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História da América II HEVELLY FERREIRA ACRUCHE 1ª Edição Brasília/DF - 2018 Autores Profª. Msª. Hevelly Ferreira Acruche Produção Equipe Técnica de Avaliação, Revisão Linguística e Editoração Sumário Organização do Livro Didático........................................................................................................................................4 Introdução ..............................................................................................................................................................................6 Capítulo 1 A Independência das trezes colônias inglesas ....................................................................................................9 Capítulo 2 O processo de independência da américa espanhola ................................................................................... 23 Capítulo 3 Cultura, política e mobilização popular na América Latina do século XX .............................................. 40 Capítulo 4 Os Estados Unidos nos primeiros anos do novo século ............................................................................... 51 Capítulo 5 Subversão e Revolução: as ditaduras civis-militares na América Latina ................................................ 60 Capítulo 6 As redemocratizações latino-americanas e seus desafios ........................................................................... 74 Referências .......................................................................................................................................................................... 81 4 Organização do Livro Didático Para facilitar seu estudo, os conteúdos são organizados em capítulos, de forma didática, objetiva e coerente. Eles serão abordados por meio de textos básicos, com questões para reflexão, entre outros recursos editoriais que visam tornar sua leitura mais agradável. Ao final, serão indicadas, também, fontes de consulta para aprofundar seus estudos com leituras e pesquisas complementares. A seguir, apresentamos uma breve descrição dos ícones utilizados na organização do Livro Didático. Atenção Chamadas para alertar detalhes/tópicos importantes que contribuam para a síntese/conclusão do assunto abordado. Cuidado Importante para diferenciar ideias e/ou conceitos, assim como ressaltar para o aluno noções que usualmente são objeto de dúvida ou entendimento equivocado. Importante Indicado para ressaltar trechos importantes do texto. Observe a Lei Conjunto de normas que dispõem sobre determinada matéria, ou seja, ela é origem, a fonte primária sobre um determinado assunto. Para refletir Questões inseridas no decorrer do estudo a fim de que o aluno faça uma pausa e reflita sobre o conteúdo estudado ou temas que o ajudem em seu raciocínio. É importante que ele verifique seus conhecimentos, suas experiências e seus sentimentos. As reflexões são o ponto de partida para a construção de suas conclusões. 5 ORgAnIzAçãO DO LIvRO DIDátICO Provocação Textos que buscam instigar o aluno a refletir sobre determinado assunto antes mesmo de iniciar sua leitura ou após algum trecho pertinente para o autor conteudista. Saiba mais Informações complementares para elucidar a construção das sínteses/conclusões sobre o assunto abordado. Sintetizando Trecho que busca resumir informações relevantes do conteúdo, facilitando o entendimento pelo aluno sobre trechos mais complexos. Sugestão de estudo complementar Sugestões de leituras adicionais, filmes e sites para aprofundamento do estudo, discussões em fóruns ou encontros presenciais quando for o caso. Posicionamento do autor Importante para diferenciar ideias e/ou conceitos, assim como ressaltar para o aluno noções que usualmente são objeto de dúvida ou entendimento equivocado. 6 Introdução Caros alunos, Sejam bem-vindos ao curso de História da América II. Ao longo de nossos estudos, iremos trabalhar com a variedade e a riqueza de temáticas envolvendo o continente americano. Como vocês sabem, a América foi descoberta pelos europeus no contexto das Grandes Navegações (séculos XV – XVI) e passou, gradativamente, a ser um local importante para a história mundial. Muitos eventos tiveram suas repercussões na América, assim como reflexos do universo americano tiveram influência no continente europeu. Neste curso, iniciaremos nossa reflexão em torno dos processos de independência das colônias americanas em relação às respectivas metrópoles europeias. Passaremos a entender como ideias e pensamentos que formam as bases do mundo contemporâneo chegaram ao mundo colonial, promoveram contradições políticas e sociais e acarretaram em mudanças substanciais, tais como a formação de regimes republicanos por todo o continente, em oposição clara ao absolutismo que vigorava na Europa. Também analisaremos o impacto da relação entre Estados Unidos e os países da chamada América Latina. Denominação atribuída aos países de língua hispânica no continente americano no final do século XIX, a América Latina foi uma construção social, cultural e ideológica. Nesse sentido, pretendemos mostrar a vocês a riqueza material e cultural da América a fim de compreender suas mazelas e seu processo de desenvolvimento. Por fim, abordaremos os dilemas do continente americano ao longo do século XX. As relações entre Estados Unidos e o restante do continente serão nosso objeto principal de análise, embora não possamos perder o foco de outras realidades; como a brasileira, por exemplo. Trataremos de questões e temas relativos ao nosso país em momentos adequados a fim de enriquecer a problemática envolvendo termos como imperialismo norte-americano, guerras mundiais e a eclosão de ditaduras militares nos países latinos. Diante deste panorama inicial, esperamos que vocês nos acompanhem nessa jornada e aproveitem o curso! Objetivos » Analisar as transformações sociais, políticas e econômicas na História da América ao longo dos séculos XIX e XX. » Analisar as transformações ocorridas em fins do século XVIII no continente americano e a deflagração de processos de independência política. 7 » Tratar das contradições inerentes a formação de novas repúblicas no continente americano ao longo do século XIX. » Desenvolver um pensamento crítico voltado para a compreensão das dificuldades de desenvolvimento do continente americano. » Trabalhar a construção do conceito de América Latina atrelado a ideias como o imperialismo norte-americano. » Compreender as expectativas e possibilidades abertas ao continente ao longo do século XX, entendendo as relações estabelecidas entre Estados Unidos e o restante do continente. 8 9 Apresentação A partir de agora, veremos o processo de independência das treze colônias inglesas da América do Norte, conhecido atualmente como os Estados Unidos da América. Neste capítulo, trabalharemos as influências internas e externas que contribuíram para a consolidação de uma república federativa com um regime presidencialista e a divisão dos três poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário. Veremos o papel das leis no processo de construção do Estado norte-americano, bem como as contradições encontradas ao longo do processo de formação do novo Estado: temas como a questão indígena e a abolição da escravatura serão abordados ao longo do capítulo a fim de entendermos rupturas e continuidades ocorridas nesse processo. Objetivos » Analisar a formação dos Estados Unidos da América a partir do contexto europeu de transformações ocorridas na segunda metade do século XVIII. » Compreender a permanência de conflitos sociais e políticos dentro da recém-criada república. Introdução Neste capítulo, estudaremos o processo de independência do atual território dos Estados Unidos, originalmente conjunto de 13 colônias no Novo Mundo, território colonizado pela Inglaterra. Esse processo foi marcado por rupturas e continuidades, inserido no contexto mais amplo de crise dos antigos sistemascoloniais, representados pelo domínio das regiões da América pelas várias potências europeias. Iniciado no último quartel do século XVIII, a Independência dos Estados Unidos serviu de inspiração para outros movimentos de independência no Novo Mundo. Contudo, a transição do estatuto colonial para o de uma república não garantiu a liberdade e 1 CAPÍTULO A InDEPEnDÊnCIA DAS tREzES COLÔnIAS IngLESAS 10 CAPÍTULO 1 • A InDEPEnDÊnCIA DAS tREzES COLÔnIAS IngLESAS a igualdade de direitos para todos os seus habitantes, com a permanência da escravidão como principal herança dos tempos coloniais na nova condição independente da nação. As treze colônias britânicas (Seguindo de norte a sul-Massachusetts, new Hampshire, nova York, Rhode Island, Connecticut, nova Jersey, Pensilvânia, Delaware, Maryland, virginia, Carolina do norte, Carolina do Sul e geórgia). A Inglaterra no século XvII e o processo de colonização da américa Não poderemos compreender o processo de emancipação das 13 colônias inglesas sem, primeiro, contextualizar brevemente a própria colonização. E isso nos leva à Inglaterra. A Inglaterra do século XVII era uma metrópole em processo de desenvolvimento. Contudo, a morte da rainha Elisabeth I, sem deixar herdeiros, e a ascensão de Jaime I, da dinastia Stuart, em 1603, levou a uma série de conflitos entre o rei e o Parlamento, instituição liderada por membros de uma incipiente burguesia britânica. A morte de Jaime I, com a consequente coroação de Carlos I, não acalmou os ânimos da sociedade. Este monarca quis impor a religião anglicana a presbiterianos, sobretudo na Escócia, e fez uma série de determinações a fim de limitar os poderes do Parlamento inglês. Desta forma, em 1640 iniciou-se a chamada Revolução Puritana – essencialmente uma guerra civil entre os membros do Parlamento e os exércitos do rei. O Parlamento contava com a liderança de Oliver Cromwell, que venceu o rei em 1649 e Saiba mais (Para ver um pouco mais desse processo e entender a formação dos Estados Unidos até o século XXI, ler História dos Estados Unidos - das origens ao século XXI, disponível na Biblioteca Virtual Pearson) 11 A InDEPEnDÊnCIA DAS tREzES COLÔnIAS IngLESAS • CAPÍTULO 1 proclamou uma República. Cromwell baixou os Atos de Navegação, o que fortaleceu o comércio e a marinha britânica, e foi aclamado Lorde Protetor da Inglaterra. Contudo, a morte de Cromwell nos anos seguintes e a falta de liderança de seu filho, Richard, levou ao retorno da dinastia dos Stuart ao trono, nesse momento sob o reinado de Carlos II. Embora este rei governasse com algumas limitações, o mesmo instaurou o anticatolicismo em território inglês, fator este que dividiu o Parlamento em favoráveis e contrários à figura real. Jaime II, irmão de Carlos II, assumiu o governo professando a intolerância religiosa e o reforço do poder régio, ou seja, o retorno de uma monarquia absolutista - o que esbarrava nos interesses do Parlamento. Nesse contexto, ocorreu a chamada Revolução Gloriosa (1688), na qual o Parlamento exigiu a saída de Jaime II do poder e sua filha, Maria Stuart, assumiu o reinado sob os termos do Bill of Rights, a Declaração dos Direitos, que limitava o poder do rei em relação ao Parlamento inglês. Todo esse processo revolucionário e o conflito político-religioso contribuíram para que o processo de expansão marítima inglesa se iniciasse de forma tardia, apenas no século XVII, mais de 200 anos após o começo das navegações portuguesas. Além disso, outra diferença foi que, no caso inglês, o processo de expansão foi muito mais um empreendimento de companhias privadas de comércio do que uma organização estatal. A natureza da colonização da América inglesa era, assim, diferenciada em relação a outros espaços coloniais como as Américas portuguesa e espanhola. Ao invés de uma imediata motivação econômica (nos casos espanhol e português, a busca pela rota das Índias e pelas riquezas africanas), a imediata motivação inglesa foi social. Muitas famílias inglesas abandonaram a metrópole em busca de novas oportunidades de vida na América diante das ondas de intolerância religiosa, encabeçadas pelos conflitos entre católicos, protestantes e anglicanos, o que levou muitas pessoas a atravessarem o Oceano Atlântico. Ademais, o processo de cercamento dos campos ingleses, iniciado ainda no governo do rei Henrique VIII, da dinastia Tudor, também foi um elemento que impulsionou a emigração, rumo às novas terras do outro lado do oceano. Diante de um contexto político conturbado no cenário inglês, onde o Parlamento e o rei disputavam o exercício do poder político, as colônias americanas se constituíram e gozavam de relativa autonomia. Às primeiras regiões de colonização - Virgínia e a Carolina - seguiram a Nova Inglaterra (Massachusetts, New Hampshire, Rhode Island e Connecticut) e eram áreas dotadas de pessoas que se reconheciam enquanto ingleses que viviam na América, sem expressar uma oposição direta ao status colonial. Enquanto a ideia de autoridade comunitária se tornou o foco da ocupação da Nova Inglaterra, pautada na concepção espiritual da liberdade, no sul havia uma maior debilidade em relação a tal ponto. Essas regiões sofreram processos diferentes de ocupação, tendo que lidar com populações indígenas nativas, muitas vezes de forma brutal; as intempéries climáticas; além das divisões internas que marcaram cada espaço de colonização: de um lado, o Norte (região da Nova Inglaterra), liderado por protestantes, dedicado ao comércio interno e à pequena propriedade; de outro 12 CAPÍTULO 1 • A InDEPEnDÊnCIA DAS tREzES COLÔnIAS IngLESAS lado, o Sul (no caso, a Virgínia e a Carolina), espaço gradualmente enquadrado na agricultura baseada na produção de gêneros como tabaco e, posteriormente, algodão, com o uso da mão de obra escrava africana. Contudo, ao longo do século XVIII, as pressões em torno do comércio colonial acarretaram mudanças nas concepções de mundo dos colonos e, consequentemente, novos contornos nas relações entre colônia e metrópole. O século XvIII A Inglaterra do século XVIII desfrutava de uma posição econômica e política favorecida pelas transformações e conflitos ocorridos ao longo do período anterior. Sua estrutura política estava moldada numa monarquia parlamentar e o Estado contava com uma poderosa frota naval. No cenário europeu, sua principal rival era a França, uma monarquia absolutista de economia agrária. Nos diversos conflitos em que ambas as potências se envolveram enquanto rivais, o mais proeminente foi a chamada Guerra dos Sete Anos (1756 - 1763), considerada entre os especialistas uma guerra de proporções coloniais. É justamente nesse contexto que as relações entre a Inglaterra e suas colônias americanas se modificaram, culminando na emancipação política. No desenrolar do conflito na América inglesa continental, a Inglaterra contou com o apoio de seus colonos contra as pretensões dos exércitos franceses nos territórios das treze colônias. A vitória inglesa no conflito, contudo, deixou a monarquia endividada, de modo que uma solução plausível estava na reorganização das relações entre colônia e metrópole, ou seja, um retorno ao chamado pacto colonial por meio da coleta de impostos. A Inglaterra apelaria às colônias para sua reestruturação financeira. O primeiro desses impostos foi a Lei do Açúcar (Sugar Act), de 1765. De acordo com a norma, o melado produzido nas Antilhas inglesas era taxado pelos administradores ingleses e, consequentemente, a produção era vendida para as colônias do continente. Tal medida prejudicava os negócios entre os colonos ingleses - sobretudo da Nova Inglaterra na produção de rum - e as ilhas do Caribe. Cabe ressaltar que, na visão dos colonos, o imposto era visto como uma arbitrariedade política, e não econômica, haja vista que os colonos americanos gozavam de uma maior autonomia quando comparados a colonos da França ou da Espanha. Tornou-se comum o uso da expressão Saiba mais Para saber maissobre este ponto, sugiro o filme O Ultimo dos Moicanos (1992). Direção: Michael Mann. Com Daniel Day Lewis, Madeleine Stone e Russel Means. Baseado no Romance de James Cooper, o filme enfoca a luta entre franceses e ingleses durante a guerra de sete anos e o posicionamento de determinados grupos indígenas no conflito. 13 A InDEPEnDÊnCIA DAS tREzES COLÔnIAS IngLESAS • CAPÍTULO 1 “No taxation without representation” (sem representação não há taxação), o que punha o Parlamento inglês, de um lado, no centro dos problemas econômicos enfrentados pela metrópole e, por outro lado, um espaço onde se expressavam os descontentamentos políticos da colônia. Estas informações, que ressaltavam, sobretudo, a exploração metropolitana aos colonos por meio por meio da imposição de taxas sobre os produtos consumidos, eram sinalizadas em diversos panfletos que circulavam pelos membros da sociedade colonial. No mesmo ano de 1765, escrevia John Dickson: Nada é desejado na metrópole a não ser um precedente, cuja força será estabelecida pela submissão tácita das colônias. (...) Se o parlamento for bem sucedido nessa tentativa, outros estatutos imporão outros deveres... e dessa forma o parlamento extorquirá de nós as quantias de dinheiro que quiser, sem qualquer outra limitação que não o seu prazer.(JUNQUEIRA, 2007: p. 15) Consequentemente, novas leis de aumento dos impostos foram criadas para os colonos ingleses. Em 1765, foi promulgada a Lei do Selo(Stamp Act), que previa o uso de selo em todos os documentos e correspondências enviadas pelos colonos, mediante o pagamento de determinado valor. A sociedade colonial se voltou contra tais medidas e não aceitou a imposição da compra de selos, o que levou à revogação desta lei pelo Parlamento britânico. Em 1773, a Lei do Chá (Tea Act) foi criada. Por esta lei, cabia à Companhia das Índias Orientais - companhia de comércio inglesa que atuava na Ásia e na Índia - abastecer os territórios coloniais americanos de chá com reduzidas tarifas alfandegárias. Tal medida previa dar fim ao contrabando de chá nas colônias, afetando as possibilidades de comércio dentro do espaço colonial. Os colonos, por sua vez, passaram a protestar impedindo a entrada do produto nos portos americanos; sendo a expressão máxima de tais ações a chamada Festa do Chá de Boston (Boston Tea Party), onde algunscolonos vestidos de índios tomaram os navios ingleses que seguiam rumo ao porto de Boston e atearam ao mar todo o carregamento de chá disponível nas embarcações, que era de aproximadamente 45 toneladas. Assim, os ingleses interpretaram a ação dos colonos como uma mostra de desobediência e insubordinação e decretaram o fechamento do porto de Boston até que a ordem fosse restabelecida, assim como a nomeação de juízes e autoridades policiais passou a ser feita pelas autoridades metropolitanas. As assembleias dos colonos - instâncias utilizadas para a solução dos problemas locais - tiveram seus poderes e direitos políticos reduzidos. O conjunto dessas ações ficou conhecida como Leis Intoleráveis, as quais refletiam o impacto das medidas tomadas pela metrópole e o crescente nível de descontentamento e oposição dos colonos. Sintetizando Nesse momento, cabe destacar que ainda não havia uma tácita oposição entre colônia e metrópole: os colonos eram leais ao rei contanto que houvesse negociações e representações das treze colônias no espaço do Parlamento. 14 CAPÍTULO 1 • A InDEPEnDÊnCIA DAS tREzES COLÔnIAS IngLESAS O preparo para a emancipação ... Levanta-se! Todo o velho mundo está infestado pela opressão. A liberdade tem sido caçada ao redor do globo. A Ásia e a África há muito a expulsaram. A Europa a vê como uma estranha e a Inglaterra lhe deu um aviso para partir. Oh! Receba-se a fugitiva e prepare-se a tempo um asilo para a humanidade. A partir do trecho acima, extraído de um panfleto anônimo datado de 1775, é possível notar a atmosfera de insatisfação diante do impacto das Leis Intoleráveis na América inglesa. A liberdade era interpretada como a única possibilidade de melhoria das condições de vida dos colonos ingleses e, por conseguinte, a todos os indivíduos. Em meados do século XVIII, o continente europeu era palco das chamadas ideias iluministas; onde a autoridade de Deus passava a ser questionada ao se levar em consideração as ações humanas e a razão como base para todo o conhecimento. Além disso, os filósofos iluministas questionavam a autoridade desmedida dos reis e as desigualdades inerentes a uma sociedade pautada em privilégios a determinados grupos sociais. Tais expressões do Iluminismo circulavam por meio da publicação de livros que vieram para o Novo Mundo. Muitos filhos de colonos iam viver na Europa para concluir seus estudos e quando voltavam para suas terras e famílias, viam-se numa condição diferente da que encontravam no Velho Continente. Com isso, a circulação de novas ideias e concepções de mundo que permitiu a consolidação de um ideal de liberdade e de igualdade no espaço da América inglesa. A tal fato soma-se o caráter identitário da independência americana. De acordo com o historiador Rafael Marqueseno livro Feitores do corpo, missionários da mente: senhores, letrados e o controle dos escravos nas Américas, o espaço da colônia americana era visto como pátria para alguns colonos - sobretudo no Sul - que se viam como membros da nação britânica e, ao mesmo tempo, construíram uma relação de identidade com o local. Já no Norte o impacto da legislação imperial limitava as ações comerciais, o que contribuiu para incentivar a autonomia local. Segundo o historiador Eric Foner (2010: p. 47), a equiparação entre liberdade e ação moral prosperou de forma secularizada no mundo atlântico ao longo do século XVIII. A metrópole passou a ser vista como um baluarte da tirania, e episódios como o Grande Despertar, ou seja, um ressurgimento religioso, sobretudo na Nova Inglaterra, fortaleceu uma visão da liberdade atrelada à salvação dos espíritos. De acordo com Foner, a ideia do “inglês nascido livre” passou a constituir um elemento central na cultura política e pilar fundamental para a construção nacional. No ano de 1774, ocorreu o primeiro congresso continental da Filadélfia contendo representantes das treze colônias. Nessa reunião, os colonos repudiaram as leis metropolitanas e juraram fidelidade ao rei desde que isso não comprometesse a liberdade antes usufruída. Em suma, ainda não se pensava claramente em emancipação política, mas, sim, em restituição dos direitos que haviam sido retirados. Uma representação dos colonos foi enviada ao rei George III, e Thomas Jefferson, proprietário da região da Virgínia e um dos redatores da Declaração de Independência, escreveu: 15 A InDEPEnDÊnCIA DAS tREzES COLÔnIAS IngLESAS • CAPÍTULO 1 Abra seu coração, senhor, ao pensamento liberal expandido. Não permita que o nome George III seja uma nódoa na página da história (...) não mais persevere em sacrificar os direitos de uma parte do império aos desejos desordenados de outra; trate a todos com direito igual e imparcial (...) não é nosso interesse separar-nos da Inglaterra (...) não os deixe pensar em impedir-nos de ir a outros mercados dispor das mercadorias que eles não possam usar ou de suprir as necessidades que eles não podem preencher. Menos ainda propor que nossas propriedades, em nossos próprios territórios, sejam tributadas ou reguladas por qualquer poder que não seja o nosso. Contudo, a reação da coroa inglesa foi reprimir duramente os colonos após o primeiro congresso da Filadélfia e estes resistiram por meio das milícias, uma espécie de exército informal formados por membros da sociedade colonial. Foi no segundo congresso da Filadélfia, ocorrido em 10 de maio de 1775, que houve uma maior radicalização dos colonos, a ponto de estes criarem um exército formal, sob a liderança de George Washington. Sugestão de estudo Sobre a trajetória de Thomas Jefferson, é interessante assistir ao filme Jefferson emParis (1995). Direção: James Ivory. Com Nick Nolte, Greta Scacchi e Jean- Pierre Aumont. Filme se passa na década de 1780 quando Thomas Jefferson é designado a representar os Estados Unidos na França. Nesse período, Jefferson tem um caso com uma de suas escravas com quem teve seis filhos. É obrigado a partir devido aos adventos da Revolução Francesa. Provocação O ponto central da discussão entre os colonos ingleses e a metrópole era o papel das formas de governo nos espaços coloniais. A autonomia colonial esbarrava nos interesses imediatos da metrópole, que era se recuperar economicamente dos gastos contraídos com a Guerra dos Sete Anos. Nesse sentido, a ideia de liberdade pensada pelos colonos era associada à autonomia pessoal, princípio defendido pelo filósofo inglês John Locke e seus discípulos no século XVIII. Para Locke, a liberdade se expressava justamente pelo “não estar submetido a vontade inconstante, incerta, desconhecida e arbitrária de outro homem” (FONER, 2010: p. 52).Ao mesmo tempo, a teoria do liberalismo abria suas portas àqueles que eram desprovidos de direitos, como as mulheres e os escravos. Sugestão de estudo Para entender a guerra de independência dos Estados Unidos, é interessante assistir ao filme Revolução (1985), Direção: Hugh Hudson. Com Al Pacino, Donald Sutherland, Nastassja Kinski. Trajetória de Tom Dobb, caçador e comerciante de peles, que chega ao porto de Nova York durante a guerra de independência e tenta desesperadamente salvaguardar seu filho da guerra. 16 CAPÍTULO 1 • A InDEPEnDÊnCIA DAS tREzES COLÔnIAS IngLESAS Embora fosse consenso o desejo expresso dos colonos em permanecer no império britânico, havia alguns membros mais radicais, como Thomas Paine, que vislumbrava como única opção possível a liberdade da colônia ao questionar abertamente o domínio inglês: Admitindo-se, porém, que somos todos de ascendência inglesa, o que significa isso? Nada. A [Grã] Bretanha, sendo agora um inimigo declarado, todos os outros nomes e títulos desaparecem: e dizer que nosso dever seria a reconciliação seria ridículo.[...] (JUNQUEIRA, 2007: p: 43) No segundo congresso da Filadélfia, um último apelo foi feito ao rei para que houvesse condescendência em relação às treze colônias, reafirmando a lealdade dos colonos ao império britânico. A recusa desta petição por parte do rei foi o estopim para a guerra de independência das colônias americanas; que encontrou apoio na participação de tropas francesas a fim de destruir os ingleses. O conflito durou até o ano de 1781, quando as tropas metropolitanas abaixaram as armas na batalha de Yorktown, na Virgínia. Contudo, as treze colônias da América do Norte só tiveram sua independência assegurada e reconhecida com a assinatura do Tratado de Paris, de 1783. O impacto das ideias iluministas na América em finais do século XVIII levou a construção de novos ideais e de outra visão de sociedade pautada em valores como a liberdade individual, inovadores para a época e que iriam inspirar outros movimentos de contestação da ordem colonial na América. A declaração de independência dos Estados Unidos da América, datada de 4 de julho de 1776, pregava que cabia aos homens o direito a liberdade e a igualdade, bem como a busca pela felicidade. Contudo, um dos paradoxos do processo de independência americana foi a manutenção das desigualdades em relação aos direitos das mulheres e dos povos indígenas, assim como a continuidade da escravidão até meados do século XIX. Sintetizando Pode-se concluir que o processo de independência dos Estados Unidos da América foi fruto de tensões em torno do grau de interferência que a metrópole poderia ter no universo da colônia. A Guerra dos Sete Anos foi o ponto de virada para as ações futuras dos colonos anglo americanos, que inicialmente não almejavam separar-se da Inglaterra. Sugestão de estudo Sobre a formação da nacionalidade americana, sugerimos a leitura do livro de Jaime Pinsky, Estados Unidos: a formação da nação, disponível na Biblioteca Pearson. 17 A InDEPEnDÊnCIA DAS tREzES COLÔnIAS IngLESAS • CAPÍTULO 1 A declaração de independência dos estados unidos e a constituição de 1787 “Consideramos estas verdades evidentes por si mesmas; de que todos os homens são criados iguais, dotados pelo criador de certos direitos inalienáveis, entre os quais figura a vida, a liberdade e a busca pela felicidade...” Trecho da Declaração de Independência dos Estados Unidos da América, de 4 de julho de 1776. A partir do trecho acima, extraído da Declaração de Independência das treze colônias americanas, dois princípios são fundamentais: a igualdade entre os homens e o direito à vida, à liberdade e à busca da felicidade. Esses princípios, hoje tão comuns em nosso cotidiano, eram inéditos naquela época por se oporem à concepção vigente de uma sociedade corporativista e de traços medievais. As bases para a construção do mundo contemporâneo estavam pautadas na capacidade da ação humana, sob influência dos ideais iluministas em voga no continente europeu. Portanto, a liberdade servia como ponto de encontro entre as interpretações liberal e republicana do governo e da sociedade. Inicialmente, as treze colônias se uniram numa Confederação por terem vários elementos em comum: a língua, a religião e as leis. Essa união entre as colônias, que objetivava a mútua defesa e a liberdade interna e externa, era motivada em grande parte pela insegurança que ainda existia em relação a possíveis retaliações da ex-metrópole. Além disso, o direito a secessão (separação) era garantido aos estados. Todavia, a adoção de uma Confederação não significou estabilidade para os territórios americanos, menos ainda a consolidação de um Estado forte, sob pleno exercício de um governo central. Diante desses entraves ao exercício pleno da soberania, os Estados Unidos formaram uma federação haja vista que o que emanava do governo central nem sempre era aceito ou respeitado pelos estados. O ponto principal era reforçar as atribuições da União, ou seja, do governo central, frente aos Estados e, ao mesmo tempo, buscar meios de efetivar as ações dos mesmos Estados. Quanto a natureza do documento, a Constituição americana é uma das mais antigas do mundo e é relativamente curta, com poucas emendas, e oferece apenas alguns parâmetros para as estruturas e atribuições do governo. Assim, este modelo foi adotado em outros países, em especial os íbero-americanos. De acordo com Alexander Hamilton, um dos formuladores do federalismo americano, no Federalista. 15: Governar subentende o poder de baixar leis. É essencial à ideia de uma lei que ela seja respaldada por uma sanção ou, em outras palavras, uma penalidade ou punição pela desobediência. Se não houver penalidade associada à desobediência, as resoluções ou ordens que pretendem ter força de lei serão, na realidade, nada mais que conselhos ou recomendações. 18 CAPÍTULO 1 • A InDEPEnDÊnCIA DAS tREzES COLÔnIAS IngLESAS As características do federalismo americano podem ser descritas assim: um governo central e governos estaduais, fruto da união de Estados autônomos; a divisão de poderes entre governo local e federal; a supremacia do poder nacional em detrimento dos poderes locais; o reconhecimento de mecanismos de execução das leis. De acordo com Max Weber (FONER, 2010), os Estados Unidos são o único país efetivamente burguês e que não apresenta em sua formação histórica características pseudo-feudais. Na formação dos norte-americanos não se verifica a influência de ideias aristocráticas da Europa. Com isso, a nação americana se formou por meio de um federalismo dual, ou seja, um sistema de poder que divide as atribuições entre o governo central e o governo dos estados, que possuem autonomia em relação ao governo central. Ao mesmo tempo, a diversidade e a unidade estão presentes nas ideias federativas, “no sentido de ser o resultado de união de várias partes diferentes e ao mesmo tempo dedar o espaço para a ratificação de valorese interesses de cada uma das citadas partes”. Desta forma, os Estados podem intervir em decisões tomadas no âmbito federal, e em troca cedem parte de sua soberania ao governo central. Assim, de acordo com os formuladores da Constituição, ao passo em que era concedido um fortalecimento ao governo central, os estados - membros possuíam sua soberania e independência. Além disso, cabe ressaltar que embora a declaração de independência pregasse a liberdade e a igualdade entre os homens, os Estados Unidos persistiram na utilização de mão de obra escrava africana em suas terras até meados do século XIX, além de não ter garantido aos povos indígenas viventes em territórios americanos a igualdade de direitos em relação aos brancos. Critérios como cor da pele foram argumentos utilizados para abarcar a nova realidade dos Estados Unidos independente, pautados nos mesmos princípios que simbolizavam a liberdade e a igualdade: o iluminismo. Portanto, a Declaração de Independência de 4 de julho de 1776 foi um documento que expressava um significado importante para o futuro dos Estados Unidos. Juntamente com a formulação da Constituição de 1787, a visão de liberdade dos norte-americanos era sinônimo de termos como autonomia e soberania, assim como o princípio do laissez faire, base para o liberalismo político e econômico. Mas, as demandas da população americana modificaram ao longo do tempo, sendo necessárias reformulações no sistema federativo americano, especialmente ao longo do século XX. Sintetizando A essência do sistema federativo reside justamente na articulação entre as esferas federal e local. Contudo, na visão de alguns especialistas as formulações do sistema federativo convergiram para o reforço do caráter competitivo e individualista dos norte-americanos. Atenção Sobre o liberalismo político e econômico, será importante rever em seus estudos o tema do Iluminismo. 19 A InDEPEnDÊnCIA DAS tREzES COLÔnIAS IngLESAS • CAPÍTULO 1 O papel da escravidão africana nos Estados Unidos A declaração de independência e a Constituição, embora afirmassem princípios como a liberdade e a igualdade e garantissem meios para regular o governo que se formou nos Estados Unidos, não propunha em suas bases um programa de emancipação social. O quase meio milhão de escravos que trabalhavam nas colônias norte-americanas se manteve, mesmo com a independência, a margem do círculo de pessoas livres. A continuidade da escravidão africana foi, segundo muitos especialistas, uma contradição inerente ao cenário político norte-americano, onde se falava de direitos inalienáveis dos homens, como a liberdade. No século XVIII, a categoria de pessoa livre deixou de ser um simples status para ser um poderoso elemento de ação popular. Todavia, a persistência de preconceitos era um ponto importante de discussão não apenas do processo de emancipação em si, mas também no que diz respeito a discriminação racial e a aquisição de direitos enquanto cidadãos. Thomas Jefferson desaprovava a escravidão, mas considerava os negros perigosos e esperava que aqueles escravos, quando fossem emancipados, saíssem dos Estados Unidos. Isso significa dizer, nas palavras de Robin Blackburn, que “o progresso de medidas antiescravistas individuais em geral não resultou em apoio à cidadania negra ou à emancipação imediata.” (BLACKBURN, 2002: p: 128). Contudo, voltemos a institucionalização do escravismo nos Estados Unidos. Os territórios da Virgínia e de Maryland - e as terras baixas da Carolina do Sul - foram as principais regiões de colonização inglesa no século XVII. O cultivo de tabaco e, posteriormente, de arroz mudou substancialmente as condições de sobrevivência nesta parte da colônia inglesa, inicialmente realizada por homens brancos em regime de servidão de contrato. Contudo, a importância de escravos africanos passou a ser maior nessas regiões a partir de 1680, diante de algumas rebeliões lideradas por homens brancos e índios que puseram em dúvida o colonialismo inglês. De acordo com Rafael Marquese (2004: pp. 221 - 222), o desenvolvimento da economia escravista nestas regiões se realizou de forma diferente. Por exemplo, a Carolina do Sul foi concebida para ser escravista, sendo o uso de escravos predominante desde o início da colonização da região. Ao longo do século XVIII, porém, tanto as economias de plantation da Virgínia quanto da Carolina do Sul se desenvolveram e a gestão da força de trabalho escrava se consolidou nas duas regiões. O contexto das guerras pela independência em relação a Inglaterra abriu desafios à escravidão americana, representando uma séria ameaça a esse sistema de trabalho antes da eclosão da Guerra Civil Americana, já em meados do século XIX. Em 1775, uma declaração do governador da Virgínia, lorde Dunmore, prometendo a liberdade a todos os escravos que passassem para o lado dos ingleses, chamados legalistas, acirrou os ânimos de senhores e de escravos em todas as colônias sulistas. Cabe assinalar que ambos os lados (ingleses e colonos) utilizaram negros armados em suas tropas. Contudo, isso era feito com bastante cuidado, sendo muitos destes utilizados em funções de apoio e serviços específicos para as tropas principais. 20 CAPÍTULO 1 • A InDEPEnDÊnCIA DAS tREzES COLÔnIAS IngLESAS Além disso, nesse período muitos cativos conseguiram fugir de seus senhores em busca de liberdade junto aos britânicos, ao ponto do comandante britânico decretar que escravos fugidos de senhores leais a causa inglesa seriam devolvidos dentro da lógica da guerra, mas escravos de senhores rebeldes se tornariam propriedade pública e trabalhariam até o fim das hostilidades sob a promessa de liberdade. Desta forma, as perspectivas do período da guerra foram fundamentais a alguns cativos para obter ou não sua liberdade. E isso amedrontava os senhores sulistas, tanto quanto as possibilidades de uma revolta escrava. Ao longo e após as guerras de independência, as regiões da Carolina do Sul e da Geórgia sofreram drasticamente os efeitos da guerra por terem sido o palco das principais batalhas do período, o que causou enorme impacto à escravidão. As colônias do Norte já criticavam arduamente a instituição escravista desde a Guerra dos Sete Anos, dentro de uma ideologia religiosa inspirada nos quacres e nos evangélicos, que viam a propriedade humana como um dos maiores pecados ao cristão. Paralelamente a isso, ao longo da guerra algumas assembleias locais dos estados, destacadamente os da Nova Inglaterra, criaram e aprovaram leis de emancipação gradual, como por exemplo, na Pensilvânia, em 1780. No entanto, o direito a propriedade dos senhores deveria ser respeitado, sendo este ponto a principal base dos opositores de propostas emancipacionistas. Com isso, o republicanismo americano deveria ser reformulado para que a instituição escravista permanecesse. Como isso seria feito de modo a não gerar contestações? David Brion Davis, ao estudar a escravidão e o abolicionismo no Ocidente, considerou que a filosofia iluminista forneceu novas bases para a defesa do cativeiro ao mesmo tempo em que deu elementos críticos para solapar completamente as tradicionais justificativas da escravidão. Segundo os opositores da escravidão, o cativeiro era um obstáculo para a aquisição de liberdades naturais. Adam Smith, economista inglês autor do livro “A riqueza das Nações” (1776), expressou Provocação nesse momento, podemos sinalizar duas perspectivas do ponto de vista do escravo: permanecer sob o domínio de seus senhores ou partir rumo as forças inglesas. Sugestão de estudo Sobre a escravidão nos Estados Unidos, um dos clássicos da historiografia americana é o livro de Ira Berlin: gerações do cativeiro. Uma história da escravidão nos Estados Unidos. Rio de Janeiro: Record, 2006. Provocação A Constituição de 1787, por sua vez, reconhecia a escravidão no âmago da sociedade americana ao considerá-la enquanto riqueza, o que garantia aos sulistas maior representação no cenário político americano.Desta forma, especificamente nas colônias americanas, a posse de terras e de cativos garantia a independência do proprietário rural e o tornava apto ao exercício da vida política. 21 A InDEPEnDÊnCIA DAS tREzES COLÔnIAS IngLESAS • CAPÍTULO 1 um tom de crítica a instituição escravista em termos puramente econômicos, levando em consideração a intervenção do Estado nas atividades dos indivíduos como um entrave a liberdade natural. Contudo, suas críticas ressoavam os impactos causados pelo incipiente movimento abolicionista inglês, que começava a surgir em fins do século XVIII. Para alguns defensores da escravidão, o tráfico - atividade bem mais vulnerável no discurso abolicionista inglês de fins do século XVIII - civilizava os negros, resgatando-os da selvageria na África. Ao ser comparado com trabalhadores ingleses, os escravos gozavam de um padrão de vida razoável, com casa e comida e o trabalho no universo das plantations não era tão grande comparado ao trabalho nos campos ingleses. Em vistas a manutenção dos propósitos abolicionistas, os ingleses passaram, ao longo do século XIX, a firmar acordos e tratados prevendo o fim do tráfico com os diversos espaços coloniais que, paulatinamente, se tornaram repúblicas. Cabe aqui sublinhar que os ingleses eram os maiores traficantes de escravos para as Américas até finais do século XVIII. Ainda é ponto de discussão o porquê dessa mudança de postura dos ingleses com relação a escravidão, mas pode se sublinhar que houveram transformações nos sistemas coloniais em economias de mercado e, por conseguinte, a adoção de políticas pelas transformações da escravidão. Contudo, nos Estados americanos, os proprietários sulistas reagiram a esse contexto, passando a ler obras de autores iluministas a fim de buscar instrumentos para conciliá-las com o cativeiro. E o princípio que norteou essa nova defesa do escravismo foi o princípio da humanidade dos proprietários de escravos. Segundo Rafael Marquese (2004: pp. 223 - 224), tal ponto é importante para se pensar que, a partir da segunda metade do século XVIII, um conjunto de melhorias nas condições materiais dos cativos foram instituídas em vez de simplesmente utilizar as punições como tratamento dispensado para os africanos. Assim, manuais, códigos e legislações foram produzidos em diversos espaços coloniais a fim de conceder, dentro da lógica senhorial, mecanismos de controle dos escravos, forçando-os a sujeição num processo lento de transição do patriarcalismo, solapado pela Revolução Americana, para o paternalismo, que vigorou no andamento das relações escravistas até a emancipação, ocorrida após a Guerra Civil Americana. Para refletir Não foi despropositado que o tráfico de africanos para o Atlântico Norte foi vetado pelo governo inglês a partir de 1807, o que por um lado indica uma vitória consistente do movimento abolicionista britânico; mas por outro, não foi o único meio para impedir a manutenção da instituição escravista nas Américas. 22 CAPÍTULO 1 • A InDEPEnDÊnCIA DAS tREzES COLÔnIAS IngLESAS Resumo Neste capítulo, vimos como uma mudança no ordenamento colonial estabelecido pelos ingleses exaltou os ânimos da sociedade colonial anglo-americana nas treze colônias da América. O papel das Leis Intoleráveis foi crucial para o estabelecimento das noções de autonomia e obediência. Contudo, os colonos americanos acabaram por construir algo maior: uma nova nação embasada nas ideias dos filósofos iluministas. Ao mesmo tempo, a formação de uma república não constituiu uma tarefa simples. A liberdade almejada pelos iluministas não foi dada a todos, assim como a igualdade. A manutenção da escravidão e o extermínio de populações indígenas no Oeste americano levaram, por um lado, a construção de uma grandiosa nação; por outro, a manutenção de desigualdades étnicas e sociais que perdurariam por boa parte dos séculos XIX e XX. 23 Apresentação Neste capítulo, veremos o processo de independência da América Espanhola. Inspirados pela Revolução Americana (1776) e pelos impactos da Revolução Francesa (1789), veremos como uma elite letrada passou a ser protagonista dos questionamentos a ordem colonial estabelecida e participaram ativamente dos movimentos de independência. Líderes como Simón Bolívas e San Martín serão abordados ao longo do texto, onde ficaram conhecidos como heróis nacionais das recém-fundadas repúblicas hispano americanas. Além disso, trataremos das expectativas e possibilidades abertas com a independência e seus impactos no conjunto do continente americano, especificamente no Império do Brasil. Objetivos » Compreender a diversidade do continente hispano americano. » Analisar os fatores internos e externos para a eclosão de guerras de independência. » Perceber as rupturas e continuidades deste processo ao longo do século XIX por meio de estudos de caso. » Apresentar o conceito de caudilhismo. Introdução A história da América Latina é, até os dias atuais, profundamente marcada pela oposição entre a diversidade e a unicidade. A perspectiva de união e separação política, social e cultural remontam a própria denominação de América Latina. Este conceito, por si só, possui uma historicidade. Criado no século XIX carrega disputas de ordem política e ideológica. De um lado, um conjunto de intelectuais franceses justificava no emprego do termo uma pretensa unidade latina, na qual as ambições da França em relação ao continente eram evidentes. 2 CAPÍTULO O PROCESSO DE InDEPEnDÊnCIA DA AMÉRICA ESPAnHOLA 24 CAPÍTULO 2 • O PROCESSO DE InDEPEnDÊnCIA DA AMÉRICA ESPAnHOLA Por outro lado, muitos especialistas apontam que a expressão teria sido criada pelos próprios latino-americanos a fim de defender a unidade da região frente aos Estados Unidos, que viviam sob as ideias da Doutrina Monroe. No universo hispano-americano, portanto, era necessário se fortalecer diante das pretensões estrangeiras no continente, notadamente as norte-americanas, construindo assim uma identidade latino-americana. Fonte: <http://fazendohistorianova.blogspot.com.br/2011/04/independencia-dos-eua-e-da-america.html>. Nesse sentido, veremos como o processo de independência e de formação de uma identidade latino-americana se construiu ao longo de fins do século XVIII e XIX. Contudo, é consenso entre os especialistas afirmar que não havia, nem na América espanhola nem no Brasil, um expressivo sentimento de nacionalidade no decorrer dos processos de independência, como foi divulgado por muito tempo pelas historiografias nacionais. Contudo, ao fim desse processo, a permanência das desigualdades prevaleceu frente a projetos de integração e união do continente. Veremos os fatores que levaram as independências, bem como seus efeitos, nas páginas que se seguem. Saiba mais A doutrina Monroe, criada ao longo da década de 1820, tinha como lema “A América para os americanos”, sintetizando uma política de integração entre os Estados recém formados na América. Contudo, o que significava em realidade era um discurso de dominação das recém criadas repúblicas americanas pelos Estados Unidos. Sintetizando Desta forma, não se pode afirmar que havia um sentimento nacionalista por detrás das inspirações para a independência. Tal como a emancipação dos Estados Unidos, que vimos no capítulo anterior, na América Espanhola os conflitos se iniciaram a partir do momento em que se pensava o papel do Estado espanhol no domínio de suas colônias, a divulgação de ideias iluministas e as inspirações de liberdade preconizadas pela Revolução Francesa. 25 O PROCESSO DE InDEPEnDÊnCIA DA AMÉRICA ESPAnHOLA • CAPÍTULO 2 A crise dos domínios coloniais na América Espanhola A colonização da América Espanhola teve dois locus privilegiados: o México e o Peru, Vice-Reinos criados pelos conquistadores espanhóis Hernán Cortés e Francisco Pizarro, respectivamente. De acordo com as reflexões de Sérgio Buarque de Holanda (1995: pp. 95 - 100), a colonização espanhola se diferencia da portuguesaem alguns aspectos fundamentais: primeiro, pelo fato de que a América Portuguesa foi ocupada, sobretudo no litoral; já a América Espanhola teve uma ocupação mais interiorizada. Outro ponto importante para o autor é o fato de que os espanhóis criaram cidades seguindo critérios de organização baseados no status social das famílias que viviam na América, diferentemente dos portugueses. Nesses dois Vice-Reinos, foram instaladas todas as instituições políticas e administrativas espanholas, bem como a Igreja Católica. Além disso, a criação de universidades na América Espanhola permitiu a divulgação do conhecimento cultivado e transmitido em universidades europeias, como a de Salamanca. Um exemplo é a Universidade de São Marcos, criada em 1551 em Lima, que existe até os dias de hoje. Conforme já visto, a conquista da América desencadeou o genocídio dos povos nativos por conta, sobretudo, das doenças transmitidas pelos espanhóis aos índios, pela superioridade das armas do colonizador e pela imposição de um regime de trabalho no qual os nativos não estavam acostumados Os sobreviventes foram, segundo Maria Ligia Prado, organizados em pueblos, ou seja, povoados. Esses povoados tinham certa autonomia administrativa e suas terras deveriam ser cultivadas. Essa medida permitiu uma recuperação demográfica dos nativos ao longo dos séculos XVII e XVIII. Cada pueblo deveria pagar a Coroa um tributo indígena e enviar um determinado número de moradores para o trabalho nas minas de ouro e prata, especialmente as minas de Potosí, na atual Bolívia. Sugestão de estudo Sugerimos o filme 1492 - a Conquista do Paraíso (1992). Saiba mais Esse tipo de trabalho, denominado mita, era exercido pelos indígenas ao longo de uma temporada do ano e foi considerado uma forma compulsória, ou seja, forçada, de trabalho nas Américas. Com o passar dos séculos, a mita foi considerada uma forma de escravização dos povos indígenas; o que levou a crescentes insatisfações dos pueblos com a vigência desse sistema. 26 CAPÍTULO 2 • O PROCESSO DE InDEPEnDÊnCIA DA AMÉRICA ESPAnHOLA Porém, a partir de meados do século XVIII, os monarcas espanhóis se deram conta de que boa parte dos metais extraídos das colônias americanas era remetido ao pagamento de dívidas com os ingleses. Diante dessa conjuntura, a partir dos anos de 1760, a Coroa Espanhola iniciou um amplo processo de reformas, sob a dinastia dos Bourbon, a fim de modernizar a Espanha no concerto das nações europeias; além de melhor organizar e controlar a administração das colônias do Novo Mundo. Dentro dessas reformas, conhecidas como Reformas Bourbônicas, temos para a América espanhola a criação de companhias de comércio para monopolizarem certos produtos coloniais; uma intervenção maior da metrópole nos assuntos coloniais; a criação das “intendencias”, substituindo os alcaides;aumento de impostos,ampliação do “exclusivo” e sua remodelação institucional, visando justamente ao reforço dos vínculos coloniais, a criação dos Vice-reinos do Prata e de Nova Granada por motivos econômicos e a ampliação das forças militares na região. Contudo, esta reorganização abalou o status da nobreza indígena, os chamados curacas. Esta nobreza, distinta no conjunto da sociedade hispânica, negociavam com as autoridades espanholas e os criollos, e essa perda de poderes significava, na prática, a perda da proteção aos índios comuns. Tal fato acarretou, de acordo com Maria Ligia Prado, o ressurgimento da utopia de restauração do Império Inca no Peru. No ano de 1780, a região dos Andes viveu uma rebelião liderada pelo curaca José Gabriel Condorcaqui, que se autodenominou Tupac Amaru II em referência ao último representante político do Império Inca, capturado e morto pelos espanhóis em 1574. Líder do pueblo de Tinta, Condorcaqui almejava o fim do cumprimento das mitas e solicitou isto de várias formas as autoridades coloniais. Diante das negativas, o cacique escolheu o caminho da rebelião. Uma multidão aderiu ao movimento deflagrado por Tupac Amaru II, se dirigindo a Cuzco ( antiga capital do Império Inca, por isso sua importância nesse contexto) e destruindo várias oficinas têxteis - chamadas obrajes - pelo caminho. Estima-se que uma média de 40 mil homens acompanhavam Tupac Amaru, entre índios, mestiços e negros escravos. Mas, a ofensiva espanhola foi praticamente imediata em Cuzco, de onde as tropas insurgentes tiveram de recuar. Atenção Nesse aspecto, o papel da Guerra dos Sete Anos (1756 - 1763) foi fundamental: as finanças espanholas foram destruídas diante do esforço de guerra empreendido e era necessário reorganizar a economia do país, à época aliado da França. Saiba mais Criollo significa filho de espanhol nascido na América. 27 O PROCESSO DE InDEPEnDÊnCIA DA AMÉRICA ESPAnHOLA • CAPÍTULO 2 O líder tentou convencer os representantes da Coroa, personificados na autoridade do visitador Areche, de que suas reivindicações eram justas. Mas, em abril de 1781, após muitas baixas nas batalhas, o grupo de Tupac Amaru II foi capturado. Todos foram levados a Cuzco, onde foram julgados e condenados. Ao líder da revolta, coube a pena de morte. Sua língua foi cortada, o corpo arrastado por cavalos e esquartejado. A cabeça e os membros amputados foram pendurados para exibição pública em diferentes locais de Cuzco. De acordo com Maria Ligia Prado, a rebelião de Tupac Amaru teve repercussões importantes para todo o mundo colonial. Muitas das prerrogativas reservadas à nobreza indígena no Vice-Reino do Peru foram suspensas. (...) O medo de uma guerra generalizada de uma maioria indígena contra uma minoria branca compara-se ao medo relacionado ao fenômeno do haitianismo, [ou seja] de uma grande rebelião de negros contra os colonizadores franceses. (PRADO, 2014: pp. 14 - 15) Da mesma forma, essa rebelião é representativa das tensões vividas nos domínios coloniais hispânicos, indo para além do Vice-reino do Peru. Tupac Amaru não desejava ir de encontro às prerrogativas da metrópole, contudo pensava em diminuir os efeitos da exploração que seu povo sofria e foi considerado pelas autoridades um traidor. Não era um movimento de contestação nacional; mas um movimento que deflagrou as dificuldades das populações de origem indígena nas colônias espanholas, bem como inaugurou as tensões que viriam nos primeiros anos do século XIX. O Século XIX: as campanhas de independência A Espanha fora, durante séculos, aliada da França no conjunto das nações europeias. Os desdobramentos da Revolução Francesa, de 1789, foram o estopim para os movimentos de emancipação hispano-americanos. Sob o domínio de Napoleão Bonaparte (1799 - 1815), a França envolveu-se em vários confrontos na Europa, incluindo a Península Ibérica. Velha inimiga dos ingleses, a França queria influenciar a Europa política e economicamente ao decretar o Bloqueio Continental, ou seja, uma proibição formal de compra e venda de produtos ingleses. Diante das relações de amizade entre os ingleses e as monarquias ibéricas, estas não aderiram a proposta de Napoleão. Sugestão de estudo Para ilustrar a rebelião de Tupac Amaru e seus efeitos, recomendamos que assista o filme Tupac Amaru (1984) Saiba mais Há que se destacar as relações de amizade e comércio entre portugueses e ingleses, que já vinha desde o Tratado de Methuen, de 1703, pelo qual se fazia a venda de panos ingleses e vinhos portugueses; além das dívidas que a Coroa Portuguesa contraíra com os bancos ingleses. 28 CAPÍTULO 2 • O PROCESSO DE InDEPEnDÊnCIA DA AMÉRICA ESPAnHOLA Em resposta, os exércitos franceses invadiram Portugal , que culminou na vinda da Família Real portuguesa para o Brasil, sob a proteção inglesa. A Espanha, outrora aliada da França, estava vivendo em conflito com os franceses após a execução do rei Luis XVI, em 1793, pelos jacobinos. Em 1807, o rei espanhol Fernando VII foi aprisionado pelos franceses e, em 1808, Napoleão nomeou seu irmão, José Bonaparte, para o trono espanhol, com o título de JoséI. Em nome da França, o novo monarca determinou o fim das instituições absolutistas, com destaque para o Tribunal da Santa Inquisição espanhola, que ainda vigorava tanto na península quanto nas Américas. Quando a notícia da prisão de Fernando VII chegou às colônias, questões como a legitimidade do poder constituído e a fidelidade ao rei estavam em discussão. Já na Espanha, houve grande resistência ao novo governante; e uma Junta Suprema foi formada em Sevilha para expulsar os franceses. Contudo, esta Junta teve de ser remanejada para Cádiz diante da repressão francesa. Nesta instituição, além de representantes de dezessete províncias espanholas, havia um representante para cada vice-reinado e capitania geral das colônias americanas. Em 1812, uma Constituição foi elaborada pelos membros das Cortes de Cádiz, as quais também contaram com a participação de membros representantes das colônias ao partir do princípio que “os territórios americanos não eram colônias, mas formavam parte da monarquia espanhola” (CHUST, 2010: p. 71). Pelos termos desta Constituição, o rei tinha seu poder limitado e, em relação às colônias, as restrições ao comércio e a representação política foram mantidas. Na América, diversas juntas de governo foram organizadas pelos cabildos das cidades coloniais. Cabia aos membros dessas instituições debaterem sobre o respeito ao juramento de fidelidade Saiba mais Segundo o historiador Manuel Chust (2010: pp. 49 - 52), havia um plano de fuga para a família real espanhola rumo a América, embarcando em Cádiz com rumo a Veracruz e, posteriormente, à Cidade do México. Contudo, a renúncia do rei Carlos IV em favor de seu filho, Fernando VII, não permitiu a execução deste plano. Sugestão de estudo As obras do pintor Francisco de Goya retratam a defesa da cidade de Saragoça contra os franceses. Sobre este período da história espanhola, sugerimos o filme Sombras de Goya. Para refletir Em especial, deve se destacar o papel dos criollos nas colônias: no conjunto das reformas bourbônicas, estes não tinham possibilidades de ascensão social e política, não tendo privilégios semelhantes aos nascidos na Espanha (chapetones), o que aumentava consideravelmente os ressentimentos desta camada social no conjunto da sociedade espanhola.) 29 O PROCESSO DE InDEPEnDÊnCIA DA AMÉRICA ESPAnHOLA • CAPÍTULO 2 a Fernando VII ou a José Bonaparte. A quem obedecer naquele momento? Em 1810, as Juntas na América mantiveram a fidelidade ao rei espanhol e se mantiveram cautelosos com relação a uma ruptura definitiva com a metrópole, reconhecendo a Junta de Cádiz como instituição de poder legítima até o retorno do rei. Contudo, a atuação dos criollos por meio das Juntas fez com que, progressivamente, o movimento se radicalizasse, “chegando à luta armada que dividiu o mundo colonial entre rebeldes e defensores da Coroa Real” (CHUST, 2010: p. 72). Em 1814, os exércitos de Napoleão foram derrotados e Fernando VII reassumiu o poder. A restauração da ordem na Espanha esbarrou nos princípios liberais instituídos pela Constituição de 1812, o que representava o fim do absolutismo e uma forma de integração da metrópole com as colônias em igualdade de condições. Contudo, diante do reforço do poder do rei no universo colonial, tropas insurgentes combatiam as forças espanholas, parecendo anunciar uma ruptura total com a metrópole. O rei não estava disposto a perder suas colônias e enviou uma ofensiva, primeiramente, a região de Nova Granada em 1815, a fim de sufocar as ações lideradas por Simon Bolívar na região. A violenta repressão aos rebeldes provocou maiores insatisfações aos colonos e os insurgentes mantiveram as lutas em direção à independência. As lutas de independência: Simon Bolívar, José de San Martín, Manuel Hidalgo e Jose Maria Morelos A história latino-americana foi marcada pela presença de líderes. Dentro de um contexto onde, de um lado, havia uma adesão a causa da independência e; de outro, a lealdade à Coroa espanhola, a presença de lideranças militares teve um papel importante, inclusive para a construção de histórias nacionais. Na América do Sul, os generais Simon Bolívar e José de San Martín desempenharam um papel importante na condução das tropas insurgentes. San Martín, nascido na província de Corrientes, na Argentina, regressou junto a família a metrópole aos seis anos de idade, onde pôde estudar e ingressou na carreira militar e era favorável aos princípios liberais. Em 1812, partiu rumo ao rio da Prata para ajudar na luta pela independência; obtida na cidade de Tucumán em 1816, com a denominação de Províncias Unidas do Rio da Prata. Porém, sua visão era de que, ao tomar o Peru, centro do poder espanhol, a independência seria plenamente alcançada. Passou com suas forças pelo Chile rumo a Lima, consolidando a independência chilena em 1818, após a vitória na Batalha de Maipu. Em 1821, a cidade de Lima foi tomada pelos insurgentes e a independência foi proclamada. De acordo com Maria Ligia Prado e Gabriela Pellegrino, San Martín era um grande líder militar, mas não possuía habilidade Saiba mais Cabildo era uma espécie de Câmara Municipal. 30 CAPÍTULO 2 • O PROCESSO DE InDEPEnDÊnCIA DA AMÉRICA ESPAnHOLA política para governar o Peru; o que acarretou em sua saída da América para a Europa, onde morreu em 1850. Simon Bolívar era filho de uma rica família proprietária de fazendas de cacau. Viajou por boa parte de sua vida para a Europa, mas instalou-se na Venezuela a partir de 1807. Foi um ativo membro dos movimentos de independência; sendo a Venezuela o primeiro território a declarar sua independência, em 1811. Contudo, as bases do novo país eram muito frágeis e a Coroa espanhola, restaurada em 1814, enviou uma força militar a Nova Granada a fim de reaver os territórios perdidos. Os conflitos foram intensos e a resistência reorganizava seus exércitos, engrossando suas fileiras com escravos em troca da alforria. Assim como San Martín, Bolívar também atravessou os Andes para lutar contra os espanhóis e tomou a cidade de Bogotá. Em 1819, o vice-reinado de Nova Granada tornou-se independente, criando a república da Grã-Colômbia. Bolívar foi seu primeiro presidente. Em 1821, a Venezuela tornou-se independente após a batalha de Carabobo. Mas, as lutas de independência foram concluídas com a união das tropas de San Martín e Bolívar no território peruano; tendo sido a batalha de Ayacucho, liderada pelo general Sucre - próximo a Bolívar e que libertou o Equador em 1824 - liquidou as forças espanholas. No Uruguai, a figura de José Gervasio Artigas é considerado símbolo da nação uruguaia. Lutou ao longo dos anos de 1810 e 1820 contra os objetivos expansionistas dos portugueses e do governo de Buenos Aires. Em Buenos Aires, Artigas foi considerado um traidor, o “Átila dos pampas”. Após inúmeras derrotas nas guerras contra os argentinos e os soldados lusitanos, Artigas exilou-se no Paraguai e lá viveu até a sua morte. Seus seguidores proclamaram, em 1828, a independência uruguaia. De traidor, ele passou a ser um herói para a formação da república uruguaia. O conjunto desses líderes foi importante para o desenrolar dos processos de independência na América hispânica. Tornaram-se heróis, contribuindo para a construção de histórias nacionais. Bolívar, conhecido como o “Libertador”, é considerado o maior herói nacional da Venezuela, sendo objeto de culto ao longo do século XIX. San Martín também foi visto como um herói na história argentina e teve suas cinzas trasladadas para Buenos Aires e depositadas no mausoléu da catedral da cidade em 1880. Além deles, os padres Manuel Hidalgo e José Maria Morelos, líderes da emancipação mexicana, se tornaram ícones da resistência a metrópole. Para refletir Bolívar era um homem muito envolvido com a política, diferente de San Martí. Idealizava um projeto de integração nacional - a Grã-Colômbia -, visando à construção de uma unidade político-territorial na América. Contudo, seus planos não deramcerto graças a fragmentação territorial, separando a Grã-Colômbia em três países separados: Equador, Colômbia e Venezuela. Desgostoso de tudo renunciou ao poder em 1830 e faleceu no mesmo ano, de tuberculose. 31 O PROCESSO DE InDEPEnDÊnCIA DA AMÉRICA ESPAnHOLA • CAPÍTULO 2 Cabe assinalar que a construção das histórias nacionais foi palco de disputas, sobretudo no campo simbólico. De acordo com Camillo de Melo Vasconcelos, Bolívar passou do lugar de traidor da pátria a herói da nação a partir de 1840. Já no caso mexicano, tanto a figura de Morelos quanto a de Hidalgo não eram aceitas pelos grupos conservadores como patronos da nação. Apenas em 1867, com a vitória de Benito Juárez, liberal, que Hidalgo e Morelos passaram a ser os “heróis” da independência do México. Um estudo de caso: o México Em 16 de setembro de 1810, se iniciava na Nova Espanha a rebelião contra o domínio espanhol, liderada por Miguel Hidalgo y Costilla, padre do pequeno pueblo de Dolores, próximo a cidade mineradora de Guanajuato. A Nova Espanha era a parte mais rica e mais importante do Império Espanhol na América (...). (PRADO, 2014: p. 37) O processo de independência do México contou com diversas complexidades e reveses, típicos dos processos de emancipação da América Hispano-Americana. Sendo este território parte importante de todo o Império espanhol, uma área que possuía riquezas minerais expressivas, a perda deste pólo inicial de colonização da Espanha na América não estava nos planos dos soberanos espanhóis. Diferentemente das áreas do Peru, Bolívia e rio da Prata, a Nova Espanha teve seu processo de emancipação iniciado nas zonas rurais e com a liderança de membros religiosos. O México contava, em começos do século XIX, com expressiva parte de sua população vivendo em extrema pobreza. Em 1810, o padre Manuel Hidalgo reuniu um grupo de rebeldes contra a opressão metropolitana. Após inúmeras vitórias contra as tropas do governo, em 1811 Hidalgo foi preso, julgado e condenado a morte por fuzilamento. Contudo, a resistência permaneceu Atenção É nesse período que surgiram, em diversos espaços nacionais, a elaboração de histórias biográficas, relatando a trajetória destes líderes numa plena concepção de que a História era apenas a que tratava de grandes feitos e grandes homens. Provocação O papel da Igreja Católica na independência - Embora a Igreja Católica, forte instituição nas áreas coloniais hispânicas, estivesse ao lado da monarquia espanhola, alguns padres se envolveram diretamente nas lutas pela independência ao observar as desigualdades existentes naquela sociedade. Procure pesquisar mais sobre eles e entender suas ideias, o que era independência naquele momento e qual o papel que a Igreja tinha para cada um deles. 32 CAPÍTULO 2 • O PROCESSO DE InDEPEnDÊnCIA DA AMÉRICA ESPAnHOLA agora sob a liberança de José Maria Morelos y Pavón, outro padre. Morelos foi capturado, preso e fuzilado em 1815 e sua morte inaugurou um período de lutas isoladas, baseadas em táticas de guerrilha, por boa parte do território da Nova Espanha. Muitos especialistas assinalaram que a singularidade da independência mexicana é explicada pela defesa das necessidades dos grupos mais pobres. Hidalgo aboliu a escravidão negra e os tributos pagos pelos indígenas. Morelos propôs uma política de distribuição de terras, inclusive propriedades da Igreja, para os camponeses. Assim, se justifica a grande mobilização das camadas populares, sobretudo indígenas e camponeses, nas tropas rebeldes, que carregavam um estandarte da Virgem de Guadalupe em suas marchas. A rebelião abriu esperanças e possibilidades aos mais necessitados, que lutaram pelo fim das desigualdades. Após dez anos de guerra, em 1821, com um número expressivo de mortes e uma devastação na economia local, a independência mexicana foi alcançada por meio de um acordo entre as elites. O general Agustín de Iturbide tornou-se o líder do novo Estado independente. Porém, Itúrbide proclamou uma monarquia no México, sob o título de Agustín I, em 1822. Em 1824, o general foi destituído do poder e uma república foi proclamada. Contudo, a instabilidade do novo país marcou o país diante das lutas entre caudilhos e o envolvimento em conflitos externos. Um dos mais importantes foi a guerra contra os Estados Unidos (1846 - 1848), da qual resultou em um armistício entre as forças envolvidas. Porém, foram grandes as perdas territoriais aos mexicanos, como os estados do Texas, Novo México e a região da Alta Califórnia; o que perfazia metade do território do México. No âmbito interno, dois projetos de construção do novo Estado mexicano foram construídos pelos grupos políticos: liberais e conservadores. Eram projetos conflitantes na medida em que: ... os conservadores tinham preferência pelo regime monárquico, estavam ligados estreitamente a Igreja Católica e eram defensores dos foros privilegiados da Igreja e do Exército e das demais corporações coloniais... Os liberais defendiam a República, queriam um Estado separado da Igreja e exigiam a extinção dos foros especiais eclesiásticos e a nacionalização dos bens, assim como a desestruturação das formas de organização social próprias da colônia, incluindo as comunidades indígenas... (PRADO, 2014: pp. 52 - 53) Saiba mais Para fins deste contexto, caudilho significa liderança local Para refletir rupturas e continuidades estavam presentes no cenário político mexicano. As disputas entre liberais e conservadores culminaram numa guerra civil que fragilizou as bases de representação política e social do novo país, tendo a luta pelos bens da Igreja tido um papel importante nas divisões da sociedade. A longa luta culminou na vitória dos liberais e na conformação de um Estado laico no México, o qual se consolidou a partir da segunda metade do século XIX. 33 O PROCESSO DE InDEPEnDÊnCIA DA AMÉRICA ESPAnHOLA • CAPÍTULO 2 O retorno a uma relativa normalidade ocorreu durante o governo de Porfírio Diaz, entre 1876 e 1910. Esse período, conhecido como Porfiriato, foi caracterizado por uma ditadura política e pela abertura do país para o capital estrangeiro; notadamente o norte-americano. Tal situação provocou a modernização da infraestrutura econômica do país, principalmente no setor ligado à exportação de gêneros agrícolas. Porém, como fruto das tensões políticas e sociais geradas no Porfiriato, uma revolução social sem precedentes ocorreu em 1910. Outro estudo de caso: a independência das províncias do Rio da Prata Sabemos que a proclamação de independência das Províncias Unidas do Rio da Prata se formalizou no congresso de Tucumán, ocorrido em maio de 1816. Era um período de instabilidade política, onde era imprescindível decidir pela continuidade da revolução ou pela alternativa monárquica. As populações oscilaram entre a simples autonomia, a união com os governos centrais e as propostas de Confederação sob a liderança de Jose Gervasio Artigas, importante líder militar que pretendia criar um governo confederado, abarcando os territórios das províncias de Córdoba, Entre Rios e Corrientes, na Argentina, a Banda Oriental do Uruguai, Santa Fé e Misiones numa federação, a Liga Federal ou a União dos Povos Livres. Contudo, as propostas de Artigas; as quais envolviam também uma política de distribuição de terras, esbarravam nos interesses de Buenos Aires na região platina; o que acarretou em inúmeros conflitos até a derrota definitiva das forças artiguistas, em 1820. Segundo a historiadora Noemí Goldman, a partir dos anos 1820, a ideia de “cidade-província” passou a ser fundamental para a consolidação de uma organização político-estatal no rio da Prata. Para a autora, o pós-independência representou o triunfo do federalismo para compreender todas as manifestações políticas; sendo este conceito interpretado, para a região, como “uma forma de confederação que permitisse resignar o mínimo possível o controle político da província” (GOLDMAN, 2006: p. 80). Logo, havia de um ladoaspirações a liberdade e soberania e, de outro, a alusão a uma organização nacional. Porém, ao passo que as soberanias das províncias tenderam a se consolidar, a partir de 1830, crescia a influência de Buenos Aires em boa parte dos governos provinciais. A ideia de nação estava vinculada ao Rio de la Plata, e a soberania colocada nesse novo regime de poder era inspirada nos princípios iluministas, de maneira a pensar numa relação entre representares e representados numa espécie de contrato social. Contudo, um dos pontos frágeis do congresso de Tucumán foi a indeterminação de certas funções e também dos limites político - territoriais; sobretudo com a América portuguesa, à época governada por D. João VI. 34 CAPÍTULO 2 • O PROCESSO DE InDEPEnDÊnCIA DA AMÉRICA ESPAnHOLA Nesse sentido, a independência dos Estados platinos também gerou instabilidade, desacordos e conflitos. A Argentina estava politicamente dividida e a ascensão de Juan Manuel de Rosas ao poder representava, antes de tudo, a busca por um ordenamento social e político. Rosas foi governador de Buenos Aires entre 1829 a 1832 e, posteriormente, de 1835 a 1852. Em seu primeiro governo, houve consenso entre os grupos sociais; mas, desacordos no cenário político levaram a criação de grupos rosistas (favoráveis a Rosas ou federalistas; desejavam a autonomia das províncias) e os grupos antirrosistas (desfavoráveis a Rosas ou unitários; desejavam um governo centralizado). Contudo, em seu segundo governo a consolidação do regime rosista se deu por meio da manutenção da república no sentido de prevalecer a vontade da maioria, expressa em votos; e também com a assinatura de pactos entre as províncias do interior e Buenos Aires, o que favoreceu a supremacia desta em detrimento daquelas. Mas, ao mesmo tempo levou a intimidação de opositores por meio de festas realizadas em júbilo a pátria e, em último caso, ao exílio. Maria Ligia Prado afirma que as oposições “o representavam como a encarnação do absolutismo, arbitrariedade e barbárie.” (PRADO, 2014). As principais oposições a Rosas eram os governadores de Entre Rios e Corrientes, personificados pelo General Justo José de Urquiza, e o Império Brasileiro em solidariedade aos acontecimentos na república uruguaia. Desde 1839, no contexto de uma guerra civil entre os candidatos a presidência, do Partido Blanco e Colorado, Manuel Oribe e Fructuoso Rivera, respectivamente; Rosas aliou-se a Oribe numa guerra intestina que levou, segundo especialistas, a quase completa desestruturação do Estado uruguaio. A aliança entre Urquiza e o Império do Brasil servia, nesse sentido, a um duplo interesse: dar fim aos projetos expansionistas de Rosas, que punham em risco a navegação no rio da Prata, importante veículo de comunicação com a província do Mato Grosso, de jurisdição brasileira; e promover uma centralização de poderes na Argentina sob a liderança de Urquiza. Essa guerra, conhecida como a guerra contra Rosas ou Guerra Grande, Para refletir Cabe destacar que havia pretensões, frutos de um projeto expansionista em curso pela Família Real portuguesa, de anexar os territórios até o rio da Prata, perfazendo assim as fronteiras lusas na América entre os rios Amazonas e da Prata. Esse projeto teve continuidade ao longo do século XIX; levando o futuro Império Brasileiro já independente de Portugal, a guerras na região sul (conhecidas como Guerras Cisplatinas); culminando na independência do atual Uruguai como um Estado tampão entre o Brasil e a Argentina, em 1828. Sobre este assunto, a leitura do livro de João Paulo Pimenta é esclarecedora: Estado e Nação no fim dos Impérios ibéricos no Prata (1808 - 1828). São Paulo: HUCITEC, 2006.) Sugestão de estudo Interessante obra literária escrita sobre o período rosista é o livro de Domingo Sarmiento, “Facundo ou Civilização e Barbárie - Vida de Facundo Quiroga”. 35 O PROCESSO DE InDEPEnDÊnCIA DA AMÉRICA ESPAnHOLA • CAPÍTULO 2 teve fim com a vitória das forças brasileiras e de Urquiza na batalha de Caseros, em 1852, o que deu fim ao regime rosista. Sob a liderança de Urquiza, todas as províncias do território argentino aderiram à chamada Confederação Argentina; exceto Buenos Aires, que continuou como província autônoma. Diferentemente do caso mexicano, as províncias tinham diferenças em relação a Buenos Aires, sobretudo no que diz respeito a navegação dos rios e ao comércio. Contudo, a hegemonia política de Buenos Aires foi estabelecida com a derrota das forças da Confederação, em 1861. Com a ascensão de Bartolomé Mitre a presidência nacional, houve a organização de um Estado nacional centralizado na Argentina. A nacionalização das rendas do porto de Buenos Aires, na década de 1880, tornou-se um marco para a construção definitiva do Estado argentino. Além disso, cabe destacar que houve sob a presidência do General Julio Roca, a concretização do processo de expansão territorial pelo sul argentino - o que acarretou em guerras e mortes de milhares de indígenas que viviam na região dos Pampas e da Patagônia - conhecidas como as Campanhas do Deserto. O Caudilhismo: um fenômeno latino americano A edição de 1729 do dicionário de espanhol da Real Academia de España nos dá uma perfeita definição da noção de cacique ou caudilho: “… o domínio do mais enérgico ou o mais violento, que se converte no primeiro de seu povoado ou da república, o que tem mais mando e poder, e quer por sua soberba faz-se temer e obedecer de todos os inferiores.” (TEIXEIRA, 2007. <http://www.revistadehistoria.com.br/secao/artigos/francisco-carlos-teixeira>) A noção tradicional de caudilho e, consequentemente, o fenômeno do caudilhismo era explicada pela ausência de poderes surgida no universo das colônias quando das invasões napoleônicas e das guerras de independência. Os membros da elite criolla, nascida na América, até então afastados do poder por meio da discriminação, passaram, ao longo do século, a usufruiu o poder político. Essas lideranças, locais ou provinciais, à frente de grupos armados, exerceram seu mando nos locais onde o vazio de poderes políticos e institucionais eram mais sentidos e, durante muito tempo, impediu que um Estado nacional fosse organizado. Nas palavras de Francisco Carlos Teixeira da Silva: “... o caudilhismo surge num espaço de vazio institucional e burocrático, onde muitas vezes a única esperança de justiça, proteção ou de distribuição de favores e dons residia na grande morada senhorial.”(TEIXEIRA, 2007). Desta forma, deve se ter em conta que o caudilhismo expressava também as demandas e necessidades de um grupo social até então afastado da plena representação política. A figura 36 CAPÍTULO 2 • O PROCESSO DE InDEPEnDÊnCIA DA AMÉRICA ESPAnHOLA do caudilho também aparece nas obras literárias do período. Um exemplo é a trajetória de Facundo Quiroga, caudilho da província de La Rioja, na Argentina. Era um militar, defensor do federalismo e um importante opositor de Juan Manuel de Rosas no cenário político no que dizia respeito à organização do Estado. Quiroga acreditava que era necessário criar um Estado dentro do sistema federalista, ao contrário de Rosas, que pensava na institucionalização da província para, posteriormente, se constituir uma federação. A morte de Facundo Quiroga, em 1835, fez com que o projeto rosista se estendesse mais facilmente por todo o país. Atenção: isto não significa que as demandas dos mais pobres fossem ser atendidas e que haveria igualdade no cenário latino-americano. As exceções a penetração do caudilhismo são o Império Brasileiro e o México, onde no primeiro caso temos um poder centralizado no Rio de Janeiro e uma era de prosperidade e estabilidade a qual, apenas nos primeiros anos da República; permitiu a distribuição de poderes e mandos nas esferas estadual e municipal. Já o segundo, a partir do regime centralizado de Porfirio Diaz e a institucionalização do Partido Revolucionário Institucional (PRI), o caudilhismo desapareceu do cenário político.
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