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A linguística imanente versus linguística do discurso A linguística imanente Desde a antiguidade, o homem passa por motivações práticas que o leva a refletir sobre a estrutura das línguas e seus usos. Apesar de Pêcheux (1990, p.38) afirmar que a “reflexão sobre a linguagem não tem evidentemente, começo histórico assimilável”, desde o antigo Egito, passando por Fenícios e Hindus, além de outros povos, o registro escrito é problematizado pela tomada de consciência, geralmente empírica, da estrutura da língua para fins de comunicação. Essa realidade nos leva a compreensão da imanência da língua, ou, mais propriamente, sua realidade material. Formalmente, a linguística imanente está para a “teoria da linguagem”, como coloca o dinamarquês Hjelmslev, em seu livro “Prolégomenès à une théorie du langage” (Prolegômenos a uma teoria da linguagem). Como, então, consideramos as Linguística Imanente nos dias de hoje? Hoje em dia, a linguística Imanente é um dos princípios do que chamamos mais comumente de Linguística formal, que antecede e ilumina o posterior surgimento da Linguística do discurso. Em se tratando de Linguística formal, é necessário compreender que essa concebe a língua enquanto estrutura. Sendo assim, “A língua é entendida como um objeto autônomo independente das intenções de uso e da situação comunicativa (MALELOTTA, 2008, p.87). No contexto formalista, surgiram duas vertentes: O estruturalismo, do suíço Ferdinand Saussure, que inaugura a Linguística moderna; e o Gerativismo, do norteamericano Noan Chomsky (1957). Estruturalismo Preparado (a) para conhecer o famoso “Pai da linguística moderna”? Vamos lá! A teoria Saussuriana ganha espaço nos estudos linguísticos por meio da publicação póstuma do “Curso de Linguística geral” (1916), um compilado de escritos de Saussure efetivado por seus alunos Charles Bally e Albert Sechehaye. Para Fiorin (2002), apesar de, no livro, não estar claramente exposto dessa forma, os estudiosos costumam dividir a teoria saussuriana em quatro princípios ou dicotomias, são elas: Sincronia versus Diacronia Indo de contra ao estudo da evolução histórica das línguas, a diacronia, (vigente até fins do século XIX), Saussure prioriza a descrição sincrônica, objetivando descrever a estrutura de uma determinada língua em seu recorte temporal, sem levar em consideração seu processo evolutivo. Sobre essa perspectiva, Fiorin (2002, p. 79) comenta que: Contrariamente ao estudo da mudança linguística, o ponto de vista sincrônico vê a língua como um sistema em que um elemento se define pelos demais elementos. No estudo sincrônico, um determinado estado da língua é isolado de suas mudanças através do tempo de e passa a ser estudado como um sistema de elementos linguísticos. Esses elementos são estudados não mais em suas mudanças históricas, mas nas relações que eles contraem, ao mesmo tempo, uns com os outros. Língua versus fala Saussure elege a língua como seu objeto de estudo na linguística, já que a considera sistêmica e coletiva. Para ele, a língua define-se enquanto um sistema composto por signos linguísticos, encadeados para formar um todo organizado em que cada signo é interdependente e definido por sua ordem e função. Significado versus significante Para o estudioso, essa é a dicotomia mais importante, posto que forma o signo linguístico acima mencionado. Para Saussure tudo é signo, já que tudo significa algo. Sendo assim, significante seria a imagem acústica, material, de algo, como por exemplo escrever a palavra “computador”. Já o significado é o conceito imaterial disso, ou seja, as interpretações que competem a esse signo: aparelho tecnológico; meio comunicacional, etc. Sintagma versus paradigma O Paradigma é o conjunto de componentes do qual o sujeito pode se valer para compor seu enunciado; já Sintagma é a escolha. Por exemplo, um sujeito pode dizer “A água está fria”. A palavra “fria” poderia facilmente ser substituída por “temperatura”, por exemplo. No entanto, a escolha feita foi “água”, o que caracteriza o eixo do sintagma. Já os outros termos como “temperatura”, etc., que poderiam ser escolhidos, constituem o paradigma Como vimos, o Estruturalismo Saussuriano pode ser pensado como o estudo da língua enquanto um sistema fechado em si mesmo, sem interferência de fatores extralinguísticos como o contexto situacional, dentre outros. Críticas à parte, o Estruturalismo influenciou diversas vertentes da produção de conhecimento linguístico no decorrer do século XX. Gerativismo A partir da segunda metade do século XX, surgiu uma nova abordagem linguística, o Gerativismo. Formulado pelo linguista Chomsky, manifestou-se como uma nova proposta de investigação da linguagem. Esse estudioso optou por uma postura racionalista para formular sua teoria dos estudos linguísticos. Para Chomsky (2005), a língua deve ser estudada de forma lógica e abstrata. Nesse contexto, essa passa a constituir um sistema de regras e princípios compostos na mente humana, considerando que qualquer sujeito exposto a um ambiente apropriado pode adquirir (a gramática de) qualquer língua. Pragmático, Chomsky tem como base da gramática gerativa três questões básicas, a saber: “a) O que constitui o conhecimento da Língua? b) Como é adquirido o conhecimento da Língua? c) Como é usado o conhecimento da língua?” (CHOMSKY, 1994, p.23). A resposta a essas questões, para o pesquisador, está na mente humana, que possui uma gramática internalizada, explicada de duas maneiras: Gramática enquanto dicionário mental de formas da língua; gramática enquanto sistema de regras e princípios que atuam sobre as formas. Nesse ínterim, a gramática une-se com os demais sistemas conceituais mentais para articular o som. No processo formal, as expressões primeiro passam pelas regras para só depois ganharem significação. Para o Gerativismo, o ser humano nasce com um conjunto de princípios relacionados ao funcionamento da língua, ou seja, a aquisição da linguagem torna-se uma herança genética. Se genético, portanto, comum entre todas as línguas. Assim, a abordagem gerativa busca as características gerais da linguagem, explicando e descrevendo propriedades que compõem o que o Chomsky chama de Gramática Universal (GU). Considerado um dos maiores teóricos contemporâneos, Chomsky contribuiu de diversas maneiras para os estudos linguísticos. Apesar de formalista tal como Saussure, o estudioso não concorda com a concepção de que a língua é uma convenção social, mas sim um fenômeno biológico humano. Ambos, Saussure e Chomsky, aproximam-se quando consideram a língua uma forma homogênea e idealizada. No entanto, diferem-se quando, por exemplo, para o primeiro, a língua é um conjunto de signos sociais; enquanto que, para o segundo, ela é um conjunto de sentenças formuladas com bases biológicas. A linguística do discurso A linguística do discurso ultrapassa os limites da linguagem enquanto um sistema formal, passando a valorizar os usos da língua em situações reais de comunicação, além das relações entre função e forma. Ou seja, para a Linguística do discurso a língua é uma estrutura formal perpassada por realidades subjetivas tanto históricas quanto sociais, que influenciam e são influenciadas pelo sistema. Essa nova perspectiva motivou o surgimento de diversas vertentes que, apesar de suas particularidades, de uma maneira geral: (...) considera a língua em uso, observando os fenômenos de variação e mudança linguísticas, as interpretações face a face (e de outros tipos) entre falante e ouvinte, as influências sociais e psicossociais na estrutura da língua, a ideologia e a construção da subjetividade, os atos de fala no lugar de frases e sentenças verdadeiras e gramaticais, as implicaturas conversacionais entre outros fatores. (MARTELLOTA, 2008, p.88) Dentre muitas vertentes, ressaltaremos duas das principais, a saber: a Linguística cognitiva e a Sociolinguística variacionista, refletindo proximidades e distanciamentos em relação ao paradigma formalista. Linguística Cognitiva O que seria a Linguística cognitiva?Surgiu no final da década de 1970, na Califórnia, a Linguística Cognitiva, resultante de rupturas teóricas de alguns dos gerativistas. Nesse período, se destacaram nomes como George Lakoff e Charles Fillmone. Com o tempo, essa abordagem passou a ser chamada de Sociocognição, visando destacar o poder do contexto social para a linguagem (já não mais autônoma): Cultura e sociedade como bases da cognição humana, da compreensão do mundo. Portanto, essa vertente não separa conhecimento linguístico do conhecimento não linguístico, assumindo uma postura que vai de contra a visão racionalista do gerativismo. Para a Sociocognição, os interlocutores são o centro da construção de sentido, ou seja, a comunicação entre indivíduos em situações reais de interação discursiva é o ponto chave. A linguagem deixa de ser um sistema que independe do falante ou um conjunto de regras finitas e ganha uma dimensão social e cognitiva cuja função é possibilitar a seus usuários meios para reportar o discurso alheio, influenciar outras pessoas, narrar acontecimentos, fazer avaliações, ser impreciso, falsear informações, predizer o futuro, expressar sentimentos. (SALOMÃO, 199, p.65) Para Lakoff & Johnson (1999), a mente não é separada do corpo, assim, muitos dos significados se dão por meio da estrutura corporal humana, chamados teoricamente de pensamentos corporificados. Aqui, consideramos a soma da inferência conceptual à inferência sensório-motora. Quando usamos expressões relativas ao espaço, sendo que esse significa tempo. Vejamos: Dias atrás estive em São Paulo Temos acima, originalmente, a palavra “atrás” como um referente espacial (atrás de algum lugar, posicionamento). No entanto, no contexto dessa oração a palavra sublinhada refere-se a um tempo anterior, sensorial. Como vimos, a mente humana desenvolve um processo de reelaboração de informações que surgem inicialmente de domínios cognitivos distintos. A esse processo damos o nome de “mesclagem”, em que relações sintáticas abrem margem para os aspectos semânticos, em busca de sentido (s). Observe a figura abaixo: Figura 1: Modelo esquemático do processo de mesclagem conceptual Baseado em Fouconnier e Turner Segundo Fouconnier e Turner (2002), esse processo se dá por pelo menos a conexão de quatro domínios: dois inputs de entrada; um esquema genérico (possibilidade de interação) e a mescla (o novo significado). Podemos perceber, portanto, que a Sociocognição ultrapassa o Formalismo em diversos aspectos. Dentre eles, a crítica à limitação gerativa, posto que apesar de se aproximar das ciências cognitivas, o Gerativismo entende a linguagem como autônoma, priorizando a sintaxe, enquanto que a Sociocognição valoriza a semântica por meio da utilização dos sentidos para o processo de construção da linguagem. Por fim, enquanto que na linguística formal o sujeito é irrelevante, na Sociocognição o sujeito é o centro na construção de sentido, ou seja, o homem significa o mundo de acordo com suas experiências pessoais, sociais, econômicas e culturais. Sociolinguística Variacionista As pesquisas em torno da Variação linguística surgiram nos Estados Unidos na década de 60, pela iniciativa de Willian Labov. Para Labov (2008), um dos principais intuitos dessa nova perspectiva é identificar, descrever e interpretar as variações da língua levando em consideração grupos étnicos, etários, regionais, de gênero, etc., que compõem a sociedade. Segundo Wenreich, Labov & Herzog (2006), a sociolinguística enfoca a língua em seu contexto usual. Para tanto, torna-se relevante aspectos linguísticos formais, sociais e culturais quando da necessidade de investigação sobre variações e mudanças linguísticas, principalmente pela consciência de que a variação em seu uso não ocorre de maneira aleatória, mas sim condicionada por um arcabouço de regras organizadas pela divisão social em classes. É possível identificar, primeiramente, dois grandes grupos: O da norma padrão, linguagem de prestígio social, regida, comumente, pelo domínio da gramática normativa, geralmente trabalhada de maneira intensiva nos ambientes escolares, principalmente por estar articulada, sobretudo, à ascensão social dos indivíduos; e a norma não padrão, geralmente estigmatizada por não oferecer os mesmos acessos socioeconômicos que a padrão disponibiliza aos sujeitos. No combate a construção de estigmas linguísticos, a Sociolinguística elege a diversidade linguística, que considera não só as regras da língua como, sobretudo, as relações de poder. Essa consideração é resultado da ciência da língua enquanto instituição social locada historicamente e que, por isso, funciona em diversos contextos situacionais. Vejamos a tirinha abaixo: Chico Bento é um personagem cujo modo de falar difere da norma culta padrão, já que caracteriza, em sua fala, uma variação regional. A tirinha, para registrar esse modo de fala, reproduz a linguagem proveniente do contexto social a que ele está inserido. No diálogo com a professora (que domina a norma padrão, o que lhe garante status social para exercer o cargo que ocupa) percebemos que o “susto” dela se deve não aos supostos “erros” linguísticos cometidos por Chico, mas sim, pela sua esperteza em se livrar da hipótese de um castigo, revelando a compreensão da professora não só do uso oral da língua, como também o domínio das Variações linguísticas. Em relação ao Estruturalismo, a Sociolinguística se aproxima dessa linha de pensamento ao, como Saussure, considerar a linguística como um fenômeno social. Apesar disso, as diferenças são mais reconhecíveis. Dentre elas, o fato Sociolinguística Variacionista fazer uso de uma reflexão diacrônica (diferentemente de Saussure) já que essa valoriza os processos sócio históricos influenciadores das mudanças da língua. Além disso, diferentemente do Gerativismo, para a Sociolinguística é fundamental a coleta do maior número de dados de falantes possível em situações de fala reais, por meio de recursos de áudio. Para aprofundar seus conhecimentos em torno da Sociolinguística, recomendamos os livros “A língua de Eulália”, bem como “Preconceito linguístico”, ambos de Marcos Bagno. A língua enquanto objeto da linguística - consequências dessa perspectiva teórica Anteriormente vimos que Saussure, considerado “pai” da Linguística moderna, em suas dicotomias, privilegia a língua, já que essa “é um sistema supra individual utilizado como meio de comunicação entre membros da sociedade” (COSTA, 2008, p.116). Ela se faz, para o estudioso, enquanto parte essencial da linguagem, posto que, sem ela, é impossível conceber o contato entre indivíduos de uma mesma sociedade, daí surge seu caráter social. A fala, nesse contexto, tem um papel secundário, já que é considerada específica de cada indivíduo. Aprendemos, no decorrer dos estudos entre Linguística imanente e Linguística do Discurso que a língua, bem como a fala, tomam maiores amplitudes conceituais que ultrapassaram as concepções estabelecidas por Saussure, conforme os estudos linguísticos foram avançando durante o século XX, o que não tira de Saussure a iniciativa ter colocado a língua como um dos principais objetos da linguística moderna. A partir de Saussure, muitos estudiosos debruçaramse sobre o estudo da língua. Dentre eles temos o linguista francês Èmile Benveniste, e porque vamos enfocá-lo? A escolha por esse teórico justifica-se, pois, apesar de partir de Saussure, ele conseguiu ampliar a concepção de língua por meio da possibilidade de análise de sua particularidade à luz de outras grandes ciências, como a Psicologia social, Filosofia, Pragmática e a Antropologia, por exemplo. Assim, Benveniste contribuiu de maneira significativa para o legado da língua e para consequências positivas no sentido da ampliação desse conceito no âmbito da linguística. Vamos conhecê-lo? Vejamos o trecho a seguir: Não atingimos nunca o homem separado da linguagem e não o vemos nunca inventando-a [...]. É um homem falando que encontramos no mundo, um homem falando com outro homem, e a linguagem ensina aprópria definição do homem (BENVENISTE, 2005, p. 285) Ou seja, para Benveniste a linguagem é natural, compõe a natureza humana, portanto, é nela que se faz o sujeito, é por meio dela que se pode emergir um “eu”, subjetivo, consciente de sua existência. A subjetividade é, para o linguista, norte para a compreensão da linguagem e, por isso, daremos ênfase a ela agora. A subjetividade da Linguagem Para compreender a concepção do homem enquanto sujeito, Benveniste elabora uma relação dialética em que o “eu” cria uma interdependência com o “tu”, chamada de “eco”. Essa polaridade constituída torna-se a condição fundamental da linguagem, já que existe no homem para fazê-lo sujeito, na medida em que o “eu”, marca absoluta de subjetividade, é transcendente ao “tu”, ou seja, necessita de um tu para estabelecer sua existência. É nesse ponto que Benveniste concebe a língua enquanto categoria de maior importância enunciativa. Isso porque “eu” e “tu”, pronomes pessoais existentes em todas as línguas, não existem por si mesmos, mas sim, pela atribuição de uma referência. Em outras palavras, Benveniste quis dizer que o “eu” não existe sozinho, há a necessidade de um outro, o “tu”, para afirmar a existência do sujeito e vice-versa, portanto, é a língua, na enunciação, que concretiza a existência. Na subjetividade da linguagem os pronomes “eu” e “tu” são essenciais. Vejamos esta colocação de Juchem (2008, p.17): Esses pronomes, assim como outros indicadores autorreferenciais, diferem de todos outros signos linguísticos por terem como referência o sujeito que enuncia e a instância de discurso em que são enunciados. Eu e tu só têm referência na “realidade do discurso”, sendo o eu a pessoa que enuncia a instância de discurso que diz eu em referência a um tu, dada a situação de alocução. Eu e tu sofrem um duplo processo: de eu referente enquanto enunciado e de eu referido enquanto tu enuncia, assim sucessivamente. Pode-se dizer que eu e tu transitam entre os locutores nas instâncias de discurso porque se pressupõem. Portanto, “eu” e tu”, instituídos pela língua, constituem, por meio da linguagem, o sujeito e seu interlocutor e vice-versa. Para Benveniste (2005), a subjetividade reside na ciência de que o “eu” só existe quando tem consciência de si por meio da enunciação, permitindo ao “tu” que esse também seja “eu”, como um retorno. Para esclarecer essa concepção, vejamos a tirinha a seguir: Repare que o “eu” e o “tu” trocam de posição durante o diálogo, e é exatamente a essa consciência subjetiva da existência de dois indivíduos por meio da língua, ou seja, eles existem por meio da linguagem. Além dos pronomes pessoais supraditos, Benveniste (2005) conclui que há, nas instâncias do discurso, enunciados que rementem ao que chamamos de situações objetivas, representadas pela terceira pessoa, assim, “o membro não marcado da correlação de pessoa [...] sendo o único modo de enunciação possível para as instâncias de discurso que não devam remeter a elas mesmas” (ibid., p. 282). Exemplificando, existem quatro propriedades que diferenciam a terceira pessoa “ele”, do “eu” e “tu”: a) de combinar com qualquer referência de objeto; b) de não refletir a instância de discurso; c) de ter uma grande variação pronominal ou demonstrativa; d) de não se equiparar ao aqui-agora. Nesse contexto, o pronome “ele” “não remete a nenhuma pessoa, porque se refere a um objeto colocado fora da alocução. Ele só existe e se caracteriza por oposição a pessoa eu. (BENVENISTE, 2005, p. 292). Até agora vimos que, para Benveniste, uma das formas de organização da língua se dá pelo par dialético eu/tu, que subjetivamente constitui sujeitos quando esses enunciam. Além do par opositivo eu/tu, Benveniste elege também, para a organização das línguas, a noção de tempo. Se é no exercício da língua que encontramos sua subjetividade, logo, o tempo é presente a todo instante, posto que é “O tempo em que se fala”. É no presente em que se manifesta o “eu” e tudo atribuído a ele. O tempo, portanto, marca o aqui-agora da linguagem. Figura 2 – Os tempos Acima, temos o quadrinômio eu-tu-aqui-agora, representado pelo quadro da enunciação, perspectiva basilar dos estudos da língua propostos por Benveniste que veremos com mais profundidade a seguir. A enunciação Para Benveniste, a enunciação é definida como “o colocar em funcionamento a língua por um ato individual de utilização” (BENVENISTE, 2006, p. 82). Ou seja, enunciar é o ato de colocar a linguagem em funcionamento. Segundo Juchem (2008, p.18), ela é vista por meio de três principais aspectos: a. o primeiro remete à realização vocal da língua, possível por um ato individual no interior da fala, sendo que, nem mesmo para o mesmo sujeito essa realização é idêntica, ainda que sobre a mesma experiência vivida; logo, a irrepetibilidade da enunciação ocorre até para o próprio locutor; b) dessa produção individual decorre o segundo aspecto, que supõe “a conversão individual da língua em discurso”, processo definido como semantização da língua, segundo Benveniste (ibid., p. 83)11; c) a terceira abordagem pretende traçar um quadro formal da enunciação sob consideração do ato em si, as situações e os instrumentos de sua realização. Essencial para a existência da enunciação é o interlocutor: sem ele só há apenas uma possibilidade de língua, não o ato concreto. Entretanto, o interlocutor só existe se houver, da parte do locutor, uma apropriação da língua que estabelece um movimento de referência e correferência, já que um pede o outro, um “tu”, uma via de mão dupla. Em outras palavras, é na enunciação que o “eu” apropria-se da língua, concretizando-se no tempo, o presente. Para Benveniste (2006), passado e futuro não fazem parte da enunciação, pois o enunciado é sempre atualização. Assim, o tempo é sempre presente, contínuo e coextensivo, um aqui-agora que só existe pelo ser. Dessa maneira, podemos entender a referência como importante para o enunciado, já que o “eu” se encontra no centro da língua, marcado pelo presente. Nesse âmbito, se toda língua perpassa o sujeito, toda ela tem referenciação, ou seja, todos os signos estão ligados ao “eu” e são, portanto, referenciais. A língua, na teoria da enunciação, é sempre referência, não diretamente ao mundo, mas sim em relação ao sujeito com o mundo. Se a língua é referência, como, então, os signos são referenciados na enunciação? A resposta é simples. Para Benveniste há, na língua, um aparelho de “funções”, que se adequa ao contexto comunicacional da enunciação. Essas funções são a intimação, interrogação e asserção, e todas denotam sentidos específicos de comunicação. O quadro formal da enunciação, para Benveniste, é o eutu-aqui-agora, considerando índices de pessoa, espaço/tempo, referindo-se, sempre, a enunciação. Flores e Teixeira (2005, p.36) esclarece que “o aparelho formal da enunciação é uma espécie de dispositivo que as línguas têm para que possam ser enunciadas. Esse aparelho nada mais é que a marcação da subjetividade na estrutura da língua”. O aparelho pode ser sempre universal, porém, seu uso é sempre individual, mesmo que o propósito da teoria enunciativa não seja o sujeito em si, antes, as suas marcas no ato da enunciação. Tem curiosidade em entender ainda mais sobre o processo de enunciação de Benveniste? Acesse Colocadas as concepções de Benveniste sobre a língua, resta-nos a pergunta: Quais as consequências dessa perspectiva teórica? Podemos listar algumas, vejamos: 1. Diferentemente da linguística formal, Benveniste reconhece o sujeito como pertencente ao sistema da língua; além disso, o linguista considera a natureza da subjetividade, marcando a necessidade de reconhecer a língua enquanto instância(s) do discurso, não apenas um repertório de signos como outrora colocado por Saussure; 2. Benveniste atribui à língua o status de significação, que só se dá por vias do discurso, ou seja, na enunciação. Flores (2008, p. 12) exemplifica com clareza essa perspectiva quando diz que “É no uso da língua que um signo tem existência; o quenão é usado não é signo; e fora do uso o signo não existe. Não há estágio intermediário; ou está na língua, ou está fora da língua”; 3. Para Benveniste o foco é o sujeito, é ele quem atualiza o sistema linguístico, articulando e significando. Desse modo: 4. A língua - Subjetividade Sujeito - Intersubjetividade (Relembramos aqui a relação interdependente entre os pronomes pessoais “eu” e “tu”) Por fim, Benveniste inaugura um pensamento novo sobre a língua: A enunciação, que contribuirá, mais a frente, para os pressupostos da Análise do Discurso estudada na contemporaneidade e proposta por essa disciplina. 5. O discurso enquanto objeto de estudo da linguística (A análise do discurso) – consequências dessa perspectiva teórica Até então, os capítulos anteriores propuseram um percurso dos estudos linguísticos até que pudéssemos chegar, de maneira mais clara, ao ponto central de nossa disciplina: A Análise do Discurso. Vamos conhecê-la? Como vimos anteriormente, existem muitas maneiras de estudar a linguagem: a língua enquanto sistema de signos; as diferentes normas de linguagem (lembremos da norma culta e da variação linguística); a enunciação, dentre outras. Essa variedade expõe muitas maneiras de significar, e foi a partir dessa ciência que surgiu a Análise do Discurso. O que seria então, caro aluno (a), a Análise do Discurso? Considerada enquanto uma teoria política de Leitura, A análise do Discurso nasce na França na década de 1960, tendo como Fundador o estudioso Michel Pêcheux. Para Orlandi (2007 p. 15) essa perspectiva, como seu próprio nome refere: Não trama a língua, não trata da gramática, embora todas essas coisas lhe interessem. Ela trata do discurso. E a palavra Discurso, etimologicamente, tem em si a ideia de curso, de percurso, de correr por, de movimento. O discurso é assim palavra em movimento, prática de linguagem: com o estudo do discurso observa-se o homem falando. (Grifo nosso). Ou seja, a Análise do discurso, diferente de algumas das concepções anteriores, não trabalha com a língua na qualidade de um sistema abstrato. Ela procura entender a língua enquanto sentido (s), como um trabalho simbólico, parte constitutiva do homem e da história desse. Nesse âmbito, por meio dessa perspectiva surge a oportunidade de entender o que faz o homem ser o que é, compreender sua capacidade de significar e significar-se. Portanto, na Análise do Discurso a linguagem (o discurso) torna-se mediadora entre o homem e sua realidade individual e social. O que interessa à Análise do Discurso é o movimento: as maneiras de significar; pessoas se comunicando e trocando experiências, compreendendo sentidos, compreendendo seu lugar na sociedade, por meio da interpretação. Se o meio em que o discurso é produzido é significativo, vale à Análise do Discurso a consideração da linguagem à sua exterioridade. Assim, ela se materializa na ideologia, ou seja, ela tem, em parte, uma ordem própria (as regras de uso, as gramáticas); em outra, uma relativa autonomia (o campo da semântica, das possibilidades de interpretação). Para compreender melhor a questão ideológica, atentemos para a charge abaixo: Se analisássemos a charge acima à luz de unicamente de seu conteúdo, leríamos de maneira literal, e seu objetivo (a crítica à corrupção por meio da sátira), não seria atingido. A Análise do Discurso propõe olhar o texto acima unindo sentidos e contexto situacional, considerando a compreensão da ideologia que lhe cerca: a linguagem pode sugerir múltiplos efeitos de sentido em um único texto. Assim, essa perspectiva sugere interpretar as linguagens que produzimos e que lemos/ ouvimos/ vemos e etc. A interpretação, nessa conjuntura, é o primeiro destaque que daremos no estudo da Análise do Discurso. A interpretação Para Orlandi (2007, p. 25), A proposta intelectual em que se situa a Análise do Discurso é marcada pelo fato de que a noção de leitura é posta em suspenso. Tendo como fundamental a questão do sentido, a Análise do Discurso se constitui no espaço em que a Linguística tem a ver com a Filosofia e com as Ciências Sociais. Em outras palavras, na perspectiva discursiva, a linguagem é linguagem porque faz sentido. E a linguagem só faz sentido porque se inscreve na história. Ou seja, a perspectiva discursiva enfatiza a questão do contexto (Social, histórico, político, econômico) enquanto peça chave para haver sentido e, assim, linguagem. Nesse sentido, a interpretação ganha espaço por permitir a leitura e compreensão desses variados contextos. A Análise do Discurso, por esse viés, acaba por teorizar a interpretação, colocando-a como uma proposta de análise que não se fecha em si, mas trabalha seus mecanismos, limites, como partes do processo de construção de significação. Na interpretação proposta pela perspectiva discursiva não há um sentido verdadeiro, único, revelado por um método. Há, sim, uma construção de dispositivos teóricos capazes de dar conta das mais diversas produções emergidas da linguagem. Para compreender como funciona a perspectiva discursiva com mais clareza, vamos agora distinguir inteligibilidade, interpretação e compreensão, unido as explicações à exemplos. Inteligibilidade A inteligibilidade faz referência ao sentido da língua. Vejamos este exemplo: “Ela pediu esse”. Essa frase é inteligível, basta dominarmos o português para ler esse enunciado. Entretanto, ela não pode ser interpretada, pois não conseguimos chegar à conclusão de quem era ela e/ou o que ela pediu. Interpretação Pensemos na seguinte situação hipotética: Maria vai ao restaurante com seu noivo, Carlos, e sua amiga, Júlia. Enquanto Júlia vai ao banheiro, Maria solicita ao garçom um dos pratos do Menu. Ao voltar à mesa, Júlia pergunta a Carlos o que Maria pediu e ele prontamente responde, indicando com os dedos no Menu: “Ela pediu esse”. Pelo exemplo acima podemos perceber que a interpretação necessita de um co-texto (as outras faces do texto) e o contexto em si. Interpretando, ela é Maria e esse é o prato solicitado. Compreensão Utilizando a mesma situação hipotética, nas palavras de Carlos poderíamos compreender que Júlia pediu determinado prato porque gosta mais, ou porque pode ter alguma restrição alimentícia, por exemplo. A compreensão, nesse sentido, é entender como um objeto simbólico (texto, pintura, enunciado, etc.), produz sentidos. É compreender como funcionam as interpretações. Quando interpretamos já estamos presos a um sentido. Assim, a compreensão procura explicitar os processos de significação presentes na situação comunicacional para que assim possam ser entendidos outros sentidos possíveis. Resumindo, a Análise do Discurso, para Orlandi (2007, p. 26): Visa a compreensão de como um objeto simbólico produz sentidos, como ele está investido de significância para e por sujeitos. Essa compreensão, por sua vez, implica explicitar como o texto organiza os gestos de interpretação que relacionam sujeito e sentido. Produzem-se assim novas práticas de leitura. Se a interpretação é um dispositivo teórico de análise da Análise do Discurso há, portanto, o analista e o método produzido no alcance teórico da perspectiva discursiva. Cada analista necessita formular uma questão que desencadeie uma análise, e cada material de análise pede que seu analista eleja conceitos que outro analista não elegeria, criando assim conceitos diferentes de análises. Embora a teoria ilumine a análise, essa é escolhida dentre tantas pelo analista, em sua liberdade para a construção de interpretações. O Analista analisa e compreende o processo discursivo, podendo, então, interpretar seus resultados de acordo com os instrumentos teóricos escolhidos dos campos disciplinares dos quais ele optou. Dessa maneira, o analista do discurso desfaz a ilusão da transparência da linguagem, já que passou por um processo material de constituição e significação do (s) sujeito (s). É desse estudo detalhado, metódico, teórico e principalmente interpretativo que deriva, Para Orlandi (2007, p. 28), a riqueza da Análise do Discurso “ao permitirexplorar de muitas maneiras essa relação trabalhada com o simbólico, sem apagar diferenças, significando-as teoricamente.” Nesse contexto, o que se dizemos não são apenas mensagens a serem decodificadas, mas sim: Efeitos de sentidos que são produzidos em condições determinadas e que estão de alguma forma presentes no modo como se diz, deixando vestígios que o analista de discurso tem de apreender. São pistas que ele aprende a seguir para compreender sentidos aí produzidos, pondo em relação o dizer com sua exterioridade, suas condições de produção. Esses sentidos têm a ver com o que é dito, e com o que poderia ser dito e não foi. Desse modo, as marfes do dizer, do texto, também fazem parte dele. (ORLANDI, 2007, p.30) Para compreender melhor, vejamos o exemplo a seguir: Texto verbal: “Mais cedo ou mais tarde sua esposa vai dirigir. Este é uma das razões para você possuir um Volkswagen”) Enquanto analista do Discurso, quais vestígios precisamos apreender para interpretar o anúncio acima? Considerando o universo dos anúncios, propagandas, não basta apenas decodificar a linguagem verbal. Há de se levar em consideração o contexto situacional; as escolhas linguísticas; o texto não verbal; dentre outros. No exemplo acima nos deparamos com um anúncio publicitário dos anos 60. Na época era comum e, inclusive, engraçado, sentenças que maculassem a imagem da mulher. O texto verbal, portanto, pode ser interpretado como uma “piada” em relação às capacidades limitadas da mulher ao fato de dirigir. A empresa, em contrapartida, oferece um produto que “alivia” a preocupação masculina, já que possuí peças baratas e fáceis de encontrar. Ou seja, o homem não precisaria se preocupar com mais esse “problema”: a WV se preocupa por ele. Fica claro aqui como a condição de produção de um discurso afeta a construção da linguagem. Se hoje, no século XXI, o mesmo anúncio publicitário fosse veiculado em jornais, revistas e internet, muito provavelmente seria tachado como machista e anacrônico, e a empresa sofreria as represálias cabíveis. Portanto, as condições de produção e Interdiscurso são de grande significado para o analista do discurso e, mais amplamente, para a Análise do Discurso em geral. Assim, cabenos agora aprofundar essas perspectivas. Condições de produção e interdiscurso Para Orlandi (2007), as condições de produção compreendem sujeitos, situação e a memória. Essa última, inclusive, bastante significativa, como veremos mais à frente. As condições de produção, para a autora, consideram duas circunstâncias: o contexto imediato e o contexto sócio histórico, ideológico. No último exemplo que apresentamos (o caso do fusca da Volkswagen), o contexto imediato é o “simples” anúncio de um carro e a sugestão de que esse é resistente e acessível e, por isso, deve ser comprado. Já o contexto amplo é o que revela efeitos de sentidos inerentes do funcionamento da nossa sociedade, como por exemplo o mercado automobilístico e a antiga cultura de que veículos eram destinados a homens, já que à mulher destinava-se o lar. Nas entrelinhas, observamos que a suposta aceitação de uma mulher dirigindo, reação lenta do Feminismo no decorrer do século XX, vem transvestida do machismo que reinava com todas as forças naquele contexto em particular. O anúncio, assim, revela um posicionamento sócio histórico social comum à época em que fora publicado. É aqui que o conceito de memória ganha forças quando pensada em relação ao discurso. No contexto teórico da Análise do Discurso, inclusive, podemos chamá-la de Interdiscurso: Definido como aquilo que fala antes, em outro lugar, independentemente. Ou seja, é o que chamamos de memória discursiva: o saber discursivo que torna possível todo dizer e que retorna sob a forma do pré-construído, o já-dito que está na base do dizível, sustentando cada palavra. (ORLANDI, 2007, p.31) Ora, só conseguimos, hoje, interpretar de maneira significativa o anúncio produzido no século XX graças a nossa memória discursiva: o discurso do machismo não é novo, é um já-dito não só naquela época, como se perpetua na nossa. Lá nos anos 60, o texto verbal anunciava uma forma de pensamento traduzida discursivamente que antecede sua produção. Assim, o texto a que tivemos contato caracteriza-se como um interdiscurso, um conjunto de formulações já existentes sócio historicamente que se traduzem em um novo texto. Assim como a interdiscursividade, enquanto memória, nos faz considerar acontecimentos passados como matéria para os novos, também é esquecimento, outro aspecto importante da Análise do Discurso que conheceremos agora. Quer saber mais sobre a interdiscursividade na Análise do Discurso? Acesse ao vídeo “Interdiscurso e memória discursiva”, disponível no Youtube por meio do Link: Para Pêcheux (1975) existem dois tipos de esquecimento no discurso, são eles: 1. O esquecimento número dois, da ordem da enunciação: 2. Ao falarmos sempre optamos por uma forma e não outra. No entanto, o que dizemos sempre poderia se dito de outra maneira, com outras escolhas linguísticas. Ao falarmos “Feliz”, poderíamos ter optado por “alegre” ou “contente”, por exemplo. Entretanto, nós nem sempre temos consciência disso. Este “esquecimento” é parcial, semiconsciente, que exemplifica que o modo de dizer tudo tem a ver com os sentidos. O esquecimento número um, ou esquecimento ideológico: Instância do inconsciente, é resultante do modo como somos afetados ideologicamente. Por ele temos, quando elaboramos um discurso, a ilusão de sermos originais, os primeiros a dizer/ escrever/falar, etc. No entanto, quando nascemos, os discursos já estão em processo, apenas entramos no movimento. Na verdade, a língua se materializa em nós e o esquecimento é, voluntariamente, uma necessidade para que a linguagem funcione na produção de sentidos e sujeitos: retomando palavras já existentes como se fossem deles e, assim, movimentando as possibilidades da linguagem. Outros aspectos relevantes à análise do discurso Além dos aspectos supraditos, outros se fazem importantes para uma compreensão mais completa em relação à análise do Discurso, são eles: Paráfrase e Polissemia; Formação Discursiva e Ideologia e sujeito. Iremos, agora, vê-los um por um, antes de concluirmos nosso estudo. ● Paráfrase e Polissemia Quando pensamos a linguagem de maneira discursiva, é impossível dissociar essa compreensão da tensão entre processos parafrásticos e polissêmicos. Para Orlandi (2007, p.36): Os processos parafrásticos são aqueles pelos quais em todo dizer há sempre algo que se mantém, isto é, o dizível, a memória. A paráfrase representa assim o retorno aos mesmos espaços do dizer. Produzem-se diferentes formulações do mesmo dizer sedimentado. A paráfrase está do lado da estabilização. Ao passo que, a polissemia, o que temos é deslocamento, ruptura com os processos de significação. Ela joga com o equívoco. Ou seja, sempre falamos algo dito, porém, pela polissemia, esse algo dito se transforma em outro. É assim que os sujeitos (re) significam e (se) significam a todo instante. Dessa maneira, acabamos por concluir que a incompletude é condição para a linguagem: os discursos (sujeitos e sentidos) já estão prontos, contudo, eles estão sempre se refazendo, em um movimento constante da história e do simbólico. ● Formação Discursiva A noção de Formação Discursiva é basilar na Análise do Discurso, e o porquê é simples: é ela que permite entender o processo de produção de sentidos e sua relação com as questões ideológicas. A formação discursiva é definida por meio de uma formação ideológica dada, ou seja, a partir de um contexto sócio histórico dado, que define o que pode e/ou deve ser dito. Para compreendermos melhor como isso funciona, prestemos atenção nos dois pontos a seguir: a. O discurso se constitui em seus sentidos: Isoladas, as palavras não possuem sentido nelas mesmas, é necessária uma conjuntura na qual o sujeito se insere em uma dada formação discursiva e não em outra, para atingir um sentido ao invés de outro. Ou seja, as formações ideológicassão representadas pelas formações discursivas que as inscrevem. Daí vem o peso da ideologia. Para Orlandi (2007p. 43): Os sentidos sempre são determinados ideologicamente. Não há sentido que não o seja. Tudo o que dizemos tem, pois, um traço ideológico em relação a outros traços ideológicos. E isto não está na essência das palavras mas na discursividade, isto é, na maneira como, no discurso, a ideologia produz efeitos, materializando-se nele. O estudo do discurso explicita a maneira como a linguagem e ideologia se articulam, se afetam em sua relação recíproca. Ou seja, todas as nossas escolhas discursivas, tudo o que falamos ou escrevemos, a maneira como nos posicionamos, sempre estará correlacionada a uma determinada ideologia. As ideologias regem, portanto, nossas formações discursivas. b. Os diferentes sentidos são assimilados pela referência a uma formação discursiva: As palavras, mesmo sendo iguais, podem significar coisas diferentes dependendo da formação discursiva em que estão. Por exemplo, a palavra “Floresta” não significa a mesma coisa para um produtor rural, para um índio ou um cidadão. Além disso, alterada sua letra inicial entre maiúscula e minúscula, podemos obter novos sentidos. O analista do discurso, aqui, tem papel fundamental para a compreensão: ele precisa observar as condições de produção do texto, verificando sempre o funcionamento da memória; além disso, ele necessita verificar o porquê dessa formação discursiva (ao invés de outra), para assimilar os sentidos ali presentes. Para Orlandi (2007), o sentido que, na verdade, é efeito ideológico, não nos deixa perceber, em uma primeira análise, seu fundo material, histórico. Porém, todo sujeito, carregado de ideologia traz, obviamente, uma historicidade em construção que alimenta essa mesma ideologia. Assim, Ideologia e sujeito caminham juntos e, por isso, a partir de agora, caro aluno, iremos conhecer um pouco mais sobre esses dois princípios importantes à Análise do Discurso. ● Ideologia e Sujeito É interessante perceber como a Análise do Discurso ressignifica a noção de ideologia por meio dos estudos da linguagem. Dessa forma, a ideologia passa a ser definida ideologicamente e é isso que veremos a seguir. Segundo Orlandi (2007, p.44), o fato de que não há sentido sem o movimento de interpretação evidencia a presença da ideologia. Sempre, em contato com um objeto simbólico, há no homem a motivação para se perguntar: “o que isso quer dizer?”. Nesse contexto, no ato de interpretar o sentido surge como evidência, como se ele sempre tivesse estado lá. O trabalho da ideologia, nesse contexto, é colocar o homem em uma relação imaginária com suas condições existenciais e materiais. A ideologia, portanto, passa a ser condição para a constituição de sujeitos e sentidos. Para Orlandi (2007, p.46): O indivíduo é interpelado em sujeito pela ideologia para que se produza o dizer. Partindo da afirmação de que a ideologia e o inconsciente são estruturas-funcionamentos, M Pêcheux diz que sua característica comum é a de assimilar sua existência no interior do seu próprio funcionamento, produzindo um tecido de evidências “subjetivas”, entendendo “subjetivas” (...) como “nas quais se constitui o sujeito.” Assim, a subjetividade, enquanto constituinte do sujeito, está para a ideologia do que ele pretende dizer. Entretanto, ao se colocar enquanto sujeito, muitas vezes o homem apaga o fato de que é interpelado pela ideologia. Esse apagamento já nos foi colocado acima: o homem acredita estar dizendo algo novo, nunca antes pronunciado. Para o analista, nesse sentido, entender ideologia enquanto relação necessária entre mundo é linguagem é fundamental. Enquanto analistas, podemos nos perguntar: Como a ideologia atua na charge abaixo? Considerando o “esquecimento”, para nós, enquanto sujeitos, a resposta de Miguelito poderia ser inocentemente a compreensão de um todo original, “novo” do que está passando na TV. Entretanto, a charge acima ultrapassa esses limites ao ironizar a ideia de felicidade vendida nas propagandas e programas de TV. Nesse sentido, a formação discursiva, se analisada por esse viés, revela um sentido novo pertencente a uma ideologia dominante nos dias atuais que está aparentemente velado na resposta do personagem: O consumo, incentivado como gerador de felicidade em nossa sociedade capitalista das mais diversas formas. Para Orlandi (2007, p.47) o sentido, É assim uma relação determinada pelo sujeitoafetado pela língua- com a história. É o gesto da interpretação que realiza essa relação do sujeito com a língua, com a história, com os sentidos. Esta é a marca da subjetivação e, ao mesmo tempo, o traço de relação da língua com a exterioridade: não há discurso sem sujeito. E não há sujeito sem ideologia. Nós, enquanto sujeitos, somos formados pela ideologia e história que nos cerca, e esses dois elementos são, mesmo que inconscientemente, norteadores do nosso discurso. Muitas vezes é só pela interpretação, na busca pelo sentido do que dissemos, falamos ou agimos, que compreendemos a (s) origem (s) daquele discurso. Por fim, é importante esclarecer que o trabalho com a ideologia é um trabalho baseado na memória-esquecimento. É justamente o esquecimento que motiva a iluminação de qualquer discurso proposto. No pensar, por exemplo: “Por que ‘fulano’ se colocou dessa forma?”; “Por que eu me posicionei dessa maneira”? temos o primeiro passo para a investigação da formação discursiva de determinado contexto, chegando às conclusões ideológicas na construção de sentidos. Após essa produtiva imersão teórica em relação à Análise do Discurso, nos perguntamos: Quais as consequências dessa perspectiva teórica? Iremos, agora, indicar algumas: 1. A Análise do discurso, ao unir campos de conhecimento, rompe suas fronteiras e elege um novo recorte de disciplinas, constituindo um novo objeto de estudo: o discurso; 2. Para a Análise do Discurso, não há apenas transmissão de informação, muito menos linearidade nos elementos comunicacionais. Para ela, a língua não é apenas um mero código, em que se separa emissor e receptor; em que um fala e outro, na sequência, decodifica. Não há transmissão de informação apenas, há um complexo processo de formulação de sujeitos que produzem constantemente sentidos; 3. A língua, para a Análise do Discurso, tem sua ordem própria, porém, é relativamente autônoma; 4. Na perspectiva discursiva, o sujeito da linguagem se constitui enquanto descentralizado, pois é afetado pelo real da língua, bem como o real da história, e o modo como essas o afetam não pode ser controlado por ele. Isso possibilita concluir que o sujeito discursivo age pela ideologia e inconsciente; 5. Por fim, podemos concluir que na Análise do Discurso “Em seu quadro teórico, nem o discurso é visto como uma liberdade em ato, totalmente sem condicionantes linguísticos (...) nem a língua como fechada em si mesma, sem falhas ou equívocos.” (ORLANDI, 2007, 22). A língua, assim, sempre será condição para a oportunidade do discurso. Enunciação, Pragmática, Argumentação, Discurso Enunciação Olá, alunos (as)! Ainda na unidade I tivemos a oportunidade de conhecer de maneira introdutória a teoria da Enunciação. Vamos relembrá-la? A teoria da Enunciação, proposta por Benveniste, baseiase, resumidamente, nos quatro pontos abaixo colocados: 1. Reconhece o sistema da língua enquanto uma instância do discurso. Nesse sistema, sujeito e subjetividade são significativos; 2. A significação da língua só se dá por meio do discurso, ou seja, por meio da enunciação desse; 3. O sujeito, na teoria da Enunciação, é o foco: Ele é quem atualiza o sistema linguístico, articulando e significando; 4. O quadro formal da enunciação é o eu-tu-aqui-agora, considerando índices de pessoa, espaço/tempo, referindo-se, sempre, a enunciação. A subjetividade, enquanto aparelho formal da Enunciação, é sempre universal (todos nós temos), porém, seu uso é sempre individual, mesmo que o propósito da teoria enunciativa não seja o sujeito em si, antes, as suasmarcas no ato da enunciação. Revisadas as características básicas da Enunciação, partiremos agora para a compreensão de como ela funciona dentro do universo da Análise do Discurso, mais especificamente em relação à argumentação, ou seja, à Semântica da Enunciação. A Semântica da Enunciação Para a semântica formal, a verdade está fora da linguagem, nesse sentido, a língua seria apenas um meio para alcançá-la. Esse conceito é fundamental para entender a Semântica da Enunciação, posto que, para essa “A linguagem constitui o mundo, por isso não é possível sair fora dela” (OLIVEIRA, 2006, p.19). ● Por que será, então, que a Semântica formal coloca os sentidos como sendo exteriores à língua? Geralmente, quando falamos ou escrevemos usamos termos dêiticos, ou seja, que fazem referência a algo externo ao discurso. Como por exemplo temos os pronomes isto, eu, você, etc. Esses geralmente passam a ilusão de que estamos nos referindo a algo externo à língua. Entretanto, sempre estamos nela e por/para ela. Vejamos como Oliveira (2002, p.20) esclarece essa perspectiva: A semântica Formal, diz Ducrot, cai na ilusão, criada pela própria linguagem, de que ela se refere a algo externo a ela mesma, de onde ela retira a sua sustentação. A linguagem, afirma Ducrot, é um jogo de argumentação enredado em si mesmo; não falamos sobre o mundo, falamos para construir um mundo e a partir dele tentar convencer nosso interlocutor da nossa verdade, verdade criada pelas e nas nossas interlocuções. A verdade deixa, pois, de ser um atributo do mundo e passa a ser relativa à comunidade que se forma na argumentação. Assim, a linguagem é uma dialogia, ou melhor, uma “argumentalogia”, não falamos para trocar informações sobre o mundo, mas para convencer o outro a entrar no nosso jogo discursivo, para convencê-lo de nossa verdade. Ou seja, a linguagem é constituída no diálogo, na busca, por meio da construção de argumentos, de inserir o outro, o interlocutor, no nosso mundo, na nossa verdade. Para as atuais concepções da Semântica da Enunciação, um enunciado é construído por diversos enunciadores que, concomitantemente, formam o espaço discursivo pelo qual o diálogo vai se desenvolver. Vejamos o enunciado abaixo: (Considere os E1, E2, e E3, enquanto enunciadores. O governador de São Paulo é Sociólogo E1: Há um e apenas uma pessoa. E2: Esta pessoa é um governador. E3: Esta pessoa é um sociólogo. No enunciado em negrito comprometemos nosso ouvinte com o fato de que existe um único governador para São Paulo. Esse enunciado é polifônico (gera vários enunciadores) posto que encerra várias vozes. Acima temos um diálogo entre enunciadores, que pode gerar diálogos por meio, por exemplo, de negações polêmicas ou metalinguísticas. Se negamos o E1, estamos concretizando uma negação polêmica, mas ele pode negar o posto, portanto, dentro de um contexto pode fazer sentido; se negamos o E3, temos uma negação metalinguística. outro exemplo: Maria parou de fumar E1: Maria fumava. E2: Maria não fuma mais. Essa segunda enunciação traz um enunciador que afirma que maria fumava, tratando-se de um pressuposto, e outro que afirma que ela não fuma mais, concretizando o posto. Ao negarmos a fala do primeiro enunciador, faremos uma negação polêmica; se negamos o que está posto, faremos uma negação metalinguística. Assim, para a Semântica da Enunciação, as diferentes leituras explicam-se pela polissemia, ou seja, um mesmo enunciado que pode gerar múltiplos sentidos, mas que se correlacionam. Sobre os tipos de negação, vejamos esse outro enunciado: Imagine que alguém diz que sua bicicleta está estacionada em lugar errado, assim, você pode responder: Não, minha bicicleta não está estacionada em lugar errado (porque eu não tenho bicicleta). Nesse caso, você estaria fazendo uma negação polêmica, já que está negando o quadro linguístico formado pelo seu interlocutor, ou seja, nego o enunciador que acredita que a bicicleta seja sua. Imagine agora que dessa vez você tem bicicleta: Não, minha bicicleta não está estacionada em lugar errado (Porque está no lugar certo). Nessa situação temos uma negação metalinguística: o locutor retoma a fala do interlocutor, que coloca que a bicicleta está no lugar errado, para negá-la. Ducrot 1979, ainda evidencia um terceiro tipo de negação, a descritiva. Nesse tipo o locutor descreve um estado de ser negativamente, ou seja, na sua enunciação não há outro enunciador que o negue. Como exemplo, temos: Não há sol hoje. Podemos observar que não há retomada da fala do outro, mas a apresentação negativa de uma descrição. Assim, a negação é, “pois, um fenômeno de polissemia que, como dissemos, definese por identificar usos distintos não relacionados” (OLIVEIRA, 2006, p. 31). Já em relação a diferença de significados produzidos pelos variados tipos de enunciados tempos, na linguística, o que chamamos de Pragmática, próximo ponto a ser estudado nessa unidade. Pragmática Caro aluno (a), para esclarecer os diferentes significados que podem ser gerados pelos enunciados, o que concretiza o que chamamos de Pragmática, José Luiz Fiorin, em “Pragmática” (2007), utiliza um dos interessantes trechos de “As aventuras de Alice”, de Lewis Carroll. Vejamos: -Veja, agora a senhora está bem melhor! Mas, francamente, acho que a senhora devia ter uma dama de companhia! Dois pence por semanas e doces todos os outros dias. Alice não pôde deixar de rir, enquanto respondia: Não estou me candidatando... e não gosto tanto assim de doces. –É doce de muito boa qualidade- Afirmou a Rainha. –Bom, hoje, pelo menos, não estou querendo. –Hoje você não poderia ter, nem pelo menos nem pelo mais- Disse a Rainha. – A regra é: doce amanhã e doce ontem – e nunca doce hoje. – Algumas vezes tem de ser “doce hoje”- Objetou Alice. –Não, não pode- Disse a Rainha. Tem de ser sempre doce todos os outros dias; ora, o dia de hoje não é outro dia qualquer, como você sabe. Para Fiorin (2007), Alice e a Rainha discutem, nesse trecho, sobre o sentido de palavras como hoje e outro. Para elucidar a questão dos diferentes significados de um discurso, o autor elege a palavra hoje. Para a Rainha, o significado das palavras ontem, hoje e amanhã são fixos. Nesse caso, se a regra é doce ontem e amanhã, Alice não poderá nunca comer doces, já que está sempre no hoje. Já Alice entende que o sentido das palavras em negrito está relacionado ao ato de produção de um enunciado e, assim, por vezes há de ser “tem de ser doce hoje”, já que hoje é o dia em que o enunciado é pronunciado. Para Alice, segundo Fiorin (2007), o termo hoje se concretiza na relação com a situação de comunicação. É por meio dela que o significado dessa palavra pode ser inteiramente compreendido. Buscando uma análise pragmática eficiente, a consciência do enunciado (estudado anteriormente) enquanto uma realização linguística concreta é fundamental. Se considerado a teoria do Enunciado, há de fazermos jus a ciência de que numa situação de comunicação existe: eu/tu; espaço (advérbios de lugar e pronomes demonstrativos como aqui, este, lá, esse); marcadores de tempo, como exemplo os termos hoje e ontem. Inclusive, um dêitico como esses só pode ser entendido dentro da situação de comunicação, assim, a pragmática parte do enunciado em direção ao lugar no qual esse foi ou está sendo produzido. Observe o enunciado: Anteontem andei muito por aqui. Só pelo enunciado não dá para saber o sentido, por exemplo, do anteontem, do eu e do aqui: é necessário conhecer a situação comunicacional para poder encontrar os sentidos dos enunciados, principalmente, os que fazem uso de termos dêiticos, como o acima exemplificado. ● Surge, então, a pergunta: de maneira prática, como podemos, enquanto analistas do discurso, fazer uma análise pragmática? Para Benveniste (1966), existem três categorias relacionadas ao Enunciado que são fundamentais para uma análise pragmática, são elas: A pessoa, O tempo e o Espaço. Vejamos cada uma, agora, de maneira detalhada: ● A pessoa: Para Benveniste (1966) as três pessoasdo discurso não possuem o mesmo estatuto. Há semelhanças entre o eu e o tu, já que são sempre os participantes da comunicação. Entretanto, o ele pode ser qualquer ser ou não designar nenhum. Além disso, enquanto que entre o eu e tu há reversibilidade (quando você fala com alguém, ela é o tu, quando ele te responde, você passa a ser o tu e ela, o eu), para o ele isso é impossível. É importante entender que: “é a situação de enunciação que especifica o que é pessoa e o que não é pessoa (...) Chamaremos, então, de pessoa enunciativa aquelas que participam do ato de comunicação.” (FIORIN, 2007, p. 164). ● O tempo: O tempo da língua é diferente do tempo cronológico e/ ou físico: ele é ligado ao exercício da fala, ou seja, o agora é reinventado a cada enunciado, e cada ato de fala constitui um novo tempo. Dessa maneira, Fiorin (2007, p. 167) determina a análise do tempo do enunciado considerando: ME- Momento da enunciação; MR-Momento de referência (presente, passado, futuro); MA- Momento do acontecimento (Concomitante, anterior, posterior, etc., a cada momento de referência). O tempo é, “pois, a categoria linguística que marca se um acontecimento é concomitante, anterior ou posterior a cada um dos momentos de referência (presente, passado e futuro), estabelecidos em função do momento da enunciação”. (FIORIN, 2007, p. 167) ● O espaço Para Fiorin (2007), o espaço linguístico se ordena por meio do tempo (hic), ou seja, o lugar do eu/tu (ego). Tudo é assim localizado, sem que haja necessariamente uma importância para seu lugar físico no mundo, isso, pois mais importante é aquele que os situa, já que se torna centro da referência de localização. Para observamos o espaço, precisamos atentar para os pronomes demonstrativos e alguns advérbios de lugar, considerando que esses, por vezes, são dêiticos. A atenção dada ao espaço, tempo e pessoa, unidas à consideração dos contextos do enunciado, (entenda, por exemplo, a importância de compreender os dêiticos para significar o discurso, algo já discutido acima!) concretizam o que chamamos de Análise pragmática das categorias discursivas. Essas, por consequência, podem constituir a argumentação, algo que entenderemos com mais clareza a partir do próximo tópico. Argumentação A Argumentação para a linguística foi teorizada pelos franceses Jean-Claude Anscombre e Oswald Ducrot. Para esses, considerando ainda que a língua funciona dentro dela mesma, sem a influência de elementos exteriores, todo o uso da linguagem é argumentativo, ou seja, direciona e/ou projeta de maneira ideológica o seguimento do discurso. Para compreender melhor a Teoria da Argumentação, vejamos como essa se deu por meio de fases, que listaremos abaixo: ● 1ª fase: Articulação de enunciados Nessa fase, os teóricos da Argumentação, segundo Grácio (2015), debruçaram-se sobre as chamadas “palavras vazias”, as que utilizamos para conectar enunciados, como por exemplo os conectores logo, mas, portanto, no entanto, etc. A eles foi atribuída uma valência argumentativa devido sua capacidade de linguisticamente condicionar o discurso. Para entender melhor como funciona, observemos os enunciados abaixo: (1) Esse restaurante é bom, mas caro. (O operador argumentativo (mas) remete de maneira expectável a sequência do discurso lógico (não vamos). A argumentação, portanto, está na língua) ● 2a fase: Uso das palavras como “Topoi”: Considerando ainda o exemplo acima citado, observemos o próprio uso da palavra, no caso (caro). A escolha dessa palavra, nessa segunda fase, é desde o princípio argumentativa, já que classifica e, consequentemente, significa, algo ou alguém. Ou seja, a interpretação parte não só da escolha dos conectores como também da opção por esta ou aquela palavra que formará o enunciado. ● 3ª fase: Teoria dos blocos semânticos: Observemos o seguinte enunciado: Você dirige depressa, corres o risco de sofrer um acidente Acima, podemos perceber que há um encadeamento discursivo: o primeiro enunciado < você dirige depressa> gera concomitantemente uma conclusão < corres do risco de sofrer um acidente>. A possibilidade de encadeamento parte da conexão entre preposições, que articulam blocos. Discurso Uma questão importante que une as três teorias acima trabalhadas - a lembrar: O Enunciado, a pragmática e a Argumentação- é a questão da língua por ela mesma, ou seja, não há uma relação exterior, seus significados se encontram dentro dela. ● Por que lembrar dessa concepção em particular é importante? Porque, para ingressarmos de maneira completa na Análise do Discurso, perceberemos que os estudos em torno do discurso darão uma nova ênfase a essa anterior concepção: enunciados e interpretações ultrapassarão os limites do texto para ganhar possibilidades interpretativas na materialidade histórica. Como colocado acima, para a teoria do Discurso o sistema linguístico por si só não encerra significados da linguagem. É preciso, para além do sistema da língua, observar seu exterior, a história. Orlandi (1998), inclusive, observa que uma das tarefas do analista do discurso é compreender a relação proposta entre real da língua x real da história, ou seja, a produção de sentidos parte da relação entre história e sujeito. A Perspectiva discursiva, nesse sentido, para Orlandi (1998) considera a língua como uma estrutura que é regida por leis internas, que se soma aos acontecimentos circunscritos na história. Assim, o discurso materializa-se na língua. Foucault (2004) nessa conjuntura, amplia a teoria da Enunciação ao pensar que os enunciados são pronunciados em um determinado tempo histórico, considerando, aqui, a posição que o sujeito assumiu e o domínio de determinado conhecimento para produzir determinado enunciado. Observemos abaixo o poema “A rosa de Hiroshima”, do poeta e compositor Vinicius de Morais: Pensem nas crianças Mudas telepáticas Pensem nas meninas Cegas inexatas Pensem nas mulheres Rotas alteradas Pensem nas feridas Como rosas cálidas Mas oh não se esqueçam Da rosa da rosa Da rosa de Hiroshima A rosa hereditária A rosa radioativa Estúpida e inválida A rosa com cirrose A antirrosa atômica Sem cor sem perfume Sem rosa sem nada. Considerando a Teoria do Discurso, o poema acima, para Foucault (2004) poderia ser concebido como um constructo de fatores sociais, históricos e institucionais. Para que esse discurso produzido por Vinícius pudesse ser enunciado, existiu uma força histórica agindo sobre ele. ● Adaptemos a propositura Foucaultiana: Por que esse poema só surgiu agora e por que não teria surgido outro em seu lugar? Araújo (2008, p. 220) afirma que: “[...] para a história das ideias importa o que disse um sujeito, com suas intenções, ou mesmo com o jogo do inconsciente, de modo que é preciso resgatar sua palavra, seu texto, como interpretá-lo corretamente.” Assim, no poema em questão, Rosa de Hiroshima só poderia ter surgido pela motivação histórica pela qual sofreu Vinícius de Morais, que estava inserido no momento histórico do fim da Segunda Guerra Mundial, em que o Estado Unido deu um “Golpe de Misericórdia” no Japão enviando duas bombas atômicas de proporções catastróficas (metaforizadas pela figura da “rosa”, no poema). Intencionalmente, o eu-lírico, para a Teoria do Discurso, utiliza do jogo dos enunciados unido à história, assim: para o contexto do ano de 1945 o poema produzido por Vinícius é completo: Significa um ato de protesto às atrocidades da guerra. Dessa maneira, faz sentido Foucault (2004) afirmar que criar enunciados em dado contexto é ver como as práticas discursivas agem para produzir dizeres; é entender como surgiu a possibilidade de aparecerem determinados dizeres em demarcadas épocas. Até aqui vimos que as teorias da Enunciação, Pragmática e Argumentação são importantes conceitos chave para embasar a teoria do Discurso, que amplia questões centrais a perspectiva da linguagem não só como elaborada em si mesma, mas também como um conjunto de fatores sociais, culturais e históricos, que permeiam os enunciados produzidos. Perspectivasteóricas (Significado de Ideologia) segundo: Althusser, Ricoeur, Foucault, Pêcheux A ideologia segundo Althusser Para Sampedro (2010), Althusser trabalhou o conceito de Ideologia com base em duas vertentes: a primeira, que trata da relação entre a ciência da história e ideologia, o que chamamos mais especificamente de Materialismo histórico; e uma segunda, mais prática, em que há uma nova filosofia de produção de conhecimento: o materialismo dialético. Para Althusser, a ciência da história (pratica teórica) comporta sobretudo uma parte pré-científica, ou seja, a Ideologia, o que faz com que correntes científicas como o empirismo, a fenomenologia e a etnometodologia, por exemplo, são embasadas não só pelo momento histórico que as cercam como, principalmente, pela corrente de pensamento ideológica que as fez surgir. Para compreender como isso ocorre, Althusser (1986) estabelece três momentos de Generalidade, a saber: Generalidade I:matéria prima ideológica Generalidade II:Conceitos já construídos Generalidade III:O conceito científico que parte das duas outras generalidades. Segundo Althusser, a relação entre ciência e ideologia, mesmo que conflituosa, é interdependente, já que a ciência surge por meio de pré-noções científicas, ideológicas. Como coloca Sampedro (2010, p.33): Se toda ciência nasce e se desenvolve excluindo a ideologia, também é certo que as noções próprias da ideologia se descrevem como indicadores da ciência, no sentido de que a ciência produz o conhecimento de um objeto cuja existência está indicada na região da ideologia. Isso implica que a ideologia seja sempre ideologia para uma ciência. Para Althusser, toda e qualquer ciência, principalmente, a da História, possui uma pré-noção que a fomenta essa parte da ideologia pela qual os cientistas transitam, mesmo que conscientemente eles neguem tal consideração, ou seja, politicamente inflexível. Assim, para esse teórico, mesmo que a ideologia não seja assumida pelas vertentes científicas (esteja vigente no presente histórico), ela pode, ao menos, exprimir as atuais situações históricas, já que a ideologia é ao mesmo tempo fechada teoricamente e politicamente adaptável e maleável. Assim, ela é passível de mudança, como coloca Althusser (1980, p. 87): “A ideologia muda, pois, mas imperceptivelmente, conservando, a forma de ideologia; ela se move, mas com um movimento imóvel, que a mantém no mesmo lugar, em seu lugar e função de ideologia” No sentido prático, a Ideologia para Althusser é: ● Um modo de produção, assim como o político, jurídico, etc.; ● Uma estrutura que surge do imaginário social; ● Concomitantemente, as sociedades humanas não podem subsistir sem os sistemas de representações que, em outras palavras, constituem a ideologia; ● As ideologias históricas mudam, mas estrutura ideológica não: ela permanece em quais quer tipos de sociedades; ● Dizer “ciência” não é o mesmo que dizer “ideologia”: essa segunda dá-se na prática teórica, antecede e permeia a ciência elaborada. Desse modo, segundo Motta & Serra (2014, p. 13): A ideologia não é, portanto, uma aberração ou uma excrescência contingente da História: é uma estrutura essencial à vida histórica das sociedades. Tampouco pertence à região da consciência. Ela é profundamente inconsciente. A ideologia, para Althusser, é um sistema de representações, mas essas representações na maior parte das vezes imagens, às vezes conceitos, mas é antes de tudo como estruturas que elas se impõem aos homens sem passar para a sua “consciência”. A ideologia refere-se, então, à relação “vivida” dos homens no seu mundo. ● Dessa maneira, a Ideologia é, para Alhusser, a relação entre o homem e seu mundo. Resta-nos, então, uma pergunta: Como o sujeito, então, emerge enquanto parte da teoria da Ideologia para esse pensador? Althusser coloca que há uma relação entre sujeitos: Toda ideologia possui um centro e nele há um sujeito Absoluto, que ocupa um lugar único, interpelando os outros sujeitos a sua volta em dupla relação de submissão, ou seja, a troca de lugares entre sujeitos Absolutos e sujeitos que o cercam. Nesse sentido: A estrutura duplamente especular da ideologia garante simultaneamente: 1) a interpelação dos indivíduos como sujeitos; 2) sua submissão ao Sujeito; 3) o reconhecimento mútuo entre os sujeitos e o Sujeito, e entre os próprios sujeitos, e o reconhecimento do sujeito por si mesmo; 4) a garantia absoluta de que tudo está bem assim, e sob a condição de que tudo está bem assim, e sob a condição de que se os sujeitos reconhecerem o que são e se conduzirem de acordo tudo irá bem: ‘assim seja’” (Althusser 1976, pp. 118-119). A ideologia segundo Ricoeur Antes de mais nada, é imprescindível saber que a teoria da Ideologia, para Ricoeur, associa-se à Literatura. Dessa maneira, esse pensador parte da Hermenêutica literária para compreender os mecanismos ideológicos. Para Ricoeur (1991,2008), a ideologia entra em pauta quando o compreender-se diante de uma obra literária se faz enquanto apropriação e desapropriação de significações ao mesmo tempo. Assim, para Pegino (2006), a apropriação simbólica de um mundo que existe e é significante passa a fazer parte da relação do ser com o mundo, e constitui-se em elemento central no processo de compreender-se diante da obra. Portanto, a apropriação dos significados de uma obra acontece por meio da compreensão de uma ideologia que permeia o contato entre leitor-literatura. Entretanto, para Ricoeur a Ideologia pode trazer consigo duas armadilhas: a primeira refere-se à definição inicial de conceito, que poderia gerar um status de poder, algo que o teórico rebate ao colocando em xeque a rejeição da ideologia em termos de classe social (Atente para o fato de que Ricoeur tenta afastar-se de uma análise marxista da Ideologia); a segunda trata do estatuto epistemológico da Ideologia. No caso dessa segunda armadilha, para Pegino (2006, p.8): Ricoeur abdica da perspectiva positivista de ciência como o lugar por excelência da liberdade das amarras da ideologia. Ainda mais quando esse lugar é utilizado como porto seguro daqueles que, advogando em prol de sua própria (pretensa) objetividade e neutralidade, denunciam a ideologia de outras formas de conhecimento filosófico. Com esforço, Ricoeur resvala na denúncia entre ciência e interesse levada a cabo pela Escola de Frankfurt. Assim como Althusser, Ricoeur acredita que toda ciência parte de uma ideologia, mesmo que essas afirmem que agem com neutralidade. Dessa maneira, para os dois pensadores, toda produção científica tem bases ideológicas. Partindo desses pressupostos, Ricoeur constrói o seu próprio conceito de Ideologia que se baseia em três etapas, a saber: 1. A ideologia precisa ser apreendida por meio de sua dimensão integradora, originando o primeiro nível ideológico: “A ideologia é a função de distância que separa a memória social de um acontecimento que, no entanto, trata-se de repetir” (Ricoeur, 2008 p. 78). Por meio da integração a ideologia pode ser: ○ Elemento mobilizador; ○ Elemento justificador; ○ Dinâmica: motiva, justifica e compromete; ○ Opinativa, não crítica: “[...] uma ideologia é operatória, e não temática. Ela opera atrás de nós, mais do que a possuímos como um tema diante de nossos olhos. É a partir dela que pensamos, mais do que podemos pensar sobre ela” (Ricoeur, 2008, p. 80). 2. A Ideologia possui uma função de dominação, visto que ela integra um sistema de autoridade (de vertente Werberiana, não Marxista) que pede legitimação, e essa legitimação só pode ser dada pela crença dos indivíduos. Para entender essa questão de dominação e como ela difere-se da vertente Marxista, Pegino (2006, p.10) coloca que: A dominação, em sua relação com as tipificações de autoridade weberiana, é um elemento por certo desejado pelo grupo (correspondendo à oferta de crença), pois também possui um elemento integrador e há uma relação de pertença do nível integrador no nível da dominação, donde se apreende, na teoria ricoeuriana, que essa relação não é, em si, danosa,mas se dá em termos de equilíbrio e desiquilíbrio. Dessa maneira, a concepção de Ricoeur sobre dominação está baseada em uma relação mútua entre dominador e dominado, na qual dominado sente-se como pertencente natural àquela ideologia. 3. A ideologia possui caráter deformativo. Aqui, Ricoeur faz uso do conceito Marxista da deformação do mundo, de um mundo invertido. Como exemplo, para Ricoeur, temos a religião, em que a imagem é o real e o que ela reflete é o original. Ou seja, a religião impõe uma ideologia, por meio de seu conteúdo, que é inversa a outras tantas. Por fim, vale deixar marcado para vocês, alunos (as), que o conceito de Ideologia Ricoeuriana é sempre correlacionado ao Marxismo, como vimos no decorrer desse estudo. A Ideologia segundo Foucault ● Caro aluno (a), para entender é ideologia segundo Foucault é preciso saber, antes de mais nada, que esse estudioso não a supervaloriza. Vamos descobrir o porquê? Para Benevides (2013), Foucault elenca três razões pelas quais a Ideologia é “Dificilmente utilizável” (FOUCAULT, 1998, p.7) que seriam: 1. “Queira-se ou não, ela [a noção de ideologia] está sempre em oposição virtual a alguma coisa que seria a verdade” (FOUCAULT, 1988, p.7). Ou seja, Foucault separa Ideologia de verdade; 2. A ideologia sempre estará vinculada ao sujeito, e esse, geralmente, possui uma série de constructos que baseiam sua escolha por algum tipo de Ideologia; 3. A terceira se refere ao caráter periférico, derivado, acessório, da noção de ideologia em relação com a realidade, o mundo material. Assim, para Foucault, a Ideologia seria um termo frágil para fundamentar as relações de poder. Isso acontece posto que, para Foucault, mais do que Ideologia, as relações sociais são regidas pelo que ele chama de “Verdade e Poder” Foucault (1988, p. 13). Esse estudioso evidencia que “é preciso pensar os problemas políticos dos intelectuais não em termos de ‘ciência/ideologia’, mas em termos de ‘verdade/poder’”. Dessa maneira, apesar de a Ideologia ser parte significativa das relações de poder, ela jamais será uma estrutura fundamental. Logo, diferentemente dos outros estudiosos acima referidos, a relação entre História e Ideologia para Foucault não é uma relação primária para entender o movimento da sociedade. Como aponta Valeirão (2012, p. 9): Seria equivocado entender os eventos históricos somente sob o peso da ideologia já que esta, em última instância, diz respeito a uma idealização nobre e vaga que tenta explicar o desenvolvimento da História como se os objetos determinassem as práticas e os discursos, e não o contrário disso. Eis porque a metodologia de análise da História, para Foucault, prima pela problematização dos discursos e das práticas ao invés do desvelamento sob o peso das ideologias. Desse modo, para Foucault, a Ideologia não é a mola propulsora para entender a história, antes, parte secundária, um termo acessório, que contribui para compreensão das relações de dominação sociais. A Ideologia segundo Pêcheux Para Pêcheux, a Ideologia tem ligação direta com os modos de produção. Considerando que, nos modos de produção, sempre a um lado responsável pelas forças produtivas e outro, responsável pelas relações de produção, o estudioso divide sua interpretação de Ideologia em duas, acompanhando a essa divisão dos modos de produção. Seriam elas: 1. Ideologia do tipo “A”: Análise dos produtos como resultantes da prática técnica com base no empirismo (As forças produtivas). Aqui, a referida é um meio de recombinar discursos anteriores como meio de criar um novo “discurso original”; 2. Ideologia do tipo “B”: Condições para a prática política (As relações de produção). Nesse tipo, a Ideologia é um meio de produção e manutenção de diferenças necessárias entre as classes sociais, com foco em uma especificamente: O trabalhador e o não trabalhador. Para Siqueira (2017), mais do que dividir a ideologia em duas partes “puras”, há de se ter noção das condições de surgimento de cada elemento. Assim: Em relação ao processo de produção, a ideologia opera sob o que Pêcheux chama de “realização técnica do real”, “sob o controle de uma ideologia da forma técnica-empírica que assegura o sentido do objeto produzido”[3]. O efeito ideológico de tipo “A”, assim, se refere à forma empirista da ideologia, que tem como objetivo ligar a significação à realidade, manter uma correspondência “correta” entre ambos. [...]. Em relação às relações sociais de produção, a ideologia opera sob a forma especulativafraseológica, já que tem como função assegurar aos agentes de produção sua posição destinada pela formação social. A ideologia de tipo “B” atua como condição indispensável das práticas políticas e essas, por sua vez, têm no discurso, a forma de sua transformação. (SIQUEIRA, 2017, p. 3). Para Pêcheux, a Ideologia está no campo das relações sócio econômicas e, portanto, considerando as diversas divisões sociais, sua perspectiva ideológica tanto refere-se à questão de a ideologia permear os sentidos que se pretende formar com a realidade; bem como, numa perspectiva política, é força maior para a elaboração dos discursos que demarcam as classes sociais. Nesse capítulo vimos quatro tipos de Ideologia, a saber: A teoria da Ideologia segundo Althusser, que gira em torno da consideração de que o sujeito está em constante relação com o mundo em que está inserido; a perspectiva de Ricoeur, que evidencia a questão da dominação pela Ideologia; A Ideologia segundo Foucault, que para ele é uma parte secundária, um termo acessório, que contribui para compreensão das relações de dominação sociais; e, por fim, a Ideologia para Pêcheux, em que essa se encontra no campo das relações sócio econômicas e, por isso, é a força maior para elaborar discursos que demarcam classes sociais. Perspectivas da Análise do Discurso de linha americana (Givón); Análise do Discurso de Linha francesa (Foucault, Pêcheux); Análise crítica do Discurso De antemão, é importante salientar que os dois primeiros pontos tratarão da grande divisão da Análise do discurso: americana x francesa, e que, segundo Orlandi (2005, p.78) essa divisão não é meramente geográfica: Do lado da americana (...) está a tendência de uma declinação linguístico-pragmática (empirista) da análise de discurso com um sujeito intencional, e do lado europeu a tendência (materialista) que desterritorializa a noção de língua e de sujeito (afetado pelo inconsciente e constituído pela ideologia). Análise do Discurso de Linha americana (Givón) Se a Análise do Discurso americana está para uma tendência empírica, ela se baseia, portanto, no funcionalismo da linguagem. Dessa maneira, a Análise do Discurso de Givón tem por alicerce a consideração de que a língua é um instrumento social, meio pelo qual os indivíduos interagem, se comunicam. Com a publicação de From Discourse to Syntax (1979), Talmy Givón propõe que todo enunciado (as chamadas sentenças sintáticas) pode ser analisadas por meio da investigação de suas motivações discursivas, ou seja, a estrutura do enunciado é resultante direto dos componentes do discurso e, assim, inserese no universo maior da Análise do Discurso. Por conseguinte, segundo Martins (2009), o contexto do discurso ganha visibilidade enquanto motivador para a produção linguística: Só formamos enunciados partindo de objetivos que estão no plano do discurso (as intenções, as práticas, etc.) no uso da língua. Para Givón (1979), a pragmática do discurso tem papel fundamental na explicação da sintaxe linguística, assim, para o pensador, a sintaxe é dependente, motivada funcionalmente pelos processos de cognição e comunicação. Para esclarecer melhor essa perspectiva, Givón (1979) estabelece dois polos da modalidade comunicativa: O pragmático e o sintático, ambos visando a funcionalidade da linguagem. A gramática, posto isso, é construída por meio do discurso, baseando-se seu uso na concretização desse pelos falantes. A linguagem, nesse âmbito, torna-se um sistema de interação social. Enquanto Analistas do Discurso, para
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