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6 Rev. Bras. Pl. Med., Botucatu, v.9, n.3, p.6-22, 2007. Recebido para publicação em 24/05/2005 Aceito para publicação em 10/05/2006 Estudo etnobotânico junto à Unidade Saúde da Família Nossa Senhora dos Navegantes: subsídios para o estabelecimento de programa de fitoterápicos na Rede Básica de Saúde do Município de Cascavel (Paraná) NEGRELLE, R.R.B. 1 *; TOMAZZONI, M.I. 2 ; CECCON, M.F. 1 ; VALENTE, T.P. 1 1 Laboratório OIKOS, Dep. Botânica, Universidade Federal do Paraná. Cx. P. 19023. Curitiba, PR. CEP 81531-970 2 Curso de Farmácia, Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE. R. Carlos de Carvalho, 3496. Cascavel, Paraná. CEP 85801 – 130. *negrelle@ufpr.br (autor p/ correspondência) RESUMO: Realizou-se estudo etnobotânico visando gerar subsídios para o estabelecimento de programa de uso de fitoterápicos na Rede Básica de Saúde do Município de Cascavel/PR. Aplicaram-se entrevistas semi-estruturadas a 50 famílias pertencentes a área de abrangência da Unidade Saúde da Família Nossa Senhora dos Navegantes. Durante as entrevistas, além de informações sobre condições sócio-econômicas dos entrevistados, foram registradas as seguintes informacões sobre as plantas utilizadas: nome comum, parte usada, modo de preparo e administração. Adicionalmente, efetuou-se análise comparativa dos dados obtidos nas entrevistas com os constantes na literatura pertinente, de modo a identificar incongruências e informações complementares. Dentre as famílias entrevistadas, 96% indicaram fazer uso de plantas medicinais em função de conhecimento herdado de antepassados. Um total de 271 citações etnobotânicas foram registradas, englobando 75 morfoespécies, sendo 63 identificadas em nível específico, 7 em nível genérico e 5 não foram associadas a um taxon específico. As espécies citadas em maior número de entrevistas foram Mentha sp. (37 entrevistas) e Cymbopogon citratus (DC) Stapf (30); Rosmarinus officinalis L. (26), Plectranthus neochillus Schlechter (24), Artemisia absinthium L. (22), Foeniculum vulgare Mill (22) e Tanacetum vulgare L. (22). A maioria dos entrevistados relatou não buscar orientação médica para o uso de plantas medicinais. Isto representa um fator de preocupação que deve ser considerado pelos atores sociais do setor de saúde bem como por aqueles envolvidos na educação comunitária, dado que 80% do total das espécies registradas neste estudo apresentam registro de toxicidade e contra-indicações de uso conforme literatura consultada. Apresentam-se recomendações para diferentes atores envolvidos nesta problemática. Palavras-chave : plantas medicinais, atenção primária à saúde, plantas tóxicas ABSTRACT: Ethnobotanical study near by the Family Health Care Unit of Nossa Senhora dos Navegantes: subsidies for the establishment of the program of phytotherapics in the Public Health System of the municipality Cascavel, Parana State, Brazil. An ethnobotanical survey was carried out aiming to provide basis for the establishment of a phytotherapy program within the Health Care System at Cascavel Municipality (Parana State, Southern Brazil). Semi- structured interviews with 50 families that were registered at the Nossa Senhora Navegantes Family Health Care Unit were performed. During the interview, besides the general information about socio-economic conditions of the interviewee, the following information about the plants used was recorded: vernacular name, part used, preparation and mode of administration. Additionally, a comparative analysis of the interview and literature data was performed, searching inconsistency and complementary information. Ninety six percent the interviewed families reported the phytoterapic usage as a heritage/ familiar knowledge. Two hundred seventy one ethnobotany references were recorded. Seventy five morphospecies were reported, being 63 identified in specific level, 7 in generic level, and 5 that were not associated to a specific taxon. Mentha sp. (37 interviews) and Cymbopogon citratus (DC.) Stapf (30); Rosmarinus officinalis L. (26), Plectranthus neochillus Schlechter (24), Artemisia absinthium L. (22), Foeniculum vulgare Mill (22) and Tanacetum vulgare L. (22) were the most cited species. The majority of the interviewees indicated that they do not seek medical orientation for the use of medicinal plants. Eighty percent of the recorded species have been reported by the scientific literature as toxic or with usage restrictions. This represents 7 Rev. Bras. Pl. Med., Botucatu, v.9, n.3, p.6-22, 2007. a factor of risk that should be considered by the Health System and by those involved in the community health education. Recommendations for the different social actors in this scenary are presented. Key words : medicinal plants, primary health attention, toxic plants INTRODUÇÃO A medicina tradicional - conceituada como práticas baseadas em crenças, sendo parte da tradição de cada país, onde passa de uma geração a outra - tem sido difundida pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como um pilar essencial nos cuidados primários de saúde (vide World Health Assembly (WHA) Res. 29.72 -1976; WHA Res. 30.49- 1977 e WHA Res. 44.34, 1991). A partir desta base, estabeleceu-se um programa mundial com a finalidade de utilizar e avaliar os métodos da chamada “medicina tradicional” (Akerele, 1988). Adicionalmente, na Conferência Internacional de Cuidados Primários em Saúde, sob o tema “Saúde para todos no ano 2000”, foi incentivada a valorização das terapias tradicionais, entre elas a fitoterapia, sendo estas reconhecidas como recursos possíveis para a viabilização do objetivo proposto, como uma forma mais fácil e economicamente viável de aumentar a cobertura de atenção primária à saúde nos países onde a estrutura de serviços é insuficiente (OMS/UNICEF, 1979). A Conferência Internacional sobre Conservação de Plantas Medicinais adotou a Declaração de Chiang Mai “Salvem as Plantas que Salvam Vidas”, colocando as plantas medicinais, o seu uso racional e sustentável e sua conservação no cenário político e de interesse da saúde pública (Akerele, 1988). No Brasil este tema tem sido discutido em diversas oportunidades desde a 8a Conferência Nacional de Saúde, quando foi recomendada a introdução das práticas tradicionais de cura popular no atendimento público de saúde (Conferência Nacional de Saúde, 1986). Seguindo esta orientação, na 10a Conferência Nacional de Saúde, ocorrida em Brasília em 1996, deliberou-se incorporar as terapias alternativas e práticas populares no Sistema Único de Saúde (SUS). Nesta mesma oportunidade, incentivou-se a introdução da fitoterapia e da homeopatia na assistência farmacêutica pública, propondo-se o emprego de normas para sua utilização após ampla discussão com os profissionais de saúde e especialistas (Eldin & Dunford, 2001). A partir destas recomendações, gerou-se um crescente interesse de gestores municipais de saúde na implantação de programas de fitoterapia em unidades de saúde como alternativa medicamentosa de vários municipios brasileiros, como por exemplo, Vitória (ES), Curitiba (PR); Londrina (PR), Campinas (SP) e João Pessoa (PE); entre outros. Para a quase totalidade destes Municípios, os resultados da implantação do programa são avaliados como satisfatórios tanto para os profissionais como para os usuários do Sistema Público de Saúde. No Município de Vitória, chegou-se a obter uma economia em torno de 300% na produção própria de medicamentos fitoterápicos cientificamente comprovados (Espírito Santo, 2003). Em Curitiba, 81,90% das unidades de saúde já faziam a utilização da fitoterapia como opção terapêutica em 2001(Curitiba, 2003). Entretanto, como apontado por Leite (2000), o interesse por parte de gestores municipais na implantação de programas de uso de fitoterápicos na atenção primária à saúde, muitas vezes aparece associado apenas à concepção de que esta é uma opção para suprir a falta de medicamentos na impossibilidade de disponibilização destes, já que na maioria das vezes contabilizam-se os ganhos em custos gerados pelautilização dos fitoterápicos. Para esta autora, além da viabilidade econômica e da ação terapêutica que tem sido comprovada para muitas das plantas utilizadas popularmente, a fitoterapia representa parte importante da cultura de um povo que não pode ser desconsiderada. Assim, a utilização de plantas medicinais tem sido muitas vezes considerada como um fato desvinculado da assistência à saúde como um todo e vista como simples medicação. No entanto, segundo Hufford (1997), sistema de saúde que adota a fitoterapia deve incorporar um conjunto de atitudes, valores e crenças que constituem uma filosofia de vida e não meramente uma porção de remédios. Neste contexto, o saber popular poderia ser utilizado como base para a pesquisa científica sobre plantas medicinais, contribuindo com os profissionais da área de saúde no sentido de buscar subsídios para a introdução de espécies em programas de fitoterapia na rede de atendimento básico de saúde. Poderia ainda contribuir para o sistema local de saúde e ajudar a desenvolver o potencial econômico inerente às plantas de valor medicinal (Akerele, 1988). Assim como as plantas podem representar remédios poderosos e eficazes, o risco de intoxicação causada pelo uso indevido das mesmas, deve ser sempre levado em consideração. A observância às dosagens prescritas e o cuidado na identificação precisa do material utilizado pode evitar uma série de acidentes (Lorenzi & Matos, 2002). Desta forma, a 8 Rev. Bras. Pl. Med., Botucatu, v.9, n.3, p.6-22, 2007. identificação das plantas utilizadas pela população, a fonte de obtenção destas e indicações de uso, poderiam revelar possíveis problemas existentes nesse processo, ao mesmo tempo poderiam indicar a potencialidade existente nas comunidades para produzir localmente plantas medicinais a serem utilizadas na rede municipal de saúde. O uso de ervas medicinais, muitas delas cultivadas no próprio quintal, é uma prática secular baseada no conhecimento popular e transmitida oralmente, na maior parte das situações. Numa população com baixo acesso a medicamentos, agregar garantias científicas a essa prática terapêutica poderia trazer diversas vantagens. Desta forma, a implantação de um programa de produção, cultivo, elaboração e distribuição de plantas medicinais na atenção básica à saúde poderia garantir à população o acesso a medicamentos, diminuindo custos e valorizando o saber popular. Especificamente para o Município de Cascavel, o modelo de atenção à saúde desenvolvido prioritariamente caracteriza-se pelo atendimento clínico medicamentoso, centrado no tratamento/cura de doenças. Em virtude deste modelo apresentar sérias limitações, buscou-se alterá-lo de forma a incorporar a esse a prática de vigilância à saúde baseado no perfil epidemiológico da população local. Para tanto, como uma das estratégias para o alcance desse objetivo, o município aderiu à implantação do Programa de Agentes Comunitários de Saúde e do Programa Saúde da Família, os quais se caracterizam pela identificação precoce das condições de risco nas quais as famílias estão inseridas, dando ênfase na prevenção de doenças (Tomazzoni, 2004). Desde então, a equipe de saúde local vem interagindo com a comunidade nos cuidados básicos e educação para a conquista da saúde. Suas ações estão direcionadas ao núcleo familiar com especial atenção aos grupos de maior risco de adoecer ou morrer, dentro de uma base territorial definida. As ações a serem realizadas pela equipe de saúde baseiam-se nos problemas e potencialidades de saúde identificados nos territórios, contribuindo para a construção e a consolidação de um modelo assistencial em saúde que atenda as necessidades dos indivíduos de forma integral. Neste contexto, a inserção de um programa de uso fitoterápicos na Rede Básica de Saúde do Município tem sido visualizada como uma alternativa bastante atrativa e promissora tanto para o gestor quanto para para os profissionais e usuários do Sistema Público de Saúde, como apontado em Tomazzoni (2004). Nesta perspectiva, o presente estudo teve como objetivo ampliar o conhecimento sobre a relação da comunidade de Cascavel com o uso de plantas medicinais, visando gerar subsídios para o planejamento e introdução do uso de fitoterápicos na Rede Básica de Saúde do Município de Cascavel/ PR. Especificamente, visou-se realizar estudo etnobotânico de modo a identificar a utilização de plantas medicinais na realidade da população da área de abrangência do projeto, contemplando: a) Identificação de espécies ainda não citadas na literatura como medicinais ampliando o escopo das possibilidades fitoterapêuticas; b) Comparação do emprego de plantas medicinais pela população estudada com o descrito na literatura, de modo a identificar incongruências e riscos de utilização inapropriada; c) a partir da análise dos dados obtidos, apresentar recomendações a distintos atores sociais visando subsidiar o planejamento e introdução do uso de fitoterápicos na Rede Básica de Saúde do Município de Cascavel/ PR. MATERIAL E MÉTODO Local do estudo O estudo foi desenvolvido em Cascavel, município localizado no Terceiro Planalto, na região extrema do Oeste Paranaense (24º 58' Sul; 53º e 26' Oeste). Este Município conta com 266.604 mil habitantes (IBGE, 2004), sendo a maioria deste concentrado na área urbana. Cerca de 93% deste contingente populacional é constituído basicamente por migrantes gaúchos e catarinenses, predominando a cultura italiana, alemã, polonesa e portuguesa. Em Cascavel, a rede pública de saúde que oferece serviços na atenção primária é composta por 31 Unidades de Saúde, sendo 23 na área urbana e 8 na área rural. Dentre estas, para o desenvolvimento desta pesquisa, selecionou-se a Unidade de Saúde da Família (USF) Nossa Senhora dos Navegantes, localizada no Distrito de São João, distante aproximadamente 15 Km do perímetro urbano. Esta Unidade de Saúde foi implantada em junho de 2002, com o objetivo de oferecer serviços de saúde 8 horas por dia, dentro da lógica do Programa Saúde da Família que consiste no desenvolvimento de estratégia que busca atribuir maior capacidade de resposta às necessidades básicas de saúde da população de sua área de abrangência. Adicionalmente, busca gerar novas políticas setoriais, afirmando a indissociabilidade entre os trabalhos clínicos e a promoção da saúde conforme apontado em Brasil (2001). A escolha desta USF para a realização desta pesquisa deveu-se a esta comunidade de usuários possuir residência fixa e apresentar interesse pelo tema “fitoterapia”, demonstrado por lideranças comunitárias no desenvolvimento de trabalhos anteriores em prol do resgate e valorização da cultura daquela população, conforme Tomazzoni (2004). A área de abrangência da USF Nossa 9 Rev. Bras. Pl. Med., Botucatu, v.9, n.3, p.6-22, 2007. Senhora de Navegantes, corresponde a 12 comunidades rurais denominadas: Alto Bom Retiro; Jangadinha; Cerro Verde; Nossa Senhora dos Navegantes; Rio Diamante; Peroba; Gramadinho; Rio Quarenta e Sete; Jangada; Rio Saltinho; Jangada Taborda e São Mateus. No total, esta USF presta atendimento a 1550 habitantes, distribuídos em 452 famílias. A densidade populacional entre as comunidades é bastante diversificada sendo Gramadinho o maior núcleo populacional com 71 familias e Rio Saltinho o menor (8 famílias). A maior parte da população atendida pela USF é representada por indivíduos adultos (> 21 e < 60 anos) (59,74%). O restante dessa população está configurado por 10,77% de bebês (< 1 ano), 22,33% de criança, adolescentes e jovens (1 até 21 anos) e 7,16% de indivíduos idosos (> 60 anos). Durante o desenvolvimento dessa pesquisa, a USF contava com a seguinte equipe de profissionais: 1 médico clínico geral; 1 enfermeiro; 1 assistente social; 1 cirurgião dentista; 2 auxiliares de enfermagem; 1 técnico em higiene bucal; 1 auxiliar de cirurgião dentista; 6 agentes comunitários de saúde; 1 motorista e 1 zeladora. População amostral O universo amostral correspondeu a 50 famílias que foram identificadas como usuárias da USF Nossa Senhorade Navegantes e selecionadas pela técnica de amostragem estratificada proporcional conforme Costa Neto (1977). Nesta técnica a determinação do tamanho da amostra é definida pela proporção do número de famílias da população versus a quantidade de famílias em cada estrato (cada comunidade). Desta forma, de um total de 452 famílias, selecionou-se 50 distribuidas proporcionalmente em relação ao número de famílias registradas por comunidade da área de abrangência desta USF. No âmbito de cada comunidade, estas famílias foram selecionadas aleatóriamente, por meio de sorteio simples. A entrevista foi realizada com o membro da família que estava presente e se disponibilizava para tal atividade. No total, a amostra populacional englobou indivíduos entre 19 e mais de 70 anos, sendo 82 % destes do sexo feminino (Tabela 1). Com relação à escolaridade, apenas 2% dos entrevistados referiram ter concluído o ensino médio, 2% não eram alfabetizados e 10% informaram apenas saber ler e escrever. No que diz respeito à religião, 92% informaram ser católicos. Quanto à procedência, 94% indicaram ser da região Sul, sendo que destes, 50% do estado do Paraná. Quanto ao tempo de permanência na comunidade, 62% dos indivíduos amostrados explicitaram residir há mais de 10 anos na mesma localidade e 18% informaram residir há mais de 30 anos. Quando perguntados sobre a profissão, 58% declararam serem agricultores e 30% eram donas de casa (“do lar”). TABELA 1. Incidência de indivíduos representativos de diferentes faixas etárias em levantamento etnobotânico realizado junto aos usuários da Unidade de Saúde da Família Na Sra dos Navegantes, Cascavel- PR (dez. 2003 a fev. 2004). Coleta de dados Para descrição das características da amostra populacional, assim como para coleta de informações sobre as espécies vegetais utilizadas na terapêutica popular, executou-se pesquisa exploratório-descritiva envolvendo levantamento bibliográfico e levantamento junto às comunidades alvo. A coleta de dados foi realizada no período de dezembro 2003 a fevereiro de 2004. A abordagem feita aos entrevistados foi em forma de diálogo seguindo um roteiro básico que foi previamente avaliado por meio de pré-teste, em dois aspectos fundamentais: a validade e a confiabilidade. Além da informação sobre a identificação pessoal (nome completo, endereço, idade, sexo, escolaridade), durante o diálogo foram anotados dados etnobotânicos (plantas medicinais utilizadas, modo de uso, finalidade e fonte de obtenção deste conhecimento). A coleta destes dados se deu de modo informal, possibilitando uma maior flexibilidade no contato entre entrevistador e entrevistado. Após apresentação e explanação inicial acerca do objetivo da pesquisa, e desde que tivesse havido concordância em participar do estudo proposto, a entrevista era iniciada. No decorrer da entrevista quando se fez necessário foram feitas algumas intervenções pertinentes a fim de solicitar esclarecimento de aspectos importantes relacionados ao objetivo da pesquisa. Finalizada a entrevista, foi procedido relato da comunicação verbal de todas as questões abordadas pelo entrevistado. A opção por esta forma de registro teve como objetivo evitar o constrangimento do entrevistado frente ao uso de 10 Rev. Bras. Pl. Med., Botucatu, v.9, n.3, p.6-22, 2007. gravador, que poderia contribuir para a omissão de informações importantes. Para facilitar a aproximação e por entender que o entrevistado se sentiria mais seguro com a presença de uma pessoa que já lhe fosse familiar, foi solicitado, durante a entrevista, o acompanhamento do Agente Comunitário de Saúde responsável pela visita domiciliar mensal àquela família. Isto possibilitou estabelecer um vínculo de confiança entre o entrevistador e o entrevistado o que foi fundamental para o aprofundamento dos aspectos pesquisados. A duração de cada entrevista variou de acordo com cada entrevistado, dependendo da sua disponibilidade e número de citações apresentadas, chegando ao máximo de 2 horas e mínimo de 40 minutos. Realizou-se adicionalmente a coleta e herborização das plantas citadas. O material coletado, a partir da citação do nome vulgar, foi agrupado em morfoespécies com base em semelhanças morfológicas as quais foram identificadas em nível de espécie, sempre que possível. A identificação do material coletado seguiu os padrões da taxonomia clássica, feita com base em caracteres morfológicos florais e utilizando-se, quando possível, vários exemplares. As determinações foram efetuadas pelos autores através de chaves analíticas e comparações com materiais depositados no Herbário UPCB do Departamento de Botânica da Universidade Federal do Paraná. Análise de dados As indicações de uso popular foram substituídas por têrmos técnicos correspondentes, como por exemplo, para “contra febre” utilizou-se “antipirético”; “para dor de dente” utilizou-se “odontálgico”; “para pedra nos rins” utilizou-se “litolítico”. No caso da indicação ser “ serve para tudo” utilizou-se o têrmo “genérico”. As informações etnobotânicas coletadas foram analisadas comparativamente ao exposto em distintas fontes impressas e eletrônicas, no sentido de identificar incongruências quanto à indicações de usos e também riscos de utilização inapropriada. Entre as fontes consultadas, cita-se: USFDA (2005); PLANTAMED (2005); HERBMED (2005); Martins et al. (2000); Conceição (1987); Teske & Trentini (1997); Almeida (1993); Albuquerque (1990) e Corrêa (1984). RESULTADO E DISCUSSÃO A quase totalidade (96%) dos indivíduos entrevistados (n = 50), independentemente de sexo ou idade, indicou fazer uso de plantas medicinais, eventual (54%) ou freqüentemente (46%), quando utilizam remédios caseiros. 86% dos entrevistados indicaram o cultivo doméstico de plantas medicinais que utiliza. Além desta fonte de obtenção, também foram indicados o comércio (farmácia - 6%), amigos (42%) e a Pastoral da Saúde (6%). Nenhum entrevistado indicou a utilização de plantas medicinais sob orientação médica. Referenciaram o uso como advindo de indicação de amigos e parentes (92%), livros especializados (2%), autoconhecimento (8%), muitas vezes reunindo todas estas alternativas. Um padrão de respostas semelhante foi obtido com relação à dosagem, evidenciando-se que a maioria segue recomendações de amigos e parentes (54%). Dentre os entrevistados, 10% relataram não se importar com a dosagem “uma vez que planta não faz mal à saúde”. A totalidade dos entrevistados não apresentou registro de casos de envenenamento ou intoxicação por plantas na família. Isto tanto pode ser devido à real falta de ocorrência destes processos no âmbito da comunidade pesquisada como pode representar não relação, por parte destes entrevistados, entre causa e efeito durante um episódio indesejável ocorrido no passado . Um total de 271 citações etnobotânicas foram registradas junto aos entrevistados, englobando 75 morfoespécies, sendo 63 identificadas em nível específico, 7 em nível genérico, 5 não foram associadas a um taxon específico (Tabela 2). A maioria dos entrevistados citou mais de uma espécie da qual faz uso medicinal. A média de citações de plantas medicinais por questionário foi de 6,36 (valor máximo = 22, valor mínimo = 0, moda = 4). A família Asteraceae foi a que englobou maior número de espécies citadas (16 spp), seguida por Labiateae (14 spp), Amaranthaceae (4 spp), Verbenaceae (3 spp) e Apiaceae, Juglandaceae, Malvaceae, Rutaceae e Zingiberaceae (2 spp). As demais famílias tiveram apenas citação de uma espécie cada, integralizando 30,6% do total amostrado. As espécies citadas em maior número de entrevistas foram Mentha sp. (37 entrevistas) e Cymbopogon citratus (DC) Stapf. – capim limão (30). Outras espécies citadas em relativamente expressivo número de questionários foram: Rosmarinus officinalis L. (26), Plectranthus neochillus Schltr. (24), Artemisia absinthium L. (22), Foeniculum vulgare Mill (22) e Tanacetum vulgare L. (22) (Tabela 2). Foram registradas 40 propriedades terapêuticas distintas relacionadas ao uso domésticodas espécies citadas, ressaltando-se que muitos entrevistados mencionaram buscar assistência médica em casos de enfermidades consideradas mais graves. As propriedades terapêuticas mais freqüentemente citadas foram: digestiva (76%), calmante (43%), antigripal (37%), analgésica (30%), antibiótica (22%), diurética (20%) e hipotensora (20%). A grande maioria das espécies (35) estava associada a apenas uma indicação de uso. As demais foram associadas desde 11 Rev. Bras. Pl. Med., Botucatu, v.9, n.3, p.6-22, 2007. 2 até 7 distintas utilidades terapêuticas. As espécies com maior número de indicações terapêuticas (7) foram Mentha sp., Rosmarinus officinalis e Tanacetum vulgare (Tabela 2). Para a quase totalidade das espécies citadas, o chá foi a forma de uso referenciada pelos entrevistados. Para apenas 2 espécies – Mentha viridis (L.) L. e Solidago chinensis Meyen- indicou-se a tintura como única forma de emprego e, nestes casos, associado a atividade analgésica e/ou emoliente para tratamento externo de machucaduras. Em poucos outros casos, citou-se adicionalmente ao emprego do chá o uso da mesma planta para emplastro (p.ex. Aloe vera L.) ou como erva- desidratada misturada ao chimarrão (p.ex. Lavandula sp.). A dose administrada variou de acordo com a indicação, desde uma dose diária até várias ingestões ou aplicações por dia. Na maior parte das citações (96%), indicou- se exclusivamente a folha como parte utilizada no preparo do chá ou outra forma de uso. A folha juntamente com o caule assim como casca, flor, seiva, semente e raiz configuram-se entre outras partes menos freqüentemente citadas como utilizadas pelos entrevistados (Tabela 2). Com relação ao uso das plantas, mesmo estas sendo cultivadas pelos entrevistados, verificou-se que nem sempre estes souberam informar com precisão sobre sua indicação terapêutica, informando que “ouviram falar que fazia bem para esta ou aquela doença”. Muitos tinham a planta na horta ou quintal, mas não tinham certeza da sua indicação. A partir da bibliografia consultada, pode-se averiguar que aproximadamente 80% das plantas, citadas como de uso terapêutico pela população, apresenta algum tipo de toxicidade ou contra- indicação de uso (Tabela 2). Vale salientar que esta porcentagem pode estar subestimada em virtude de não haver informação disponível para várias das espécies citadas. A ausência de informação não necessariamente significa ausência de toxicidade ou contra-indicação, mas pode estar associada à falta de estudos a esse respeito. Considere-se também, que dada à insuficiência de estudos farmacológicos e toxicológicos específicos para grande parte destas espécies, a indicação de toxicidade pode estar sendo superestimada por ser advinda apenas de indicação empírica. De qualquer modo, evidencia-se a carência de estudos específicos a esse respeito assim como a necessidade de alertar potenciais usuários sobre essa possibilidade de toxicidade e efeitos colaterais. Dentre as espécies com indicação de toxicidade ou contra-indicação de uso, ressalta-se que aproximadamente 26% constam na literatura como abortivas e/ou não recomendadas durante a gravidez ou lactação (p.ex. Foeniculum vulgare Mill; Rosmarinus officinalis L.). Cerca de 20 espécies citadas pelos usuários são indutoras de reação alérgica e/ou fotossensibilização dérmica (p.ex. Artemisa vulgaris L.; Salvia officinalis L.). Várias outras espécies são referenciadas na literatura como promotoras de hepatotoxicidade aguda (p.ex. Chelidonium majus L.- indutora de hepatite aguda, conforme Pittler & Ernst, 2003); degeneração do sistema nervoso, alucinações e convulsões (p.ex. Artemisia absinthium L.), forte ação depressora do sistema nervoso central (p.ex. Mentha suaveolens Ehrl, segundo Moreno et al., 2002) e de formação de tumores malígnos na bexiga e fígado (p.ex. Symphytum officinale, conforme Sousa et al., 1991). A ingestão do chá desta última espécie, e também de Tanacetum vulgare L., de Passiflora (folha) e de Petiveria alliacea, é totalmente desaconselhada face à alta toxicidade destas (Conceição, 1987; Martins et al.; 2000; UFSDA, 2005). Também, registraram-se algumas discrepâncias entre as indicações de uso, forma de preparo e dosagem registrados junto à comunidade estudada e os citados na bibliografia consultada (Tabela 2). Neste aspecto, salientam-se aquelas cuja indicação de uso e/ou parte usada difere da registrada na literatura consultada, como por exemplo, Artemisia alba Turra (com várias indicações de uso, exceto “calmante”); Celosia cristata (extrato alcoólico das sementes referenciado como com atividade anti- glicêmica em Vetrichelvan et al., 2002); Pfaffia glomerata (Spreng.) Pederson ( o extrato aquoso da raiz é citado por Freitas et al. (2004) como potencialmente protetor da mucosa gástrica entre outras e, segundo Sanches et al. (2001), o extrato metanólico da raíz apresenta atividade anti- hiperglicemiante). As indicações discrepantes tanto podem ser novas e corretas formas de uso quanto podem representar erros frequentemente cometidos quando da identificação de determinada espécie. Este erro de identificação pode estar associado ao uso do nome vulgar dado que este não é um indicador seguro da correta identificação de uma espécie. Várias espécies botânicas, muitas vezes de gêneros e/ou famílias distintas, são referenciadas por um mesmo nome vulgar sem no entanto terem os mesmos princípios ativos, como por exemplo “erva cidreira” – nome vulgar referenciado tanto para Cymbopogon citratus (DC) Stapf (Poaceae) quanto para Lippia alba (Mill) N.Br. (Verbenaceae) e Melissa officinalis L. (Labiateae). 1 2 R ev. B ras. P l. M ed., B otucatu, v.9, n.3, p.6-22, 2007. TABELA 2. Espécies vegetais referenciadas como medicinais em levantamento etnobotânico realizado junto a usuários da USF Na Sra Navegantes (Cascavel, Paraná / dez.2003 a fev.2004), ordenadas alfabeticamente por família botânica, sendo FA = frequência absoluta (n= 50 entrevistas). Indicação de toxicidade, se não citada a fonte, provém de USFDA (2005), sendo nc= nada consta nas fontes consultadas. Indicação de uso medicinal em negrito = não referenciada nas fontes consultadas. Nomes científicos conforme Missouri Botanical Garden (2005). 1 3 R ev. B ras. P l. M ed., B otucatu, v.9, n.3, p.6-22, 2007. TABELA 2 . Espécies vegetais referenciadas como medicinais em levantamento etnobotânico realizado junto a usuários da USF Na Sra Navegantes (Cascavel, Paraná / dez.2003 a fev.2004), ordenadas alfabeticamente por família botânica, sendo FA = frequência absoluta (n= 50 entrevistas). Indicação de toxicidade, se não citada a fonte, provém de USFDA (2005), sendo nc= nada consta nas fontes consultadas. Indicação de uso medicinal em negrito = não referenciada nas fontes consultadas. Nomes científicos conforme Missouri Botanical Garden (2005). (cont.) 1 4 R ev. B ras. P l. M ed., B otucatu, v.9, n.3, p.6-22, 2007. TABELA 2 . Espécies vegetais referenciadas como medicinais em levantamento etnobotânico realizado junto a usuários da USF Na Sra Navegantes (Cascavel, Paraná / dez.2003 a fev.2004), ordenadas alfabeticamente por família botânica, sendo FA = frequência absoluta (n= 50 entrevistas). Indicação de toxicidade, se não citada a fonte, provém de USFDA (2005), sendo nc= nada consta nas fontes consultadas. Indicação de uso medicinal em negrito = não referenciada nas fontes consultadas. Nomes científicos conforme Missouri Botanical Garden (2005). (cont.) 1 5 R ev. B ras. P l. M ed., B otucatu, v.9, n.3, p.6-22, 2007. TABELA 2 . Espécies vegetais referenciadas como medicinais em levantamento etnobotânico realizado junto a usuários da USF Na Sra Navegantes (Cascavel, Paraná / dez.2003 a fev.2004), ordenadas alfabeticamente por família botânica, sendo FA = frequência absoluta (n= 50 entrevistas). Indicação de toxicidade, se não citada a fonte, provém de USFDA (2005), sendo nc= nada consta nas fontes consultadas. Indicação de uso medicinal em negrito = não referenciada nas fontes consultadas. Nomes científicosconforme Missouri Botanical Garden (2005). (cont.) 1 6 R ev. B ras. P l. M ed., B otucatu, v.9, n.3, p.6-22, 2007. TABELA 2 . Espécies vegetais referenciadas como medicinais em levantamento etnobotânico realizado junto a usuários da USF Na Sra Navegantes (Cascavel, Paraná / dez.2003 a fev.2004), ordenadas alfabeticamente por família botânica, sendo FA = frequência absoluta (n= 50 entrevistas). Indicação de toxicidade, se não citada a fonte, provém de USFDA (2005), sendo nc= nada consta nas fontes consultadas. Indicação de uso medicinal em negrito = não referenciada nas fontes consultadas. Nomes científicos conforme Missouri Botanical Garden (2005). (cont.) 1 7 R ev. B ras. P l. M ed., B otucatu, v.9, n.3, p.6-22, 2007. TABELA 2 . Espécies vegetais referenciadas como medicinais em levantamento etnobotânico realizado junto a usuários da USF Na Sra Navegantes (Cascavel, Paraná / dez.2003 a fev.2004), ordenadas alfabeticamente por família botânica, sendo FA = frequência absoluta (n= 50 entrevistas). Indicação de toxicidade, se não citada a fonte, provém de USFDA (2005), sendo nc= nada consta nas fontes consultadas. Indicação de uso medicinal em negrito = não referenciada nas fontes consultadas. Nomes científicos conforme Missouri Botanical Garden (2005). (cont.) 1 8 R ev. B ras. P l. M ed., B otucatu, v.9, n.3, p.6-22, 2007. TABELA 2 . Espécies vegetais referenciadas como medicinais em levantamento etnobotânico realizado junto a usuários da USF Na Sra Navegantes (Cascavel, Paraná / dez.2003 a fev.2004), ordenadas alfabeticamente por família botânica, sendo FA = frequência absoluta (n= 50 entrevistas). Indicação de toxicidade, se não citada a fonte, provém de USFDA (2005), sendo nc= nada consta nas fontes consultadas. Indicação de uso medicinal em negrito = não referenciada nas fontes consultadas. Nomes científicos conforme Missouri Botanical Garden (2005). (cont.) 1 9 R ev. B ras. P l. M ed., B otucatu, v.9, n.3, p.6-22, 2007. TABELA 2 . Espécies vegetais referenciadas como medicinais em levantamento etnobotânico realizado junto a usuários da USF Na Sra Navegantes (Cascavel, Paraná / dez.2003 a fev.2004), ordenadas alfabeticamente por família botânica, sendo FA = frequência absoluta (n= 50 entrevistas). Indicação de toxicidade, se não citada a fonte, provém de USFDA (2005), sendo nc= nada consta nas fontes consultadas. Indicação de uso medicinal em negrito = não referenciada nas fontes consultadas. Nomes científicos conforme Missouri Botanical Garden (2005). (cont.) 20 Rev. Bras. Pl. Med., Botucatu, v.9, n.3, p.6-22, 2007. Adicionalmente, ao analisar-se a relação nome vulgar versus espécie identificada observa-se que os entrevistados podem estar utilizando de maneira inadvertida determinadas espécies que são morfologicamente semelhantes a outras corretamente indicadas como medicinais. Ao avaliar-se as indicações de usos das espécies citadas, isto parece estar acontecendo com várias espécies, como por exemplo, Artemisia alba Turra (em lugar de A. absinthium L.), Plectranthus neochilus Schltr.(em lugar de Plectranthus barbatus Andrews). Por outro lado, várias espécies citadas apresentam indicação científica de usos importantes que não foram mencionados pela população entrevistada, como por exemplo Ficus carica L. (aitividade imunoestimulante registrada por Dai et al., 2000; atividade anti-cancerígena, identificada por Yin & Chen, 1997 e Meng et al., 1996); Juglans regia L. (segundo Erdemoglu et al., 2003, o extrato etanólico da folha apresentou atividade antinflamatória em estudos pré-clínicos; extrato aquoso potencialmente hipoglicemiante, conforme Sachdewa et al., 2003) e Hibiscus rosasinensis L. (anticarcinogênico, segundo Sharma et al., 2004 e Sharma & Sarvat, 2004; tônico capilar, conforme Adhirajan et al., 2003; anticolesteremiante e hipoglicemiante, de acordo com Sachdewa & Khemani, 2003 e Sachdewa et al., 2003). No transcorrer do presente estudo, percebeu- se que a utilização de plantas na terapia popular, pela comunidade de usuários da USF Na Sra dos Navegantes é bastante difundida e presente. A transferência do conhecimento botânico nesta comunidade, aparentemente, segue os padrões de comunidades tradicionais, não havendo indicativos de bloqueios ou rupturas neste processo na população avaliada. Entretanto, o uso sem orientação médica apropriada é um fator de preocupação que deve ser considerado pelos atores sociais do setor de saúde bem como por aqueles envolvidos na educação comunitária, dada a incidência de espécies com registro de toxicidade e contra-indicações de uso. Assim como as plantas podem representar remédios poderosos e eficazes, o risco de intoxicação causada pelo uso indevido das mesmas, deve ser sempre levado em consideração. A observância às dosagens prescritas e o cuidado na identificação precisa do material utilizado pode evitar uma série de acidentes como apontado por Lorenzi & Matos (2002). A falsa idéia de que tudo que é “natural é bom”, ou mais especificamente como indicado pelos entrevistados de que “planta não faz mal à saúde”, deve ser esclarecida junto à comunidade de usuários da USF assim com de outros locais. Estudos epidemiológicos em várias partes do mundo têm demonstrado que certos produtos naturais podem representar, cumulativamente, risco carcinogênico aos humanos (Falk, 2000). Alguns ésteres presentes em muitas das Euphorbiaceae que são utilizadas como medicinais são potentes mitogênicos que foram detectados como agentes causadores de câncer nasofaringeal e câncer esofágico (USFDA, 2005). Toxinas pirrolozidínicas mutagênicas, encontradas no chá de confrei e em várias outras ervas medicinais, foram detectadas como hepatocarcinogênicas em ratos e causadoras de cirrose hepática e outras patologias em humanos (Schoental, 1968; Ames et al., 1990). Várias espécies medicinais estão associadas a grave hepatoxicidade, como explicitado em Pittler & Ernst (2003). A não consonância das indicações de uso, forma de preparo e dosagem registrados junto à comunidade estudada em relação àquelas citadas na bibliografia consultada, deve servir também de referencial para estudos adicionais no sentido de ampliar as possibilidades de uso das espécies indicadas ou mesmo comprovar a ineficácia ou impropriedade da citada utilização. Recomendações Considera-se relevante para o Serviço Público de Saúde do município de Cascavel, a adoção do uso de plantas medicinais como uma solução prática para os problemas básicos de saúde. A implantação desta prática, além de promover melhoria da qualidade de saúde integral da população envolvida, valoriza o saber popular, reforçando laços sociais e culturais. Um projeto desta natureza poderia ser implantado de forma gradativa, em uma perspectiva interdisciplinar e com participação comunitária, seguindo as diretrizes do documento elaborado em 2001 pelo Ministério da Saúde, que autoriza a prática de uso de fitoterápicos no sistema público de saúde. Nesta perspectiva e frente aos resultados obtidos, apresenta-se um conjunto de recomendações a distintos atores sociais relacionados ao Sistema Público de Saúde e uso de plantas medicinais do Município de Cascavel: - Gestor Municipal de Saúde a) Discutir a problemática associada ao uso de fitoterápicos junto ao Conselho Municipal de Saúde. b) Promover cursos de capacitação para adequada utilização de fitoterápicos pelos profissionais de saúde envolvidos na atenção básica à saúde. c) Gerar programas de divulgação sobre uso adequado e indevido de plantas medicinais. d) Elaborar material informativo que possa ser distribuído à população. e) Elaborar estratégias de intervenção pertinentes ao problema diagnosticado. 21 RRev. Bras. Pl. Med., Botucatu, v.9, n.3, p.6-22, 2007. - Profissionais de Saúde a) Buscar capacitação para promover adequada orientação sobre plantas medicinais principalmente em relação a dosagens, interações, formas de preparo. b) Buscar conhecer contra-indicações e reações adversas das plantas usualmente empregadas pelos usuários.c) Realizar atividades educativas junto aos grupos organizados das comunidades de abrangência da USF onde atuam. d) Promover discussões relativas ao tema com a equipe interdisciplinar da USF e com o Conselho Local de Saúde. e) Valorizar o saber popular e a cultura local. - Usuários a) Evitar o uso de plantas somente com base no nome vulgar. b) Buscar a correta identificação botânica e informações sobre uso das plantas. c) Usar plantas medicinais sob orientação de um profissional de saúde. d) Cultivar as plantas medicinais em locais apropriados para o consumo. e) Buscar informações sobre contra- indicações e toxicidade das plantas. f) Participar dos grupos de atividades educativas da USF, sobre o uso de fitoterápicos. - Pesquisadores a) Realizar pesquisas no sentido de preencher as lacunas de conhecimento existentes em relação às plantas aqui relatadas e outras de uso popular comum e corrente. b) Divulgar informações cientificas sobre uso adequado, toxicologia e contra- indicações de uso de plantas medicinais em veículos de fácil entendimento pela população em geral. c) Desenvolver projetos de extensão relacionados ao uso de fitoterápicos em parceria com a Secretaria de Saúde Municipal. AGRADECIMENTO Os autores agradecem a comunidade usuária da USF Na Sra dos Navegantes, localizada no Distrito de São João em Cascavel (Paraná), pela disponibilidade em participar desta pesquisa. Agradecem também a Dra Maria de Lourdes Centa, Dra Solange Ribas Zaniolo; Dra Lia Rieck; Dra Vanilde Citadini-Zanette e aos revisores anônimos pela leitura crítica e valiosas sugestões apresentadas. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA ADHIRAJAN. N. et al. In vivo and in vitro evaluation of hair growth potential of Hibiscus rosa-sinensis Linn. Journal of Ethnopharmacology, v.88, n.2-3, p.235-9, 2003. AKERELE, O. Medicinal plants and primary health care: an agenda for action. Fitoterapia , n.5, p.355-63, 1988. ALBUQUERQUE, J.M. Plantas tóxicas no jardim e no campo . Belém: FCAP/ Serviço de Documentação e Informação, 1990. 120p. ALMEIDA, E.R. Plantas medicinais brasileiras . São Paulo: Hemus, 1993. 341p. AMES, B.N.; PROFET, M.; GOLD, L.S. III. 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