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AS NOVAS FRONTEIRAS AGRÍCOLAS E A QUESTÃO AGRÁRIA BRASILEIRA1 Michele Lindner2 - UFSM - michele_ufsm@yahoo.com.br Vera Maria Favila Miorin3 - UFSM Flamarion Dutra Alves4 - UFSM Tânia Cristina Gomes5 - UFSM Introdução Este trabalho tem como objetivo analisar a questão agrária brasileira a partir da década de 1960, com a instalação do regime de governo militar no Brasil e das alterações ocorridas no campo brasileiro sob a ação do processo conhecido como modernização da agricultura – criação dos Complexos Agro-Industriais - e o avanço das fronteiras agrícolas sobre novas áreas construindo novos espaços geográficos na região Norte do Brasil. A instalação de empresas em imensas propriedades rurais ocasionou conseqüências de ordem social, econômico, ambiental e cultural, configurando, desta forma, novas territorialidades. Ao se apropriar de uma área antes habitada por nativos daquela região ou simplesmente de preservação ambiental, os Complexos Agro-Industriais expulsaram a população e mudaram a dinâmica da Região. Como resultante desta nova ordem nas relações socioeconômicas aumentou, também, os conflitos de luta pela terra e conseqüentemente, outros agentes entram em ação neste contexto agrário, dando visibilidade aos excluídos e fortalecendo a democratização da posse da terra, juntamente com a luta pela preservação de áreas de proteção ambiental. Estes fatos serão discutidos e analisados na pesquisa, a qual terá como apoio referências bibliográficas e dados estatísticos. Portanto, as novas 1 Relatório de pesquisa. 2 Geógrafa - Acadêmica do Programa de Pós-Graduação em Geografia e Geociências – Especialização em Geociências /CCNE / UFSM – Mestranda em Extensão Rural / CCR/ UFSM. 3 Professora Drª. do Departamento de Geociências / CCNE /UFSM. 4 Geógrafo - Mestrando em Extensão Rural / CCR/ UFSM. mailto:michele_ufsm@yahoo.com.br fronteiras agrícolas surgidas a partir da década de 1960, configuraram em seu interior a apropriação concentrada das riquezas naturais e de terras estabelecendo injustiças, além de influenciarem na formação do território e nas relações existentes até a atualidade. A Questão Agrária e a Modernização da Agricultura Brasileira no Regime de Governo Militar No estudo da questão agrária brasileira, hoje, deve ser analisado o processo histórico de ocupação e colonização do espaço físico nacional, o qual foi totalmente excludente e concentrador de terras, dando origem a formação de uma oligarquia rural, presente e influente até nossos dias. Às primeiras disparidades socioeconômicas surgem ai e decorrem da presença de uma minoria detentora da grande riqueza e uma maioria vivendo à margem desse processo. As mudanças no modelo agrário brasileiro ganharam impulso nesta época, pois conforme alguns autores, era preciso modificar a estrutura do setor agropecuário brasileiro, que se apresentava com baixo nível tecnológico, no qual, era considerado atrasado para o desenvolvimento econômico. Desse modo, era necessário, conforme a Comissão Econômica para a América Latina (Cepal) modernizar o setor e elevar o padrão de vida das populações rurais, de forma que elas pudessem também se constituir em um mercado consumidor para as indústrias emergentes (MEDEIROS, 2002). Assim, para garantir a ampliação desse mercado, o Estado implementou um conjunto de políticas agrícolas destinadas a incentivar a aquisição dos produtos desses novos ramos da indústria, acelerando o processo de incorporação de modernas tecnologias pelos produtores rurais. A industrialização da agricultura brasileira entrava assim numa outra etapa (GRAZIANO DA SILVA, 1980). TP 5 Acadêmica do Curso de Geografia – Bacharelado/ CCNE / UFSM. Esse processo de mudança no padrão agropecuário fez com que se criasse um complexo que estivesse integrado diretamente com a indústria, para alavancar a produção agrícola. Nesse período, viu-se uma mudança de paradigma agropecuário, e conforme Graziano Neto: A modernização da agricultura desmoronou num curto espaço de tempo a secular sociedade agrária-tradicional. Após séculos de dominância, o sistema oligárquico de produção, assim como seu carro chefe, latifúndio, perdeu o comando na dinâmica da agricultura. Quem comanda agora é a grande empresa rural, capitalista, vinculada ao complexo agro-industrial que determina a forma de produção no campo. (GRAZIANO NETO, 1996, p.46-47) Com incentivos financeiros governamentais, o campo ganhava outro formato, passando de “atrasado” para “moderno”. Nessa mudança, vislumbrava-se o desenvolvimento econômico, através do aumento da produção e dos empregos gerados na indústria, pois era preciso ter mão-de-obra no setor industrial1 para a produção dos insumos, maquinário, e demais produtos incorporados à modernização agrícola, mas esse processo não freou as desigualdades socioeconômicas, pelo contrário agravou, concentrando ainda mais o poder e a terra. Bem como se referiu Graziano Neto (1996, p. 52) “Essas mudanças na agricultura brasileira foi incapaz de trazer benefícios sociais generalizados, restando contingentes populacionais à margem do processo de transformação” Mas esse desenvolvimento econômico na agricultura e na indústria não se reduziu apenas a concentração de terras e as desigualdades socioeconômicas da população brasileira. Nesse sentido, há que se buscar alternativas para a diminuição nas desigualdades, em síntese, Romeiro (1994, p.123) expressa resumidamente esse processo de modernização: 1 A respeito da instalação de indústrias Graziano da Silva (1980, p.27), cita que “No início dos anos sessenta são implantadas indústrias de tratores e equipamentos agrícolas (arados, grades, etc), fertilizantes químicos, rações e medicamentos veterinários, etc”. Em resumo, a história mostrou que a estrutura agrária concentrada não foi obstáculo para a continuidade do processo de crescimento econômico. Foi, sim, obstáculo ao processo de desenvolvimento socioeconômico que eleva a qualidade de vida da população em geral (ROMEIRO, 1994: 123) Além de não solucionar os problemas socioeconômicos da população brasileira a modernização da agricultura trouxe novos problemas para o centro da questão, como Graziano Neto (1996) ressalta: A modernização tecnológica da agricultura provocou problemas ecológicos, como a devastação das florestas, a erosão dos solos e a contaminação do homem e dos ecossistemas pelos agrotóxicos. Novas preocupações se juntaram a antigas pendências, como o êxodo rural e a marginalidade dos pequenos produtores rurais (GRAZIANO NETO, 1996, p.50). Como a produção agropecuária cresceu no fim da década de 60 e inicio dos anos 70, os problemas foram esquecidos, o “milagre econômico brasileiro” se sobrepôs ao êxodo rural, a favelização dos centros urbanos, concentração fundiária, ou seja, pouco se falou da questão agrária “em parte porque a repressão política não deixava falar de quase nada. Mas em parte também porque muitos achavam que a questão agrária tinha sido resolvida com o aumento da produção agrícola ocorrido no período do milagre” (Graziano Silva, 1980, p.8). A partir da década de 1980, surgem novas fontes de recursos para o financiamento do setor agropecuário, com o papel de suprir a redução da participação do Estado na oferta total de crédito rural. O interesse do Governo em estimular a criação de novas fontes de recursos em substituição às fontes tradicionais dava-se pela necessidade de continuidade do processo de estabilização da economia. Em relação a essas novas fontes, destaca-se que a origem dos recursos é de natureza privada, mesmo nos casos onde o Governo Federal incentivoua criação dessas fontes. Além de serem “fontes indexadas e com taxas de juros mais elevadas do que as fontes tradicionais, como o Tesouro e as exigibilidades, para as quais o governo fixa as taxas de juros máximas que podem ser cobradas pelo sistema bancário oficial e privado" Gasques & Verde (1995, p.10). Porém, mesmo com a redução da participação do Estado no financiamento rural, a continuidade da conexão agrícola-industrial manteve-se sólida, expandindo suas fronteiras. Territorialização do espaço e as novas configurações sociais na Amazônia Para discutir o processo de ocupação e territorialização do espaço amazônico, buscou-se primeiro uma abordagem teórica sobre as terminologias espaço e território, para posteriormente tratar os processos ocorridos na Amazônia. Definição de espaço: Primeiramente, adotar-se-á uma conceituação fundamentada em dois pesquisadores, Henri Lefèbvre e Milton Santos que trataram o espaço como um ambiente com inter- relações sociais, relacionando o espaço natural com o espaço ocupado pelo homem. A conceituação de espaço por Lefèbvre foi buscada em sua obra Espacio y política (1976) e que reflete de forma clara as relações sociais que existem, afirmando que o espaço: Não se pode dizer que seja um produto como qualquer outro, um objeto ou uma soma de objetos, uma coisa ou uma coleção de coisas, uma mercadoria ou um conjunto de mercadorias. Não se pode dizer que seja simplesmente um instrumento, o mais importante de todos os instrumentos, o pressuposto de toda produção e de todo o intercâmbio. Estaria essencialmente vinculado com a reprodução das relações (sociais) de produção (LEFÈBVRE, 1976, p.34). Para Lefèbvre o espaço é social, ou seja, é a materialização da existência humana, uma dimensão da realidade. A produção desse espaço é realizado por todas relações sociais existentes, e na conquista de uma fração desse espaço é que surge o território. Milton Santos (1997) diz que o espaço é considerado como um fator da evolução social, não apenas como uma condição, considerando o espaço como uma instância da sociedade, ao mesmo título que a instância econômica e a instância cultural- ideológica, ou seja, várias categorias interdependentes, porque o espaço é um fator social e não um reflexo social. Deste modo, Santos (1997) diz que o espaço deve ser analisado através de quatro elementos: - forma: é o aspecto visível de alguma coisa; - função: indica uma tarefa ou atividade esperada de uma forma, pessoa, instituição ou coisa; - estrutura: implica a inter-relação de todas as partes de um todo, o modo de organização da construção; - processo: definido com o uma ação contínua, desenvolvendo-se em direção a um resultado qualquer, implicando conceitos de tempo (continuidade) e mudança. Estes quatro elementos estudados entre si, em inter-relações, são essenciais para se discutir os fenômenos espaciais. Resumindo, o espaço é o locus da reprodução das relações sociais. -Definição de território O território é uma unidade de análise que difere da unidade espaço, no qual as categorias tempo (histórico) e poder são fundamentais para a melhor compreensão dessa abordagem epistemológica. Raffestin, Souza e Santos abordam de forma esclarecedora o termo território e assim contribuem para a discussão da luta pela terra e sua territorialização. De forma genérica, territórios são construídos (e desconstruídos) dentro de escalas temporais as mais diferentes: séculos, décadas, anos, meses ou dias; territórios podem ter caráter permanente, mas também podem ter uma existência periódica, cíclica (SOUZA, 2003). Para Raffestin (1993, p.143) o território é uma fração conquistada do espaço, desse modo para ele "O espaço é anterior ao território. O território se forma a partir do espaço, é o resultado de uma ação conduzida por um ator (que realiza um programa). Ao se apropriar de um espaço, concreto ou abstratamente (pela representação, por exemplo) o ator ‘territorializa’ o espaço.” Este território é composto por uma identidade, que o diferencia de outro, pois tem um sentido histórico, temporal e de apropriação distinto. E nesse sentido Santos (2002) afirma que, O território não é apenas o conjunto dos sistemas naturais e de sistemas de coisas superpostas. O território tem que ser entendido como o território usado, não o território em si. O território usado é o chão mais a identidade. A identidade é o sentimento de pertencer àquilo que nos pertence. O território é o fundamento do trabalho, o lugar da residência, das trocas materiais e espirituais e do exercício da vida (SANTOS, 2002, p. 10). Nesse sentido, a territorialização do espaço amazônico acarretou algumas conseqüências positivas e muitas negativas, e são essas questões que serão tratadas a seguir. As Novas Fronteiras Agrícolas e as conseqüências para o território amazônico A expansão da fronteira agrícola na Amazônia desempenhou pelo menos três funções básicas no modelo agrícola brasileiro, conforme salientou Graziano da Silva (1980), sendo que a primeira foi, no plano econômico, pois a fronteira era um “armazém” de gêneros alimentícios básicos, especialmente arroz e feijão; A segunda, no plano social, por que a fronteira representava uma orientação dos fluxos migratórios; A terceira função, no que tange o plano político, é que a fronteira era a “válvula de escape” de tensões sociais no campo. Onde a pressão por terras no Centro-Sul era maior, com a colonização na Amazônia distanciava-se o foco das pressões dos movimentos sociais. Outro ponto da expansão da nova fronteira agrícola foi à introdução de novos cultivos e a transferência da agricultura por pecuária gerando assim uma expulsão de trabalhadores rurais. Desse modo, O fim dos incentivos e subsídios nos anos 80 arrefeceu mas não barrou a expansão da pecuária. Historicamente, a expectativa de ganho com a pecuária extensiva não decorreu da produtividade do investimento em gado bovino (resultado da taxa liquida de reprodução do rebanho e dos preços da carne) mas, principalmente, da valorização do patrimônio fundiário (ROMEIRO e REYDON, 1998). Essa valorização fundiária e a demanda por terras devido às pressões pela reforma agrária decorreram em conflitos sociais no campo em prol da reforma agrária. Durante o regime de governo militar, a Amazônia testemunhou uma profunda transformação na medida em que esta região, com seu imenso estoque de recursos naturais e seus vastos “espaços vazios”, foi considerada pelos governos militares um meio para se resolver rapidamente problemas de toda a ordem, ou seja, econômicos, sociais e geopolíticos. Neste contexto, políticas de desenvolvimento foram formuladas e implementadas com o objetivo de maximizar as imediatas vantagens econômicas. Estas estratégias de desenvolvimento geraram impactos sociais e ambientais adversos nas áreas rurais e urbanas da Amazônia (OLIVEIRA FILHO, 1979) Assim, as atividades agrícolas, as políticas de desenvolvimento para a Amazônia adotaram um modelo explicitamente voltado a grande propriedade. Este modelo favoreceu, com generosos subsídios, os grandes proprietários rurais em detrimento da vasta maioria dos pequenos. Neste sentido, Oliveira Filho (1979, p.111-112) ressalta que “as políticas tiveram uma série de impactos problemáticos, como, por exemplo, a concentração fundiária, os conflitos agrários, a violência rural e a insegurança alimentar”. Esse conflitos agrários são mais visíveis na região oeste do Maranhão e o leste do Pará. Em segundo lugar está a região que abrange o norte do Mato Grosso e o Estado de Rondônia. Sobre a desocupação das áreas indígenas, José de Sousa Martins (1986) descreve o efeito desastroso do fenômeno de limpeza que se intensificou durante o regime de governo militar. Essa política de confinamento tinha como outro lado da moeda a liberaçãode terras para a grande lavoura. “o cerco ou a remoção de povos indígenas são claramente interpretados por eles como sinais de morte coletiva... O cerco e a remoção, a definição de um território não mais pela tribo e sim pelo Estado, introduzem a mediação do mercado e da terra- mercadoria na relação do homem com a natureza” (MARTINS, 1986: 35-36). Desta forma, a ocupação do território da Amazônia, a partir da década de 70, alicerçou-se em desmatamentos e queimadas. Assim, conforme Romeiro e Reydon (1998): A partir dos anos 70, principalmente, a compra de terras tem um caráter fortemente especulativo: buscando créditos, subsídios, e a própria valorização da terra através dos projetos de pecuária. Vários estudos da década de 80 mostraram articulação entre estes processos na ocupação da Amazônia (ROMEIRO e REYDON). Contudo, o desmatamento dessas áreas também tem caráter de exploração de madeiras, a qual vem se ampliando de forma assustadora. Em 1996, o desmatamento já tinha atingido 517.069 km2 de toda a Amazônia Legal. O mais grave é que cerca de 80% da madeira é extraída ilegalmente, não contribuindo de forma alguma para o país (ROMEIRO e REYDON, 1998). Portanto, tanto a extração de madeira quanto a expansão da agricultura e pecuária vem destruindo gradativamente a floresta, principalmente quando se associam as queimada. Essas mudanças nas formas de ocupação do espaço fazem com que o território sofra uma remodelação, transformando um território natural em um território agrícola, transformado pela intensa ação antrópica. Considerações Finais Contudo, a ocupação do território da Amazônia esteve ligada a proteção da soberania nacional, pois na década de 1970, esta área pouco povoada ameaçava a estabilidade política de um país soberano. Assim, a pecuária e o cultivo da soja, são as produções que mais aumentaram nas últimas décadas, transformando a realidade da região ao avançarem até as florestas que até então estavam intactas. Este avanço teve inicio com a abertura da transamazônica, na década de 1960, pois através da construção de novos eixos, melhoria das hidrovias, das redes de telecomunicações e a ampliação das infra-estruturas, provocaram profundas mudanças no quadro geral da Amazônia, transformando seu território economicamente e estrategicamente. Portanto, a territorialização do espaço amazônico trouxe, em linhas gerais, uma concentração da propriedade da terra que estava sendo ameaçada devido ao processo de criação de novas fronteiras agrícolas. As políticas governamentais durante o regime militar favoreceram uma minoria, pois o processo de modernização do setor agropecuário foi excludente ao meio social e degradante ao ambiente, agravando os problemas de ordem econômica, social e ambiental da região. Bibliografia DAVID, M. B. de A. ; WANIEZ, P. ; BRUSTLEIN, V. Atlas dos beneficiários da reforma agrária. Estud. av., Set./Dec. 1997, vol.11, no.31, p.51-68. GASQUES, J. G. ; VERDE, C. M. V. 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