Buscar

PLAUTO - Rudens

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 52 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 52 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 52 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

Autor: Plauto
Titulo: Rudens (A Corda)
Tradutor. Maria Isabel Rebelo Gonçalves
Editor: FESTEA - Tema Clássico
Edição: 1/2011
Propriedade: FESTEA - Tema Clássico
Concepção e Planeamento: FESTEA - Tema Clássico
Apoio à Edição: FCT - POCI 2010
Secretariado:
FESTEA - Tema Clássico
Instituto de Estudos Clássicos
Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra
Praça da Porta Férrea
3004-530 Coimbra
Telefone: 967685736
Fax: 239410022
e-mail: teaclassGci.uc.pt
Edição exclusiva para uso do Festival Internacional
de Teatro de Tema Clássico.
IMPRESSÃO E EXECUÇÃO GRÁFICA:
Simões & Linhares, Lda.
Av. Femando Namora, n.º 83 - Loja 4
3000 COIMBRA
ISBN: 978-972-8869-32-8
Depósito Legal: 292935/09
Introdução
. Rudens
Índice
7
19
PERSONAGENS
ARCTURO, Prólogo
CEPARNIÃO, escravo de Démones
PLEUSIDIPO, jovem
DÉMONES, velho
PALESTRA, jovem mulher
AMPELISCA, jovem mulher
PTOLEMOCRACIA, sacerdotisa de Vénus
PESCADORES
TRACALIÃO, escravo de Pleusidipo
LÁBRAX, alcoviteiro
CÁRMIDES, velho
ESCRAVOS responsáveis pelas chicotadas
GRIPO, pescador
ARGUMENTO
Com a sua rede, um pescador retirou do mar uma mala,
onde estavam pequenos objectos da filha do seu amo, que fora
raptada e caíra em poderde um alcoviteiro. Atirada à costadepois
de um naufrágio, tornou-se, sem o saber, cliente do seu próprio
pai: é reconhecida e casa-se com o seu amigo Pleusidipo.
A cena representa uma casa perto do mar e um templo. Em frente
do templo há um altar consagrado a Vénus. À esquerdafica a saída para
a cidade de Cirene e para o porto; à direita está a saída para a praia.
PRÓLOGO
ARCTURO -
Sou concidadão, na cidade dos habitantes do céu, daquele
que põe em movimento todas as gentes, mares e terras. Sou,
como vedes, uma cintilante estrela pura, astro que se ergue
sempre em devido tempo, [5] aqui e no céu. Chamo-me Arcturo.
De noite, estou brilhante, no céu e entre os deuses; durante o
dia, ando entre os mortais. Outros astros também descem do
céu à terra. Júpiter, que é senhor supremo de deuses e homens,
(10) divide-nos entre as gentes, cada um por seu lado, a fim de
tomarmos conhecimento das acções, costumes, piedade e boa-fé
dos homens, para que a Opulência a cada um favoreça.
(1I5]Levamos a Júpiter os nomes transcritos dos que
procuram demandas fraudulentas com falsos testemunhos, dos .
que juram falso para negar dívidas na justiça. Todos os dias ele
sabe quem aquimerece castigo. Julga, de novo, o caso julgado: os
maus que procuram ganhar demandas jurando falso, que obtêm
do juiz bens ilegítimos, [20] castigaos commulta maior do que o
recebido na demanda
Tem os bons inscritos noutras tábuas. E se os malvados
pensamquepodem tornar Júpiterpropício comoferendasou com
vítimas de sacrifícios, perdem trabalho e despesa. Acontece que
21
Plauto
25] ele não aceita petições de perjuros. Mas se quem é picdoso
suplicar aos deuses, encontra favormais facilmente do que quem
é malvado. Aconselho-vos, por isso, a vós que sois bons e viveis
com compaixão e probidade: (30) continuai, para vos alegrardes
depois com a vossa obra.
Agora vou expor o argumento da peça, por causa da qual
aqui vim.
Antes de mais, Dífilo quis que esta cidade se chamasse
Cirene. É lá que, perto do mar, num terreno e casa anexa, mora
Démones, [35] um velho que para aqui veio exilado de Atenas,
mas não é mau. Não está afastado da pátria pormalvadez, mas
acabou por se enredar para salvar outros e, por liberalidade,
perdeu um excelente património. Também ficou sem a única
filhinha pequena.[40] Um homem sem-vergonha comprou-a ao
Taptor e trouxe a menina aquii para1 Cirene. Um jovem ateniense,
seu compatriota, para casa depois de uma aula de lira e
apaixonou-se por ela. Dirige-se ao mercador, 45 4oferece porela
trintaminas, dá um sinal e fá-lo comprometer-se sob juramento.
Mas, como habitualmente, o alcoviteiro não fez caso da palavra
dada, nem do juramento que fiera ao jovem.
Era hóspede do alcoviteiro um velho siciliano, tão bom
como ele, [50] um safardana de Agrigento, traidor da sua
terra. Começaa elogiar-lhe a beleza da pequena e das outras
raparigas que ele tinha. Instiga-o a ele para-a
o que ai via muitos homens dados aosprazeres,
[55] e quepoderia ficar fico, porque havia lá grande procura
de meretrizes.Convence-o. escondidas contratado um
navio. De noite, o alcoviteiro transporta para o navio toda a
gente da casa. Ao jovem que lhe tinha comprado a pequena
[60] diz que quer pagar uma promessa a Vénus - eis (aponta) o
templo de Vénus - e convida o jovem para almoçar aqui. Mas
sobe imedint-mente para navioe leva as meretrizes. Outros
Lam, 30 jovem como tudo se [68] forase
embora. O jovem vem ao porto, mas o navio já se afastara para
longe, para o altomar.
Eu, ao ver a pequena ser levada, vim auxiliá-la e, ao
mesmo tempo, causar a perdição do alcoviteiro. Levantei uma
tempestade e agitei as ondas do mar. (70) Sou Arcturo, a mais
a
Rudens (A Corda)
terrível de todas as estrelas: sou muito violento quando nasço
e mais violento aínda quando me ponho. Agora, alcoviteiro e
hóspede foram ambosatirados para um rochedo e o navio fez-
se-lhes em Mas a e a outra escravazita
(75] saltaram, do para unr galva-vidas As ondas
levam-nas agora do rochedo para terra, junto da casa andemora
o velho exilado, da qual o vento deitou abaixo telhado e telhas.
Ali está o escravo dele, a sair de casa, (80) Logo chegará, como
vereis, o jovem que comprou a pequena aomercador.
Passai bem e que os vossos inimigos desesperem.
ACTOI
CENAI
CEPARNIÃO
CEPARNIÃO (saindo de casa)
Pelos deuses imortais! Que grande tempestade Neptuno
nos enviou a noite passada! (85] O vento destelhou a casa. Que
q hei-de dizer? Não foi vento, foi como na Alcmena de Eurípides:
até arrancou todas as telhas do telhado;meteu as janelas dentro,
* fê-las darmais luz.
CENAI
PLEUSIDIPO CEPARNIÃO DÉMONES
PLEUSIDIO (vindo do porto, acompanhado de amigos)
Desviei-vos dos vossos negócios, (90) e não valeu de nada
o favor por cansa do qual vos trouxe: não consegui apanhar o
alcoviteiro no porto. Mas não quis perder a esperança com a
minha inacção. Por isso vos demorei tanto tempo, amigos.Agora
venho averiguar aqui no templo de Vénus, [95] onde ele tinha
dito vir fazer um sacrifício.
CEPARNIÃO (a olhar para a casa destelhada)
Se tivesse juízo, preparava este barro, que dá cabo demim.
23
Plauto Rudens (A Corda)
PLEUSIDIPO PELEUSIDIPO -
Quem estará a falar aqui ao pé? Mas os deuses vão dar-te...
DÉMONES (saindo de casa) CEPARNIÃO
Olá Cepamião! E, por Hércules, que a ti, sejas lá quem fores, te dêem
um grande mal, porque ocupas com esse falatório pessoas tão
CEPARNIÃO ocupadas.
Quem me chama? PLEUSIDIPO (a Démones, apontando para a casa)
*
DÉMONES [110] É aqui quemoram?
Quem deu dinheiro por
CEPARNIÃO Que tens com isso? Estarás à procura de um sítio para
Estarás a lembrar que sou teu escravo, Démones? depois vires cá roubar?
DÉMONES PLEUSIDIPO (irritado)
[100] É preciso muito barro, cava muita terra. Estou a ver Tem de ser rico edignoo escravo que se permite dar à língua
a minha casa toda destelhada. Só há buracos, a luz passa como
|
na presença do amo e falar tão rudemente a um homem livre...
num crivo.
CEPARNLAO - a
PLEUSIDIPO (aproximando-se de Démones) (115) E tem de ser descarado e sem-vergonha o homem que
Viva, meu Pai... ou antes (ao ver Ceparnião) vivam a ambos. vem incomodar casa alheia, que nada lhe deve!
DÉMONES DÉMONES
Viva! Cala-te, Ceparnião. (A Pleusidipo.) De que precisas, jovem?
CEPARNIÃO PLEUSIDIPO
Ó tu que lhe chamas pai, és homem oumulher? Castigo para este, que se apressa a falar primeiro, quando oamo está presente. [120] Mas, se não te importas, queria fazer-te
PLEUSIDIPO umas breves perguntas.
[105] Sou um homem, sim. DÉMONES
CEPARNIÃO
noutro lado
De boa vontade, o do ocupado.
Então, homem, vai procurar pai nou' CEPARNLAO (a Pleusidipo)
DÉMONES Porque não vais parao pântano cortar canas, para cobrirmos
Eu tive a uma
filhi e perdi-a. Nunca tive filho a enquanto está bom tempo?
homem.
24 L 25
Plauto
DÉMONES (a Ceparnião)
Cala-te! (A Pleusidipo.) E tu diz o que precisas.PLEUSIDIPO
Peço-tequemedigas [125] sevisteaqui umhomem com cabelos
brancos encaracolados, ummalvado, um perjuro, um fingido.
DÉMONES
Muitos. É mesmo por causa desses homens que eu vivo tão
pobre.
PLEUSIDIPO
Falo de um que trouxe duas jovens com ele aqui ao templo de
Vénus, e se preparava [130] para fazer um sacrifício, hojeou ontem.
DÉMONES
Não, por Hércules, meu rapaz. Há muitos dias que não vejo
aqui ninguém fazer sacrifícios; e quem quer que os faça não pode
fazê-lo sem eu saber. Sempre daqui pedem ou água, ou lume, ou
vasinhos, ou uma faca, ou um espeto, [135] ou uma panela para
cozer entranhas, qualquer coisa. Que hei-de dizer? É para Vénus
e não para mim que tenho estes utensílios e o poço. Mas já lá vão
muitos dias...
PLEUSIDIPO
Com as tuas palavras anuncias a minha perdição!
DÉMONES
Por Hércules! Se dependesse de mim, estarias são e salvol
CEPARNIÃO (a Pleusidipo)
[140] Ó tu que andas à roda do templo com fome, é melhor
encomendares almoço em tua casa.
DÉMONES
Se calhar foste convidado para almoçar aqui, e quem te
convidou não veio?
26
Rudens (A Corda)
PLEUSIDIPO
Exactamente!
CEPARNIÃO
Não há perigo se fores para casa sem comer. [145] Mais vale
seguires Ceres que Vénus: esta cuida do amor, Ceres do trigo.
PLEUSIDIPO (à parte)
Este sujeito troçou demim de modo revoltante!
DÉMONES (olhando para o mar)
Pelos deuses imortais! Ceparnião, que homens são aqueles,
perto da costa?
CEPARNIÃO (irónico)
(150) que foram convidados para um almoço dePar
despedid
DÉMONES
Como?
CEPARNIÃO
Porqueme parece que se lavaram ontem, depois da ceia...
DÉMONES
O navio fez-se-lhes em pedaços nomar.
CEPARNIÃO
Pois é. Mas a nós, por Hércules, foi em terra, casa e telhas.
DÉMONES
Oh! [155] Que pouco valem, homenzinhos! Como nadam,
depois de naufragarem!
PLEUSIDIPO
Desculpa, onde estão esses homens?
DÉMONES
Aqui, à direita. Não vês, perto da costa?
PLEUSIDIPO
Vejo! (Aos amigos.) Sigam-me.Oxalá seja aquele que procuro,
esse grande malvado. (A Démones e Ceparnião.) Tenham muita
saúde! (Saem.)
CEPARNIÃO
Ainda que não o sugerisses, nós próprios nos lembraríamos.
(Olhando para o lado do mar.) [160) Mas, ó Palémon, venerável
companheiro de Neptuno, que dizem ser associado de Hércules,
que desgraça vejo?
DÉMONES
Que vês?
CEPARNIÃO
Vej enas, sentadas sozinhas num salva-vidas.
|
Que tormento passam, as desgraçadas! (Excitado.) Bravo, bravo,
muito bem: [165) uma vaga traz o salva-vidas do rochedo paraa
costa. Nem um piloto o faria melhor. Julgo que nunca vi ondas
maiores. Estão salvas, se conseguirem safar-se daquelas vagas.
Agora, agora, há perigo! Uma onda atirou uma delas ao mar. |
(170) Mas está no banco de areia, escapará facilmente. Bravo! Vês
como a vaga lançou a outra borda fora? Levantou-se, vem para |
aqui, tudo corre bem. A outra também se atirou do salva-vidas
para terra. Com medo, caiu de joelhos na água. [175] Está salva!
Saiu da água, já está na costa! Mas...maldição! Desviou-se para a
€direita, vai perder-se. Ui! Ela vai desgraçar-se hoje.
DÉMONES (perdendo a paciência)
Que te importa?
CEPARNIÃO
Se cai do rochedo a que se agarrou, [180] não tarda a perder-se...
Rudens (A Corda)Plauto
DÉMONES
Se vais à tarde cear à sua custa, acho que deves preocupar-te
com elas, Ceparnião. Se queres comer em minha casa, quero que
cuides de mim.
CEPARNIÃO
Tens muita razão!
DÉMONES
Então toca a segu:ir-me.
CEPARNIÃO
Sigo. (Entra em casa com Démones.)
CENA HI
PALESTRA
PALESTRA (vinda da praia)
[185] O que dizem da má sorte dos mortais é muito menos
do que a desgraça que na realidade experimentam. Pôde isto
agradar a um deus? E eparo, cheia de medo, atirada
para regiões desconhecidas? Terei de pensar que nasci para esta
desgraça? [190] Será esta a recompensa da minha piedade sem
limites? Não me seria penoso suportar esta desdita, se tivesse
desrespeitado os pais ou os deuses:mas se, com desvelo, procurei
não o fazer, então, [195] ó deuses, tratais-me indignamente,
iniquamente, imoderadamente. Depois disto, como reconhecer
os ímpios, se é esta a vossa recompensa para os inocentes? Se
soubesse que eu ou os meus pais tínhamos cometido algum
sacrilégio, não me queixaria tanto. Mas é o crime do meu dono
queme atormenta, a sua impiedade causa omeu mal. Ele perdeu
nomar o navio e tudo omais. Sou o que resta dos seusbens. [200]
Também se perdeu aquela que embarcou comigo no salvavidas.
Agora estou só. Se ela seme tivesse salvo, esta provação seria pelo
menos mais suave com os seus cuidados.Agora,
Que socorro? Que resolução tomar? [205] Fiquei aqui sozinha,
senhora destes lugares solitários. Aqui há rochedos, aqui o mar
29
Plauto
ruge; não avisto ninguém. Isto que tenho vestido é tudo quanto
possuo. Não sei onde arranjar comida, nem onde me abrigar.
Que esperança me resta para querer viver? [210) Não conheço
o lugar, nunca estive aqui. Ao menos queria ver alguém queme
mostrasse uma estrada, uma vereda, para sair destes sítios: não
sei que decisão tomar; irei por aqui ou por ali? Nem sequer vejo
por perto algum campo cultivado. [215] Frio, indecisão, pavor,
tudo se apodera de mim, Meus infelizes pais, não sabeis como
sou agora tão desgraçada! Nasci livre, sem dúvida. Em vão! Será
que aminha escravidão é agora menora do, que se tivesse nascido
escrava? E aproveitou alguma coisa âqueles que me deram a
CENA IV
vida?
y+
AMPELISCA PALESTRA
AMPELISCA (vindo também da praia)
[220] Que será melhor para mim, que mais fazer, senão
pôr termo à vida? Sou tão desgraçada, tenho na alma tantas
inquietaçõesmortais... Às coisas estão assim: 1não quero saber da
vida, perdi a esperança queme animava. Já andei por todoo lado,
já entrei em todos os recantos à procura daminha companheira,
com a voz, o olhar, os ouvidos, para lhe seguir o rasto. [225]
Não consigo descobri-la, não sei para onde ir, nem onde mais
procurar. Nem sequer encontro alguém que entretanto me dê
uma resposta. Não há terras mais isnladas do que estes lugares
e estas regiões. Mas, se ela está viva, viver, nunca
desistirei de a encontrar
PALESTRA
De quem é esta voz que soa ao pé demim?
*
AMPELISCA
[230] Quemedo! Quem fala aqui ao pé?
PALESTRA
Boa Esperança, acode-me, por favor! Livrarás esta infeliz do
medo?
(
Rudens (A Corda)
AMPELISCA
É dúvida uma voz de mulher que entra nos meus
ouvidos...
PALESTRA
É umamulher, uma voz demulher chega aosmeusouvidos!
[235] Desculpa, és a Ampelisca?
AMPELISCA
És tu quem oiço, Palestra?
PALESTRA
Porque não a chamo pelo seu nome, para que me oiça?
Ampelisca!
AMPELISCA
Hem? Quem é?
PALESTRA
Sou eu, a Palestra.
AMPELISCA
Diz-me onde estás.
PALESTRA
Por Pólux, agora estou em grandes perigos.
AMPELISCA
Estou na mesma, o meu azar não é menor que o teu. [240]
Mas queromuito verte.
PALESTRA
Estás como eu.
AMPELISCA
Sigamos a voz, caminhando. Onde estás?
31
Plauto Rudens (A Corda)
PALESTRA PALESTRA
Estou aqui. Aproxima-te demim. Vem aomeu encontro. O quê?
AMPELISCA AMPELISCA
Damelhor vontade. Por favor, não vês este templo?
PALESTRA PALESTRA
Dá-me a mão. Onde?
AMPELISCA AMPELISCA
Toma. À direita.
PALESTRA PALESTRA
Diz-me, estásmesmo viva? Vejo, o lugar parece digno de deuses.
AMPELISCA AMPELISCA
Éstuqueme fazesagoraquererviver, [245] porqueposso tocar- [255] Por certo que há gente não longe daqui, este lugarte. Custa-me acreditar nisto: tenho-te nosmeus braços! Abraça-me, é tão agradável! Seja qual for o deus, rogo-lhe que nos livreminha esperança. Comome alivias de todas as penas! desta aflição e dê algum auxílio a estas infelizes, desgraçadas,
ansiosas.
PALESTRA
Tiras-me as palavras da boca.Agoraémelhor irmo-nos daqui.
AMPELISCA CENA V
Para onde iremos? PTOLEMOCRACIA PALESTRA AMPELISCA
PALESTRA +
[250] Sigamos esta costa. PTOLEMOCRACIA (saindo do templo)
Quem é que faz preces à minha patrona? A voz deAMPELISCA | suplicantes fez-me vir cá para fora. [260] Procuram uma deusa
Sigo por onde quiseres. | boae complacente, semmá vontade, muito benévola.
PALESTRA PALESTRA
Mas iremos assim, com a roupa ensopada? Alegramo-nos que estejas de saúde, Mãe.
AMPELISCA PTOLEMOCRACIA
O quetem de ser temmuita força! (Avistando o templo.)Mas Vivam, pequenas. Mas donde vêm, [265] vestidas com tal
que é aquilo?
|
desalinho, com essa roupa ensopada?
a 33
Plauto
PALESTRA
Vimos de nãomuito longe daqui, mas o lugar donde fomos
trazidas ficamuito longe.
PTOLEMOCRACIA
Acaso foram trazidas por um cavalo de pau, por caminhos
cenúleos?...
PALESTRA
Exactamente...
PTOLEMOCRACIA
Então seria mais próprio terem vindo (270) vestidas de
branco, com vítimas para sacrifício: não é costume vir-se a este
templo nesse preparo.
PALESTRA
Desculpa! Se fomosambas atiradas domar, dondeesperavas
queparaaqui trouxéssemosvítimas?Agora, carecidasde recursos
[275] e não sabendo o que esperar nestes lugares desconhecidos,
(ajoelham-se) abraçamos os teus joelhos, para que nos acolhas em
tua casa, nos salves, tenhas dó destas duas infelizes para quem
não há nem refúgio, nem esperança. E não temos mais nada do
que isto que vês.
PTOLEMOCRACIA
[280] Dêem-me asmãos, levantem-se ambas. Não hámulher
maismisericordiosa do que eu.Mas, pequenas, as coisas aqui são
pobres e pouco abundantes; eu própria vivo com dificuldades
Sirvo Vénus àminha custa!
AMPELISCA
Este é um templo de Vénus?
PTOLEMOCRACIA
[285] É, sim. E contam-me como sacerdotisa do seu
templo. Arranjarei de boa vontade tudo o que os recursos agora
permitirem. Venham por aqui comigo.
34
Rudens (A Corda)
PALESTRA
Recebes-nos, Mãe, com amizade e benevolência.
PTOLEMOCRACIA
É omeu dever! (Entra no templo com as jovens.)
ACTO II
CENAI
PESCADORES
PESCADORES (vindo da cidade)
[290] Pelos modos, os pobres vivem miseravelmente,
sobretudo aqueles que não têm negócio, nem aprenderam
nenhumofício.Queiramou não, devem contentarse com o quehá
em casa. Quanto a nós, pelo nosso equipamento, já sabemmuito
bem como somos ricos... Estes anzóis e estas canas de pesca são
para nós modo de vida e sustento. (295) Todos os dias vimos da
cidade aqui para o mar, à procura de provisões. Como exercício
ginástico e de luta temos isto. Apanhamos à mão ouriços, lapas,
ostras, amêijoas, conquilhas, urtigasdomar,mexilhões, navalhas.
Depois, vamos pescar com anzol e nas rochas. [300] Trazemos
alimento do mar. Se o resultado não for bom e não apanharmos
nenhum peixe, voltamos para casa às escondidas, salgados e
bem lavados, e dormimos sem comer. Agora, como o mar está
tão bravo, não temos nenhuma esperança: se não apanharmos
mariscos com concha, ficamosmesmo sem ceia. [305] Veneremos
então esta boa Vénus, para que venha hoje em nosso auxílio.
CENA
PESCADORES TRACALIÃO
TRACALIÃO (vindo também da cidade)
Tiveomaiorcuidadoparanão passar pelomeuamosemo ver: ao
sair, disse que ia ao porto emande-me vir aquii ao seu encontro, junto
Plauto
do templo de Vénus. Mas olhem, mesmo a jeito... [310] vejo ali quem
possa informar-me. Aproximemo-nos. Olá, ladrões domar,
marisco edoanzol, raça famélica. Como va a vida?Como val amorte?
PESCADORES
Como convém ao pescador, com fome, sede e falsa
esperança.
TRACALIÃO
Digam-me se, por acaso, enquanto aqui estiveram, viram
passar um jovem, apressado, com aspecto decidido, corado,
vigoroso, [315] trazendo com cle três sujeitos com clâmides e
espadas.
PESCADORES
Não demos por que viesse aqui ninguém com esse aspecto
que dizes.
TRACALIÃO
E um velho, careca como Sileno, grande, barrigudo,
sobrancelhas criçadas, cara engelhada, embusteiro, odioso a
deuses « homens, malvado, chcio de vícios e i la, (320) que
trazia com cle duas rapariguinhas bem jeitosas?
PESCADORES
Quem tenha sido nascido com tais virtudescobras, émelhor
dirigir-se ao carrasco do que a Vénus.
TRACALIÃO
Digam-me lá sc o viram.
PESCADORES
Não veio aqui, com certeza. Passa bem!
TRACALIÃO
Passem bem! (Os pescadores saem para a praia.) Já sabia aconteceu
o que suspeitava. [325] Aldrabaram o meu amo. O malvado do
alcoviteiro fugiu do país, apanhou um navio e levou as mulheres.
36
Rudens (A Corda)
Sou um adivinho! E ainda por cima essa fonte de crimes convidou
meusenhor vir almoçar. Agoramais vale esperar, até queomeu amo chegue. Entretanto, a sacerdotisa de Vénus talvez saibamais
alguma coisa, [330] se a vir, vou perguntar-lhe.Há-de informar-me.
CENA HI
TRACALIÃO AMPELISCA
AMPELISCA (falando para dentro do templo)
Percebo. Mandaste-me bater à porta desta casa que fica
perto do templo de Vénus, e pedir água.
TRACALIÃO
Que voz voou até aos meus ouvidos ?
AMPELISCA
Quem fala aqui (avistando Tracalião)? Quem vejo eu?
TRACALIÃO
Não éAmpelisca que sai do templo?
AMPELISCA
[335] Não éTracalião, o criado de Pleusidipo, que estou a ver?
TRACALIÃO
É cla.
AMPELISCA
É cle. Viva, Tracalião.
TRACALIÃO
Viva, Ampelisca, como passas?
AMPELISCA
Passomal aminhamelhor idade.
37
Plauto
TRACALIÃO
Não sejas agoirenta!
AMPELISCA
Convém que as pessoas sensatas conversem e digam a
verdade. Mas onde está Pleusidipo, o teu amo?
TRACALIÃO
Ora essa! [340] Como se ele não estivesse lá dentro...
AMPELISCA
Não está, por Pólux, e ninguém veio para aqui.
TRACALIÃO
Não veio?
AMPELISCA
É verdade.
TRACALIÃO
Não é meu costume, Ampelisca... Mas quando é que o
almoço está pronto?
AMPELISCA
Por favor. Qual almoço?
TRACALIÃO
Fazem aqui um sacrifício, sem dúvida.
AMPELISCA
Estarás a sonhar?
TRACALIÃO
[345] O teu amo Lábrax convidou omeu amo Pleusipo para
almoçar, tenho a certeza.
AMPELISCA
Por Pólux, não me espanto com o que dizes. Se enganou
deuses e homens, procedeu mesmo como alcoviteiro.
Rudens (A Corda)
TRACALIÃO
Não fazem aqui um sacrifício? Nem o vosso amo?
AMPELISCA
Adivinhaste.
TRACALIÃO
Então que fazes aqui?
AMPELISCA
Depois de muitos males, de enorme inquietação, de
per go de morte, carecidas de auxílio e recursos, [350]
esta sacerdotisa de Vénus acolheu-nos aqui, a mim e à
Palestra,.
TRACALIÃO
Palestra está aqui, a amiga domeu amo?
AMPELISCA
Sem dúvida.
TRACALIÃO
Que notícia tão agradável, minha Ampelisca. Mas gostaria
muito de saber qual foi esse vosso perigo.
AMPELISCA
Caro Tracalião, o nosso navio fez-se em pedaços esta noite.
TRACALIÃO
(355]Que navio? Que história é esta?
AMPELISCA
Por favor. Não ouviste dizer que o alcoviteiro nos quis tirar
daqui para a Sicília, às escondidas, e que carregou um navio com
todos os seus haveres? Agora está tudo perdido.
TRACALIÃO
Oh! Salve, bom Neptuno! Não há jogador de dados mais
39
Plauto Rudens (A Corda)
hábildoque tu. (360) Fizestemesmoumaóptima jogada: acabaste TRACALIÃO
com um perjuro. Mas onde está agora o alcoviteiro Lábrax? Que poderia ele fazer?
AMPELISCA (irônica) AMPELISCA
Acho quemorreu da bebida. Neptuno convidou-o esta noite Perguntas que poderia fazer, se gostava dela? Devia
para uns bons copos... velar,[380] dia e noite, estar sempre de vigia. (Irónica.) Por
Castor, Pleusidipo tevemesmomuito cuidado com ela...TRACALIÃO
Por Hércules, julgo que o forçou a beber num grande TRACALIÃO
copázio. Como te amo, minha Ampelisca, como és meiga, como Porque dizes isso?as tuas palavras são doces como mel. [365] Então como é que tu
|
e a Palestra se salvaram? AMPELISCA
A coisa é evidente.
AMPELISCA
Já te digo. Assustadas, saltáâmos ambas do navio para um TRACALIÃO
salva-vidas, por vermosqueonavio seria arrastado para as rochas. Não sabes? Quem vai ao balneário para se lavar,
Cortei rapidamente a amarra, enquanto eles estão atarantados. À / mesmo que não tire os olhos da sua roupa, é roubado
tempestade leva-nos com o salva-vidas para a direita, longe deles. na mesma; não é certo qual dos presentes vigiar. [385] OE assim, infelizes, fomos atiradas por ventos e ondas, [370] de t : ladrão vê facilmente quem espreita; o guarda não tem atodas as maneiras possíveis, durante toda a noite, até que hoje, certeza de quem é o ladrão. Mas leva-me até ela. Onde
enfim, o vento nos trouxe até à costa, meiomortas. está?
TRACALIÃO (brincalhão) AMPELISCA
Bemsei, Neptuno é assim. É tão escrupuloso como um edil: Só tens de entrar no templo de Vénus. Vais encontrá-la
deita fora todas asmercadorias que não prestam. sentada, a chorar.
AMPELISCA TRACALIÃO
[375] Vai para o inferno! À Como issome dá pena! Mas porque chora?TRACALIÃO AMPELISCA
Vai tu, minha Ampelisca... Sabia que o alcoviteiro ia fazer Já te digo. Aflige-se porque o alcoviteiro lhe tirou uma
o que fez, disse-o muitas vezes. Vou deixar crescer o cabelo e cestinha que ela tinha e onde havia [390] com que pudesse
começar a predizer o futuro. reconhecer os seus pais. Receia que esteja perdida.
AMPELISCA (irónica) TRACALIÃO
Então tu e o teu senhor tomaram precauções para ele não Onde estava essa cestinha?
fugir, quando o sabiam?
41
Plauto
AMPELISCA
Lá mesmo no navio. O amo fechou-a numa mala, para ela
não termeio de reconhecer os pais.
TRACALIÃO
Oh!Que infâmia! Obrigar à escravidão quemn devia ser livre!
AMPELISCA
[395] Agora é claro que amala deve ter ido ao fundo com
navio. E todo o ouro e prata do alcoviteiro estavam lá.
TRACALIÃO
Talvez alguémmergulhasse para a apanhar...
AMPELISCA
É por isto que anfeliz está tão triste: ficar sem as suas coisas!
TRACALIÃO
Então mais necessário é que eu entre para a consolar, para
que não se afligir tanto. [400] Sei que muitas vezes acontecem
coisas boas para além do que possa esperar-se.
AMPELISCA
E eu também vi a esperança desiludir muitos que
esperavam...
TRACALIÃO
Por sso é que a resignação é o melhor tempero para a
desventura. Vou entrar, se não te importas. (Dirige-se ao templo.)
AMPELISCA
Vai. Eu vou fazer o que a sacerdotisa me mandou e pedir
água aqui ao vizinho. (405) Disse que a dariam logo, se pedisse
em seu nome. Julgo que nunca vi idosa mais digna, a quem
penso deuses e homens devam ajudar. Como nos recebeu
benevolentemente, generosamente e decentemente, sem má
vontade, [410] como se fôssemos as suas próprias filhas, quando
estávamos assustadas, carentes, ensopadas, naufragadas, meio
42
Rudens (A Corda)
mortas! Como ela própria se desembaraçou a aquecer água para
nos lavarmos! Agora, para não a fazer esperar, vou aqui pedir
água, onde me mandou. Olá! Está alguém em casa? Há alguém
que abra a porta? Alguém aparece?
CENAIV
AMPELISCA CEPARNIÃOO
CEPARNIÃO (abrindo a porta de casa)
Quem é que está a dar cabo da nossa porta com tal
desaforo?
AMPE
(415) Sou eu.
CEPARNIÃO (à parte, vendoAmpelisca)
Ah! Que sorte é ? Ena! Por Pólux, que belo pedaço de
m
AMPELISCA
Viva,meu rapaz.
CEPARNIÃO
E vivas tu,minha pequena.
AMPELISCA
Venho a vossa casa...
CEPARNIÃO
Dar-te-ei hospitalidade (malicioso), se vieres mais tarde,
como (...).Agora demanhã não tenho nada para te oferecer. (420)
(Procura abraçá-la.)Mas que dizes, minha bela,minha alegria?
AMPELISCA
Ah! Tratas-me commuita sem-cerimónia!
Plauto
CEPARNIÃO (à parte)
Pelos deuses imortais! É mesmo o retrato de Vénus. Como
há jovialidadenos seus olhos! Oh! Que linda pele! Queescurinha,
quero dizer, moreninha! E o peitinho! E a boquinha!
AMPELISCA
[425] Não sou manjar para a arraia-miúda. Não tirarás as
mãos de cima demim?
CEPARNIÃO
Não se pode ao menos tocar-te assim, com doçura, meu
doce bem?
AMPELISCA
Quando tiver vagar, darei atenção ao teu gosto e aos teus
prazeres. [430] Agora, por favor, diz sim ou não áquilo para que
fui aqui mandada.
CEPARNIÃO
Que queres agora?
AMPELISCA
O que eu quero (apontando para o vaso), o meu equipamento
revela-o bem a quem for esperto.
CEPARNIÃO (com um gesto grosseiro)
Omeu equipamento também aquemesperto.
AMPELISCA
Aqui a sacerdotisa de Vénusmandou-me pedir-vos água.
+
CEPARNIÃO
[435]Mas quemmanda aqui sou eu. Se não pedires, não levarás
umagota. Foicom onosso risco, comosnossosutensílios queabrimos +
o poço. Semmuitasmeiguices nãome levamuma gota de água.
AMPELISCA
Por favor, porqueme negas a água, queum estranho dá a outro?
44
Rudens (A Corda)
CEPARNIÃO
[440] Porque me negas a amabilidade, que um cidadão dá
a outro?
AMPELISCA
Pelo contrário, meu querido, farei tudo o que quiseres.
CEPARNIÃO (à parte)
Bravo! Estou safo. Jáme chama "seuquerido". (AAmpelisca.)
Vamos dar-te água. Não me amarás em vão. Dá-me o vaso.
AMPELISCA
Toma. Leva-o depressa.
CEPARNIÃO
[445] Espera. Volto já, minha querida. (Entra em casa.)
AMPELISCA
Que direi à sacerdotisa por me ter aqui demorado tanto
tempo? Como ainda me assusto, infeliz de mim, quando avisto
o mar!... [450] Mas, desgraçada, que vejo além na costa? O
alcoviteiro, meu amo, e o seu hóspede da Sicília que eu julgava
terem ambosmorrido nomar! Está então vivomais ummal com
que não contávamos? Mas porque não me apresso a fugir para
o templo e contar isto [455] à Palestra, para nos refugiarmos no
altar, antes que omalvado do alcoviteiro venha cá enos encontre?
Vou refugiar-me ali. A emergência exige-o. (Entra no templo.)
CENAV
CEPARNIÃO
CEPARNIÃO (voltando de casa)
Pelos deuses imortais! Nunca julguei que houvesse tanto
prazer na água! Como a tirei com gosto! [460] O poço até me
pareceu bemmenos fundo do que antes. Como tirei a água sem
esforço! Não é parame gabar! Não soumesmo um perigo? Como
épossível terhoje começado umnamoro? (FalandoparaAmpelisca,
Plauto
que já não está onde julga.) Aqui tens a água, minha beleza. Toma!
Quero que a leves graciosamente, como eu ta dou, para me
agradares. [465] Mas onde estás, minha querida? Toma lá a
água, está bem? Onde estás? Por Hércules, parece-me que gosta
de mim. Joga às escondidas, a marota. Onde estás tu? Recebes
este vaso ou não? Onde estás? Que brincadeira... Agora muito
a sério, não receberás este vaso? Onde é que te meteste? [470]
Por Hércules, não a vejo em lado nenhum. Está a gozar comigo.
Vou já largar o vaso no meio da rua. E se alguém levar daqui
este vaso consagrado a Vénus? Metia-me em boa! Por Hércules,
receio que aquelamulherme tenha armado uma esparrela, [475]
para eu ser apanhado com um vaso consagrado a Vénus. Não há
duvida! Se alguém me visse com ele, o magistrado deixar-me-ia
morrer na prisão, com toda a justiça. O vaso tem uma inscrição.
Ele próprio anuncia a quem pertence. Por Hércules! Vou já
chamar a sacerdotisa aqui fora [480] para receber este vaso. Vou
aproximar-me da porta. Eh, Ptolemocracia, sai daí, toma lá este
vaso. Foi uma rapariga desconhecida que aquimo trouxe. (Vendo
que ninguém aparece.) Temde ser levado para dentro. (Resmungão.)
Encontrei uma ocupação... ainda tenho de lhes levar a água...
(Entra no templo)
CENAVI
LÁBRAX CÁRMIDES
LÁBRAX (vindo da praia)
Quem queira ser desgraçado e pedinte, [485] confie-se a
Neptuno de corpo e alma. Se alguém se mete nalgum assunto
com ele, manda-o embora para casa neste lindo estado. Por
Pólux, como és sabida, Liberdade, [490] que nunca quiseste pôr
péno navio com Hércules.Mas onde está omeu hóspede queme
perdeu? Olhem, lá vem ele.
CÁRMIDES (seguindo Lábrax)
Lábrax, meu malvado, para onde vais tão depressa? Não
consigo seguir-te com essa pressa toda.
Rudens (A Corda)
LÁBRAX
[495] Oxalá que antes de os meus olhos te terem visto
tivesses morrido demámorte na Sicília; desgraçado demim, foi
por tua causa queme aconteceu esta infelicidade.
CÁRMIDES
Oxalá eu estivesse a dormir na prisão no dia em que me
levaste a tua casa. Peço aos deuses imortais [500] que só tenhas
hóspedes parecidos contigo, enquanto viveres.
LÁBRAX
Contigo, chameiaMáFortuna aminha casa.Quedesgraçado
fui ao dar-te ouvidos! Porque saí daqui? Porque entrei no navio,
onde perdi o que tinha e aindamais?
CÁRMIDES
[505] Por Pólux! Não me admiro nada se o teu navio
naufragou, já que transportava um velhaco como tu e bens
obtidos com velhacaria.
LÁBRAX
Foste tu queme perdeste, com as tuas falinhasmansas.
CÁRMIDES
Cee a tua ceia,mais funesta do que a que outrora serviram
Tereu.
LÁBRAX
[510] Estoumorto, sinto-memal; segura-me a cabeça, peço-te.
CÁRMIDES
Por Pólux! Queria é que vomitasses os pulmões!
LÁBRAX
Ai, Palestra eAmpelisca, onde estão agora?
CÁRMIDES
Julgo que estão a alimentar os peixes, nas profundezas.
4
Plauto
LÁBRAX
Graças a ti, [515] por ouvir as tuas grandes mentiras, fiquei
reduzido àmendicidade.
CÁRMIDES (irónico)
Mas devias estar-me muito reconhecido: graças a mim,
passaste de ensosso a salgado.
LÁBRAX
Porque não me vais daqui para o inferno?
CÁRMIDES
Vai tu. Era mesmo o que ia dizer...
LÁBRAX
(520) Ai! Haverá algummortal mais desgraçado que eu?
CÁRMIDES
Sou muito mais desgraçado que tu, Lábrax.
LÁBRAX
Porquê?
CÁRMIDES
Porque eu não mereço e tu mereces ser o que és.
LÁBRAX (olhando para o campo próximo)
Ójunco, junco, gabo a tua sorte, pois tens semprea satisfação
da tua secura!
CÁRMIDES (a tremer com frio)
[525] Na verdade, estou a treinar-me para uma escaramuça.
Falo às sacudidelas, todo a tremer.
LÁBRAX
Por Pótwd És um banheiro gélido, Neptuno. Depois de sair de
estouenregelado,mesmocom roupa.Nemsequerarranjouumbotequim
com bebidasquentes[53] sóofereorumabebida salgada fria
Rudens (A Corda)
CÁRMIDES
Como são felizes os ferreiros, sentados ao lado das brasas.
Estão sempre quentes.
LÁBRAX (sempre a tremer) -
Oxalá tivesse agora a sorte dos patos, para ficársempre
seco, mesmo ao sair da água.
CÁRMIDES
[535] E se me alugasse a um teatro para o papel de
Comilão?
LÁBRAX
Para quê?
CÁRMIDES (também a tremer)
Por Pólux! Claro que já estou a bater os dentes... Julgo que
mereci ter sido bem lavado.
LÁBRAX
Porquê?
CÁRMIDES
Porque me aventurei a entrar no navio contigo, que me
puseste omar a mexer-se desde o fundo.
LÁBRAX
(540) Dei-te ouvidos. Prometias-me que havia lá grandes
lucros com meretrizes, dizias que poderia amontoar riquezas.
CÁRMIDES
Bestamalvada, pretendias ir engolir toda a ilha da Sicília!
LÁBRAX
[545]Que baleia devorou aminhamala, onde estavametido
todo o ouro e prata?
Plauto
CÁRMIDES
Acho que a mesma que tem o meu bornal, com uma bolsa |
que estava cheia de dinheiro.
LÁBRAX
[550] Ah! Fiquei reduzido a esta única tunicazeca e a este
manto pobrezinho. Estou mesmo perdido!
CÁRMIDES
Podes juntar-te a mim, se quiseres. Temos amesma sorte.
LÁBRAX
Se ao menos as raparigas me estivessem salvas, ainda
haveria alguma esperança. Agora, se o jovem Pleusidipo [555]
de quem recebi sinal pela Palestra, me vir, vai já atirarme à cara
negócio.
CÁRMIDES
Porque choras, estúpido? Por Pólux! Enquanto a língua
trabalhar, terás bastante para pagares a toda a gente.
CENA VI
CEPARNIÃO CÁRMIDES LÁBRAX
CEPARNIÃO (vindo do templo)
Desculpa, que se passa ali? Duas raparigas a chorarem [560]
aqui no templo de Vénus, abraçadas à estátua! Não sei de quem
as infelizes terão medo. Dizem que foram bem abanadas a noite
passada e hoje foram atiradas domar.
LÁBRAX (aproximando-se)
PorHércules,meu jovem, onde estão essas raparigas de que
falas?
CEPARNIÃO
Aqui no templo de Vénus.
so
Rudens (A Corda)
LÁBRAX
Quantas são?
CEPARNIÃO
Tantas como tu e eu.
LÁBRAX
[565] Serão asminhas ?
CEPARNIÃO
Isso não sei.
LÁBRAX
Que aspecto têm?
CEPARNIÃO
Encantador. Poderia querer bem a qualquer delas, seestivesse
LÁBRAX
Rapariguinhas, por certo?
CEPARNIÃO
Por certo que és um chato. Vai ver, se te agrada. (Afasta-se.)
LÁB
Devem ser asminhas pequenas que estão lá dentro, querido
Cármides.
CÁRMIDES
Que Júpiter te consuma, se são e também se não são.
LÁBRAX
(570) Vou já atirar-me ali para dentro do templo de Vénus!
(Entra no templo.)
CÁRMIDES
Antes queria que fosses para o inferno. (A Ceparnião.) Por
s1
Plauto
o amigo, arranjame algum eftio onde possa dormir umCo.
CEPARNIÃO
Dorme aqui onde quiseres, ninguém o impede, é lugar
Público,
CÁRMIDES
Mas olha paramim, como estou, com a roupa todamolhada.
Acolhe-me em casa, dá-me alguma roupa seca, (575) enquanto aminha enxuga. Retribuir-te-ei noutra altura.
CEPARNIÃO (mostrando-lhe uma coroça)
Tenho aqui uma coroça de junco. Está seca. Se a queres,
dou-ta, Coberto com ela, costumo ficar protegido, quando chove.
Dá-me as tuas coisas. Vou pô-las a secar.
CÁRMIDES
O quê? Não te basta ter-me lavado nomar, terei deme lavar
outra vez aqui em terra?
CEPARNIÃO
[580] Que te laves ou besuntes, não me interessa nadinha.
Nunca confiarei em ti, a não ser que receba uma garantia. E tu...ou sua, ou morre com frio, ou fica doente, ou tem muita saúde.
Nãome interessa ter um hóspede estrangeiro em casa. E basta de
discussão. (Entra em casa.)
CÁRMIDES
Já te vais embora? Seja lá quem for, este já fez tráficode escravos,
[585] não tem compaixão. Mas que faço aqui, pobre de mim, todo
52
Rudeno (A Corda)
ACTOo III
CENAI
DÉMONES
DÉMONES (saindo de casa)
Os deuses brincam com os homens demodos estranhos e os
sonhos dão estranhos indícios durante o sono. [595] Nem sequer
deixam repousar a quem dorme. Eu, por exemplo, sonhei a noite
passada um sonho estranho e absurdo. Vi um macaco esforçar-
se para trepar a um ninho de andorinhas, [600] e não conseguia
tirá-las de lá. Depois parecia que o macaco vinha ter comigo e
pedia que lhe emprestasse uma escada. A isto respondo-lhe que
as andorinhas nasceram de Filomela e Procne. [605] Discuto com
ele para não fazer mal às minhas compatriotas. Então ele torna-
se mais arrogante; além disso parece ameaçar-me. Leva-me a
tribunal. Então, não sei como, vejo-me, irado, a agarrar omacaco
.pelomeio do corpo; [610] fecho na prisão a bestamalvada. Agora
não sei dizeroque significa este sonho, ainda não consegui chegar
hoje a uma explicação. Mas que barulho é este que vem aqui da
minha vizinhança, no templo de Vénus? Estou espantado!
CENA
TRACALIÃO DÉMONES
TRACALIÃO (vindo do templo efalando em estilo empolado)
[615] Ó cidadãos de Cirene, peço o vosso auxílio;
camponeses, habitantes que estais nestas proximidades, acudi ao .
desespero, acabai com um acto abominável! Castigai, para que o
poder dos ímpios não sejamaior que o do inocente que não quer
ser conhecido como vítima de ultraje. [620] Ordenai um castigo
exemplar para o sem-vergonha, dai recompensa à modéstia.
Fazei com que seja possível viver neste lugar em conformidade
com a lei e não sob coacção da força. Correi para aqui ao templo
de Vénus: imploro uma vez mais a vossa protecção, vós que
estais aqui perto e ouvis os meus gritos, auxiliai os que, [625]
molhado? Porque não vou para dentro do templodeVénus, cozer esta
bebi demais, contraminha Neptunoebi demais, contraminha
de água do mar, como se fôssemos vinhos esperou limpar
barriga com beberragens salgadas. [590] Que mais
obsquiar-nos um poucomais, teríamos adormecido
ali
mesmo. custo que nos deixou voltar vivos para casa. Ago
vou
vero que faz lá dentroo alcoviteiro,meu conviva. (Entra no templo.)
sa
Plauto
segundo o antigo costume, entregaram a sua vida à protecção
de Vénus e à sacerdotisa de Vénus. Torcei o pescoço à injustiça,
antes que ela chegue até vós.
DÉMONES
Que é isto?
TRACALIÃO
Suplico-te, pelos teus joelhos, sejas quem fores, ancião...
DÉMONES
Porque não me largas os joelhos e explicas o que se passa,
para fazeres esta barulheira?
TRACALIÃO
Rogo-te, suplico-te, se esperas [630] vir a ter este anomuita
férula e suco de férula, e se desejas exportá-la sã e salva para
Cápua e... ficares sempre com os olhos secos, sem remelas...
DÉMONES
Estás no teu perfeito juízo?
TRACALIÃO
Se esperas vir a ter muitos pés de férula, não hesites em
ajudar-me no que te peço, ancião.
DÉMONES
[635] E eu asseguro, pelas tuas pernas, calcanhares e lombo
que podes esperar uma grande colheita de paus de marmeleiro
e que terás este ano uma rica colheita de bordoada, se não me
dizes o que se passa para fazeres esta barulheira.
TRACALIÃO
Porqueme respondes torto? Só te desejei tudo de bom!
DÉMONES
[640] Também te desejo tudo de bom, peço que te aconteça
o quemereces.
Rudens (A Corda)
TRACALIÃO
Suplico-te, dá-me atenção.
DÉMONES
Qual é o assunto?
TRACALIÃO
Estão aqui dentro duas raparigas, inocentes, necessitadas
do teu auxílio, às quais, contra o direito e as leis, foi feita e
continua a fazer-se uma grande injustiça aqui no templo de
Vénus. Até a sacerdotisa de Vénus (645) é indecorosamente
maltratada.
DÉMONES
Que sujeito tão insolente ousa ultrajar uma sacerdotisa?
Mas quem são essas raparigas? Que injustiça lhes fez ele?
TRACALIÃO
Vou dizer-te, se me deres atenção. Estão abraçadas
à estátua de Vénus; há agora um homem sem-vergonha
que as quer tirar de lá. Devem ser ambas de condição
livre.
DÉMONES
[650] E quem é esse que assim desrespeita os deuses? Diz
em poucas palavras.
TRACALIÃO
Um grandíssimo velhaco,malvado, parricida, perjuro,
homem sem lei, desavergonhado, infame, um grande descarado, .
numa palavra: um alcoviteiro. Quemais lhe hei-de chamar?
DÉMONES
Por Pólux, falas de um homem quemerece ser castigado.
TRACALIÃO
[655] Omalvado apertou o pescoço à sacerdotisa!
Plauto Rudens (A Corda) J
DÉMONES
PorHércules! Fez a cama para sedeitar... Turbalião, Espárax,
venham cá fora. Onde é que estão?
apresentam, é-nos igual morrer: na adversidade, na desgraça,
não há nada melhor do que amorte.
TRACALIÃO
TRACALIÃO Que éisto? é aquea? Tenho de ir lá-las
Vai lá dentro, peço-te, defende-as. olá Palestra!
Que con ac o
DÉMONES (aos escravos, que saem de casa) PALESTRA
Não vou repetir a ordem. Sigam-me por aqui. Quemme chama?
TRACALIÃO TRACALIÃO
Vamos,manda arrancar-lhe os olhos agoramesmo, como os Ampelisca!* cozinheiros fazem às sibas.
AMPELISCA
DÉMONES À Por favor, quemme chama?
[660] Arrastem para aqui o sujeito pelos pés, como se fosse
uma porcamorta. (Dirigese ao templo, com os escravos.) PALESTRA
Quem chama pelo meu nome?TRACALIÃO (sozinho)
Oiço uma grande algazarra. Penso que estão a desancar TRACALIÃO
o alcoviteiro. Como gostava que arrancassem os dentes dos
queixos a esse grandemalvado. Mas lá estão as raparigas a sair
do templo,muito assustadas.
Se olhares, ficas a saber.
PALESTRA
[680] Óminha esperança de salvação!
TRACALIÃO
CENA Não fales e tem coragem. Olha paramim.
PALESTRA AMPELISCA TRACALIÃO
PALESTRA» .
Se ao menos pudesse não ser subjugada pela força que me .
leva a usar força contramim própria...
PALESTRA
Agora estamos privadas de todos os bens e recursos, [665]
auxilio, apoio. [Não há qualquer esperança] que nos traga
salvação, [nem sequer sabemos] para que lugar havemos de
seguir. Temos ambas tantomedo! [Tamanha] crueldade, tamanha
injustiça [670] [nos foi feita] agora, aqui dentro, pelo nosso amo.
Omalvado atirou-se à idosa sacerdotisa, empurrou-a e abanou-a
demodo vergonhoso e arrancou-nos à força da estátua que está
lá no fundo. Mas agora, [675] como as cnisas e a nossa sorte se
TRACALIÃO
Ah! Acaba com isso. Ésmuito tola.
PALESTRA
Pobre de mim, deixa deme consolar com palavras. Se não
arranjas alguma ajuda, Tracalião, está tudo acabado.
56 s7
Rudens (A Corda)
Mas
1
cresceste de uma concha. Não recuses as Suas conchas. [705]
óptimo, aí vem o velho, meu e vosso patrono.
Plauto
AMPELISCA
Mais vale morrer do que suportar que o alcoviteiro me
maltrate. [685] Mas apenas tenho coragem de mulher. Quando f:
penso na morte, o medo apodera-se do meu corpo. Por Pólux,
que dia desgraçado!
CENA IV
DÉMONES LÁBRAX
ESCRAVOS TRACALIÃO PALESTRA AMPELISCA
TRACALIÃO
Tenham coragem.
PALESTRA DÉMONES (saindo do templo com os escravos e dirigindo-se a
Desculpa, donde me virá essa coragem? Lábrax)
Saido templo, ómais sacrílego dequantoshomensnasceram.
(Às raparigas.) E vão-se sentar no altar. Mas onde estão elas?TRACALIÃO
Digo-vos que não tenham medo. Sentem-se aqui no altar.
TRACALIÃO (apontando para Palestra eAmpelisca)AMPELISCA Olha para aqui.Poderá este altar proteger-nosmelhor do que a estátua que
há pouco abraçámos lá dentro, aqui no templo [690] de Vénus, DÉMONES
donde, desgraçadas, fomos arrancadas à força? Óptimo. Era o que queríamos. Manda-o já aproximar-se. (A
Lábrax.) Queres mesmo violar aqui as nossas leis para com osTRACALIÃO (fazendo-se importante) deuses? (A um escravo.) [710] Dá-lhe um soco na cara.
Sentem-se já aqui, que eu daqui vos protegerei, seja como
for. Considerem o altar como um acampamentomilitar: estes são
os baluartes, daqui vos defenderei. Com a protecção de Vénus,
avançarei contra a maldade do mercador.
LÁBRAX
Suporto estas afrontas, mas hás-de pagar-mas.
DÉMONES
AMPELISCA e PALESTRA Então o descarado ainda faz ameaças?Obedecemos-te. E, almaVénus, ambas te rogamos de joelhos,
chorando, [695] abraçadas ao teu altar, que nos recebas e guardes
sob a tua protecção. Faz que sejam castigados aqueles malvados
que desrespeitaram o teu templo e permite que, com a tua graça,
ocupemos este altar. Ambas fomos lavadas esta noite, por obra de
Neptuno. [700] Não nos consideres indecentes, não tomes como
ofensa, se pensas que há qualquer coisamenos bem limpa.
LÁBRAX
Roubaram-meo que émeu por direito. Levas-me asminhas.
escravas contra a minha vontade.
TRACALIÃO
Arranja como juiz qualquer homem rico do senado da
Cirenaica que decida se elas devem ser tuas, ou se não devem ser
livres, [715] ou se não é justo meter-te na prisão e passares lá avida, até gastares o cárcere todo todo.
TRACALIÃO
Vénus, acho justo o que elas pedem. Devem obtê-lo de ti;
deves desculpá-las. É omedo que as força a fazer isto. Dizem que
58 59
Plauto
LÁBRAX
Não estava hoje preparado para conversar com um patife,
(A Démones) Dirijo-me a ti.
DÉMONES
Discute primeiro com este, que te conhece,
LÁBRAX (a Démones)
Quero tratar contigo.
TRACALIÃO
Mas é comigoque tens de tratar. Elas são tuas escravas ou não?
LÁBRAX
[720] São.
TRACALIÃO
Então anda, toca em qualquer delas, nem que seja com o
dedomindinho...
TRACALIÃO
Por Hércules, vou imediatamente fazer de ti saco de
pancada, vou pendurar-te e dar cabo de ti com socos, grande
impostor.
LÁBRAX
Nãome será permitido tirar as minhas escravas do altar de
Vénus?
DÉMONES
Não é permitido. Entre nós é lei.
LÁBRAX
[725] Não tenho nada a ver com as vossas leis. Porr sso, vou
já levar estas duas. Tu, ancião, se gostas delas, tens de pagar-me
Rudens (A Corda)
com dinheiro sonante. Se elas agradaram a Vénus, que as tenha,
se pagar.
DÉMONES
Pagar-te? Por agora, para saberes a minha opinião, atreve-te a
usar contra elas a mínima violência, apenas por brincadeira; [730]
mando-te embora daqu tão bem tratado que não te reconhecerás a ti
próprio. (Aos escravos.) E sequandoeuordenar lhe
da cara, dou-vos um enxerto de vara como se fossemoliveiras.olhos
LÁBRAX
Tratas-me com uma violência...
TRACALIÃO
E ainda criticas a violência, poço de infâmia?
LÁBRAX
E tu atreves-te a tratar-me com grosseria,meu refinado patife?
TRACALIÃO (irónico)
[735] Reconheço que sou um refinado patife e tu ummodelo
de virtudes: haverá, por isso, menos razão para elas serem livres?
LÁBRAX
Ee tocar?
LÁBRAX
Livres como?
TRACALIÃO
E até, por Hércules, tuas senhoras, nascidas na própriaGrécia.
Esta aqui (aponta para Palestra) nasceu emAtenas, de boas famílias.
DÉMONES
Que dizes tu?
TRACALIÃO
Que esta nasceu livre, em Atenas.
DÉMONES
(740] Desculpa, ela éminha compatriota?
61
TRACALIÃO
Tu não és de Cirene?
DÉMONES
Não, nasci, fui criado e educado em Atenas na Ática.
TRACALIÃO
Por favor, ancião, defende as tuas conterrâneas!
DÉMONES
Minha filha... Quando olho para esta (aponta para Palestra),
ainda que não estejas aqui, lembras-me os meus infortúnios.
Perdi-a quando ela tinha três anos. Se estiver viva, sei que terá a
mesma estatura.
LÁBRAX
[745] Paguei por ambas ao dono a quem pertenciam. Não
interessa que sejam de Atenas ou de Tebas, contanto que me
sirvam devidamente a sua servidão.
TRACALIÃO
Ai é, meu descarado? Com que então, ladrão de raparigas,
roubas aos pais crianças nascidas livres e desonra-las com uma
profissão indigna? [750] Quanto à outra (aponta para Ampelisca),
não sei mesmo qual é a sua terra, mas sei que é melhor do que
tu, grande indecente.
LÁBRAX
Tiras-me as palavras da bocal
TRACALIÃO
Aposta qual de nós tem o lombomais escorreito. Se não
tiveres mais vergões no teu costado do que cavilhas num
navio comprido, então sou o maior dos mentirosos. (755]
Depois examina tu o meu, quando eu tiver inspeccionado
o teu. Se não estiver tão perfeito que qualquer fabricante de
odres possa dizer que é um óptimo coiro, perfeitíssimo para
trabalhar, que razão haverá para não te cobrir de varadas,
62
Rudens (A Corda)Plauto
até achar que basta? Porque olhas para as raparigas? Se lhes
tocas, arranco-te os olhos.
LÁBRAX
[760] Comome proíbes, não tardarei a levar as duas comigo.
DÉMONES
Como vais fazer?
LÁBRAX
Vou buscar o fogo de Vulcanççéiinimigo de Vénus.
(Afasta-se.)
TRACALIÃO
Onde é que ele vai?
LÁBRAX (junto à casa de Démones)Olá! Está alguém em casa? Olá!
DÉMONES
Por Hércules! Se tocas nessa porta, faço uma seara na tua
cara com uma forquilha demurros.
ESCRAVO DOSAÇOITES (a Lábrax)
Não temos lume, alimentamo-nos de figos secos.
TRACALIÃO
[765] Darei eu o lume, se puder acendê-lo na tua cabeça.
LÁBRAX
Por Hércules! Vou procurar lume noutro sítio.
DÉMONES
E então, quando encontrares?
LÁBRAX
Atearei aqui uma grande fogueira
Plauto
DÉMONES
Para consumires a tua desumanidade?
LÁBRAX
Não, para queimar vivas estas duas no altar, é o que quero.
Rudens (A Corda)
DÉMONES
Vai-te lá então. Não tirarei os olhos dele até voltares.
TRACALIÃO
Volto já. (Sai para a praia.)
TRACALIÃO
Por Hércules! Agarro-te logo pela barba, atiro-te ao lume
(770) e ofereço-temeio tostado como alimento para os abutres. CENA V
DÉMONES LÁBRAX ESCRAVOS PALESTRA AMPELISCA
DÉMONES (à parte)
Quando me ponho a pensar no que sonhei em sonhos, este DÉMONES (ameaçando Lábrax)
é omacaco que quer à força arrancar estas andorinhas do ninho. [780] Ó alcoviteiro, preferes ficar quieto com correctivo ou
ficar assim sem correctivo, se puderes escolher?
LÁBRAX
Pouco me importo nadinha com o que dizes, ancião. Elas
são minhas. E mesmo que tu, ou Vénus, ou o supremo Júpiter
não queiram, vou já arrancá-las do altar pelos cabelos.
TRACALIÃO
Sabes oque te peço, ancião?Que olhes porelas e as defendas
da violência, até eu trazer o meu amo.
DÉMONES
(775] Procura o teu senhor e trá-lo aqui.
DÉMONES
TRACALIÃO Toca-lhes então...
Mas que este não...
LÁBRAX
DÉMONES [785] Tocomesmo, por Hércules.
Não sabe o que lhe acontecia, se lhes tocasse, ou tentasse...
DÉMONES
Pois bem; chega-te só para aqui.
Toma cuidado.
LÁBRAX (olhando para os escravos dos açoites)
DÉMONES Manda apenas esses dois afastarem-se.
Já tomei. Vai-te embora.
TRACALIÃO (apontando para Lábrax)
Vigia-o bem, não se vá embora. Prometemos ao carrasco
DÉMONES
Pelocontrário,
entregar-lhe hoje ou um talento grande de prata ou este LÁBRAX
malvado. Nãome parece, por Hércules.
Plauto
DÉMONES
Que fazes, se se aproximarem?
LÁBRAX
Bato em retirada. Mas, por Hércules, velhote, se alguma
vez topar contigo na cidade, [790] jamais alguém me chamará
alcoviteiro se não te gozar antes de te deixar ir embora.
DÉMONES
Faz o que ameaças. Entretanto, se lhes tocares, vão dar-te
um grande correctivo.
LÁBRAX
Grande como ?
DÉMONES
O que baste para um alcoviteiro.
LÁBRAX
[795] Pouco me importo com as tuas ameaças. Vou já levar
ambas à força, mesmo contra tua vontade.
DÉMONES
Toca-lhes, vá...
LÁBRAX
Toco sim, por Hércules.
DÉMONES
Tocas? Mas sabes a que preço? Turbalião, vai já numa
corrida a casa e traz para aqui duasmocas.
LÁBRAX
Mocas?
DÉMONES
Mas sólidas. Despacha-te. (A Lábrax.) [800] Farei que tenhas
hoje o acolhimento quemereces.
Rudens (A Corda)
LÁBRAX
Ai, desgraçado de mim, perdi hoje o capacete no navio.
Como me daria jeito agora se estivesse a salvo. (A Démones.)
Posso ao menos falar com elas?
DÉMONES
Não podes. [805] Ah! Por Pólux! Ainda bem que chega o
homem da moca.
LÁBRAX
Por Pólux! Jáme põe as orelhas a arder.
DÉMONES
Vá, Espárax, pega ali numa dessas mocas. Vá, fiquem
um dum lado e outro do outro. Fiquem ambos aí. Assim
mesmo. Agora oiçam. [810] Se, por Hércules, ele hoje tocar
nelas, nem que seja com um dedo, contra sua vontade,
tratem-no bem com isto (aponta para as mocas) até não saber
como ir para casa... ou dou cabo de ambos. Se ele se dirigir
a alguma delas, respondam-lhe daqui em seu lugar. [815]
Se ele quiser ir-se embora, dêem-lhe logo à volta das pernas
com as mocas.
LÁBRAX
Nem sequerme deixam sair daqui?
DÉMONES
Disse o suficiente. E quando o escravo que foi buscar o amo
aqui regressar com ele, voltem imediatamente para casa. [820]
Procurem tratar disto com omaior cuidado. (Entra em casa.)
LÁBRAX
Oh! Por Hércules. Como estes templos mudam
rapidamente... Agora torna-se de Hércules o templo que era
de Vénus: o velho colocou aqui duas estátuas com mocas. Por
Hércules, não sei para onde fugir. [825] Tudo se volta contamim,
na terra e nomar. Palestra!
Plauto
ESCRAVO DOSAÇOITES
Que queres?
LÁBRAX
Para longe, não está certo! (À parte.) Esta Palestra que
responde não é aminha. Olá Ampelisca!
ESCRAVO DOSAÇOITES
Toma cuidado com o castigo....
LÁBRAX (à parte)
Parece impossível. Estes inúteis até aconselhammuito bem,
(Aos escravos.) [830] Sempre vos pergunto: Eh, vocês, incomodo
seme aproximar delas?
ESCAVO DOSAÇOITES
A nós não.
LÁBRAX
E haverá algum incómodo paramim?
ESCRAVO DOSAÇOITES
Nenhum, se tiveres cuidado.
LÁBRAX
Cuidado com quê?
ESCRAVO DOSAÇOITES (mostrando as mocas)
Bem: com uma grande coça.
LÁBRAX
Por Hércules! Deixem-me ir embora, peço-vos.
ESCRAVODOSAÇOITES
Vai-te embora, se queres.
LÁBRAX
[835] Muito bem, por Hércules! Agradeço-vos. (Reflectindo.)
Rudens (A Corda)
Émelhor nãome ir embora. (Aos escravos.) Fiquem aí onde estão.
(Reflectindo.) Por Pólux! Não me saí lá muito bem, mas tenho a
certeza de que hoje vou acabar por vencê-las com um cerco tenaz.
CENA VI
PLEUSIDIPO TRACALIÃO LÁBRAX ESCRAVOS
PALESTRA AMPELISCA
PLEUSIDIPO (vindo da praia com Tracalião)
Então o alcoviteiro quis arrancar a minha amiga à força,
[840] com violência, do altar de Vénus?
TRACALIÃO
Exactamente.
PLEUSIDIPO
Porque não o mataste logo?
TRACALIÃO
Não tinha espada.
PLEUSIDIO
Pegasses num pau ou numa pedra.
TRACALIÃO
E havia de atacar o homem à pedrada, como um cão?
PLEUSIDIPO
Um grande tratante?
LÁBRAX (avistando Pleusidipo)
Agora estou perdido, por Pólux! Aí está Pleusidipo. [845]Vai já dar-me uma boa escovadela.
PLEUSIDIPO
As raparigas ainda estavam sentadas no altar quandovieste à minha procura ?
Plauto
TRACALIÃO
Ainda lá estão sentadas.
PLEUSIDIPO
Quem é que agora lá as protege?
TRACALIÃO
Um idoso que não conheço, vizinho do templo de Vénus,
Deu uma excelente ajuda. [850]Guarda-as agora comosescravos,
(Importante.) Como eu tinha ordenado.
PLEUSIDIPO
Leva-me direitinho ao alcoviteiro. Onde está o fulano?
LÁBRAX (mostrando-se)
Vival
PLEUSIDIPO
Não quero saber de cumprimentos. Decide depressa:
preferes ser levado à força comuma corda ao pescoço,ou preferes
ser arrastado? Escolhe o que queres, enquanto é possível.
LÁBRAX
Não quero um nem outro.
PLEUSIDIPO
[855] Tracalião, vai já numa corrida até à praia e manda os
que trouxe comigo irem ao meu encontro na cidade, junto ao
porto, para entregarem este ao carrasco. Depois volta e fica aqui
de guarda. Eu vou levar este fugitivo safado ao tribunal, à força.
(Para Lábrax.) (860] Anda, marcha para o tribunal.
LÁBRAX
Que falta cometi?
PLEUSIDIPO
Ainda perguntas? Não aceitaste sinal pela rapariga e
levaste-a daqui?
70
Rudens (A Corda)
LÁBRAX
Não levei.
PLEUSIDIPO
Porque negas?
LÁBRAX
Por Pólux! Porque a levei, mas, desgraçado de mim, não
consegui transportá-la. [865]Prometi-te, sim, que estaria aqui
ao teu dispor junto do templo de Vénus. Enganei-te? Não estou
aqui?
PLEUSIDIO
Dirás as tuas razões no tribunal. Chega de palavreado.
Segue-me.
LÁBRAX (vendo Cármides sair do templo)
Acode-me, por favor, caro Cármides. Sou levado à força
com uma corda ao pescoço.
CÁRMIDES
Quem me chama?
LÁBRAX
Não vês como sou levado à força?
CÁRMIDES
Vejo e observo com prazer.
LÁBRAX
[870] Não queres acudir-me?
CÁRMIDES
Quem é que te leva à força?
LÁBRAX
O jovem Pleusidipo.
Plauto
CÁRMIDES
Fizeste a cama para te deitares. Émelhor ires para a prisão
de boa vontade. Coubete em sorte o quemuitos desejam para si,
LÁBRAX
[875] 0 quê?- -
CÁRMIDES
Encontrarem o que procuram.
LÁBRAX
Acompanha-me, por favor.
CÁRMIDES
Os teus conselhos são como tu. Vais para a prisão e pedes-
me que te acompanhe até lá?
PLEUSIDIPO
Nãome largarás?
LÁBRAX
Estou perdido.
PLEUSIDIPO
Tomara que seja verdade! Tu, minha Palestra, e tu,
Ampelisca, fiquem aqui nomesmo sítio até eu voltar.
ESCRAVO DO CHICOTE
[880] Aconselho que vão antes para nossa casa, até voltares.
PLEUSIDIPO
Parece-me bem. É um favor.
LÁBRAX
Estão a roubar-me.
ESCRAVO DO CHICOTE
A roubar-te como? Desanda!
72
Rudens (A Corda)
LÁBRAX
Palestra,peço-te, suplico-te... (Palestra e Ampelisca entram em casa.)
PLEUSIDIO
Segue-me, malvado.
LÁBRAX (a Cármides)
Hóspede!
CÁRMIDES
Não sou teu hóspede. Recuso a tua hospitalidade.
LÁBRAX
Assimme abandonas?
CÁRMIDES
Sou assim. Só caio à primeira.
LÁBRAX
[885] Que os deuses te desgracem!
CÁRMIDES
Diz isso a ti próprio. (Saem Pleusidipo e Lábrax para a cidade.)
Creio que o homem se transforma em diferentes animais. Julgo que
aquio alcoviteiro se transformaempombo, poisnão tardanada terá
o pescoço no pombal. Hoje vai fazer ninho na prisão. [890] Como
quer que seja, vou ser defensor dele, para, graças amim, poder ser...
condenadomais depressa. (Sai também para a cidade.)
ACTO IV
CENA I
DÉMONES
DÉMONES (vindo de casa)
Fizbemefoiagradávelterhojedadoauxílio aestas raparigas:
já consegui clientes, e ambas com figura encantadora e muito
73
Plauto
jovens. [895] Só que a maldita da minha mulher não pára de me
vigiar, não vá eu catrapiscar as raparigas. Mas estou espantado
com o que está a fazer o nosso escravo Gripo, que saiu durante
a noite para pescar no mar? Por Pólux! Teria sido mais esperto
se tivesse dormido em casa. [900] Agora desperdiça trabalho e
redes, com o temporal que está e durou toda a noite. Sou capaz
de cozinhar nos dedos o que ele hoje apanhar, de tal modo vejo
o mar encapelar-se. Mas a minha mulher chama-me para comer,
Volto para casa. [905] Não tarda a encher-me os ouvidos com a
sua tagarelice. (Entra em casa.)
CENA II
GRIPO
GRIPO (vindo da praia)
Dou graças a Neptuno, meu patrono, que mora nas
piscosas regiões salgadas, pois me despachou dessas regiões
bem abastecido e me retirou dos seus territórios carregado
com numerosos despojos, [910] com a minha barcaça a salvo;
e porque no mar agitado me tornou possuidor de abundante
pescaria nova. Extraordinária, inacreditável e afortunadamente,
coube-me esta pescaria. E não apanhei hoje uma onça de peixe,
só isto que aqui trago na rede. [915] Na verdade, quando me
levantei prontamente de madrugada, coloquei o lucro à frente
do descanso e do sono: apesar da violenta tempestade, procurei
obter com que aliviar a pobreza domeu amo e aminha servidão;
nãome poupei a esforços. [920] Nada vale um sujeito preguiçoso,
tenho enorme aversão a essa raça. Quem quer cumprir a tempo
as suas obrigações deve estar vigilante: não deve esperar que o
amo o desperte para o seu trabalho. Com efeito, os que dormem
regaladamente descansam sem lucro e com dano. Mas agora eu,
que fui diligente, encontrei com que ser preguiçoso, se quiser.
(925) Encontrei isto nomar (mostra uma mala): tem qualquer coisa
dentro. O que quer que esteja lá dentro é pesado: penso que aqui
há ouro. Ninguém sabe disto senão eu. Chegou a ocasião, Gripo,
de o pretor te conceder imediatamente a liberdade. Agora vou
74
Rudens (A Corda)
fazer assim, é assim o meu plano: irei até junto do meu senhor,
com habilidade e astúcia. Pouco a pouco, oferecerei dinheiro
pela minha pessoa, para ser libertado. (930) Depois, quando
for livre, logo arranjarei terras, casa, escravos, farei negócio
com grandes navios, serei rei entre os reis. Em seguida, para
meu gozo, construirei um navio e imitarei Estratonico: visitarei
cidades. Quando tiver reputação ilustre, fortificarei uma grande
cidade. A essa cidade darei o nome de Gripo, [935] monumento
daminha fama e feitos, e estabelecerei nela um vasto reino. Tenho
na cabeça construir grandes projectos. Agora vou esconder esta
mala. Entretanto, este rei (bate com a mão no peito) vai comer com
vinagre e sal, sem conduto. (Dirige-se a casa de Démones.)
CENA III
GRIPO TRACALIÃO
TRACALIÃO (voltando da praia e vendo Gripo)
Olá! Espera aí!
GRIPO
Espero porquê?
TRACALIÃO
Para te enrolar essa corda que arrastas.
GRIPO
Deixa lá
TRACALIÃO
Mas, por Pólux, vou ajudar-te: « bem que se faz aos bons
não se perde.
GRIPO
[940] Ontem a tempestade foi violenta, não tenho nenhum
peixe, rapaz, não penses que tenho. Não vês que trago a rede
molhada, sem cardume escamoso?
75
Plauto
TRACALIÃO
Por Pólux! Não precisodepeixe, estou ansiosopor conversar
contigo.
GRIPO
Matas-me de aborrecimento, quem quer que tu sejas.
TRACALIÃO
Não te deixarei sair daqui. Espera!
GRIPO
(945) Tem cuidadinho com o castigo... Porque me reténs,
malvado?
TRACALIÃO
Ouve.
GRIPO
Não oiço.
TRACALIÃO
Mas vais ouvir-me já, por Pólux!
GRIPO
Bem, diz lá o que
TRACALIÃO
"Olha! O que te quero dizermerecemesmo atenção.
Explica, o que é?
TRACALIÃO
Vê se ninguém nos segue de perto.
E isso interessa-me?
76
Rudens (A Corda)
TRACALIÃO
Sem dúvida. [950] Mas poderei esperar que sejas discreto?
GRIPO
Diz-me apenas de que se trata.
TRACALIÃO
Cala-te. Digo, se me garantires que não me trairás.
GRIPO
(955) Garanto, não te trairei, quem quer que sejas.
TRACALIÃO
Ouve. Vi alguém que fazia um roubo. Conhecia o dono
a quem era feito. Depois, dirijo-me eu próprio ao ladrão e
proponho-lhe um entendimento, deste modo: "Sei a quem
foi feito este roubo. Agora, se me queres dar metade, não
farei denúncia ao dono". Ele ainda não me respondeu.
[960] O que é justo que me seja dado? Espero que digas
metade.
GRIPO
Por Hércules, atémais. Acho que, se ele não der, deve dizer-
se ao dono.
TRACALIÃO (contendo o riso)
Vou seguir o teu conselho. Agora dá atenção, porque tudo
isto te diz respeito.
GRIPO
Que se passa?
TRACALIÃO
Conheço hámuito o homem a quem pertence estamala.
GRIPO
. 0 quê?
Plauto
TRACALIÃO
E como a perdeu.
GRIPO
[965] E eu sei como foi encontrada, conheço o sujeito que
a encontrou e sei quem é agora o dono. Por Pólux! Isto não tediz mais respeito do que sso a mim. Eu conheço a quem agora
pertence, tu aquele de quem foi antes. Demim ninguém a levará,
não esperes tu seres capaz.
TRACALIÃO
Se o dono vier, não a leva?
GRIPO
O dono disto - não te enganes - [970] não é nenhuma
criatura senão eu, que apanheii isto naminha pescaria.
TRACALIÃO
Ai é?
GRIPO
Por acaso achas que há no mar algum peixe meu? Quando
os apanho - se apanho alguns - são meus, considero-os meus.
Ninguém os reclama, nem ninguém pretende uma parte. Vendo-
os todos no mercado, diante de toda a gente, como mercadoria
minha. (975) Não há dúvida, omar é de todos.
TRACALIÃO
-Concordo. Mas - pergunto - esta mala de viagem não será
também de todos paramim? Foi encontrada nomar de todos.
GRIPO
Que grande falta de vergonha. Se a justiça fosse a que dizes,
os pescadores estariam perdidos. Logo que os peixes fossem
expostos na peixaria, [980] ninguém os comprava, cada um
reclamaria para si uma parte dos peixes, diriam que tinham sido
apanhados nomar de todos.
Rudens
TRACALIÃO
Que dizes, descarado? Ousas comparar amala com peixes?
Parece-te amesma coisa?
GRIPO
Não depende demim. Quando lanço rede e anzol, tiro tudo
o que está agarrado. [985] O que rede e anzóis apanham é meu,
muitissimomeu.
TRACALIÃO
Mas não é, por Hércules, se apanhaste alguma bagagem.
GRIPO
Filósofo!
TRACALIÃO
Etu, bruxo, alguma vez visteumpescadorapanharumpeixe-
mala ou levar algum para omercado? Não vais exercer aqui todas
as profissões que quiseres. [990] Pretendes, infame, ser pescador e
maleiro? Ou tens de me mostrar um peixe que seja mala ou não
levarás o que não nasceu nomar e não tem escamas.
GRIPO
Como? Nunca ouviste antes dizer que houveumpeixe-mala?
TRACALIÃO
Não há nenhum, malvado.
GRIPO
Há sim. Sei eu que sou pescador. [995] Mas raramente é
apanhado, nenhum vem para terramenos vezes.
TRACALIÃO
Falasemvão. Julgasqueansegues engamarme, or
GRIPO
Desta cor só se apanham muito poucochinhos. Há outros
com a pele avermelhada, outros grandes e negros.
79
Plauto
TRACALIÃO
[1000] Bem sei. Por Hércules! (Faz um gesto de ameaça de
pancada.) Acho que, se não te acautelas, vais transformar-te
em peixe-mala: a tua pele ficará vermelha e logo a seguir
negra.
GRIPO (à parte)
Quemalvado havia hoje de encontrar!
TRACALIÃO
Falamos, falamos, e o dia vai-se. Fazes favor de ver quem
queres que nos dê uma decisão.
Não levarás hoje esta mala, se não indicares um fiador ou
um árbitro [1005] que decida este assunto.
GRIPO
Diz-me lá: estásbom da cabeça?
TRACALIÃO
Estou louco furioso.
Rudens (A Corda)
GRIPO
E eu desvairado. Mas não vou largá-la!
TRACALIÃO
Acrescenta só uma palavra; esmurro-te logo os miolos. Se
não a largares, espremo logo todos os líquidos que tens, como se
espreme uma esponja nova.
GRIPO
[1010] Toca-me, bato-te no chão, como costumo fazer com o
polvo. Queres lutar?
TRACALIÃO
Para quê? Porque não divides antes a pescaria?A mala.
GRIPO
Daqui não levas senão bordoada, não peças. Vou-me
embora daquip.
TRACALIÃO
Ai sim?
TRACALIÃO
Mas eu vou daqui virar de bordo o navio para que não te
vás. Fical
GRIPO
Sem dúvida.
TRACALIÃO
GRIPO
Se tu és o vigia deste navio, eu serei o timoneiro. [1015]
Larga o cabo, malvado.
Ésmesmo parvo
GRIPO
TRACALIÃO
Largo. Larga tu amala.
Salve, grande sábio!
TRACALIÃO
GRIPO
Por Hércules! Daqui não ficarás hojemais rico um chavo.
TRACALIÃO
Não conseguirás convencer-me recusando obstinadamente;
se não me for dada uma parte, ou se recorre a um árbitro, ou se
põe num depositário.
Plauto
Algo que apanhei nomar
?
CALIÃO
mas eu vi da praia.
(1020)
Com omeu trabalho, esforço e rede e barco?
[RACALIÃO
E se agora vier o dono a quem pertence, eu, que
vi de longe
pegares
nela, soumenos ladrão do que tu?
tu
modo nenhum. (Procura ir-se embora.)
[RACALIÃO
pára, flagelo, como provas que não sou parceiro, mas sou
Explica-me.
não sei, não conheço estas vossas leis urbanas; (1025) só
digo é que
esta (aponta para a mala) éminha.
TRACALIÃO
E eu também digo que éminha.
Descobri omodo de não seres ladrão nem parceiro.
CALIÃO
modo?
Deixa-me ir embora daqui e segue o teu caminho, calado;
tu
denunciarás a ninguém e eu não te darei nada; tu calas-
aborreças.
Rudens (A Corda)
TRACALIÃO
(1030] Atreves-te a fazer uma proposta?
GRIPO
Faço já: que te vás embora, largues a corda e não me
TRACALIÃO
Espera, até eu fazer uma contraproposta.
GRIPO
Por Hércules, faz-me o favor de te ires embora!
TRACALIÃO
Conheceste alguém nestes lugares?
GRIPO
Osmeus vizinhos, convém.
TRACALIÃO
Ondemoras tu aqui?
GRIPO
Longe, lá longe, mesmo nos confins dos campos.
TRACALIÃO
(1035] Não queres tomar por árbitro quemmora nesta casa?
GRIPO
Larga um pouco a corda, enquantome afasto para pensar.
TRACALIÃO
Seja.
GRIPO (à parte)
jadrão
Espera.
De que
GRIPO
Óptimo! O caso está arrumado, esta presa é minha para
ficareimudo. Isto é excelente e justíssimo. sempre. Chama omeu amo como árbitro, aqui dentro daminha
te, morada. Por Hércules, ele nunca tirará um trióbulo ao seueu
Plauto
homem. [1040] Este não sabe mesmo as condições que propôs.
(A Gripo) Vou procurar o árbitro.
TRACALIÃO
Então?
GRIPO
Embora esteja seguro deque amalame pertence por direito,
resolva-se isto assim, em vez deme bater agora contigo.
TRACALIÃO
Agora entendes-me.
GRIPO
Ainda que me leves a um árbitro desconhecido, se ele for
honesto conheço-o, ainda que o não conheça. Se não for honesto,
é desconhecidíssimo, embora o conheça.
CENA IV
TRACALIÃO GRIPO DÉMONES PALESTRA AMPELISCA
ESCRAVOS
DÉMONES (saindo de casa com as jovens)
[1045] PorHércules, pequenas, a sério, emboraqueira ajudar-vos,
receio que aminhamulherme expulse de casa por vossa causa; dirá
que eu1 trouxe concubinas para diante dos seus olhos. Refugiem-se no
altar... (Pensando nos ciúmes damulher.) Émelhordo que se for eu.
PALESTRA eAMPELISCA
Infelizes, estamos perdidas.
DÉMONES
Não tenham medo, manter-vos-ei a salvo. (Aos escravos)
Mas por que razãn as [1050] acompanham cá fora? Estando eu
presente, ninguém lhes farámal. Digo-vos que vão ambos já para
casa, protectores livres da protecção.
Rudens (A Corda)
GRIPO
Viva, meu amo!
DÉMONES
Viva, Gripo, como passas?
TRACALIÃO (a Démones)
Este homem é teu escravo?
GRIPO
Nãome envergonho disso.
TRACALIÃO
Não trato nada contigo
GRIPO
Então faz o favor de te ires embora.
TRACALIÃO
Responde-me por favor, ancião. Este é teu escravo?
DÉMONES
Émeu.
TRACALIÃO
Ah! Se é teu, muito bem. [1055] Saúdo-te de novo.
DÉMONES
Eeuati Nãoéstu quedaqui fostehábocadoàprocurado teu amo?
TRACALIÃO
Sou eu.
DÉMONES
Que queres agora?
TRACALIÃO
Este émesmo teu vo?
DÉMONES
Émeu.
TRACALIÃO
Ainda bem que é teu.
DÉMONES
De que se trata?
TRACALIÃO (apontando para Lábrax)
Este sujeito é ummalvado.
DÉMONES
Que te fez omalvado do sujeito?
TRACALIÃO
Quero que quebrem os tornozelos a este sujeito.
DÉMONES
(1060) O que há? Por quemotivo disputam ambos agora?
TRACALIÃO
Vou dizer.
GRIPO
Não, sou eu que vou dizer.
TRACALIÃO
Parece-me que sou eu o queixoso...
GRIPO
Se tivesses vergonha, ias-te daqui embora.
DÉMONES
Gripo, dá atenção e cala-te.
GRIPO
Então este vai falar primeiro?
Rudens (A Corda)Plauto
DÉMONES
Ouve. (A Tracalião.) Fala tu.
GRIPO
Dás a palavra ao escravo deumestranho antes do que ao teu?
TRACALIÃO
Não se poderá calá-lo? [1065] Como comecei a dizer, o
alcoviteiro que há pouco expulsaste do templo... este... (aponta
para Gripo) tem amala dele.
GRIPO
Não tenho.
TRACALIÃO
Negas o que vejo com osmeus olhos?
GRIPO
Mas queria que não visses. Tenho e não tenho: que te
que faço?
TRACALIÃO
Importa como a tens, de direito ou ilegalmente.
GRIPO
(1070] Se não a apanhei, não há razão para me entregares
à cruz. Se a agarrei no mar com a rede, como é mais tua que
minha?
TRACALIÃO
Balelas! coisa passou-se como digo.A
GRIPO
Que dizes?
TRACALIÃO (a Démones)
Até acabar de falar quem começou, fazes favor de o calar,
se é teu escravo.
Plauto
GRIPO
O quê, queres que ele faça o que o teu amo costuma fazer-te?
[1075] Se ele costumamandar-te calar, aqui o nosso não costuma.
DÉMONES (divertido)
Neste palavreado, ele fica a ganhar...Que queres agora, diz-me.
TRACALIÃO
Na verdade, não é para mim que peço parte desta mala,
nem nuncahoje disse serminha.Mas tem ládentro
da rapariga que há pouco disse que era livre.
DÉMONES
[1080] Estás a falar daquela que há pouco dizias ser
minha compatriota?
TRACALIÃO
Exactamente. E os pequenos objectos que tinha em pequena
estão aqui nesta caixinha que está na mala. Não tem utilidade
para ele (aponta para Gripo), mas auxiliará a pobrezinha, se lhe
dermeios de procurar os pais.
DÉMONES
Farei que a dê. Cala-te.
GRIPO
[1085] PorHércules, não vou dar-lhe nada.
TRACALIÃO
Não peço nada senão caixinha e os pequenos objectos.
GRIPO
E se elas forem de ouro?
TRACALIÃO
Que te importa? Será pesado ouro pelo ouro, igualar-se-á
prata com prata.
Rudens (A Corda)
GRIPO
Mostra-me o ouro, por favor; depois deixote ver a
caixinha.
DÉMONES (a Gripo)
Tem cuidado com o castigo e cala-te. (A Tracalião.) Continua
tu com o que começaste a dizer.
TRACALIÃO
[1090] Só te peço que tenhas dó desta pequena, se a mala
é do alcoviteiro, como desconfio. Por enquanto, isto é só uma
suposição, não tenho a certeza.
GRIPO
Estão a ver como omaldito arma uma ratoeira?
TRACALIÃO
Deixa-me continuara falar. Seestamalaédomalvado, como
digo, [1095] elas (aponta para as raparigas) poderão reconhecê-la
manda que ele amostre.
GRIPO
O quê? Mostrar?
DÉMONES
Gripo, não pede njustamente que semostre amala.
GRIPO
Pelo contrário, por Hércules, é uma injustiça
extraordinária.
DÉMONES .
Então porquê?
GRIPO
Porque, se a mostrar, é claro que elas dirão logo que a
reconhecem.
Plauto
TRACALIÃO
Ó fontede crimes, julgas que são todos como tu, fontede perfídia?
GRIPO
(1100) Aguento facilmente tudo isto, contanto que este(aponta para Démones) esteja do meu lado.
TRACALIÃO
Na verdade, ele está agora do teu lado, mas a evidênciaestará por certo do lado delas.
DÉMONES
Gripo, dá atenção. Tu (aponta para Tracalião), diz o quepretendes, em poucas palavras.
TRACALIÃO
Já disse,mas repito, senão percebestebem. Estas duas, como
já afirmei, devem ser livres; [1105] esta (aponta para Palestra) foiroubada de Atenas em criança.
GRIPO
Diz-meo que importa àmala que elas sejam escravas ou livres.
TRACALIÃO
Malvado, queres que lembre tudo outra vez, até o dia acabar!
DÉMONES
Deixa-te de insultos e explica-me o que pedi.
GRIPO
Que Júpiter e os deuses te confundam! Que dizes, bruxo?
Então elas sãomudas, não são capazesde falar a seu favor?
Rudens (A Corda)
TRACALIÃO
Calam-se, porque uma mulher é sempre melhor quandotá calada do que quando fala.
GRIPO
(1115) Por Pólux, nessa medida não és para mim nemhomem, nem mulher:
TRACALIÃO
Porquê?
GRIPO
Porque nunca prestas, nem quando falas, nemquando estáscalado. (A Démones.) Por favor, será que eu poderei hoje falar?
DÉMONES
Se disseresmais uma palavra, esborracho-te a cabeça.
TRACALIÃO
Como comecei a dizer, ancião, peço-te [1120] que omandes
entregar-lhes a caixinha. Se ele reclama uma recompensa por ela,ser-lhe-á dada; e que fique com tudo omais que está dentro.
GRIPO
Agora já dizes isso, porque percebes que é meu de direito
há pouco pedias metade...
TRACALIAO
Mas ainda peço.TRACALIAO
Nestamala deve estar uma caixinha demadeira (1110] onde
há indícios com que esta (aponta para Palestra) possa reconhecer Já vi um atirar-se, embora sem levarJá vi um atirar-se, embora sem levar
DÉMONES (a Gripo)
(1125] Não conseguirei calar-te sem te castigar?
os seus pais, coisas que tinha quando, em pequena, desap
de Atenas, como antes dise.
GRIPO
Se ele se calar, eu calo-me; se ele falar, deixa-me falar também.
Plauto
DÉMONES
Dá-me já essa mala, Gripo.
GRIPO
A ti, vou confiá-la, mas tens de ma devolver, se não houver
dentro nenhuma dessas coisas.
DÉMONES
Será devolvida.
GRIPO
Toma.
DÉMONES
Ouve agora o que digo, Palestra - e tu também, Ampelisca.
(1130) Esta mala é ou não aquela em que dizias estar a tua
caixinha?
PALESTRA
É essa.
GRIPO
Desgraçado de mim, estou perdido, por Hércules. Disse
logo que é ela, mesmo antes de a ver bem.
PALESTRA
Vou esclarecer-te o assunto: dentro desta mala deve estar
uma caixinha de madeira. Vou dizer-te, uma a uma, as coisas
que tem dentro; [1135] tu nãome mostrarás nada. Se não acertar,
falarei em vão. Ficareis com ela e tudo.o que tiver dentro. Mas,
se acertar, então suplico-te que me sejam devolvidas as minhas
coisas.
DÉMONES
Parece-me bem. Pedes apenas simples justiça, acho eu.
GRIPO
E eu acho simples injustiça, por Hércules. E se ela é feiticeira
92
Rudens (A Corda)
ou adivinha, e acertar com tudo [1140] o que está dentro, a
adivinha ganhará?
DÉMONES
Nada obterá, se não disser a verdade: adivinhará em vão.
Desata a mala, para eu saber logo qual a verdade.
TRACALIÃO (à parte)
Está arrumado...
GRIPO
Está desatada.
DÉMONES
Abre.
PALESTRA
Vejo a caixinha.
DÉMONES
É esta?
PALESTRA
É essa.Ómeus pais, tenho-vos aqui fechados: [1145] guardei
aqui os meus recursos e a esperança de vos reconhecer.
GRIPO (irónico)
Por Hércules, sejas quem fores deves ter os deuses irados
contra ti, porque fechaste os teus pais em lugar tão estreito!...
DÉMONES
Gripo, aproxima-te, estamos a tratar do teu assunto. E tu,
pequena, afasta-te para longeedizoqueestá dentroe que aspecto
tem; lembra-te de tudo. [1150] Se, por Hércules, te enganares
pouco que seja e depois pedires para emendar, perderás o teu
tempo, menina.
Plauto
GRIPO
Falas com justiça.
TRACALIÃO
Por Pólux, não fala de ti, tu és injusto.
DÉMONES
Fala logo, pequena. Gripo, cala-te e dá atenção.
PALESTRA
Há uns pequenos objectos.
DÉMONES
Vejo-os aqui.
GRIPO
Estou perdido, logo no início da luta! (A Démones.) [1155]
Espera, nãomostres.
DÉMONES
Que aspecto têm? Responde, sem interrupção.
PALESTRA
Primeiro há uma espadinha de ouro, com uma inscrição.
DÉMONES
Diz então o que está escrito na espadinha.
PALESTRA
O nome do meu pai. Depois, ao lado, há uma machadinha
de dois gumes, também de ouro, com uma inscrição. Na
machadinha está o nome daminhamãe.
DÉMONES
Espera. [1160] Diz-me qual é o nome do teu pai que
está na espadinha.
Rudens (A Corda)
PALESTRA
ones.
DÉMONES
Deuses imortais! Que esperança aminha!
GRIPO
E então aminha, por Hércules?
TRACALIÃO (a Démones e Palestra)
Por favor, continuem sem parar.
GRIPO
Calminha! (Entre dentes) Ou vai-te enforcar.
DÉMONES
Diz-me qual o nome da tua mãe que está aqui na
machadinha.
PALESTRA
Dédalis.
DÉMONES
Os deuses querem salvar-me!
GRIPO
E causar aminha perda.
DÉMONES
(1165) Gripo, esta deve ser aminha filha!
GRIPO
Tantome faz. (A Tracalião.) Que todos os deuses te percam,
tu que hojeme viste com os teus olhos, emaldito seja eu também
que não olhei à volta cem vezes, paraninguémme observar antes
de tirar a rede da água.
Plauto
PALESTRA (continuando)
Depois uma foicinha de prata com duasmãozinhas à volta,
[1170] e uma porca.
GRIPO
Vai-te enforcar,mais a porca e os leitões!
PALESTRA
E há uma bolinha de ouro que omeu paime deu no dia dos
meus anos.
DÉMONES
É ela, sem dúvida! Não consigo conter-me sem a abraçar.
Viva, minha filha, sou eu o pai que te criou. Sou Démones e,
olha, a tua mãe, Dédalis, está aqui dentro. (Aponta para a casa.)
PALESTRA
[1175] Viva, meu pai que já não esperaval
DÉMONES
Viva, com que prazer te abraço.
TRACALIÃO
Que alegria ver o que vos sucedeu devido à vossa
dedicação.
DÉMONES
Toma, vê se levas para dentro estamala; anda, Tracalião.
TRACALIÃO
Aqui estão as desgraças de Gripo. (Zombateiro.) Muito me
alegro, Gripo, que este assunto te tenha corridomal.
DÉMONES
Anda, vamos, minha filha, até junto da tua mãe. [1180]
Contigo poderá averiguar este caso com mais indícios; quem
mais te cuidou, mais sinais teus reconhece.
Rudens (A Corda)
PALESTRA
Vamos todos para dentro, já que temos assuntos em comum.
Segue-me, Ampelisca.
AMPELISCA
Como me alegro por os deuses gostarem de til (Démones,
Palestra, Ampelisca e Tracalião entram em casa).
GRIPO
Não sou mesmo um desgraçado, eu que pesquei hoje
esta mala [1185] e quando a pesquei não a escondi num sítio
isolado? Por Pólux, julgaria eu que a presa ia dar-me trabalho,
por me ter saído em sorte com temporal tão violento?... Por
Pólux, julgo que tem lá dentro prata e ouro em abundância.
Não será melhor entrar e enforcar-me, às escondidas, [1190]
pelo menos enquanto não me passar este desgosto? (Entra
também em casa.).
CENA V
DÉMONES
DÉMONES (falando consigo)
Pelos deuses imortais! Quem haverá mais afortunado
que eu, que inesperadamente encontrei a minha filha?
Quando os deuses querem ser propícios a alguém, não
realizam de algum modo os seus desejos, se forem piedosos?
(1195] Hoje eu, que não tinha esperança nem acreditava,
encontrei inesperadamente a minha filha. E vou dá-la a
um jovem ateniense de alta estirpe, de boas famílias, e meu
parente. Antes de mais, quero chamá-lo para junto de mim
quanto antes e mandei o seu escravo sair, [1200] para ir ao
fórum. Admirome, por ainda não ter saído. Aproximemo-
nos da porta. (Olha para dentro de casa.) Que vejo? A minha
mulher ainda tem a filha abraçada? Como é despropositada
e aborrecida no seu afecto!
Plauto
CENA VI
DÉMONES TRACALIÃO
DÉMONES (falando para casa)
[1205] Ó mulher, é melhor parares um bocado com os
beijinhos. E prepara tudo para quando eu entrar em casa fazer
um sacrifício aos Lares familiares, que aumentaram a nossa
família. Temos em casa cordeiros e porcos para sacrifício. Mas,
mulheres, porque não deixam Tracalião sair? Ah, óptimo, lá sai
ele.
TRACATTÃO (saindo de ensa)
[1210] Onde quer que Pleusidipo esteja, vou já descobri-lo e
trazê-lo para junto de ti.
DÉMONES
Diz-lhe o que aconteceu quanto àminha filha. Pede-lhe que
deixe tudo omais e venha para aqui.
TRACALIÃO
Está bem.
DÉMONES
Diz-lhe que lhe darei aminha filha em casamento.
TRACALIÃO
Está bem.
DÉMONES
E que conheci1 o pai dela e que émeu parente.
TRACALIÃO
Está bem.
DÉMONES
[1215) Mas despacha-te.
Rudens (A Corda)
TRACALIÃO
Está bem.
DÉMONES
Ele que se apresse, para se tratar da ceia.
TRACALIÃO
Está bem.
DÉMONES
Está bem para tudo?
TRACALIÃO
Está bem. Mas sabes o que quero de ti? Que te lembres do
que prometeste: eu ser hoje livre.
DÉMONES
Está bem.
TRACALIÃO
Vê se pedes a Pleusidipo queme dê a liberdade.
DÉMONES
Está bem.
TRACALIÃO
Emanda a tua filha pedir-lhe. Convencê-lo-á facilmente.
DÉMONES
Está bem.
TRACALIÃO
(1220) E queme case com Ampelisca, quando eu for livre.
DÉMONES
Está bem.
Plauto
TRACALIÃO
E que eu comprove com factos o vosso reconhecimento.
DÉMONES
DÉMONES