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Poliarquia: Participação e Oposição - Robert Dahl

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Poliarquia - Dahl
A obra do Dahl se destaca por causa das suas reflexões sobre a democracia contemporânea, ele colaborou no processo de moldar o que significa democracia atualmente. 
Dahl considera que as democracias existentes apenas se aproximam do ideal democrático, mas não conseguem ser completamente democráticas, por causa da variação de participação popular x possibilidade de discordar do governo e ainda ser representado. É por isso que ele cunha o conceito de poliarquia.
	O que é a poliarquia? 
Poliarquia são os regimes que conseguem alcançar a democracia na medida do possível, que tem inclusão popular na política e o direito de contestação pública. Na poliarquia tem uma competitividade de poder entre os grupos sociais variados e esses grupos –– por considerarem mais vantajoso coexistir do que eliminar os adversários - equilibram o poder uns dos outros, não deixando nenhum deles se destacar em excesso. 
Dahl define a democratização como um processo de ampliação progressiva da competição e da participação política, tornando a participação e a competição política conceitos clássicos na definição da democracia. Ou seja, o mais importante para manutenção dessa democracia seria o pluralismo societal, ou seja, uma sociedade com grupos sociais plurais, porque, então, nenhum dos grupos poderia ter acesso exclusivo a qualquer recurso de poder. O resultado seria uma neutralização recíproca dos grupos em conflito, essa pluralidade seria aprofundada com o desenvolvimento econômico. 
Até os anos 70, os cientistas políticos não tratavam da transição de um regime para o outro, quais os critérios, como poderia ocorrer o processo de transição etc. Como não havia uma discussão da possibilidade, a literatura se tornou pessimista em relação à possibilidade de países subdesenvolvidos se tornarem democracias, fazendo parecer que apenas os países que se modernizaram primeiro, geralmente os europeus, poderiam chegar a uma democracia consolidada. Alguns teóricos consideram apenas o fator modernização para um regime democrático, sem olhar para os indivíduos e os grupos envolvidos nesse país como agentes políticos. 
Portanto, antes das teorias do Dahl, a maioria dos pensadores acreditava que o sucesso da democracia era explicado pela teoria da modernização, ou seja, a modernização que oferecia as transformações sociais necessárias para um processo democrático e apenas atingindo essa modernização que a democracia ficaria estável. Nesse caso, a democracia estava ligada ao desenvolvimento econômico, a mudança ocorreria por um aumento na classe média e o alongamento da pirâmide social, as classes inferiores têm mais acesso a educação, a política e mais consciência de voto. 
Nesse tipo de explicação, tem pouco espaço pra se falar de uma transição, porque de qualquer forma, os países subdesenvolvidos não são atores políticos, eles precisam primeiro se modernizar e passar séculos melhorando sua condição financeira, sem poder ser uma democracia estável, a ação é indireta. Além disso, há um caminho único para a democratização.
Já em poliarquia, Dahl acredita que não há apenas um caminho na democratização e que também não há apenas um caminho para a modernização, o comunismo e o fascismo também podem modernizar o país, mas continuam sendo regimes sem poder de oposição ao governo, sem participação e, portanto, sem competição. O autor isola características da estrutura social dos países, para tentar estudar o acesso e o controle dos recursos do poder e da coerção sobre a democracia. 
Em resumo, a democracia depende da aliança das classes participantes do processo de modernização –– e o quão vantajoso ou desvantajoso é se livrar dos seus oponentes, numa poliarquia plena, o próprio sistema faz com que seja muito desvantajoso e é por isso que a democracia é estável. 
As chances de prosperar da democracia dependeria então do pluralismo da sociedade, e o desenvolvimento econômico contribuiu para esse desenvolvimento. Porque, no fim das contas, a democracia é o resultado de um cálculo de custos e benefícios feito pelos atores políticos. De forma que, todo grupo prefere reprimir seus adversários do que os tolerar. Logo, o que é necessário saber é se esses conjuntos estão dispostos a aguentar as consequências da repressão e se a oposição, por consequência, aceitar participar da competição pelo poder. A democracia se sustenta por equilíbrio de forças, quando um grupo não está em condições de eliminar os demais. 
Os atores agem politicamente, porque eles calculam, antecipam, tomam decisões, ou seja, agem.
Democratização e oposição pública
A característica chave da democracia é a contínua responsividade do governo às preferências dos seus cidadãos, considerados politicamente como iguais. Ou seja, precisam ser responsivos a todos os seus cidadãos e todos eles devem ter oportunidades plenas de formular suas preferências e expressá–las.
	Para que isso ocorra são necessárias algumas garantias como; a liberdade de expressão, o direito ao voto, direito de líderes e partidos disputarem apoio (muito ligado a competição também) e eleições livres. 
Quando os cidadãos têm suas preferências consideradas e o direito de expressá-las por meio dessas garantias, a contestação pública e a inclusão popular, se desenvolve independentemente. O direito de oposição é importante, porque sem ele, o direito de participar é aparado, já que o único tipo de expressão é em aprovação ao governo. 
Assim, a democracia é formada por duas dimensões: a contestação pública e o direito de participação. Na poliarquia tem competitividade entre grupos sociais variados e direito de contestação pública, além de um amplo direito de participação em votações e cargos no governo. 
Dahl vai afirmar que em sua visão, nenhum sistema no mundo é plenamente democratizado, os que estão mais pertos ideal de democracia, ele chama de poliarquia. Qualquer regime que se desloque para se aproximar do direito de contestação e do direito de participação, se aproxima em algum grau da democratização. As poliarquias podem ser pensadas como regimes relativamente democratizados, polarizados - por diversos grupos sociais e liberalizados, além de inclusivos e abertos à contestação pública. 
Essa democratização é fruto de diversas transformações históricas, uma delas foi a do século XVIII na Europa de oligarquias competitivas pra quase poliarquias e de quase poliarquias para poliarquias plenas após a primeira guerra mundial –– com exceção da Alemanha e Rússia. 
Quando regimes se deslocam em direção a uma poliarquia, eles aumentam as oportunidades de participação e contestação efetivas, expandindo, assim, o número de indivíduos, grupos e interesses que devem ser levados em consideração nas decisões políticas. 
Para o grupo que governa, isso parece ruim porque pode entrar em conflito com os seus próprios interesses e até mesmo substituí-los. Já para os opositores, a situação é invertida. Quanto mais oportunidades de trazer seus objetivos para o Estado, melhor, e isso traz a perspectiva de ainda mais conflito com a ordem vigente, que pode ser substituída pela oposição. 
Assim, quanto maior o conflito entre oposição e governo, mais esses grupos se esforçam para se cancelarem. Ou seja, quanto mais conflito entre governo e oposição, menos eles se toleram e maior a chance de eles quererem se anular. 
Dessa forma, numa poliarquia, a probabilidade de o governo tolerar a oposição deve aumentar, diminuindo os custos da tolerância e aumentando os ricos da tentativa de eliminação, por exemplo, uma evidente guerra civil que quebraria o país etc. E pelo lado da oposição, a possibilidade de aturar os adversários deve ser maior do que a tomada por uma revolução. Quanto mais o custo da supressão excede o da tolerância, mais estável fica a democracia. Ou seja, quanto mais difícil e custoso é suprimir os grupos sociais da política, mais a democracia está segura. 
Qual a importância da poliarquia? 
Para começar, algumas liberdades liberais clássicas são parte da contestação pública e da participação:poder de se opor ao governo e formar organizações políticas, poder de se manifestar sem temer o governo, poder ler e ouvir opiniões alternativas e votar secretamente. Nas poliarquias já estabelecidas essas questões não são novas, já são direitos garantidos. 
Segundo, a possibilidade de ampla participação provoca uma mudança na composição da liderança política, porque assim que certos grupos podem votar ou concorrer nas eleições, eles começam a eleger pessoas que os representam. O autor usa um exemplo da classe trabalhadora, que quando os partidos passaram a legalidade os trabalhadores passaram a votar, os partidos começaram a se movimentar pra conseguir votos desses grupos, e passaram a ocupar cargos no governo. Dessa maneira, os outros grupos do governo também se modificam em certo grau pra tentar obter esses votos.
Isso não significa que o governo vai representar todos os grupos, ou que ele vai ser igualitário, porém a ampliação do voto universal e a competição política, torna os parlamentos mais representativos em sentido estatístico. 
Ou seja, esse aumento de competição e inclusividade, causa mudanças no próprio sistema partidário, isso porque à medida que a base eleitoral cresce, os arranjos tradicionais que serviam para grupos pequenos, não funcionam mais em larga escala. 
Quanto maior a possibilidade de se expressar e ter as preferências políticas representadas, maior a variedade de interesses. Daí que, a transformação de hegemonias ou outros regimes para uma poliarquia, é aumentada quando há essa variedade de preferências e interesses políticos representados. Ou seja, quanto mais variedade de grupos na política, quanto mais os interesses são representados e esses representantes tem direito de ir contra as políticas de governo, se manifestar contra ou a favor, de se fazer ouvir e o governo levar em consideração as preferências dos cidadãos – iguais perante a lei – mais competição tem na política e mais os grupos anulam o poder uns dos outros de ter monopólio do governo. Além disso, quanto menos obstáculos a contestação pública e maior quantidade da população representada, mais dificuldade o governo tem de aplicar políticas extremas contra uma grande parte da população – por exemplo, um golpe de Estado tirando todos os direitos. 
É importante observar também que nas poliarquias não podem haver grupos inteiros excluídos da participação política e também do direito à manifestação/oposição ao governo.
Outra questão sobre a importância da poliarquia é que com um tempo os regimes vão afetando as crenças, atitudes, cultura e personalidades. As duas esferas o social – a cultura – e a política, interagem umas com as outras de forma recíproca e influenciam uma as outras, criando personalidades, atitudes e culturas no país. Por exemplo: a cultura do populismo no Brasil. Isso cria políticos populistas que tentam se inserir na vida pessoal das pessoas com cachaça e cerveja, ao mesmo tempo, que normaliza na cultura gostar e aplaudir esse tipo de candidato. Outro exemplo é os Estados Unidos, candidatos que falam da liberdade, que pregam liberdade são mais bem vistos porque os primeiros políticos e o próprio sistema americano de poliarquia, pregam que a liberdade de expressão/manifestação são o mais importante, além da propriedade privada. Regimes diferentes influenciam de formas diferentes. Um regime que é mais acostumado a essa liberdade, que é mais pluralista, vai ter pessoas que tem esse desejo pluralista, políticos que pregam isso etc. 
O caminho para poliarquia:
A sequência que foi mais comum entre as poliarquias foi a europeia, que uma hegemonia, vira oligarquia, abre a inclusividade do regime e aí vira poliarquia. Os conflitos dos grupos eram moderados devido a laços de amizade, família classe e interesses e à medida que novas camadas foram incluídas, elas iam sendo colocadas nessa lógica. Por exemplo, a classe trabalhadora podendo votar quando a aristocracia já votava. Já existiam partidos que restringiam a violência, por exemplo, ou a repressão, as vantagens de tolerância já eram maiores do que as vantagens de uma tomada revolucionária etc. Não tinha ameaça de perder os cargos, os trabalhadores votavam para trabalhadores, os aristocratas para aristocratas.
 Apesar desse caminho ser seguro, ele não é mais possível no mundo contemporâneo. Basicamente porque o sufrágio é universal de certa forma na maioria dos países, apenas poucos países negam o sufrágio. Mesmo que o voto seja para cargos como apenas prefeitura, ou alguns cargos administrativos, geralmente existe. Uma vez que o voto é concedido, é difícil retirá-lo. Mas o voto universal não quer dizer que a democracia é estável e que o país é uma poliarquia. 
Podemos perceber que a forma de chegar a poliarquia é aumentando a competitividade do sistema, com partidos políticos e grupos com interesses variados e com participação ampla – ou seja, voto universal, o direito de se manifestar e se opor ao governo. 
Então como se inaugura um regime competitivo, já que essa é a solução para chegar às poliarquias? 
Inaugurando o regime competitivo:
Inaugurar a competitividade é fazer um regime competitivo ser considerado legítimo. 
Geralmente as poliarquias estáveis surgem com uma legitimação mais ou menos pacífica dentro de um Estado-nação, ou seja, as ideias dentro do regime vão evoluindo, os indivíduos também e os governantes, aos poucos vão atendendo por certas reivindicações. Por exemplo, parlamentos dando direitos a classes trabalhadoras, e legalizando sindicatos. Teve greves gerais e conflitos, mas não tem uma repressão, por exemplo, eles cedem. 
Existem outras formas de um regime se legitimar, como na França que foi de forma revolucionária, de repente fizeram partidos e tal, mas não durou muito né, então tem isso que outras formas podem não ser tão estáveis. Nos EUA, por exemplo, não foi pacífico, quando houve a divisão das colônias, o processo para o país se tornar uma poliarquia foi violento, mas se tornou uma poliarquia estável. Então depende da situação, no geral:
O regime tem que ter legitimação dos seus cidadãos e ser competitivo para se tornar uma poliarquia. Não adianta grupos competirem por cargos em governos que eles acham deslegitimo, isso nem acontece, geralmente só se tenta tomar o poder. 
As futuras poliarquias, para Dahl, surgiriam com uma evolução muito lenta, exatamente por já tem voto, já tem a participação mais ou menos, então isso vai ter que ir evoluindo pra um regime competitivo de verdade. O autor também acredita que os países atualmente já têm um certo molde a se espelhar, vários países passaram por processos diferentes até chegar a uma poliarquia dentro do possível, então já existem modelos estados. Então, os novos países que se aproximarem da poliarquia não vão oscilar tão densamente entre os extremos (anarquia e ditadura), por já terem no que se espelhar. Os países no caminho para uma poliarquia necessitam buscar um sistema interno de segurança mútua.

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