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Análise do Discurso Trilha Ebook - COMPLETO

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A linguística imanente versus linguística do discurso
A linguística imanente
Desde a antiguidade, o homem passa por motivações práticas que o leva a refletir
sobre a estrutura das línguas e seus usos. Apesar de Pêcheux (1990, p.38) afirmar
que a “reflexão sobre a linguagem não tem evidentemente, começo histórico
assimilável”, desde o antigo Egito, passando por Fenícios e Hindus, além de outros
povos, o registro escrito é problematizado pela tomada de consciência, geralmente
empírica, da estrutura da língua para fins de comunicação. Essa realidade nos leva
a compreensão da imanência da língua, ou, mais propriamente, sua realidade
material. Formalmente, a linguística imanente está para a “teoria da linguagem”,
como coloca o dinamarquês Hjelmslev, em seu livro “Prolégomenès à une théorie du
langage” (Prolegômenos a uma teoria da linguagem).
Como, então, consideramos as Linguística Imanente nos dias de hoje?
Hoje em dia, a linguística Imanente é um dos princípios do que chamamos mais
comumente de Linguística formal, que antecede e ilumina o posterior surgimento da
Linguística do discurso.
Em se tratando de Linguística formal, é necessário compreender que essa concebe
a língua enquanto estrutura. Sendo assim, “A língua é entendida como um objeto
autônomo independente das intenções de uso e da situação comunicativa
(MALELOTTA, 2008, p.87). No contexto formalista, surgiram duas vertentes: O
estruturalismo, do suíço Ferdinand Saussure, que inaugura a Linguística moderna; e
o Gerativismo, do norteamericano Noan Chomsky (1957).
Estruturalismo
Preparado (a) para conhecer o famoso “Pai da linguística moderna”? Vamos lá!
A teoria Saussuriana ganha espaço nos estudos linguísticos por meio da publicação
póstuma do “Curso de Linguística geral” (1916), um compilado de escritos de
Saussure efetivado por seus alunos Charles Bally e Albert Sechehaye. Para Fiorin
(2002), apesar de, no livro, não estar claramente exposto dessa forma, os
estudiosos costumam dividir a teoria saussuriana em quatro princípios ou
dicotomias, são elas:
Sincronia versus Diacronia
Indo de contra ao estudo da evolução histórica das línguas, a diacronia, (vigente até
fins do século XIX), Saussure prioriza a descrição sincrônica, objetivando descrever
a estrutura de uma determinada língua em seu recorte temporal, sem levar em
consideração seu processo evolutivo. Sobre essa perspectiva, Fiorin (2002, p. 79)
comenta que:
Contrariamente ao estudo da mudança linguística, o ponto de vista sincrônico vê a
língua como um sistema em que um elemento se define pelos demais elementos.
No estudo sincrônico, um determinado estado da língua é isolado de suas
mudanças através do tempo de e passa a ser estudado como um sistema de
elementos linguísticos. Esses elementos são estudados não mais em suas
mudanças históricas, mas nas relações que eles contraem, ao mesmo tempo, uns
com os outros.
Língua versus fala
Saussure elege a língua como seu objeto de estudo na linguística, já que a
considera sistêmica e coletiva. Para ele, a língua define-se enquanto um sistema
composto por signos linguísticos, encadeados para formar um todo organizado em
que cada signo é interdependente e definido por sua ordem e função.
Significado versus significante
Para o estudioso, essa é a dicotomia mais importante, posto que forma o signo
linguístico acima mencionado. Para Saussure tudo é signo, já que tudo significa
algo. Sendo assim, significante seria a imagem acústica, material, de algo, como por
exemplo escrever a palavra “computador”. Já o significado é o conceito imaterial
disso, ou seja, as interpretações que competem a esse signo: aparelho tecnológico;
meio comunicacional, etc.
Sintagma versus paradigma
O Paradigma é o conjunto de componentes do qual o sujeito pode se valer para
compor seu enunciado; já Sintagma é a escolha. Por exemplo, um sujeito pode dizer
“A água está fria”. A palavra “fria” poderia facilmente ser substituída por
“temperatura”, por exemplo. No entanto, a escolha feita foi “água”, o que caracteriza
o eixo do sintagma. Já os outros termos como “temperatura”, etc., que poderiam ser
escolhidos, constituem o paradigma
Como vimos, o Estruturalismo Saussuriano pode ser pensado como o estudo da
língua enquanto um sistema fechado em si mesmo, sem interferência de fatores
extralinguísticos como o contexto situacional, dentre outros. Críticas à parte, o
Estruturalismo influenciou diversas vertentes da produção de conhecimento
linguístico no decorrer do século XX.
Gerativismo
A partir da segunda metade do século XX, surgiu uma nova abordagem linguística,
o Gerativismo. Formulado pelo linguista Chomsky, manifestou-se como uma nova
proposta de investigação da linguagem. Esse estudioso optou por uma postura
racionalista para formular sua teoria dos estudos linguísticos. Para Chomsky (2005),
a língua deve ser estudada de forma lógica e abstrata. Nesse contexto, essa passa
a constituir um sistema de regras e princípios compostos na mente humana,
considerando que qualquer sujeito exposto a um ambiente apropriado pode adquirir
(a gramática de) qualquer língua.
Pragmático, Chomsky tem como base da gramática gerativa três questões básicas,
a saber:
“a) O que constitui o conhecimento da Língua? b) Como é adquirido o conhecimento
da Língua? c) Como é usado o conhecimento da língua?” (CHOMSKY, 1994, p.23).
A resposta a essas questões, para o pesquisador, está na mente humana, que
possui uma gramática internalizada, explicada de duas maneiras: Gramática
enquanto dicionário mental de formas da língua; gramática enquanto sistema de
regras e princípios que atuam sobre as formas. Nesse ínterim, a gramática une-se
com os demais sistemas conceituais mentais para articular o som. No processo
formal, as expressões primeiro passam pelas regras para só depois ganharem
significação.
Para o Gerativismo, o ser humano nasce com um conjunto de princípios
relacionados ao funcionamento da língua, ou seja, a aquisição da linguagem
torna-se uma herança genética. Se genético, portanto, comum entre todas as
línguas. Assim, a abordagem gerativa busca as características gerais da linguagem,
explicando e descrevendo propriedades que compõem o que o Chomsky chama de
Gramática Universal (GU).
Considerado um dos maiores teóricos contemporâneos, Chomsky contribuiu de
diversas maneiras para os estudos linguísticos. Apesar de formalista tal como
Saussure, o estudioso não concorda com a concepção de que a língua é uma
convenção social, mas sim um fenômeno biológico humano. Ambos, Saussure e
Chomsky, aproximam-se quando consideram a língua uma forma homogênea e
idealizada. No entanto, diferem-se quando, por exemplo, para o primeiro, a língua é
um conjunto de signos sociais; enquanto que, para o segundo, ela é um conjunto de
sentenças formuladas com bases biológicas.
A linguística do discurso
A linguística do discurso ultrapassa os limites da linguagem enquanto um sistema
formal, passando a valorizar os usos da língua em situações reais de comunicação,
além das relações entre função e forma. Ou seja, para a Linguística do discurso a
língua é uma estrutura formal perpassada por realidades subjetivas tanto históricas
quanto sociais, que influenciam e são influenciadas pelo sistema.
Essa nova perspectiva motivou o surgimento de diversas vertentes que, apesar de
suas particularidades, de uma maneira geral:
(...) considera a língua em uso, observando os fenômenos de variação e mudança
linguísticas, as interpretações face a face (e de outros tipos) entre falante e ouvinte,
as influências sociais e psicossociais na estrutura da língua, a ideologia e a
construção da subjetividade, os atos de fala no lugar de frases e sentenças
verdadeiras e gramaticais, as implicaturas conversacionais entre outros fatores.
(MARTELLOTA, 2008, p.88)
Dentre muitas vertentes, ressaltaremos duas das principais, a saber: a Linguística
cognitiva e a Sociolinguística variacionista, refletindo proximidades e
distanciamentos em relação ao paradigma formalista.
Linguística Cognitiva
O que seria a Linguística cognitiva?Surgiu no final da década de 1970, na Califórnia, a Linguística Cognitiva, resultante
de rupturas teóricas de alguns dos gerativistas. Nesse período, se destacaram
nomes como George Lakoff e Charles Fillmone. Com o tempo, essa abordagem
passou a ser chamada de Sociocognição, visando destacar o poder do contexto
social para a linguagem (já não mais autônoma): Cultura e sociedade como bases
da cognição humana, da compreensão do mundo. Portanto, essa vertente não
separa conhecimento linguístico do conhecimento não linguístico, assumindo uma
postura que vai de contra a visão racionalista do gerativismo.
Para a Sociocognição, os interlocutores são o centro da construção de sentido, ou
seja, a comunicação entre indivíduos em situações reais de interação discursiva é o
ponto chave.
A linguagem deixa de ser um sistema que independe do falante ou um conjunto de
regras finitas e ganha uma dimensão social e cognitiva cuja função é possibilitar a
seus usuários meios para reportar o discurso alheio, influenciar outras pessoas,
narrar acontecimentos, fazer avaliações, ser impreciso, falsear informações,
predizer o futuro, expressar sentimentos. (SALOMÃO, 199, p.65)
Para Lakoff & Johnson (1999), a mente não é separada do corpo, assim, muitos dos
significados se dão por meio da estrutura corporal humana, chamados teoricamente
de pensamentos corporificados. Aqui, consideramos a soma da inferência
conceptual à inferência sensório-motora.
Quando usamos expressões relativas ao espaço, sendo que esse significa tempo.
Vejamos:
Dias atrás estive em São Paulo
Temos acima, originalmente, a palavra “atrás” como um referente espacial (atrás de
algum lugar, posicionamento). No entanto, no contexto dessa oração a palavra
sublinhada refere-se a um tempo anterior, sensorial.
Como vimos, a mente humana desenvolve um processo de reelaboração de
informações que surgem inicialmente de domínios cognitivos distintos. A esse
processo damos o nome de “mesclagem”, em que relações sintáticas abrem
margem para os aspectos semânticos, em busca de sentido (s).
Observe a figura abaixo:
Figura 1: Modelo esquemático do processo de mesclagem conceptual Baseado em
Fouconnier e Turner
Segundo Fouconnier e Turner (2002), esse processo se dá por pelo menos a
conexão de quatro domínios: dois inputs de entrada; um esquema genérico
(possibilidade de interação) e a mescla (o novo significado).
Podemos perceber, portanto, que a Sociocognição ultrapassa o Formalismo em
diversos aspectos. Dentre eles, a crítica à limitação gerativa, posto que apesar de
se aproximar das ciências cognitivas, o Gerativismo entende a linguagem como
autônoma, priorizando a sintaxe, enquanto que a Sociocognição valoriza a
semântica por meio da utilização dos sentidos para o processo de construção da
linguagem.
Por fim, enquanto que na linguística formal o sujeito é irrelevante, na Sociocognição
o sujeito é o centro na construção de sentido, ou seja, o homem significa o mundo
de acordo com suas experiências pessoais, sociais, econômicas e culturais.
Sociolinguística Variacionista
As pesquisas em torno da Variação linguística surgiram nos Estados Unidos na
década de 60, pela iniciativa de Willian Labov. Para Labov (2008), um dos principais
intuitos dessa nova perspectiva é identificar, descrever e interpretar as variações da
língua levando em consideração grupos étnicos, etários, regionais, de gênero, etc.,
que compõem a sociedade.
Segundo Wenreich, Labov & Herzog (2006), a sociolinguística enfoca a língua em
seu contexto usual. Para tanto, torna-se relevante aspectos linguísticos formais,
sociais e culturais quando da necessidade de investigação sobre variações e
mudanças linguísticas, principalmente pela consciência de que a variação em seu
uso não ocorre de maneira aleatória, mas sim condicionada por um arcabouço de
regras organizadas pela divisão social em classes.
É possível identificar, primeiramente, dois grandes grupos: O da norma padrão,
linguagem de prestígio social, regida, comumente, pelo domínio da gramática
normativa, geralmente trabalhada de maneira intensiva nos ambientes escolares,
principalmente por estar articulada, sobretudo, à ascensão social dos indivíduos; e a
norma não padrão, geralmente estigmatizada por não oferecer os mesmos acessos
socioeconômicos que a padrão disponibiliza aos sujeitos.
No combate a construção de estigmas linguísticos, a Sociolinguística elege a
diversidade linguística, que considera não só as regras da língua como, sobretudo,
as relações de poder. Essa consideração é resultado da ciência da língua enquanto
instituição social locada historicamente e que, por isso, funciona em diversos
contextos situacionais.
Vejamos a tirinha abaixo:
Chico Bento é um personagem cujo modo de falar difere da norma culta padrão, já
que caracteriza, em sua fala, uma variação regional. A tirinha, para registrar esse
modo de fala, reproduz a linguagem proveniente do contexto social a que ele está
inserido. No diálogo com a professora (que domina a norma padrão, o que lhe
garante status social para exercer o cargo que ocupa) percebemos que o “susto”
dela se deve não aos supostos “erros” linguísticos cometidos por Chico, mas sim,
pela sua esperteza em se livrar da hipótese de um castigo, revelando a
compreensão da professora não só do uso oral da língua, como também o domínio
das Variações linguísticas.
Em relação ao Estruturalismo, a Sociolinguística se aproxima dessa linha de
pensamento ao, como Saussure, considerar a linguística como um fenômeno social.
Apesar disso, as diferenças são mais reconhecíveis. Dentre elas, o fato
Sociolinguística Variacionista fazer uso de uma reflexão diacrônica (diferentemente
de Saussure) já que essa valoriza os processos sócio históricos influenciadores das
mudanças da língua. Além disso, diferentemente do Gerativismo, para a
Sociolinguística é fundamental a coleta do maior número de dados de falantes
possível em situações de fala reais, por meio de recursos de áudio.
Para aprofundar seus conhecimentos em torno da Sociolinguística, recomendamos
os livros “A língua de Eulália”, bem como “Preconceito linguístico”, ambos de
Marcos Bagno.
A língua enquanto objeto da linguística - consequências dessa
perspectiva teórica
Anteriormente vimos que Saussure, considerado “pai” da Linguística moderna, em
suas dicotomias, privilegia a língua, já que essa “é um sistema supra individual
utilizado como meio de comunicação entre membros da sociedade” (COSTA, 2008,
p.116). Ela se faz, para o estudioso, enquanto parte essencial da linguagem, posto
que, sem ela, é impossível conceber o contato entre indivíduos de uma mesma
sociedade, daí surge seu caráter social. A fala, nesse contexto, tem um papel
secundário, já que é considerada específica de cada indivíduo.
Aprendemos, no decorrer dos estudos entre Linguística imanente e Linguística do
Discurso que a língua, bem como a fala, tomam maiores amplitudes conceituais que
ultrapassaram as concepções estabelecidas por Saussure, conforme os estudos
linguísticos foram avançando durante o século XX, o que não tira de Saussure a
iniciativa ter colocado a língua como um dos principais objetos da linguística
moderna.
A partir de Saussure, muitos estudiosos debruçaramse sobre o estudo da língua.
Dentre eles temos o linguista francês Èmile Benveniste, e porque vamos enfocá-lo?
A escolha por esse teórico justifica-se, pois, apesar de partir de Saussure, ele
conseguiu ampliar a concepção de língua por meio da possibilidade de análise de
sua particularidade à luz de outras grandes ciências, como a Psicologia social,
Filosofia, Pragmática e a Antropologia, por exemplo. Assim, Benveniste contribuiu
de maneira significativa para o legado da língua e para consequências positivas no
sentido da ampliação desse conceito no âmbito da linguística.
Vamos conhecê-lo? Vejamos o trecho a seguir:
Não atingimos nunca o homem separado da linguagem e não o vemos nunca
inventando-a [...]. É um homem falando que encontramos no mundo, um homem
falando com outro homem, e a linguagem ensina aprópria definição do homem
(BENVENISTE, 2005, p. 285)
Ou seja, para Benveniste a linguagem é natural, compõe a natureza humana,
portanto, é nela que se faz o sujeito, é por meio dela que se pode emergir um “eu”,
subjetivo, consciente de sua existência. A subjetividade é, para o linguista, norte
para a compreensão da linguagem e, por isso, daremos ênfase a ela agora.
A subjetividade da Linguagem
Para compreender a concepção do homem enquanto sujeito, Benveniste elabora
uma relação dialética em que o “eu” cria uma interdependência com o “tu”, chamada
de “eco”. Essa polaridade constituída torna-se a condição fundamental da
linguagem, já que existe no homem para fazê-lo sujeito, na medida em que o “eu”,
marca absoluta de subjetividade, é transcendente ao “tu”, ou seja, necessita de um
tu para estabelecer sua existência. É nesse ponto que Benveniste concebe a língua
enquanto categoria de maior importância enunciativa. Isso porque “eu” e “tu”,
pronomes pessoais existentes em todas as línguas, não existem por si mesmos,
mas sim, pela atribuição de uma referência. Em outras palavras, Benveniste quis
dizer que o “eu” não existe sozinho, há a necessidade de um outro, o “tu”, para
afirmar a existência do sujeito e vice-versa, portanto, é a língua, na enunciação, que
concretiza a existência.
Na subjetividade da linguagem os pronomes “eu” e “tu” são essenciais. Vejamos
esta colocação de Juchem (2008, p.17):
Esses pronomes, assim como outros indicadores autorreferenciais, diferem de todos
outros signos linguísticos por terem como referência o sujeito que enuncia e a
instância de discurso em que são enunciados. Eu e tu só têm referência na
“realidade do discurso”, sendo o eu a pessoa que enuncia a instância de discurso
que diz eu em referência a um tu, dada a situação de alocução. Eu e tu sofrem um
duplo processo: de eu referente enquanto enunciado e de eu referido enquanto tu
enuncia, assim sucessivamente. Pode-se dizer que eu e tu transitam entre os
locutores nas instâncias de discurso porque se pressupõem.
Portanto, “eu” e tu”, instituídos pela língua, constituem, por meio da linguagem, o
sujeito e seu interlocutor e vice-versa. Para Benveniste (2005), a subjetividade
reside na ciência de que o “eu” só existe quando tem consciência de si por meio da
enunciação, permitindo ao “tu” que esse também seja “eu”, como um retorno.
Para esclarecer essa concepção, vejamos a tirinha a seguir:
Repare que o “eu” e o “tu” trocam de posição durante o diálogo, e é exatamente a
essa consciência subjetiva da existência de dois indivíduos por meio da língua, ou
seja, eles existem por meio da linguagem.
Além dos pronomes pessoais supraditos, Benveniste (2005) conclui que há, nas
instâncias do discurso, enunciados que rementem ao que chamamos de situações
objetivas, representadas pela terceira pessoa, assim, “o membro não marcado da
correlação de pessoa [...] sendo o único modo de enunciação possível para as
instâncias de discurso que não devam remeter a elas mesmas” (ibid., p. 282).
Exemplificando, existem quatro propriedades que diferenciam a terceira pessoa
“ele”, do “eu” e “tu”: a) de combinar com qualquer referência de objeto; b) de não
refletir a instância de discurso; c) de ter uma grande variação pronominal ou
demonstrativa; d) de não se equiparar ao aqui-agora. Nesse contexto, o pronome
“ele” “não remete a nenhuma pessoa, porque se refere a um objeto colocado fora da
alocução. Ele só existe e se caracteriza por oposição a pessoa eu. (BENVENISTE,
2005, p. 292).
Até agora vimos que, para Benveniste, uma das formas de organização da língua se
dá pelo par dialético eu/tu, que subjetivamente constitui sujeitos quando esses
enunciam.
Além do par opositivo eu/tu, Benveniste elege também, para a organização das
línguas, a noção de tempo. Se é no exercício da língua que encontramos sua
subjetividade, logo, o tempo é presente a todo instante, posto que é “O tempo em
que se fala”. É no presente em que se manifesta o “eu” e tudo atribuído a ele. O
tempo, portanto, marca o aqui-agora da linguagem.
Figura 2 – Os tempos
Acima, temos o quadrinômio eu-tu-aqui-agora, representado pelo quadro da
enunciação, perspectiva basilar dos estudos da língua propostos por Benveniste
que veremos com mais profundidade a seguir.
A enunciação
Para Benveniste, a enunciação é definida como “o colocar em funcionamento a
língua por um ato individual de utilização” (BENVENISTE, 2006, p. 82). Ou seja,
enunciar é o ato de colocar a linguagem em funcionamento. Segundo Juchem
(2008, p.18), ela é vista por meio de três principais aspectos:
a. o primeiro remete à realização vocal da língua, possível por um ato individual no
interior da fala, sendo que, nem mesmo para o mesmo sujeito essa realização é
idêntica, ainda que sobre a mesma experiência vivida; logo, a irrepetibilidade da
enunciação ocorre até para o próprio locutor; b) dessa produção individual decorre o
segundo aspecto, que supõe “a conversão individual da língua em discurso”,
processo definido como semantização da língua, segundo Benveniste (ibid., p.
83)11; c) a terceira abordagem pretende traçar um quadro formal da enunciação sob
consideração do ato em si, as situações e os instrumentos de sua realização.
Essencial para a existência da enunciação é o interlocutor: sem ele só há apenas
uma possibilidade de língua, não o ato concreto. Entretanto, o interlocutor só existe
se houver, da parte do locutor, uma apropriação da língua que estabelece um
movimento de referência e correferência, já que um pede o outro, um “tu”, uma via
de mão dupla. Em outras palavras, é na enunciação que o “eu” apropria-se da
língua, concretizando-se no tempo, o presente. Para Benveniste (2006), passado e
futuro não fazem parte da enunciação, pois o enunciado é sempre atualização.
Assim, o tempo é sempre presente, contínuo e coextensivo, um aqui-agora que só
existe pelo ser.
Dessa maneira, podemos entender a referência como importante para o enunciado,
já que o “eu” se encontra no centro da língua, marcado pelo presente. Nesse
âmbito, se toda língua perpassa o sujeito, toda ela tem referenciação, ou seja, todos
os signos estão ligados ao “eu” e são, portanto, referenciais. A língua, na teoria da
enunciação, é sempre referência, não diretamente ao mundo, mas sim em relação
ao sujeito com o mundo.
Se a língua é referência, como, então, os signos são referenciados na enunciação?
A resposta é simples. Para Benveniste há, na língua, um aparelho de “funções”, que
se adequa ao contexto comunicacional da enunciação. Essas funções são a
intimação, interrogação e asserção, e todas denotam sentidos específicos de
comunicação.
O quadro formal da enunciação, para Benveniste, é o eutu-aqui-agora,
considerando índices de pessoa, espaço/tempo, referindo-se, sempre, a
enunciação. Flores e Teixeira (2005, p.36) esclarece que “o aparelho formal da
enunciação é uma espécie de dispositivo que as línguas têm para que possam ser
enunciadas. Esse aparelho nada mais é que a marcação da subjetividade na
estrutura da língua”. O aparelho pode ser sempre universal, porém, seu uso é
sempre individual, mesmo que o propósito da teoria enunciativa não seja o sujeito
em si, antes, as suas marcas no ato da enunciação.
Tem curiosidade em entender ainda mais sobre o processo de enunciação de
Benveniste? Acesse
Colocadas as concepções de Benveniste sobre a língua, resta-nos a pergunta:
Quais as consequências dessa perspectiva teórica? Podemos listar algumas,
vejamos:
1. Diferentemente da linguística formal, Benveniste reconhece o sujeito como
pertencente ao sistema da língua; além disso, o linguista considera a
natureza da subjetividade, marcando a necessidade de reconhecer a língua
enquanto instância(s) do discurso, não apenas um repertório de signos como
outrora colocado por Saussure;
2. Benveniste atribui à língua o status de significação, que só se dá por vias do
discurso, ou seja, na enunciação. Flores (2008, p. 12) exemplifica com
clareza essa perspectiva quando diz que “É no uso da língua que um signo
tem existência; o quenão é usado não é signo; e fora do uso o signo não
existe. Não há estágio intermediário; ou está na língua, ou está fora da
língua”;
3. Para Benveniste o foco é o sujeito, é ele quem atualiza o sistema linguístico,
articulando e significando. Desse modo:
4. A língua - Subjetividade
Sujeito - Intersubjetividade
(Relembramos aqui a relação interdependente entre os pronomes pessoais
“eu” e “tu”)
Por fim, Benveniste inaugura um pensamento novo sobre a língua: A
enunciação, que contribuirá, mais a frente, para os pressupostos da Análise
do Discurso estudada na contemporaneidade e proposta por essa disciplina.
5.
O discurso enquanto objeto de estudo da linguística (A análise do
discurso) – consequências dessa perspectiva teórica
Até então, os capítulos anteriores propuseram um percurso dos estudos linguísticos
até que pudéssemos chegar, de maneira mais clara, ao ponto central de nossa
disciplina: A Análise do Discurso. Vamos conhecê-la?
Como vimos anteriormente, existem muitas maneiras de estudar a linguagem: a
língua enquanto sistema de signos; as diferentes normas de linguagem (lembremos
da norma culta e da variação linguística); a enunciação, dentre outras. Essa
variedade expõe muitas maneiras de significar, e foi a partir dessa ciência que
surgiu a Análise do Discurso.
O que seria então, caro aluno (a), a Análise do Discurso?
Considerada enquanto uma teoria política de Leitura, A análise do Discurso nasce
na França na década de 1960, tendo como Fundador o estudioso Michel Pêcheux.
Para Orlandi (2007 p. 15) essa perspectiva, como seu próprio nome refere:
Não trama a língua, não trata da gramática, embora todas essas coisas lhe
interessem. Ela trata do discurso. E a palavra Discurso, etimologicamente, tem em
si a ideia de curso, de percurso, de correr por, de movimento. O discurso é assim
palavra em movimento, prática de linguagem: com o estudo do discurso observa-se
o homem falando. (Grifo nosso).
Ou seja, a Análise do discurso, diferente de algumas das concepções anteriores,
não trabalha com a língua na qualidade de um sistema abstrato. Ela procura
entender a língua enquanto sentido (s), como um trabalho simbólico, parte
constitutiva do homem e da história desse. Nesse âmbito, por meio dessa
perspectiva surge a oportunidade de entender o que faz o homem ser o que é,
compreender sua capacidade de significar e significar-se. Portanto, na Análise do
Discurso a linguagem (o discurso) torna-se mediadora entre o homem e sua
realidade individual e social.
O que interessa à Análise do Discurso é o movimento: as maneiras de significar;
pessoas se comunicando e trocando experiências, compreendendo sentidos,
compreendendo seu lugar na sociedade, por meio da interpretação. Se o meio em
que o discurso é produzido é significativo, vale à Análise do Discurso a
consideração da linguagem à sua exterioridade. Assim, ela se materializa na
ideologia, ou seja, ela tem, em parte, uma ordem própria (as regras de uso, as
gramáticas); em outra, uma relativa autonomia (o campo da semântica, das
possibilidades de interpretação).
Para compreender melhor a questão ideológica, atentemos para a charge abaixo:
Se analisássemos a charge acima à luz de unicamente de seu conteúdo, leríamos
de maneira literal, e seu objetivo (a crítica à corrupção por meio da sátira), não seria
atingido. A Análise do Discurso propõe olhar o texto acima unindo sentidos e
contexto situacional, considerando a compreensão da ideologia que lhe cerca: a
linguagem pode sugerir múltiplos efeitos de sentido em um único texto. Assim, essa
perspectiva sugere interpretar as linguagens que produzimos e que lemos/ ouvimos/
vemos e etc.
A interpretação, nessa conjuntura, é o primeiro destaque que daremos no estudo da
Análise do Discurso.
A interpretação
Para Orlandi (2007, p. 25),
A proposta intelectual em que se situa a Análise do Discurso é marcada pelo fato de
que a noção de leitura é posta em suspenso. Tendo como fundamental a questão do
sentido, a Análise do Discurso se constitui no espaço em que a Linguística tem a ver
com a Filosofia e com as Ciências Sociais. Em outras palavras, na perspectiva
discursiva, a linguagem é linguagem porque faz sentido. E a linguagem só faz
sentido porque se inscreve na história.
Ou seja, a perspectiva discursiva enfatiza a questão do contexto (Social, histórico,
político, econômico) enquanto peça chave para haver sentido e, assim, linguagem.
Nesse sentido, a interpretação ganha espaço por permitir a leitura e compreensão
desses variados contextos.
A Análise do Discurso, por esse viés, acaba por teorizar a interpretação,
colocando-a como uma proposta de análise que não se fecha em si, mas trabalha
seus mecanismos, limites, como partes do processo de construção de significação.
Na interpretação proposta pela perspectiva discursiva não há um sentido
verdadeiro, único, revelado por um método. Há, sim, uma construção de dispositivos
teóricos capazes de dar conta das mais diversas produções emergidas da
linguagem.
Para compreender como funciona a perspectiva discursiva com mais clareza, vamos
agora distinguir inteligibilidade, interpretação e compreensão, unido as explicações
à exemplos.
Inteligibilidade
A inteligibilidade faz referência ao sentido da língua. Vejamos este exemplo: “Ela
pediu esse”. Essa frase é inteligível, basta dominarmos o português para ler esse
enunciado.
Entretanto, ela não pode ser interpretada, pois não conseguimos chegar à
conclusão de quem era ela e/ou o que ela pediu.
Interpretação
Pensemos na seguinte situação hipotética:
Maria vai ao restaurante com seu noivo, Carlos, e sua amiga, Júlia. Enquanto Júlia
vai ao banheiro, Maria solicita ao garçom um dos pratos do Menu. Ao voltar à mesa,
Júlia pergunta a Carlos o que Maria pediu e ele prontamente responde, indicando
com os dedos no Menu: “Ela pediu esse”.
Pelo exemplo acima podemos perceber que a interpretação necessita de um
co-texto (as outras faces do texto) e o contexto em si. Interpretando, ela é Maria e
esse é o prato solicitado.
Compreensão
Utilizando a mesma situação hipotética, nas palavras de Carlos poderíamos
compreender que Júlia pediu determinado prato porque gosta mais, ou porque pode
ter alguma restrição alimentícia, por exemplo. A compreensão, nesse sentido, é
entender como um objeto simbólico (texto, pintura, enunciado, etc.), produz
sentidos. É compreender como funcionam as interpretações. Quando interpretamos
já estamos presos a um sentido. Assim, a compreensão procura explicitar os
processos de significação presentes na situação comunicacional para que assim
possam ser entendidos outros sentidos possíveis.
Resumindo, a Análise do Discurso, para Orlandi (2007, p. 26):
Visa a compreensão de como um objeto simbólico produz sentidos, como ele está
investido de significância para e por sujeitos. Essa compreensão, por sua vez,
implica explicitar como o texto organiza os gestos de interpretação que relacionam
sujeito e sentido. Produzem-se assim novas práticas de leitura.
Se a interpretação é um dispositivo teórico de análise da Análise do Discurso há,
portanto, o analista e o método produzido no alcance teórico da perspectiva
discursiva. Cada analista necessita formular uma questão que desencadeie uma
análise, e cada material de análise pede que seu analista eleja conceitos que outro
analista não elegeria, criando assim conceitos diferentes de análises. Embora a
teoria ilumine a análise, essa é escolhida dentre tantas pelo analista, em sua
liberdade para a construção de interpretações.
O Analista analisa e compreende o processo discursivo, podendo, então, interpretar
seus resultados de acordo com os instrumentos teóricos escolhidos dos campos
disciplinares dos quais ele optou. Dessa maneira, o analista do discurso desfaz a
ilusão da transparência da linguagem, já que passou por um processo material de
constituição e significação do (s) sujeito (s).
É desse estudo detalhado, metódico, teórico e principalmente interpretativo que
deriva, Para Orlandi (2007, p. 28), a riqueza da Análise do Discurso “ao permitirexplorar de muitas maneiras essa relação trabalhada com o simbólico, sem apagar
diferenças, significando-as teoricamente.”
Nesse contexto, o que se dizemos não são apenas mensagens a serem
decodificadas, mas sim:
Efeitos de sentidos que são produzidos em condições determinadas e que estão de
alguma forma presentes no modo como se diz, deixando vestígios que o analista de
discurso tem de apreender. São pistas que ele aprende a seguir para compreender
sentidos aí produzidos, pondo em relação o dizer com sua exterioridade, suas
condições de produção. Esses sentidos têm a ver com o que é dito, e com o que
poderia ser dito e não foi. Desse modo, as marfes do dizer, do texto, também fazem
parte dele. (ORLANDI, 2007, p.30)
Para compreender melhor, vejamos o exemplo a seguir:
Texto verbal: “Mais cedo ou mais tarde sua esposa vai dirigir. Este é uma das razões
para você possuir um Volkswagen”)
Enquanto analista do Discurso, quais vestígios precisamos apreender para
interpretar o anúncio acima?
Considerando o universo dos anúncios, propagandas, não basta apenas decodificar
a linguagem verbal. Há de se levar em consideração o contexto situacional; as
escolhas linguísticas; o texto não verbal; dentre outros.
No exemplo acima nos deparamos com um anúncio publicitário dos anos 60. Na
época era comum e, inclusive, engraçado, sentenças que maculassem a imagem da
mulher. O texto verbal, portanto, pode ser interpretado como uma “piada” em
relação às capacidades limitadas da mulher ao fato de dirigir. A empresa, em
contrapartida, oferece um produto que “alivia” a preocupação masculina, já que
possuí peças baratas e fáceis de encontrar. Ou seja, o homem não precisaria se
preocupar com mais esse “problema”: a WV se preocupa por ele.
Fica claro aqui como a condição de produção de um discurso afeta a construção da
linguagem. Se hoje, no século XXI, o mesmo anúncio publicitário fosse veiculado
em jornais, revistas e internet, muito provavelmente seria tachado como machista e
anacrônico, e a empresa sofreria as represálias cabíveis.
Portanto, as condições de produção e Interdiscurso são de grande significado para
o analista do discurso e, mais amplamente, para a Análise do Discurso em geral.
Assim, cabenos agora aprofundar essas perspectivas.
Condições de produção e interdiscurso
Para Orlandi (2007), as condições de produção compreendem sujeitos, situação e a
memória. Essa última, inclusive, bastante significativa, como veremos mais à frente.
As condições de produção, para a autora, consideram duas circunstâncias: o
contexto imediato e o contexto sócio histórico, ideológico. No último exemplo que
apresentamos (o caso do fusca da Volkswagen), o contexto imediato é o “simples”
anúncio de um carro e a sugestão de que esse é resistente e acessível e, por isso,
deve ser comprado. Já o contexto amplo é o que revela efeitos de sentidos
inerentes do funcionamento da nossa sociedade, como por exemplo o mercado
automobilístico e a antiga cultura de que veículos eram destinados a homens, já que
à mulher destinava-se o lar. Nas entrelinhas, observamos que a suposta aceitação
de uma mulher dirigindo, reação lenta do Feminismo no decorrer do século XX, vem
transvestida do machismo que reinava com todas as forças naquele contexto em
particular. O anúncio, assim, revela um posicionamento sócio histórico social comum
à época em que fora publicado.
É aqui que o conceito de memória ganha forças quando pensada em relação ao
discurso. No contexto teórico da Análise do Discurso, inclusive, podemos chamá-la
de Interdiscurso:
Definido como aquilo que fala antes, em outro lugar, independentemente. Ou seja, é
o que chamamos de memória discursiva: o saber discursivo que torna possível todo
dizer e que retorna sob a forma do pré-construído, o já-dito que está na base do
dizível, sustentando cada palavra. (ORLANDI, 2007, p.31)
Ora, só conseguimos, hoje, interpretar de maneira significativa o anúncio produzido
no século XX graças a nossa memória discursiva: o discurso do machismo não é
novo, é um já-dito não só naquela época, como se perpetua na nossa. Lá nos anos
60, o texto verbal anunciava uma forma de pensamento traduzida discursivamente
que antecede sua produção. Assim, o texto a que tivemos contato caracteriza-se
como um interdiscurso, um conjunto de formulações já existentes sócio
historicamente que se traduzem em um novo texto.
Assim como a interdiscursividade, enquanto memória, nos faz considerar
acontecimentos passados como matéria para os novos, também é esquecimento,
outro aspecto importante da Análise do Discurso que conheceremos agora.
Quer saber mais sobre a interdiscursividade na Análise do Discurso? Acesse ao
vídeo “Interdiscurso e memória discursiva”, disponível no Youtube por meio do Link:
Para Pêcheux (1975) existem dois tipos de esquecimento no discurso, são eles:
1. O esquecimento número dois, da ordem da enunciação:
2. Ao falarmos sempre optamos por uma forma e não outra. No entanto, o que
dizemos sempre poderia se dito de outra maneira, com outras escolhas
linguísticas. Ao falarmos “Feliz”, poderíamos ter optado por “alegre” ou
“contente”, por exemplo. Entretanto, nós nem sempre temos consciência
disso. Este “esquecimento” é parcial, semiconsciente, que exemplifica que o
modo de dizer tudo tem a ver com os sentidos.
O esquecimento número um, ou esquecimento ideológico:
Instância do inconsciente, é resultante do modo como somos afetados
ideologicamente. Por ele temos, quando elaboramos um discurso, a ilusão de
sermos originais, os primeiros a dizer/ escrever/falar, etc. No entanto, quando
nascemos, os discursos já estão em processo, apenas entramos no movimento. Na
verdade, a língua se materializa em nós e o esquecimento é, voluntariamente, uma
necessidade para que a linguagem funcione na produção de sentidos e sujeitos:
retomando palavras já existentes como se fossem deles e, assim, movimentando as
possibilidades da linguagem.
Outros aspectos relevantes à análise do discurso
Além dos aspectos supraditos, outros se fazem importantes para uma compreensão
mais completa em relação à análise do Discurso, são eles: Paráfrase e Polissemia;
Formação Discursiva e Ideologia e sujeito. Iremos, agora, vê-los um por um, antes
de concluirmos nosso estudo.
● Paráfrase e Polissemia
Quando pensamos a linguagem de maneira discursiva, é impossível dissociar essa
compreensão da tensão entre processos parafrásticos e polissêmicos. Para Orlandi
(2007, p.36):
Os processos parafrásticos são aqueles pelos quais em todo dizer há sempre algo
que se mantém, isto é, o dizível, a memória. A paráfrase representa assim o retorno
aos mesmos espaços do dizer. Produzem-se diferentes formulações do mesmo
dizer sedimentado. A paráfrase está do lado da estabilização. Ao passo que, a
polissemia, o que temos é deslocamento, ruptura com os processos de significação.
Ela joga com o equívoco.
Ou seja, sempre falamos algo dito, porém, pela polissemia, esse algo dito se
transforma em outro. É assim que os sujeitos (re) significam e (se) significam a todo
instante. Dessa maneira, acabamos por concluir que a incompletude é condição
para a linguagem: os discursos (sujeitos e sentidos) já estão prontos, contudo, eles
estão sempre se refazendo, em um movimento constante da história e do simbólico.
● Formação Discursiva
A noção de Formação Discursiva é basilar na Análise do Discurso, e o porquê é
simples: é ela que permite entender o processo de produção de sentidos e sua
relação com as questões ideológicas.
A formação discursiva é definida por meio de uma formação ideológica dada, ou
seja, a partir de um contexto sócio histórico dado, que define o que pode e/ou deve
ser dito. Para compreendermos melhor como isso funciona, prestemos atenção nos
dois pontos a seguir:
a. O discurso se constitui em seus sentidos:
Isoladas, as palavras não possuem sentido nelas mesmas, é necessária uma
conjuntura na qual o sujeito se insere em uma dada formação discursiva e não em
outra, para atingir um sentido ao invés de outro. Ou seja, as formações ideológicassão representadas pelas formações discursivas que as inscrevem. Daí vem o peso
da ideologia. Para Orlandi (2007p. 43):
Os sentidos sempre são determinados ideologicamente. Não há sentido que não o
seja. Tudo o que dizemos tem, pois, um traço ideológico em relação a outros traços
ideológicos. E isto não está na essência das palavras mas na discursividade, isto é,
na maneira como, no discurso, a ideologia produz efeitos, materializando-se nele. O
estudo do discurso explicita a maneira como a linguagem e ideologia se articulam,
se afetam em sua relação recíproca.
Ou seja, todas as nossas escolhas discursivas, tudo o que falamos ou escrevemos,
a maneira como nos posicionamos, sempre estará correlacionada a uma
determinada ideologia. As ideologias regem, portanto, nossas formações
discursivas.
b. Os diferentes sentidos são assimilados pela referência a uma formação
discursiva:
As palavras, mesmo sendo iguais, podem significar coisas diferentes dependendo
da formação discursiva em que estão. Por exemplo, a palavra “Floresta” não
significa a mesma coisa para um produtor rural, para um índio ou um cidadão. Além
disso, alterada sua letra inicial entre maiúscula e minúscula, podemos obter novos
sentidos.
O analista do discurso, aqui, tem papel fundamental para a compreensão: ele
precisa observar as condições de produção do texto, verificando sempre o
funcionamento da memória; além disso, ele necessita verificar o porquê dessa
formação discursiva (ao invés de outra), para assimilar os sentidos ali presentes.
Para Orlandi (2007), o sentido que, na verdade, é efeito ideológico, não nos deixa
perceber, em uma primeira análise, seu fundo material, histórico. Porém, todo
sujeito, carregado de ideologia traz, obviamente, uma historicidade em construção
que alimenta essa mesma ideologia. Assim, Ideologia e sujeito caminham juntos e,
por isso, a partir de agora, caro aluno, iremos conhecer um pouco mais sobre esses
dois princípios importantes à Análise do Discurso.
● Ideologia e Sujeito
É interessante perceber como a Análise do Discurso ressignifica a noção de
ideologia por meio dos estudos da linguagem. Dessa forma, a ideologia passa a ser
definida ideologicamente e é isso que veremos a seguir.
Segundo Orlandi (2007, p.44), o fato de que não há sentido sem o movimento de
interpretação evidencia a presença da ideologia. Sempre, em contato com um
objeto simbólico, há no homem a motivação para se perguntar: “o que isso quer
dizer?”. Nesse contexto, no ato de interpretar o sentido surge como evidência, como
se ele sempre tivesse estado lá. O trabalho da ideologia, nesse contexto, é colocar
o homem em uma relação imaginária com suas condições existenciais e materiais.
A ideologia, portanto, passa a ser condição para a constituição de sujeitos e
sentidos. Para Orlandi (2007, p.46):
O indivíduo é interpelado em sujeito pela ideologia para que se produza o dizer.
Partindo da afirmação de que a ideologia e o inconsciente são
estruturas-funcionamentos, M Pêcheux diz que sua característica comum é a de
assimilar sua existência no interior do seu próprio funcionamento, produzindo um
tecido de evidências “subjetivas”, entendendo “subjetivas” (...) como “nas quais se
constitui o sujeito.”
Assim, a subjetividade, enquanto constituinte do sujeito, está para a ideologia do
que ele pretende dizer. Entretanto, ao se colocar enquanto sujeito, muitas vezes o
homem apaga o fato de que é interpelado pela ideologia. Esse apagamento já nos
foi colocado acima: o homem acredita estar dizendo algo novo, nunca antes
pronunciado.
Para o analista, nesse sentido, entender ideologia enquanto relação necessária
entre mundo é linguagem é fundamental.
Enquanto analistas, podemos nos perguntar: Como a ideologia atua na charge
abaixo?
Considerando o “esquecimento”, para nós, enquanto sujeitos, a resposta de
Miguelito poderia ser inocentemente a compreensão de um todo original, “novo” do
que está passando na TV. Entretanto, a charge acima ultrapassa esses limites ao
ironizar a ideia de felicidade vendida nas propagandas e programas de TV.
Nesse sentido, a formação discursiva, se analisada por esse viés, revela um sentido
novo pertencente a uma ideologia dominante nos dias atuais que está
aparentemente velado na resposta do personagem: O consumo, incentivado como
gerador de felicidade em nossa sociedade capitalista das mais diversas formas.
Para Orlandi (2007, p.47) o sentido,
É assim uma relação determinada pelo sujeitoafetado pela língua- com a história. É
o gesto da interpretação que realiza essa relação do sujeito com a língua, com a
história, com os sentidos. Esta é a marca da subjetivação e, ao mesmo tempo, o
traço de relação da língua com a exterioridade: não há discurso sem sujeito. E não
há sujeito sem ideologia.
Nós, enquanto sujeitos, somos formados pela ideologia e história que nos cerca, e
esses dois elementos são, mesmo que inconscientemente, norteadores do nosso
discurso. Muitas vezes é só pela interpretação, na busca pelo sentido do que
dissemos, falamos ou agimos, que compreendemos a (s) origem (s) daquele
discurso.
Por fim, é importante esclarecer que o trabalho com a ideologia é um trabalho
baseado na memória-esquecimento. É justamente o esquecimento que motiva a
iluminação de qualquer discurso proposto. No pensar, por exemplo: “Por que ‘fulano’
se colocou dessa forma?”; “Por que eu me posicionei dessa maneira”? temos o
primeiro passo para a investigação da formação discursiva de determinado
contexto, chegando às conclusões ideológicas na construção de sentidos.
Após essa produtiva imersão teórica em relação à Análise do Discurso, nos
perguntamos: Quais as consequências dessa perspectiva teórica? Iremos, agora,
indicar algumas:
1. A Análise do discurso, ao unir campos de conhecimento, rompe suas
fronteiras e elege um novo recorte de disciplinas, constituindo um novo objeto
de estudo: o discurso;
2. Para a Análise do Discurso, não há apenas transmissão de informação, muito
menos linearidade nos elementos comunicacionais. Para ela, a língua não é
apenas um mero código, em que se separa emissor e receptor; em que um
fala e outro, na sequência, decodifica. Não há transmissão de informação
apenas, há um complexo processo de formulação de sujeitos que produzem
constantemente sentidos;
3. A língua, para a Análise do Discurso, tem sua ordem própria, porém, é
relativamente autônoma;
4. Na perspectiva discursiva, o sujeito da linguagem se constitui enquanto
descentralizado, pois é afetado pelo real da língua, bem como o real da
história, e o modo como essas o afetam não pode ser controlado por ele. Isso
possibilita concluir que o sujeito discursivo age pela ideologia e inconsciente;
5. Por fim, podemos concluir que na Análise do Discurso “Em seu quadro
teórico, nem o discurso é visto como uma liberdade em ato, totalmente sem
condicionantes linguísticos (...) nem a língua como fechada em si mesma,
sem falhas ou equívocos.” (ORLANDI, 2007, 22). A língua, assim, sempre
será condição para a oportunidade do discurso.
Enunciação, Pragmática, Argumentação, Discurso
Enunciação
Olá, alunos (as)! Ainda na unidade I tivemos a oportunidade de conhecer de
maneira introdutória a teoria da Enunciação. Vamos relembrá-la?
A teoria da Enunciação, proposta por Benveniste, baseiase, resumidamente, nos
quatro pontos abaixo colocados:
1. Reconhece o sistema da língua enquanto uma instância do discurso. Nesse
sistema, sujeito e subjetividade são significativos;
2. A significação da língua só se dá por meio do discurso, ou seja, por meio da
enunciação desse;
3. O sujeito, na teoria da Enunciação, é o foco: Ele é quem atualiza o sistema
linguístico, articulando e significando;
4. O quadro formal da enunciação é o eu-tu-aqui-agora, considerando índices
de pessoa, espaço/tempo, referindo-se, sempre, a enunciação. A
subjetividade, enquanto aparelho formal da Enunciação, é sempre universal
(todos nós temos), porém, seu uso é sempre individual, mesmo que o
propósito da teoria enunciativa não seja o sujeito em si, antes, as suasmarcas no ato da enunciação.
Revisadas as características básicas da Enunciação, partiremos agora para a
compreensão de como ela funciona dentro do universo da Análise do Discurso, mais
especificamente em relação à argumentação, ou seja, à Semântica da Enunciação.
A Semântica da Enunciação
Para a semântica formal, a verdade está fora da linguagem, nesse sentido, a língua
seria apenas um meio para alcançá-la. Esse conceito é fundamental para entender
a Semântica da Enunciação, posto que, para essa “A linguagem constitui o mundo,
por isso não é possível sair fora dela” (OLIVEIRA, 2006, p.19).
● Por que será, então, que a Semântica formal coloca os sentidos como sendo
exteriores à língua?
Geralmente, quando falamos ou escrevemos usamos termos dêiticos, ou seja, que
fazem referência a algo externo ao discurso. Como por exemplo temos os pronomes
isto, eu, você, etc. Esses geralmente passam a ilusão de que estamos nos referindo
a algo externo à língua.
Entretanto, sempre estamos nela e por/para ela. Vejamos como Oliveira (2002,
p.20) esclarece essa perspectiva:
A semântica Formal, diz Ducrot, cai na ilusão, criada pela própria linguagem, de que
ela se refere a algo externo a ela mesma, de onde ela retira a sua sustentação. A
linguagem, afirma Ducrot, é um jogo de argumentação enredado em si mesmo; não
falamos sobre o mundo, falamos para construir um mundo e a partir dele tentar
convencer nosso interlocutor da nossa verdade, verdade criada pelas e nas nossas
interlocuções. A verdade deixa, pois, de ser um atributo do mundo e passa a ser
relativa à comunidade que se forma na argumentação. Assim, a linguagem é uma
dialogia, ou melhor, uma “argumentalogia”, não falamos para trocar informações
sobre o mundo, mas para convencer o outro a entrar no nosso jogo discursivo, para
convencê-lo de nossa verdade.
Ou seja, a linguagem é constituída no diálogo, na busca, por meio da construção de
argumentos, de inserir o outro, o interlocutor, no nosso mundo, na nossa verdade.
Para as atuais concepções da Semântica da Enunciação, um enunciado é
construído por diversos enunciadores que, concomitantemente, formam o espaço
discursivo pelo qual o diálogo vai se desenvolver.
Vejamos o enunciado abaixo: (Considere os E1, E2, e E3, enquanto enunciadores.
O governador de São Paulo é Sociólogo E1: Há um e apenas uma pessoa.
E2: Esta pessoa é um governador.
E3: Esta pessoa é um sociólogo.
No enunciado em negrito comprometemos nosso ouvinte com o fato de que existe
um único governador para São Paulo. Esse enunciado é polifônico (gera vários
enunciadores) posto que encerra várias vozes. Acima temos um diálogo entre
enunciadores, que pode gerar diálogos por meio, por exemplo, de negações
polêmicas ou metalinguísticas. Se negamos o E1, estamos concretizando uma
negação polêmica, mas ele pode negar o posto, portanto, dentro de um contexto
pode fazer sentido; se negamos o E3, temos uma negação metalinguística.
outro exemplo:
Maria parou de fumar
E1: Maria fumava.
E2: Maria não fuma mais.
Essa segunda enunciação traz um enunciador que afirma que maria fumava,
tratando-se de um pressuposto, e outro que afirma que ela não fuma mais,
concretizando o posto. Ao negarmos a fala do primeiro enunciador, faremos uma
negação polêmica; se negamos o que está posto, faremos uma negação
metalinguística.
Assim, para a Semântica da Enunciação, as diferentes leituras explicam-se pela
polissemia, ou seja, um mesmo enunciado que pode gerar múltiplos sentidos, mas
que se correlacionam.
Sobre os tipos de negação, vejamos esse outro enunciado:
Imagine que alguém diz que sua bicicleta está estacionada em lugar errado, assim,
você pode responder:
Não, minha bicicleta não está estacionada em lugar errado (porque eu não tenho
bicicleta).
Nesse caso, você estaria fazendo uma negação polêmica, já que está negando o
quadro linguístico formado pelo seu interlocutor, ou seja, nego o enunciador que
acredita que a bicicleta seja sua.
Imagine agora que dessa vez você tem bicicleta:
Não, minha bicicleta não está estacionada em lugar errado (Porque está no lugar
certo).
Nessa situação temos uma negação metalinguística: o locutor retoma a fala do
interlocutor, que coloca que a bicicleta está no lugar errado, para negá-la.
Ducrot 1979, ainda evidencia um terceiro tipo de negação, a descritiva. Nesse tipo o
locutor descreve um estado de ser negativamente, ou seja, na sua enunciação não
há outro enunciador que o negue. Como exemplo, temos:
Não há sol hoje.
Podemos observar que não há retomada da fala do outro, mas a apresentação
negativa de uma descrição. Assim, a negação é, “pois, um fenômeno de polissemia
que, como dissemos, definese por identificar usos distintos não relacionados”
(OLIVEIRA, 2006, p. 31).
Já em relação a diferença de significados produzidos pelos variados tipos de
enunciados tempos, na linguística, o que chamamos de Pragmática, próximo ponto
a ser estudado nessa unidade.
Pragmática
Caro aluno (a), para esclarecer os diferentes significados que podem ser gerados
pelos enunciados, o que concretiza o que chamamos de Pragmática, José Luiz
Fiorin, em “Pragmática” (2007), utiliza um dos interessantes trechos de “As
aventuras de Alice”, de Lewis Carroll. Vejamos:
-Veja, agora a senhora está bem melhor! Mas, francamente, acho que a senhora
devia ter uma dama de companhia!
Dois pence por semanas e doces todos os outros dias. Alice não pôde deixar de rir,
enquanto respondia: Não estou me candidatando... e não gosto tanto assim de
doces. –É doce de muito boa qualidade- Afirmou a Rainha. –Bom, hoje, pelo menos,
não estou querendo. –Hoje você não poderia ter, nem pelo menos nem pelo mais-
Disse a Rainha. – A regra é: doce amanhã e doce ontem – e nunca doce hoje. –
Algumas vezes tem de ser “doce hoje”- Objetou Alice. –Não, não pode- Disse a
Rainha. Tem de ser sempre doce todos os outros dias; ora, o dia de hoje não é outro
dia qualquer, como você sabe.
Para Fiorin (2007), Alice e a Rainha discutem, nesse trecho, sobre o sentido de
palavras como hoje e outro. Para elucidar a questão dos diferentes significados de
um discurso, o autor elege a palavra hoje. Para a Rainha, o significado das palavras
ontem, hoje e amanhã são fixos. Nesse caso, se a regra é doce ontem e amanhã,
Alice não poderá nunca comer doces, já que está sempre no hoje. Já Alice entende
que o sentido das palavras em negrito está relacionado ao ato de produção de um
enunciado e, assim, por vezes há de ser “tem de ser doce hoje”, já que hoje é o dia
em que o enunciado é pronunciado.
Para Alice, segundo Fiorin (2007), o termo hoje se concretiza na relação com a
situação de comunicação. É por meio dela que o significado dessa palavra pode ser
inteiramente compreendido.
Buscando uma análise pragmática eficiente, a consciência do enunciado (estudado
anteriormente) enquanto uma realização linguística concreta é fundamental. Se
considerado a teoria do Enunciado, há de fazermos jus a ciência de que numa
situação de comunicação existe: eu/tu; espaço (advérbios de lugar e pronomes
demonstrativos como aqui, este, lá, esse); marcadores de tempo, como exemplo os
termos hoje e ontem. Inclusive, um dêitico como esses só pode ser entendido dentro
da situação de comunicação, assim, a pragmática parte do enunciado em direção
ao lugar no qual esse foi ou está sendo produzido.
Observe o enunciado:
Anteontem andei muito por aqui.
Só pelo enunciado não dá para saber o sentido, por exemplo, do anteontem, do eu
e do aqui: é necessário conhecer a situação comunicacional para poder encontrar
os sentidos dos enunciados, principalmente, os que fazem uso de termos dêiticos,
como o acima exemplificado.
● Surge, então, a pergunta: de maneira prática, como podemos, enquanto
analistas do discurso, fazer uma análise pragmática?
Para Benveniste (1966), existem três categorias relacionadas ao Enunciado que são
fundamentais para uma análise pragmática, são elas: A pessoa, O tempo e o
Espaço. Vejamos cada uma, agora, de maneira detalhada:
● A pessoa:
Para Benveniste (1966) as três pessoasdo discurso não possuem o mesmo
estatuto. Há semelhanças entre o eu e o tu, já que são sempre os participantes da
comunicação. Entretanto, o ele pode ser qualquer ser ou não designar nenhum.
Além disso, enquanto que entre o eu e tu há reversibilidade (quando você fala com
alguém, ela é o tu, quando ele te responde, você passa a ser o tu e ela, o eu), para
o ele isso é impossível.
É importante entender que: “é a situação de enunciação que especifica o que é
pessoa e o que não é pessoa (...) Chamaremos, então, de pessoa enunciativa
aquelas que participam do ato de comunicação.” (FIORIN, 2007, p. 164).
● O tempo:
O tempo da língua é diferente do tempo cronológico e/ ou físico: ele é ligado ao
exercício da fala, ou seja, o agora é reinventado a cada enunciado, e cada ato de
fala constitui um novo tempo. Dessa maneira, Fiorin (2007, p. 167) determina a
análise do tempo do enunciado considerando:
ME- Momento da enunciação;
MR-Momento de referência (presente, passado, futuro);
MA- Momento do acontecimento (Concomitante, anterior, posterior, etc., a cada
momento de referência).
O tempo é, “pois, a categoria linguística que marca se um acontecimento é
concomitante, anterior ou posterior a cada um dos momentos de referência
(presente, passado e futuro), estabelecidos em função do momento da enunciação”.
(FIORIN, 2007, p. 167)
● O espaço
Para Fiorin (2007), o espaço linguístico se ordena por meio do tempo (hic), ou seja,
o lugar do eu/tu (ego). Tudo é assim localizado, sem que haja necessariamente uma
importância para seu lugar físico no mundo, isso, pois mais importante é aquele que
os situa, já que se torna centro da referência de localização.
Para observamos o espaço, precisamos atentar para os pronomes demonstrativos e
alguns advérbios de lugar, considerando que esses, por vezes, são dêiticos.
A atenção dada ao espaço, tempo e pessoa, unidas à consideração dos contextos
do enunciado, (entenda, por exemplo, a importância de compreender os dêiticos
para significar o discurso, algo já discutido acima!) concretizam o que chamamos de
Análise pragmática das categorias discursivas. Essas, por consequência, podem
constituir a argumentação, algo que entenderemos com mais clareza a partir do
próximo tópico.
Argumentação
A Argumentação para a linguística foi teorizada pelos franceses Jean-Claude
Anscombre e Oswald Ducrot. Para esses, considerando ainda que a língua funciona
dentro dela mesma, sem a influência de elementos exteriores, todo o uso da
linguagem é argumentativo, ou seja, direciona e/ou projeta de maneira ideológica o
seguimento do discurso.
Para compreender melhor a Teoria da Argumentação, vejamos como essa se deu
por meio de fases, que listaremos abaixo:
● 1ª fase: Articulação de enunciados
Nessa fase, os teóricos da Argumentação, segundo Grácio (2015), debruçaram-se
sobre as chamadas “palavras vazias”, as que utilizamos para conectar enunciados,
como por exemplo os conectores logo, mas, portanto, no entanto, etc. A eles foi
atribuída uma valência argumentativa devido sua capacidade de linguisticamente
condicionar o discurso.
Para entender melhor como funciona, observemos os enunciados abaixo:
(1) Esse restaurante é bom, mas caro.
(O operador argumentativo (mas) remete de maneira expectável a sequência do
discurso lógico (não vamos). A argumentação, portanto, está na língua)
● 2a fase: Uso das palavras como “Topoi”:
Considerando ainda o exemplo acima citado, observemos o próprio uso da palavra,
no caso (caro). A escolha dessa palavra, nessa segunda fase, é desde o princípio
argumentativa, já que classifica e, consequentemente, significa, algo ou alguém. Ou
seja, a interpretação parte não só da escolha dos conectores como também da
opção por esta ou aquela palavra que formará o enunciado.
● 3ª fase: Teoria dos blocos semânticos:
Observemos o seguinte enunciado:
Você dirige depressa, corres o risco de sofrer um acidente
Acima, podemos perceber que há um encadeamento discursivo: o primeiro
enunciado < você dirige depressa> gera concomitantemente uma conclusão <
corres do risco de sofrer um acidente>. A possibilidade de encadeamento parte da
conexão entre preposições, que articulam blocos.
Discurso
Uma questão importante que une as três teorias acima trabalhadas - a lembrar: O
Enunciado, a pragmática e a Argumentação- é a questão da língua por ela mesma,
ou seja, não há uma relação exterior, seus significados se encontram dentro dela.
● Por que lembrar dessa concepção em particular é importante? Porque, para
ingressarmos de maneira completa na Análise do Discurso, perceberemos
que os estudos em torno do discurso darão uma nova ênfase a essa anterior
concepção: enunciados e interpretações ultrapassarão os limites do texto
para ganhar possibilidades interpretativas na materialidade histórica.
Como colocado acima, para a teoria do Discurso o sistema linguístico por si só não
encerra significados da linguagem. É preciso, para além do sistema da língua,
observar seu exterior, a história. Orlandi (1998), inclusive, observa que uma das
tarefas do analista do discurso é compreender a relação proposta entre real da
língua x real da história, ou seja, a produção de sentidos parte da relação entre
história e sujeito.
A Perspectiva discursiva, nesse sentido, para Orlandi (1998) considera a língua
como uma estrutura que é regida por leis internas, que se soma aos acontecimentos
circunscritos na história. Assim, o discurso materializa-se na língua. Foucault (2004)
nessa conjuntura, amplia a teoria da Enunciação ao pensar que os enunciados são
pronunciados em um determinado tempo histórico, considerando, aqui, a posição
que o sujeito assumiu e o domínio de determinado conhecimento para produzir
determinado enunciado.
Observemos abaixo o poema “A rosa de Hiroshima”, do poeta e compositor Vinicius
de Morais:
Pensem nas crianças
Mudas telepáticas
Pensem nas meninas
Cegas inexatas
Pensem nas mulheres
Rotas alteradas
Pensem nas feridas
Como rosas cálidas
Mas oh não se esqueçam
Da rosa da rosa
Da rosa de Hiroshima
A rosa hereditária
A rosa radioativa
Estúpida e inválida
A rosa com cirrose
A antirrosa atômica
Sem cor sem perfume
Sem rosa sem nada.
Considerando a Teoria do Discurso, o poema acima, para Foucault (2004) poderia
ser concebido como um constructo de fatores sociais, históricos e institucionais.
Para que esse discurso produzido por Vinícius pudesse ser enunciado, existiu uma
força histórica agindo sobre ele.
● Adaptemos a propositura Foucaultiana: Por que esse poema só surgiu agora
e por que não teria surgido outro em seu lugar? Araújo (2008, p. 220) afirma
que: “[...] para a história das ideias importa o que disse um sujeito, com suas
intenções, ou mesmo com o jogo do inconsciente, de modo que é preciso
resgatar sua palavra, seu texto, como interpretá-lo corretamente.”
Assim, no poema em questão, Rosa de Hiroshima só poderia ter surgido pela
motivação histórica pela qual sofreu Vinícius de Morais, que estava inserido no
momento histórico do fim da Segunda Guerra Mundial, em que o Estado Unido deu
um “Golpe de Misericórdia” no Japão enviando duas bombas atômicas de
proporções catastróficas (metaforizadas pela figura da “rosa”, no poema).
Intencionalmente, o eu-lírico, para a Teoria do Discurso, utiliza do jogo dos
enunciados unido à história, assim: para o contexto do ano de 1945 o poema
produzido por Vinícius é completo: Significa um ato de protesto às atrocidades da
guerra. Dessa maneira, faz sentido Foucault (2004) afirmar que criar enunciados em
dado contexto é ver como as práticas discursivas agem para produzir dizeres; é
entender como surgiu a possibilidade de aparecerem determinados dizeres em
demarcadas épocas.
Até aqui vimos que as teorias da Enunciação, Pragmática e Argumentação são
importantes conceitos chave para embasar a teoria do Discurso, que amplia
questões centrais a perspectiva da linguagem não só como elaborada em si mesma,
mas também como um conjunto de fatores sociais, culturais e históricos, que
permeiam os enunciados produzidos.
Perspectivasteóricas (Significado de Ideologia) segundo: Althusser, Ricoeur,
Foucault, Pêcheux
A ideologia segundo Althusser
Para Sampedro (2010), Althusser trabalhou o conceito de Ideologia com base em
duas vertentes: a primeira, que trata da relação entre a ciência da história e
ideologia, o que chamamos mais especificamente de Materialismo histórico; e uma
segunda, mais prática, em que há uma nova filosofia de produção de conhecimento:
o materialismo dialético. Para Althusser, a ciência da história (pratica teórica)
comporta sobretudo uma parte pré-científica, ou seja, a Ideologia, o que faz com
que correntes científicas como o empirismo, a fenomenologia e a etnometodologia,
por exemplo, são embasadas não só pelo momento histórico que as cercam como,
principalmente, pela corrente de pensamento ideológica que as fez surgir.
Para compreender como isso ocorre, Althusser (1986) estabelece três momentos de
Generalidade, a saber:
Generalidade I:matéria prima ideológica
Generalidade II:Conceitos já construídos
Generalidade III:O conceito científico que parte das duas outras generalidades.
Segundo Althusser, a relação entre ciência e ideologia, mesmo que conflituosa, é
interdependente, já que a ciência surge por meio de pré-noções científicas,
ideológicas. Como coloca Sampedro (2010, p.33):
Se toda ciência nasce e se desenvolve excluindo a ideologia, também é certo que
as noções próprias da ideologia se descrevem como indicadores da ciência, no
sentido de que a ciência produz o conhecimento de um objeto cuja existência está
indicada na região da ideologia. Isso implica que a ideologia seja sempre ideologia
para uma ciência.
Para Althusser, toda e qualquer ciência, principalmente, a da História, possui uma
pré-noção que a fomenta essa parte da ideologia pela qual os cientistas transitam,
mesmo que conscientemente eles neguem tal consideração, ou seja, politicamente
inflexível.
Assim, para esse teórico, mesmo que a ideologia não seja assumida pelas vertentes
científicas (esteja vigente no presente histórico), ela pode, ao menos, exprimir as
atuais situações históricas, já que a ideologia é ao mesmo tempo fechada
teoricamente e politicamente adaptável e maleável. Assim, ela é passível de
mudança, como coloca Althusser (1980, p. 87): “A ideologia muda, pois, mas
imperceptivelmente, conservando, a forma de ideologia; ela se move, mas com um
movimento imóvel, que a mantém no mesmo lugar, em seu lugar e função de
ideologia”
No sentido prático, a Ideologia para Althusser é:
● Um modo de produção, assim como o político, jurídico, etc.;
● Uma estrutura que surge do imaginário social;
● Concomitantemente, as sociedades humanas não podem subsistir sem os
sistemas de representações que, em outras palavras, constituem a ideologia;
● As ideologias históricas mudam, mas estrutura ideológica não: ela
permanece em quais quer tipos de sociedades;
● Dizer “ciência” não é o mesmo que dizer “ideologia”: essa segunda dá-se na
prática teórica, antecede e permeia a ciência elaborada.
Desse modo, segundo Motta & Serra (2014, p. 13):
A ideologia não é, portanto, uma aberração ou uma excrescência contingente da
História: é uma estrutura essencial à vida histórica das sociedades. Tampouco
pertence à região da consciência. Ela é profundamente inconsciente. A ideologia,
para Althusser, é um sistema de representações, mas essas representações na
maior parte das vezes imagens, às vezes conceitos, mas é antes de tudo como
estruturas que elas se impõem aos homens sem passar para a sua “consciência”. A
ideologia refere-se, então, à relação “vivida” dos homens no seu mundo.
● Dessa maneira, a Ideologia é, para Alhusser, a relação entre o homem e seu
mundo. Resta-nos, então, uma pergunta: Como o sujeito, então, emerge
enquanto parte da teoria da Ideologia para esse pensador?
Althusser coloca que há uma relação entre sujeitos: Toda ideologia possui um centro
e nele há um sujeito Absoluto, que ocupa um lugar único, interpelando os outros
sujeitos a sua volta em dupla relação de submissão, ou seja, a troca de lugares
entre sujeitos Absolutos e sujeitos que o cercam. Nesse sentido:
A estrutura duplamente especular da ideologia garante simultaneamente: 1) a
interpelação dos indivíduos como sujeitos; 2) sua submissão ao Sujeito; 3) o
reconhecimento mútuo entre os sujeitos e o Sujeito, e entre os próprios sujeitos, e o
reconhecimento do sujeito por si mesmo; 4) a garantia absoluta de que tudo está
bem assim, e sob a condição de que tudo está bem assim, e sob a condição de que
se os sujeitos reconhecerem o que são e se conduzirem de acordo tudo irá bem:
‘assim seja’” (Althusser 1976, pp. 118-119).
A ideologia segundo Ricoeur
Antes de mais nada, é imprescindível saber que a teoria da Ideologia, para Ricoeur,
associa-se à Literatura. Dessa maneira, esse pensador parte da Hermenêutica
literária para compreender os mecanismos ideológicos.
Para Ricoeur (1991,2008), a ideologia entra em pauta quando o compreender-se
diante de uma obra literária se faz enquanto apropriação e desapropriação de
significações ao mesmo tempo. Assim, para Pegino (2006), a apropriação simbólica
de um mundo que existe e é significante passa a fazer parte da relação do ser com
o mundo, e constitui-se em elemento central no processo de compreender-se diante
da obra. Portanto, a apropriação dos significados de uma obra acontece por meio da
compreensão de uma ideologia que permeia o contato entre leitor-literatura.
Entretanto, para Ricoeur a Ideologia pode trazer consigo duas armadilhas: a
primeira refere-se à definição inicial de conceito, que poderia gerar um status de
poder, algo que o teórico rebate ao colocando em xeque a rejeição da ideologia em
termos de classe social (Atente para o fato de que Ricoeur tenta afastar-se de uma
análise marxista da Ideologia); a segunda trata do estatuto epistemológico da
Ideologia. No caso dessa segunda armadilha, para Pegino (2006, p.8):
Ricoeur abdica da perspectiva positivista de ciência como o lugar por excelência da
liberdade das amarras da ideologia. Ainda mais quando esse lugar é utilizado como
porto seguro daqueles que, advogando em prol de sua própria (pretensa)
objetividade e neutralidade, denunciam a ideologia de outras formas de
conhecimento filosófico. Com esforço, Ricoeur resvala na denúncia entre ciência e
interesse levada a cabo pela Escola de Frankfurt.
Assim como Althusser, Ricoeur acredita que toda ciência parte de uma ideologia,
mesmo que essas afirmem que agem com neutralidade. Dessa maneira, para os
dois pensadores, toda produção científica tem bases ideológicas.
Partindo desses pressupostos, Ricoeur constrói o seu próprio conceito de Ideologia
que se baseia em três etapas, a saber:
1. A ideologia precisa ser apreendida por meio de sua dimensão integradora,
originando o primeiro nível ideológico: “A ideologia é a função de distância
que separa a memória social de um acontecimento que, no entanto, trata-se
de repetir” (Ricoeur, 2008 p. 78). Por meio da integração a ideologia pode
ser:
○ Elemento mobilizador;
○ Elemento justificador;
○ Dinâmica: motiva, justifica e compromete;
○ Opinativa, não crítica: “[...] uma ideologia é operatória, e não temática.
Ela opera atrás de nós, mais do que a possuímos como um tema
diante de nossos olhos. É a partir dela que pensamos, mais do que
podemos pensar sobre ela” (Ricoeur, 2008, p. 80).
2. A Ideologia possui uma função de dominação, visto que ela integra um
sistema de autoridade (de vertente Werberiana, não Marxista) que pede
legitimação, e essa legitimação só pode ser dada pela crença dos indivíduos.
Para entender essa questão de dominação e como ela difere-se da vertente
Marxista, Pegino (2006, p.10) coloca que:
A dominação, em sua relação com as tipificações de autoridade weberiana, é
um elemento por certo desejado pelo grupo (correspondendo à oferta de
crença), pois também possui um elemento integrador e há uma relação de
pertença do nível integrador no nível da dominação, donde se apreende, na
teoria ricoeuriana, que essa relação não é, em si, danosa,mas se dá em
termos de equilíbrio e desiquilíbrio.
Dessa maneira, a concepção de Ricoeur sobre dominação está baseada em
uma relação mútua entre dominador e dominado, na qual dominado sente-se
como pertencente natural àquela ideologia.
3. A ideologia possui caráter deformativo. Aqui, Ricoeur faz uso do conceito
Marxista da deformação do mundo, de um mundo invertido. Como exemplo,
para Ricoeur, temos a religião, em que a imagem é o real e o que ela reflete é
o original. Ou seja, a religião impõe uma ideologia, por meio de seu conteúdo,
que é inversa a outras tantas.
Por fim, vale deixar marcado para vocês, alunos (as), que o conceito de Ideologia
Ricoeuriana é sempre correlacionado ao Marxismo, como vimos no decorrer desse
estudo.
A Ideologia segundo Foucault
● Caro aluno (a), para entender é ideologia segundo Foucault é preciso saber,
antes de mais nada, que esse estudioso não a supervaloriza. Vamos
descobrir o porquê?
Para Benevides (2013), Foucault elenca três razões pelas quais a Ideologia é
“Dificilmente utilizável” (FOUCAULT, 1998, p.7) que seriam:
1. “Queira-se ou não, ela [a noção de ideologia] está sempre em oposição
virtual a alguma coisa que seria a verdade” (FOUCAULT, 1988, p.7). Ou seja,
Foucault separa Ideologia de verdade;
2. A ideologia sempre estará vinculada ao sujeito, e esse, geralmente, possui
uma série de constructos que baseiam sua escolha por algum tipo de
Ideologia;
3. A terceira se refere ao caráter periférico, derivado, acessório, da noção de
ideologia em relação com a realidade, o mundo material. Assim, para
Foucault, a Ideologia seria um termo frágil para fundamentar as relações de
poder.
Isso acontece posto que, para Foucault, mais do que Ideologia, as relações sociais
são regidas pelo que ele chama de “Verdade e Poder” Foucault (1988, p. 13). Esse
estudioso evidencia que “é preciso pensar os problemas políticos dos intelectuais
não em termos de ‘ciência/ideologia’, mas em termos de ‘verdade/poder’”. Dessa
maneira, apesar de a Ideologia ser parte significativa das relações de poder, ela
jamais será uma estrutura fundamental.
Logo, diferentemente dos outros estudiosos acima referidos, a relação entre História
e Ideologia para Foucault não é uma relação primária para entender o movimento
da sociedade. Como aponta Valeirão (2012, p. 9):
Seria equivocado entender os eventos históricos somente sob o peso da ideologia já
que esta, em última instância, diz respeito a uma idealização nobre e vaga que tenta
explicar o desenvolvimento da História como se os objetos determinassem as
práticas e os discursos, e não o contrário disso. Eis porque a metodologia de análise
da História, para Foucault, prima pela problematização dos discursos e das práticas
ao invés do desvelamento sob o peso das ideologias.
Desse modo, para Foucault, a Ideologia não é a mola propulsora para entender a
história, antes, parte secundária, um termo acessório, que contribui para
compreensão das relações de dominação sociais.
A Ideologia segundo Pêcheux
Para Pêcheux, a Ideologia tem ligação direta com os modos de produção.
Considerando que, nos modos de produção, sempre a um lado responsável pelas
forças produtivas e outro, responsável pelas relações de produção, o estudioso
divide sua interpretação de Ideologia em duas, acompanhando a essa divisão dos
modos de produção. Seriam elas:
1. Ideologia do tipo “A”: Análise dos produtos como resultantes da prática
técnica com base no empirismo (As forças produtivas). Aqui, a referida é um
meio de recombinar discursos anteriores como meio de criar um novo
“discurso original”;
2. Ideologia do tipo “B”: Condições para a prática política (As relações de
produção). Nesse tipo, a Ideologia é um meio de produção e manutenção de
diferenças necessárias entre as classes sociais, com foco em uma
especificamente: O trabalhador e o não trabalhador.
Para Siqueira (2017), mais do que dividir a ideologia em duas partes “puras”, há de
se ter noção das condições de surgimento de cada elemento. Assim:
Em relação ao processo de produção, a ideologia opera sob o que Pêcheux chama
de “realização técnica do real”, “sob o controle de uma ideologia da forma
técnica-empírica que assegura o sentido do objeto produzido”[3]. O efeito ideológico
de tipo “A”, assim, se refere à forma empirista da ideologia, que tem como objetivo
ligar a significação à realidade, manter uma correspondência “correta” entre ambos.
[...]. Em relação às relações sociais de produção, a ideologia opera sob a forma
especulativafraseológica, já que tem como função assegurar aos agentes de
produção sua posição destinada pela formação social. A ideologia de tipo “B” atua
como condição indispensável das práticas políticas e essas, por sua vez, têm no
discurso, a forma de sua transformação. (SIQUEIRA, 2017, p. 3).
Para Pêcheux, a Ideologia está no campo das relações sócio econômicas e,
portanto, considerando as diversas divisões sociais, sua perspectiva ideológica
tanto refere-se à questão de a ideologia permear os sentidos que se pretende
formar com a realidade; bem como, numa perspectiva política, é força maior para a
elaboração dos discursos que demarcam as classes sociais.
Nesse capítulo vimos quatro tipos de Ideologia, a saber: A teoria da Ideologia
segundo Althusser, que gira em torno da consideração de que o sujeito está em
constante relação com o mundo em que está inserido; a perspectiva de Ricoeur, que
evidencia a questão da dominação pela Ideologia; A Ideologia segundo Foucault,
que para ele é uma parte secundária, um termo acessório, que contribui para
compreensão das relações de dominação sociais; e, por fim, a Ideologia para
Pêcheux, em que essa se encontra no campo das relações sócio econômicas e, por
isso, é a força maior para elaborar discursos que demarcam classes sociais.
Perspectivas da Análise do Discurso de linha americana (Givón); Análise do
Discurso de Linha francesa (Foucault, Pêcheux); Análise crítica do Discurso
De antemão, é importante salientar que os dois primeiros pontos tratarão da grande
divisão da Análise do discurso: americana x francesa, e que, segundo Orlandi
(2005, p.78) essa divisão não é meramente geográfica:
Do lado da americana (...) está a tendência de uma declinação
linguístico-pragmática (empirista) da análise de discurso com um sujeito intencional,
e do lado europeu a tendência (materialista) que desterritorializa a noção de língua
e de sujeito (afetado pelo inconsciente e constituído pela ideologia).
Análise do Discurso de Linha americana (Givón)
Se a Análise do Discurso americana está para uma tendência empírica, ela se
baseia, portanto, no funcionalismo da linguagem. Dessa maneira, a Análise do
Discurso de Givón tem por alicerce a consideração de que a língua é um
instrumento social, meio pelo qual os indivíduos interagem, se comunicam.
Com a publicação de From Discourse to Syntax (1979), Talmy Givón propõe que
todo enunciado (as chamadas sentenças sintáticas) pode ser analisadas por meio
da investigação de suas motivações discursivas, ou seja, a estrutura do enunciado é
resultante direto dos componentes do discurso e, assim, inserese no universo maior
da Análise do Discurso.
Por conseguinte, segundo Martins (2009), o contexto do discurso ganha visibilidade
enquanto motivador para a produção linguística: Só formamos enunciados partindo
de objetivos que estão no plano do discurso (as intenções, as práticas, etc.) no uso
da língua. Para Givón (1979), a pragmática do discurso tem papel fundamental na
explicação da sintaxe linguística, assim, para o pensador, a sintaxe é dependente,
motivada funcionalmente pelos processos de cognição e comunicação.
Para esclarecer melhor essa perspectiva, Givón (1979) estabelece dois polos da
modalidade comunicativa: O pragmático e o sintático, ambos visando a
funcionalidade da linguagem. A gramática, posto isso, é construída por meio do
discurso, baseando-se seu uso na concretização desse pelos falantes.
A linguagem, nesse âmbito, torna-se um sistema de interação social. Enquanto
Analistas do Discurso, para

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