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1 Khilver Doanne Sousa Soares IESC VI É uma das principais queixas ginecológicas feitas ao médico da atenção primária à saúde. Primeiro diferencia-se o fluxo vaginal considerado normal (mucorreia) das vulvovaginites e cervicites. O diagnóstico é realizado através de um exame ginecológico e se necessário (e disponível), o teste de pH vaginal, o teste de hidróxido de potássio (KOH) e o exame microscópico a fresco As principais causas patológicas de corrimento vaginal são: vaginoses bacterianas, candidíase vaginal, tricomoníase, gonorreia e clamídia. Avaliação do Muco Vaginal Mulheres que referem um corrimento vaginal tipo “clara de ovo”, sem odor fétido, sem prurido e sem dispareunia, provavelmente apresentam mucorreia - ocorre geralmente por ectopia cervical (maior produção de muco pelo epitélio endocervical quando em contato com o ácido vaginal) ou durante a gestação (acontece pela maior circulação sanguínea na região vaginal). Ao exame especular, visualiza-se uma grande área de ectopia e quantidade abundante de muco hialino. O pH é normal, variando de 3,8 a 4,2. Obs.: ambos os casos acima, se apresentam grande mucorreia e/ou muita ectopia, encaminha-se a paciente ao ginecologista para possível cauterização epitelial. São 3 as situações patológicas + comuns de corrimento vaginal: vaginose bacteriana, candidíase vaginal e tricomoníase. Embora geralmente assintomáticas, as cervicites gonocócica e não gonocócica (ISTs) também devem ser lembradas. Vaginose Bacteriana Ocorre pelo desequilíbrio da flora vaginal normal: proliferação aumentada das bactérias anaeróbias (Gardnerella vaginalis, Bacteroides sp., micoplasmas, entre outras) + ausência ou diminuição acentuada dos lactobacilos acidófilos. As vaginoses NÃO SÃO ISTs!!! . . . mas pode ser precipitada pela relação sexual. A vaginose bacteriana apresenta-se como um corrimento vaginal com odor fétido, mais acentuado após o coito e durante o período menstrual, com aspecto branco-amarelado- acinzentado, fluido ou cremoso e, eventualmente, bolhoso. Candidíase Vaginal Prurido vulvovaginal e secreção vaginal branco-acinzentada podem ser manifestação de candidíase vaginal. Além de prurido, a pessoa pode referir ardor ou dor à micção, corrimento branco, grumoso, indolor e com aspecto de “leite coalhado”, hiperemia, edema vulvar, fissuras e maceração, dispareunia, vagina e colo recobertos por placas brancas, ou branco-acinzentadas, aderidas à mucosa. Essa infecção é causada por fungos, principalmente o Candida albicans, que já habitam normalmente a mucosa vaginal e digestiva. Se o meio se tornar favorável, o fundo se desenvolve. A principal forma de transmissão NÃO É SEXUAL, portanto NÃO É CONSIDERADA IST! Os fatores predisponentes são gravidez, diabetes melito (DM) descompensado, obesidade, uso de contraceptivos orais de alta dosagem, uso de antibióticos, corticoides ou imunossupressores, hábitos de higiene e vestuários inadequados, contato com substâncias alérgenas e/ou irritantes ou alterações no sistema imunológico. 2 Khilver Doanne Sousa Soares Tricomoníase Causada pelo Trichomonas vaginalis. Tem corrimento abundante, amarelado ou amarelo- esverdeado, bolhoso, com prurido e/ou irritação vulvar, dor pélvica, sintomas urinários, hiperemia da mucosa com placas avermelhadas (colpite difusa e/ou focal, com aspecto de framboesa) e teste de Schiller positivo com aspecto “tigroide”. Cervicite Gonocócica É causada pela Neisseria gonorrhoeae, é assintomática em 60 a 80% dos casos. Quando sintomática, apresenta secreção endocervical mucopurulenta, dor pélvica, dispareunia, colo uterino friável com fácil sangramento à manipulação ou durante o coito, sangramento irregular, hiperemia vaginal, disúria e polaciúria. A infecção gonocócica na gestante poderá estar associada a maior risco de prematuridade, ruptura prematura de membrana, perdas fetais, crescimento intrauterino restrito e febre puerperal. No recém-nascido (RN), a principal manifestação clínica é a conjuntivite, podendo haver septicemia, artrite, abscessos de couro cabeludo, pneumonia, meningite, endocardite e estomatite. Cervicites não Gonocócicas Podem ser decorrentes de infecção por Chlamydia trachomatis, entre outros patógenos. Embora geralmente sejam assintomáticas, a longo prazo, podem ocasionar morbidades. Mais de um terço das mulheres infectadas por clamídia terá doença inflamatória pélvica (DIP), um quinto poderá se tornar infértil e um décimo poderá ter gestação ectópica, além de dor pélvica crônica. A infecção por clamídia durante a gravidez pode estar relacionada à prematuridade, à ruptura prematura de membranas, à endometrite puerperal, além de conjuntivite e pneumonias do RN. Bebês de mães com infecção da cérvice por clamídia correm alto risco de adquirir a infecção durante a passagem pelo canal de parto. Abordagem Sindrômica para Corrimento Vaginal 3 Khilver Doanne Sousa Soares Anamnese & Exame Físico Deve conter na sua descrição: aspecto, quantidade, odor do corrimento; prurido; inflamação local; disúria; dispareunia; dor pélvica. Para avaliar a vulnerabilidade a ISTs e dimensionar as recomendações necessárias, é importante perguntar: o uso de preservativo e outros métodos anticoncepcionais, as parcerias sexuais e o tipo de atividade sexual recente (vaginal, anal). Também é válido inquirir sobre ciclo menstrual, contato vaginal com esperma, uso de lubrificantes, sabonetes e realização de duchas íntimas. O exame ginecológico é essencial para uma conduta adequada, devendo seguir os seguintes passos: Exame da genitália externa e região anal; Visualização integral do introito vaginal; Exame especular para visualização adequada da vagina, suas paredes, fundo de saco e colo uterino; Realização do teste do pH vaginal, se necessário e disponível, colocando a fita de papel indicador na parede vaginal lateral, por 1 minuto, evitando tocar o colo uterino; Quando necessário e disponível, fazer coleta de material para a realização de bacterioscopia e do teste de Whiff (se positivo, a aplicação de 1 a 2 gotas de KOH a 10% na lâmina com a secreção vaginal ocasiona o surgimento de um odor fétido de peixe em putrificação, em geral associado à vaginose bacteriana); Realização do teste do cotonete do conteúdo cervical se indicada investigação de cervicites (coleta de swab endocervical com cotonete e observação de muco em contraste com um papel branco); Se necessário, realização de coleta de material para cultura. Exames Complementares Podem ser úteis por meio do diagnóstico clínico laboratorial que oferecem. Para tal, utiliza- se o critério de Amsel, que propõe a confirmação diagnóstica se presentes três dos 4 critérios a seguir: Corrimento vaginal acinzentado e homogêneo; pH vaginal maior do que 4,5; Teste das aminas (de Whiff) positivo; Presença de clue cells no exame bacterioscópico. Na candidíase, o exame direto do conteúdo vaginal, adicionando-se KOH a 10%, revela a presença de micélios (hifas) e/ou esporos birrefringentes. É comum valores de pH vaginal menores que 4. Na suspeita de tricomoníase, utiliza-se o exame direto (a fresco) do conteúdo vaginal ao microscópio, de fácil realização e interpretação. Procura-se o parasita flagelado, que se move ativamente entre as células epiteliais e os leucócitos. O teste do pH geralmente mostra valores acima de 4,5. A conduta não deve ser postergada aguardando seus resultados Conduta Descartar uma das possíveis condições investigadas: Por exemplo, se, após a procura da presença dos diferentes sinais/sintomas de vaginose bacteriana, candidíase vaginal e tricomoníase, não se atinge uma probabilidade pós-teste significativa para diagnóstico nem há justificativa para a realização de novos testes. Nesses casos, devem-se considerar outras possibilidades para a queixa de corrimento:secreção fisiológica, cervicites, causas não infecciosas (como higiene inadequada, vaginite atrófica, dermatites secundárias a uso de duchas, preservativos, sabonetes, absorvente). 4 Khilver Doanne Sousa Soares Orientar o prosseguimento investigativo: quando há uma probabilidade moderada de certa doença, orientando a busca por outros sinais e sintomas ou, se necessário, a realização de exames complementares. Diagnosticar uma das possíveis condições investigadas: Nos casos em que a probabilidade pós-teste é acima de 80%, considera-se atingido o limiar para diagnóstico presuntivo da vulvovaginite específica e orienta-se implementação de tratamento específico, evitando-se submeter a paciente a testes adicionais. Opções Terapêuticas para Corrimento Vaginal 5 Khilver Doanne Sousa Soares Nos casos de tricomoníase, as parcerias sexuais devem ser tratadas, preferencialmente com medicamentos de dose única. Testar para HIV, sífilis e hepatite B as pessoas infectadas e suas parcerias sexuais. Orientar também abstinência sexual até a conclusão do tratamento e o desaparecimento dos sintomas; retomada a atividade sexual, recomenda-se o uso de preservativo para se evitar uma nova IST. A ingesta de bebida alcoólica deve ser suspensa durante 24 horas em tratamentos com dose única de metronidazol e por 72 horas quando se utiliza tinidazol. _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ GUSSO, Gustavo; LOPES, José Mauro Ceratti; DIAS, Lêda Chaves. Tratado de medicina de família e comunidade: princípios, formação e prática. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2019. 6 Khilver Doanne Sousa Soares É IST? KOH (teste de aminas) À microscopia PH Corrimento Tratamento Vaginoses: causado pelo desequilíbrio da flora vaginal Não + Na microscopia? Clue cells (cells epiteliais vaginais) >4,5 - Branco amarelado acinzentado - Fluido ou “cremoso” - Eventualmente bolhoso - Fétido peixe podre - Piora pós coito e pós menstruação - Dispareunia Metronidazol 500mg, VO, 12/12 hrs, 7 dias OU Metronidazol gel vaginal 100mg, 1 aplicação a noite, 5 dias Tricomoníase: Sim + Na microscopia? Trichomonas (protozoário) >4,5 - Verde amarelado - Volumoso - Bolhoso - Prurido - Cheiro de peixe podre - Teste Schiller positivo - Cólon “tigróide”, mucosa com placas avermelhadas e aspecto de framboesa - Dispareunia Metronidazol 500mg, VO, 12/12 hrs, 7 dias – mesmo da vaginose OU Secnidazol 2g, via oral, dose única Candidíase *se pcte mulher tiver relação sexual c/ mulher, tratar parceira se ela tiver sintomas Não - Na microscopia? Candida albicans (fungo) – hifas <4,5 - Volumoso, branco (pode ser acinzentado), grumoso, com aspecto de leite coalhado - Prurido (pior coceira da vida!) - Dor à micção (ou ñ) - Não fede! - Dispareunia Miconazol 2% via vaginal, 1 aplicação a noite, 7 dias OU Fluconazol 150mg VO dose única OU Nistatina 100 mil ui, 1 aplicação via vaginal a noite, 14 dias Clamídia Sim - - Corrimento amarelado ou claro; clamídia corrimento pode ser marrom - Muco endocervical mucopurulenta - No homem corrimento ureteral + dor ao urinar + ardor + dor testicular - Na mulher dor em baixo ventre; pode evoluir com DIP; infertilidade - Na mulher dispareunia e sangramento durante relação sexual - Gravidez ectópica - Dispareunia *a maioria das mulheres é assintomática GONORREIA Ceftriaxona 250mg, IM, dose única OU Ciprofloxacina 500mg, VO, dose única ** CLAMÍDIA Azitromicina 1g, VO, dose única OU Tetraciclina 500mg, VO, 4x ao dia, por 7 dias Gonorreia Sim **MS recomenda tratar AMBAS: ciprofloxacino 500 mg dose única VO + azitromicina 1g dose única VO
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