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1 DERMATOPATIAS NUTRICIONAIS Disciplina de Clínica das Doenças Carenciais, Endócrinas e Metabólicas Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias da UNESP, compus de Jaboticabal. Prof. Dr. Aulus Cavalieri Carciofi Alguns pontos chave das dermatopatias nutricionais A maioria das alterações causadas por deficiências nutricionais ocorre em animais jovens em crescimento ou fêmeas adultas durante a gestação e a lactação. A dermatose responsiva ao zinco é confirmada por alterações histopatológicas características, como a hiperqueratose paraqueratótica. As alterações dermatológicas associadas a anormalidades nutricionais geralmente são indistinguíveis, ao simples exame físico, de outras doenças de pele comuns. O consumo de óleo de peixes, ricos em ácidos graxos poliinsaturados 3, ou óleos ricos em ácido α-linolêlico, resulta em diminuição da produção de eicosanóides pró-inflamatórios e aumento da produção de eicosanóides menos inflamatórios, podendo, assim, colaborar na redução da inflamação cutânea. Cães com seborréia primária severa podem ter necessidades nutricionais aumentadas. Doenças cutâneas causadas por deficiência de nutrientes normalmente respondem rápida e visivelmente com a suplementação ou alteração da dieta. Antibioticoterapia prolongada resulta de distúrbio da microbiota entérica, com redução da produção e absorção de vitaminas hidrossolúveis, em especial de biotina, podendo resultar em dermatopatias. Alterações de higidez, como diarréias crônicas, poliúria, proteinúria, síndromes caquetizantes ou que levem ao hipermetabolismo, entre outras, resultam em comprometimento da pele e pêlos por levarem ao aumento das perdas e elevação das necessidades nutricionais. Os metabolismos do zinco e dos ácidos graxos essenciais interagem entre si, estando estreitamente ligados. Os aminoácidos fenilalanina e tirosina são importantes na formação da melanina e sua deficiência resulta em discromia dos pêlos pretos. É improvável que a deficiências de aminoácidos, vitamina A, vitamina E e As lesões de pele responsivas ao zinco são mais freqüentemente descritas em 2 vitaminas do complexo B ocorram em cães e gatos que ingiram alimentos comerciais de boa qualidade. filhotes de crescimento rápido. Dermatoses de origem nutricional são consideradas incomuns em países desenvolvidos, fato esse resultante da difusão do uso de alimentos comerciais completos e balanceados na alimentação dos cães e gatos. A maioria das dermatopatias nutricionais encontradas nesses países são de origem supostamente genéticas, que ocorrem mesmo com o consumo adequado de nutrientes, como a Dermatose responsiva à vitamina A e ao zinco. No Brasil, não existem levantamentos epidemiológicos sobre a ocorrência de dermatopatias nutricionais em cães e gatos. Acredita-se, no entanto, que aquelas resultantes de deficiências ou excessos de nutrientes sejam relativamente comuns, devido ao emprego de alimentação caseira inadequada e à má qualidade de algumas dietas comerciais5. Isto pode ser deduzido ao se observar o panorama geral da nutrição de cães e gatos no Brasil. Estima-se que apenas 40% de nossos cães e gatos se alimentem de produtos comerciais, 60% deles recebem restos de mesa e dietas caseiras. Dos proprietários que empregam alimentos industrializados, aproximadamente, 56% adquirem rações econômicas, que para competirem por preço, por vezes apresentam limitações qualitativas do ponto de vista nutricional. Houve nos últimos anos, por fim, grande proliferação de fabricantes e produtos, com mais de 120 produtores que colocam no mercado mais de 600 marcas. A capacidade de fiscalização e monitoramento das rações, no entanto, não acompanhou este enorme crescimento. A pele é um órgão grande e bastante ativo do ponto de vista metabólico, com elevada demanda de aminoácidos, ácidos graxos, vitaminas e minerais. Qualquer desequilíbrio na ingestão destes nutrientes rompe a função de proteção da barreira imune cutânea, o que torna o animal mais susceptível às infecções e reações alérgicas26,37. É comum o Médico Veterinário, ao se deparar com um paciente com comprometimento cutâneo, suspeitar de alergias, parasitoses ou doenças infecciosas, desconsiderando o aspecto nutricional. Muitos casos clínicos, no entanto, podem ser decorrentes da desnutrição, que se apresenta agravada pela contaminação secundária da pele por bactérias, fungos e parasitas, favorecida pelo processo imunossupressivo originado pela deficiência nutricional. A pele é o principal órgão pelo qual o corpo interage com o meio ambiente, tomando parte fundamental na proteção do meio interno dos animais. Tão somente o 3 sistema imunológico apresenta mais funções de proteção do que este órgão. É a primeira linha de defesa do corpo, contando para isto com a: proteção física constituída pela camada de queratina e sua constante renovação; proteção química, determinada em grande parte pelo pH e secreção de ácidos graxos específicos; a presença de microbiota comensal e barreira aos raios solares ultravioleta. Encontra-se na epiderme abundante trato linfóide. O tecido linfóide associado à pele, constituído por células de Langerhans, linfonodos, queratinócitos e linfócitos T, mediam a imunovigilância cutânea e a destruição física de antígenos. Assim, a desnutrição do órgão rapidamente se reflete em alterações na barreia física, química ou imune do mesmo, com a infecção de camadas profundas por patógenos, que interferem e agravam a apresentação clínica das lesões. Outra dificuldade que se apresenta é a ausência, via de regra, de sintomas clínicos patognomônicos da deficiência nutricional. Dermatopatias de origem nutricional podem resultar de inúmeras deficiências, excessos ou desequilíbrios entre nutrientes, mas a pele, no entanto, responde apenas com alguns tipos de reações e lesões cutâneas elementares. Estas incluem descamação, formação de crostas, alopecia, acromotriquia, crescimento lento dos pêlos, distúrbios da secreção sebácea, pelagem ressecada e áspera, prurido e piodermite recorrente, afora sintomas gerais e que podem se suceder a inúmeras outras dermatopatias. Isto ocorre porque um mesmo nutriente participa do metabolismo de várias estruturas cutâneas, da mesma forma que estas necessitam, para seu adequado metabolismo, de vários nutrientes, como está ilustrado na figura 1. Figura 1: Participação dos nutrientes nas diversas estruturas cutâneas. Além disso, em situações práticas é rara a ocorrência da deficiência isolada de um único nutriente. Quando a dieta é inadequada, normalmente vários nutrientes estão em desequilíbrio, o que dificulta o diagnóstico. Desta forma emprega-se muitas vezes o termo dermatose nutricional, que caracteriza um paciente com comprometimento cutâneo secundário a múltiplas deficiências nutricionais. Conseqüentemente, apenas o exame físico raramente revela uma causa nutricional específica ou mesmo a diferencia de outras etiologias não nutricionais34. No entanto, a inspeção, palpação e, mesmo, a olfação da pele podem revelar ao clínico importantes informações a respeito da competência nutricional do animal, seu “status” imune e sua saúde geral, sendo parte fundamental do exame físico. Uma sinopse das dermatopatias nutricionais mais freqüentes, nas condições brasileiras é apresentada a seguir. 4 PROTEÍNAS Os pêlos são compostos por aproximadamente 95% de proteínas, sendo estas ricas em aminoácidos sulfurados, como a cistina e a metionina. A renovação epidérmica ou epidermopoese ocorre, aproximadamente, a cada 22 dias. Dessa maneira, a manutenção da pele e dos pêlos requer o consumo de proteínas em quantidade, qualidade (níveis apropriados de aminoácidos essenciais) e digestibilidade ótimas10. O crescimento normal dos pêlos e a queratinização da pele são responsáveispor 25 a 30% da necessidade protéica diária dos animais34,37. Outro exemplo da elevada demanda protéica da pele pode ser tomado pelo fato de 50 a 60% dos aminoácidos metionina e cistina, do corpo dos animais, estarem nela e em seus anexos. Estima-se que os cães adultos em manutenção necessitem ao menos de 180 gramas de proteína por kg de dieta2, mas as quantidades necessárias para a otimização da qualidade da pele e pêlos não foram determinadas, sendo provavelmente maiores do que estas. A deficiência de proteína na dieta resulta em manifestações cutâneas que incluem descamação, aumento da pigmentação epidermal, cicatrização deficiente, queda de pêlos e produção de pêlos finos e quebradiços8,37. A nutrição protéica também pode influenciar na coloração da pelagem. A pigmentação dos pêlos e da pele depende da presença e distribuição do pigmento melânico, tanto a feomelanina (amarelo-avermelhado) como a eumelanina (preto e marrom) no córtex e na medula dos pêlos e ao longo do folículo piloso. A síntese desses pigmentos depende da ingestão dos aminoácidos aromáticos, fenilalanina e tirosina, e da ativação das tirosinases. Assim, os desbalanços dietéticos destes nutrientes em animais com pelagem escura ou preta podem provocar avermelhamento dos pêlos (rodotriquia)26. Em países desenvolvidos, a deficiência protéica tem se tornado cada vez menos freqüente com o advento dos alimentos comerciais. Entretanto, esta ainda pode ocorrer diante de situações como: dietas mal balanceadas; fome ou afecções que causem disorexia; enfermidades que causem perda de proteína, pela urina ou fezes. No Brasil, além das situações acima enumeradas, deve-se considerar que aproximadamente 56% dos alimentos industrializados comercializados são produtos econômicos. A necessidade de produzir rações de baixo custo pode levar, em empresas não idôneas, ao emprego de ingredientes protéicos de baixa qualidade, com digestibilidade comprometida. Em levantamento recente verificou-se que alimentos econômicos brasileiros apresentam, em média, 16,9% de proteína bruta, valor inferior ao mínimo recomendado para cães adultos, de 18%5. Agrava, ainda mais, o fato da 5 proteína destes alimentos econômicos ter apresentado coeficiente de digestibilidade muito baixo, de apenas 66,2%, o que compromete o fornecimento de aminoácidos biodisponíveis por estes alimentos. Outra questão que surge refere-se às diferenças entre proteínas de origem animal e as proteínas vegetais. O emprego de alimentos à base de proteína animal asseguraria uma melhor nutrição da pele e anexos? Sabe-se, na verdade, que algumas proteínas vegetais podem apresentar digestibilidade até mesmo superior à de derivados animais5. O que importa, do ponto de vista nutricional, é o fornecimento aos animais de quantidades adequadas de aminoácidos biodisponíveis, o que pode ser conseguido com dietas exclusivas de tecidos protéicos animais ou constituídas de mesclas que incluam proteínas de origem animal e vegetal. Estas formulações já foram comparadas quanto à qualidade do pêlo e da pele e mesmo quanto à secreção de lípides pela pele, não tendo sido encontradas diferenças entre elas3. O tratamento da deficiência protéica deve incluir a correção da dieta e a terapia da doença primária, quando esta for secundária a outras afecções. Pacientes dermatopatas que estejam consumindo rações econômicas devem passar ser alimentados com produtos com proteína bruta mais elevada, para cães com teor igual ou superior a 22% ou mesmo 24% e, para felinos, com proteína igual ou superior a 32%. Formulações “premium” ou mesmo “superpremium” podem ser sugeridas. Além do teor de proteína, sua digestibilidade é importante. Esta pode ser verificada, de maneira prática, pela produção de fezes em pequena quantidade, consistentes e que não marcam o piso quando recolhidas. MINERAIS Zinco, cobre e cálcio apresentam inter-relações metabólicas, além de influenciarem o metabolismo do iodo. Teores anormais de qualquer um deles podem refletir-se na higidez da pele. Deve-se considerar, no entanto, que dentre animais alimentados com a mesma dieta, é possível que somente alguns desenvolvam sintomas clínicos de deficiência34. Esta é uma consideração importante nos diagnósticos por exclusão. Muitas vezes o Médico Veterinário tende a acreditar que uma deficiência nutricional vá acometer a todos os animais, o que em realidade não ocorre em decorrência das diferenças individuais. A deficiência de cobre normalmente aparece como um problema clínico quando o zinco dietético estiver em excesso. O cobre participa de diferentes funções biológicas, especialmente como componente de proteínas de depósito e de transporte e de cuproenzimas10. Ele é cofator necessário para a ativação da tirosinase, enzima necessária para a síntese do pigmento melânico, a partir do aminoácido tirosina e, 6 dessa forma, para a formação da cor dos pêlos22. As manifestações cutâneas da deficiência de cobre incluem acromotriquia ou perda da coloração normal do pêlo, rarefação pilosa e crescimento de pelagem opaca10. O cobre também participa da formação de queratina, sendo importante na conversão de pré-queratina em queratina e na incorporação de grupos dissulfídricos, dos aminoácidos sulfurados, na formação dos pêlos. Desta forma, sua deficiência pode ocasionar defeitos na queratinização da pele e folículos pilosos, com formação de pêlos ásperos, rugosos e quebradiços. O iodo é outro microelemento necessário para a saúde da pele, participando da síntese dos hormônios da tireóide. Está envolvido no processo oxidativo celular e na regulação da taxa metabólica basal. Dietas deficientes em iodo causam lesões cutâneas e o desenvolvimento de pelagem de má qualidade. O manganês é, também, microelemento que participa como cofator em sistemas enzimáticos que catalisam reações celulares que regulam o metabolismo de nutrientes. Pelo fato de sua deficiência afetar o crescimento celular e o metabolismo de lipídeos, os sintomas deles decorrentes são mais observados no tegumento metabolicamente mais ativo. O selênio é um componente essencial da enzima glutationa peroxidase e, junto com a vitamina E, age protegendo as membranas celulares dos danos oxidativos. Por esta razão, ele é importante para a produção normal de lipídeos na pele8. Apesar da ocorrência de deficiências naturais de cobre, iodo, manganês e selênio não serem comuns com o uso de alimentos industrializados, é importante reconhecer o valor desses nutrientes essenciais quando se formulam dietas destinadas a promover a saúde da pele e uma pelagem ideal para animais de companhia. Dietas caseiras necessitam de adequada suplementação. Todas as situações clínicas que resultem em aumento de perdas de nutrientes podem, também, ser beneficiadas com a administração destes microelementos. Zinco Devido à sua importância na homeostasia cutânea e à existência de distúrbios genéticos em algumas raças, destaque é dado ao zinco relativamente aos cães. O zinco é um microelemento importante, com ações sobre metabolismo de carboidratos, lipídeos, proteínas e ácidos nucléicos. É essencial para a manutenção da integridade epidermal, acuidade gustativa e olfatória e homeostase imunológica. Faz parte de mais de 200 metaloenzimas, sendo cofator da RNA e DNA polimerase, particularmente importantes em células de divisão rápida, como as da epiderme25. No tegumento o zinco é necessário para o metabolismo da vitamina A, biossíntese de ácidos graxos, modulação imunológica, reação inflamatória, queratinogênese e cicatrização de feridas. 7 Sua absorção intestinal é diminuída pela presença de excesso de cálcio e fitato. Este último é um ácido orgânico produzido por alguns vegetais que se liga fortemente ao zinco, impedindo sua absorção no intestino. Ele está presente em farelos vegetais como o farelo de trigo e de soja6. A ingestãoexcessiva de cálcio leva a competição desse macro-elemento com outros minerais, como o zinco, durante a absorção intestinal, o que pode ocasionar deficiência de zinco mesmo com a presença de níveis aceitáveis do microelemento na dieta34. Devido à sua composição química e ingredientes, alimentos industrializados econômicos e “premium” são os mais prováveis de apresentarem tais antagonismos, mas isto não significa que estejam, realmente, ocorrendo. O Médico Veterinário pode avaliar este fato verificando a lista de ingredientes e os teores de cálcio e zinco listados no rótulo. Uma suplementação exagerada de cálcio na dieta, por parte do proprietário, também é outro fator a ser considerado na anamnese. Dentre as fontes do microelemento empregadas nos alimentos comerciais tem-se o óxido de zinco, o sulfato de zinco e o zinco quelato à proteína ou aminoácidos. A absorção e retenção de zinco são menores no óxido, intermediárias no sulfato e maiores nos quelatos que, inclusive, têm a vantagem de sua absorção não sofrer influência do excesso de cálcio e do fitato. Os sintomas de sua deficiência incluem êmese, emaciação, retardo no crescimento, queratite, conjuntivite, disorexia, linfadenopatia periférica e diminuição do paladar. As lesões tegumentares incluem: alopecia, eritema, inflamação, formação de crostas e lesões outras, que advêm de piodermites secundárias. Em geral estas se iniciam em locais de pressão, coxins plamo-plantares, junções muco-cutâneas da face, ânus, prepúcio e vulva, orelhas, patas e região ventral do corpo. Histologicamente, esta se caracteriza por hiperqueratose paraqueratótica difusa em epiderme e folículos22,34. Sua deficiência nutricional, em países desenvolvidos, é rara em cães e não descrita em gatos20,37. No entanto, pelas questões já elencadas, não podemos afastá- la no Brasil. Mas importa considerar que a deficiência de zinco pode ter duas origens, uma alimentar e outra genética, sendo ambas coletivamente agrupadas sob a denominação de dermatoses hipozincêmicas ou responsíveis ao zinco. Aquela de origem alimentar, como já abordado, resulta de duas condições básicas, a da deficiência de zinco na dieta (que apresenta pequena quantidade do microelemento), ou aquela de antagonismos nutricionais, quando o zinco está suficiente, mas sua absorção é diminuída pelo cálcio ou fitato37. Dentre aquelas de origem genética, estas se subdividem em dois tipos. O primeiro acomete animais das raças Husky Siberiano, Malamute do Alaska e Doberman. Apesar de não descrito, normalmente, pacientes da raça Akita, também, 8 podem ser acometidos. Esta se caracterizada por um problema genético que resulta em interferência na absorção de zinco pelo intestino. A dieta, desta forma, geralmente apresenta quantidades adequadas do nutriente, estando o problema afeto no indivíduo que apresenta déficit absortivo. Ocorre em cães de todas as idades, sendo os sintomas mais freqüentes ao final do crescimento ou na reprodução, períodos de maior demanda nutricional, podendo, ainda, serem precipitados pelo cio. As lesões cutâneas apresentam caráter progressivo, incluindo alopecia, eritema, formação de crostas, descamação e supuração, principalmente ao redor da boca, mento, trufa nasal, olhos e orelha, disqueratinização, tornando-se a pele inelástica e friável31. Deve- se considerar, que como concentrações normais do micoelemento na dieta não são suficientes para estes animais, estes devem receber suplementação oral de zinco por toda a vida39. Um segundo tipo acomete o Bull Terrier, sendo causada por gene autossômico recessivo letal, pois o animal não responde ao tratamento, mesmo à administração parenteral de zinco. A habilidade prejudicada em metabolizar o elemento resulta em baixo crescimento, grave piodermite facial, pododermatite, diarréia, marcante imunossupressão e acometimento por broncopneumonias, levando o cão a óbito. O diagnóstico da deficiência de zinco se fundamenta na: anamnese, análise do alimento, exame físico e histopatológico de pele. A dermatite hiperplásica perivascular superficial, com hiperqueratose paraqueratótica difusa e folicular marcada sugere deficiência de zinco30,34. O diagnóstico pode ser confirmado pela resposta clínica, com melhora após a correção da dieta ou com a suplementação do elemento. O diagnóstico diferencial inclui leishmaniose, em áreas endêmicas, escabiose, dermatofitose e pênfigo foliáceo26. Uma adequada avaliação do alimento e a verificação da raça do animal também permitem diferenciar a origem da deficiência, se nutricional ou genética. O tratamento da deficiência de zinco, tanto de origem alimentar como genética, além do tratamento dermatológico de suporte, deve incluir a administração de alimento sem excesso de cálcio e ácido fítico e com quantidades adequadas de zinco e ácidos graxos essenciais30. Neste sentido é importante o Médico Veterinário avaliar o rótulo do alimento industrializado, verificando se este contém no mínimo 120 mg de zinco por quilo de produto para cães e 75 mg por quilo de produto para gatos. São importantes, também, os teores de fibra bruta e matéria mineral. A legislação brasileira permite a comercialização de alimentos com até 6,5% de fibra bruta, 12% de matéria mineral e 2,4% de cálcio, mas para se evitar antagonismos, principalmente para animais com manifestações cutâneas, sugerindo sensibilidade nutricional, deve-se selecionar aqueles que apresentem teores iguais ou menores do que 3% de fibra bruta, 8% de matéria mineral e 1,5% de cálcio. 9 Na deficiência de zinco, de origem genética, a suplementação oral dos animais com sulfato de zinco (10 mg/kg/dia) ou zinco-metionina (2 mg/kg/dia) é necessária por toda a vida do cão. Esta pode ser feita, também, no início do tratamento da deficiência alimentar, como forma de acelerar a recuperação do paciente. A absorção de zinco é máxima, quando administrado entre as refeições, não conjuntamente com o alimento, no entanto o sulfato de zinco pode provocar, nestas condições de arraçoamento, êmese em alguns animais. Nestes casos, seu fornecimento no momento das refeições, bem como a divisão da dose diária em dois ou mais momentos de administração, podem favorecer maior tolerância ao composto. Nos animais que não respondem à suplementação oral pode-se realizar administração intravenosa de solução estéril de sulfato de zinco (10 a 15 mg/kg/dia) por toda a vida do animal34. Para cadelas em que há dificuldade em se controlar a doença recomenda-se a castração39. O padrão de resposta à terapia geralmente é rápido, em 7 a 10 dias já se verificam melhoras no quadro, no entanto, a remissão completa dos sintomas dependerá do grau de comprometimento cutâneo podendo se completar, em casos mais graves, somente após alguns meses. Suplementação de microelementos Toda suplementação deve ter por base ou a dieta, expressa em miligrama ou grama por quilograma de matéria seca, ou o animal, expressa em miligrama ou grama por quilograma de peso corporal. Os critérios de suplementação, infelizmente, são imprecisamente definidos por muitas empresas de suplementos veterinários e uma avaliação nutricional dos produtos revela, muitas vezes, desequilíbrios nutricionais, recomendação de subdosagens e mesmo a presença de teores extremamente elevados de alguns nutrientes. Desta forma, o Medico Veterinário deve ser capaz de interpretar as bulas e rever as dosagens a serem recomendadas. A tabela 1 apresenta sugestões de suplementação de microelementos para cães e gatos. Trata-se de sugestão prática, elaborada com base na literatura pertinente2,22, ajustadas de acordo com a experiência dos autores. Estas podem ser utilizadas pelo clínico como um guia para o estabelecimento das doses de suplementos a ser acrescentadas à dieta ou fornecido diretamente aos animais. Não constituem necessidades nutricionais mínimas, mas sugestões práticas de uso.Em dietas caseiras, seu emprego é seguro. Para alimentos industrializados, no entanto, deve-se considerar que estes já são suplementados pelos fabricantes. O emprego de um alimento industrializado de boa procedência torna não só dispensável como contra-indicado a suplementação, pois esta adição pode tornar excessiva a ingestão de microelementos, pois se somam tanto os administrados como os presentes no alimento, podendo, assim, causar outros distúrbios nos animais. 10 Tabela 1 – Sugestão de suplementação (mg/kg) de microelementos para cães e gatos com vistas à correção de dermatopatias nutricionais. Nutriente Cão Gato mg/kg peso corporal mg/kg de alimento (MS2) mg/kg peso corporal mg/kg de alimento (MS) Cobre 0,7 7,3 0,12 5 Manganês 0,4 5,0 0,14 7,5 Zinco* 7 120 2 75 Iodo 0,06 1,5 0,03 0,35 Selênio 0,01 0,1 0,01 0,1 Ferro 6 80 2 80 1 – Modificado de AFFCO2 e NRC22 2 - matéria seca do alimento *- pode ser necessária suplementação mais elevada para síndromes de caráter genético. A biodisponibilidade, que representa uma medida da porcentagem do elemento que é absorvida pelo animal, é outro aspecto importante na seleção do suplemento e da interpretação do rótulo de um alimento industrializado. Neste sentido, de maneira geral os óxidos são menos biodisponíveis que os sulfatos e os quelatos, popularmente conhecidos como minerais orgânicos, são os de maior biodisponibilidade. GORDURAS E ÁCIDOS GRAXOS Deficiência de ácidos graxos essenciais Gorduras são componentes importantes das dietas dos animais. Elas são fonte de energia concentrada para armazenamento e uso e, também, fornecem ácidos graxos essenciais. Alguns ácidos graxos têm função estrutural nas membranas celulares, como parte integrante dos fosfolípides e são precursores de prostaglandinas, leucotrienos e tromboxanos. Desta forma, as gorduras fornecem substratos importantes para os processos metabólicos celulares e para a manutenção da barreira cutânea4. Dentre os ácidos graxos poliinsaturados de importância nutricional incluem-se os pertencentes às famílias ômega 3 (n3) e 6 (n6). Os mamíferos sintetizam ácidos graxos até ácido palmítico (16:0), que pode ser posteriormente alongado até esteárico 11 (18:0) e convertido a oléico (18:1). Plantas e plâncton podem inserir ligações adicionais no ácido oléico, formando os ácidos graxos poliinsaturados cis-linoléico (AL; 18:2 n6) e ácido alfa-linolênico (ALA; 18:3 n3). Ambos podem, de certa forma, ser considerados essenciais, pois mamíferos não podem sintetizá-los33 . Quadro 11: Alguns ácidos graxos poliinsaturados de importância na nutrição animal Ácidos Graxos 6 Ácidos Graxos 3 ácido cis-linoleico (AL) ácido alfa-linolênico (ALA) ácido gama-linolênico (AGL) ácido eicosapentaenóico (EPA) ácido dihomo-gama-linolênico (ADGL) ácido docosahexaenóico (DHA) ácido aracdônico (AA) Além do AL e do ALA, os gatos também necessitam de ácido aracdônico (AA; n6), do ácido eicosapentahenóico (EPA, n3) e do ácido docosahexahenóico (DHA, n3) em suas dietas, pois não possuem a enzima Δ-6-dessaturase suficientemente ativa para converter AL em ácido aracdônico e ALA em EPA e DHA22. Óleos vegetais, como de soja, milho e girassol, são boas fontes de AL e os óleos de linhaça de canola de ALA. No entanto, apenas tecidos animais apresentam ácidos graxos essenciais derivados, sendo o óleo de vísceras de frango fonte de AA e o óleo de peixe de AA, EPA e DHA4. Em relação à pele, deve-se considerar que este órgão não metaboliza diretamente os ácidos graxos, dependo de sua conversão hepática e incorporação a partir do sangue. Os ácidos graxos poliinsaturados são essências para a manutenção de sua permeabilidade, em especial o ácido cis-linoléico que no o stratum corneum é incorporado às ceramidas, impedindo a evaporação de água através da pele. O ácido aracdônico também desempenha função metabólica importante, regulando a proliferação epidérmica e a fluidez de membrana. A deficiência de ácidos graxos é descrita, principalmente, em animais que recebem alimentos comerciais de baixa qualidade ou que foram mal preservados com antioxidantes, e, também, nos alimentados com dietas caseiras desbalanceadas. A deficiência em alimentos mal preservados ocorre porque a gordura tornou-se rançosa sob ação do oxigênio, o que destruiu os ácidos graxos poliinsturados. Neste aspecto tanto a correta adição de antioxidantes ao alimento como seu teor de umidade, o tipo de embalagem, a contaminação fúngica e por insetos e, mesmo, seu prazo de validade e condições de estocagem devem ser considerados35,37. Alimentos que 12 apresentem qualquer uma destas condições indesejáveis não devem ser fornecidos aos animais. As gorduras estão entre os ingredientes mais caros da dieta. Desta forma, alimentos de baixo custo, com teores de extrato etéreo próximos ao limite mínimo permitido pela legislação, de 5% para cães e 8% para gatos, quando formulados com ingredientes de baixa qualidade, como o sebo bovino, que é constituído basicamente por gorduras saturadas, podem apresentar teores insuficientes de ácidos graxos essenciais e não proporcionarem uma ótima nutrição da pele. Este baixo teor de extrato etéreo pode ainda, nestes alimentos, ser agravado em presença de elevadas concentrações de fibra, que interferem com a digestibilidade das gorduras, diminuindo seu aproveitamento. Outra condição, embora mais rara e que pode resultar em deficiência de ácidos graxos é aquela de animais com problemas de má absorção, decorrente de doenças hepáticas, pancreáticas ou gastrintestinais. As anormalidades cutâneas, causadas pela deficiência de ácidos graxos na dieta, incluem descamação, pêlos secos, opacos e descoloridos, perda da elasticidade cutânea, alopecia, eritrodermia, hiperqueratose, peeling epidermal, perda transepidermal de água com exsudação interdigital, edema cutâneo e otite externa30. O organismo do animal reage à falta de ácidos graxos essenciais com aumento da produção de ácido oléico, da família ômega 9, uma família não essencial e que é incorporado à pele, resultando em aumento de sua untuosidade, aspecto característico do complexo seborréia e que, também, confere ao pelame odor de ranço característico e indesejável. O ácido oléico é efetivo em proporcionar fluidez à membrana celular, mas não é capaz de controlar a perda de água através das células. A deficiência de ácidos graxos pode ser revertida se estes forem administrados pelas vias: oral, parenteral ou tópica. Cães e gatos apresentam respostas em poucos dias à suplementação de ácido linoléico e de outros ácidos graxos poliinsaturados. A correção nutricional pode ser feita pela mudança da dieta para um alimento industrializado de melhor qualidade e com maior teor de gorduras, o que é indicado no rótulo como extrato etéreo. Uma alternativa constitui-se no fornecimento de alimento caseiro corretamente balanceado. Deve-se atentar para o fato de que óleos vegetais podem ser suficientes para uma adequada suplementação de cães, mas os gatos precisam de ácidos graxos poliinsaturados derivados, o que só é encontrado em derivados animais. Apesar das recomendações nutricionais de ácidos graxos não serem elevadas, sendo de 1,3% da dieta para o AL, 0,08% para ALA, 0,03% de ácido AA e de 0,05% de EPA mais DHA para filhotes de cães e de 0,55% de AL, 0,02% de ALA, 0,02% de AA e de 0,01% da dieta para EPA mais DHA para gatos filhotes22, concentrações maiores têm sido empregadas para se otimizar a saúde e qualidade da pele e anexos. 13 Estudos demonstraram que dietas com 2% de AL, 0,5% de ALA e mais de 200mg/kg de zinco resultaram em menor perda transepidermal de água, melhor escore de pelagem e melhor ultra-estrutura da queratina de cães12. Outras pesquisas mostraram melhora significativa no brilho dos pêlos, no aspecto e na descamação da pele em cães,que se alimentaram de ração “premium” suplementada com ácido linoléico e zinco, em comparação aos que receberam somente a ração ou esta suplementada apenas com zinco ou tão somente com ácido linoléico18. Benefícios também têm sido indicados com a suplementação da dieta com óleo de girassol, fonte de ácido linoléico, ou com óleo de semente de linhaça, que é rica em ácido gama-linolênico28. Como recomendação prática, animais com quadros seborreicos ou comprometimento da qualidade da pele e pêlos devem receber alimento industrializado com pelo menos 12% ou 14% de extrato etéreo. Dentre os ingredientes empregados deve-se dar preferência aqueles que utilizam óleos de peixe e vísceras de aves, farinha de peixe e de vísceras de aves e óleos vegetais. O sebo bovino, que em muitos rótulos aparece com o nome de gordura animal estabilizada, é uma boa fonte de energia e apresenta boa palatabilidade, mas não se constitui em fonte adequada de ácidos graxos poliinsaturados. Outra medida prática é a suplementação dos alimentos com 2 a 3g de óleo de soja para cada 100g de ração. Este, além de ser barato e estar sempre presente na cozinha das residências, apresenta mais de 50% de AL, constituindo-se em excelente suplemento deste nutriente. Suplementação de ácidos graxos como terapia antiinflamatória Muitos estudos vêm sendo realizados acerca do uso dos ácidos graxos poliinsaturados n3 como terapia coadjuvante para diversas doenças inflamatórias, alérgicas e auto-imunes que acometem cães e gatos4,33,35,37. Alterando-se a proporção na dieta e a quantidade consumida de ácidos graxos poliinsaturados n3 e n6, pode-se favorecer a modulação e controle da gravidade de doenças, particularmente as relacionadas à inflamação17. Não se trata, nestes casos, do uso destes compostos como nutrientes, mas sim como nutracêuticos. Eles são empregados com vistas à modulação da reação inflamatória, facilitando o controle destas doenças. Reforçando, não se trata de melhorar a qualidade da pele e anexo, estes aspectos nutricionais são preenchidos pelo AL e AA da família n6! Isto é possível, pois os ácidos graxos poliinsaturados atuam sobre a produção de eicosanóides, substâncias biologicamente ativas, importantes na imunomodulação orgânica, oriundas da biotransformação destes compostos pelas enzimas ciclooxigenases, lipooxigenases e citocromo-P-450-redutase. Os eicosanóides atuam como hormônios locais (autacóides) na regulação de processos fisiológicos, sendo 14 importantes mediadores dos processos inflamatórios38. Seus principais produtores são os macrófagos, células com intensa produção de ciclooxigenases e lipooxigenases. Os AA, ADGL, EPA e DHA são incorporados às membranas destas células. Quando existe um agravo, físico ou bioquímico, como por exemplo a ligação entre um alérgeno e uma imunoglobulina, a fosfolipase A2 é ativada promovendo a liberação destes ácidos graxos da membrana celular para o interstício1. Uma vez no interstício, são metabolizados pelas enzimas ciclooxigenases e lipooxigenases gerando diferentes eicosanóide. Figura 12 - Funções fisiológicas dos ácidos graxos poliinsaturados n6 e n3 (RIVERS, 1982 - modificado) Ácido Graxo Função acido linoléico (6) Estrutural, regulação da permeabilidade cutânea ácido dihomo-gama-linolênico (6) Estrutural, precursor das prostaglandinas PGE1, PGF1, outros autacóides da série 1 ácido aracdônico (6) Estrutural, precursor das prostaglandinas PGE2, PGE2, outros autacóides da série 2 ácido adrênico (22:4 6) Estrutural, estoque de colesterol esterificado nas glândulas secretoras de hormônios esteróides ácido alfa-linolênico (3) Estrutural ácido eicosapentaenóico (3) Estrutural, precursor das prostaglandinas PGE3, PGF3, outros autacóides da série 3 ácido docosahexaenóico (3) Estrutural, particularmente importante no cérebro O ácido aracdônico (n6) é o ácido graxo presente em maior quantidade na membrana fosfolipídica dos macrófagos e linfócitos. Os eicosanóides derivados deste ácido graxo são potentes mediadores inflamatórios. Entre as prostaglandinas da série 2 que origina está a prostaglandina D2 que induz vasodilatação, hiperalgesia e forte quimiotaxia de neutrófilos. A prostaglandina E2, liberada pelos queratinócitos, induz pirexia, hiperalgesia, quimiotaxia de neutrófilos, liberação de histamina, vasodilatação e aumento da permeabilidade vascular. O leucotrieno B4 é um potente estimulador de 15 neutrófilos, induzindo quimiotaxia, adesão e degranulação. Todas estas reações estão envolvidas na denominada Hipersensibilidade do tipo I3. Já os eicosanóides derivados do ADGL, que também é da série n6, incluem a prostaglandina E1, que inibe a fosfolipase A2 e a liberação de AA, e o ácido 15- hidroxieicosatetraenóico (15-HETE) que inibe competitivamente o leucotrieno B4, sendo, portanto, antiinflamatório. Desta forma, a suplementação com ácido gama- linolênico, que é rapidamente convertido na pele em ADGL, leva ao aumento da produção de eicosanóides não inflamatórios. Dentre os produtos derivados do EPA (n3) estão as prostaglandinas da série 3, que apresentam baixa atividade inflamatória, o leucotrieno B5, com apenas um décimo da atividade do leucotrieno B4 na quimiotaxia de neutrófilos, o tromboxano A3 que resulta em fraca vasoconstrição e o ácido 15-hidroxieicosapentaenóico (15-HEPE), que inibe a síntese de leucotrieno B433. Desta forma, o potencial terapêutico destes ácidos graxos poliinsaturados reside na sua capacidade de competirem uns com os outros pelas mesmas vias enzimáticas envolvidas na síntese dos eicosanóides. Como não existe interconversão ente as séries n3 e n6, eles são incorporados aos fosfolípides da membrana celular, na dependência de sua concentração dietética, e este balanço irá determinar a produção de mediadores mais ou menos inflamatórios27. Assim, o consumo de óleo de peixe, ricos nos ácidos graxos n3, EPA e DHA, ou óleos ricos em ácido gama- linolênico (n6), como o óleo de borragem, óleo de prímula e óleo de cassis, resultam na substituição do AA pelo EPA e ADGL, respectivamente, na membrana dos macrófagos, alterando a proporção dos eicosanóides produzidos. Parte das doenças causadoras de prurido em cães e gatos são resultantes de reações alérgicas, como dermatite alérgica por picada de pulga, trofoalérgica atópica de contato e atópica. Algumas destas parecem ser devidas há uma susceptibilidade hereditária, provavelmente envolvendo células T supressoras, que não funcionam normalmente, resultando em um excesso de produção de IgE e IgGd1. Nestas condições, a presença de eicosanóides menos inflamatórios representa vantagem para os animais, podendo ser utilizados para limitar a inflamação, restaurar a integridade da proteção hidrolipídica e reduzir a penetração transcutânea de alérgenos, bactérias e fungos26. É importante o Médico Veterinário considerar, no entanto, que existe ainda muita controvérsia sobre a eficácia dos ácidos graxos poliinsaturados n3 em experimentos clínicos em cães. Alguns autores mostraram que o uso desses suplementos reduziu a inflamação cutânea, mas não teve efeitos óbvios no prurido23. Outros não encontraram efeito positivo com a suplementação em cães com dermatite atópica21. Mesmo quando uma resposta foi identificada, o controle do prurido foi 16 limitado a 11% ou 12% dos cães, mediante o fornecimento de cápsulas de óleo de peixe, com relatos de melhora em outros 30%. Resultados mais significativos têm sido conseguidos pelo fornecimento conjunto de EPA (n3) mais gama-linolênico (n6), associando-se em suplementos óleo de peixe e óleo de borragem32. Outra questão quanto ao uso de ácidos graxos como terapia antiinflamatória é sua possível interação com fármacos. Efeito sinérgico destes compostos com anti- histamínicos e predinisolona no manejo da atopia canina foram descritos, constituindo- se em importante auxílioao clínico com redução das doses destes medicamentos anti- pruriginosos, que apresentam inúmeros efeitos adversos à saúde dos animais. Ainda, parte dos resultados conflitantes pode ser explicada pelo fato de alguns experimentos preverem a suplementação dos animais com uma quantidade determinada de ácidos graxos poliinsaturados n3, mediante o fornecimento de cápsulas, sem levar em consideração sua relação com os n6 presentes naturalmente da dieta do animal. Foi demonstrado que somente quando estes ácidos graxos estabelecem uma relação na dieta total entre 5:1 e 10:1 ocorre modificação significativa a produção de eicosanóides por neutrófilos de cães36. Este fato é reforçado por outros estudos, que relataram melhora no prurido em 44,4% dos cães atópicos com o fornecimento de dieta comercial contendo uma relação n6:n3 de 5,5:134. Parte da controvérsia de resultados experimentais é explicada por não se deixar claro qual o ácido graxo n3 que se está avaliando. Como a conversão de ALA (n3), presente nos vegetais, para EPA e DHA, presente nos animais, é baixa, o fornecimento de 1 g de ALA, na forma de óleo de linhaça, é muito diferente do fornecimento de 1g de EPA mais DHA, na forma de óleo de peixe. Muitos estudos não previram, também, o efeito antiinflamatório do ADGL (n6). De qualquer forma está claro, hoje em dia, que os carnívoros devem receber em suas dietas EPA e DHA, por estes apresentarem melhor efeito biológico nestes animais, especialmente em felinos. De forma prática, se o Médico Veterinário concluir que estes ácidos graxos serão úteis, poderá ele optar por duas abordagens distintas em seu emprego na terapia coadjuvante de dermatopatias inflamatórias. O emprego de alimentos industrializados balanceados que apresentem relação correta, entre 5:1 e 10:1 de n6:n3, ou a suplementação dos animais com ácidos graxos dispostos em cápsulas. A primeira opção seria mais segura por se garantir que, na dieta total, a proporção correta destes compostos seja atingida, o que já foi demonstrado experimentalmente34. Deve-se preferir alimentos formulados com EPA e DHA (óleo de peixe) aos formulados apenas com ALA (semente de linhaça). Outro aspecto interessante é a presença de AGL (n6, óleos de borragem ou prímula). 17 A maior ou menor efetividade da suplementação com cápsulas dependeria de sua interação com os lípides da dieta do paciente. Um cão, por exemplo, que se alimente de 300g de uma ração com 10% de extrato etéreo e 1% de AL ingere 30g de gordura e 3g de AL por dia. Este mesmo animal, se passar a receber 300g de ração com 15% de extrato etéreo e 2% de AL irá ingerir 45g de gordura e 6g de AL. A administração de duas cápsulas, ambas com 150mg de EPA mais DHA, para este animal, na primeira situação estabeleceria uma relação com AL de 10:1 mas na segunda situação de 20:1. Existem muitos suplementos veterinários de ácidos graxos n3, mas habitualmente estes apresentam menos de 100mg de EPA mais DHA por cápsula, enquanto cápsulas de óleo de peixe contêm, normalmente, mais de 300mg destes compostos. Por fim, efeitos tóxicos de seu uso são improváveis, apesar de efeito imunossupressivo de dietas suplementadas com EPA e DHA terem sido descritas em camundongos14. O consumo de gordura poliinsaturada resulta, também, em maior oxidação orgânica e no aumento da demanda de vitamina E, nutriente que sempre deve acompanhar esta suplementação. Cada grama de óleo de peixe requer a administração ao animal de pelo menos 10UI de vitamina E. VITAMINAS Vitamina A Retinol, retinal e ácido retinóico são três componentes naturais que possuem atividade de Vitamina A em mamíferos. Suas fontes alimentares incluem ésteres de retinil (palmitato de retinal) em tecidos animais e carotenóides, principalmente o β- caroteno, nos vegetais. Os gatos, diferentemente dos cães, não convertem o β- caroteno em Vitamina A, o que faz com que estes necessitem de uma fonte de Vitamina A pré-formada, advinda de tecidos animais40. Trata-se de uma vitamina lipossolúvel essencial para o crescimento, reprodução, formação e remodelamento ósseo e visão, sendo também necessária para a diferenciação e manutenção dos tecidos epiteliais de revestimento20. O ácido retinóico influencia a diferenciação epidermal e afeta diretamente a queratinização, pela ação de receptores em genes da queratina, além de atuar no bulbo capilar, influenciando o crescimento dos pêlos30. O quadro mórbido cutâneo da deficiência de vitamina A inclue disqueratinização de superfícies epiteliais, metaplasia escamosa; hiperqueratose com oclusão das glândulas sebáceas e formação de pápulas firmes à palpação, localizadas ou generalizadas; pelagem de má qualidade, alopecia, descamação da pele e 18 susceptibilidade aumentada à infecções bacterianas secundárias. As manifestações de intoxicação são semelhantes àquelas da deficiência34. Por ser uma vitamina lipossolúvel é facilmente estocada no organismo, sendo a toxicidade mais preocupante do que a deficiência. É improvável que a deficiência de vitamina A ocorra em cães e gatos que ingerem dietas comerciais porque esses alimentos apresentam, corriqueiramente, quantidade superior à necessária dessa vitamina. Esta pode ocorrer, no entanto, em dietas caseiras baseadas em arroz, carne ou pescoço de frango. Fontes caseiras desta vitamina para cães incluem os vegetais e para cães e gatos o fígado dos animais. Casos de toxicidade podem ser observados em animais que recebem dietas ricas em fígado ou óleo de fígado de bacalhau gerando, quando da administração por longos períodos, a calcificação e fusão de corpos vertebrais. A dosagem de retinol para cães e gatos não deve exceder 650UI/kg/dia22. Dermatose responsiva à vitamina A Trata-se de condição mórbida que se apresenta, principalmente, em Cocker Spaniels, podendo acometer também Labradores Retriever e Schnauzers Miniatura. Não se trata de deficiência nutricional, mas de um defeito generalizado de queratinização que não responde ao tratamento convencional para disqueratinização. Obstrução (“plug”, cilindro) folicular e placas hiperqueratóticas na região ventral, lateral do tórax e abdômen podem aparecer. Outras manifestações mórbidas comuns incluem alopecia, descamação, formação de crostas, aumento progressivo da untuosidade com odor rançoso na pele, prurido, pele áspera e ressecada, foliculite bacteriana secundária e moderada a grave otite externa. O tratamento tentativo consiste na suplementação com 1.000 a 2.000UI de retinol por quilograma de peso corporal por dia, via oral junto às refeições. Quando há resposta esta se inicia após quatro semanas, com remissão dos sintomas em dois meses. A suplementação deve ocorrer por toda a vida do paciente20,30,34,37. Nesta dosagem a Vitamina A pode causar toxicidade, podendo ocorrer teratogênese, o que contra-indica a reprodução; baixa espermatogênese; alterações ósseas com dor e formação de hiperosteoses em coluna; alteração da atividade de enzimas hepáticas, aumento dos níveis de triglicérides e colesterol plasmático. Desta forma, avaliações periódicas dos pacientes são indicadas. Vitaminas do complexo B As vitaminas do complexo B estão envolvidas como cofatores em muitas funções metabólicas e das vias de síntese. Por serem hidrossolúveis não são estocadas no organismo, necessitando de reposição freqüente. Além das vitaminas 19 ingeridas com os alimentos, o organismo dos animais tem acesso às vitaminas originadas de síntese microbiana intestinal, o que de certa forma o protege de deficiências. Hipovitaminoses normalmente estão associadas, desta forma, à anorexia, ao consumo de alimentos não suplementados, a antibioticoterapia prolongada, com perda da microbiota intestinal ou perda excessiva de vitaminas, em casos de poliúria e enterite20,34,37. Em geral os sintomas e as lesões associados à deficiência das vitaminas hidrossolúveissão a disqueratinização, alopecia, anorexia e perda de peso. A hiperqueratose nasodigital, também, pode ocorrer. Trata-se de alteração de queratinização caracterizada por aumento da deposição de tecido córneo, originado da epiderme e fortemente aderido a ela, nos coxins, trufa nasal ou em ambos9. Apesar desta queratose se apresentar de forma idiopática pode decorrer de vasta variedade de quadros de base incluindo: cinomose, leishmaniose, lupus eritematoso (discóide ou sistêmico), pênfigo foliáceo, Síndrome hepato-cutâneo e “Mal-de-cuia”, e, também, originar-se de deficiências ou excessos nutricionais11. Os coxins apresentam-se endurecidos e rachados, contendo excesso de queratina, que torna o deambular doloroso, mormente em cães de grande porte. Fissuras e erosões somam-se, significativamente, ao desconforto19,34, Ocorre, igualmente, endurecimento e ressecamento da trufa nasal, que adquire aspecto áspero e hiperqueratótico. Os achados histopatológicos incluem hiperplasia epidérmica, irregular a papilada, e hiperqueratose ortoqueratótica a paraqueratótica acentuada. A deficiência de biotina produz uma alopecia característica ao redor dos olhos e face, com deposição de crostas. A hiperqueratose nasodigital, conforme características descritas anteriormente, também, pode ocorrer. Esta pode ser secundária ao emprego de ovo cru na dieta dos animais, já que a clara possui avidina, substância que se liga à biotina no intestino, impedindo sua absorção. O consumo exagerado de ovo cru é extremamente raro e improvável em cães e gatos, de modo que a deficiência de biotina secundária à antibioticoterapia, quimioterapia, diarréia e às infecções crônicas é a mais provável de ocorrer nestes animais. O animal consumia alimento industrializado de boa qualidade e teve a reversão parcial do quadro após 90 dias do consumo de biotina, suplementada sob a fórmula de cápsulas, na dose empírica de 0,65mg/kg de peso corporal, diariamente. O quadro foi secundário à antibioticoterapia prolongada devido à cistite recorrente e à quimioterapia para tratamento de tumor venéreo transmissível, o que ilustra a necessidade de se suplementar nutricionalmente pacientes nestas condições. A deficiência de riboflavina causa queilite e disqueratinização, especialmente ao redor dos olhos e no ventre, atrofia dérmica, alopecia, conjuntivite e estomatite. Em felinos, está associada à alopecia na região cefálica. Já a deficiência de niacina 20 acomete principalmente os gatos, que não são capazes de sintetizá-la a partir do aminoácido triptofano dietético, ou os animais que recebem dietas à base de proteína vegetal, pobres neste aminoácido. O cortejo mórbido advindo da deficiência de niacina é aquele da pelagra (dermatagra) ou “língua negra” (noma “símile”), com ulceração das mucosas, diarréia, emaciação e quadros pruriginosos em membros e abdômen. A deficiência de ácido pantotênico resulta em dificuldades de cicatrização, pelagem baça, eriçada, facilmente epilável, descamação de pele, acromotriquia e formação de crostas22. A suplementação vitamínica do Complexo B pode ser realizada com produtos, líquidos ou em pó, e pelo emprego de alimento industrializado de boa qualidade. Para dietas caseiras, a levedura de cerveja constitui-se em excelente suplemento que, além de conter quantidades adequadas destas vitaminas, é naturalmente palatável para cães e gatos. As dosagens são empíricas, sugerindo-se 0,5 grama, por dia, para gatos e cães de pequeno porte, 1 a 2 gramas, por dia, para cães de médio porte e, por dia, finalmente, 3 a 4 gramas diárias, para cães de porte grande. Na tabela 2 é apresentada sugestão de suplementação de vitaminas para cães e gatos com vistas à correção de dermatopatias nutricionais. Vitamina E A vitamina E pertence ao grupo de compostos denominados tocoferóis, sendo o principal o alfa-tocoferol. Juntamente com o selênio, ela é importante na manutenção da estabilidade das membranas celulares e dos lisossomos. Participa, ainda, do processo inflamatório, reduzindo a produção de prostaglandina E2 e interleucina 2, sendo, também, essencial ao funcionamento das mitocôndrias. A vitamina E protege as membranas celulares da ação dos radicais livres, produtos do metabolismo intermediário, especialmente de lípides, com potenciais efeitos deletérios sobre o organismo. As moléculas mais suscetíveis a ação dos radicais livres são os ácidos graxos poliinsaturados da membrana celular, o ataque a estas estruturas causa perda da fluidez de membrana e mesmo sua ruptura com subseqüente morte da célula. A deficiência de vitamina E, de ocorrência natural, tem sido relatada em gatos. Ela ocorre quando estes são alimentados por longos períodos com atum ou óleo de peixe, ambos ricos em ácidos graxos poliinsaturados, mas pobres em vitamina E. As manifestações clínicas consistem em anorexia, pirexia, hiperestesia, anemia hemolítica, leucocitose e aparecimento de nódulos subcutâneos, de consistência firme, devido à panosteatite, resultante do acúmulo de ceróide, um produto da peroxidação lipídica, no panículo e gordura intra-abdominal. O processo leva à necrose e inflamação tecidual, causando dor à palpação e à deambulação. O tratamento consiste na adequação da dieta e suplementação com 10 UI de vitamina E por quilograma de peso corporal por dia30,34. 21 Embora tenha baixa morbidade, podem ser evidenciadas manifestações cutâneas da hipovitaminose E retratadas por disqueratinização. Alimentos industrializados normalmente apresentam concentração adequada no nutriente. Deve- se considerar, no entanto, as possibilidades de perdas em processamento e estocagem, pois a vitamina E pode ser oxidada durante o período de armazenamento do alimento se este não for adequadamente preservado com antioxidantes, sofrer contaminação fúngica ou ou ser atacado por insetos e apresentar embalagem violada ou aberta6. Dermatose responsiva à vitamina E A Vitamina E, também, vem sendo estudada como terapia adjunta para doenças auto-imunes e inflamatórias, como lúpus eritematoso discóide e sistêmico, pênfigos superficiais, paniculite estéril, acantose nigricante e dermatomiosite, sendo geralmente usada em conjunto com agentes imunossupressores. Alguns pesquisadores acreditam que o estresse oxidativo, ou o desequilíbrio entre pró- oxidantes e o potencial antioxidante do organismo, desempenham, provavelmente, papel significativo no desenvolvimento destas dermatoses. Neste sentido, supostamente, altas doses de Vitamina E podem prevenir os danos celulares induzidos pelos radicais livres, inibir a atividade de enzimas proteolíticas e aumentar a atividade fagocitária e a imunidade humoral e celular. O aumento da quantidade de Vitamina E nos alimentos para cães e gatos resulta em maiores concentrações cutâneas e séricas desta vitamina13. As doses sugeridas de Vitamina E, como adjuvante no tratamento de dermatoses inflamatórias, varia de 200 a 800 UI a cada 12 horas, o que corresponde a 20 a 100 vezes a necessidade diária de um cão com 10 kg de peso. Essa dose foi utilizada com sucesso no lúpus eritematoso tanto na modalidade discóide como na sistêmica34. No entanto, os resultados encontrados têm sido variáveis, não havendo ainda consenso sobre sua eficácia. Acredita-se que esta não seja efetiva nos casos de dermatite atópica, redundo em resultados variáveis no lúpus eritematoso, sarna demodécica e dermatomiosite do Collie e Pastor de Shetland. Onde parece haver consenso sobre sua utilidade é na terapia adjunta da “acantosis nigricans” primária do Dachshunds. Tal doença caracteriza-se por perda de pêlos, intensa hiperpigmentação ou melanodermia de pele, aumento da untuosidade, formação de crostas, foliculite bacteriana secundária, descamação e odor de ranço exalando da pele. O tratamento padrão da afecção baseia-se em terapia tópica com xampus queratolíticos e queratoplásticos ena corticoterapia (tópica ou sistêmica). No entanto, a administração de 200 mg de vitamina E, duas vezes ao dia, pode colaborar no seu controle e reduzir a dose necessária de corticosteróides para controle dos sintomas. 22 Suplementação vitamínica A tabela 2 apresenta sugestões de suplementação vitamínicas para cães e gatos, retiradas de várias fontes de informação2,22. Estas podem ser utilizadas pelo clínico como um guia para o estabelecimento das doses de suplementos a ser acrescentadas à dieta ou fornecido diretamente aos animais. Estas não constituem necessidades nutricionais mínimas, mas sugestões práticas de uso. Como o já comentado para a suplementação de microelementos, a suplementação é segura e recomendada para dietas caseiras, mas desnecessária para alimentos industrializados. Tabela 2 – Sugestão de suplementação de vitaminas para cães e gatos com vistas à correção de dermatopatias decorrentes de deficiências nutricionais9,22. Nutriente Cão Gato Suplementação por kg de peso corporal Suplementação por kg de alimento (MS¹) Suplementação por kg de peso corporal Suplementação por kg de alimento (MS¹) Vitamina A (UI)* 350 5.000 170 9.000 Vitamina E (UI)* 2 50 2 40 Tiamina (mg) 0,1 1 0,3 5 Riboflavina (mg) 0,4 2,2 0,2 4 Piridoxina (mg) 0,1 1 0,15 4 Niacina (mg) 1,2 11,4 2 60 Ácido pantotênico (mg) 1 10 0,3 5 ¹ - matéria seca do alimento *- seu uso farmacológico implica em suplementações bem mais elevadas, tal como consta no texto. DOENÇA CUTÂNEA POR ALIMENTO CANINO DE BAIXA QUALIDADE (“MAL-DE- CUIA”) Em livros de dermatologia relata-se que cães alimentados com rações “genéricas” podem desenvolver lesões de pele que se confundem com várias deficiências, principalmente com as manifestações tegumentares da dermatite responsiva ao zinco34. Trata-se, na verdade, da vigência de múltiplas deficiências nutricionais concomitantes no alimento, que se refletem na deterioração da 23 homeostasia cutânea. Dentre os fatores nutricionais mais importantes que podem estar presentes nestes alimentos, inclui-se: - Deficiências de ácidos graxos essenciais: estas podem ser primárias, pela baixa inclusão destes nutrientes no alimento, ou secundárias à perda destes pelo processo de oxidação e rancificação da gordura. A avaliação de rótulo, confirmando a baixa porcentagem de extrato etéreo ( 5%) e a adição de “gordura animal estabilizada”, a aquisição de produtos próximos ao final da data de validade ou a detecção de processo oxidativo (odor de ranço), podem sugerir a ocorrência do problema; - Deficiência de proteína ou aminoácidos essenciais: alimentos com baixos teores de proteína bruta ( 18%) e ingredientes protéicos de baixa digestibilidade e qualidade, como farinha de penas, listados dentre os ingredientes; - Deficiências de vitaminas e microelementos: alimentos mal formulados, com suplementação vitamínica inferior à recomendada pela AAFCO2, que sofreram oxidação, contaminação fúngica ou ataque por insetos e os que foram mal estocados ou expostos (p.ex. vendidos a granel, embalagem violada); - Deficiência de zinco: adição inferior à necessidade, emprego de fonte de zinco de baixa biodisponibilidade (p.ex. óxido de zinco), alimentos ricos em fibra ( 5%), presença de farelos vegetais e fitato (p.ex. farelo de trigo) e rações com excesso de cálcio ( 2,2%), fatores estes que diminuem a absorção intestinal do elemento. As manifestações clinicamente evidenciadas na doença cutânea por alimento canino de baixa qualidade, denominada também no Brasil por “Mal-de-cuia”15, incluem pirexia, depressão, linfoadenomegalia e, principalmente, lesões tegumentares sediadas no plano nasal, junções muco-cutâneas e articulações, caracterizadas por eritema de base, escamas grosseiras, exacerbada deposição crostosa encimando áreas erosadas e/ou ulceradas, queratose e lignificação (Fig. ...). Os achados histopatológicos contumazes mas não patognômicos são de dermatite perivascular hiperplástica, queratose paraqueratótica, disqueratose focal, edema e necrólise epidérmica e infiltrado inflamatório dérmico misto. A conduta clínica envolve a substituição da ração por outra de boa qualidade, prescrição de xampus ou sabões queratolíticos e terapia adjuvante minimizadora das manifestações sistêmicas. É importante o Médico Veterinário considerar estes aspectos no estabelecimento do diagnóstico das dermatopatias. Estudo recente verificou que as rações brasileiras econômicas apresentaram valor médio de proteína bruta de 16,9%, inferior ao mínimo exigido pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, de 18%. Apresentaram, ainda, alto teor médio de fibra bruta (6,4%) e cálcio (1,9%). 24 Não é incomum verificar-se a suspeição clínica de “alergia alimentar” quando se trata de desnutrição. Prescreve-se alteração da dieta, com o emprego de alimento industrializado de boa qualidade e tem-se a “cura” do animal independentemente do emprego de antipruriginosos e anti-inflamatórios esteroidais. Uma melhor avaliação da dieta poderia evidenciar, ao menos em parte das vezes, ser o problema, na realidade, desnutrição. Na tabela 3 é apresentada uma sinopse dos erros alimentares mais freqüentes que ocasionam dermatopatias nutricionais em cães e gatos. 25 Tabela 3 – Alguns dos principais erros alimentares que podem ocasionar dermatopatias nutricionais em cães e gatos Além de se reconhecer aspectos indesejáveis, quais seriam as características ideais de um alimento industrializado a ser fornecido para um cão ou gato com problemas de pele? Esta é uma pergunta bastante difícil de ser respondida, poucos estudos existem a este respeito. Desta forma, dispõem-se, na Tabela 4, a título de sugestão, o que poderia representar benefício em potencial para o animal, colaborando para sua recuperação. Dietas dentro das especificações a seguir dispostas, podem ser indicadas tanto para pacientes com dermatopatias nutricionais Alimento Particularidades Conseqüências nutricionais Conseqüências ao tegumento Alimento industrializado de baixa qualidade Proteínas de baixa digestibilidade e em baixa quantidade Deficiência de proteínas descamação, hiperpigmentação epidermal, queda de pêlos, pêlos finos, quebradiços e descoloridos, formação de crostas, seborréias, hiperqueratose nasodigital, conjuntivite, otite externa, eritema, inflamação, piodermite secundária. Baixa quantidade de gordura, gordura saturada Ingestão de energia insuficiente, deficiência de ácidos graxos poliinsaturados Deficiência de vitaminas Suplementação do alimento inferior às necessidades Excesso de matéria mineral e de cálcio Antagonismos entre os minerais e deficiências de zinco e cobre Dietas caseiras (não suplementadas) Deficiência de microelementos e vitaminas Baixa quantidade nos alimentos e falta de suplementação Suplementos minerais em excesso Excesso de cálcio Deficiência de zinco 26 como para aqueles nos quais a nutrição apresenta caráter secundário ou mesmo não se relaciona com a afecção. Isto pois, uma vez alterada a pele, por qualquer motivo de doença, espera-se aumento das necessidades nutricionais do paciente para que se efetue rápida e adequada recuperação dos tecidos e crescimento de anexos cutâneos saudáveis. Tabela 4 – Sugestão de composição nutricional de alimento industrializado para recuperação de cães e gatos com dermatopatias*. Nutriente Teores adequados (%) Digestibilidade adequada Fontes de boa qualidade Fontes menos interessantes Cães gatos Proteína > 24 > 30 >80% Carnes frescas, farinha de vísceras de frango, glúten de milho 60% Farinha de penas, farinha de sangue, farinha de carne e ossos Extrato etéreo (gordura) > 12 > 90% óleos vegetais, óleode frango, óleo de peixe Sebo bovino, gordura animal estabilizada Ácidos graxos poliinsaturados Cis-linoléico > 2,0 Alfa-linolênico > 0,15 EPA + DHA > 0,1 Óleo de peixes de águas frias, óleo de soja, linhaça, óleo de vísceras de frango Carboidratos (Amido) < 40 > 90% Arroz, milho, sorgo Farelo de trigo, farelo de arroz Fibra bruta < 3 Polpa de beterraba, casca de soja, etc. Matéria mineral < 8 27 Zinco > 175mg/kg Sulfato de zinco, zinco metionina, zinco proteinado Óxido de zinco Cálcio < 1,4% Vitamina A 12000 UI 14000 UI Vitamina E > 300 UI *- considerando animais doentes, com aumento de necessidades nutricionais LITERATURA CITADA 1. ACKERMAN, L. 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