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Universidade do Estado do Rio de Janeiro Centro de Ciências Sociais Faculdade de Direito AS PRÁTICAS DE PREVIDÊNCIA SOCIAL NO BRASIL CONTEMPORÂNEO COMO POLÍTICA DE DESENVOLVIMENTO DE UMA SOCIEDADE MAIS EQUITATIVA. Gabriel Carvalho da Cunha Rio de Janeiro, Setembro de 2022 OBJETIVO Este artigo apresenta um estudo sobre a análise da viabilidade das práticas de previdência social como ferramenta na construção de uma sociedade mais equitativa. Além disso, foi essencial avaliar a sua efetividade no Estado brasileiro. Para a análise, consideram-se as espécies de benefícios de previdência social ofertadas pelo Instituto Nacional de Seguro Social — INSS — vigentes no Brasil em agosto de 2022 e seus impactos, principalmente nas faixas de menor renda. Foi explicitado também os principais problemas resultantes do uso ineficiente desse tipo de política pública. Palavras-chave: previdência; equidade social; políticas públicas; previdência social. INTRODUÇÃO A concessão de benefícios previdenciários, de caráter planejado ou assistenciais, carregam a possibilidade de fornecer segurança financeira em momentos em que o indivíduo sofre vulnerabilidade. O sistema de previdência social, embora carregue muito potencial no Brasil de atingir esse objetivo, possui falhas na sua aplicação por problemas estruturais de planejamento do sistema previdenciário social. Esse fator pode ser apresentado como um empecilho na construção de equidade socioeconômica. Importante ressaltar, a princípio, a diferença entre previdência e assistência social. A primeira é foco desta análise e se relaciona com a população economicamente ativa, baseando sua atuação nos princípios da solidariedade, vedação ao retrocesso social e proteção ao segurado.1 Ao passo que a assistência é diretamente ligada com os indivíduos em situação de vulnerabilidade absoluta, servindo como garantia de renda não por situações vinculadas à interrupção do trabalho, mas à impossibilidade ou insuficiência dele. Em virtude da relação direta entre a assistência social, também coberta pelos mesmos institutos de seguro social, e a redução da desigualdade social e a equitatividade socioeconômica, ela não é o foco primário desta análise. Nesse sentido, é necessário compreender como as proteções ao trabalhador podem causar impacto semelhante. Embora possam parecer a princípio semelhantes, em seu 1 Princípios esclarecidos em LAZZARI, João et al. PRÁTICA PROCESSUAL PREVIDENCIÁRIA. 2020. resultado, possuem diferentes legitimações para existência. Portanto, cabe os questionamentos: se a garantia de renda é o método mais eficiente e suficiente e se há outras medidas eficientes que possam ser abarcadas pelos institutos. 1 AS PRÁTICAS DE PREVIDÊNCIA SOCIAL A carta da liberdade da África do Sul inclui entre suas demandas alguns princípios que hoje são reconhecidos como elementos de previdência social. Em sua versão original2, a carta relaciona “full unemployment benefits”, “sick leave” e “maternity leave” três benefícios oferecidos no Brasil por institutos de previdência, como o Instituto Nacional de Seguridade Social — INSS. Importante ressaltar que o pleito da oferta benefícios no documento anti apartheid sul-africano em 1955, mostra o reconhecimento da importância dessa espécie de direito para garantir a segurança dos trabalhadores. Essa proteção é elemento essencial para que a sociedade se desenvolva respeitando equitativamente a realidade dos seus membros, principalmente num momento sensível da política interna da África do Sul vivida à época.3 A legislação brasileira reconhece o direito a dois tipos de pagamentos ao cidadão segurado pelos regimes de previdência social: programados e assistenciais. O primeiro caso se refere, em síntese, às modalidades de aposentadoria e o segundo a auxílios e pensões relacionados a eventos de acidentes, invalidez ou morte (Constituição (1988). Emenda constitucional n.º 103, de 12 de novembro de 2019)4. As modalidades servem a diferentes funções sociais: as de caráter planejado fornecem assistência a segurados de idade avançada e os não planejados àqueles que são submetidos a momentos potencialmente traumáticos para sua condição socioeconômica. O indivíduo, segurado em regime de previdência social, que se encontra em estado de vulnerabilidade, pode ser apoiado pela seguridade social em casos de incapacidade laborativa e impossibilidade de garantia do próprio sustento. Esse regime de previdência é constituído pelo instituto e segurado, sujeitos ligados por relação de direitos e deveres dispostos em legislação previdenciária5. 5 BRASIL. Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991. 4 (Constituição (1988). Emenda constitucional n.º 103, de 12 de novembro de 2019) 3 A política de Apartheid vigorou durante a segunda metade do século XX e grandes nomes como Nelson Mandela se destacaram à época na busca por direitos sociais e pleitos por dignidade. 2 CARTA DA LIBERDADE, 1955, África do Sul. A relação jurídica entre esse sistema e o indivíduo, quando analisada na escala de milhões de segurados do supracitado INSS, encontra o potencial do desenvolvimento de resultados análogos aos encontrados em sociedades que aplicam políticas de estado de bem-estar social: participação moderada da unidade estatal na manutenção da atividade econômica e proteção aos desempregados com ampliação do acesso a direitos6. O potencial da previdência social é de assegurar a renda, portanto, construir uma sociedade menos desigual. As teorias de welfare state analisam a garantia da renda à população que sofre de hipossuficiência por diferentes prismas: a teoria liberal defende que essa modalidade de assistência é apenas uma das formas de cooperar na construção de um lugar melhor para sua população7. Por mais que possa não ser a maneira mais eficiente, carrega o potencial de mitigar a pobreza absoluta e propiciar reinserção no mercado de trabalho gradativamente — contando com a renda temporária fornecida pelo instituto de previdência. Porém, há falhas na sua execução por conta de erros estruturais de planejamento do sistema previdenciário público. Esses dois elementos são diretamente relacionados à medida que mudanças legislativas como a Emenda Constitucional 103 de 2019 reduzem o potencial de pagamento dos benefícios8 e os institutos públicos de previdência se limitam a ser organizações pagadoras de seus segurados. O elemento da falha estrutural do país recai sobre a decadência no número de trabalhadores formais contribuintes com a previdência social no país9, em virtude do desemprego e posições de subemprego. Nesse contexto é viável considerar a possibilidade de essas instituições assumirem a função de reabilitar profissionais para promover noções sólidas de cidadania e cumprimento de direitos sociais. Com esse objetivo será possível promover aumento da qualidade de vida e desenvolvimento social para a população servida. O funcionamento do sistema previdenciário é fundamentado em uma modalidade velada de solidariedade. O regime de previdência é uma forma de diluir os riscos de ocorrências de infortúnios trabalhistas de um indivíduo com um grande corpo social. As consequências que seriam originalmente sofridas por ele e seu núcleo familiar agora são 9 Disponível em: https://g1.globo.com/economia/noticia/2020/02/14/numero-de-contribuintes-da-previdencia-cai-pelo-3o-ano -seguido-aponta-ibge.ghtml - Acesso em 03 de agosto de 2022 8 Constituição (1988). Emenda constitucional nº 103, de 12 de novembro de 2019 7 FIORI, José Luís. Estado de Bem-Estar Social: Padrões e Crises. 6 NOGUEIRA, Vera Maria Ribeiro. Estado de Bem-estar Social – origens e desenvolvimento. divididas com a sociedade.10 Embora os recolhimentos sejam feitos, geralmente11, de forma obrigatória, essa solidariedade forçada promove garantia para futuras incertezas. Dessa forma, a política pública de previdência protege o trabalhador contribuinte reduzindo suas chances de se submeter à pobreza absoluta. 1.1 A EQUIDADE SOCIALPara relacionar as práticas de previdência e a construção de uma sociedade equitativa é necessário compreender ambos os elementos. Já explicitado o primeiro, é necessário avaliar o segundo conceito, que carrega multiplicidade de significações. Nesse contexto, assume-se que: “ a igualdade e a equidade substantivas são soluções para variadas questões sociais e em que os bens públicos são preservados e promovidos, de maneira que os seres humanos sejam elevados aos mais altos patamares de convivência para se alcançar a liberdade, a fraternidade e a igualdade substantivas.” (AZEVEDO, Mário. IGUALDADE E EQUIDADE: QUAL É A MEDIDA DA JUSTIÇA SOCIAL? 2013. Nessa lógica, considera-se a igualdade social como uma característica da sociedade a ser construída. Ela consiste em proporcionar aos indivíduos condições de existência com bem-estar e reduzido número de conflitos. Assim é necessário analisar de que forma o seguro social faz parte desse circuito e como ele o impacta. Esse impacto considera os princípios norteadores do direito previdenciário, em especial o princípio da solidariedade12. Esse último, relaciona-se com a projeção ideal de sociedade, na medida em que norteia a existência do sistema previdenciário e assegura a diluição dos riscos trabalhistas, portanto exibindo a fraternidade citada por Mário Azevedo, numa lógica interessante. Ao passo que reduz em certo grau a liberdade de uso de seus proventos em virtude da obrigatoriedade da contribuição, pode também assegurar que no futuro tenha sua renda garantida sob a égide do mesmo sistema que ele participou. 12 Princípio abordado com mais clareza no capítulo 1 deste artigo. 11 Contribuintes individuais e facultativos podem deixar de recolher sem sofrer sanções em virtude desse fato. Apenas perdem direitos a pleitear benefícios. Descritas as condições para se enquadrar nesses 2 casos na lei 8213/91. 10 BARREIRA, Márcia da Silva. A Solidariedade como Princípio Fundamental da Previdência. In: Revista de Previdência da UERJ nº 1. Rio de Janeiro, 2004. 2 O DESENVOLVIMENTO DE UMA SOCIEDADE MAIS EQUITATIVA A PARTIR DAS PRÁTICAS DE PREVIDÊNCIA SOCIAL. A partir da breve análise do sistema previdenciário, seu potencial e suas falhas é essencial debater sua importância como política de desenvolvimento de uma sociedade mais justa. Cabe avaliar de que forma esse sistema pode auxiliar na construção de equidade. O modo organizacional desse sistema de justiça social, de acordo com Fábio Zambitte Ibrahim se divide em 3 princípios: A necessidade, a igualdade e o mérito: Para tanto, adota-se, como fundamento de um novo modelo, a justiça social em três dimensões necessidade, igualdade e mérito. A necessidade visa atender e assegurar a qualquer pessoa, dentro das necessidades sociais cobertas, um pagamento mínimo de forma a assegurar o mínimo existencial. A dimensão da igualdade, no viés material, visa preservar nível de bem-estar compatível, em alguma medida, com o usufruído durante a vida ativa. Já o mérito individual implica fornecer prestações mais elevadas aos que, conscientemente, reduziram o consumo presente, preservando parte de suas receitas para o futuro. (IBRAHIM, 2011) 13 Considerados os 3 pilares, é viável então estabelecer a relação entre o desenvolvimento do corpo social e as práticas previdenciárias. Em primeiro lugar, supridas as necessidades básicas do segurado, ele estará viverá sem a preocupação em se tornar hipossuficiente. A igualdade, ao manter o nível de bem-estar, faz com que o segurado não se sinta prejudicado, quando compara os valores da sua contribuição e o valor do benefício a ser recebido. O mérito, neste caso, proporciona ao indivíduo a oportunidade de receber maiores valores mediante maiores contribuições. Portanto, é viável entender que em uma sociedade, que possui um sistema previdenciário estruturado em que os indivíduos fazem contribuições regularmente, o fornecimento de renda, em casos que o segurado se torne hipossuficiente — temporária ou permanentemente — é importante para o desenvolvimento da equidade nesse corpo social. 13 IBRAHIM, Fábio Zambitte. A Previdência Social no estado contemporâneo Fundamentos, financiamento e regulação. 2011. Entendida a questão diretamente ligada à garantia de renda, é necessária a análise multifacetária dos Institutos públicos de previdência, porque, se limitam a ser organizações pagadoras de seus segurados. As suas infraestruturas abarcam a área de saúde, com o emprego de funcionários do ramo com finalidade de avaliar a capacidade laborativa do segurado. Porém, o emprego desses profissionais para função única de avaliar não impacta na reabilitação dos indivíduos que eles conferem afastamento remunerado - em forma de benefício por incapacidade temporária, aposentadoria por invalidez ou Benefício assistencial.14 Porém, o abandono dessa infraestrutura, que poderia ser revertida em reabilitação, teria efeito na promoção da equidade social a medida que aproveitaria uma ferramenta já existente.15 3 CONSIDERAÇÕES FINAIS O desenvolvimento de políticas de reabilitação do trabalhador ao mercado: políticas públicas de saúde. Podem auxiliar na redução da desigualdade e melhoria na qualidade de vida. Portanto, o desenvolvimento de políticas de acesso a serviços públicos aliadas às práticas de garantia de renda, de natureza previdenciária, é uma forma de aproveitar o potencial que a previdência tem no Brasil. A política pública de previdência impede que o trabalhador entre em estado de pobreza absoluta, reduzindo esse índice e mitigando a situação de fome. Embora o sistema não tenha abrangência suficiente para erradicar a problemática, serve como ferramenta de redução. Além disso, pode ser apreciado que o uso eficiente dos mecanismos já possuídos pelos institutos de previdência pode proporcionar melhores resultados nos objetivos apreciados. A estrutura médica que atualmente atua como avaliativa, de forma exclusiva, se dedicada à análise diagnóstica pode proporcionar recolocação no mercado de trabalho. 15 Na conjuntura atual, as estruturas médicas dos Institutos de Seguro Social, como o INSS, possuem médicos para efetuar perícias e avaliações, mas não para fornecer diagnósticos e proporcionar o retorno dessas pessoas que eles afastam do trabalho. Proporcionando o efeito do afastamento temporário por tempo indeterminado. 14 LAZZARI, João et al. PRÁTICA PROCESSUAL PREVIDENCIÁRIA. 2020. Assim esse método pode proporcionar também os objetivos defendidos por Mário Azevedo.16 Portanto, cabe conclui-se que os Institutos de previdência carregam uma função muito importante. Embora os institutos públicos de previdência não sejam capazes de alcançar toda a população economicamente ativa do país, proporcionam vantagens para aqueles que são alcançados. Nessa lógica proporcionam à sociedade um pequeno avanço a uma sociedade mais equitativa através deste grande grupo de indivíduos a quem são proporcionados seus direitos sociais. 16 Discutido no capítulo 1.1 deste artigo Referências: ¹ 1955. Disponível em: https://en.wikipedia.org/wiki/Freedom_Charter – Acesso em 2 de agosto de 2022. e Disponível em https://pt.wikipedia.org/wiki/Carta_da_Liberdade – Acesso em 2 de agosto de 2022. ² Constituição (1988). Emenda constitucional nº 103, de 12 de novembro de 2019 ³ BRASIL. Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991. ⁴ NOGUEIRA, Vera Maria Ribeiro. Estado de Bem-estar Social – origens e desenvolvimento. ⁵ FIORI, José Luís. Estado de Bem-Estar Social: Padrões e Crises. ⁶ Constituição (1988). Emenda constitucional nº 103, de 12 de novembro de 2019 ⁷ Disponível em: https://g1.globo.com/economia/noticia/2020/02/14/numero-de-contribuintes-da-previdencia-cai-pelo-3o-ano -seguido-aponta-ibge.ghtml - A cesso em 03 de agosto de 2022 ⁸ IBRAHIM, Fábio Zambitte. A Previdência Social no estado contemporâneo Fundamentos, financiamento e regulação. 2011. ⁹ BARREIRA, Márcia da Silva. A Solidariedade como Princípio Fundamental da Previdência. In: Revista de Previdênciada UERJ nº 1. Rio de Janeiro, 2004. ¹º LAZZARI, João et al. PRÁTICA PROCESSUAL PREVIDENCIÁRIA. 2020.
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