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CADERNO: “Culturas 
Indígenas”. 
 
Curso – O Jogo da Onça 
e outras brincadeiras 
indígenas. 
 
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SUMÁRIO 
 
1. A DIVERSIDADE DOS POVOS INDÍGENAS..................................................02 
Onça, Jaguar, Ming, Ponan mesmo animal para diferentes aldeias 
Índio: uma generalização impossível 
Mapa da população indígena nos municípios 2010 
Quadro de povos/etnias 
Visões estereotipadas sobre indígenas 
Auto declaração 
 
2. A ONÇA EM COSMOVISÕES INDÍGENAS.....................................................10 
A onça na floresta tropical brasileira 
A onça na cosmogia Guarani: vencer o jaguar para tornar o mundo habitável 
A onça na cosmogonia Kaingang: metades clânicas 
 
3. A RELAÇÃO ENTRE POVOS INDÍGENAS , MEIO AMBIENTE E OS 
ANIMAIS...........................................................................................................17 
Natureza e Cultura 
Relação entre Povos indígenas, meio ambiente e os animais 
Os “enfeites da terra” em uma terra devastada 
 
4. AS CULTURAS INDÍGENAS E A EDUCAÇÃO ESCOLAR ...........................23 
Educação indígena, Educação Escolar Indígena ou Educação sobre os indígenas. 
Educação Escolar indígena: da dominação à emancipação. 
Histórias e Culturas indígenas nas escolas não indígena. 
Como (não) abordar acerca dos indígenas nas aulas? 
 
5. JOGOS E BRINCADEIRAS NAS CULTURAS INDÍGENAS...........................24 
O sentido do brincar 
Passado, presente e futuro do brincar 
Jogos e brincadeiras indígenas: Ensaio de um Estado da Arte 
 
 
 
 
 
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1. DIVERSIDADE DOS POVOS INDÍGENAS 1 
 
Onça, Jaguar, Ming, Ponan, Acanguçu, Jaguareté, Thópre, Kuparak, 
Xivi, Sini, Tuty: mesmo animal, diferentes nomes em diferentes 
aldeias. 
 
 A palavra “onça” nos remete ao imaginário que temos a respeito desse animal, 
pautado pelas referências culturais presentes em nossa formação. Uma palavra 
permite acessar um conjunto de imagens e sensações compartilhadas entre os 
falantes de uma mesma língua. 
Ao iniciarmos este curso falando da “onça”, se dá pelo fato de tratarmos de 
uma formação sobre brincadeiras e jogos de origem indígena, no qual esse animal é 
um dos elementos determinante no Jogo da Onça. Você já pensou que as pessoas 
que o desenvolveram não o chamava assim? Como há centenas de línguas 
indígenas ainda faladas no Brasil, há também centenas de formas de nomear os 
animais, ao exemplo da onça... cada uma delas mobilizando, no imaginário de seus 
falantes, o significado que este ser possui em cada uma das culturas. 
 A língua de um povo carrega marcas da trajetória vivida nas relações sociais 
entre as pessoas que o integraram ao longo do tempo. Várias línguas europeias, 
foram incorporando o termos indígenas a exemplo do jaguar (onça), a medida que 
narrativas sobre a América chegavam até os europeus. A nova palavra, usada para 
nomear um animal até então desconhecido na Europa ,vinha das línguas indígenas 
do tronco Tupi-Guarani, e era uma modificação de jaguara ,ou na pronúncia mais 
antiga, iaguara. Os povos indígenas falantes dessas línguas, por sua vez, acabaram 
alterando seu modo original de nomear a onça, incluindo o termo eté: jaguareté quer 
dizer onça verdadeira. Tornou-se necessário dizer que existia uma onça verdadeira, 
porque o nome normalmente usado para nomeá-la foi “emprestado” a outro animal, 
até então desconhecido dos indígenas: o cachorro... que ainda hoje, nas aldeias 
Guarani é chamado de jaguá. As modificações sofridas pelo antigo nome indígena do 
animal que chamamos onça deram-se em duas direções: para quem vivia há tempos 
 
Texto construído para o “Curso Jogo da Onça parceria COCEU /COPED NERER/ junho/2016”, sob pesquisa do Técnico Daniel 
Righi, da Assessora Pedagógica em Etnomatemática Eliane Costa Santos e dos Formadores(as) / Arte educadores(as) na área 
de indígena: Adriana Gaeta Braga, Aline Valentini, Ana Blaser, Fabio Marcio Alkmin, Flaviana Benjamin dos Santos, Júlia de 
Abreu, Marcele Garcia Guerra, Nádia de Souza, Roger Muniz, Wagner da Rocha Moraes. 
 
 
 
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neste lado do mar na presença desse grande felino, e para quem chegou do outro 
lado trazendo cães em seus navios. 
 Mas jaguareté não é a única forma de chamar a figura central do nosso jogo: 
em Kaingang é ming; em Puri é ponan. E cada língua indígena traz também 
diferentes narrativas onde esse animal tão temido quanto admirado está presente. 
 
Índio: uma generalização impossível 
São tantos nomes quantas línguas e povos indígenas existentes nesse país 
chamado de Brasil. Estima-se que existam hoje no mundo pelo menos 5 mil povos 
indígenas, somando mais de 370 milhões de pessoas (IWGIA, 2015). No Brasil, até 
meados dos anos 1970, alguns pesquisadores e índices estatísticos apontavam que 
na escala de decréscimo, o desaparecimento dos povos indígenas seria algo 
inevitável. No entanto, nos anos 1980, verificou-se uma tendência de reversão da 
curva demográfica e, desde então, a população indígena no país tem crescido de 
forma constante, embora povos específicos tenham diminuído demograficamente e 
alguns estejam até ameaçados de extinção. 
Dos mais de 305 povos indígenas existentes no Brasil (Censo IBGE 2010), 
somam 896.917 pessoas, que corresponde aproximadamente a 0,47% da população 
total do país. Devemos ter bem claro — e isso é fundamental — que esta população 
não é homogênea, mas que possuem diferentes culturas, histórias e línguas. Calcula-
se, por exemplo, que hoje existam mais de 270 línguas indígenas faladas no território 
brasileiro. 
Isso nos leva a repensar o mito do “índio genérico”, uma visão singular, usada 
equivocadamente para representar toda essa imensa diversidade de culturas. Assim, 
quando vemos ou pensamos em um indígena, sempre devemos nos perguntar sobre 
sua etnia, a qual povo ele pertence. Inclusive, esta se tornou uma maneira mais 
precisa de auto-representação - a etnia enquanto parte do próprio nome do indivíduo, 
ou melhor, dizendo, o sobrenome. Dessa maneira, o escritor indígena Daniel 
Munduruku é da etnia Munduruku, do Pará. Da mesma forma, David Kopenawa 
Yanomami, é da etnia Yanomami, localizada no Amazonas. Pensar dessa maneira 
particularizada faz parte do respeito à diversidade de cada povo, reconhecendo a 
extrema pluralidade de povos indígenas (no plural) e evitando estereótipos 
reducionistas. 
Além da diversidade de povos, há a diversidade de situações em que esses 
povos se encontram. O maior ou menor contato com os europeus e seus 
 
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descendentes provocou impactos de proporções diferentes, tanto cultural como 
demograficamente. Os povos que vivem em terras demarcadas na época da 
formação do Parque Nacional do Xingu, por exemplo, vivem em condições muito 
distintas das que são enfrentadas pelos Guarani Kaiowá, que estão cercados pelo 
agronegócio. O mesmo pode ser dito dos Tupinambás de Olivença, em luta 
pela retomada de suas terras originais, em comparação com os Pankararu da cidade 
de São Paulo, que constituíram ao longo do tempo uma comunidade numerosa fora 
de seu território de origem. Assim, as condições de preservação de elementos 
culturais tradicionais dentro de cada povo têm variado muito desde o início da 
dominação portuguesa, sem que esse quadro tenha se alterado significativamente 
com a independência política brasileira ou com a República. 
De um modo geral, maior contato com europeus significou maior dificuldade de 
se manter o modo de ser próprio de cada etnia indígena. Mas isso não quer dizer, 
contudo, que a identidade desses povos tenha se perdido. Significa, mais 
concretamente, que cada etnia indígena teve que elaborar estratégias, com maior ou 
menor sucesso, para sobreviver ao mesmo tempo em que praticava sua cultura -com 
maiores ou menores transformações -e a legava para a geração seguinte.é uma característica humana intrínseca na formação individual e 
coletiva, estando intimamente ligada à produção de prazer, corporeidades, relações e 
afetos. Nesse sentido, é importante perceber o jogo e a brincadeira, para além do 
conjunto de suas regras, da maneira como essas regras são cumpridas e do 
resultado final; mas, de maneira mais ampla, como parte elementar do ethos social no 
qual se insere, em uma relação de mútua influência. Em outras palavras, os jogos 
praticados por determinada sociedade reproduzem, congregam e atualizam os 
valores culturais daquele grupo: 
 
Os jogos criam mundos de entretenimento. Eles instituem ordens que os 
regulam, e que estão envolvidos, de forma elementar, na ordem da respectiva 
cultura. Muitos jogos estão situados em uma relação mimética com um uso 
regrado de corpo de uma práxis social. Eles representam um agir regrado no 
interior de configurações sociais. [...] são muito simples as concepções nas 
quais os jogos são entendidos como mera execução de regras explícitas. Para 
podermos jogar, é necessário não somente o conhecimento das regras do 
jogo, mas também um ‘sentido de jogo’, que pode ser concebido em analogia 
ao conceito de Bordieu de um sens pratique. Este sentido mostra o jogo como 
um mundo entendido em si próprio. 
Nos elementos do jogo perpassam ações humanas em todos os níveis. Eles 
são parte da ação e do comportamento corporal, dão forma à linguagem e ao 
falar, e participam da criação de novos mundos. Os jogos são a mimese da 
práxis social e criam novas relações sociais de poder e estruturas sociais. 
(GEBAUER e WULF, 2004, p.158). 
 
Uma sociedade em que o esporte é a forma de jogo mais valorizada - como é 
o caso das sociedades ocidentais eurocêntricas - estabelece seus fundamentos nas 
relações de competição entre oponentes com vencedores no final . Lógica essa que 
remonta aos torneios, duelos, gladiadores e aos Jogos Olímpicos da Antiguidade. 
 
19 Texto construído para o “Curso Jogo da Onça parceria COCEU /COPED NERER/ junho/2016”, sob pesquisa do Técnico 
Daniel Righi, da Assessora Pedagógica em Etnomatemática Eliane Costa Santos e dos Formadores(as) / Arte educadores(as) 
na área de indígena : Adriana Gaeta Braga, Aline Valentini, Ana Blaser , Fabio Marcio Alkmin, Flaviana Benjamin dos Santos, 
Júlia de Abreu, Marcele Garcia Guerra, Nádia de Souza, Roger Muniz, Wagner da Rocha Moraes. 
 
 
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A vida em comum é instituída com base no princípio da separação e da 
delimitação das pessoas. As áreas sociais agonísticas têm, como pré-
requisito, o cada um por si. Somente um pode ganhar o jogo. O importante é o 
vencedor e não os vários perdedores (GEBAUER e WULF, 2004, p. 162). 
 
Nesse sentido, é possível observar a analogia que se estabelece entre a 
prevalência de um (no sentido de individual, único) vencedor no jogo com outras 
instâncias sociais: a prevalência de uma verdade, um deus, uma pátria, um líder, um 
proprietário, etc. Os desdobramentos dessa estrutura de pensamento totalizante são 
infindáveis e não cabem ser discutidos aqui. Ressaltamos apenas, o fato de que essa 
relação de antagonismo vencedor-perdedor está na base de uma ótica binária - de 
verdadeiro-falso, bom-ruim, eu-outro - através da qual interpretamos o mundo e que 
acaba por esfumaçar as nuances e complexidades das relações operantes no próprio 
jogo, assim como na sociedade, ao focar excessivamente no resultado. 
Diferentemente, os jogos praticados pelas populações indígenas 
frequentemente são de caráter coletivo e estimulam a relação entre as pessoas, uma 
vez que oportunizam a reunião da comunidade e adotam um caráter de 
confraternização e celebração. Alegrar-se com alguma coisa ou com alguém é o 
“sentido de jogo” nesse caso. O indígena festeja com o outro, e o jogo é instrumento 
para a interação lúdica coletiva. Em consonância com o que afirmam Gebauer e Wulf 
(2004), em certos casos, a regra do jogo explicita a função social de cada individuo o 
que ele pode ou não pode fazer. Há jogos que só os homens podem participar e 
outros que são exclusivamente femininos. O aspecto cognitivo e afetivo desses jogos 
faz pensar e demonstra o respeito ao mais velho, ao meio ambiente, aos animais. 
A importância dos jogos e brincadeiras nesses contextos vai além da mera 
manifestação de habilidades, pois tem em vista a formação integral (física, motora, 
cognitiva e social) dos sujeitos, atuando no seu desenvolvimento em relação a si 
mesmo e ao meio em que vive. Dessa forma, ganhar e perder são situações 
efêmeras e intercambiáveis. Ora eu ganho e ora eu perco; ora eu ofereço porque 
possuo em abundância, ora eu recebo porque preciso. Essa dinâmica de constantes 
trocas aparece também na relação entre o caçador e a caça que ele consegue ou não 
obter, na economia baseada na reciprocidade e em outros diversos aspectos sociais 
referentes às formas tradicionais de organização dos povos indígenas. 
Diante do que foi exposto, é possível considerar que a dimensão educativa 
está sempre presente nos jogos e brincadeiras praticados pelos povos indígenas. Em 
 
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consequência, tais práticas não podem ser consideradas como mero entretenimento; 
razão pela qual os próprios conceitos de jogo e brincadeira, tal como estamos 
acostumados a utilizar em nosso cotidiano, não podem ser simplesmente transpostos 
para o universo indígena. Torna-se necessário observar o papel que essa dimensão 
lúdica assume na estruturação das pessoas e das relações em cada povo. 
 
Passado, presente e futuro do brincar: processo para reflexão 
 
Nos dias de hoje, em cada área minimamente urbanizada do país em que 
vivemos, testemunhamos um gradual abandono das formas tradicionais do brincar 
que estiveram presentes por gerações entre as crianças brasileiras. Muitas dessas 
formas carregam uma inegável origem indígena, como ocorre nos jogos e 
brincadeiras a exemplo do Jogo da onça ( Bororo, Manchakeri, Guarani), do Gavião 
(Tikuna / AM); nas brincadeiras de perna de pau ( Xavante / MT), Arranca 
mandioca(Guarani / ES-SP), Cabas (Tikuna/AM); Gavião e Galinha (Tikuna / AM), 
Curupira (Tikuna / AM), Tucunaré ( Panará / PA) , Queixada(Panará / PA), Heiné 
Kuputisu (Kalapalo / MT), Marimbondo (Bororo / MT e Kamaiurá / MT), Tidymure 
(Paresi / MT e RO), Peteca(Tupi Guarani, Xavante), Boneca (Guarani), Pião, entre 
outros. A reiteração dessas práticas corporais ajudou a formar - durante o tempo e 
nos lugares em que predominou - certo perfil de pessoa, em que a dimensão corporal 
e o senso de coletividade , se fizeram muito mais presentes do que no contexto 
urbano atual. 
Talvez seja bastante elucidativo pensarmos de que forma se desenvolveram 
jogos e brincadeiras no passado e no presente. Os jogos eletrônicos, em franca 
expansão no mundo urbano contemporâneo, trazem a possibilidade de jogar sem o 
outro, de colocar a máquina no lugar do ser humano, ou jogar com uma outra pessoa 
até mesmo de outro continente sem que se saiba sequer o nome, ou mesmo se tenha 
uma imagem da pessoa. Essa forma de jogo ganha cada vez mais adeptos, e faz 
sentir seus efeitos na sociabilidade de crianças e adolescentes, bem como em sua 
percepção do mundo. 
Enquanto as formas lúdicas originárias foram moldadas a partir das relações 
sociais e do imaginário das pessoas envolvidas, os jogos de última geração são 
projetados por uma indústria, seguindo uma lógica de mercado. A reflexão sobre o 
papel dos jogos e brincadeiras na vida de uma sociedade -se é ou não de mero 
 
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entretenimento -é fundamental para o entendimento das visões de mundo que essas 
expressões da cultura carregam. 
A possibilidade de elaborar os próprios brinquedos a partir de materiais 
relativamente simples e facilmente encontrados na natureza representa uma enorme 
liberdade para a criança: é possível inventar brinquedos novos, assim como 
aperfeiçoaraqueles já conhecidos e, se determinado brinquedo se quebra ou se 
perde, basta fazer outro. A seguir descrevemos como confeccionar alguns brinquedos 
de origem indígena. 
 
 
 
 
Foto: Roger Muniz Foto: Roger Muniz 
 
 
Jogos e brincadeiras indígenas: Ensaio de um Estado da Arte 
 
São infindáveis os jogos e brincadeiras praticados pelas as diversas etnias 
indígenas, tanto por crianças quanto por adultos. Sabemos o quanto essa herança 
influenciou e segue influenciando na formação da população brasileira como um todo. 
Em geral as brincadeiras são inspiradas nas práticas da vida cotidiana e os 
brinquedos são elaborados a partir de elementos do ambiente. Assim, é comum que 
brincadeiras indígenas lancem mão de personagens animais ou de metáforas 
agrícolas, por exemplo. Mas é importante lembrar sempre que toda cultura humana é 
 
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dinâmica e está constantemente se reinventando através dos tempos. Da mesma 
forma, as brincadeiras são criadas e recriadas a cada vez e novas brincadeiras e 
jogos surgem em todas as épocas. O objetivo maior é desfrutar da companhia dos 
amigos e entender que brincar é uma maneira de aprender: as dinâmicas sociais, o 
uso do próprio corpo e cognição na resolução de desafios, o manuseio de 
ferramentas para construção de brinquedos, etc. 
 Para elucidar faremos um ensaio de um Estado da Arte de Jogos e 
brincadeiras indígenas, encontradas pelo Brasil e que podemos reconhecer em nosso 
cotidiano de diferentes formas. 
 
JOGO DA ONÇA 
 
Jogo da Onça, é um jogo de tabuleiro praticado pelos indígenas Bororo no 
Mato Grosso, pelos Manchakeri no Acre e pelos Guarani em São Paulo. O tabuleiro 
pode ser desenhado na terra e pedras e sementes podem ser usadas como peças. 
É praticado entre dois jogadores. Um jogador fica com a Onça e o outro 
jogador fica com as 14 peças de cachorro. O objetivo de quem está com a Onça é 
capturar cinco peças do cachorro. E o objetivo de quem está com os cachorros é 
encurralar a Onça em sua toca. 
 
 
 
 Foto: Arquivo Égnon Viana 
 
PERNA DE PAU 
 
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Xavante - MT 
 
 As crianças Xavante gostam de brincar de perna de pau. Saem em grupo para 
a mata, carregando seus facões à procura de madeiras adequadas para construir 
seus brinquedos. Dois troncos retos são o suficiente para a construção da perna de 
pau. No meio ou na altura desejada, coloca-se uma forquilha - nem muito curva, nem 
muito aberta - em cada um dos troncos para encaixar os pés da criança. O desafio da 
brincadeira é permanecer em pé e/ou caminhar pelo espaço pelo máximo de tempo 
sem perder o equilíbrio. 
 
ARRANCAR A MANDIOCA 
Guarani - ES e SP 
 
 Foto: Roger Muniz / Projeto: Nossa Aldeia o Brincar/ Programa Mais Cultura nas Escolas 
 
É uma brincadeira que ainda hoje os Guarani do Espirito Santo e de São Paulo 
praticam. Os participantes se sentam no chão, um atrás do outro. O primeiro da fila 
será o “dono da roça” e deve agarrar-se a uma árvore ou poste. O segundo entrelaça 
seus braços pela barriga do companheiro da frente, e assim sucessivamente, até que 
todos estejam firmemente agarrados um aos outros e prontos para começar. Um dos 
participantes (precisa ser alguém forte) é escolhido para arrancar, uma a uma, as 
 
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“crianças mandiocas”, começando pela última da fila. Porém, é necessário primeiro 
consultar o “dono da roça” que é quem dá autorização para que cada uma das 
“mandiocas” seja colhida. Entre os Guarani vale usar diversas estratégias para 
conseguir arrancar a mandioca, até mesmo fazer cócegas ou pedir ajuda para alguém 
que já saiu da fila. Essa brincadeira é bastante divertida e faz alusão ao uma prática 
corriqueira entre povos agricultores, que é o cultivo da mandioca, assim como 
desenvolve e valoriza a habilidade da força. 
 
Foto: Roger Muniz/ Projeto: Nossa Aldeia o Brincar/ Programa Mais Cultura nas Escolas 
 
JOGO DO GAVIÃO 
Tikuna - AM 
 
Essa brincadeira é praticada entre os Tikuna, na região centro-oeste do 
Amazonas, no Alto Rio Solimões. Em fila, as crianças seguram o corpo do colega da 
frente com as mãos. A primeira criança da fila posta-se como o gavião e emite um 
som de “piu”. O som quer dizer “estou com fome”. A próxima criança da fila estende a 
perna ofertando ao gavião, dizendo “quer isso?” e o gavião responde negativamente 
até chegar à última criança, a que o gavião finalmente diz “sim” e segue perseguindo 
sua presa. Os outros participantes impedem que o gavião alcance sua presa, o que 
faz a fila pender de um lado ao outro, na imagem de um “C”. Caso o gavião consiga 
capturar sua presa, a leva para o ninho e sai em busca de novas presas até que toda 
a fila seja capturada. 
 
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CABAS – Maë 
Tikuna - AM 
 
 Para brincar as crianças se dividem em dois grupos, sendo que um representa 
as cabas e o outro, os roçadores. As crianças do grupo das cabas sentam-se frente a 
frente fazendo um círculo, deixando as palmas da mãos viradas para cima. Os 
roçadores se aproximam do grupo de cabas fazendo movimentos com as mãos que 
simulando um plantio e tomando cuidado para não tocar na palma das mãos do grupo 
das cabas, que estará cantando e balançando os braços para cima e para baixo. Ao 
tocar o ninho das cabas essas voam para picar o grupo de roçadores. Permanece no 
jogo a criança que não for picada pelas cabas. 
 
GAVIÃO E GALINHA - O’ta i inyu 
Tikuna - AM 
 
 Nessa brincadeira uma criança é escolhida para ser o gavião, que almeja 
capturar os pintinhos da galinha. A criança que representa a galinha permanece, 
durante a brincadeira, de braços abertos protegendo outras crianças que representam 
seus pintinhos. A regra para capturar os pintinhos é que o gavião só poderá pegar o 
último. Assim, a criança que representa a galinha dá voltas impedindo a captura do 
gavião. Nesse movimento cíclico o gavião só pode capturar suas presas pelas 
laterais. As crianças que são capturadas saem do jogo, aguardando a próxima 
rodada. 
 
CURUPIRA 
Tikuna - AM 
 
 Esta brincadeira faz parte da infância de muitas crianças, com diferentes 
nomes a brincadeira se repete em muitos locais do Brasil. Na etnia Tikuna ela recebe 
o nome de Curupira. Venda-se os olhos de uma das crianças, enquanto outra se 
aproxima e faz com que a criança vendada dê voltas. Ao término das voltas, 
pergunta: “o que você perdeu?”. A criança vendada responde, por exemplo, “perdi 
uma agulha”. Outras perguntas podem ser feitas a partir do imaginário de cada 
brincante e, assim que todos tiverem feito suas perguntas, a última pessoa indaga: “o 
 
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que o curupira quer comer?”. Ao tirar a venda a criança que representa o curupira não 
encontra a comida sugerida e dispara atrás das crianças que fogem para não serem 
pegas. As que forem apanhadas aguardam a próxima rodada no papel de curupira ou 
de presa. 
 
TUCUNARÉ 
Panará – PA 
 
Certa vez Perankô, professor Panará da Escola Indígena Matukre, percebeu 
que os peixes menores do rio preferiam viver nas águas mais rasas, ao passo que o 
Tucunaré, peixe grande, permanecia no fundo. Quando este último tentava pegar os 
peixes menores, assim que eles chegavam ao raso, o Tucunaré voltava para o seu 
lugar no fundo. A brincadeira surgiu então dessa observação. 
O espaço do brincar é delimitado por paus fincados no chão e amarrados por 
barbante, separando o “raso” do “fundo”. São dois quadrados, um dentro do outro. No 
de dentro fica o “fundo”, onde há quatro Tucunarés que têm como objetivo pegar os 
peixes pequenos. No quadrante de fora (raso) há 6 “portais” por onde 8 a 10 
peixinhos podem escapar quando atacados pelos Tucunarés, que por sua vez não 
podem sair pelas portas por ser raso demais e precisam voltar ao fundo. Cada 
peixinho capturado entra no quadrado menor (fundo) e permanece lá até que todos 
tenham sido pegos. 
 
ONÇA 
Panará - PA 
 
Na aldeia Nasêpotiti,situada na Terra Indígena Panará, muitas brincadeiras 
estão relacionadas com os animais da região, sendo que uma das principais 
brincadeiras é a da onça. Nesse jogo existe um pássaro, o pekã, que avisa o perigo 
da onça aos porcos, que logo fogem do felino. Uma criança faz o papel do pekã e fica 
em cima de um lugar alto que simboliza o Céu. Outra criança é escolhida para ser a 
onça. Os outros participantes sentam em fila, um atrás do outro, representando os 
porcos. A última criança da fila, deve sair de seu lugar com o objetivo de sentar na 
frente da fila sem ser pega pela onça. O pássaro dá o aviso para o porco sair. Sem 
esse aviso, o porco não pode correr em direção ao começo da fila. Se a onça 
 
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consegue pegar o porco, o leva para um canto e a fila de porcos vai diminuindo. A 
brincadeira acaba quando a onça consegue capturar todos os porcos. 
QUEIXADA (NANKIÔ) 
Panará - PA 
 
Para os Panará, os bichos no passado também eram gente. Assim, os animais 
faziam aldeias, festas, caçadas. Essa etnia aprendeu com seus antepassados a 
brincadeira da queixada. As queixadas da aldeia gostam de bagunçar tudo. As 
crianças são pintadas com jenipapo ou urucum e saem enfileiradas cantando a 
música da queixada até chegar em alguma casa no centro da aldeia. Lá os meninos, 
assim como as queixadas que são caçadas, são dispostos um a um em roda como 
organizam as caças, em um jirau, para serem assadas no calor da brasa e fumaça. 
Nessa brincadeira, as crianças viram queixadas e recriam o modo como os antigos 
viviam quando os bichos eram humanos. As crianças vivem em seu corpo toda a 
ancestralidade do seu povo. 
 
 
HEINÉ KUPUTISÜ 
Kalapalo - MT 
 
Nessa brincadeira, compartilhada por crianças e adultos Kalapalo no centro da 
aldeia, os participantes formam uma fila na horizontal. Marca-se uma linha no chão, 
determinando o ponto de largada, e outra linha mais à frente, que será o ponto de 
chegada. Cada pessoa terá de correr da linha de partida até a de chegada, em um pé 
só, sem trocar de pé. Os participantes que conseguirem ultrapassar a linha de 
chegada serão considerados vencedores. Se ninguém conseguir chegar lá, vence 
quem for mais longe. 
Há uma variante da brincadeira: podem ser formados dois times e a corrida é 
feita em duplas, um de cada time. No final, vence o grupo que teve mais participantes 
a ultrapassar a linha de chegada 
 
 
MARIMBONDO 
 
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Bororo - MT e Kamaiurá - MT 
 
Os grupos se dividem entre meninos e meninas. Um grupo representa a 
comunidade e deve simular as atividades cotidianas da aldeia (a caça, a pesca, a 
confecção do artesanato, entre outras atividades); enquanto o outro grupo representa 
os marimbondos, devendo construir um ninho na areia e reproduzir aquele zumbido 
característico. Cabe ao primeiro grupo tentar destruir o ninho dos marimbondos para 
que eles não invadam as casas. Os marimbondos por sua vez defendem seu ninho, 
correndo atrás das crianças do outro grupo e tentando picá-las. Nesse momento 
todos se divertem, pois acontecem muitos tombos e muitas crianças rolam na areia 
 
TIDYMURE 
Paresi - MT, RO. 
 
Esse jogo é praticado exclusivamente por mulheres. Elas definem um 
retângulo de 15 metros de comprimento por 1 metro de largura. Em cada quina desse 
retângulo, elas fincam na areia um pino de bambu que contém na parte de cima, uma 
semente de milho. Com uma bola feita da fruta do marmeleiro, elas tentam tocar os 
pinos. Ganha a equipe que juntar mais pontos, ao atingir os pinos. 
 
PETECA 
“Peteca” é um nome de origem Tupi que significa “tapear”, “golpear com as 
mãos”. Muitos povos usam esse brinquedo, de diferentes formas. Por exemplo, entre 
os Xavante o jogo se parece um pouco com a nossa “queimada” e é jogado com 
várias petecas ao mesmo tempo (quatro ou seis) e com dois jogadores a cada vez. 
As demais crianças aguardam sentadas, assistindo. A um sinal do coordenador do 
jogo, os dois jogadores da partida arremessam as petecas, na direção do adversário, 
tentando atingi-lo e, ao mesmo tempo, cuidando para não ser atingido. Quem for 
atingido por uma das petecas, sai do jogo, cedendo seu lugar para outro jogador, que 
é uma das crianças que estão sentadas e a disputa recomeça, sucessivamente, até 
que todos tenham tido a oportunidade de jogar. 
 
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Já entre os Guarani a brincadeira é girá-la como um helicóptero, 
arremessando-a bem o mais alto e longe possível. 
 
 
 Materiais necessários: palha de uma espiga de milho. 
 
Como fazer: retire a palha da espiga, evitando rasgá-la. Dobre a primeira folha, 
enrolando-a até formar um quadrado de mais ou menos 4 centímetros de lado. Esta 
será a base da peteca, que deve ser envolvida com as demais folhas. Repita esse 
embrulho até chegar ao tamanho desejado. Deixe as extremidades soltas para cima, 
formando as "penas" da peteca. Por fim, tire um pedaço mais fino da palha que 
sobrou, formando uma tira e com ela amarre o brinquedo, unindo a parte das folhas 
que estão soltas. 
 
Variação: também podem ser feitas com a casca da bananeira ou com penas de 
galinha e um sabugo de milho dividido ao meio. 
 
BONECA GUARANI 
 
 
46 
 
 
 
Fotos: Roger Muniz 
Materiais necessários: cabaça em formato de boneca 
 
Como fazer: com algum instrumento de ponta, raspar a cabaça para formar os pontos 
dos olhos e a boca. Em seguida misturar cinza com óleo e água para produzir uma 
“tinta” pastosa, que será usada para preencher os pontos com a tinta pintando os 
detalhes do rosto. 
 
 
PÁSSARO DE BRINQUEDO 
 
 
47 
 
 
 
Foto: Roger Muniz 
 
Materiais necessários: espiga de milho, folhas, graveto, linha e tesoura sem ponta. 
 
Como fazer: escolher uma das pontas da espiga de milho para abrir um orifício onde 
será inserido a folha para a cauda do pássaro. Após isso, partir e espiga ao meio e 
juntar as partes com um graveto. Abrir um orifício nas laterais para inserir as asas do 
pássaro. Ao final, amarrar as pontas da espiga com linha e no graveto que 
suspenderá o pássaro. 
 
Referências bibliográficas 
 
48 
 
 
 
CALDERARO, K. C. C. A ludicidade da criança Tikuna. Manaus: Governo do Estado 
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CALLOIS, R. Os jogos e os Homens - A máscara e a vertigem. Lisboa: Cotovia, 1990. 
GEBAUER, G. e WULF, C. Mimese na Cultura - Agir social - Rituais e jogos - 
Produções estéticas. São Paulo, Annablume, 2004. 
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Paulo, Edições SESC, 2010. 
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http://www.motricidade.com/index.php/repositorio-aberto/40-docencia/1194-
brincadeiras-e-jogos-da-crianca-indigena-da-amazonia-algumas-brincadeiras-da-
crianca-tikuna 
 
Links: 
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https://pibmirim.socioambiental.org/como-vivem/brincadeiras 
http://criandocriancas.blogspot.com.br/2008/04/jogos-brinquedos-e-brincadeiras.html5 
 
 
Mapa da População Indígena em 2010 
 Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2010. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
6 
 
 
 
 
Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2010. 
 
 
 
7 
 
 
Visões estereotipadas sobre indígenas 
 
A ideia que a maioria dos brasileiros faz dos indígenas é fruto de uma 
construção elaborada por quem produziu relatos e imagens a respeito deles, num 
contexto de legitimação de um processo de expropriação de terras e de apagamento 
de identidades. Em outras palavras, os livros que alimentaram as mentes de 
gerações nos bancos escolares foram escritos com o interesse de colocar a questão 
indígena o mais distante possível do cidadão brasileiro médio, tanto no tempo como 
no espaço. No tempo, porque ao tomar como referência para reconhecer o indígena 
uma imagem do século XVI, torna impossível identificar como tal todas as culturas 
que, sobrevivendo até os dias atuais, passaram por transformações. No espaço, 
porque restringe à mata virgem o local passível de ser ocupado pelo indígena, 
tornando a destruição das florestas equivalente à destruição das populações que 
nelas viviam, desconsiderando os povos que conseguiram resistir a esse processo. 
O censo de 2010 revelou que, do total de 896.917 de população indígena, 
324.834 pessoas vivem em cidades e 572.083 em áreas rurais. Este dado registra o 
aumento expressivo da presença dos povos originários nas áreas urbanas. O senso 
comum frequentemente desqualifica os indígenas em contexto urbano por se 
apropriarem de elementos correntes da cultura desses locais. 
O debate científico a respeito das culturas humanas de toda e qualquer povo 
não indígena, já reconhece, há algum tempo, que elas não são estáticas e que 
costumam incorporar e ressignificar elementos de origem externa. No entanto, 
costuma-se exigir das culturas indígenas uma suposta “pureza” que se torna 
impossível quando há contato com outros povos. Ninguém se atreve a questionar a 
autenticidade da cultura grega antiga por terem estudado no Egito muitos de seus 
sábios, trazendo de lá muita influência. Ninguém fará o mesmo com os romanos 
antigos pela influência grega que traziam. Não se fará isso com todos os povos da 
Europa – que ainda ostentam na formação da nacionalidade muita coisa de tempos 
pré-romanos –por seu caldo cultural comum trazido do império romano, e também do 
cristianismo. Não se faz isso com os povos orientais por adotarem costumes e 
técnicas do ocidente. Não se cobra dos negros brasileiros ou norte-americanos que 
vivem conforme os costumes de seus antepassados africanos. Mas é cobrado dos 
indígenas que vivem no Brasil que mantenham suas culturas no mesmo patamar de 
antes da chegada dos portugueses, que recusem toda a influência europeia ou de 
qualquer parte do mundo; ainda que os brasileiros que os rodeiam não se sintam 
 
8 
 
 
menos autênticos por usarem várias palavras em inglês, por usarem tecnologia 
japonesa ou por terem uma base judaica na religião – ou mesmo por chamarem de 
português uma língua que é, em grande parte, banto e tupi. Existe ainda uma série de 
conquistas tecnológicas (celular e computador, por exemplo) que são de uso comum 
no mundo todo, e que não são consideradas ‘descaracterizantes’ para nenhum povo 
que as utiliza – a não ser para os indígenas. 
 A exigência de que o indígena não possa incorporar elementos externos à sua 
cultura dificulta que ele o faça de modo respeitoso para com suas tradições –
aproveitando e reelaborando somente o que interessa – e cria uma situação em que, 
ou ele assume que está deixando de ser indígena e o faz de vez, ou nega a influência 
da sociedade envolvente, fechando-se a qualquer atualização de uma tradição que 
perde, a cada dia, as condições materiais para sua existência. 
 
Autodeclaração 
Para aqueles povos que, expulsos de suas terras e sofrendo perseguição, 
conseguiram manter até hoje sua identidade apoiada na parte preservada da cultura 
e no senso coletivo de pertencimento – protegidos pelo manejo de elementos 
culturais não indígenas, que permitiram a eles não serem reconhecidos e perseguidos 
como tal – resta ainda a acusação de alguns poucos antropólogos de que eles não 
são mais indígenas. Cabe perguntar tanto sobre a pertinência desta afirmação – 
baseada na negação da possibilidade do próprio grupo ou indivíduo afirmarem seu 
pertencimento, conferindo esta autoridade a um membro externo à cultura em 
questão – como também a quem interessa que se negue a identidade dessas 
pessoas – na medida em que o reconhecimento de povos indígenas abre espaço 
para a reivindicação de terras que tradicionalmente foram ocupadas por eles. 
O Estado Brasileiro, quando em 2004 acolhe em seu ordenamento jurídico a 
Convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho) para Povos 
Indígenas e Tribais (1989), reconhece como critérios de definição do pertencimento 
indígena de uma pessoa a “autodeclaração e consciência de sua identidade indígena” 
e o “reconhecimento dessa identidade por parte do grupo de origem”. Isso tem 
possibilitado que muitas pessoas, cujas famílias sofreram com a perseguição, o 
genocídio e o etnocídio contra indígenas, encontrem respaldo legal para assumirem 
sua identidade. Essa orientação representa um avanço em relação ao contexto 
anterior de reconhecimento de povos indígenas no país, que estava totalmente 
condicionado a laudos antropológicos, à ação da FUNAI e trâmites burocráticos de 
 
9 
 
 
vários níveis (o que ainda ocorre, quando o assunto é reivindicação de terra 
indígena). Vários povos dados oficialmente como extintos tem questionado essa 
versão, num processo que já ocorria com dificuldades várias desde a primeira metade 
do século XX e que ganha força a partir da Constituição de 1988. 
 
 
Referências bibliográficas 
LEMOS, M. S. Vocabulário da Língua Puri (Português-Puri). Rio de Janeiro: Edição 
do Autor, 2012. 
OLIVEIRA, J. P. (org.). A viagem da volta: etnicidade, politica e reelaboração cultural 
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NAVARRO, E. de A. Método moderno de tupi antigo: a língua do Brasil dos primeiros 
séculos. São Paulo: Global, 2005. 
SAHLINS, M. Cultura e Razão Prática. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2003. 
 
Links 
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http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/periodicos/95/cd_2010_indigenas_universo.pdf 
http://www.iwgia.org/culture-and-identity/identification-of-indigenous-peoples 
http://www.portalkaingang.org/lgua_kaingang.pdf 
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/decreto/d5051.htm 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
10 
 
 
2. A ONÇA EM COSMOVISÕES INDÍGENAS 2 
 
A onça na floresta tropical brasileira 
 
Se por vício de reprodução daquilo que é veiculado pela mídia pode ecoar em 
nossas memórias a ideia de que o leão é o “rei da floresta”, no Brasil é a onça que 
deveria ter esse status. Afinal, na Floresta tropical Brasileira, a onça é o predador que 
ocupa o topo da chamada cadeia alimentar. O ser humano - enquanto animal que 
desenvolve técnicas e tecnologias engenhosas de habitar os espaços, cultivar 
alimentos, caçar animais, etc.,- se coloca também no topo da cadeia alimentar. 
Assim, esse felino de beleza exuberante é aquele entre os animais que possui 
relativa igualdade com o humano, portanto poderia efetivamente ameaçá-lo. Isso gera 
situação ambígua, pois a onça pode ser uma ameaça e ao mesmo tempo um aliado 
poderoso. Talvez por isso adquira frequente importância nas culturas e nos mitos de 
origem indígenas, às vezes tida como um ser perigoso e maligno e outras como um 
irmão ou parente. 
Na condição de ameaça a um determinado povo e obrigando-o a se proteger, 
a onça contribui para uma atitude de união e colaboração entre as pessoas, e para 
uma atitude de respeito em relação ao ambiente ao redor; o ser humanoentende que 
ele não é o ser mais poderoso e nem o mais importante da natureza, mas sim que ele 
é um ser integrado, em relação de interdependência perante os outros seres. 
Enquanto aliada, a onça contribui exatamente para essa atitude de integração e 
respeito perante a natureza, que passa também pela espiritualidade, pois é 
necessário entrar em contato com todos os seres e fazer-se “bem vinda” por eles. 
 
A onça na cosmogonia3 Guarani: vencer o jaguar4 para tornar o 
mundo habitável 
 
2
Texto construído para o “Curso Jogo da Onça parceria COCEU /COPED NERER/ junho/2016”, sob pesquisa do Técnico Daniel 
Righi, da Assessora Pedagógica em Etnomatemática Eliane Costa Santos e dos Formadores (as) / Arte educadores (as) na área 
de indígena: Adriana Gaeta Braga, Aline Valentini, Ana Blaser , Fabio Marcio Alkmin, Flaviana Benjamin dos Santos, Júlia de 
Abreu, Marcele Garcia Guerra, Nádia de Souza, Roger Muniz, Wagner da Rocha Moraes. 
 
3 As cosmogonias são as lendas, os mitos as histórias de origem do mundo de cada cultura, 
no qual princípios, míticos, espiritualistas explicam e influenciam a visão de mundo. As 
cosmologias são lendas, mitos ,histórias de origem do mundo de cada cultura, sendo mais 
conceituais , sistemáticas e tem uma autoria. E a cosmovisão é o modo, concepção, visão 
subjetiva de perceber o mundo. 
 
11 
 
 
Diversos relatos sobre cosmogonia dos povos Guarani tem sido coletados por 
estudiosos e as versões variam bastante. Existem dois grandes ciclos narrativos 
sobre a origem do mundo e da humanidade. O primeiro ciclo conta do surgimento do 
casal originário, “Nosso Pai” e “Nossa Mãe”, que funda a protofamília humana, que se 
desdobra em outros casais, enfatizando o aspecto de dualidade que compõe a 
cosmovisão guarani. O segundo ciclo trata da saga de seus filhos gêmeos, o “Irmão 
Maior” (associado ao Sol) e o “Irmão Menor” (associado à Lua), os heróis culturais 
que tornam o mundo habitável para os seres humanos. 
Ñande Ru (Nosso Pai), que também é chamado de “Nosso Avô”, “Nosso 
Grande Pai”, “Nosso Pai Último-Primeiro”, “Nosso Pai o Sol”, “Eloqüente Dono da 
Palavra” -entre outras denominações -toma forma a partir do fluido vital “Jasuka”5 em 
um processo que é descrito como “o desabrochar de uma flor”. Seguindo essa 
metáfora ele descobre-se e desdobra-se à medida que cria e sustenta o mundo com 
a extremidade da vara insigne que leva em suas mãos. Ele é representado também 
pelo “papagaio da boa palavra”. Ele é o primeiro personagem que cria a proto-roça e 
cultiva o milho, alimento fundamental nas culturas Guarani. 
 
Os Apapokuva contam que “à medida que ‘Nosso Pai’ avançava, derrubando a 
mata, a roça atrás dele plantava-se sozinha. As sementes brotavam e, quando 
ele retornou para casa, as espigas já começavam a madurar” (NIMUENDAJÚ, 
1987, p. 48 apud CHAMORRO, 2008, p.130). 
 
Ñande Sy (Nossa Mãe), cujo um dos nomes sagrados é também Jasukávy, 
aparece nesse ciclo narrativo como resultado da ação de Ñande Ru. Em alguns 
relatos coletados entre os chiripá, apapokuva e kaiowá ela é “descoberta” (jejou) 
dentro ou debaixo de uma panela tradicional; enquanto entre os paĩ-tavyterã ela é 
“levantada” (ñemopu’ã), verbo que faz referência à ação de dotar verticalidade e 
tornar-se humano, a partir do centro do jeguaka (enfeite de cabeça, símbolo da 
humanidade masculina) de Ñande Ru. Em ambos os casos há a ideia de que a 
mulher já existia antes da sua “criação”. Entre os Guarani, é Ñande Sy quem funda as 
características atuais da agricultura e a mobilidade geográfica do grupo. 
 
4 Jaguar ou jaguara é o termo de origem tupi-guarani para nomear a onça. 
5
 Substância original, princípio feminino ativo do universo, fluido vital do qual se originou o universo. 
Emblema da feminilidade, orvalho, água, árvore da vida. É fonte de vida, “uma espécie de motor”, 
Capaz de recompor as pessoas, omyatyrõ. Jasuka ou Jasukávy é a base espumante da cruz, de onde 
procede a vida. 
 
 
12 
 
 
Um conflito primordial é instaurado entre Ñande Ru e Ñande Sy, fazendo com 
que o primeiro abandone a terra antes de torná-la habitável para os humanos. 
Algumas versões Kaiowá contam que quando Ñande Ru e Ñande Sy estavam para 
se multiplicar, recebe a visita de Papa Réi6 quando Ñande Ru estava na roça. Este 
ficou desconfiado e até irado quando soube da visita, pois acreditou que Papa Réi 
teria mantido relações sexuais com sua esposa. Então decidiu ir embora para sua 
morada celeste. Despediu-se dizendo a ela que “se fores verdadeiramente meu 
adorno (minha esposa), saberás chegar à minha morada” e saiu relampeando para 
iluminar o seu caminho. Além disso, enviou um vento muito forte para provocar 
Ñande Sy. Ela não se irritou, pegou o bastão de ritmo das mulheres e entoou o 
primeiro canto enumerando todas as divindades, a terra e as criaturas. Em outras 
versões Ñande Sy tem relações com Mba’ekuaa7, Aquele-que-sabe, logo depois de 
ter sido encontrada por Ñande Ru. 
 
A versão dos Apapokuva, que conhecemos graças a Nimuendaju, diz o 
seguinte: chegando à casa, “Nosso Pai” teria pedido a sua mulher que fosse 
colher milho da roça. A mulher, irritada com a solicitação do marido, não o 
levou muito a sério, pois ele acabara de fazer a sementeira. Ofendido com a 
atitude da proto-mulher, “Nosso Pai” decidiu deixar a terra. Sua esposa teria 
agravado seu desacato acrescentando maldosamente: “Não estou grávida de 
ti, mas de Mba’ekuaa (d’Aquele-que-sabe)!” (Nimuendaju, 1987, p. 135). A 
reação de “Nosso Pai” é tranquila, e revela a atitude de um verdadeiro 
Guarani: “Não responde, e muito menos castiga diretamente a desobediência” 
(Nimuendaju, 1987, p. 49). Ele abandona o lugar, ocasionando com sua 
partida um processo migracional. (CHAMORRO, 2008, p. 131) 
 
Ñande Sy estava grávida de gêmeos quando foi abandonada pelo marido. 
Disposta a reencontrá-lo ela se paramentou e saiu à sua procura guiada pelos filhos 
ainda não nascidos. No caminho ela brigou com o “Irmão Maior” ao ser picada por um 
inseto quando tentou colher uma flor. O filho repete a atitude tipicamente guarani de 
 
6
 Figura mítica através da qual os Paĩ-tavyterã contam a origem dos não-indígenas. Possivelmente o 
termo faz alusão mesmo às figuras de autoridade do Papa e do Rei. Para Bartolomeu Meliá - jesuíta e 
antropólogo, estudioso da língua e cultura Guarani - na narrativa em questão, essa figura seria o duplo 
de “Nosso Pai” e a crise travada entre eles não passaria de um conflito do proto-pai com suas próprias 
energias interiores, que tentam dividi-lo. Essa noção dualista está em consonância com o dualismo 
maniqueísta, mas como um processo de desdobramento sucessivo que organiza e dá sentido ao 
mundo. 
7
 Aparentemente esse personagem é o mesmo que Papa Réi. 
 
 
13 
 
 
não discutir, porém também não esquece a ofensa. Mais adiante, quando chegam a 
encruzilhada, o filho decidiu se vingar: percebeu que a mãe escolheu o caminho que 
conduz à casa dos jaguares e não a alertou disso. Os jaguares devoraram Ñande Sy 
deixando os gêmeos órfãos. 
 
Os irmãos viveram na casa dos jaguares até que o papagaio lhes disse que 
eles moravam com os assassinos de “Nossa Mãe”. Depois dessa revelação, 
eles saíram à procura dos restos da sua finada mãe. Após tê-los encontrado, a 
primeira grande tarefa de Kuarahy8 foi tentar ressuscitar sua progenitora, 
modelando sobre seus ossos um novo corpo feito de terra. Ele não conseguiu 
levar a obra a termo por uma imprudência de seu irmão menor. Ocorre a 
segunda morte de “Nossa Mãe” e com isso os irmãos ficam, definitivamente, 
órfãos. Então decidiram se vingar dos jaguares e se puseram a caminho para 
tal. Caminhando, eles humanizaram o mundo, deixando-o habitável, prontopara ser morada do ser humano. Deram nome às frutas silvestres e a alguns 
animais; fizeram armadilhas; roubaram o fogo dos urubus; descobriram outros 
seres humanos, alguns inimigos e seus futuros cunhados. (CHAMORRO, 2008 
p. 132) 
 
Para humanizar o mundo, os Irmãos tiveram que derrotar o jaguar – 
representado também como Aña, uma espécie de demônio –, o único animal que 
pode comer o ser humano e rivalizar com ele. Inicialmente não havia diferença entre 
os seres humanos e o jaguares, uma vez que os gêmeos viveram na casa dos felinos 
e foram criados como seus iguais. “Vencendo o jaguar, o ser humano, na figura dos 
irmãos, inaugura a ordem no mundo” (Chamorro,2008 p. 134). 
Em uma de suas muitas travessuras, porém, o “Irmão Menor” causou um 
problema com Aña e foi morto por ele, fazendo com que o “Irmão Maior” tivesse de 
ressuscitá-lo a partir de seus ossos. Já cansado das trapalhadas do irmão, o “Irmão 
Maior” decidiu separar-se dele aparecendo apenas quando ele se esconde e assim é 
instaurado o ciclo do dia e da noite. Essa necessária e desafiadora colaboração entre 
os diferentes apresentadas pelos Gêmeos propõe o modelo de solidariedade para a 
vida coletiva. 
Dispostos a enfrentar todas as dificuldades para encontrar Nosso Pai, os 
irmãos são desafiados por este último a construir um caminho que os levasse até ele. 
 
8
 O Sol. O mesmo que Pa’i Kuara. Símbolo do “Irmão Maior”. 
 
 
14 
 
 
O “Irmão Maior” resolve a questão inventando muitas flechas e construindo uma 
coluna pela qual ambos conseguem ascender à morada de Ñande Ru para ocuparem 
seus respectivos lugares no céu. O “Irmão Maior” recebe de Ñande Ru a 
indumentária e os atributos que o tornam o grande xamã. O “Irmão Menor” reencontra 
Ñande Sy e mama nos seus seios. 
 
Quando os dois irmãos finalmente chegaram à casa de “Nossa Mãe”, foram 
recebidos pela arara, que lhes ofereceu frutas, pão, mel silvestre e bebida feita 
de milho. “Nossa Mãe” os cumprimentou com a saudação lacrimosa típica dos 
Tupi-Guarani e lhes disse: “Na terra, a morte é o fim de vocês. Não voltem 
para lá, fiquem agora aqui!” E iniciou-se a festa! (CHAMORRO, 2008, p.134) 9
 
 
A onça na cosmogonia Kaingang: metades clânicas 
 
O mito de origem dos Kaingang também remete a uma dupla de heróis 
culturais, Kamé e Kairu (Kañeru). Segundo os relatos coletados por VEIGA ( 2006), os 
primeiros Kaingang saíram do chão, em dois grandes grupos. Esses grupos não são 
espacialmente localizadas, como os Guaranis, isto é, não tem "posições" definidas da 
moradia no espaço geográfico da aldeia. Como também, não constroem aldeias 
circulares ou semicirculares, comuns a todos os outros Jê e aos Bororo, e portanto 
não demarcam a oposição espacial entre centro / periferia, masculino/feminino, 
público/privado, individual/coletivo que se têm apresentado como característica dos 
demais povos Jê (Veiga, 2006) 10 
Os KAMÉ estão relacionados ao Oeste e à pintura facial com motivos 
compridos ( râ téi ), e os Kairu relacionados ao Leste e à pintura facial com motivos 
redondos ( râ ror ). As pessoas chefiada por Kairu era de “corpo fino, peludo, pés 
pequenos, ligeiros tanto nos seus movimentos como nas suas resoluções, cheios de 
iniciativa, mas de pouca persistência”. Ao contrário e complementar, Kamé e os seus 
eram “de corpo grosso, pés grandes, e vagarosos nos seus movimentos e 
resoluções". (Veiga, 2006). Essa dualidade compõe toda a visão de mundo dos 
Kaingang, que divide o mundo em metades complementares. Assim, por exemplo, se 
aos Kairu cabia iniciar um combate eram os Kamé que davam conta da guerra, 
 
9 MELIÀ & GRÜNBERG, 1976, p. 230-232; PERASSO, 1986, p. 42-45; NIMUENDAJÚ, 1987, p. 135-
141; BARTOLOMÉ, 1991, p. 43-59, apud CHAMORRO, 2008, p.134. 
10 Seeger et alii [1978] 1987p.21-23 apud Veiga , 2006. 
 
15 
 
 
sustentando a luta. Todos os elementos do mundo natural (com exceção da terra, do 
céu, da água e do fogo) se relacionam com essa dualidade conforme sua forma e 
aparência (o arredondado remete a Kairú e alongado a Kamé), assim como também a 
estrutura de parentesco do povo se organiza a partir dessa lógica das metades 
clânicas: o casamento se dá de maneira cruzada (exogamia) e a linhagem clânica se 
define patrilinearmente. 
 
O que pertence ao clã Kañeru é malhado, o que pertence ao clã Kamé é 
riscado. O Kaingang reconhece essas pintas tanto no couro dos animais como 
nas penas dos passarinhos, como também na casca, nas folhas, ou na 
madeira das plantas. Das duas qualidades da onça pintada, o acanguçu é 
Kañeru , o jaguareté é Kamé . A piava é Kañeru, e por isso ela vai também 
adiante na piracema. O dourado é Kamé. (NIMUENDAJÚ [1913] 1993p.59 
apud veiga , 2006) 
 
Os kamé trabalhavam durante o dia, à luz do Sol (elemento que também 
pertence a essa metade), na criação dos animais, enquanto os kairú, durante a noite, 
à luz da Lua. Dessa forma, as criações kamé tendem a ser perfeitas e perigosas, 
enquanto as criaturas da metade kairú são, em geral, imperfeitas e inacabadas. Por 
exemplo, quando Kairú tenta fazer um animal para combater o ming (onça) criado por 
Kamé, faltava-lhe ainda os dentes, língua e algumas unhas, quando já estava prestes 
a amanhecer. Para resolver o problema, Kairú apressadamente colocou-lhe uma 
varinha fina na boca e disse: “você, como não tem dente, viva comendo formigas”. E 
assim, foi feito o ioty, tamanduá. ( Veiga, 2006). 
 
“Kanyerú fez cobras, Kamé, onças. Este fez primeiro uma onça e a pintou, 
depois Kanyerú fez um veado. Kamé disse à onça: ‘Come o veado, mas não 
nos coma’. Depois ele fez uma anta, ordenando-lhe que comesse gente e 
bichos. A anta, porém, não compreendeu a ordem. Kamé repetiu-lhe ainda 
duas vezes em vão; depois lhe disse, zangado: ‘Vais comer folhas de urtiga, 
não prestas para nada!’. Kanyeru fez cobras e mandou que elas mordessem 
homens e animais” (NIMUENDAJÚ, 1986, p.87) 
 
Diferentemente da visão Guarani em que a onça é a personificação do mal, 
para os Kaingang ela é vista como um parente ou amigo. Mesmo que às vezes esse 
parente tenha que ser combatido, os kaingang têm o desejo de travar relações com 
 
16 
 
 
ele. Os kuyás (rezadores) utilizam a onça como símbolo da sua cosmologia para 
curar. Às vezes, eles enxergam um ser na forma humana, em outras uma onça. Os 
mitos contam que Kairú fez a onça acanguçu (de malhas miúdas), e o Kamé fez a 
onça fagnareté (de malhas grandes). Dessa forma, o curandeiro deve cantar para a 
onça pertencente à sua metade para, através do sonho, curar determinada doença. 
No mesmo sentido, na guerra não é permitido matar animal ou pessoa pertencente à 
mesma metade clânica. Por exemplo, um guerreiro Kairú não pode matar a onça 
acanguçu. 
 
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CHAMORRO, G. TERRA MADURA YVY ARAGUYJE: Fundamento da Palavra 
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MELIÁ & GRÜNBERG, G.; GRÜNBERG, F. Etnografia guaraní del Paraguay 
contemporáneo: los Paĩ-Tavyterã. Suplemento Antropológico, Asunción, CEADUC, 11 
(1-2):151-295, 1976. 
NIMUENDAJÚ, C. Etnografia e indigenismo: sobre os Kaingang, os Ofaié-Xavante e 
os índios do Pará. [1913]. Campinas: Ed. da UNICAMP, 1993. 
___________ As lendas da criação e destruição do mundo como fundamento da 
religião dos Apapocúva-Guarani. Trad. Charlotte Emmerich & Eduardo B. Viveiros de 
Castro. São Paulo, EDUSP/Hucitec, 1987. (Ciências Sociais). 
PERASSO, J. A.Ava guyra kambi (notas sobre la etnografia de los Ava-kue-chiripa 
del Paraguay Oriental). Asunción, 1986. 
VEIGA, J. Aspectos fundamentais da cultura Kaingang. Campinas: Editora Curt 
Nimuendajú, 2006. 
Links: http://www.portalkaingang.org/index_cultura_2_1.htm 
http://pib.socioambiental.org/pt/povo/kaingang/289 
 http://www.antropologiasocial.com.br/Kaingang.pd 
 
 
17 
 
 
 
 
3. RELAÇÃO ENTRE POVOS INDÍGENAS, MEIO AMBIENTE E OS ANIMAIS11 
 
Natureza e Cultura 
 
É uma discussão delicada e complexa a que se dá em torno dos termos 
“natureza” e “cultura”. Em certo sentido é possível dizer que é da natureza humana 
produzir cultura. Se tomarmos isso como verdade, se produzir cultura é algo natural e 
intrínseco à espécie humana, então cabe perguntar qual é o sentido em opor esses 
dois conceitos. Afinal, em um uso bastante corrente da palavra, a ideia de “cultura” 
aparece em contrário àquilo que é considerado “natural” ou “selvagem” e ainda 
imbuído em uma noção de “evolução”. Mas se produzir cultura consiste basicamente 
na atitude interferir e “modelar” a natureza que nos rodeia, adaptando o meio às 
necessidades e desejos de nossa espécie, então essa atitude não apenas participa 
da ideia de “natural”, como também é adotada por animais e outros seres. 
Uma observação mais atenta de sistemas naturais nos mostra que os seres 
que habitam determinado ambiente atuam pela manutenção e melhoria do sistema 
como um todo, afinal a vida de indivíduos e espécies inteiras depende desse 
equilíbrio. Assim, presas e predadores convivem no mesmo ambiente e o predador 
escolhe bem as suas presas, no sentido de obter o necessário a sua sobrevivência 
sem causar dano à manutenção da outra espécie; as formigas cortadeiras fazem uma 
espécie de poda em algumas plantas, mas nunca destruiriam todos os indivíduos de 
uma área de floresta; a cotia come uma parte das castanhas de um ouriço e enterra 
as demais, plantando assim o alimento para os seus descendentes. 
As sociedades ameríndias das terras baixas, dada sua característica de 
afluência12 e de subsistência13 (SAHLINS, 1972), operam em consonância com essa 
lógica de manutenção da vida como um todo nos ecossistemas. Tal atitude revela 
 
11 Texto construído para o “Curso Jogo da Onça parceria COCEU /COPED NERER/ junho/2016”, sob pesquisa do Técnico 
Daniel Righi, da Assessora Pedagógica em Etnomatemática Eliane Costa Santos e dos Formadores (as) / Arte educadores (as) 
na área de indígena: Adriana Gaeta Braga, Aline Valentini, Ana Blaser, Fabio Marcio Alkmin, Flaviana Benjamin dos Santos, 
Júlia de Abreu, Marcele Garcia Guerra, Nádia de Souza, Roger Muniz, Wagner da Rocha Moraes. 
12
 De abundância, de fartura. 
13
 Que procura suprir apenas as necessidades de seus membros, sem produção intencional de 
excedente (caso este exista, é consumido coletivamente em celebrações). 
 
 
18 
 
 
uma cultura que se estabelece com a natureza, valendo-se das oportunidades que o 
ambiente oferece e colaborando para otimizá-las. 
Em sentido radicalmente oposto, as sociedades de acumulação de bens em 
geral produzem uma cultura contra a natureza, tomando a esta como mera fonte de 
matéria prima. Tal atitude é dispendiosa dado o gasto excessivo e constante de 
energia e/ou trabalho que demanda para sua manutenção: por exemplo, ao desmatar 
hectares de floresta nativa para estabelecer um monocultivo qualquer, a necessidade 
de insumos, maquinário e defensivos químicos é imensa; ao contrário, a coleta, a 
caça e o cultivo seminômade e rotativo, são práticas culturais que operam em 
consonância com os ritmos naturais. 
 
A relação entre povos indígenas, meio ambiente e os animais 
 
Em geral, nas formas indígenas de conceber o mundo, a vida humana está 
inserida numa teia de relações com os outros seres que o habitam, e a garantia de se 
obter destes o necessário ao bem-estar das pessoas as leva, não raro, à busca da 
mediação de seres imateriais que zelam por eles. Frequentemente os elementos 
naturais, sejam eles animais, plantas, rios, montanhas, chuva, ventos, etc, adquirem 
características humanas e/ou são associados a entidades que os governam. 
As cosmogias indígenas representam modelos que demostram suas visões a 
respeito da origem do Universo e de todas as coisas que existem no mundo. Para 
muitas sociedades indígenas, o cosmos está ordenado em diversas camadas, onde 
se encontram divindades, fenômenos naturais, animais e plantas, montanhas, rios, 
espíritos de pessoas e animais, ancestrais humanos e entidades sobrenaturais. 
Cada sociedade indígena elabora suas próprias explicações a respeito do 
mundo. Assim, por exemplo, entre os povos Guarani, cada elemento da natureza 
possui um jára (pode ser traduzido como guarda, dono, ou espírito) com o qual é 
possível se comunicar através de cantos e danças específicos. Mantendo uma boa 
relação com os jára a humanidade pode cultivar o bem viver sobre a terra. Nem 
sempre conseguimos enxergar esses jára pois, segundo a cosmogonia desse povo, 
temos teia de aranha sobre os olhos, algo como um véu de Maia, que nos permite 
enxergar a realidade apenas parcialmente. 
 No Brasil, as ocupações indígenas estão localizadas em sistemas ecológicos 
com características próprias. Cada um desses ecossistemas gera um processo 
 
19 
 
 
específico de adaptação, desenvolvimento e técnicas de manejo. A diversidade de 
ecossistemas, influencia a organização social dos agrupamentos indígenas, sua 
distribuição espacial e o desenvolvimento de metodologias de sobrevivência. As 
sociedades indígenas não permaneciam em um mesmo território por muito tempo. 
Algumas como os Kayapó Gorotire, por exemplo, adotam um estilo de vida 
seminômade, permanecendo por cerca de quatro a cinco meses durante o ano fora 
de seus povoamentos permanentes. As aldeias indígenas eram originalmente 
organizadas e pensadas a partir da quantidade, da qualidade e também da 
distribuição espacial dos recursos indispensáveis ao desenvolvimento de cada 
comunidade. 
É possível supor que a característica de terras baixas de floresta tropical do 
território brasileiro seja um dos fatores que influenciou do fato de a maioria das 
sociedades indígenas nessa região terem desenvolvido economias de subsistência 
nas quais uma agricultura rotativa era complementada pela coleta de produtos da 
floresta e a caça. Outros povos da América Latina, não tinham essa rotatividade e, 
portanto, desenvolveram grandes impérios e civilizações (como os famosos Incas, 
Maias e Astecas), mas esse não é o caso dos povos indígenas do Brasil. As 
economias de subsistência, como ressalta Sahlins (1978), se caracterizam pela ideia 
de afluência. Não é preciso acumular bens, estabelecer a lógica de propriedade 
privada ou de exploração do trabalho alheio pois, com uma quantidade 
significativamente pequena de trabalho (cerca de 3 horas diárias) é possível obter 
todo o necessário à vida em termos de alimento, água e utensílios. Dessa forma, a 
economia de subsistência, além de não adotar um caráter predatório, estabelece uma 
lógica de manejo do mundo natural. 
Estabelecer a roça através da prática da coivara14, realizar a rotação de áreas 
de cultivo, a domesticação de determinadas plantas e o transporte de sementes são 
exemplos de práticas culturais que “humanizam” o ambiente natural ao mesmo tempo 
em que promovem melhorias. Trata-se de uma ecologia e economia coerentes de 
ocupação dos espaços, nas quais o ser humano estabelece uma relação de 
 
14
 Trata-se de uma técnica agrícola que consiste em queimar uma área delimitada da floresta, abrindo 
uma clareira para estabelecer a roça , uma vez que a maior parte dos alimentos consumidos pelos 
humanos demanda grande quantidade de luz que para seu cultivo. A eficiência dessa técnica reside no 
fato de que disponibilizam osnutrientes - através da própria queima e decomposição das espécies 
florestais - necessários à roça. Depois da colheita, uma nova área é aberta para o plantio - rotação de 
cultivos- permitindo que a floresta cresça ali outra vez rapidamente, rejuvenescida e fortalecida. 
 
 
20 
 
 
cooperação mútua com os outros seres em vez de simplesmente colocá-los a seu 
serviço. 
A natureza segundo o olhar indígena é prenhe de significado, as coisas tem 
sua razão de ser e a observação dos fenômenos tem muito a nos ensinar. Assim é 
possível, por exemplo, ao observar uma luta entre um lagarto e uma cobra venenosa, 
aprender que determinada planta que o lagarto sempre come para retornar à peleja é 
o remédio adequado para o veneno daquela cobra. 
Cabe-nos também chamar a atenção entre os indígenas do tronco tupi-guarani 
e a natureza, é a relação linguística - é impossível utilizar o pronome possessivo para 
nomear animais e vegetais ou quaisquer outros seres. Não existe “meu cachorro” 
nem “minha árvore”. Só é possível se referir assim ao que faz parte do nosso corpo, 
ao que foi feito por mão humana ou ao status de uma relação humana conosco (como 
quando se diz “minha mãe”). Essa marca linguística expressa uma visão de mundo, 
na qual os seres humanos não podem ser donos daquilo que não integra o universo 
humano - seja biologicamente ou culturalmente. 
No tocante à relação entre seres humanos e animais, é interessante notar que, 
antes do contato com os europeus, não há registro de que houvesse entre indígenas 
o confinamento de animais para consumo humano - pela mesma razão não integrava 
os hábitos alimentares de nenhum desses povos o consumo de leite de algum animal. 
A caça era a única via de acesso para a carne dos animais e o que mais pudesse vir 
deles, e mesmo essa via estava sujeita à influência da esfera espiritual, nada 
podendo ser feito pelo caçador sem o consentimento de forças externas ao nível 
humano. 
A presença de animais de estimação entre os povos indígenas sempre foi 
comum, mas a relação com eles não se assemelha àquela que hoje vemos com os 
chamados “pets”. A aproximação do animal costumava se dar naturalmente, pela 
oferta de alimento ou por brincadeira, como ainda hoje as crianças indígenas fazem 
com filhotes de mamíferos - na maioria das vezes - mas também com répteis e 
pássaros. 
Assim como o ser humano indígena vê a si próprio, vê também aos demais 
seres: fazendo parte de uma cadeia onde a supressão de um dos elementos afetaria 
todos os outros. Desse modo, a convivência busca o mínimo de interferência possível 
no modo como a vida em suas várias manifestações se encontra naturalmente 
disposta. 
 
 
21 
 
 
Os “enfeites da terra” em uma terra devastada 
Nos cantos Guarani e Kaiowá a terra aparece como um corpo a ser enfeitado. 
O termo omongy (fazer chover) fala de enfeitar, fertilizar, fortalecer, batizar. Se as 
sementes não fossem enfeitadas pela chuva, morreriam. Os seres humanos são ára 
jegua, os “enfeites do universo”. Mais uma vez essa ideia denota não apenas a 
integração, como a responsabilidade humana diante da natureza e seus ciclos. 
 
Entre os Aché-Guajaki acredita-se que o canto das mulheres provoca a 
chuva, que cai sobre a sepultura dos antepassados, enfeita a terra e 
estimula o crescimento das plantas. Nas plantas aninham-se os “ex-
tamanduás” que, por sua vez, representam os defuntos. Fecha-se, 
assim, o ciclo entre o ser humano e a natureza. (MÜNZEL, 1978, apud 
CHAMORRO, 2008) 
 
A pergunta que cabe ser feita nos tempos atuais é: como podem os povos 
indígenas reproduzir sua maneira própria de ocupar, manejar e “enfeitar” a terra em 
um tempo em que interesses econômicos do estado-nação se sobrepõem a qualquer 
noção de cuidado ambiental, sistematicamente devastando os ecossistemas através 
do agronegócio, pecuária, mineração, construção de hidrelétricas e outras 
intervenções? A visão predominante de desenvolvimento econômico encara os 
sistemas naturais como fonte de matéria prima e recursos energéticos, ou como 
empecilho à produção de commodities agrícolas para exportação. A corrente noção 
de “progresso” se fundamenta em uma atitude destrutiva em relação aos sistemas 
naturais e integracionista,15 em relação aos povos indígenas. 
Mesmo quando uma terra indígena é reconquistada, frequentemente o lugar foi 
desmatado, os animais foram embora e a terra ficou esgotada pela monocultura e 
pelo uso intensivo de agrotóxicos. Atualmente temos o exemplo da tragédia causada 
no Rio Doce pela mineração e o impacto que isso gera sobre os Krenak da região. A 
construção da usina de Belo Monte é outro exemplo do impacto causado sobre os 
usos e costumes de diversas populações indígenas e ribeirinhas. 
 
15
 Durante muito tempo, a atitude declarada do Estado brasileiro e de muitos que pensavam a questão 
indígena era de fazer com que esses povos abandonassem sua cultura para abraçar os hábitos de 
matriz europeia, e assim assimilá-los a um “todo” homogêneo, que seria o povo brasileiro, a 
“comunidade” nacional. Essa postura ainda encontra eco em alguns setores da sociedade brasileira 
atual. 
 
 
22 
 
 
Reproduzimos a seguir o depoimento de Davi Kopenawa Yanomami que 
explica a relação dos Yanomamis com meio ambiente: 
 
“O antepassado que criou a floresta, Omama, nos criou também para 
cuidar dela. Ele não quis que a destruíssemos. Nós somos seus filhos e 
por isso não podemos estragá-la. Nós, habitantes da floresta e de suas 
colinas, de seus rios e de seus igarapés, que vivíamos nela inteira antes 
que os brancos se aproximassem, nós cuidamos dela com atenção. Os 
pajés estão sempre atentos ao seu bem-estar. Quando a floresta está 
doente, tomam o pó de yãkõana e curam seus males.” 
 
 
Referências bibliográficas 
CHAMORRO, G. TERRA MADURA YVY ARAGUYJE: Fundamento da Palavra 
Guarani. Dourados: Editora UFGD, 2008. 
FLUSSER, V. Natural: mente - vários acessos ao significado de natureza. São Paulo: 
Annablume, 2011. 
MORAN, E. F.: A Ecologia Humana das Populações da Amazônia. Petrópolis: Vozes, 
1990 
NAVARRO, Eduardo de Almeida. Método moderno de tupi antigo: a língua do Brasil 
dos primeiros séculos. São Paulo: Global, 2005. 
RAMOS, A. R. Sociedades Indígenas. Ática, 1986 
SAHLINS, Marshall. A primeira sociedade da afluência In: CARVALHO, E. A. (org.). 
Antropologia Econômica. São Paulo: Editora Ciência Humanas, 1978 [1972]. (também 
em Cultura na Prática com o título “A sociedade afluente original”). 
Glossário de Ecologia. São Paulo: Academia de Ciências/CNPQ, 1 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
23 
 
 
4. CULTURAS INDÍGENAS E EDUCAÇÃO ESCOLAR 16 
Educação Indígena, Educação Escolar Indígena ou Educação sobre 
os indígenas? 
 
Ao falar sobre educação indígena é preciso antes de tudo distinguir 
adequadamente as similitudes e diferenças das modalidades e/ou concepções entre 
educação indígena, educação escolar indígena e educação sobre os indígenas. 
Na obra “À margem dos 500 anos”, publicada no aniversário de 500 anos da 
chegada da armada de Pedro Álvares Cabral ao Brasil, encontramos o artigo de Circe 
Bittencourt e Adriane Costa da Silva, em que as autoras buscam trazer os possíveis 
significados para o conceito de “educação indígena” e mostram preocupação em 
diferenciá-lo de “educação escolar indígena”: 
 
(...) é necessário distinguir os processos tradicionais de 
socialização e de reprodução de uma ordem social vividos pelas 
sociedades indígenas, “a educação indígena”, dos processos 
educativos decorrentes das situações de contato, a “educação 
escolar indígena” ou ainda de uma “educação para o indígena”. 
(BITTENCOURT, SILVA, ANO, p. 63) 
 
O Parecer 14/99 do Conselho Nacional de Educação considera que todos os 
povos indígenas possuem mecanismos de transmissão de conhecimentos e de 
socialização de seus membros, independentemente da instituição escolar, e que aescola é fruto histórico do contato desses povos com segmentos da sociedade 
nacional. 
A educação indígena se caracteriza, portanto, pelos processos tradicionais de 
aprendizagem e aquisição dos saberes peculiares de cada etnia, conhecimento que é 
transmitido de forma oral e também mimética, no dia-a-dia, nos rituais e nos mitos. 
Nesse sentido é preciso reconhecer sempre que os “povos indígenas mantêm vivas 
 
16
Texto construído para o “Curso Jogo da Onça parceria COCEU /COPED NERER/ junho/2016”, sob pesquisa do Técnico 
Daniel Righi, da Assessora Pedagógica em Etnomatemática Eliane Costa Santos e dos Formadores(as) / Arte educadores(as) 
na área de indígena : Adriana Gaeta Braga, Aline Valentini, Ana Blaser , Fabio Marcio Alkmin, Flaviana Benjamin dos Santos, 
Júlia de Abreu, Marcele Garcia Guerra, Nádia de Souza, Roger Muniz, Wagner da Rocha Moraes. 
 
 
 
24 
 
 
as suas formas próprias de educação, e que estas podem contribuir na formulação de 
uma política de educação escolar capaz de atender os interesses e necessidades da 
realidade hoje.” (Silva, s/d, p.3) 
A educação escolar indígena, por sua vez, se trata de proporcionar 
processos de ensino-aprendizagem que garantam aos povos originários o acesso aos 
códigos escolares da sociedade ocidental. Segundo Luis Donizete Benzi Grupioni 
(2002), a escola não é uma novidade para os indígenas, afinal esses povos tiveram 
contato com a educação sistematizada já na época da colonização, como um 
instrumento que desde o início foi utilizado com o objetivo de assimilação dos 
autóctones à sociedade envolvente. Hoje, porém, os indígenas buscam tomar a frente 
de sua educação e depositam nessa luta a esperança de torná-la um lugar de resgate 
de sua cultura e de seus valores, que ao longo dos séculos têm sido 
sistematicamente suprimidos e negligenciados. 
No relato abaixo, o professor coordenador da Licenciatura Intercultural 
Indígena da Universidade Federal de Dourados, Eliel Benites, narra como sua vida 
escolar foi marcada pelas dificuldades decorrentes das discrepâncias entre o modelo 
de educação nacional e as especificidades de seu povo, o que mais tarde o levou a 
aderir ao movimento de professores e lutar por uma educação verdadeiramente 
indígena tanto em nível escolar quanto universitário. 
 
Minha vida escolar iniciou-se na Missão Evangélica Caiuá, uma 
escola religiosa que atua na aldeia. Quando cheguei perto da 
escola, no primeiro dia, minha mãe me arrastou pelos braços 
porque eu não queria entrar na sala de aula, chorava muito e, 
enquanto eu chorava, a aula parou para me ver, situação que me 
fez ficar ainda mais envergonhado. Foi um momento que nunca 
esqueci. (...) A partir desta série, comecei a ter dificuldades 
porque as disciplinas eram muito compartimentalizadas e não 
conseguia compreender o que a professora explicava. Todas as 
minhas professoras eram não indígenas que vinham da cidade 
para dar aulas na aldeia. Minha formação inicial foi na escola 
primária da própria reserva, de 1985 a 1990, cujo modelo escolar 
seguia políticas integracionistas, que buscavam fazer o índio 
deixar de ser índio. 
 
25 
 
 
Quando terminei de estudar a 4ª série, como era chamada 
naquela época, comecei a frequentar a escola na cidade (...) Ali 
iniciei a 5ª série, inaugurando um período que marcou com 
grande impacto a minha vida. Neste período comecei a conviver 
com não indígenas, (...) essas pessoas, ao cruzarem os olhos 
sobre mim, revelavam sentimentos de “coitadinho”, de 
discriminação e indiferença. Sentia a rejeição por toda parte e, 
então, ficava muito isolado. Com isso nascia a não aceitação da 
minha identidade, e achava que o erro era meu e não dos outros. 
Tinha a necessidade de me adaptar a um ambiente que não era 
o meu e, nesse processo, negar o meu valor era uma saída. 
Quanto mais me envolvia com a sociedade não indígena, através 
da escola e da igreja, nascia, no meu interior, a necessidade de 
me adaptar a ela, a partir da negação da minha identidade, da 
língua materna e, principalmente, negar o lugar onde moro. 
(BENITES, 2014)17 
 
Educação escolar indígena: da dominação à emancipação 
 
Segundo Ferreira (2001), a história da educação escolar entre os povos 
indígenas no Brasil pode ser dividida em quatro fases. A primeira, mais extensa, inicia 
no Brasil Colônia, quando a escolarização dos índios esteve nas mãos de 
missionários católicos, especialmente jesuíta. 
O segundo momento é marcado pela criação do SPI (Serviço de Proteção ao 
Índio), em 1910, e se estende à política de ensino da FUNAI (Fundação Nacional do 
Índio), assim como à articulação com o SIL (Summer Institute of Linguistics) e outras 
missões religiosas. 
A terceira fase vai do fim dos anos 60 aos anos 70, quando surgiram grupos e 
organizações não governamentais em apoio à causa indígena: Conselho Indigenista 
Missionário (CIMI), Operação Amazônia Nativa (OPAN), Centro de Trabalho 
Indigenista (CTI), Comissão Pró-Índio (CPI), Centro Ecumênico de Documentação e 
Informação (CEDI), Associação Nacional de Apoio ao Índio (ANAÍ), entre outros. 
Diante desse contexto de mobilização não apenas de seus apoiadores, mas 
 
17
 O artigo em questão foi publicado na Revista Urbânia 5, cujo projeto editorial se volta para “práticas 
educacionais contra hegemônicas”. Ver: https://naocaber.org/blog/2015/01/30/revista-urbania-5/ 
 
 
26 
 
 
sobretudo dos povos indígenas e de sua organização em movimento social a partir da 
década de 1970, a ideia de negação das diferenças foi substituída pelo 
reconhecimento das diferenças, ao menos no plano discursivo dos direitos. A 
educação escolar passa então a ser encarada como uma política pública, como um 
direito à cidadania, além de um instrumento de resistência e luta. 
Os anos de 1980, a quarta fase desse processo, são marcados por uma 
intensa articulação indígena através da realização de encontros, reuniões, 
congressos e assembleias “que permitiram o estabelecimento de uma comunicação 
permanente entre inúmeras nações indígenas, e cujo objetivo principal era a 
reestruturação da política indigenista do Estado” (FERREIRA, 2001, p.95). Com isso 
os povos indígenas passam a reivindicar a definição e a autogestão dos processos de 
educação formal, entrando definitivamente em cena para debater a política de 
escolarização e para exigir o direito a uma educação escolar voltada aos seus 
interesses, ou seja, uma educação que respeite as diferenças e as especificidades de 
cada povo. 
 
A finalidade do estado brasileiro, que procura aculturar e integrar 
os índios à sociedade envolvente por meio da escolarização, 
confronta-se, atualmente, com os ideais de autodeterminação 
dos povos. Para os índios, a educação é essencialmente distinta 
daquela praticada desde os tempos coloniais, por missionários e 
representantes do governo. Os índios recorrem à educação 
escolar, hoje em dia, como instrumento conceituado de luta. 
 (FERREIRA, 2001, p. 71). 
 
Entre as conquistas da luta indígena está a nossa atual Constituição, 
promulgada em outubro de 1988, a qual dedica um capítulo (Dos Índios), inserido no 
Título III ‘Da Ordem Social’, ao estabelecimento dos direitos dos povos indígenas. 
Reconhece-lhes o direito à diferença, ou seja, à alteridade cultural, assegura-lhes o 
uso da língua materna e processos próprios de aprendizagem. Contudo, entre os 
preceitos legais e a realidade vivida há um espaço enorme, quase que um abismo, 
com exceção de algumas conquistas consolidadas na prática. (CARVALHO, 1998) 
Assim vemos que a história da educação escolar indígena mostra uma política 
indigenista brasileira que até 1988 estava centrada nas atividades voltadas à 
incorporação dos índios à sociedade nacional (presentes na Constituição de 1934, 
 
27 
 
 
46, 67 e 69). A Constituição de 1988 suprimiu essa diretriz,finalmente reconhecendo 
aos indígenas sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, bem 
como os direitos sobre as terras que tradicionalmente ocupavam e à educação básica 
em sua língua materna. 
Na década de 90, a educação escolar indígena, fundamentada em ações 
práticas que decorreram das décadas anteriores, caracterizou-se pelo fortalecimento 
do Movimento Indígena como protagonista de sua própria história. Surgiu então o 
Movimento dos Professores Indígenas e foram realizados encontros em diversas 
regiões do Brasil. Nesses espaços coletivos eram e continuam sendo elaborados os 
princípios e diretrizes para as escolas indígenas. 
Em fevereiro de 1991 foi sancionado pelo Presidente da República o Decreto 
nº26, que atribui ao Ministério da Educação a competência para coordenar as ações 
referentes à educação escolar indígena, em todos os níveis e modalidades de ensino, 
em parceria com a FUNAI. O Decreto também determina que as ações sejam 
desenvolvidas pelas Secretarias Estaduais e Municipais de Educação, em 
consonância com o Ministério da Educação. 
Ainda em 1991, o MEC criou a Coordenação Geral de Apoio as Escolas 
Indígenas (CGAEI) e mais tarde o Referencial Curricular Nacional para as Escolas 
Indígenas, onde fica garantido o direito a uma educação intercultural com a formação 
inicial e continuada de professores indígenas. 
As escolas nas terras indígenas (T.I.) foram criadas em 1999 e fazem parte 
dos sistemas de ensino do país. Estas devem se localizar em terras habitadas por 
comunidades indígenas, possuir organização escolar própria e regimentos escolares 
próprios. Seus projetos pedagógicos devem ser elaborados junto com a comunidade, 
sendo necessária a utilização de materiais didático-pedagógicos produzidos de 
acordo com o contexto sociocultural de cada povo. 
Entre as competências do Ministério da Educação, no que concerne à 
realização de um modelo educacional baseado no respeito à interculturalidade, ao 
multilinguismo e à etnicidade, está a obrigação de publicar materiais didáticos 
diferenciados para as escolas indígenas que atendem aos Ensinos Fundamental e 
Médio e oferecer cursos de formação para professores indígenas. 
A Educação Escolar Indígena Específica e Diferenciada está progressivamente 
sendo implantada em todo país até hoje e os desafios são muitos. A proposta em si é 
prenhe de complexidades, contradições e até mesmo algumas armadilhas. Cabe aqui 
o exercício de imaginar o que seria uma escola verdadeiramente indígena e que tipo 
 
28 
 
 
de função ela exerceria dentro da comunidade. Será que se pareceria mesmo com o 
modelo que conhecemos? 
 
É preciso reconhecer que, sendo a escola uma instituição não-indígena, 
surgida em contextos de sociedades radicalmente distintas das 
sociedades indígenas, criar hoje a “escola indígena” é ainda um desafio. 
Ele vem sendo assumido por muita gente em muitos lugares, o que tem 
gerado muitas experiências importantíssimas que, aos poucos, vão 
permitindo um certo acúmulo de conhecimento nessa área bastante 
nova, mas, em nenhum caso, alguém pode afirmar com segurança que 
se construiu já uma “escola indígena”. Em todos os casos conhecidos, o 
que temos conseguido são escolas mais, ou menos, indianizadas (em 
alguns casos, mais indigenizadas do que indianizadas). Na esmagadora 
maioria dos casos são tentativas de “tradução” da escola para o 
contexto indígena. (D’ANGELIS, 2012, p. 72) 
 
 
História e Cultura Indígena na escola não indígena 
 
Durante a década de 1990, houveram mudanças na educação nacional 
brasileira a partir da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBN), 
decretada em 1996, marcando o início de uma nova fase da política, gestão e 
legislação do ensino no Brasil. Mais tarde a Lei 10.639/03 e sua complementar, Lei 
11.645/08, alteraram o artigo 26-A da LDBN (Lei 9.394/96) ao estabelecer a 
obrigatoriedade do estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena no âmbito de 
todo o currículo escolar. 
 
Art. 1° O art. 26-A da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, 
passa a vigorar com a seguinte redação: 
Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e de 
ensino médio, públicos e privados, torna-se obrigatório o estudo da 
história e cultura afro-brasileira e indígena. 
§ 1o O conteúdo programático a que se refere este artigo 
incluirá diversos aspectos da história e da cultura que caracterizam a 
formação da população brasileira, a partir desses dois grupos étnicos, 
 
29 
 
 
tais como o estudo da história da África e dos africanos, a luta dos 
negros e dos povos indígenas no Brasil, a cultura negra e indígena 
brasileira e o negro e o índio na formação da sociedade nacional, 
resgatando as suas contribuições nas áreas social, econômica e 
política, pertinentes à história do Brasil. 
§ 2o Os conteúdos referentes à história e cultura afro-brasileira 
e dos povos indígenas brasileiros serão ministrados no âmbito de todo 
o currículo escolar, em especial nas áreas de educação artística e de 
literatura e história brasileiras (BRASIL, 2008). 
 
Apesar dos significativos avanços na legislação, entre a lei e a sua realização 
sempre foi amplo o descompasso no Brasil. No entanto a pressão popular por 
reconhecê-lo e ultrapassá-lo continua presente, exigindo o cumprimento dos direitos 
expressos nas leis e buscando ampliá-los através de novas e fundamentadas 
denúncias, de estratégias de valorização e de visibilidade das diferentes culturas e de 
um vigoroso embate pela memória social na constituição histórica brasileira. Do 
currículo do ensino básico ao universitário, a narrativa histórica oficial, em grande 
parte privilegiou o ponto de vista europeu sobre a história de nossa formação. 
Forneceu, muitas vezes, apenas uma linha explicativa em que os indígenas não 
estavam presentes como sujeitos, como parte constituinte da identidade nacional 
brasileira. 
 
E como abordar a História e Cultura Indígena na escola? 
 
A temática da História e Cultura Indígena na escola deve ser tratada de modo 
a não reforçar alguns preconceitos presentes na sociedade, os quais veiculam uma 
representação genérica dos indígenas, contribuindo para uma padronização do 
imaginário coletivo. 
Presente há décadas no calendário escolar, o 19 de abril, quando é 
“comemorado” o “dia do índio”, pode ser um momento propício para a 
problematização da temática indígena, se nos distanciarmos de uma abordagem 
folclórica, que reproduz sempre o mesmo estereótipo do “ser índio”: viver nu na mata, 
pintado, carregando o arco e a flecha. Essa imagem não dá conta da complexidade 
cultural encontrada nas centenas de povos que ainda vivem no Brasil, bem como não 
atenta para as múltiplas realidades vividas por eles na contemporaneidade. 
 
30 
 
 
A criação do Dia do Índio não representou uma mudança de atitude do Estado 
brasileiro em relação aos povos indígenas, pois naquele mesmo ano de 1943 foi 
iniciada a Marcha para Oeste, visando à ocupação e exploração econômica da região 
Centro-Oeste do país. Os grupos indígenas mais uma vez viram seus territórios 
diminuírem e foram forçados a sobreviver em pequenas áreas definidas como 
reservas, enquanto o território original das aldeias era loteado entre proprietários 
rurais incentivados pelo governo. As lutas dos povos indígenas na atualidade visam, 
entre outras pautas, à retomada desses territórios ancestrais, bem como ao direito à 
reprodução de seu modo próprio de viver. 
Atualmente, muitos indígenas e pessoas ligadas à luta pelos direitos dos povos 
originários tem dado mais destaque ao dia 09 de agosto - Dia Internacional dos 
Povos Indígenas. 
No tocante ao trabalho pedagógico, entretanto, a orientação é que se vá além 
das datas de referência, contemplando os saberes, as culturas e a história dos povos 
indígenas dentro de cada disciplina, durante o ano todo. Um grande desafio para os 
educadores é rever suaprópria formação escolar e acadêmica, pautada por 
referenciais europeus, buscando ampliá-la com outras leituras, informações e 
debates. 
Trazemos aqui, cinco equívocos muito frequentes quando se aborda a questão 
indígena em sala de aula, apontado no livro: O que é importante lembrar no “dia do 
índio”: Subsídios para a discussão da História e Cultura Indígena, produzido pelo 
Núcleo de Educação Étnico-Racial da Secretaria Municipal de Educação pag. 2-4 
 
1º equívoco: “Os índios são todos iguais”18 
 
Essa ideia reduz a diversidade dos povos indígenas a um “bloco único”, ou 
seja, culturas tão diversas e complexas são reduzidas ao termo “índio”. Exemplo 
disso é referir-se à moradia dos indígenas como “a Oca”, que é, na realidade, uma 
denominação de origem Tupi-Guarani para as construções destinadas à habitação. 
Outros grupos, como os Xavantes, por exemplo, chamam sua moradia de “o Rí”. 
Explorar essas especificidades nas aulas oportuniza aos alunos a discussão e 
compreensão da diversidade linguística e cultural. 
 
 
18
Os cinco equívocos foram apresentados originalmente por José Ribamar Bessa Freire “A herança 
cultural indígena, ou cinco ideias equivocadas sobre os índios” . 
 
 
31 
 
 
2º equívoco: “Índios têm cultura atrasada e primitiva” 
 
As tradições indígenas são ricas no que se refere à produção cultural e, em 
nada ficam devendo para a tradição ocidental. O preconceito em relação aos saberes 
indígena remonta à atitude tipicamente colonizadora de impor uma hierarquia de 
conhecimentos, tecnologias e discursos, na qual a cultura indígena foi relegada à 
posição de inferioridade. Trata-se de estratégia e argumento de dominação cultural: 
usurpar e expropriar conhecimentos e tecnologias, eliminando a cultura do outro da 
ordem do discurso. Podemos debater o que temos aprendido com os povos 
originários, os quais através do contato com a natureza desenvolveram saberes 
referentes às plantas medicinais, agricultura, manejo do solo, melhoramento genético 
de espécies, astronomia, etc., contribuindo amplamente para a produção do 
conhecimento científico. 
 
3º equívoco: “Culturas congeladas” 
 
Qualquer cultura que se mantenha viva no tempo o faz porque é dinâmica e 
constantemente se transforma. A ideia de uma tradição que permaneça imutável 
através das gerações é uma ilusão na qual nos enredamos com frequência. A 
imagem congelada do indígena evoca a figura de um indivíduo nu, na selva, portando 
o arco e a flecha. Qualquer desvio a essa representação gera ainda resistência e 
crítica. A principal argumentação é de que, ao utilizar as produções materiais da 
cultura ocidental, como roupas, celulares, computadores, entre outros, os indígenas 
perderiam sua identidade; todavia, em um mundo globalizado, partimos do princípio 
que nós podemos nos apropriar dos bens culturais de outros povos (seja no campo 
da culinária, arte, língua, religião ou outros) sem deixar de ser brasileiros por conta 
disso. Tal atitude revela que os critérios aplicados para medir a autenticidade e 
identidade dos povos indígenas são injustamente diferentes daqueles aplicados às 
sociedades não indígenas. 
A troca de influências que as culturas exercem entre si estão relacionadas ao 
conceito de interculturalidade, que pode ocorrer de modo conflituoso ou cooperativo. 
Exemplo disso foi a apropriação feita pelos portugueses de elementos típicos da 
alimentação indígena durante os primeiros anos do contato e que permanecem 
presentes em nossa cultura na atualidade (beiju, mandioca, milho, legumes) e a 
utilização, por parte dos indígenas, de recursos tecnológicos para o registro de suas 
 
32 
 
 
tradições culturais (gravações em CD, produção de filmes e documentários, 
fotografias). O conceito de interculturalidade deve ser trabalhado junto aos alunos de 
modo que eles entendam que as culturas exercem influência mútua, ao reconstruir 
significados e realidades, levando à percepção de como os indígenas, na atualidade, 
usufruem dos bens culturais dos não índios sem perderem suas identidades. Utilizar 
alguns recursos que inicialmente não faziam parte de sua cultura não implica em 
abandono das tradições culturais. 
 
4º equívoco: “Os índios fazem parte do passado” 
 
Os indígenas, na constituição de 1988 impuseram seu reconhecimento por 
parte do estado brasileiro. Contemporaneamente, de acordo com o IBGE em 2010, 
existem aproximadamente 305 etnias no Brasil, as quais falam mais de 274 línguas. 
Somam uma população estimada de 817.963 mil indígenas. 
Esses grupos fazem parte da sociedade brasileira e, passados 28 anos da 
promulgação da Constituição, continuam a lutar para ter assegurados seus direitos 
sociais que podem ser reconhecidos, entre outras coisas, através da luta pelo acesso 
e posse da terra - território para garantir a manutenção da vida. 
Na cidade de São Paulo existem três territórios indígenas Guarani Mbyá, dois 
estão localizados na Zona Sul, em Parelheiros e o outro na Zona Oeste, no Jaraguá. 
Além disso, cerca de 11.918 indígenas estão distribuídos na cidade de São Paulo. 
São das seguintes etnias: Guarani Mbyá, Guarani Nhadeva, Guarani, Maxacali, 
Tupinambá, Xavante, Terena, Kaigang, Krenak, Kuruáya, Pataxó, Fulni-ô, Pankararu, 
Kariri, Kariri-Xocó, Atikum e Lakãnõ (Xokléng). O reconhecimento desta presença 
contribui para localizar a população indígena no presente, como sujeitos ativos da 
sociedade brasileira contemporânea e não relegados a um passado colonial, restrito 
ao contato entre indígenas e colonizadores portugueses. 
 
5º equívoco: “Brasileiro não é índio” 
 
O povo brasileiro se formou a partir da contribuição de três matrizes culturais 
(africanas, europeias, indígenas), contudo, quando pensamos em nossa identidade, 
poucos reivindicam a herança indígena. Historicamente, assumimos uma identidade 
relacionada à tradição ocidental e pouco conhecemos ou valorizamos elementos das 
culturas indígena e negra. Nesse sentido, a inserção dessas temáticas no currículo 
 
33 
 
 
através da lei 11.645/08 contribui para enriquecê-lo, ou seja, na medida em que as 
torna obrigatórias, a lei faz com que se contemplem outras matrizes que não só a 
europeia, dominante no currículo, antes da promulgação da lei. 
 
Referências bibliográficas 
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nº 5, p.159. São Paulo: Editora Pressa, 2014. 
BITTENCOURT, C.M.F. e SILVA, A. C. da. “Perspectivas históricas da educação 
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irreverentes. São Paulo: EDUSP, 2002. 
CARVALHO, I. M. Professor indígena: um educador ou um índio educador. Campo 
Grande: UCDB, 1998. 
D’ANGELIS, W. R. Aprisionando Sonhos: A educação escolar indígena no Brasil. 
Campinas: Curt Nimuendajú, 2012. 
FERREIRA, M.K.L. “A Educação Escolar Indígena: um diagnóstico crítico da situação 
no Brasil”. In: SILVA, A.L. da. FERREIRA e M.K.L. Antropologia, História e Educação: 
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FREIRE, José Ribamar Bessa. “A herança cultural indígena, ou cinco ideias 
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professores e alunos. Olinda, PE: Vídeo nas Aldeias, 2010. Disponível em 
www.videonasaldeias.org.br/downloads/vna_guia_prof.pdf 
SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO. Diretoria de 
Orientação Técnica/ Núcleo De Educação Étnico-Racial. O que é importante lembrar 
no “dia do índio”: Subsídios para a discussão da História e Cultura Indígena. 2014. 
SILVA, R.H.D. da. O Estado brasileiro e a Educação (Escolar) Indígena: um olhar 
sobre o Plano Nacional de Educação. Disponível em: 
http://www.anped.org.br/reunioes/24/T0528827681841.doc. Acesso em: 25 nov. 2008. 
 
 
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5. JOGOS E BRINCADEIRAS NAS CULTURAS INDÍGENAS 19 
O brincar tem sentido 
 
A ludicidade

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