comunicado em uma infinidade de 
textos e manuais, ou oralmente, em uma longa tradição; sua liturgia, desde 
A experiência religiosa2
rituais simples aos mais complexos; sua história desde o fundador ou funda-
dora até sua disseminação para muitos lugares e suas transformações. Você 
pode comparar essa religião com outra religião estabelecendo as semelhanças 
e diferenças.
No entanto, isso não significa que você conhece a religião, uma vez que 
essa é uma propriedade do sujeito enquanto faz a experiência religiosa. Em 
geral, uma experiência religiosa é apresentada em termos de uma salva-
ção ou cura, apontando para alguma profunda necessidade humana, não 
importa como ela se manifeste. Cognitivamente, pode ser reportada como 
iluminação, entendimento, compreensão. Um mundo novo se abre ao sujeito 
dessa experiência (YANDELL, 2010). Mas também pode ser relatada como uma 
experiência visual e auditiva mental, não mediada pelos órgãos físicos: o olho 
e o ouvido. Em outros momentos, ela é introduzida por objetos físicos, mas 
com uma informação anexada considerada uma revelação ou comunicação 
espiritual fora ou contida no objeto.
Outro modo de representar a experiência religiosa é quando ela é men-
talmente significada pelo sujeito como uma crença ou fé religiosa. Uma 
representação mental intencional é a expressão do modo como pensamos 
sobre algo a partir de um pano de fundo previamente estabelecido em nossa 
mente. Nesse caso, o sujeito se orienta intencionalmente para e por deter-
minada experiência religiosa, de modo que quando ele fala religiosamente 
está falando de sua fé, isto é, a partir de sua fé. Nesse sentido, a fé é:
A relação de um indivíduo, ou de muitos indivíduos, com o transcendente divino, 
seja este conhecido como pessoal ou não-pessoal, como um ou como muitos, 
como moral ou não-moral, como benevolente ou exigente. A fé, neste sentido, 
inclui a experiência religiosa, o senso do numinoso, emoções religiosas de amor e 
reverência de esperança e temor, a disposição de adorar e o comprometimento por 
parte da vontade de servir uma realidade e um valor mais altos. Tudo isso é uma 
participação imediata, interior, pessoal, viva e existencial em um relacionamento 
experimentado com uma realidade maior, talvez infinitamente maior, e misteriosa 
que chamamos de Deus (SMITH, 2006, p. 11).
A experiência religiosa é orientada para a transcendência ou para a ima-
nência. Veja como pode ser isso a seguir.
A experiência religiosa orientada para a 
transcendência
Comumente, a experiência religiosa é considerada um ato humano de trans-
cendência. Transcender trata da elevação a algo superior em relação à posição 
A experiência religiosa 3
na qual se encontra quem usa a palavra. Trata-se de uma metáfora espacial 
com o sentido de: elevar-se, ultrapassar, colocar-se acima. Mas, o que é 
transcendido? Quando as pessoas usam essa palavra o fazem para falar 
de algo que vai além delas mesmas, seja para fora delas, seja para dentro 
delas. E, também, usam essa palavra para dizer de algo que está acima de 
sua experiência comum, cotidiana. Portanto, transcender diz da experiência 
humana de elevação um deslocamento de baixo para cima; de ir além, de 
ultrapassar certos limites condicionados pela própria experiência humana.
Transcendência é empregada com duas outras palavras: êxtase e su-
blime. O êxtase refere-se a algo incomum, extraordinário e sobrenatural. 
Tipicamente sensorial, ele produz arrebatamento, enlevo, encanto, como se 
à mente fossem oferecidas pelos sentidos as mais profundas impressões, 
percebidas a partir de experiências, conhecimentos e contatos impossíveis 
de se ter acesso em condições normais. O sublime identifica o sagrado ou o 
santo e sugere algo perfeito, o degrau mais alto em uma escada ascendente, 
por isso mesmo o objetivo, a meta da experiência religiosa. O sublime produz 
a sensação humana da incomunicabilidade por estar perante algo impossível 
de descrever, de imaginar e, ainda mais, de falar.
Em geral, a experiência religiosa sempre foi profundamente orientada 
para a transcendência, buscando a linguagem do sublime e do êxtase,toda-
via não exatamente como um salto ou fuga para algum lugar ou tempo, em 
busca de uma origem ou de um fundamento último e final. Nela, e por ela, 
se busca um encontro substancial e permanente para além da experiência 
humana cotidiana e transitória que a eleva, que a arrebata, que a esvazia e 
a preenche com novos sentimentos e sentidos, implicando um novo olhar 
sobre a própria experiência. Nela, e por ela, o sagrado ou santo ou sublime se 
apresenta entre a posse e o desapego, sem se dar ao domínio do ser humano 
e nem à sua representação em linguagem humana. Ele se dá e é recebido, 
exigindo apenas abertura e acolhimento.
Isso é representado por uma visão essencialista do ser humano no qual, 
conforme Tillich: “[...] a existência é, por assim dizer, tragada pela essência. 
As coisas existentes e os eventos são a atualização do ser essencial em um 
desenvolvimento progressivo” (1987, p. 261).
A experiência religiosa orientada para a imanência
Sendo assim, a imanência passou a ser o lugar da transcendência. Agora, pre-
cisamos entender o uso da palavra imanência. Em seu uso clássico, imanência 
é aquilo que permanece no sujeito enquanto ele está fazendo alguma coisa. 
A experiência religiosa4
Temos o uso de imanente como a experiência e atividade humanas feitas nos 
limites da experiência possível, nesse caso, em oposição à transcendente, 
que ultrapassa esses limites. E, ainda, temos o uso de imanente como a 
experiência e atividade humanas limitadas ao eu consciente. Em resumo, 
como diz Abbagnano (2007, p. 540), “[...] comum a esses três significados do 
termo é o conceito de imanente como tudo que, fazendo parte da substância 
de uma coisa, não subsiste fora dessa coisa”.
A experiência religiosa orientada para a imanência surge a partir da con-
cepção do ser humano como existindo ou sendo dotado de ser; participa da 
realidade percebida e pode ser encontrada nela. Por outro lado, diante do ser 
humano está a possibilidade de “não ser”, pois é dele que o ser emerge; ele 
tanto pode realizar sua plena existência quanto pode mergulhar no vazio de 
sua não existência. Por exemplo, existe a branquitude, mas ela somente se 
realiza na cor branca. Outro exemplo: existe a humanidade, mas ela somente 
se efetiva no ser humano. Superar as dificuldades, empecilhos e estruturas 
limitadoras que impedem o potencial humano de existir é a tarefa que o ser 
humano se propõe no mundo, e isso acontece quando a existência se une 
à essência.
Isso é representado por uma visão existencialista do ser humano que o 
considera alienado de seu verdadeiro potencial e, por isso, angustiado sob 
o peso de estruturas que impedem sua plena realização, precisando que 
sua vida seja reorientada para que encontre o pleno sentido (TILLICH, 1987).
Imanência diz respeito às coisas, pessoas e acontecimentos naquilo 
que tem começo, meio e fim neles mesmos. Por exemplo: é imanente 
à flor o fato dela nascer, desenvolver e morrer, esgotando a própria existência 
nesse processo. Pode-se dizer, assim, que a cosmovisão moderna se orienta 
para o imanente.
A transcendência na experiência religiosa: de 
Agostinho de volta a Platão
Em sua fase madura, há muito tempo bispo e pensador profundo, Agosti-
nho reflete sobre o conhecimento de Deus adquirido desde a sua primeira 
experiência religiosa. Ele diz estar certo de que ama a Deus, no entanto, de 
que maneira ele ama a Deus? Ele responde a partir de uma analogia entre os 
sentidos externos e os sentidos internos, dizendo:
A experiência religiosa 5
Não amo a formosura corporal, nem a glória temporal, nem a claridade da luz, tão 
amiga destes meus olhos, nem as doces melodias das canções de todo o gênero, 
nem o suave cheiro das flores, dos perfumes ou dos aromas, nem o maná ou o mel, 
nem os membros tão flexíveis aos abraços da carne. Nada disto amo, quando amo 
o meu Deus. E, contudo, amo uma luz, uma voz, um perfume, um alimento e um 
abraço, quando amo o meu Deus, luz, voz, perfume e abraço do homem interior, 
onde brilha para a minha alma uma luz que nenhum espaço contém, onde ressoa 
uma voz que o tempo não arrebata, onde se exala um perfume que o vento não 
esparge, onde se saboreia uma comida que a sofreguidão não diminui, onde se 
sente um contato que a saciedade não desfaz. Eis o que amo, quando amo o meu 
Deus (AGOSTINHO, 1999, p. 264).
Agostinho constrói dois mundos que se correspondem sensorialmente. 
Com as percepções obtidas dos órgãos físicos ele tem acesso a luz, sabores, 
cheiros, gostos e contatos. Mas, amar a Deus, para ele, é uma entrega da 
vontade, e ele não vê como entregar-se a esses belos prazeres trazidos pelos 
sentidos simplesmente porque está convencido de que a aparência externa 
do mundo não contém Deus. Mas, existe um outro mundo, correspondente 
ao externo, por ele chamado de homem interior, cuja verdade é maior que 
aquele. Tal como o homem exterior recebe as impressões do mundo externo 
por seus sentidos, assim o homem interior recebe as impressões de Deus em si 
mesmo. Introspectivamente, Agostinho pode relembrar o que aconteceu com 
ele quando encontrou a Deus: uma luz, uma voz, um perfume, um alimento 
e um abraço. Todavia, diferentemente das impressões do homem exterior, 
cujas impressões se desvanecem e se esvaem, estas do homem interior 
permanecem para sempre: uma luz que o espaço não contém, uma voz que o 
tempo não arrebata, um perfume que o vento não espalha, um sabor que não 
se acaba. Tudo aponta para a perpetuidade de uma experiência inesgotável 
naquilo que ela oferece a Agostinho.
Mas, se Agostinho ama a Deus, a qual Deus ele ama? Ele passa a procurá-lo 
até onde seus órgãos físicos podem alcançar: a terra, o mar e o ar. Apesar 
de tudo ser belo, ainda não eram Deus. Então, ele se voltou para seu mundo 
interior investigando a si mesmo e descobriu que era composto de duas 
substâncias: corpo e alma, sendo a alma a mais importante, pois os sentidos 
do corpo remetiam a ela suas impressões para que ela julgasse o que era 
verdadeiro. Todavia, a alma também não era Deus. Contudo, se do corpo 
vai-se até a alma, da alma vai-se até Deus que está acima da alma. Assim, 
diz Agostinho (1999, p. 266): “[...] pela minha própria alma hei de subir até 
Ele. Ultrapassarei a força com que me prende ao corpo e com que encho de 
vida o meu organismo”. Subindo até Deus, de degrau em degrau, Agostinho 
A experiência religiosa6
vai conhecendo a Deus, pois na memória estão as imagens verdadeiras que 
sendo contempladas lhe trarão a verdade eterna que ele buscou a vida inteira.
O modo como Agostinho compreendeu e apresentou sua experiência 
religiosa ocorrida na pequena Cassicíaco impressiona pela semelhança com a 
compreensão e apresentação platônica da realidade e do modo de conhecê-
-la. Platão as elaborou em sua conhecida Teoria das Ideias ou das Formas. 
Conforme ela, há uma distinção entre a aparência do mundo, percebida pelos 
órgãos sensíveis humanos, e a sua forma verdadeira, percebida somente 
pela alma. O acesso a esse mundo de formas verdadeiras é feito na medida 
em que, por um exercício racional da alma, elas vão sendo discriminadas e 
superadas, das inferiores até as superiores, subindo degrau por degrau, até 
chegar à forma perfeita. É um exercício perfeitamente intelectual que leva 
à verdade eterna, por Platão apresentada como: o bem, o belo e o justo. 
Contudo, em Agostinho não é o intelecto humano quem ilumina e permite o 
conhecimento, mas a luz divina que bondosamente lança seus raios sobre 
esse intelecto, como ele disse: “Tarde Vos amei, ó Beleza tão antiga e tão 
nova, tarde vos amei!... Brilhastes, cintilastes e logo afugentastes a minha 
cegueira!” (AGOSTINHO, 1999, p. 285).
A imanência na experiência religiosa: de Aquino de 
volta a Aristóteles
A filosofia aristotélica tratou de universalizar os raciocínios silogísticos em 
uma escala que ia da existência em categorias até o conceito mais universal 
possível sobre o ser: o ser enquanto ser, cujo conhecimento Aristóteles chamou 
metafísico. O ser é:essência e existência, necessidade e contingência, ato 
e potência. Além disso, ele possui forma, matéria, movimento e finalidade. 
Essa filosofia forneceu uma teologia natural para explicar as contínuas e 
sucessivas mudanças que ocorriam nos atributos do ser como causadas por 
outro até chegar à causa primeira, não causada, chamada Deus. A metafísica 
aristotélica foi usada por Tomás de Aquino tanto para construir a noção de 
um mundo que partia de Deus até a menor das criaturas inanimadas, como 
para guiar a mente humana para Deus até encontrá-lo como o único Deus 
na escala para além de todo ser. Assim, vai-se do mais sensível e particular 
ao mais abstrato e universal.
Santo Tomás não hesitou em assimilar a metafísica aristotélica ao afirmar 
que ainda que possamos pensar universalmente sobre as coisas, é somente 
na existência individual dessas coisas que é possível conhecer como elas são. 
Como ele disse: “[...] é necessário que a essência signifique alguma coisa de 
A experiência religiosa 7
comum a todas as naturezas pelas quais os diversos entes são classificados 
nos diversos gêneros e espécies” (TOMÁS DE AQUINO, 2008, p. 4-5).
Entretanto, ainda que os entes sejam muitos entre gêneros e espécies 
segundo suas naturezas, isso não significa que eles existam por si mesmos, 
mas que eles se vinculam a partir de uma hierarquia de causas até chegar a 
uma causa para todas as causas, ao primeiro ente que é a causa de todo ser, 
que é Deus. E, Deus, sendo causa de si mesmo, nele essência e existência o 
tornam tão-somente ser. Desse modo, em Deus estão todas as perfeições dos 
demais seres, e Ele as atribui a cada um conforme a bondade de sua vontade 
(TOMÁS DE AQUINO, 2008).
A experiência religiosa, nesse caso, a experiência de Deus, acontece na 
interação com as coisas em sua natureza comum de existência. E, de novo, 
Aquino usa a doutrina aristotélica, na qual a experiência surge da repetição das 
mesmas vivências percebidas pelos sentidos até que elas são definitivamente 
armazenadas na memória, e utilizadas pela Razão vez após vez sempre que 
necessário (ABBAGNANO, 2007). O ponto de partida se dá por aquilo que está 
mais próximo do ser humano que são as coisas existentes em seu mundo, por 
meio da identificação da sua essência, do que cada coisa é. Assim se inicia o 
processo linear de conhecimento que se eleva até o conhecimento da essência 
do ser universal, que é Deus, onde essência e existência estão unidas.
Mas, esse modo de explicar a experiência religiosa é ainda insuficiente, 
pelo simples fato de que não é possível a experiência direta de Deus visto 
ser ele inacessível à experiência humana comum e, então, à sua razão. Desse 
modo, Aquino retira a experiência religiosa do campo da experiência da dou-
trinação, dos afetos e mesmo da reflexão intelectual, para concentrá-la na 
fé como plena certeza resultante do que Deus revela sobre si mesmo. Desse 
modo, a experiência religiosa é a apreensão de algo fora da realidade comum 
humana, mas possível de ser vivenciada porque há na natureza humana algo 
que predispõe não somente para a busca, mas para a apreensão desse objeto. 
Outra vez, no caso especificamente de Aquino, esse objeto é Deus enquanto 
uma pessoa que manifesta seu desígnio no mundo e, por isso mesmo, pode 
ser apreendido nele.
A experiência religiosa8
Experiência religiosa e experiência mística 
na história das religiões
Cosmovisões religiosas
Antes de penetrar no entendimento da experiência religiosa, é importante 
entender como se constrói e como funciona uma visão de mundo, uma mun-
divisão ou uma cosmovisão religiosa, e, para isso, usaremos da contribuição 
fundante do filósofo alemão Wilhelm Dilthey. Segundo Dilthey (1992), uma visão 
de mundo, ou cosmovisão, brota da vida como sua raiz. Da reflexão sobre a 
vida nasce a experiência de vida. A vida vivida é aquela onde experiências 
comuns a todos se repete diariamente formando tradições que, com o passar 
do tempo, se tornam experiências gerais da vida. Estas dão ao ser humano 
uma sólida identidade que na mesmidade do seu eu permite que ele se 
reconheça e aos outros também.
Conforme Dilthey (1992), uma visão de mundo é regida por certos princípios. 
O primeiro deles são as disposições vitais, que são os ânimos reunidos pelos 
seres humanos perante os vários acontecimentos da vida. O segundo deles 
são as tentativas de solução do enigma da vida, onde a religião tem papel 
fundamental junto com a poesia e a metafísica. Trata-se de uma interpretação 
de mundo que visa dar-lhe significado e sentido. Quando uma compreensão 
da vida se torna ampla o suficiente para resolver o enigma da vida temos, 
então, uma visão de mundo ou cosmovisão.
Via de regra, a estrutura de uma mundividência é sempre a mesma e 
consiste em: 
[...] uma conexão em que, sobre a base de uma imagem cósmica, se decidem as 
questões acerca do significado e do sentido da vida e daí se deduzem o ideal, o 
sumo bem, os princípios supremos da conduta de vida (DILTHEY, 1992, p. 15). 
A primeira camada dessa estrutura, segundo Dilthey (1992), é a imagem 
de mundo, que dá origem à segunda camada quando a imagem de mundo se 
torna modeladora da valoração da vida e da compreensão do mundo. A partir 
de então a cosmovisão plasma, transforma e reforma o mundo.
São muitas e variadas as visões de mundo, tantas quantas são as condições 
de vida humana: clima, raça, a formação dos povos, épocas e tempos: Dilthey 
(1992, p. 17) afirma que:
A experiência religiosa 9
[...] a vida que brota em condições tão especializadas é muito diversificada, e assim 
é também o próprio homem, que apreende a vida. E a estas diversidades típicas 
acrescentam-se as dos indivíduos singulares, do seu meio e da sua experiência vital. 
As visões de mundo se encontram umas com as outras levadas pelos 
seres humanos, seus possuidores, e tendem a se chocar, se reconciliar, se 
superar e se impor uma à outra, quando não mesclando-se e gerando novas 
concepções de mundo.
Uma visão de mundo não nasce nem da ciência nem da filosofia, áreas da 
cultura destinadas ao trabalho disciplinado e orientado, mas da religião, da 
arte e da metafísica, regiões da cultura desinteressadas e livres para criar 
novos caminhos. No caso próprio da religião, uma cosmovisão religiosa nasce 
da conexão do ser humano com a vida. Essa conexão vital reside na distinção 
entre um mundo familiar ao ser humano, onde ele domina a natureza, e um 
outro mundo não tão familiar, desconhecido para ele, sobre o qual ele deve 
submeter-se, seja admitindo a existência de seres superiores aos quais deve 
submissão, seja aceitando a orientação de mediadores que o conduzam em 
meio a esse mundo desconhecido. Dessas relações nasce a magia, de onde 
procede o culto, sendo sua forma acabada a religião, que se desdobra em:
[...] lugares sagrados, pessoas santas, imagens de deuses, símbolos, sacramentos, 
constituem casos singulares dessa relação. significam na religião o que o simbólico 
significa na arte e o conceptual na metafísica. E a tradição, justamente graças à 
obscuridade da sua origem, transforma-se num poder de força excepcional, no 
seio da relação religiosa (DILTHEY, 1992, p. 23).
Essas ideias religiosas elementares, assim reunidas sob uma religião, 
constituem as mundividências religiosas, cuja essência se encontra na relação 
entre o visível e o invisível, um mundo inferior ou terreno e outro superior ou 
celestial, para a interpretação da realidade, às vezes em constante luta entre 
um e outro; na valoração da vida formando um ideal prático; no discurso 
simbólico para enunciação das ideias; nas doutrinas da fé para formalizar a 
tradição; nas práticas religiosas da oração e da meditação para possibilitar 
a comunicação com um ser superior.
Veja a apresentação da cosmovisão religiosa indígena apresentada 
pelo pajé Kizibi do povo Desana assistindo ao vídeo “Olhar indígena”, 
disponível na plataforma YouTube.
A experiência religiosa10
Cosmovisões religiosas brasileiras
O que dizer dasmundivisões religiosas dos povos originários e estabelecidos 
neste país que chamamos de Brasil? O que há de peculiar na conexão vital 
com a realidade local que forma e é comunicada nas cosmovisões religiosas 
brasileiras?
Temos, de início, duas características básicas ou ideias religiosas elemen-
tares fundantes: a crença em uma providência superior, isto é, a certeza de 
que o mundo e a vida são cuidados por Deus, para os católicos e protestantes, 
ou por deuses e espíritos, para os indígenas e africanos. E a crença de que 
o mundo e os fatos da vida podem ser alterados pela intervenção superior, 
considerada uma resposta direta e imediata a um pedido ou apelo dirigido 
a algum ou a alguns desses cuidadores.
Na base comum a essas crenças está outra que afirma a existência de 
multidões de espíritos, seres invisíveis subordinados e instrumentos dos 
seres cuidadores, que povoam o mundo junto com os seres humanos. Esse 
modo de pensar organiza o mundo e a vida sob o governo de seres pessoais 
e forças atuantes.
Seres pessoais são os espíritos separados em superiores, os quais existem 
para além da realidade material das pessoas, e inferiores, aqueles que estão 
mais próximos das pessoas e intervêm na sua realidade material. Fala-se de 
Deus, mas admite-se o contato com deuses e deusas regionais, fantasmas, 
mortos, demônios, espíritos maus, santos, etc.
Forças atuantes são impessoais e são relacionadas com o cotidiano das 
pessoas, como a sorte, o destino e poderes que podem decidir o que vai 
acontecer com alguém. Outras forças podem entrar em contato com as pessoas 
durante a sua existência e podem ser manipuladas em favor ou contra elas, 
como astros, amuletos, talismãs, magia, feitiços, etc.
A existência das pessoas está ligada a esses “seres” e “forças”, onde pro-
curam soluções para as doenças, fome, futuro incerto, direção em decisões, 
sorte no amor, como lidar com os espíritos. As pessoas tentam conquistar 
o favor de seres pessoais ou de forças atuantes, a fim de conseguir algum 
benefício próprio, imediato e particular, para si mesmas e para outras pessoas.
Todavia, o Cristianismo estabelecido via evangelização católica e protes-
tante fornece o ideal doutrinário, conceitual e moral dessas cosmovisões, 
em uma síntese não tão tranquila. Determinada pelo batismo cristão após 
a catequese, as cosmovisões religiosas vão mais além do estabelecido pela 
doutrina e organização religiosa cristã, distanciando-se pouco a pouco na 
medida em que inclui as ideias religiosas fundantes. Assim, crenças e prá-
A experiência religiosa 11
ticas religiosas cristãs são misturadas facilmente às formas não cristãs de 
religiosidade, como a indígena e a africana, resultando outras cosmovisões 
com traços indígenas-africanos-cristãos.
Tipologias da experiência religiosa
Cosmovisões religiosas surgem de experiências religiosas como seu elemento 
fundante. Contudo, uma experiência religiosa não é única nem unificada. Para 
descrevê-la, precisamos de uma tipologia da experiência religiosa, isto é, uma 
investigação comparativa quanto ao modo como as diversas cosmovisões 
religiosas propõem a vivência da fé religiosa a seus praticantes. O método 
comparativo nos ajuda a entender quão variados são os tipos e subtipos de 
experiência religiosa, conforme pode-se verificar segundo Yandell (2010), a 
seguir.
Experiências de iluminação
As experiências de iluminação são típicas de religiões como o Budismo, o 
Jainismo e o Hinduísmo vedanta. No Budismo, é chamada de Nirvana e des-
creve estados fugazes da consciência, até mesmo de sua suspensão total, e 
a quietude como consequência. No Jainismo, é chamada de Kevala, concen-
trada na perenidade do eu em meio às percepções breves da consciência. No 
Hinduísmo, vedanta é chamada Moksha a experiência que envolve a identifi-
cação do eu com Brama. Veja que todas sugerem a mesma experiência: uma 
autoconsciência a partir do despertamento do eu, mas cada uma difere no 
que diz respeito ao objeto e ao fim dessa iluminação.
Experiências do numinoso
As experiências do numinoso são particulares das religiões monoteístas como 
o Judaísmo, o Cristianismo e o Islamismo, comumente vinculadas à percepção 
de um Deus pessoal e autocomunicante. O sujeito experimenta o grandioso, 
espetacular, majestade e santidade de um ser vivo que desperta nele um 
sentimento de criaturidade e dependência, acompanhada de uma sensação 
de pecaminosidade, que gera arrependimento e adoração. Diferentemente 
das experiências anteriores, a experiência é feita fora do eu, não havendo 
nenhum grau de identificação o eu e a experiência.
A experiência religiosa12
Experiências da natureza
Também existem experiências da natureza na qual o sujeito se envolve percep-
tivelmente com algum elemento natural, normalmente de caráter autônomo 
e individual, desvinculada de tradições e práticas religiosas.
Tipologias dos objetos da experiência religiosa
Toda experiência religiosa possui ou é dirigida para um objeto, um algo com 
o qual ela se relaciona, e que se torna o centro de seu discurso também. O 
método comparativo nos ajuda a conhecer e identificar os muitos e variados 
objetos das diversas experiências religiosas. Veja, a seguir, a classificação 
apresentada por Webb (2017).
Experiências da iluminação
Nas experiências de iluminação típicas do Budismo, Jainismo e Hinduísmo, não 
há um ser distinto e separado como objeto da experiência religiosa, e sim um 
fato ou aspecto básico da realidade: brama, o eu, ou o vazio. Característica da 
tradição religiosa budista é a meditação a partir da concentração em algum 
objeto da realidade que está na mente em busca da sua superação até ver a 
verdadeira natureza da realidade.
Experiências do numinoso
Nas experiências do numinoso o objeto é o próprio Deus, entendido como um 
ser espiritual onipotente, onisciente, e onipresente, eterno e perfeitamente 
bom. A iniciativa da revelação é de Deus a pessoas por ele escolhidas para 
alguma tarefa, como Moisés, Jesus ou Maomé, os profetas, ou a pessoas que 
se esforçam por conhecê-lo, como os místicos e místicas.
Experiências da natureza
Nas experiências da natureza é difícil especificar um objeto, visto que, de 
modo geral, ele se encontra difuso e fluido ou concentrado em alguma parte 
ou aspecto natural, sem que seja caracterizado por algum traço identitário.
Experiência mística
Uma experiência religiosa peculiarmente incomum é a experiência mística. 
Por isso mesmo é bastante complicada uma definição, visto que ela comporta 
“[...] uma constelação de práticas distintas, discursos, textos, instituições, 
A experiência religiosa 13
tradições, e experiências objetivando a transformação humana” (GELLMAN, 
2019, documento on-line). De todo modo, é possível oferecer uma definição 
ampla e outra restrita de experiência mística.
Gellman (2019) explica a experiência mística como uma experiência per-
ceptiva que vai além dos sentidos e da introspecção comum, com ou sem a 
presença de reações físicas ou mentais, cujo resultado é a aquisição de um 
conhecimento de alguma realidade, seja Deus, seja o próprio eu, seja outro 
lugar. Dessa forma, toda experiência religiosa é uma experiência mística.
Por outro lado, uma definição restrita acrescenta um aspecto unitivo à 
experiência perceptiva, onde acontece a dissolução dos limites entre quem 
tem a experiência e o objeto experimentado, acontecendo uma união total com 
a erradicação de qualquer duplicidade ou multiplicidade. Essa é considerada 
a experiência mística exemplar, pois ela vai além do conceito de experiência 
religiosa enquanto relacionada a algum conteúdo ou contexto religioso.
A experiência mística na história das religiões
A partir da observação empírica comparativa da experiência mística, conforme 
compreendida e vivenciada nas diversas religiões, Gellman (2019) constrói a 
seguinte tipologia de suas características fundamentais: 
Extrovertida e introvertida
A experiência mística extrovertida é externa ao sujeito quando se dá a uni-
dadecom o mundo ao seu redor; enquanto a introvertida é interna ao sujeito 
quando a unidade é dirigida para a sua interioridade, gerando uma percepção 
de nulidade, vazio ou falta de percepção sensorial do mundo externo.
Dualista e monista
 A experiência mística dualista preserva a distinção, ainda que tênue, entre o 
sujeito e o que é desvelado a ele; enquanto a monista é unitiva dissolvendo 
a dualidade em uma só dimensão ou realidade. Nesse último caso, pode-se 
falar da união entendida como mútua participação na mesma realidade, e 
da união entendida como identificação quando acontece o desaparecimento 
do sujeito na realidade desvelada. Ambas as experiências são tipicamente 
encontradas no Cristianismo, sobretudo os chamados místicos e místicas 
medievais. No primeiro modelo, temos Bernardo de Claraval que descrevia a 
união com Deus como uma participação mútua em amor; e Jan van Ruysbroeck, 
para quem a união com Deus era semelhante à união do ferro com o fogo. 
A experiência religiosa14
No segundo modelo, temos o místico Sufi al-Husayn al-Hallaj (858–922), que 
chegou a proclamar “eu sou deus”; e o cabalista judeu Isaac de Acre, que 
escreveu sobre sua alma ser absorvida por Deus semelhante a um jarro de 
água em uma fonte corrente. No segundo modelo, temos o caminho místico 
de Teresa de Ávila, composto por: 
 � oração mental;
 � oração de silêncio;
 � devoção de união onde a razão é absorvida em Deus;
 � devoção de arrebatamento onde tudo desaparece restando apenas 
a presença de Deus.
Teúrgico e não teúrgico
A experiência mística teúrgica procura ativa e deliberadamente, por meio de 
ritos e práticas, a comunhão com o divino movendo-o para alguma finalidade 
ou propósito do sujeito. Enquanto a não teúrgica envolve os mesmos atos, 
porém sem essa pretensão. No primeiro modelo, temos a mística cristã que, 
de certo modo, elabora caminhos para o encontro com Deus e busca dispor a 
graça divina em favor do sujeito; a Cabala judaica onde o sujeito objetiva fazer 
mudanças na vida interior da divindade; e a magia ritual que busca incorporar 
o divino. No segundo modelo, temos escolas filosóficas chamadas esotéricas 
que estudam as bases da magia e dos rituais sem, todavia, incorporá-los em 
alguma atividade mística.
Apofático e catafático
A experiência mística apofática afirma que nada pode ser dito acerca do modo 
como ela acontece, muito menos daquilo que é conhecido como resultado 
dela. Ela é totalmente incomunicável. O oposto acontece na experiência 
mística catafática, onde ela pode ser descrita como também o seu conteúdo 
é comunicável. Como exemplo de uma experiência mística apofática está no 
Tao, onde nomear as coisas é o princípio de toda multiplicidade, enquanto 
não nomear é o princípio criador do céu e da terra. Como exemplo de uma 
experiência mística catafática temos presente na descrição de cada etapa 
da elevação até o divino recheado de afirmações positivas acerca de quem 
o divino é.
A experiência mística, por sua própria natureza, é descrita como inefável 
e paradoxal. Inefável é usada quando o sujeito afirma tal beleza, verdade e 
perfeição que não cabe uma linguagem ordinária para comunicá-la. Paradoxal 
A experiência religiosa 15
qualifica a experiência mística oposta àquilo que é esperado pelo sujeito, ou 
por atitudes que sugerem o contrário, como esvaziar-se para ser cheio, ou 
procurar um estado entre o pensamento e o não-pensamento.
Assim qualificada e apresentada no campo do método comparativo das 
religiões, podemos conhecer a experiência mística em sua relação com a 
experiência religiosa, sem perder de vista que o que pode ser aprendido de 
ambas é estreitamente associado à mundividência própria de cada sujeito 
que faz a experiência.
Sagrado a partir da cosmovisão de uma 
experiência religiosa, inter-religiosa e não 
religiosa
Quando a pessoa diz ter experiências de uma religião, mais de uma religião 
ou nenhuma religião, sua compreensão se enquadra em um conjunto de 
experiências religiosas ou piedosas originais do mundo no qual vive. E o 
que impressiona as pessoas seja em qualquer situação na qual acontece a 
experiência religiosa ou não religiosa é o que lhe vêm gratuitamente, como 
um dom, cujas características são bondade, verdade e beleza, que despertam 
no ser humano outra ordem das coisas, e constitui, para ele, outro modo de 
ver sua própria existência no mundo. Essas características se apresentam em 
toda experiência religiosa e inter-religiosa, mas também se fazem perceber 
onde a religião sequer é mencionada, e onde nenhuma cosmovisão religiosa 
é indicada, mas cuja presença é percebida na interpretação das vivências 
do mundo.
Sagrado e cosmovisão de uma experiência religiosa
Uma cosmovisão religiosa reconhece o sagrado em tudo aquilo ao qual se 
atribui a capacidade de encarnar, exteriorizar ou institucionalizar, no sentido 
de ritualizar, o sentimento humano perante o que há de mais fundamental, 
no sentido de mais real, da sua experiência de viver no mundo. Por isso, 
sagrado é tudo aquilo que é dado como “separado” ou “santo”, isto é, ele 
tende a constituir um espaço da experiência humana no mundo distinto das 
coisas ordinárias.
Uma experiência religiosa assim orientada sacraliza ou santifica lugares 
(templo), tempos determinados (dia, festa), ações (ritos), pessoas (profetas 
e sacerdotes), textos (escrituras, narrativas, fórmulas), imagens (pinturas, 
A experiência religiosa16
esculturas), espetáculos (representações), etc. Ela exige uma atitude especial 
do ser humano, como certo temor ou reverência profunda, que modifica o 
comportamento, os gestos, as roupas, a fala, as ações, os relacionamentos.
Mais do que isso, porém, a experiência religiosa do sagrado identifica-o 
com um outro para o qual todo ser humano tende, como descreveu Eliade 
(1992, p. 13):
A partir da mais elementar hierofania – por exemplo, a manifestação do sagrado 
num objeto qualquer, urna pedra ou uma árvore – e até a hierofania suprema, que 
é, para um cristão, a encarnação de Deus em Jesus Cristo, não existe solução de 
continuidade. Encontramo-nos diante do mesmo ato misterioso: a manifestação 
de algo “de ordem diferente” – de uma realidade que não pertence ao nosso mun-
do – em objetos que fazem parte integrante do nosso mundo “natural”, “profano. 
Eliade (1992) segue dizendo que sagrado e profano constituem um modo 
de se posicionar frente ao Cosmos, pois quando o sagrado se manifesta, o 
faz a partir do cosmos, isto é, da ordem natural. Árvores, rios, matas, ob-
jetos, pessoas, vivas ou mortas, servem para mostrar que há algo mais na 
existência humana, um mistério oculto que chama e atrai para a descoberta, 
proporcionando outra dimensão da vida. O ser humano, então, percebe em 
si um temor, uma reverência, uma admiração que o chama para um encontro 
interior que ele sente almejar e necessitar dentro dele mesmo.
Eliade (1992) distinguiu entre o sagrado e o profano como duas modalidades 
de existir do ser humano no mundo. Paralelamente ao espaço e tempo em que 
vivemos nossas vidas comuns, existe outro espaço e tempo para onde nos 
lançamos em busca de sentido e experiência transempírica. Isso não significa 
que saímos de nossa existência cotidiana, mas que criamos nela espaços e 
tempos no qual vivenciamos outra realidade em nossas vidas.
São variadas as linguagens pelas quais se apresenta o sagrado na expe-
riência religiosa. Ela pode ser mitológica, onde se fala do sagrado em termos 
de imagens, narrativas e símbolos, normalmente fantásticos, de modo a apelar 
à imaginação e aos sentimentos, antes que à razão ou à fé, criando certos 
universais que explicam a existência humana no mundo. Pode ser filosófica, 
na qual se faz a associação entre a experiência religiosa e uma manifestação 
racional como formação e comunicação de conceitos que ajudem a explicá-la 
e a entendê-la. Pode ser ética-teológica, de modo que o sagrado é ligado a um 
deus e as instituições, leis, costumes e demais vivências humanas. E, ainda, 
pode ser fenomenológica,onde a apresentação da experiência religiosa é 
percebida, recebida e representada na subjetividade de um sujeito que pode 
falar sobre ela.
A experiência religiosa 17
A experiência que o ser humano faz com o sagrado, todavia, é maior do 
que aquilo que lhe é apresentado. Nele, o sagrado se faz representar como 
relação e encontro com o sublime e santo, inserindo-o em outra dimensão da 
realidade. E, também, como salvação, gozo perene, e transformação que reo-
rienta sua existência para o que a transcende, como uma união indestrutível.
“Sagrado” é uma palavra comum em nosso vocabulário e geralmente 
usada em oposição a profano ou a mundano. A ênfase excessiva nessa 
distinção tende a dividir a vida em duas esferas e a desvalorizar o profano ou 
mundano como de menor valor, e até pecaminoso e prejudicial.
Sagrado e cosmovisão de uma experiência inter-
religiosa
Uma cosmovisão inter-religiosa preserva o que há de religioso no sagrado, 
entretanto partilhando-o com mais de uma cosmovisão religiosa. É possível 
refletir sobre isso a partir de três temas: a experiência do sagrado é comum a 
toda e qualquer experiência religiosa; a experiência religiosa se dá e se faz a 
partir de contextos diferentes dando lugar a diversas cosmovisões religiosas; o 
fenômeno contemporâneo da globalização religiosa coloca, necessariamente, 
a pluralidade religiosa e como as religiões interagem umas com as outras.
Começando por esse último tópico, vivemos um tempo no qual as religiões 
estão disseminadas por toda a parte, tornando-se globais. As pessoas podem 
experimentar um culto amazônico do Santo Daime em uma sala de reuniões 
de uma grande capital em quase qualquer lugar do mundo. São muitas as 
possibilidades de experimentações religiosas, o que não implica um vínculo 
institucional com nenhuma delas, como diz Jungblut (2014, documento on-line):
Uma das coisas que mais fica evidente nesse processo de horizontalização da 
globalização da religião é o ganho de autonomia identitária dos indivíduos frente 
às “tradições” que sustentam muitas das modalidades religiosas existentes na 
atualidade. As religiões –e mesmo as religiosidades mais difusas e desinstitu-
cionalizadas do mundo moderno– necessitam, em maior ou menor escala, algum 
ancoramento em tradições com alguma profundidade histórica. É preciso ter em 
mente, portanto, o processo de destradicionalização que é desencadeado pela 
globalização e que afeta o campo religioso mundial.
O inverso também deve ser refletido. De que modo e em que medida a 
globalização religiosa entendida como um processo social diversamente 
A experiência religiosa18
experimentado, que atravessa as nações, modificando a experiência do tempo 
e do espaço, afeta as religiões? Conforme Ortiz (2001), não há o predomínio de 
uma religião global, pois todas as religiões e crenças estão presentes de modo 
diferenciado, e mesmo a experiência religiosa é diversa em cada uma delas.
Para Ortiz (2001), as religiões estão presentes para além dos limites terri-
toriais e políticos de um Estado-nação, e tem mais potencial aglutinador de 
ações e estratégias globais, demandando a lealdade dos seus participantes 
independentemente de onde estão localizados e da sua lealdade a uma nação 
onde nasceram ou vivem. Toda religião se tornou um lugar de memória e de 
identidade, onde as pessoas se vinculam umas às outras, como parte de uma 
comunidade religiosa global. A falência do projeto modernizador de articular 
as necessidades das sociedades, abriu espaço para que as religiões provessem 
meios a partir de suas próprias sabedorias para orientar os indivíduos em uma 
escala transnacional, propondo, inclusive, uma ética global apoiada em uma 
concepção religiosa da dignidade humana, da duplicidade humano-natureza, 
em franca oposição à ideologia do mercado global, considerada promotora 
do que há de mais perverso por estimular a ação egoísta humana: o consumo.
Dilthey (1992) nos ensina que diversos contextos mudam as conexões vitais 
das pessoas, provocando, também, experiências de vida diferentes, que, 
por sua vez, rearranjam as mundividências religiosas, e é o que acontece no 
mundo atual. Quaisquer que sejam, contudo, elas retêm o mesmo propósito 
de oferecer uma solução para os enigmas da vida sob a base de uma imagem 
cósmica. Desde a qual são decididas as questões do sentido e do significado 
da vida, o bem para o qual as pessoas são orientadas, os princípios e valores 
que as guiam em seu cotidiano, nas pequenas e grandes decisões. Sobre 
ela é edificada a vida psíquica das pessoas, determinando seus prazeres e 
desprazeres, gostos e atitudes, a sua vida pessoal e coletiva.
As pessoas vivenciam experiências religiosas diferentes constituindo 
mundividências religiosas variadas, justificando que o conjunto delas seja 
chamado de pluralidade. Isso implica uma reconsideração do lugar hege-
mônico dado a uma ou outra mundividência religiosa, tal como descreve 
Dilthey (1992, p. 18):
[...] As mundividências que fomentam a compreensão da vida e induzem a objetivos 
vitais e proveitosos conservam-se e suplantam as mais insignificantes. Assim se 
opera entre elas uma selecção. E, na sucessão das gerações, as mundividências 
mais viáveis desenvolvem-se até obter uma forma mais perfeita.
A ideia de que uma cosmovisão religiosa deve superar as demais como por 
um processo evolucionista, seja derrotando-as, seja apresentando-se mais 
A experiência religiosa 19
perfeita, é superada pela compreensão de que qualquer uma delas se organiza 
sob a mesma estrutura orientada para o mesmo fim: responder e confortar 
o indivíduo em sua indagação pela vida. Somente que cada cosmovisão reli-
giosa é determinada pelo lugar, pela coletividade, pela individualidade, pelo 
tempo, pela genialidade e engenhosidade de um e outro, uma e outra; enfim, 
pela experiência vital que conduz uma mundividência religiosa a ser de tal 
modo, enquanto outra se desenvolve de modo diferente. Sendo assim, cada 
uma também é uma resposta específica ao contexto vital de onde ela mesma 
brotou, em solo fértil, para o qual também é destinada a nutrir e sustentar.
Em que medida e sob quais condições se dá a apreensão do sagrado em 
uma cosmovisão inter-religiosa? A experiência religiosa se origina na percep-
ção e apreensão do sagrado considerado um mistério a ser nomeado conforme 
a cosmovisão religiosa que a sustenta. Várias são as formas disso acontecer 
e desse sagrado ser nomeado via objetificação da experiência religiosa. Nas 
religiões monoteístas, o sagrado é nomeado Deus em um sentido pessoal, 
trata-se de um nome próprio. No Hinduísmo, Brahman é fundamento da 
realidade, não sendo ligado a alguma pessoalidade ou personificação, sendo 
a forma do Absoluto. Mas, há deuses que são nomeados como: Shiva, Agni e 
outros. No Budismo, não há deuses a ser nomeados, apenas transcendência e 
a iluminação quando ela é alcançada. Nas religiões afro-indígenas brasileiras 
os deuses são nomeados, mas interagem continuamente com o ambiente 
natural aos quais são vinculados.
Portanto, uma cosmovisão inter-religiosa corresponde uma respectiva 
cosmovisão intercultural, e somente uma perspectiva intercultural contribui 
para a superação das muitas formas de tendências etnocêntricas e mono-
culturais que reduzem a experiência religiosa do sagrado, desconsiderando 
a alteridade e o diálogo como valores a serem preservados continuamente.
Leia sobre a relação atual entre diálogo inter-religioso e liberdade 
religiosa no artigo de Ivanir dos Santos, “A caminhada em defesa da 
liberdade religiosa e seus desafios para a construção do diálogo inter-religioso”, 
publicado na Revista Numen, v. 22, n. 1, p. 26-42, jan./jun. 2019, disponível na 
internet.
A experiência religiosa20
Sagrado e cosmovisão de uma experiência não 
religiosa
Uma das características do nosso tempo é a transferência do sagrado de 
cosmovisões religiosas e inter-religiosas para outras não religiosas. Houve 
tempo em que a experiência não religiosa era chamada deidolatria quando 
se atribuía o sagrado a coisas que em si mesmas não possuíam a qualidade 
atribuída. Ou de secularização quando se retirava o sagrado das coisas que 
possuíam essa qualidade. Ou, ainda, de humanismo quando o ser humano 
negava ao sagrado o domínio e gestão de sua própria vida, a maneira como 
desejaria e queria modelar a sua experiência no mundo no qual vive, por limi-
tações resultantes de obrigações e deveres que o sagrado viesse a lhe impor.
Como conceito não religioso é possível intuir o sagrado a partir da cone-
xão vital entre o espírito humano e o lugar no qual ele mora, vive e constrói 
sua cosmovisão. Lugar que é solo, chão, que nutre, alimenta, dá e mantém a 
vida, mas que também o recebe de volta, libertando-o para que sua jornada 
siga adiante.
Esse retorno ao sagrado não significa, entretanto, que se trate de um 
retorno à cosmovisão religiosa. A identidade construída pelo ser humano 
na sua relação com esses dias é de tal modo fragmentada, multifacetada, 
individualizada, que não se pode apontar uma só experiência não religiosa 
do sagrado. Sua condição de existência no mundo lhe é imposta pela ordem 
do presente. É ela que orienta o espírito humano e, assim, a sua espirituali-
dade, carregada de um presente intenso e urgente. E esse presente oferece 
um mundo de sensações difusas, desconexas e pouco significativas quanto 
ao seu sentido.
Por outro lado, não implica em que não haja interesse reavivado pela 
experiência do sagrado, ainda que não religiosa. Isso é perceptível no recente 
interesse das gerações mais jovens em se assumirem publicamente interes-
sadas no espiritual não religioso, e não mais restrita à identidade privada 
das pessoas. Enquanto as pessoas mais velhas, cuja experiência religiosa 
foi modelada pela modernidade, tinham e ainda têm alguma vergonha em 
admitir publicamente uma experiência religiosa. Isso não ocorre com os mais 
jovens, que não demonstram o mesmo constrangimento e, inclusive, buscam 
claramente essa experiência.
Boa parte dessa busca tem a ver com o fortalecimento de atitudes, prá-
ticas e valores que proporcionam o bem-estar e convívio públicos, típico de 
uma atitude samaritana. Nela, a prática da conduta confirma a veracidade 
da experiência não religiosa, redefinindo um novo campo semântico para a 
A experiência religiosa 21
palavra “justiça”. Ela não é mais empregada juntamente com “reparação” e 
“vingança”, mas com “perdão”, “amor” e “solidariedade”. Separa-se a doutrina 
cristã da experiência das atitudes, valores e sentimentos que ela inspira.
Isso é bem específico com relação a Jesus, em que o interesse está nos 
relatos dos evangelhos e não na doutrina cristológica. Jesus se torna um 
exemplo de imitação, onde não importa o que houve de historicamente verda-
deira nele, mas até onde se busca inspiração na narrativa de um ser humano 
que, em sua busca de Deus, ensinou os seres humanos como deveriam viver.
Nesse sentido, a própria salvação ganha contornos diferentes. Não se 
trata de definir o destino final dos seres humanos e nem de dividi-los entre 
os que seguem a doutrina cristã e frequentam a igreja e aqueles que não o 
fazem. A salvação é vinculada ao seguimento de Jesus. Salvo é aquele que 
faz o que ele fez e quanto de sua conduta responde aos apelos do Nazareno.
Outro modo de compreender a experiência não religiosa do sagrado à 
luz de uma cosmovisão moderna e pós-moderna é observando como são 
sacralizados a vida e o meio ambiente, de modo que corresponder à sua 
sacralidade é vivenciar a experiência não religiosa do sagrado.
Defender a vida, em todos os seus níveis têm valor equivalente ao sagrado 
hoje em dia, se tornando um princípio ético irrecusável. O que aproxima um 
vegetal, um animal e um ser humano? Obviamente que a vida, pois todos são 
constituídos de organismos que vivem. Isto equivale a dizer que todos eles 
são capazes de realizar determinadas ações que os mantém vivos: nutrir-
-se, crescer e se reproduzir. Portanto, é legítimo afirmar o valor sagrado da 
vida, para além da mera observação e constatação mecânica de como ela 
se manifesta.
Contudo, observar a sacralidade da vida deve inserir o meio ambiente 
com os ecossistemas e biodiversidades que o compõem. Os seres humanos 
os usam para edificar o seu modo de viver sem, todavia, prestar a devida 
atenção ao modo de vida desses seres, esgotando-os, senão destruindo-os, 
inviabilizando a vida que está ali. Uma experiência não religiosa do sagrado 
exige uma cosmovisão não religiosa desses ecossistemas e biodiversidades, e 
dos seres que neles coabitam juntamente conosco o mesmo planeta. Escolher 
preservá-los, dando-lhes o mesmo direito à vida que reivindicamos para nós 
é o que há de mais sagrado a ser feito. E isso é realizado por meio de uma 
cosmovisão que veja os seres humanos enquanto seres sociais, culturais, 
políticos e individuais, assegurando o conhecimento e conscientização, como 
também os meios para realizar as transformações necessárias.
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A experiência religiosa22
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A companion to philosophy of religion. 2. ed. Sussex: Blackwell, 2010. 
Leituras recomendadas
CROATTO, J. S. As linguagens da experiência religiosa: uma introdução à fenomenologia 
da religião. 3. ed. São Paulo: Paulinas, 2010.
OLHAR Indígena - Pajé Kizib e a Cosmovisão do Povo Desana. [S. l.: s. n.], 2012. 1 vídeo 
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periodicos.ufjf.br/index.php/numen/article/view/29599. Acesso em: 17 fev. 2021.
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A experiência religiosa 23
EPISTEMOLOGIA 
DO FENÔMENO 
RELIGIOSO
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
 > Diferenciar sagrado e profano.
 > Descrever elementos de leitura do religioso.
 > Relacionar as linguagens sagradas com as linguagens religiosas a partir da 
oralidade e da escrita.
Introdução
 A religião é um sistema bastante complexo e muitos teóricos citados a 
seguir, entendem-na comoum sistema simbólico, uma verdadeira linguagem 
que deve ser decifrada por aquele que a deseja compreender. Ao estudar o 
fenômeno religioso, certamente pesquisador se depara com dois termos 
estruturantes: o sagrado e o profano. Eles representam uma importante chave 
de leitura para o estudo desse fenômeno.
Neste capítulo, você vai receber importantes chaves de compreensão deste fenô-
meno, especialmente os elementos constituintes desta linguagem: o símbolo, o mito e o 
rito. Além disso, será introduzido aos termos sagrado e profano a partir da perspectiva 
de dois importantes teóricos para o estudo da religião: Rudolf Otto e Mircea Eliade.
O sagrado e o profano: chaves de 
interpretação do fenômeno religioso
Por ser complexo, o fenômeno religioso pode ser compreendido a partir de 
diversas chaves interpretativas. Uma delas diz respeito ao binômio sagrado/
Linguagens religiosas: 
lendo o sagrado
Robert Rautmann
profano. São conceitos relativamente simples, mas que não são unânimes 
nos estudos da religião. Neste capítulo, nos ateremos especialmente às 
perspectivas de dois autores, Rudolf Otto e Mircea Eliade, ambos ligados 
à fenomenologia da religião. Em síntese, pode-se dizer são estudos que se 
interessam pelo sentido ou a essência do fenômeno religioso.
Rudolf Otto
Rudolf Otto nasceu em 25 de setembro de 1869, em Peine, na Alemanha. Foi 
pastor protestante, filósofo e teólogo. No ano de 1898, doutorou-se com a tese 
intitulada “As concepções do Espírito Santo em Lutero”. Em 1904, tornou-se 
professor de teologia em Göttingen; mais tarde, em 1917, passou a lecionar 
na Universidade de Marburg. É desse mesmo ano a sua mais famosa obra: O 
sagrado: aspectos irracionais na noção do divino e sua relação com o racional. 
No ano de 1937, após uma combinação de dependência de morfina e crises 
depressivas, Otto foi internado numa clínica psiquiátrica, onde viria a falecer 
logo em seguida. Essas informações são relevantes aos estudos de religião, 
pois sua compreensão de sagrado deriva diretamente de sua cosmovisão 
luterana e de seus estudos como teólogo.
A obra O sagrado: aspectos irracionais na noção do divino e sua relação 
com o racional, elaborada em 23 capítulos, procura analisar a reação dos 
indivíduos diante do que o autor chama de “numinoso”. Em sua análise, é 
o sagrado a origem de toda a religião, expresso das mais variadas formas.
Nesse sentido, Otto procura analisar as modalidades da experiência reli-
giosa, voltando-se para o lado irracional da religião. Segundo ele, os elementos 
racionais de uma religião são necessários para se ter acesso a ela; contudo, 
representam apenas a parte periférica da experiência religiosa. A religião 
teria como tarefa possibilitar que o indivíduo experiencie o sobrenatural. 
Ao pensar dessa forma, Otto apresenta uma postura crítica em relação ao 
racionalismo advindo do Iluminismo e do pensamento posterior. Sua com-
preensão é que a linguagem tenta apresentar a divindade de forma racional. 
Porém, os conceitos nunca esgotam a ideia da divindade.
A partir do segundo capítulo de sua obra, Otto categoriza essas experiências 
religiosas como numinosas, ou seja, divinas. Essa categoria, segundo Otto, 
não poderia ser definida, apenas debatida. O numinoso seria algo totalmente 
diferente, totalmente outro (ganz andere, em alemão), o lado irracional da reli-
gião que havia sido esquecido pela ênfase na racionalização dos seus estudos. 
Essa categoria numinosa seria algo que os místicos das várias religiões teriam 
vivenciado. Um deus compreendido não seria um Deus, segundo Otto (2007).
Linguagens religiosas: lendo o sagrado2
O adjetivo numinoso utilizado por Rudolf Otto é um neologismo 
do autor. É derivado de numen, palavra latina que pode significar 
“divindade”, “poder celestial”, “inspiração”. Com o termo, Otto queria se referir 
ao sentimento da criatura diante do transcendente, ou seja, um sentimento de 
reverência, temor e fascínio. 
Vejamos caso a caso alguns aspectos dessa ideia de sagrado que ficam 
evidenciados na obra de Otto.
Aspecto do tremendum
É estabelecida uma comparação entre o temor que o ser humano sente 
diante de uma situação de destruição ou violência e o temor diante do 
sagrado. Trata-se de uma comparação com semelhanças, mas também 
dessemelhanças:
[...] é uma designação bastante próxima daquilo a que queremos nos referir, mas 
que não passa de uma analogia para uma reação emocional muito específica que 
se assemelha ao temor e permite que este dê uma pista dele, mas a reação em si 
é algo bem diferente de temer (OTTO, 2007, p. 45).
Deve-se recordar que Otto tinha diante de si os textos bíblicos do Antigo 
Testamento e as experiências místicas que ali estavam descritas, muitas 
delas permeadas deste temor diante do sagrado. 
Aspecto avassalador
Outra característica do divino/sagrado, para Otto, tem relação com o termo 
majestas, que procura expressar uma superioridade esmagadora de poder. 
Diante da realidade do sagrado, o ser humano se sentiria totalmente nulo, 
insignificante. É o sentimento da criatura diante da divindade criadora, que 
“[...] afunda e desvanece em sua nulidade perante o que está acima” (OTTO, 
2007, p. 41).
Aspecto fascinante
O divino comporta, segundo Otto, um duplo caráter: ser terrível, repulsivo, 
tremendo e, ao mesmo tempo, atraente e fascinante. Na compreensão do 
sagrado para Otto, “[...] o que me apavora me atrai” (OTTO, 2007, p. 68). O in-
divíduo permanece em um estado de repulsa e, ao mesmo tempo, de atração; 
o temor o distancia, mas o fascinante lhe atrai.
Linguagens religiosas: lendo o sagrado 3
Aspecto enérgico
Segundo Otto, este aspecto seria a energia do numen. Diante do sagrado, 
o indivíduo tem suas paixões, sua vontade e seu zelo sagrado despertados. 
Ele é tomado por um tipo de ira santa ou um impulso irresistível, um amor 
ardoroso, enfim, uma paixão arrebatadora em relação à divindade.
Otto compreende, portanto, que o sagrado seria a própria manifestação 
divina (que, para ele, se trata da divindade judaico-cristã). Deus seria um 
poder terrível, não uma alegoria moral ou uma ideia filosófica (não o deus 
dos filósofos). Ele descobre o pavor terrível diante do sagrado, o mysterium 
tremendum, mysterium entendido como o que está escondido, o que não 
se revela, o que não é intuído, o que não é compreendido. Para ele, o temor 
religioso seria mysterium fascinans. Não sendo racionalizado, pode ser apenas 
vivenciado na dimensão do sentimento. A vivência religiosa diante do sagrado, 
segundo Otto, envolveria as sensações do corpo: “É notável que semelhante 
terror característico diante da presença do inquietante provoque uma reação 
física, tão singular, nunca juntamente com o medo e o terror natural: ‘congela-
-se o sangue nas veias’, ‘a pele arrepia’” (OTTO apud GASBARRO, 2013, p. 82). 
Mircea Eliade
Mircea Eliade foi um intelectual nascido em 1907 em Bucareste, na Romênia. 
Estudou na Romênia e na Índia (na Universidade de Calcutá) e doutorou-se em 
1933, com uma tese acerca das técnicas iogues. Retornou a Bucareste, passou 
por Portugal, França e Estados Unidos, onde faleceria, aos 79 anos. Foi bastante 
marcado pela obra O sagrado: aspectos irracionais na noção do divino e sua 
relação com o racional, de Rudolf Otto. Utilizou métodos descritivos em suas 
abordagens, valendo-se de seu amplo conhecimento de diversas culturas e 
religiões, não somente daquelas ocidentais. Sua obra central é O sagrado e 
o profano: a essência das religiões, publicada originalmente no ano de 1954. 
Há, contudo, diversas obras suas importantíssimas para o estudo da religião: 
História das crenças e das ideias religiosas (elaborada em três volumes), Mito 
e realidade, Dicionário das religiões, Tratado de história das religiões, O conhe-
cimento sagrado de todas as eras, Yoga: imortalidade e liberdade, Ferreiros e 
alquimistas, O Mito do Eterno Retorno, Mefistófeles e o Andrógino, Imagens e 
símbolos: ensaio sobre o simbolismo mágico-religioso, entre muitas outras.
Mircea Eliadeescreveu sua obra O sagrado e o profano: a essência das 
religiões quase 40 anos após o texto fundamental de Otto (O sagrado: aspectos 
irracionais na noção do divino e sua relação com o racional). Talvez por não 
ser não teólogo, conseguiu perceber certas limitações no pensamento de 
Linguagens religiosas: lendo o sagrado4
Rudolf Otto. Eliade entendeu que a abordagem de Otto tinha seu valor para 
o leitor, mas ele próprio pretendia uma abordagem diferente, analisando o 
sagrado de uma forma mais completa e complexa:
Passados 40 anos, as análises de R. Otto guardam ainda seu valor, o leitor tirará 
proveito da leitura e da meditação delas. Mas nas páginas que seguem, situamo-
-nos numa outra perspectiva. Propomo-nos apresentar o fenômeno do sagrado em 
toda a sua complexidade, e não apenas no que ele comporta de irracional. Não é a 
relação entre os elementos não racional e racional da religião que nos interessa, 
mas sim o sagrado na sua totalidade (ELIADE, 2018, p. 16–17).
Sua definição inicial de sagrado é de algo que “está em contraposição ao 
profano” (ELIADE, 2018, p. 17). Toda a realidade sociocultural está, segundo 
Eliade, numa dialética “sagrado/profano”. Em sua obra O sagrado e o profano: 
a essência das religiões, ele proporia então o termo hierofania para designar 
a manifestação do sagrado. 
Hierofania é uma palavra formada por dois termos gregos (hiero = 
sagrado; faneia = manifesto). Bastante utilizada na fenomenologia 
da religião, especialmente por Eliade, significa a manifestação de uma realidade 
sagrada. De acordo com várias tradições religiosas, essa manifestação do sagrado 
pode se dar em um objeto (uma espada, um colar, uma pedra, etc.), um ser vivo 
(árvore, animal) ou até mesmo na encarnação humana de uma divindade.
Para Eliade, o termo era útil, pois teria apenas a função de apresentar que 
o sagrado se revela. Segundo o autor, a história das religiões apresenta uma 
série de hierofanias indiscutíveis, pois alguma coisa de ordem diferente teria 
se manifestado no plano das coisas ordinárias, comuns, profanas. Assim, as 
coisas ditas sagradas são reverenciadas pelas pessoas não pela coisa em 
si, mas porque são hierofânicas. Dessa forma, os indivíduos das primeiras 
sociedades humanas buscavam estar próximos desses objetos sagrados, pois 
equivaleriam ao poder. Esses indivíduos, na reflexão de Eliade, compreen-
diam suas ações sempre em relação ao sagrado, ao contrário do indivíduo 
moderno, que dessacralizou suas ações e o cosmo que o rodeia. O indivíduo 
“primitivo” (utilizando-se a terminologia de Eliade) seria o Homo religiosus.
[...] o homem religioso assume um modo de existência específica no mundo, e, 
apesar do grande número de formas histórico-religiosas, este modo específico 
é sempre reconhecível. Seja qual for o contexto histórico em que se encontra, o 
Homo religiosus acredita sempre que existe uma realidade absoluta, o sagrado, 
que transcende este mundo, que aqui se manifesta, santificando-o e tornando-
Linguagens religiosas: lendo o sagrado 5
-o real. Crê, além disso, que a vida tem uma origem sagrada e que a existência 
humana atualiza todas as suas potencialidades na medida em que é religiosa, ou 
seja, participa da realidade. Os deuses criaram o homem e o Mundo, os Heróis civi-
lizadores acabaram a Criação, e a história de todas as obras divinas e semidivinas 
está conservada nos mitos (ELIADE, 2018, p. 164).
Para ambos, Rudolf Otto e Mircea Eliade, como representantes clássicos 
da fenomenologia da religião, a questão principal está na reação do ser 
humano diante da manifestação do assim chamado sagrado. Não está em 
questão o numinoso em si, e sim a experiência religiosa humana que se dá 
com o numinoso. Nesta perspectiva da fenomenologia da religião, haveria 
em todo ser humano uma faculdade especial que o colocaria predisposto a 
sentir (ter sensações) diante do sagrado.
Algumas críticas acerca do tema
A utilização do termo “sagrado” como categoria universal é bastante dis-
cutida nos círculos acadêmicos. A palavra empregada originalmente por 
Otto é heilig (sagrado, em alemão). Contudo, há pesquisas que apontam 
que o adjetivo heilig nos textos bíblicos (fonte de pesquisa essencial para 
Otto) corresponde, muitas vezes, a outros termos que poderiam ser utili-
zados, como devoto, piedoso, honesto, sério, respeitável, venerável, etc. 
(USARSKI, 2006).
A teoria elaborada por Rudolf Otto pode ser considerada uma reação da 
teologia (nesse caso, protestante) numa época em que os estudos compa-
rativos das religiões e as histórias das religiões ganhavam força em terras 
europeias. Segundo Gasbarro (2013, p. 81), a “[...] teoria de R. Otto é de 
derivação teológica, ou melhor, é uma espécie de generalização perceptiva 
e transcendental, inteiramente protestante, da subjetividade cristã, através 
da experiência da criatura.”
Esta segunda crítica está alinhada ao contexto, muitas vezes negligen-
ciado pelos estudiosos, no qual Otto está inserido, bem como ao esquema 
que ele utiliza: a relação do indivíduo diante do Deus especificamente 
judaico-cristão. As críticas — acadêmicas, deve-se ressaltar — têm em 
vista uma preocupação de que o pesquisador do fenômeno religioso 
procure assumir um distanciamento metodológico em relação ao seu 
objeto de estudo. Ou seja, sua aproximação ao fenômeno religioso se 
dá de forma diferente do que o faria um teólogo ou um adepto desta ou 
daquela religião.
Linguagens religiosas: lendo o sagrado6
Outro autor clássico nos estudos da religião é o francês Émile 
Durkheim. Sua obra mais conhecida é Formas elementares da vida 
religiosa: o sistema totêmico na Austrália, escrita em 1912. Durkheim compre-
ende a religião como uma forma por meio da qual o indivíduo e a sociedade 
estruturam o mundo. A religião, segundo ele, é um sistema de representação 
construído socialmente. Durkheim se utiliza igualmente do binômio sagrado/
profano. Para ele, coisas sagradas eram aquelas que protegidas e isoladas por 
meio de proibições. O que é profano deve estar à distância do que é sagrado.
Elementos da linguagem religiosa
A religião é um fenômeno ao mesmo tempo rico e complexo. Ela produz im-
pactos profundos e duradouros nos indivíduos e nas coletividades. Ademais, a 
religião tem uma relação estreita com a linguagem. Sabemos que a experiência 
religiosa é vivenciada pelo indivíduo que tem, contudo, dificuldade de exprimi-
-la a outrem. Eventualmente, essa dificuldade torna-se, inclusive, uma impos-
sibilidade. Os relatos de pessoas que passaram por experiências de êxtase 
são recorrentes na literatura religiosa. Ainda assim, essa experiência tende a 
ser representada de alguma forma por estes indivíduos. Tais representações 
adquirem, portanto, um caráter simbólico, uma vez que apontam para uma 
realidade que ultrapassa tanto o indivíduo quanto a signo, o sinal, o símbolo 
utilizado para se expressar. Entendemos, portanto, que a experiência religiosa 
é uma experiência do tipo simbólica. Nesse âmbito, José Severino Croatto (2010, 
p. 81) afirma que: “Assim como a experiência da Realidade transcendente (o 
Mistério ou qualquer que seja seu nome) é o núcleo do fato religioso, o símbolo 
é, na ordem da expressão, a linguagem originária e fundante da experiência 
religiosa, a primeira e a que alimenta todas as demais.” 
Assim, o ser humano que vive a experiência religiosa dentro (ou fora) de 
uma tradição religiosa deseja comunicar essa experiência. Essa comunicação 
realiza, novamente, a vivência do sagrado, do transcendente. Os elementos 
dessa linguagem — o símbolo, o mito e o rito — serão examinados a seguir.
O símbolo
A etimologia da palavra “símbolo” apresenta sua raiz no termo latino symbolus, 
que, por sua vez, deriva de dois termos: syn, do grego, indicando encontro ou 
união, e o verbo ballein, que está relacionado a lançar ou arremeter. Assim, a 
Linguagens religiosas: lendo o sagrado 7
palavra “símbolo” tem como significado etimológico aproximado a noção de 
“lançar junto”. Esse significado implicauma dualidade que se unifica, duas 
realidades que se tornam apenas uma (GIRARD, 2005). Um exemplo próximo 
é o do matrimônio, no qual duas pessoas se tornam uma só realidade, ainda 
que permaneçam com suas individualidades.
Na Antiguidade, há registros do uso do termo symbolon para designar um 
objeto, como um amuleto, partido em dois pedaços, com finalidades preci-
sas: um empréstimo ou contrato de outra natureza. Entregues aos parceiros 
desse contrato, cada um dos pedaços permitiria aos seus proprietários (ou 
seus portadores) o eventual reconhecimento mútuo e a possibilidade de 
reclamar seus direitos ou haveres. Nessa perspectiva, o “símbolo” é com-
preendido pelos envolvidos na transação. Pode-se dizer, então, que há um 
vínculo unindo aqueles que detêm o símbolo, ou, dito de outra forma, que 
apreendem seu significado.
Para o senso comum, chama-se de símbolo uma infinidade de ele-
mentos, como: sinais gráficos de matemática, f ísica e química, brasões, 
escudos, bandeiras, logomarcas, distintivos, emblemas, insígnias, etc. 
Para os teóricos, um signo, um emblema ou um sinal não pode ser confun-
dido com um símbolo, pois aqueles foram estabelecidos por convenção 
e significam coisa bem concretas, enquanto o símbolo, ao contrário, 
transignifica, ou seja, possui um significado além dele mesmo. E o que 
isto quer dizer? O símbolo é um reflexo de algo que o ultrapassa. Diante 
da realidade que ele simboliza, o próprio símbolo se torna insignificante. 
De uma forma antitética, um símbolo é igual ao que representa e, ao 
mesmo tempo, diferente. 
Um exemplo bastante didático é a “água” enquanto símbolo. O indivíduo, 
diante dela, será tomado por inúmeras impressões simbólicas. Consideremos 
a função purificadora da água. Como elemento em si, a água realiza a limpeza 
do que está sujo. Diante da pureza da água, as coisas ficam purificadas. 
Desta constatação, deriva a intuição simbólica de uma purificação interior, 
mais profunda — de pensamentos, intenções, emoções, impurezas morais, 
pecados, energias negativas, etc. Trata-se, na verdade, da experiência humana 
diante deste elemento. Ela não é simbólica em si, mas é assim constituída a 
partir da vivência humana. Essa é apenas uma das aplicações simbólicas do 
elemento água. O mesmo elemento poderia ser considerado destrutivo (como 
numa inundação ou temporal), regenerador (para aquele que está sedento) 
ou fecundo (para as plantas). Eis o caráter polissêmico do símbolo — uma 
vez que está relacionado a uma realidade histórica e geográfica própria.
Linguagens religiosas: lendo o sagrado8
Em relação aos critérios de determinação de um símbolo, devemos dizer, 
ainda, que ele deve ser observável (de conhecimento imediato), mostrar-se 
facilmente exprimível (simples e evidente), ter máxima expressividade, ser 
reconhecível por uma coletividade e ser ligado à vivência (objeto de uma 
experiência profunda). Portanto, o símbolo, como aponta Croatto (2010), 
é o elemento básico da linguagem da religião e aponta sempre para uma 
realidade além.
O mito
No entendimento do senso comum, “mito” refere-se a uma história, uma 
narrativa inverossímil, sem fundamentos, desprovida de verdade. Há ainda 
outro sentido, mais recente (que chega por meio de uma linguagem mais 
midiática), que significaria uma sumidade, uma personalidade destacada em 
determinado meio — esportivo, político, entretenimento etc.
No estudo das religiões, o significado de mito está distante destes apre-
sentados. A palavra tem sua origem na palavra latina mythus, e esta no 
grego antigo muthos, cujo significado aproximado seria fala, palavra falada, 
pensamento, história, lembrança.
Um conceito de mito largamente aceito na comunidade acadêmica é aquele 
elaborado por Mircea Eliade, que, reconhecendo a limitação de se conceituar 
algo tão amplo, acreditava que seria o conceito “menos imperfeito”. Eis o 
conceito:
O mito conta uma história sagrada; ele relata um acontecimento ocorrido em 
tempo primordial, o tempo fabuloso do ‘princípio’. Em outros termos, o mito narra 
como, graças às façanhas dos Entes Sobrenaturais, uma realidade total, o Cosmo, 
ou apenas um fragmento: uma ilha, uma espécie vegetal, um comportamento 
humano, uma instituição. É sempre, portanto, a narrativa de uma ‘criação’: ele 
relata de que modo algo foi produzido e começou a ser. [...] Em suma, os mitos 
descrevem as diversas, e algumas vezes, dramáticas, irrupções do sagrado (ou do 
‘sobrenatural’) do Mundo. É essa irrupção do sagrado que realmente fundamenta 
o Mundo e o converte no que é hoje (ELIADE, 1998, p. 11).
O mito, antes de tudo, é uma narrativa realizada com a intenção de 
responder algumas inquietações — sobre a existência, as origens, seres 
sobrenaturais, etc. O mito é ainda atemporal. Sua narrativa aponta para 
os primórdios — a gênese do cosmos, do ser humano, da sociedade, etc. 
— mas atinge todo e qualquer ser humano no local e tempo em que entra 
em contato com o mito.
Linguagens religiosas: lendo o sagrado 9
Outro conceito interessante para a noção de mitos é: 
[...] são relatos fundadores, histórias de deuses ou de coisas, que fornecem um 
conjunto de representações das relações do mundo e da humanidade com os seres 
invisíveis. Oscilando entre a lenda e a ciência, o mito já é uma ordenação racional. 
Ele situa o homem em seu lugar no universo graças a um sistema de referências no 
interior de um todo cuja organização (cosmos) é afirmada e não apenas constatada 
(LABURTHE-TOLRA; WARNIER, 2003, p. 204).
O mito, por ser uma narrativa, pertence à ordem literária e, portanto, im-
plica uma sequência narrativa. Os deuses (ou seres espirituais ou superiores) 
são os protagonistas do mito. É por meio de suas ações ou palavras que as 
coisas e seres se originam. Os mitos, além disso, narram acontecimentos sig-
nificativos, ou seja, não são histórias banais. Por meio dos mitos, o indivíduo 
entra em contato com a origem divina da sociedade a qual pertence, bem 
como das suas instituições, costumes, leis, comportamentos, etc.
Na obra de Eliade citada anteriormente, são elencados quatro caracterís-
ticas principais do mito: caráter narrativo, sagrado, verdadeiro e exemplar. Já 
segundo Widengren (apud JORGE, 1998), pode-se classificar os mitos em dois 
grandes grupos: mitos de vida e mitos sobre a outra vida. Entre os mitos de 
vida, o autor apresenta a seguinte classificação:
 � Mitos de criação — são aqueles que narram o nascimento dos deuses 
(teogonias) e a formação do mundo. Um poema bastante conhecido é 
o Enuma Elish, pertencente à mitologia babilônica, que apresenta de 
forma exemplar esta categoria de mito.
Ainda que no Ocidente o mito de criação mais conhecido seja aquele 
contido nos textos sagrados judaico-cristãos, há diversos outros 
mitos de criação, como o asteca, o iorubá, o nórdico, o egípcio, o grego, o persa, 
o babilônico, entre tantos outros.
 � Mitos da origem da espécie humana — associa-se normalmente À gênese 
do ser humano a um objeto da natureza. Esse é o caso, por exemplo, 
na mitologia nórdica ou iraniana, bem como do texto do livro bíblico 
de Gênesis, no qual o homem foi formado a partir do barro.
 � Mitos tribais — trata-se das narrativas relacionadas aos heróis epô-
nimos, ou seja, aqueles que dão seu nome a uma tribo, um local, uma 
época, uma dinastia, etc.
Linguagens religiosas: lendo o sagrado10
 � Mitos de fundação do culto — relaciona-se às narrativas mitológicas 
que estabelecem as origens dos cultos e cerimônias sagradas.
 � Mitos sociais — aqueles que descrevem as origens das instituições 
religiosas ou sociais.
Por sua vez, os chamados mitos de morte estão relacionados à descrição de 
outros mundos. Podem descrever o paraíso original (muitas vezes uma era de 
ouro). Há também os mitos do ocaso do mundo, que descrevem o fim dos tempos 
e das coisas, em oposição aos mitos de criação do mundo e da humanidade.
O rito
Da mesma forma que o termo “mito”, “rito” é um termo polissêmico. É uma 
palavra usada em diversos ambientes — jurídico,

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